H I S T Ó R I A S I N É D I TA S D O P E Q U E N O N I C O L A U
René Goscinny
Jean-Jacques Sempé
A volta às aulas
do Pequeno Nicolau
Tradução
Pedro Karp Vasquez
Volta às aulas
MAMÃE DISSE QUE AMANHÃ iremos comprar coisas para a volta
às aulas.
– Que coisas? – perguntou papai.
– Muitas coisas – respondeu mamãe. – Entre as quais: uma nova
mochila, um estojo e também sapatos.
– Sapatos de novo?! – exclamou papai. – Mas isso não é possível!
Ele come sapatos!
– Não, mas ele toma sopa para crescer – respondeu mamãe –,
e quando ele cresce os pés também crescem.
No dia seguinte, fui fazer compras com mamãe e discutimos um
pouco a respeito dos sapatos, porque eu queria comprar tênis e mamãe
insistia em dizer que compraria um par de sapatos de couro bem resistente, e, se eu não estivesse satisfeito, iríamos voltar para casa e papai
não ficaria nada contente com isso.
O vendedor da sapataria era muito gentil: ele me fez experimentar
um monte de sapatos, explicando a mamãe que todos eram bem maneiros, mas ela não conseguia se decidir. Até que gostou de um par de sapatos marrons e me perguntou se eu estava me sentindo bem dentro
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deles e respondi que sim para não chatear o vendedor, mas a verdade é
que estavam apertando um pouco os meus pés.
Depois mamãe comprou uma mochila horrível, mas a gente se
diverte à beça com as mochilas na saída da escola, nos divertimos jogando-as nas pernas dos colegas para derrubá-los, e estou doido para
reencontrar meus amigos, e depois mamãe comprou um estojo que mais
parece a cartucheira de um revólver, só que sem ele e no seu lugar um
apontador que parece um avião, uma borracha que parece um rato, um lápis
que parece uma flauta e um monte de coisas que parecem outras coisas
e com isso a gente vai fazer a maior bagunça na sala de aula.
De noite, quando papai viu tudo o que mamãe havia comprado para
mim, ele disse que esperava que eu cuidasse bem das minhas coisas e respondi que sim. É verdade, sou muito cuidadoso com as minhas coisas,
ainda que o apontador tenha quebrado antes do jantar quando eu brincava de bombardear o rato e papai tenha se irritado, dizendo que eu estava insuportável desde a volta das férias e que ele não via a hora de as
aulas começarem.
É preciso explicar que as aulas vão recomeçar logo, logo, mas que
eu, papai e mamãe já voltamos de férias há muito tempo.
As férias foram muito boas e nos divertimos bastante. Estávamos à
beira-mar e fiz um monte de coisas geniais: nadei bem para o fundo e depois, na praia, venci um concurso e ganhei dois gibis e uma bandeirola.
E, depois, eu estava bem bronzeado, bem maneiro.
É claro que quando cheguei em casa eu queria mostrar aos amigos
como eu estava queimado de sol, mas o ruim é que antes da volta às aulas
é difícil encontrar os amigos. Alceu – o que mora mais perto da minha casa
e é meu melhor amigo, um gordo que come o tempo todo – não estava.
Todos os anos Alceu vai com os pais para a casa do tio, que é açougueiro
em Auvergne. O problema é que Alceu só sai de férias bem tarde, pois
para poder ir para a casa do tio ele tem que esperá-lo voltar das próprias
férias na Côte d’Azur. Quando me viu, o sr. Compani, o quitandeiro aqui
do bairro, disse que eu estava superbonito, que parecia um pedaço de
pão de mel, e ele me deu passas e uma azeitona, mas não é a mesma coisa
que ver os amigos.
Afinal de contas, não é justo. De que serve você ficar bronzeado se
ninguém vai te ver? Estava muito mal-humorado e papai me disse para
não recomeçar com a mesma comédia de todos os anos, pois ele não queria que eu ficasse insuportável até a volta às aulas.
– Quando as aulas recomeçarem eu já estarei branquelo! – respondi.
– Mas isso é uma mania! – gritou papai. – Desde que ele voltou da
praia não faz outra coisa a não ser pensar no bronzeado!... Escute, Nicolau, você sabe o que deve fazer? Você tem que ir para o jardim e tomar
banho de sol. Assim, você não vai ficar mais me enchendo os ouvidos e,
quando você for para a escola, estará parecendo um verdadeiro Tarzan.
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Então, fui para o jardim, mas é claro que não era igual à praia, sobretudo porque havia muitas nuvens.
E, depois, mamãe me chamou:
– Nicolau! O que você está fazendo aí deitado na grama? Você não
está vendo que começou a chover?
Mamãe disse que esse garoto a deixava louca e entrei em casa, papai,
que lia o jornal, olhou para mim e disse que eu estava bem bronzeado e
que agora era preciso secar a cabeça porque eu estava todo molhado.
– Não é verdade! – gritei. – Não estou nada bronzeado! Eu quero
voltar para a praia!
– Nicolau! – gritou papai. – Você vai me fazer o favor de ser educado
e parar de dizer asneiras? Caso contrário, você irá para seu quarto sem
jantar! Entendido?
Então, comecei a chorar e disse que não era justo e que sairia de
casa e iria sozinho para a praia, e que eu preferia morrer a ser todo branco,
mamãe veio correndo da cozinha, dizendo que estava cheia de me ouvir
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reclamar o dia inteiro e que, se esse era o efeito que as férias tinham
sobre mim, preferia ficar em casa no próximo ano e que papai e eu nos
virássemos para curtir as férias, mesmo porque ela não se importava
muito com isso.
– No entanto, foi você quem insistiu para que voltássemos a Bainsles-Mers este ano – respondeu papai. – Em todo caso, não é culpa minha
se o seu filho é cheio de manias e se ele fica insuportável quando volta
para casa.
– Papai disse que se eu fosse para o jardim eu ficaria como Tarzan
– expliquei. – Mas não me queimei nada!
Então mamãe riu e disse que eu ainda estava bastante queimado,
que era o pequeno Tarzan dela e que tinha certeza de que eu seria o
mais queimado da escola. E depois ela me pediu para ir brincar no meu
quarto, que me chamaria na hora do jantar.
Na mesa, tentei não falar com papai, mas ele fez um monte de
caretas e ri e foi bem legal. Mamãe havia feito torta de maçã.
E depois, no dia seguinte, o sr. Compani nos disse que os Courteplaque deveriam voltar de férias hoje. O sr. e a sra. Courteplaque são nossos vizinhos, que moram na casa ao lado da nossa, e eles têm uma filha da
minha idade chamada Maria Edwiges, com cabelos louros e olhos azuis
bem maneiros.
Então fiquei bem chateado, pois eu gostaria muito que Maria
Edwiges me visse todo queimado, mas não disse nada a papai, pois ele me
havia prevenido que se eu falasse mais uma vez de bronzeamento o bicho
iria pegar.
Como fazia sol, me instalei no jardim e de vez em quando corria até
o banheiro para me olhar no espelho, mas eu não ficava queimado, e
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Volta às aulas
pensei em tentar mais um pouco no jardim, mas, se continuasse todo
branco, iria reclamar com papai.
E, bem na hora em que saí para o jardim, o carro do sr. Courteplaque parou diante da casa dele, com um montão de bagagens na capota.
E então Maria Edwiges desceu do carro e, quando ela me viu, acenou me dando bom-dia.
E fiquei todo vermelho.
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