XV CONIC XV Congresso de Iniciação Científica da UFPE 29 a 31 de outubro de 2007 60103 - O PROCESSO JUDICIAL TELEMÁTICO COMO INSTRUMENTO DE REALIZAÇÃO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO: PERSPECTIVAS PARA O JUDICIÁRIO BRASILEIRO E COTEJO ANALÍTICO A PARTIR DA EXPERIÊNCIA ITALIANA. Augusto Cesar de Carvalho Leal1; Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcanti2 1 2 Estudante do Curso de Direito – CCJ – UFPE; E-mail: [email protected]. Docente/pesquisador do Departamento de Direito Público Especializado – CCJ – UFPE; E-mail: [email protected]. Resumo: As tecnologias da informação têm provocado uma revolução técnico-científica de proporções dantescas. Nesse diapasão, a informática e a telemática vêm sendo muito bem aproveitadas pelas organizações, nos mais diversos campos de atividade. O Poder Judiciário, contudo, na contramão da evolução, subutiliza essas ferramentas, resistindo à mudança, num quadro inadmissível de anacronismo.É nesse contexto que foi promulgada a Lei 11.419/06 — Lei da Informatização do Processo Judicial — de 19 de dezembro de 2006, que promove a possibilidade de uma revolucionária maximização do acesso à justiça, enquanto acesso à ordem jurídica justa. Trata-se do Processo Civil Telemático. Obviamente, toda grande mudança tecnológica envolve novas oportunidades, mas, também, novos problemas e desafios. São, justamente, tais oportunidades, problemas e desafios, decorrentes do Processo Civil Telemático, o objeto do presente estudo, que pretende analisar alguns dos seus principais aspectos a partir do cotejo com a recente experiência pioneira da Itália na matéria, bem como sob uma perspectiva de instrumentalidade da relação processual, do acesso à justiça. Conclui-se, ao final, pela revolucionária importância da informatização do processo judicial, mas se tecem algumas críticas a partir da comparação com o modelo italiano. Palavras-chave: processo civil telemático; instrumentalidade do processo; lei 11.419/06; Direito Comparado. Pioneirismo Italiano. INTRODUÇÃO Como ferramentas para auxiliarem os homens a superarem os óbices geográficos e temporais, e, assim, verem atendidas as necessidades modernas, foram criadas as tecnologias da informação. As tecnologias da informação, acelerando o ritmo da sociedade contemporânea, revolucionaramna de tal forma que chega a ser lugar-comum apelidá-la de sociedade da informação. Ocorre que o Direito, até muito recentemente, não vinha acompanhando o progresso tecnológico, e, por isso mesmo, o Poder Judiciário subutilizava as modernas tecnologias, não extraindo delas os benéficos efeitos já sentidos por outras inúmeras instituições, sobretudo na esfera econômica. Nesse diapasão, mostra-se patente o anacronismo do Poder Judiciário brasileiro. Pode-se citar, nessa esteira, o pioneirismo da Itália, com a criação do Processo Telemático, por meio do seu Decreto da Presidência da República 123/2001. É nesse contexto que é editada a Lei 11.419/06, de 19 de dezembro de 2006, que disciplina a informatização do processo judicial. É, em linhas gerais, sobre os benefícios, problemas e novos desafios decorrentes do Processo Judicial Telemático que versará o presente estudo. Mais especificamente: o produto dessa reflexão crítica acerca da informatização do processo judicial será cotejado com a recente experiência italiana, numa abordagem voltada para o acesso à justiça, para a instrumentalidade da relação processual. XV CONIC XV Congresso de Iniciação Científica da UFPE 29 a 31 de outubro de 2007 MATERIAIS E MÉTODOS A pesquisa empreendida se valeu dos métodos hipotético-dedutivo, com base em uma perspectiva teórica eminentemente dogmática, com ênfase no Direito Comparado, mais especificamente, no cotejo entre o ordenamento jurídico brasileiro e o italiano. O método zetético também foi adotado em alguns momentos, quando se fez necessário o questionamento de certos pontos-de-partida. Nesse diapasão, foram utilizadas as técnicas de pesquisa bibliográfica e documental. Concluída a pesquisa bibliográfica e documental, as informações coletadas foram analisadas buscando-se a sistematização de uma obra de revisão da matéria, com a formulação de juízos críticos do pesquisador, os quais foram reunidos em forma de relatório final. RESULTADOS E DISCUSSÃO Cotejou-se o ordenamento jurídico brasileiro e o italiano, no que tange ao tema do Processo Civil Telemático. No que concerne ao Decreto da Presidência da República 123/2001, que inaugurou, na Itália, a experiência pioneira do processo judicial telemático, em âmbito internacional, visualizamos algumas importantes diferenças em relação à Lei 11.419/06, que promove a informatização processual no Brasil, quais sejam: a) O decreto italiano prevê a informatização do processo civil, do processo administrativo e daqueles em tramitação nas Cortes de Contas, enquanto a Lei brasileira promove-a, expressamente, no âmbito do processo civil, do processo penal, do processo trabalhista e daqueles em tramitação nos Juizados Especiais; b) Na Itália, a transmissão, comunicação ou notificação dos documentos informáticos, pelos diversos órgãos judiciais, realizam-se, centralizadamente, por meio do Sistema Informático Civil. No Brasil, não é previsto qualquer sistema específico, e cada órgão judicial pode regulamentar a sua comunicação processual eletrônica, o que poderá gerar uma perniciosa falta de uniformidade e interoperabilidade dos diversos sistemas de tramitação processual eletrônica; c) Apesar de tanto no decreto italiano, quanto na Lei brasileira, a publicidade dos autos processuais eletrônicos estar restrita ao acesso telemático, basicamente, dos advogados das partes, juízes e seus auxiliares, e do Ministério Público, tal restrição da publicidade, na Itália, é legítima, porquanto a própria legislação processual civil daquele país, bem como a sua Constituição, admitem-na. Já no Brasil, apontamos a referida restrição como inconstitucional, em virtude de grave lesão à publicidade dos autos processuais, amparada pelo Constituição brasileira; d) A uniformidade da informatização processual é, na Itália, uma preocupação constante, existindo até mesmo uma entidade com a finalidade específica de promover, de forma integrada, a modernização do aparato estatal, dentro da mentalidade do governo eletrônico: trata-se da AIPA – Autoridade para a Informática na Administração Pública. No Brasil, não existe, até o momento, qualquer órgão que centralize, nacionalmente, as atividades voltadas para a informatização, o que é temeroso, posto que a falta de uniformidade e de interoperabilidade dos sistemas desenvolvidos pelos diversos órgãos judiciais pode comprometer o sucesso de toda a jurisdição tecnológica; e) Na Itália, o decreto é expresso em afirmar a necessidade da firma digital para a prática de todo e qualquer ato processual por meio eletrônico. No Brasil, a Lei dá margem a certa ambigüidade, parecendo pretender criar duas modalidades possíveis de assinatura eletrônica: uma baseada na firma digital, como na Itália, e outra baseada no credenciamento perante o órgão judicial. Já se formam correntes doutrinárias opostas no Brasil, uma no sentido de interpretar gramaticalmente pela possibilidade das duas assinaturas eletrônicas, e outra usando interpretação sistêmica, no sentido de permitir apenas a prática de atos processuais por meio de firma digital, respeitadas as exigências da ICP-Brasil; f) O decreto italiano estatui que, nas audiências, as partes e testemunhas assinam, em regra, suas declarações por meio da firma digital, não o fazendo apenas excepcionalmente, quando isso não for viável – o que, sem dúvida, acabará sendo a regra até que XV CONIC XV Congresso de Iniciação Científica da UFPE 29 a 31 de outubro de 2007 haja a completa inclusão digital dos cidadãos. O Brasil não tem regra expressa acerca da assinatura das declarações pelas partes e testemunhas; g) No processo telemático italiano, as comunicações processuais eletrônicas podem ocorrer através de correio eletrônico, enquanto, entre nós, não há previsão expressa do e-mail como canal de intimação e citação, mas apenas do portal dos tribunais e do diário de justiça eletrônico; h) Na Itália há normas específicas detalhando o chamado “procedimento de validação temporal”, que se assemelha ao “protocolo eletrônico” que foi previsto pela Lei brasileira, sem maiores minúcias, contudo; i) No ordenamento jurídico italiano, a regulamentação do processo telemático ocorreu pelo Decreto da Presidência da República 123/2001, bem como, quanto aos aspectos técnico-operativos, por regulamento do Ministro da Justiça. Tal regulamentação foi presidida pelo Executivo, portanto. No Brasil, a regulamentação da Lei 11.419/06 será feita pelo Judiciário; j) A Itália já atinge grau de regulamentação do processo telemático a ponto de preocupar-se com a procuração eletrônica, aspecto que ainda não despertou a atenção do ordenamento brasileiro; k) Na Itália, o decreto preconiza que a secretaria do órgão judicial transformará os documentos cartáceos depositados em documentos digitais a serem inseridos em autos eletrônicos. Sugere-se, assim, que os autos eletrônicos serão obrigatórios, embora seja possível o depósito de documentos em papel - não sendo o número de páginas superior a vinte ou o tamanho do documento diverso do padrão estabelecido pelo regulamento. No Brasil, não está muito claro se é possível, até mesmo em face do princípio da inafastabilidade da jurisdição e da ainda escassa inclusão digital brasileira, a conversão automática para os autos eletrônicos, sem a opção do jurisdicionado; l) No país pioneiro, houve menos ousadia quanto à necessidade de coexistência dos autos eletrônicos com autos suplementares, cartáceos, de mesma numeração. Já no Direito pátrio, existindo autos eletrônicos, dispensada estará a existência de autos suplementares em papel; m) Na Itália, prevêse um índice para os autos eletrônicos, com consulta direta aos atos e documentos informáticos. Também exige que seja informada a lista de documentos conservados só nos autos cartáceos. Entre nós, não chegamos a essa grau de regulamentação; n) O decreto italiano possibilita, além do envio telemático de petições e documentos diversos, o depósito, na própria secretaria, dos mesmos em suporte eletrônico. A legislação brasileira ainda é omissa sobre essa possibilidade; o) Há, naquele país, regulamentação, de lavra do Ministro da Justiça, com alto rigor técnicoinformático, dos aspectos fundamentais a estabelecer a uniformidade e a interoperabilidade dos softwares de tramitação processual eletrônica dos diversos órgãos judiciais. No Brasil, os aspectos técnicos ainda não foram regulamentados, e a abertura para que cada órgão judicial proceda, sem qualquer centralização em âmbito nacional, a essa regulamentação desperta certo temor, em razão de uma eventual falta de interoperabilidade e uniformidade. CONCLUSÕES À guisa de conclusão, alerta-se para o fato de que, a despeito da sempre elogiada iniciativa inovadora da AJUFE – Associação dos Juízes Federais - em propor a informatização do processo judicial no ordenamento jurídico pátrio, a Lei 11.419/06, daí decorrente, a nosso ver, equivocouse na disciplina de alguns aspectos críticos. Com tal desiderato, sugerimos aos Tribunais cautela na regulamentação e na aplicação da Lei 11.419/06. Essa recomendação ganha força a partir da análise, a que procedemos, da experiência pioneira da Itália. Analisando-a, identificamos que o Brasil ainda se encontra distante do grau de regulamentação, com riqueza de detalhes, que a Itália já ostenta na matéria. Outrossim, enquanto as experiências brasileiras com processos judiciais informatizados foram a partir de iniciativas isoladas de sem qualquer homogeneidade, como nos Juizados Especiais Federais, na Itália, percebe-se um laboratório do processo telemático, fruto da experimentação com sete “tribunais-pilotos”. Além disso, o Direito Comparado, com a análise da realidade normativa italiana alerta-nos parte o forte risco de XV CONIC XV Congresso de Iniciação Científica da UFPE 29 a 31 de outubro de 2007 insucesso da nossa informatização processual, decorrente do perigo de uma falta de interoperabilidade e uniformidade entre os sistemas dos diversos órgãos judiciais, além da insegurança jurídica causada pela própria multiplicidade de regulamentação. Na Itália, vemos uma centralização dessa regulamentação e dos próprios sistemas, no âmbito nacional, o que, por certo, é de inexorável importância para o sucesso do projeto. Por tudo isso, conclui-se que o legislador brasileiro equivocou-se em alguns aspectos críticos, justamente por suas matérias constituírem os pilares sobre os quais deverá o Processo Civil Telemático ser soerguido, ameaçando o próprio sucesso da migração de uma cultura cartácea, obsoleta, anacrônica para uma cultura de jurisdição tecnológica. Feito esse alerta, temos, entretanto, que, se bem encaminhada, a informatização do processo judicial poderá, sem qualquer dúvida, revolucionar o acesso à justiça. AGRADECIMENTOS Universidade Federal de Pernambuco, pela oportunidade de imergir no entusiasmante campo da pesquisa científica. Aos meus pais, pelo incondicional apoio em toda minha vida. E ao Professor Francisco Queiroz, pela disponibilidade na orientação dos estudos que resultaram neste trabalho. REFERÊNCIAS ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. Processo Eletrônico e Teoria Geral do Processo Eletrônico: A Informatização Judicial no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2007. APISTOLA, Martin; LODDER, Arno; OSKAMP, Anja (coord.). IT support of the judiciary: Austrália, Singapore, Venezuela, Norway, The Netherlands and Italy. Hague: Asser Press, 2004. BUFFA, Francesco. Il Processo Civile Telematico: la giustizia informatizzata. Milão: Giuffrè Editore, 2002. BUONOMO, Giovanni. Processo Telematico e Firma Digitale. 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