UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA A Prática Avaliativa nas Aulas de Matemática:uma Ação Compartilhada com os Alunos Maria Inês Sparrapan Muniz Orientadora: Profa. Dra. Celi Espasandin Lopes Dissertação apresentada ao Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática, da Universidade Cruzeiro do Sul, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Ensino de Ciências e Matemática. SÃO PAULO 2009 AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE. FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL M936p Muniz, Maria Inês Sparrapan A prática avaliativa nas aulas de matemática: uma ação compartilhada com os alunos / Maria Inês Sparrapan Muniz. -- São Paulo; SP: [s.n], 2009. 178 p. : il. ; 30 cm. Orientadora: Celi Espasandim Lopes. Dissertação (mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática, Universidade Cruzeiro do Sul. 1. Educação matemática (Avaliação). 2. Avaliação da aprendizagem. 3. Responsabilidade. 4. Matemática – Ensino médio. 5. Matemática – Ensino fundamental I. Muniz, Maria Inês Sparrapan. II. Universidade Cruzeiro do Sul. Programa de Pós Graduação em Ensino de Ciências e Matemática. III. Título. CDU: 51:371.26(043.3) UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO A Prática Avaliativa nas Aulas de Matemática: Uma Ação Compartilhada com os Alunos Maria Inês Sparrapan Muniz Dissertação de mestrado defendida e aprovada pela Banca Examinadora em 08/06/2008. BANCA EXAMINADORA: Profa. Dra. Celi Espasandim Lopes Universidade Cruzeiro do Sul Presidente Profa. Dra. Edda Curi Universidade Cruzeiro do Sul Profa. Dra. Adair Mendes Nacarato USF – Universidade São Francisco "Temos a obrigação de inventar outro mundo porque sabemos que outro mundo é possível. Mas cabe a nós construí-lo com nossas mãos entrando em cena, no palco e na vida. Atores somos todos nós, e cidadão não é aquele que vive em sociedade: é aquele que a transforma!" Augusto Boal (1931-2009) Diretor e dramaturgo brasileiro À Minha Família, especialmente aos meus pais, Carma e Attílio, e aos meus tios Vitor, Tomás e Anita. AGRADECIMENTOS À Miriam, uma grande educadora, a quem também dedico esse trabalho. Como grande educadora, contribui para a formação de professores e foi seu incentivo que me ajudou a perceber a importância de ser uma professora pesquisadora, o que permitiu que este trabalho se tornasse realidade. Sempre me motivou e promoveu inúmeras reflexões, durante a elaboração desta pesquisa, com profissionalismo, ética, responsabilidade e respeitabilidade. Meu eterno reconhecimento e admiração à Profa. Miriam Sampiere Santinho. À minha orientadora, Professora Drª. Celi Espasandin Lopes, que me proporcionou, através de discussões, sugestões, críticas e incentivos, permeados por seu profissionalismo ético, a coragem e a confiança necessárias para trilhar o “caminho novo”. Aos membros da banca examinadora: Professora Drª. Adair Mendes Nacarato e Professora Drª. Edda Curi, pelas importantes contribuições oferecidas para o enriquecimento desta pesquisa. Aos meus professores e colegas do programa de mestrado, que contribuíram de forma significativa para o meu crescimento pessoal e profissional e às amizades que nasceram durante essa trajetória, fonte de boas energias e de apoio moral ao longo do caminho. Às professoras Adriana, Conceição e Eliana que, na busca de uma prática avaliativa que pudesse ser compartilhada com seus alunos, num trabalho solidário e coletivo, possibilitaram a existência de um espaço especial em suas aulas para o desenvolvimento desta pesquisa. Aos alunos e alunas do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio que participaram deste trabalho, ajudando-nos a aprender a percorrer caminhos para uma prática avaliativa emancipatória. Aos professores do LEM/IMECC que, ao longo de minha carreira profissional, contribuíram significativamente na minha formação como professora de matemática e foram constantes incentivadores deste meu trabalho. À Doutora Regina Sparrapan, minha irmã, Pesquisadora Colaboradora do Instituto de Química da Unicamp, pela valiosa contribuição na estruturação deste trabalho. A Leda Farah, pela leitura pontuada do texto, permitindo correções e reflexões significativas sobre a redação final desta tese. Ao meu querido marido, João, presença de Deus em minha vida, que, com apoio, compreensão e amor, ajudou-me a encontrar forças para viver esta experiência tão significativa em minha vida. Ao meu filho, Guilherme, luz da minha vida, que me possibilitou novos olhares na educação dos meus alunos. Ao meu enteado, Ricardo, que me permitiu a oportunidade de compartilhar amor, respeito e crescimento pessoal. À minha família querida, onde encontro sólidos laços que me permitem compartilhar a complexidade de nossas experiências de vida com amor. A Deus que, através da vida, proporciona-nos a grandiosidade do desbravamento de seu Universo nas mais variadas matizes; e à vida, esta maravilhosa viagem cósmica, que nos proporcionou a graça da realização deste estudo. Meu muito obrigado a todos que, de alguma forma, participaram desta jornada. Maria Inês MUNIZ, M. I. S. A pratica avaliativa nas aulas de matemática: uma ação compartilhada com os alunos. 2008. 178 f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática)–Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2008. RESUMO Esta pesquisa tem por objetivo analisar a eficácia de determinadas ações docentes que visam possibilitar a inclusão do aluno como protagonista em seu processo avaliativo, para promover transformações positivas no processo de ensino e aprendizagem que ocorre em sala de aula. Para isso, analisou a prática avaliativa de três professoras de matemática, sendo duas do Ensino Fundamental II e uma do Ensino Médio de escolas públicas do Estado de São Paulo, na busca de responder a questão: “Como a ação docente possibilita uma prática avaliativa cuja gestão requer a participação dos alunos e a inclusão dos pais no processo de avaliação da aprendizagem matemática”? As análises foram feitas através das categorias: a ação docente, a cultura escolar, a concepção de educação, que emergiram do confronto entre os dados oriundos dos registros dos procedimentos de intervenção no processo avaliativo aplicado pelas professoras envolvidas. A coleta de dados iniciou-se após os alunos terem vivenciado atividades avaliativas diferenciadas, durante o ano escolar de 2008. A pesquisa apoiou-se em vários autores, destacando-se: Arroyo, Candaú, Charlot, Esteban, Luckesi, Perez Gómes, Perrenoud e Zabala, entre outros. Através da análise, evidenciaram-se os resultados: a ação docente parece ter sido composta por intervenções significativas para atingir os objetivos acima propostos; a cultura escolar parece ter colaborado para uma avaliação emancipatória; e a concepção de educação das professoras demonstrou ter influências significativas em todo o processo avaliativo. De acordo com os resultados, torna-se possível, dentro da realidade das escolas públicas do Estado de São Paulo, adotar uma prática avaliativa, que promova transformações positivas no ensino e na aprendizagem nas aulas de matemática. Palavras-chave: Educação matemática, Avaliação, Ação docente, Inclusão, compartilhamento de responsabilidades. MUNIZ, M. I. S. The evaluation practice in mathematics classrooms: a shared action with students. 2008. 178 f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática)–Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2008. ABSTRACT This research aims to analyze the effectiveness of certain actions that are designed to allow teachers to include the student as the protagonist in his evaluation process, to promote positive changes in the teaching and learning that occurs in the classroom. For that, we analyzed the evaluation practice of three math teachers, two of the Secondary School and one of the Middle School of the State of Sao Paulo, seeking to answer the question: "How the teaching provides a method of evaluation which management requires the participation of students and the inclusion of parents in the evaluation process of learning mathematics”? The analysis was made through the categories: the teaching, school culture, the concept of education that emerged from the confrontation between the data from the records of the intervention procedures in the evaluation process applied by the teachers involved. Data collection began after the students have experienced different evaluation activities during the school year 2008. The research was based on several authors, including: Arroyo, Charlot, Esteban, Luckesi, Perez Gómes, Perrenoud and Zabala, among others. Through analysis, showed the results: the teaching seems to have been composed of meaningful interventions to meet the objectives proposed above, the school culture seems to have contributed to a critical evaluation, and the concept of education of teachers has proven to have significant influences on all the evaluation process. According to the results, it is possible to adopt an evaluation method that promotes positive changes in assessment in mathematics classrooms. Keywords: Mathematics education, Assessment, Teaching activities, Inclusion, shared responsibilities. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Quadro 1 – Síntese - professora Adriana.............................................................. 87 Quadro 2 – Síntese - professora Conceição ....................................................... 119 Quadro 3 – Síntese - professora Eliana ............................................................... 148 Quadro 4 – Ação Docente: aspectos relevantes ................................................ 156 Quadro 5 – Cultura Escolar: aspectos relevantes .............................................. 159 Quadro 6 – Concepção de Educação: aspectos relevantes............................... 161 SUMÁRIO CAPÍTULO I 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 15 1.1 Minha profissão e minha trajetória de vida ................................................ 15 1.2 Lacunas na avaliação ................................................................................... 18 1.3 Visualizando o problema.............................................................................. 18 CAPÍTULO II 2 PROCESSO DE AVALIAÇÃO EMERGENTE DA PRÁTICA DOCENTE ...... 21 2.1 Origem ........................................................................................................... 21 2.2 Os procedimentos ........................................................................................ 24 2.3 Os resultados ................................................................................................ 26 CAPÍTULO III 3 CONSTRUINDO O REFERENCIAL TEÓRICO .............................................. 30 3.1 A cultura escolar ........................................................................................... 30 3.1.1 O tempo ......................................................................................................... 32 3.2 Concepção de Educação ............................................................................. 34 3.2.1 A Função social do ensino .......................................................................... 35 3.2.2 A Forma como o aluno estabelece relações com o saber ........................ 36 3.2.3 O significado da avaliação ........................................................................... 37 3.3 A ação docente ............................................................................................. 43 3.3.1 Ser transparente ........................................................................................... 43 3.3.2 Ser formativo ................................................................................................. 44 3.3.3 Ser integral .................................................................................................... 46 3.3.4 Ser democrática ............................................................................................ 48 CAPÍTULO IV 4 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA .................................................................. 51 4.1 Origem ........................................................................................................... 51 4.2 Os contextos nos quais se construíram os dados .................................... 53 4.3 Os pressupostos que marcaram a construção dos dados ....................... 54 4.4 A metodologia da pesquisa ......................................................................... 62 4.5 As categorias emergentes ........................................................................... 66 CAPÍTULO V 5 A PROFESSORA ADRIANA.......................................................................... 69 5.1 Trajetória pessoal e profissional ................................................................. 69 5.2 A ação docente ............................................................................................. 70 5.2.1 A transparência do processo avaliativo ..................................................... 70 5.2.2 A avaliação integral ...................................................................................... 72 5.2.3 A avaliação formativa ................................................................................... 74 5.2.4 A democratização da avaliação ................................................................... 75 5.3 A cultura escolar ........................................................................................... 77 5.3.1 Responsabilidades compartilhadas ............................................................ 78 5.3.2 A prática avaliativa e a qualidade do trabalho pedagógico ...................... 79 5.3.3 O tempo ......................................................................................................... 80 5.4 A concepção de educação ........................................................................... 82 5.4.1 A função social do ensino ........................................................................... 82 5.4.2 A forma como o aluno estabelece relações com o saber ......................... 83 5.4.3 O significado da avaliação ........................................................................... 84 5.5 Considerações .............................................................................................. 91 CAPÍTULO VI 6 A PROFESSORA CONCEIÇÃO .................................................................... 92 6.1 Trajetória pessoal e profissional ................................................................. 92 6.2 A ação docente ............................................................................................. 93 6.2.1 A transparência do processo avaliativo ..................................................... 94 6.2.2 A avaliação integral ...................................................................................... 96 6.2.3 A avaliação formativa ................................................................................. 101 6.2.4 A democratização da avaliação ................................................................. 104 6.3 A cultura escolar ......................................................................................... 107 6.3.1 Responsabilidades compartilhadas .......................................................... 107 6.3.2 A prática avaliativa e a qualidade do trabalho pedagógico .................... 109 6.3.3 O tempo ....................................................................................................... 112 6.4 A concepção de educação ......................................................................... 113 6.4.1 A função social do ensino ......................................................................... 113 6.4.2 A forma como o aluno estabelece relações com o saber ....................... 114 6.4.3 O significado da avaliação ......................................................................... 115 6.5 Considerações ............................................................................................ 123 CAPÍTULO VII 7 A PROFESSORA ELIANA ........................................................................... 125 7.1 Trajetória pessoal e profissional ............................................................... 125 7.2 A ação docente ........................................................................................... 126 7.2.1 A transparência do processo avaliativo ................................................... 127 7.2.2 A avaliação integral .................................................................................... 129 7.2.3 A avaliação formativa ................................................................................. 131 7.2.4 A democratização de avaliação ................................................................. 134 7.3 A cultura escolar ......................................................................................... 138 7.3.1 Responsabilidades compartilhadas .......................................................... 138 7.3.2 A prática avaliativa e a qualidade do trabalho pedagógico .................... 139 7.3.3 O tempo ....................................................................................................... 142 7.4 A concepção de educação ......................................................................... 144 7.4.1 A função social do ensino ......................................................................... 144 7.4.2 A forma como o aluno estabelece relações com o saber ....................... 145 7.4.3 O significado da avaliação ......................................................................... 146 7.5 Considerações ............................................................................................ 152 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 153 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 164 ANEXOS ................................................................................................................. 166 15 CAPÍTULO I 1 INTRODUÇÃO Neste capítulo inicial, destacarei alguns aspectos de minha trajetória profissional que me encaminharam e, certamente, influenciaram na elaboração e no desenvolvimento deste trabalho. 1.1 Minha Profissão e Minha História de Vida. Licenciei-me em Matemática em 1974, pela PUC de Campinas e em 1981 concluí o curso de Pedagogia pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras “Nossa Senhora do Patrocínio”, de Itú. Minha trajetória profissional iniciou-se em 1971, como professora da rede pública do Estado de São Paulo, quando eu estava no primeiro ano do curso de licenciatura em Matemática. Nessa época, fui contratada como professora de Matemática na EE “Prof. Cyro de Barros Rezende”, de Valinhos, para dar aulas para o Ginásio1 e também para o Científico2. Foi um desafio interessante, pois, coincidentemente, comecei a trabalhar na mesma escola em que fiz o Grupo Escolar3, o Ginásio e o Científico e nela permaneci até minha aposentadoria, em 2006. Uma escola que fez parte de toda a minha vida, como estudante e como profissional, e onde vivenciei minha história: cresci, aprendi, errei, acertei; enfim, ela sempre teve significado ímpar em meu viver, pois se constituiu em uma parte importante do tecido social que permitiu meu desenvolvimento intrapessoal e interpessoal. 1 Ginásio – hoje Ensino Fundamental II. Científico – hoje Ensino Médio. 3 Grupo Escolar – hoje Ensino Fundamental I. 2 16 Em 1975 fui contratada para dar aulas de Matemática nas escolas da rede Sesi de Valinhos, para o Ginásio. Passei, então, a dar aulas tanto na rede pública como na rede Sesi, ambas do Estado de São Paulo. Em 1978 fui aprovada no concurso público para o provimento de cargo de Professor III do Estado de São Paulo e ingressei como professora efetiva na EE “Prof. Cyro de Barros Rezende”, de Valinhos, a mesma em que eu já vinha trabalhando como professora contratada. Ao longo desses anos, além de trabalhar na rede pública estadual e na rede Sesi, de onde saí em 1984, também vivi uma experiência muito interessante em 1989, na minha cidade, Valinhos, SP. Através de uma Associação que reuniu a princípio 150 pais, montamos uma “escola comunitária”, hoje chamada “Nova Escola de Valinhos”, que se propunha a trabalhar com uma proposta sociointeracionista. Eu fui a primeira diretora pedagógica da escola e foi a ela que confiei a educação do meu filho, Guilherme, que tinha quatro anos. Era, para a época, uma escola que falava de novos paradigmas, de ações pedagógicas diferentes e ousadas. Tem, hoje, 20 anos de existência e é bem aceita pela comunidade, uma vez que seu trabalho tem demonstrado bons resultados. O trabalho realizado pela “Nova Escola” teve uma grande repercussão no município, e, em 1993, fui convidada para ser a secretária de Educação de Valinhos, com o intuito de levar para as escolas municipais a mesma proposta pedagógica da “Nova Escola”. Nessa época, a Secretaria de Educação mantinha os cursos de Educação Infantil, Educação de Jovens e Adultos e Educação Especial. Foi uma experiência muito rica, que me possibilitou um crescimento pessoal e profissional muito grande. Trabalhamos na Secretaria com muitos projetos educacionais, com resultados surpreendentes. Um deles foi a implantação da “Semana da Água”, inspirada num projeto de educação ambiental da França denominado “Les Classes d’Eau”. Registramos a primeira experiência, que ocorreu em 1996, num livro que se chama Semana da água: um programa de educação ambiental para crianças e adultos, que escrevi com Adriana Regina Braga, professora da rede municipal e em parceria com o Consórcio das Bacias dos rios Piracicaba e Capivari, de nossa região. 17 Ao sair da Secretaria de Educação, em 1996, reassumi minhas aulas de Matemática na EE “Prof. Cyro de Barros Rezende”. Durante toda a minha trajetória profissional sempre estive ligada ao Laboratório de Ensino de Matemática — LEM —, do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica — Imecc —, da Unicamp. Esse laboratório sempre foi a instância à qual recorri para aperfeiçoar meus conhecimentos e melhorar minha prática pedagógica em sala de aula. O LEM fez com que minha trajetória como professora tomasse um rumo bastante diferenciado, quando, em 2002, fiz ali um curso — de iniciativa da Capes e da Secretaria Nacional de Ensino e Tecnologia do Ministério da Educação — conhecido como Pró-Ciências, parte de um programa de Apoio ao Aperfeiçoamento de Professores de Ensino Médio em Matemática e Ciências. Seu objetivo principal era o aperfeiçoamento em serviço de professores do Ensino Médio, nas áreas de Matemática, Física, Química e Biologia, por meio de apoio à inovação pedagógica. O programa foi implantado em diversos Estados, em parceria com Fundações de Amparo à Pesquisa e Secretarias Estaduais da Educação. O curso tinha como ponto de partida as orientações que integravam as propostas da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio e A Escola de Cara Nova - Programa de Educação Continuada. Através desse curso conheci diferentes possibilidades para trabalhar os conteúdos de aprendizagem de Matemática, de forma contextualizada e através da interdisciplinaridade entre Matemática, Física, Química e Biologia, isto é, entre as disciplinas que compunham a área de Ciências da Natureza, Matemática e suas tecnologias, nos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (1998). Em minhas aulas, no Ensino Médio, resolvi pôr em prática o que eu havia aprendido no curso “Pró-Ciências”. Começou, então, o que considero a melhor fase de minha vida profissional: os projetos interdisciplinares e a contextualização dos conteúdos de aprendizagem de Matemática promoveram transformações positivas em minhas aulas, no que diz 18 respeito ao envolvimento dos alunos com as aulas e à aprendizagem dos conteúdos trabalhados. 1.2 Lacunas na Avaliação Embora o trabalho com os projetos interdisciplinares e a contextualização dos conteúdos de aprendizagem nas aulas de Matemática se mostrasse consistente e significativo para a o processo de desenvolvimento do aluno, ele evidenciava a fragilidade que fazia parte do processo de sua avaliação. Enquanto o aluno se envolvia com as propostas de trabalho, mostrava-se alienado do seu processo de avaliação, atribuindo o ato de avaliar ao “julgamento” feito pelo professor, sem imaginar a importância de seu envolvimento nesse processo. Por outro lado, assim como a avaliação final do processo era importante, a avaliação de suas partes era também muito significativa, para oportunizar as interferências necessárias que iriam possibilitar o maior desenvolvimento possível das capacidades do aluno, ao realizar aquele trabalho. Era evidente a lacuna relacionada ao envolvimento do aluno com sua avaliação nas aulas de Matemática. 1.3 Visualizando o Problema Embora houvesse combinados e acordos estabelecidos com os alunos, nas aulas de Matemática, havia, também, relações antigas estabelecidas, que levavam o aluno a atribuir ao professor o poder e a responsabilidade pelo processo de avaliação, sem que ele, aluno, interferisse ou participasse, o que provocava uma omissão de sua parte. Parecia que, ao aluno, caberia fazer e, ao professor, “julgar”, e isso começou a “travar” o andamento das aulas, que eram muito dinâmicas e com muitas atividades feitas pelos alunos. Comecei a preocupar-me com o papel do aluno em sua avaliação. Surgiram, então, alguns questionamentos: - como buscar alternativas para que meus alunos se conscientizassem da importância de seu papel no seu processo de avaliação? 19 - como fazer para que meu aluno participasse do processo de avaliação e pudesse promover as modificações ao longo do processo, para garantir o bom andamento de sua aprendizagem? - como compartilhar com o aluno as responsabilidades dessa avaliação, que sempre foram apenas minhas e que uma outra forma de trabalho pedagógico me levava a partilhar? Era necessário um aluno mais consciente, com mais autonomia, e que se colocasse como meu parceiro na busca dos caminhos mais adequados para o desenvolvimento de todas as suas capacidades. Essa situação já vinha se delineando, à medida que os trabalhos de sala de aula aconteciam, mas um fator contribuiu consideravelmente para o início de um processo de modificação: numa reunião de pais, conversei com uma mãe e com seu filho, meu aluno, cujo desempenho não tinha sido bom, mas poderia ter sido muito melhor, graças às condições dele. Mostrei a ela todos meus registros a respeito do caso e contei-lhe um pouco dos procedimentos em sala de aula. A mãe perguntou ao filho como é que ele justificava aquele resultado de final de bimestre, quando ele tivera tantas atividades e, conseqüentemente, tantas oportunidades de melhorar aquela situação durante o bimestre. Ele respondeu que julgava que eu não gostasse dele. Fiquei surpresa e assustada. Com essa fala do aluno, que de nenhuma maneira representava a verdade, percebi o quanto aquele processo de avaliação tinha significado só para mim: eram vários instrumentos de avaliação, várias oportunidades para ele retomar seu processo de aprendizagem, mas só eu conseguia considerá-los significativos. Percebi que esse aluno poderia responder qualquer coisa, pois ele não reconhecia nenhum significado naquilo que estava escrito nos registros que, para ele, eram meus e serviam para mim e para a escola, mas não tinham nada a ver com ele. Isso colaborou muito para evidenciar que meus alunos precisavam, de alguma maneira, sentir o significado da avaliação nas aulas de Matemática. Como fazê-los perceber que o processo avaliativo não era um julgamento, não se 20 processava de uma só vez e tinha como propósito ajudá-los a melhorar a sua aprendizagem? Queria que eles percebessem que, a qualquer momento do processo, seria possível tomar decisões para mudar em direção ao melhor; que aprendemos a fazer, fazendo; e que não precisamos acertar tudo para aprendermos; pretendia que nos transformássemos em parceiros, para somar esforços, com o objetivo de alcançar o melhor desenvolvimento possível das capacidades de cada um deles; e que eles percebessem o quanto era necessário e importante o seu envolvimento no processo de ensino, na aprendizagem e na avaliação que ocorre na sala de aula. Resolvi então, buscar um caminho que me permitisse compartilhar as responsabilidades do processo de ensino, da aprendizagem e da avaliação com meus alunos e seus pais. Buscava estabelecer entre nós uma relação de cumplicidade e parcerias, nas quais se evidenciasse o papel de cada um dos envolvidos nessa tarefa educacional. Diante disso, emergiu a busca pela sistematização de um processo de avaliação que contemplasse as questões elencadas anteriormente. Nessa trajetória, o diálogo com a literatura encaminhou-me à questão central desta pesquisa, a qual foi redigida da seguinte forma: “Como a ação docente possibilita uma prática avaliativa cuja gestão requer a participação ativa dos alunos e a inclusão dos pais no processo de avaliação da aprendizagem matemática”? Para responder a essa questão, elaborei um projeto de investigação de natureza qualitativa com análise interpretativa dos dados, o qual será detalhado no capítulo 3 desta dissertação. Com o intuito de relatar esta pesquisa, descreverei inicialmente, no próximo capítulo, o processo de avaliação que emergiu de minha prática docente e que usei em classes do Ensino Médio durante alguns anos em minhas aulas de Matemática. 21 CAPÍTULO II 2 PROCESSO DE AVALIAÇÃO EMERGENTE DA PRÁTICA DOCENTE Neste capítulo pretendo relatar a origem, os procedimentos e os resultados do processo de avaliação que apliquei em minhas aulas de matemática e que, embora não faça parte dos casos que analisei nessa pesquisa, porque eu já havia me aposentado nessa época, se constituiu em referencial para o desenvolvimento da mesma, através de outros professores. 2.1. Origem Minha experiência foi com alunos do Ensino Médio de uma escola da rede pública do Estado de São Paulo, em Valinhos. Como professora efetiva de Matemática, ao final de cada bimestre vivenciava um período desgastante em meu trabalho docente, pois, após dois meses de intenso trabalho, era hora de fechar os conceitos finais de meus alunos. Eram comuns muitas reclamações por parte dos alunos, discordando de sua média final, como se eles nada tivessem a ver com aquele resultado. Em muitas situações, o aluno chegava a delegar a mim a responsabilidade total pelo seu fracasso. Nessa hora, ele sempre se esquecia de considerar os problemas de comportamento e os procedimentos ocorridos durante o bimestre, além dos problemas relativos à aprendizagem dos conceitos desenvolvidos em sala de aula. Acontecia, em muitos casos, que o aluno agia com total desinteresse e alienação diante do resultado obtido no final do bimestre. Vencida a fase descrita acima, entrávamos na segunda etapa do processo de fechamento do bimestre: nas reuniões do “Conselho de Classe”, analisava-se a situação de cada aluno, individualmente, através de dados sobre seu aproveitamento, sobre seu perfil pessoal, sobre problemas familiares que o 22 envolviam etc. Também nessa instância tomávamos decisões sobre as formas de recuperar o aluno nos próximos bimestres, se necessário fosse; se estivéssemos no último “Conselho Classe” do ano, discutíamos se iríamos aprová-lo ou não. Em suma, eram decisões muito importantes que nos impunham uma grande responsabilidade sobre o andamento da vida escolar de cada um de nossos alunos. A próxima etapa desse processo era a reunião de pais, um momento delicado e muito importante, em que os pais deveriam obter informações sobre a evolução do processo de aprendizagem de seus filhos. Muitas vezes chegávamos a ela com dados pouco consistentes sobre os alunos para estabelecer, junto com seus pais, ações efetivas que pudessem gerar melhores resultados nos futuros bimestres. Em geral, lembrávamo-nos bem dos ótimos alunos ou dos que tinham muitas dificuldades; mas, entre eles, estava uma maioria de alunos sobre os quais tínhamos poucas informações, pois, afinal, eram muitas classes e muitos alunos em cada uma delas. Dentro desse contexto, precisávamos fundamentar nossas ações pedagógicas nos Parâmetros Curriculares Nacionais e levar em consideração os aspectos legais determinados pela Secretaria de Educação e pela Diretoria de Ensino, adequando-os ao projeto pedagógico elaborado pela equipe escolar, que se compunha de diretor, coordenador pedagógico e professores. Depois de muitos anos vivendo essa realidade, resolvi buscar algum caminho que minimizasse o desgaste que sofríamos, alunos e professora, a cada final de bimestre e, principalmente, que permitisse ao aluno tomar consciência do seu verdadeiro papel no processo de sua aprendizagem. Em outras palavras, buscava um aluno consciente, atuante, capaz de auto-avaliar-se e de tomar decisões em seu próprio benefício, que possibilitassem o pleno desenvolvimento de suas potencialidades. Seria isso possível? Como conduzir o processo de avaliação para atingir os objetivos expostos acima? Em primeiro lugar, resolvi fazer uma descrição do perfil do aluno que, julgava eu, correspondesse às expectativas descritas acima. Fui descrevendo-o através de ações, tais como: ter material escolar em sala; estar presente todos os dias (só faltar 23 se necessário); realizar as tarefas propostas para construir um conceito; fazer lição de casa; empenhar-se para fazer os trabalhos de classe propostos pelo professor; estudar em casa; participar dos diálogos e debates feitos em classe; fazer a correção das avaliações e levá-las para serem assinadas por seus pais ou responsáveis; ter os registros organizados no caderno; cumprir combinados; respeitar regras; cumprir prazos; ler e interpretar códigos (principalmente em Matemática); ler e interpretar textos; ter ritmo de trabalho; descobrir propriedades; generalizar; projetar; elaborar um trabalho com começo, meio e fim e com coerência, além de apresentá-lo com estética; enfim, são esses alguns exemplos do que listei e os exponho aqui, na “desordem” com que eu os via naquele momento. Nessa fase eu ainda não tinha conhecimento de que todas as ações que constavam da minha lista eram conteúdos de aprendizagem e que poderia classificá-los para melhor compreendê-los. Senti necessidade de buscar uma fundamentação teórica que me possibilitasse essa classificação. Foi então que procurei, em Zabala (1998), estudar a aprendizagem dos conteúdos segundo sua tipologia e percebi que o processo de ensino e aprendizagem que ocorria em minhas salas de aula se concentrava muito mais nos conteúdos conceituais e os procedimentos e atitudes serviam para manter a ordem ou o respeito em sala de aula ou para permitir o desenvolvimento das atividades propostas, porém não eram objetos de ensino, aprendizagem, nem de avaliação. Assim, foi evidenciando-se um desequilíbrio nas intenções educativas do meu projeto pedagógico: os conteúdos que faziam parte do “saber” eram objetos de ensino, aprendizagem e avaliação, mas os que faziam parte do “saber fazer” e do “ser” não estavam incluídos nesse processo; não havia, com relação a eles, intenções educativas explícitas. A partir desse entendimento, passei, então, a considerar os conteúdos como a matéria-prima com a qual trabalharia em sala de aula, classificando-os e organizando-os em: conceituais, procedimentais e atitudinais — os conceituais referiam-se à abordagem de conceitos, fatos e princípios; os procedimentais expressavam um saber fazer; e os atitudinais incluíam valores, normas e atitudes. 24 Esse novo olhar sobre os conteúdos de aprendizagem constituiu-se nos primeiros passos na busca de caminhos para sistematizar procedimentos avaliativos, com caráter formativo, que considerasse o ensino, a aprendizagem e a avaliação dos três tipos de conteúdos e com a finalidade de atender às necessidades que eu havia listado, com relação ao perfil do aluno. Diante disso, surgiram as primeiras perguntas: como organizar um processo de avaliação transparente, que contemplasse todos os tipos de conteúdos e ainda permitisse que o aluno tomasse consciência da importância de cada um deles para o desenvolvimento de suas potencialidades? Como possibilitar ao aluno refletir com clareza sobre seu desempenho ao longo do processo avaliativo para que pudéssemos criar condições para compartilharmos as responsabilidades que envolviam o processo de avaliação de sua aprendizagem? Buscamos em Chevallard (2001) a idéia do contrato didático. Discutiríamos com os alunos de forma compartilhada o estabelecimento de negociações e critérios que fariam parte do processo avaliativo, com o objetivo de criar condições para que o aluno tomasse consciência da relevância do seu papel na escola, com responsabilidade, com compromisso, com envolvimento, com ação e reação. O contrato didático define o que será possível ou impossível fazer na aula, o que terá sentido para os alunos e para o professor de maneira compartilhada. Antes de serem eficazes, as técnicas didáticas têm que ser aceitáveis e significativas para os protagonistas do sistema didático. (CHEVALLARD, 2001, p.192). 2.2 Os Procedimentos Surgiu, então, a idéia de organizar o processo avaliativo com registro em três fichas: - a do caderno do aluno, preenchida por ele mesmo, diariamente, registrando as avaliações dos diferentes conteúdos trabalhados naquele dia ou em dias anteriores; - a do professor, contendo os mesmos dados que a do aluno, porém com registros feitos pelo professor e arquivada em seu Diário de Classe. Isso permitiria um acompanhamento do desenvolvimento do aluno durante o processo e nortearia 25 as interferências necessárias para o sucesso de seu ensino e da aprendizagem do aluno. No final do bimestre, possibilitaria uma conferência dos registros do aluno com os registros do professor, quando necessário. - a ficha anual, preenchida pelo próprio aluno, no final de cada bimestre, com base nos dados da ficha de seu caderno. Nela o aluno registraria o fechamento do seu desempenho durante o bimestre, nos mais diferentes conteúdos avaliados, e os resultados obtidos. A partir daí, juntamente com seu professor, ele “fecharia” o seu conceito final. Essa ficha anual, elaborada pelo aluno, seria assinada por ele e por seu pai ou responsável. Ao longo dos bimestres, ela iria se constituindo num “espelho” do desempenho e do aproveitamento desse aluno e evidenciando o seu processo de evolução. Ela permitiria que se estabelecesse, entre aluno, professor e pais, uma parceria para viabilizar as decisões necessárias em direção ao melhor desempenho possível, por parte do aluno. Pensei que, diante de todos esses dados, no final do bimestre, seria possível pedir para os alunos que escrevessem um texto sobre o seu desempenho, baseado na ficha de avaliação do seu caderno. Para elaborar esse texto ele seria orientado, pelo professor, a visualizar com clareza e objetividade, por meio da ficha do seu caderno; a refletir e perceber os comportamentos que deveriam ser reforçados e os que deveriam ser substituídos por outros mais eficazes, que lhe possibilitariam um melhor desempenho. O professor o orientaria para descrever, segundo a sua visão, quais seriam os novos comportamentos. Esse texto seria anexado ao registro de avaliação anual do aluno e, na reunião de pais, poderia servir como mais uma referência para fundamentar as reflexões que seriam feitas com os pais sobre o desenvolvimento de seu filho, no bimestre. Além disso, seria uma referência para pontuar alguns procedimentos que poderiam nortear uma possível ajuda dos pais. Acreditava eu que as reflexões feitas pelos alunos nesse texto contribuiriam para evidenciar, tanto para os alunos como para os pais, dados importantes advindos do processo de avaliação e que não eram vistos somente pela ótica do professor, mas também pela do aluno. 26 A ficha do caderno do aluno era composta por vários itens, tais como: avaliações parciais, avaliações bimestrais, trabalhos de classe, lição de casa, avaliação atitudinal (valores, atitudes e normas), etc., cada um dos quais discutido e combinado com os alunos, com as datas e os valores definidos, na medida do possível. Assim, o próprio educando estabelecia um acompanhamento diário da evolução do seu trabalho e do seu desempenho, facilitando as intervenções necessárias feitas por ele e/ou por seu professor, para corrigir os rumos de sua aprendizagem, ao longo do processo. Isso permitia que se evitasse que, tanto o professor como os alunos, tomasse ciência das necessidades de mudanças somente no final do bimestre, o que, comumente, acontecia nos processos de avaliação: descobriam-se um pouco tarde as dificuldades reais da maioria dos alunos. Os itens dessa ficha iam sendo modificados em função dos resultados das avaliações feitas sobre eles e das características dos conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais que variavam de bimestre para bimestre. 2.3 Os Resultados Comecei a usar essa prática avaliativa em minhas oito salas de aula, cada uma com 40 alunos, em média. Acreditava que essa prática poderia ser uma alternativa para atingir o objetivo de melhorar o processo de ensino, aprendizagem e avaliação dos alunos, mas não tinha muita idéia do que iria acontecer. No primeiro bimestre em que utilizei esse processo, senti-me insegura tanto em relação a sua implantação como em relação aos efeitos que eu estava observando nas reações dos alunos. Parecia que muitos alunos não haviam percebido que estávamos dividindo responsabilidades. Tudo foi novidade para mim e para eles, e alguns alunos só sentiram os efeitos desse trabalho depois que terminou o bimestre. Porém, como eu não tinha com quem discutir essas questões, resolvi tentar mais um bimestre. No segundo bimestre, já percebi uma melhora significativa no processo de conscientização dos alunos sobre seu papel de estudante, o que interferiu muito 27 positivamente na disciplina das classes, no desenvolvimento dos projetos e das atividades que aconteciam nas aulas de Matemática em geral. Tudo ficou melhor no terceiro bimestre: a postura dos alunos, o envolvimento com as propostas de trabalho, o desempenho e o interesse pelas aulas. Eles melhoraram em todos os aspectos que eu inicialmente havia listado como essenciais para ter um aluno que viesse para a escola para aprender a aprender, aprender a fazer e aprender a ser. Isso, porém, não quer dizer que eu não tivesse problemas. Para alguns poucos casos de alunos com dificuldades, procurei alternativas para ajudá-lo a estabelecer uma relação com o saber, buscando também envolver a família. Era possível, então, considerar como exceções — não era mais como regra — os casos dos alunos que apresentavam problemas. Durante três anos trabalhei dessa forma e percebi que esse caminho estava realmente permitindo interferências positivas no desempenho dos alunos, na relação com os pais e, principalmente, na reestruturação do processo didático que acontecia em sala de aula. Fui tomando consciência de que meu papel não era o de suportar sozinha a enorme carga da responsabilidade da educação do meu aluno; isso me angustiava muito, porque, quanto mais eu agia, sem a real participação dele no processo, mais eu o perdia de vista e os resultados, apesar do meu enorme esforço, não eram bons. A partir do momento em que fizemos essa parceria, como protagonistas do sistema didático, pude dedicar uma parte maior do meu tempo em sala de aula e fora dela para o projeto pedagógico, organizando melhor minhas aulas, levando em conta a interdisciplinaridade e a contextualização das atividades. Durante as aulas, ganhei um espaço muito interessante como orientadora dos trabalhos que eles desenvolviam; e, ao mesmo tempo, surgiam nas classes alunos que me ajudavam nessa tarefa, o que permitia um melhor ritmo no cumprimento de nossos programas. Com o tempo, fui aperfeiçoando o processo e descobrindo um aluno que se dá a chance de aprender, de fazer e de ser e pude perceber como todo esse movimento é contagiante. Esse cenário durante as aulas provocou interações entre 28 os alunos, de maneira a contagiar uns aos outros, com relação às atitudes que interferiam no seu bom desempenho. Os problemas de disciplina existiam, mas minimizaram-se, porque surgiu, para cada aluno, o desafio de compenetrar-se no desempenho do seu papel, ocupando-se com as tarefas propostas, com a sua aprendizagem e com a sua avaliação. Nesse contexto, com algumas exceções, o aluno que queria brincar ou não participar ficava sem respaldo dos colegas e acabava deixando-se contagiar pelo ambiente de trabalho que se instalava na classe. Por outro lado, dentro da escola havia tensões. Esse projeto de avaliação incomodava outros colegas e, portanto, não era bem visto. Durante alguns anos, a coordenação pedagógica o ignorou. De qualquer maneira, houve época em que a troca da coordenação pedagógica da escola possibilitou a socialização do processo para meus colegas, mas sem muito sucesso. De todos os professores da escola, que eram em torno de 40, somente dois se interessaram em usá-lo. Além da falta de interesse do professor, a rotatividade de uma boa parte dos professores, de um ano para o outro, criava outras dificuldades. Ao aposentar-me, no início de 2006, percebi que esse trabalho iria se perder, pois não tinha sido socializado. Nessa época a professora Miriam Sampieri Santinho, do LEM – Laboratório de Ensino de Matemática do Imecc, na Unicamp, convidou-me para falar sobre esse processo de avaliação num curso de especialização para professores do Ensino Fundamental II. Na mesma época, apresentei-o na “Teia do Saber”, um projeto de educação continuada da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Essas duas experiências permitiram-me encontrar professores que se interessaram em desenvolver esse processo de avaliação em suas aulas. Diante dos resultados que pude observar através das experiências desses professores, resolvi, em 2008, iniciar uma pesquisa científica, tendo como referência o trabalho desenvolvido por alguns professores, em suas salas de aula, com esse processo de avaliação. As professoras Adriana, Conceição e Eliana, que faziam parte do grupo que havia iniciado suas experiências com esse processo avaliativo, 29 concordaram em ser minhas parceiras e em permitir a coleta de dados para minha pesquisa, durante o trabalho desenvolvido em suas aulas no ano de 2008. Ocupei-me, até aqui, em relatar minha trajetória pessoal e profissional e o fiz, de forma intencional, na primeira pessoa do singular. Passo, agora, a expor o trabalho de elaboração e execução da pesquisa, resultado de trocas e partilhas com outros profissionais que, junto comigo, construíram o que aqui exponho. Por essa razão, a partir deste ponto, o relato será feito na primeira pessoa do plural, para sinalizar as muitas vozes, as muitas mãos, as muitas mentes que compuseram este trabalho. Para que essa pesquisa se efetivasse, era necessário que essa prática avaliativa fosse fundamentada teoricamente. Dessa forma, no capítulo a seguir, apresentaremos uma revisão bibliográfica baseada em autores cujas teorias respaldam esse processo avaliativo. A partir da interlocução com essa literatura elaboramos a questão de investigação desta pesquisa e a estruturamos metodologicamente. 30 CAPÍTULO III 3 CONSTRUINDO O REFERENCIAL TEÓRICO Neste capítulo estaremos buscando através de vários autores teorias que respaldam esse processo avaliativo no que diz respeito: à cultura escolar que se configura por papeis normas e rituais que são próprios da escola; à concepção de educação no que diz respeito à função social do ensino e a concepção de como o aluno estabelece relações com o saber e à ação docente que irá estabelecer os parâmetros para o processo avaliativo proposto. 3.1 A Cultura Escolar Estamos nós, professores, atuando em uma instituição de ensino, vivendo relações entre educação e cultura que permeiam nossa prática educativa. Também vivemos incertezas, inseguranças, medos e perplexidades, porém, somos impelidos a buscar e criar caminhos, pois eles exercem uma grande influência sobre nossas práticas educativas e, conseqüentemente, sobre as novas gerações cuja educação está sob nossa responsabilidade. Estamos imersos em um mundo descrito por Candaú da seguinte forma: No mundo atual, a consciência de que estamos vivendo mudanças profundas, que ainda não somos capazes de compreender adequadamente, é cada vez mais aguda. Esta realidade provoca em muitas pessoas insegurança, incerteza e suscita as mais variadas reações, de perplexidade, inquietude, medo, assim como, também, de busca e criatividade. (CANDAÚ, 2001, p. 61). Ainda de acordo com Candaú, entendemos o processo educativo como “prática social em que estão presentes as tensões inerentes a uma sociedade como a nossa que vive processos de profunda transformação.” (CANDAÚ, 2001, p.68). Adotamos, no desenvolvimento deste trabalho, o conceito de cultura que nos traz Pérez Gomes, abaixo descrito: 31 Considero cultura como o conjunto de significados, expectativas e comportamentos compartilhados com um determinado grupo social, o que facilita e ordena, limita e potencia os intercâmbios sociais, as produções simbólicas e materiais e as realizações individuais e coletivas dentro de um marco espacial e temporal determinado. (PÉREZ GÓMEZ, 2001, p. 17). Embora exista uma homogeneidade de alguns símbolos que compõem a cultura, a prática educativa exercida pelos professores em sala de aula vê-se desafiada pelo cruzamento de culturas que coexistem dentro da escola e que são identificadas por Perez Gómes (2001, p.17) como: a cultura pública, a cultura acadêmica, a cultura social, a cultura escolar e a cultura privada. Quanto à cultura pública, seu lócus seria constituído pelas disciplinas científicas, artísticas e filosóficas, ao passo que a cultura acadêmica estaria configurada pelas concreções destas disciplinas explicitadas no currículo escolar. A cultura social estaria representada pelos valores e práticas hegemônicas no cenário social, ao passo que a cultura privada seria aquela adquirida de fato por cada aluno/a através dos intercâmbios espontâneos com seu contexto. [...] No que diz respeito à cultura escolar, estaria configurada pelos papéis, normas, rotinas e ritos próprios da escola como instituição social especifica. (CANDAÚ, 2001, p. 65). Ao vivenciar essa diversidade de culturas na escola e em especial na sala de aula, o professor encontra-se situado em um espaço onde “a cultura nem é um campo autônomo nem tampouco um campo determinado externamente, mas um espaço de diferenças e de lutas sociais.” (JOHNSON, 1983, p. 3, apud PÉREZ GOMES, 2001, p. 14). Dentre os muitos rituais que compõem a cultura escolar está a avaliação como uma categoria pedagógica com um significado muito forte. O processo avaliativo promove tensões e as mais variadas reações por parte de todos os envolvidos na educação escolar, gerando expectativas e comportamentos que interferem nos relacionamentos que se estabelecem no processo educativo na escola e, em especial, na sala de aula. A avaliação tradicionalmente se estrutura através de diferentes modalidades as quais foram instituídas no processo pedagógico. O significado da avaliação vai se alterando por vários motivos, como, por exemplo, as políticas públicas, como é o caso da avaliação continuada, no Estado de São Paulo; as modificações das 32 relações sociais dentro e fora da escola; a democratização do processo de ensino e aprendizagem, etc. Nesse contexto, a avaliação vai transformando-se e perdendo o seu significado tradicional, e seu sentido precisa ser retomado. Porém, muitas vezes, a escola não está preparada para enfrentar as transformações que o processo de avaliação requer para adequar-se aos novos tempos. Este trabalho propõe-se a discutir a necessidade de pensar e repensar a avaliação dentro da cultura escolar, buscando caminhos que a reinterpretem e a transformem, para que ela possa ajudar a transformar as tensões existentes no processo avaliativo, construindo possibilidades de desenvolvimento, evolução e autonomia dos educandos. Queremos investigar como a ação docente pode possibilitar uma prática avaliativa cuja gestão requer a participação ativa dos alunos e a inclusão dos pais no processo de avaliação da aprendizagem nas aulas de matemática, de forma a garantir um processo avaliativo emancipatório, compartilhado com os alunos, que podem tornar-se seus protagonistas e também, por conseqüência, protagonistas do processo de conhecer. Este se estabelece através de um ambiente dialógico, onde todos os envolvidos têm voz e são ouvidos, na busca de um novo equilíbrio dessa assimetria que existe nas práticas avaliativas que ocorrem na sala de aula. Paulo Freire nos fala desse desafio de levar o educando a assumir-se como sujeito do processo de conhecer: Se você tem uma posição política reacionária, não há duvida que o papel do educador é ensinar e do educando é ser ensinado; se a sua opção política é uma opção transformadora e se você é coerente com a sua opção – porque esse é outro problema sério que devemos examinar, pois a partir da opção, o educador tem que lutar para alcançar um limite razoável de coerência entre o discurso sobre a opção e a prática que viabiliza o sonho contido nela – se é substancialmente democrática, você não renuncia a seu trabalho de educador, você se afirma nele e desafia o educando a assumirse como sujeito do processo de conhecer. (FREIRE, 1991, p. 43). E esse processo de conhecer é, sem dúvida, marcado pelo tempo. Um tempo de ensinar, um tempo de aprender, um tempo de compreender, um tempo de conhecer. 33 3.1.1 O Tempo Ao buscarmos um novo equilíbrio nas relações que envolvem alunos e professores dentro do processo de avaliação da aprendizagem que ocorre na escola, deparamo-nos com a questão do tempo. Esse tempo toma uma dimensão mais preocupante quando falamos em avaliações: há prazos a ser cumpridos, legislações a ser respeitadas, planejamentos a ser seguidos, conceitos a ser retomados em função da aprendizagem dos alunos. Enfim, são muitas as variáveis que se evidenciam num processo avaliativo e que devem ser administradas no curto espaço de tempo de um bimestre. Diante dessa realidade, como lidar com o desafio de um processo de avaliação que inclui o aluno como sujeito do processo e administrar essas relações, levando em consideração o tempo pedagógico? “Para os docentes o ponto de partida é o tempo de trabalho. Este será o parâmetro de avaliação de qualquer intervenção na escola.” (ARROYO, 2004, p. 395). Ao planejar o trabalho de um bimestre, a questão do tempo evidencia-se como um fator que merece uma atenção especial, pois traz consigo implicações importantes que afetam as condições e as situações do trabalho pedagógico. Porém é um direito perguntar-se por alguns pontos: em que qualquer proposta afetará suas rotinas de trabalho, seus tempos escolares e inclusive seus tempos de família, de descanso, se aumentará ou diminuirá o cansaço. A categoria se pergunta, ainda, se os saberes docentes produzidos em seu trabalho serão levados em conta, respeitados ou ignorados. (ARROYO, 2004, p. 396). A escola possui papéis, normas, rotinas e ritos próprios que exigem do professor habilidades na administração do tempo pedagógico. Ao organizarmos um processo avaliativo que procura desenvolver no aluno atitudes para constituir-se em sujeito desse processo, a relação com o tempo transforma-se, tanto para o aluno como para o professor. Ao repensarmos a concepção, o planejamento, a organização e a sistematização do processo de avaliação com o intuito de possibilitar ao aluno condições para que ele compartilhe com seu professor a gestão desse processo, estaremos provocando e produzindo nesse contexto uma reorganização e, conseqüentemente, uma otimização do tempo pedagógico, por meio de diversas práticas que essa outra visão nos possibilita. 34 O trabalho de conscientizar o aluno sobre seu papel de estudante, por exemplo, que ocupa boa parte do tempo do professor, quando este é o único protagonista do processo de avaliação, já não se faz mais necessário; ao colocar o estudante no centro da ação educativa, o próprio processo avaliativo procura desenvolver atitudes favoráveis que possibilitarão ao aluno uma relação mais consciente com a construção do seu conhecimento. É possível que se constitua, assim, uma nova dimensão do tempo, que corrigirá seu fluxo e cuja administração será compartilhada entre os professores e seus alunos. 3.2 A Concepção de Educação Ao pensarmos em constituir uma prática avaliativa do processo de ensino e aprendizagem que ocorre na sala de aula, precisamos considerar que estamos dentro de um contexto educacional sustentado por concepções que orientam a tomada de decisões nos diversos âmbitos da intervenção educativa e, portanto, também na avaliação. A prática educativa passa por essas concepções estabelecidas de forma consciente ou não. Muitas vezes, a falta de reflexões, pela equipe pedagógica da escola, sobre os referenciais que fundamentam a prática pedagógica do professor tem causado grandes desencontros nos processos avaliativos de nossos alunos, como Perrenoud (1999) afirma e aqui evidenciamos: Os textos legislativos e regulamentares dizem o que se deve ensinar, mas definem muito menos claramente o que os alunos devem supostamente aprender, portanto o que se deve avaliar; [...] o conteúdo da avaliação e o nível de exigência são totalmente deixados à apreciação do professor. Os programas deixam aos professores uma significativa margem de interpretação e uma esfera de autonomia quanto à sua transposição didática. (PERRENOUD, 1999, p.30). Para que exista um consenso nessa margem de interpretação à qual se refere Perrenoud, torna-se necessária a discussão sobre alguns referenciais teóricos que nortearão o processo educacional e, conseqüentemente, o de avaliação em sala de aula. Zabala (1998) destaca a importância de a prática reflexiva ser pautada por referenciais teóricos, ao afirmar que: 35 Necessitamos de meios teóricos que contribuam para que a análise da prática seja verdadeiramente reflexiva. Determinados referenciais teóricos, entendidos como instrumentos conceituais extraídos do estudo empírico e da determinação ideológica, que permitam fundamentar nossa prática; dando pistas acerca dos critérios de análise e acerca da seleção das possíveis alternativas de mudança. (ZABALA, 1998, p.16). No desenvolvimento deste trabalho, vamos considerar que esses referenciais se concretizam em dois grandes grupos: o primeiro diz respeito à função social do ensino: “para que educamos?”, e o segundo refere-se à concepção de “como o aluno estabelece relações com o saber”. As ações que constituem a prática educacional, em sala de aula, modificam-se de forma significativa, dependendo das respostas que damos a essas questões. 3.2.1 A Função Social do Ensino No desenvolvimento deste trabalho, consideraremos que a função social do ensino é educar o cidadão para ser capaz de dar respostas aos problemas que a vida lhe trará e para que sua vida seja comprometida com a transformação qualitativa da sociedade e dele mesmo. Segundo Zabala (1998, p. 197), “podemos entender que a função social do ensino não consiste apenas em promover e selecionar os ‘mais aptos’ para a universidade, mas que abarca outras dimensões da personalidade”. Quando nos referimos ao compromisso do cidadão com seu desenvolvimento, estamos considerando alguns aspectos de sua formação integral, ou seja, sua vida interpessoal: relacionar-se e viver positivamente com as demais pessoas; sua vida pessoal: conhecer a si próprio, os demais e a sociedade e sua vida profissional: dispor de conhecimentos e habilidades para exercer uma tarefa profissional. Comprometer-se com a melhoria da sociedade requer do indivíduo sua participação ativa na transformação dessa sociedade. Nesse sentido, compreendemos “educação como instrumento de transformação da prática social.” (LUCKESI, 1998, p. 29). Nessa perspectiva, o exercício da cidadania é considerado através do enfoque que valorize as interações entre as pessoas e o contexto social; requer autonomia, reflexão e dimensão coletiva por parte do cidadão. Gramsci diz que “a escola não deve só tornar cada um mais qualificado, mas deve agir para que ‘cada cidadão’ possa se tornar ‘governante’ e que a sociedade o coloque, ainda que 36 ‘abstratamente’, nas condições gerais de poder fazê-lo.” (GRAMSCI, 1979, apud LUCKESI, 1998, p. 44). 3.2.2 A Forma como o Aluno estabelece Relações com o Saber O segundo referencial que norteará o processo educacional e, conseqüentemente, o de avaliação é a concepção de como o aluno estabelece relações com o saber. De acordo com Charlot, A problemática da relação com o saber estabelece uma dialética entre interioridade e exterioridade, entre sentido e eficácia. Aprender é apropriar-se do que foi aprendido, é tornar algo seu, é interiorizá-lo. Contudo, aprender é também apropriar-se de um saber, de uma prática, de uma forma de relação com os outros e consigo mesmo... que existe antes que eu aprenda, exterior a mim. A problemática da relação com o saber recusa-se a definir a aprendizagem partindo apenas do movimento daquele que aprende ou das características daquilo que é aprendido. O que importa é a conexão entre o sujeito e o saber, entre o saber e o sujeito. (CHARLOT, 2001, p. 20). Considerando a escola como “um lugar que induz as relações com o(s) saber(es)” (CHARLOT, 2001, p.18), é inevitável um repensar sobre a prática pedagógica no sentido de possibilitar ao aluno uma relação com o saber que lhe permita estabelecer relações consigo próprio, conectando sua interioridade com a exterioridade, isto é, com o mundo e com os outros. Para que a aprendizagem ocorra, é preciso que o saber tenha sentido para o aluno, pois existe uma dialética entre sentido e eficácia da aprendizagem, isto é, se fizer sentido para o aluno, ele poderá apropriar-se do que foi aprendido. Segundo Charlot (2001, p. 21), “[...] o sentido atribuído a um saber leva a envolver-se em certas atividades, a atividade posta em prática para se apropriar de um saber contribui para produzir o sentido desse saber”. Nesse contexto, caberá ao professor elaborar e sistematizar meios que possibilitem “a conexão entre o sujeito e o saber, entre o saber e o sujeito.” (CHARLOT, 2001, p. 20). Contudo, para o aluno aprender, torna-se importante que ele tome consciência do seu papel nessa conexão, sentindo-se parte integrante dela. 37 O sujeito que aprende apropria-se de uma parte do patrimônio humano que se apresenta sob formas múltiplas e heterogêneas: palavras, idéias, teorias, mas também técnicas do corpo, práticas cotidianas, gestos técnicos, formas de interações, dispositivos relacionais. (CHARLOT, 2001, p. 21). Ao considerarmos essas formas múltiplas e heterogêneas do patrimônio humano, das quais o sujeito se apropria ao aprender, o sentido do ensino, da aprendizagem e da avaliação poderá sofrer transformações, pois deixamos de valorizar somente os conteúdos conceituais de aprendizagem: passamos a considerar também os conteúdos procedimentais e atitudinais, que fazem parte do patrimônio humano a ser aprendido na escola. Passamos a ver o aluno como um sujeito que precisa apropriar-se de um saber, de uma prática, de uma forma de relação com os outros e consigo mesmo. Isto é, passamos a ver o aluno de uma forma integral. Na prática pedagógica necessitamos de princípios norteadores, advindos das concepções que adotamos como professores, para conduzir nossas ações docentes, tanto no ensino quanto na avaliação da aprendizagem escolar. Os princípios acima descritos serão considerados como pontos de partida para o processo de avaliação que nos propomos a analisar com este trabalho. A relação existente entre os dois referenciais teóricos descritos anteriormente pode possibilitar uma intervenção na forma, culturalmente construída pela escola, de ordenar as ações e as intervenções que o processo de ensino e aprendizagem e, conseqüentemente, o de avaliação requerem. 3.2.3 O Significado da Avaliação O aperfeiçoamento da prática educativa depende das informações advindas do processo de avaliação, através das quais vão se evidenciando, durante o bimestre, as manifestações relevantes do processo educativo. Encontramos em Luckesi (1998) o significado de avaliação que adotaremos neste trabalho e que descreveremos abaixo: 38 A avaliação pode ser caracterizada como uma forma de ajuizamento da qualidade do objeto avaliado, fator que implica uma tomada de posição a respeito do mesmo, para aceitá-lo ou para transformá-lo. A definição mais comum adequada, encontrada nos manuais, estipula que a avaliação é um julgamento de valor sobre manifestações relevantes da realidade, tendo em vista uma tomada de decisão. Juízo de valor significa uma afirmação qualitativa sobre um dado objeto, a partir de critérios pré-estabelecidos. (LUCKESI, 1998, p.33). As interferências no processo pedagógico devem fundamentar-se no processo de avaliação, pois é ele que pode fornecer dados importantes para conduzir as intervenções que visam a melhoria da prática educativa. A avaliação deverá conter dados relevantes e relativos ao processo e aos resultados da aprendizagem do aluno, que se transformarão em referências para inferir o alcance dos objetivos previstos. Quando o ensino e a aprendizagem visam a formação integral do educando, isto é, quando passam a ver o aluno como um sujeito que precisa apropriar-se de um saber, de uma prática, de uma forma de relação com os outros e consigo mesmo, conteúdos de diferentes características deverão ser trabalhados. Esses conteúdos de aprendizagem irão propiciar não só o desenvolvimento das capacidades cognitivas do educando, mas também de suas “capacidades motoras, de equilíbrio e de autonomia pessoal, de relação interpessoal e de inserção social.” (ZABALA, 1998, p. 197). Esse olhar que nos possibilita reconhecer as diferentes capacidades que devemos desenvolver no educando também nos leva a pensar na tipologia dos conteúdos que permitirão o desenvolvimento dessas capacidades. Tais conteúdos deverão caracterizar-se de acordo com suas finalidades e propósitos, buscando adequar-se aos objetivos que se pretende alcançar para o desenvolvimento integral dos alunos. Na busca da fundamentação teórica e da sistematização dessas idéias, encontramos a classificação desses conteúdos de acordo com o seu tipo em “conceituais, procedimentais e atitudinais.” (ZABALA, 1998, p.8). Esta classificação diferencia claramente os conteúdos de aprendizagem: - Os conteúdos conceituais referem-se à abordagem de conceitos, fatos e princípios, e sua aprendizagem envolve a aquisição de informações, a vivência de situações, a construção de generalizações e a compreensão de princípios. 39 - Os conteúdos procedimentais expressam um saber fazer e sua aprendizagem envolve: a realização de uma série de ações de forma ordenada e não aleatória, a tomada de decisões para o alcance de uma meta, bem como a construção de instrumentos para analisar os processos e os resultados obtidos. - Os conteúdos atitudinais incluem valores, normas e atitudes, e a sua aprendizagem orienta ações e possibilita o juízo crítico; orienta padrões de conduta e envolve cognição (conhecimento e crenças), afeto (sentimentos e preferências) e condutas (ações e declarações). Ao estabelecermos distinções para os conteúdos trabalhados em sala de aula, de acordo com seu tipo, somos levados a considerar estratégias que permitam o ensino — bem como a avaliação — desses conteúdos de forma diferenciada, sistemática e organizada, embora eles nunca se encontrem compartimentados no processo educativo. Podemos observar que, em geral, embora exista, por parte do professor, em suas aulas, uma orientação relativa aos conteúdos procedimentais e aos atitudinais, eles não são tratados como conteúdos de aprendizagem, isto é, não estão sujeitos às estratégias de ensino, embora se submetam ao processo de avaliação. Para o aluno, eles estarão muitas vezes encobertos e mal compreendidos. Podemos observar que, em geral, o trabalho desenvolvido pelo professor em sala de aula valoriza muito mais a dimensão racional e cognitiva do processo educativo do que sua dimensão afetiva e ética, e considera procedimentos e atitudes não como objeto de ensino, mas, sim, como conhecimentos prévios que o aluno já deverá trazer para a sala de aula, conforme nos diz Esteban: O processo de avaliação do resultado escolar de alunos e alunas está profundamente marcado pela necessidade de criação de uma nova cultura sobre avaliação, que ultrapasse os limites da técnica e incorpore em sua dinâmica a dimensão ética. (ESTEBAN, 1999, p.8). Muitas vezes os professores se sentem frustrados em suas expectativas em relação ao comportamento de seus alunos: esquecem-se de que esses comportamentos precisam ser vivenciados nas relações sociais de sala de aula e submetidos ao processo de ensino e aprendizagem, permitindo, assim, que a dimensão racional e cognitiva do processo educativo se associe à dimensão afetiva 40 e ética na busca de uma relação mais adequada entre ensino, aprendizagem e desenvolvimento humano. Essa associação requer um trabalho pedagógico que contemple o ensino, a aprendizagem e a avaliação dos três tipos de conteúdos que foram abordados. Uma prática pedagógica que leve em consideração que esses conteúdos deverão estar estruturados e articulados através de atividades que contribuam para a sua aprendizagem requer uma mudança significativa no ensino, na aprendizagem e, conseqüentemente, no processo de avaliação da aprendizagem. Para refletirmos sobre uma mudança no processo avaliativo, devemos levar em consideração os planos em que ocorrem as avaliações que fazemos de nossos alunos. A esse respeito, Freitas (2009) enfatiza que é preciso considerar a avaliação em dois planos: um formal e outro informal. Quando consideramos a dimensão racional e cognitiva do processo avaliativo, estamo-nos reportando à avaliação formal. Ou seja, são “[...] aquelas práticas que envolvem o uso de instrumentos de avaliação explícitos, cujos resultados da avaliação podem ser examinados objetivamente pelo aluno à luz de um procedimento claro.” (PINTO, 1994, apud FREITAS, 2009, p.27). Já a avaliação informal é construída pelo professor a partir “[…] de juízos gerais sobre o aluno, cujo processo de constituição está encoberto e é aparentemente assistemático e nem sempre acessível ao aluno.” (FREITAS, 2009, p.27). Ainda, com relação à avaliação informal, temos, segundo Freitas: A parte mais dramática e relevante da avaliação se localiza aí, nos subterrâneos onde os juízos de valor ocorrem. Impenetráveis, eles regulam as relações tanto do professor para com o aluno, quanto do aluno para com o professor. Este jogo de representações vai construindo imagens e autoimagens que terminam interagindo com as decisões metodológicas que o professor implementa em sala de aula. (FREITAS, 2009, pp. 27-28). O diagrama a seguir representa o modelo interpretativo de avaliação em sala de aula (FREITAS, 2009, p.29). 41 Campo predominante do formal Nota Avaliação Institucional (conteúdo) Avaliação do comportamento Campo predominante do informal Sucesso Avaliação de valores e atitudes ou Autoestima Fracasso Juízos Ao considerarmos uma prática avaliativa emancipatória, compartilhada por professores e alunos, queremos criar possibilidades de tornar os critérios da avaliação informal, na medida do possível, mais claros e objetivos e sujeitos ao processo de ensino e aprendizagem, para permitir ao aluno o juízo de valor sobre suas próprias ações; de tal forma que a imagem do seu valor escolar seja construída e reconstruída, ao longo do bimestre, numa relação dialógica entre ele e seu professor. Nesse contexto, a avaliação informal poderá aproximar-se o máximo possível da avaliação formal, trazendo, tanto para o professor como para o aluno, o maior conhecimento possível de si mesmo e de sua realidade. Dessa maneira, tendo como referência o diagrama de Freire, podemos contemplar tais considerações ao deslocar para baixo a linha horizontal, divisória entre a avaliação formal e informal, possibilitando abranger de forma mais intensa, além da avaliação de conteúdo, a avaliação do comportamento e também de valores e atitudes. 42 Campo predominante do formal Nota Sucesso Avaliação Institucional (conteúdo) Avaliação do comportamento Campo predominante do informal ou Avaliação de valores e atitudes Autoestima Fracasso Juízos Assim, a prática pedagógica deixará de ser propedêutica e seletiva e passará a ter uma função orientadora, buscando desenvolver todas as capacidades do educando; e, como conseqüência, o professor deixará de ser um professor de matéria para desempenhar a função mais abrangente de educador, assumindo o papel de orientador do processo de educação junto com seus alunos. Dessa forma, o processo de avaliação passará a ter a finalidade de diagnosticar os níveis de desenvolvimento do aluno, e o professor deixará de ser o sujeito que aplica avaliação; virá a ser o sujeito que promove, de forma compartilhada com os integrantes do processo avaliativo, o diagnóstico deste e provê as possibilidades de interferências que são detectadas pela ótica do aluno e do professor. Segundo Freire (1991, p.154), “o sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto a relação dialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade, como inconclusão em permanente movimento na história”. Ao considerarmos uma prática de avaliação que promove a relação dialógica e aceita a consciência da inconclusão de cada um dos envolvidos nesse processo, acreditamos que estamos trabalhando para diminuir o fracasso escolar, porque estamos avaliando para tentar estabelecer uma relação com o saber e com o ser, e não com a nota. 43 O que importa é a aprendizagem e a possibilidade de o aluno auto-avaliar-se o tempo todo, projetar e ver novas alternativas que abrirão novos caminhos para o conhecimento. O que importa é o aluno sentir-se no direito de errar e aprender com o seu erro. Em relação ao erro, concordamos com Esteban, quando nos diz: O erro passa a ser visto por outro prisma, como momento do processo de construção de conhecimento que dá pistas sobre o modo como cada um está organizando seu pensamento, a forma como está articulando seus diversos saberes, as diversas lógicas que atravessam a dinâmica ensino/aprendizagem, as muitas possibilidades de interpretação dos fatos, a existência de vários percursos, desvios e atalhos, as peculiaridades de cada um nos processos coletivos, a tensão individual/coletivo. Deixa de representar a ausência de conhecimentos, a deficiência, a impossibilidade, a falta. (ESTEBAN, 1999, p. 21). Assim o aluno estabelecerá um movimento permanente na construção de seu próprio saber, reconhecendo-se sempre em transformação no seu processo de aprender. 3.3 A Ação Docente A prática avaliativa compartilhada com os alunos, com a finalidade de oferecer a eles, permanentemente, a oportunidade de desenvolver, no maior grau possível, todas as suas capacidades, depende de ações planejadas e estruturadas pelo professor. Essas ações apóiam-se em algumas características do processo avaliativo que foram apontadas por Ramos (2000) e comentaremos abaixo, pois ajudaram a compor nosso processo de pesquisa. 3.3.1 Ser Transparente Toda a comunidade educativa tem condições de observar e compreender o desempenho do estudante. A avaliação requer transparência dos critérios que serão usados para avaliar e requer combinados e acordos claros e conhecidos por todos os integrantes do processo. Para isso usamos o contrato didático, que permite que o educando se coloque como sujeito do processo, conhecendo os valores relevantes que serão julgados através do processo avaliativo, e os reconheça com clareza e transparência na organização e na estrutura dos instrumentos de avaliação. Assumimos, em nosso estudo, para contrato didático, a definição de Chevallard, que assim o apresenta: 44 O contrato didático define o que será possível ou impossível fazer na aula, o que terá sentido para os alunos e para o professor de maneira compartilhada. Antes de serem eficazes, as técnicas didáticas têm que ser aceitáveis e significativas para os protagonistas do sistema didático. (CHEVALLARD, 2001, p.192) O contrato didático, ao possibilitar a discussão e a transparência dos critérios de avaliação, também propicia ao professor um “posicionamento pedagógico claro e explícito” (referência), que deverá estar dimensionado nos registros e nos instrumentos de avaliação, de tal forma que permita a qualquer integrante desse processo o livre acesso a esses critérios e a visualização das intervenções necessárias, a qualquer momento do processo pedagógico, de forma clara e explícita. Dessa forma, concordamos com Luckesi, que afirma: [...] o primeiro passo que nos parece fundamental para redirecionar os caminhos da prática da avaliação é assumir um posicionamento pedagógico claro e explícito. Claro e explícito de tal maneira que possa orientar diuturnamente a prática pedagógica, no planejamento, na execução e na avaliação. (LUCKESI, 1998, p. 42). 3.3.2 Ser Formativa Ordenar as ações que permitirão a co-participação do educando num processo de avaliação que em geral sempre esteve administrado somente pelo professor requer a superação da idéia de que a avaliação é um instrumento de controle das pessoas; requer também a aceitação de que ela poderá transformar-se num instrumento educativo que auxilia a promoção do desenvolvimento humano. Esteban (1997) afirma: Avaliar o aluno deixa de significar fazer um julgamento sobre a aprendizagem do aluno, para servir como momento capaz de revelar o que o aluno já sabe, os caminhos que percorreu para alcançar o conhecimento demonstrado, seu processo de construção de conhecimentos, o que o aluno não sabe, o que pode vir a saber, o que é potencialmente revelado em seu processo, suas possibilidades de avanço e suas necessidades para que a superação, sempre transitória, do não saber, possa ocorrer. (ESTEBAN, 1997, p. 53, apud AFONSO, 1999, p. 92) O aluno toma consciência do seu próprio desempenho e é obrigado a refletir sobre ele, o que lhe possibilita a busca de novas atitudes para melhorar seu desempenho. 45 Isso significa que o processo de avaliação tem como propósito a modificação e a melhoria contínua do aluno que se avalia; é um processo que entende que a finalidade da avaliação é ser um instrumento educativo que informa e faz uma valoração do processo de aprendizagem seguido pelo aluno, com o objetivo de lhe oportunizar, em todo momento, as propostas educacionais mais adequadas. (ZABALA, 1998, p.200). Ao referirmo-nos ao processo de avaliação na escola, sabemos dos esforços e dos recursos usados pelos educadores na busca da melhoria do desempenho escolar de seus alunos, porém vemos esses esforços minados por um processo de alienação dos educandos em relação ao seu grau de compromisso com seu próprio processo avaliativo. Estamos aqui nos referindo ao significado que tem o processo de avaliação para o aluno ao longo de suas vivências escolares. Podemos constatar que esse significado se compromete quando o aluno tem concepções sobre a avaliação que se baseiam nos resultados, sem analisar os meios pelos quais eles foram obtidos, isto é não é relevante a aprendizagem, mas, sim, a nota final, não importando se ela representará seu conhecimento adquirido ou não. Ao considerarmos que “o objetivo do ensino não centra a sua atenção em certos parâmetros finalistas para todos, mas nas possibilidades pessoais de cada aluno” (ZABALA, 1998, p.197), precisamos introduzir no processo de avaliação novas funções que o educando aprenderá a exercer para alterar o curso desse processo, redirecionando-o através de mecanismos que o ajudem a reconhecer, desenvolver e controlar seu progresso pessoal; isto é, ajudando-o a reconhecer o significado da avaliação em sua vida escolar e a assumir seu papel e seu lugar no processo avaliativo, com autonomia: A avaliação formativa, como chama a atenção Philippe Perrenoud (1992), assenta numa relação de extrema confiança e cumplicidade entre os alunos e os professores – o que exige da parte dos professores a capacidade de fazer todas as articulações e pontes possíveis com os outros atores escolares e não escolares sem deixar que a comunidade signifique uma nova regulação que acabe por impedir aquilo que aqui se propõe: constituirse um espaço de solidariedade, reciprocidade e emancipação. (AFONSO, 1999, pp. 97-98). Assim, podemos considerar que existem ações pedagógicas que se constituem em instrumentos efetivos que serão relevantes para criar níveis de ajuda para os professores, para os alunos e para os demais atores escolares, na 46 constituição desse espaço de solidariedade, reciprocidade e emancipação acima descrito. Para isso surge a necessidade de criar os espaços pedagógicos que permitirão atuação concreta do educando no seu processo de avaliação. Esses espaços converter-se-ão em instrumentos adequados através dos quais os alunos poderão tornar-se gestores de suas aprendizagens, juntamente com seus professores, pais e demais participantes do processo. Perrenoud refere-se a uma citação de Bain (1998) sobre essa questão: “A avaliação formativa está, portanto, centrada essencial, direta e imediatamente sobre a gestão das aprendizagens dos alunos (pelo professor e pelos interessados).” (BAIN, 1998, p.24, apud PERRENOUD, 1999, p. 89). 3.3.3 Ser Integral Não são avaliados apenas os conhecimentos dos alunos, mas também as atitudes e as habilidades adquiridas e evidenciadas nas distintas produções e reflexões sobre elas. O processo avaliativo ultrapassa a dimensão cognitiva, como Luckesi (1998) indica e com o que concordamos: O desenvolvimento do educando pressupõe o desenvolvimento das diversas facetas do ser humano: a cognição, a afetividade, a psicomotricidade e o modo de viver. Cada sujeito – criança, jovem ou adulto – se educa no processo social como um todo; na trama das relações familiares, grupais, políticas. (LUCKESI, 1998, p.126). Muitas vezes ouvimos dos professores referências aos conteúdos de aprendizagem com foco somente nos conteúdos conceituais. A necessidade de ensinar os conteúdos procedimentais e atitudinais revela-se nos próprios comentários dos professores, quando dizem que o aluno não sabe “fazer” ou não sabe “ser”. Nesse sentido, segundo Zabala (1998, p.8), “haverá conteúdos que é preciso ‘saber’ (conceituais), conteúdos que é preciso ‘saber fazer’ (procedimentais) e conteúdos que admitem ‘ser’ (atitudinais)”. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais encontramos referências ao ensinoaprendizagem desses três diferentes tipos de conteúdos. 47 Considerando os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental II, encontramos: Dessa forma, pode-se considerar que os conteúdos envolvem explicações, formas de raciocínio, linguagens, valores, sentimentos, interesses e condutas. Assim, nesses parâmetros os conteúdos estão dimensionados não só em conceitos, mas também em procedimentos e atitudes. (BRASIL, 1998, p. 49). Este texto refere-se aos conteúdos que deverão fazer parte do processo de ensino e aprendizagem, na escola e que, portanto poderão compor o processo de avaliação. O trabalho pedagógico passa, então, a incluir os conteúdos conceituais, que abrangem o “saber”; os procedimentais, que abrangem o “saber fazer”; e os atitudinais, que se referem ao “ser”, passando assim a considerar o aluno como um indivíduo que precisa não só desenvolver suas capacidades cognitivas, mas também as “capacidades motoras, de equilíbrio e de autonomia pessoal, de relação interpessoal e de inserção social.” (ZABALA, 1998, p. 197). Os registros de avaliação assim estruturados podem garantir que esses enfoques acima descritos se manifestem através de formas claras, objetivas e diferenciadas, deixando transparecer para o professor e para seu aluno os critérios de avaliação que compõem cada uma dessas dimensões. Permitir essa transparência nos critérios de avaliação requer a diferenciação entre os conteúdos que estão sendo avaliados, o que é possível, mas nem sempre é feito com facilidade, pois, segundo Zabala: Em sentido estrito, os fatos, conceitos, técnicas, valores, etc. não existem. Estes termos foram criados para ajudar a compreender os processos cognitivos e condutuais, o que torna necessária sua diferenciação e parcialização metodológica em compartimentos para podermos analisar o que sempre se dá de maneira integrada. Esta relativa artificialidade faz com que a distinção entre uns e outros corresponda, na realidade, a diferentes faces do mesmo poliedro. (ZABALA, 1998, p.p.39-40). Quando o processo de avaliação se torna integral, o professor poderá evitar as arbitrariedades que costumam ocorrer por conta da avaliação informal e do grande número de alunos que temos em nossas salas de aula, além das inúmeras variáveis pedagógicas que compõem a prática avaliativa. Organizar registros que evidenciam uma avaliação integral requer um novo olhar sobre os conteúdos de aprendizagem, sobre seu ensino e sua avaliação. 48 Esses registros têm a função de permitir ao professor, aos alunos e aos demais integrantes do processo uma visão de como está se processando o desenvolvimento do educando, nas dimensões cognitivas, afetivas e éticas. Essa observação remetenos a Luckesi, que assim caracteriza o desenvolvimento do educando: O desenvolvimento do educando significa a formação de suas convicções afetivas, sociais, políticas; significa o desenvolvimento de suas capacidades cognoscitivas e habilidades psicomotoras; enfim, sua capacidade e seu modo de viver. A educação escolar é uma instância educativa que trabalha com o desenvolvimento do educando [...] (LUCKESI, 1998, p.126). 3.3.4 Ser Democrática Ao consideramos essa característica do processo avaliativo, encontramos em Esteban (2001): O redimensionamento do conceito de avaliação escolar, articulado pelo compromisso com a democratização do ato pedagógico, tem como característica ser uma atividade mais participativa, desenvolvida através de um processo contínuo. Deste ponto de vista a teoria sobre avaliação precisa assinalar, para a atividade docente, estratégias que possam ajudar alunos/alunas e professores/as a compreender e intervir no processo coletivo de construção de conhecimentos. (ESTEBAN, 2001, p.126). Para definir os critérios de avaliação que serão usados durante o bimestre, todos os envolvidos no processo poderão ser agentes do contrato didático que será estabelecido. A relevância desses critérios surge através de acordos discutidos e combinados pelo professor e seus alunos no início de cada bimestre, garantindo, assim, de forma democrática, a constituição do contrato, que se explicitará através dos registros dos instrumentos de avaliação que farão parte de processo avaliativo. Esses registros deverão constituir-se de maneira compartilhada e deverão possibilitar aos professores, aos alunos, aos pais ou responsáveis acesso fácil e permanente aos critérios estabelecidos, bem como o acompanhamento da avaliação durante o bimestre. Esse acompanhamento possibilita corrigir rumos e ações didáticas, a qualquer momento do processo avaliativo — que deixa de ser classificatório —, promovendo o ensino e o avanço do aluno. Neste aspecto concordamos com Luckesi, quando nos diz: 49 Queremos dizer que a primeira coisa a ser feita, para que a avaliação sirva à democratização do ensino, é modificar a sua utilização de classificatória para diagnóstica. Ou seja, a avaliação deverá ser assumida como um instrumento de compreensão do estágio de aprendizagem em que se encontra o aluno, tendo em vista tomar decisões suficientes e satisfatórias para que possa avançar no seu processo de aprendizagem. (LUCKESI, 1998, p.81). Na avaliação diagnóstica, o professor, assim como o aluno, toma conhecimento do estágio de aprendizagem através dos instrumentos avaliativos e dos registros que o estudante faz diariamente, no seu caderno, para acompanhar o seu desempenho. O processo de avaliação deixa de ser um instrumento de aprovação ou reprovação, permitindo ao professor tomar decisões, a qualquer momento do processo, em relação aos procedimentos que permitirão o maior desenvolvimento possível de seus alunos. Da mesma forma, a avaliação diagnóstica permite aos alunos refletir sobre seu próprio desempenho escolar, buscando possibilidades para avançar, e oferece aos pais ou responsáveis a possibilidade de acompanhar o desempenho de seus filhos ao longo do bimestre, fazendo intervenções quando se fizer necessário. Consideramos que essas características acima descritas possibilitam uma relação entre professores e alunos em que o professor cuida e o aluno sente-se cuidado no seu processo de crescimento. Nesse contexto, a avaliação buscará incluir o aluno na sua sala de aula, na sua escola, auxiliando-o no seu desenvolvimento pessoal. Tornam-se, então, muito significativos os registros adequados de avaliação, pois será através deles que as características acima se constituirão, pois o professor poderá discutir de forma contínua e compartilhada com seus os alunos o nível de aprendizagem que eles atingiram, buscando as reformulações necessárias para dar prosseguimento ao processo educativo; informar para os pais o progresso de seu filho, de forma contínua, possibilitando a eles dar um apoio mais eficaz aos estudos de seu filho; melhorar o ensino, pois ele poderá identificar as estratégias de ensino que têm mais sucesso, ou ainda, identificar, segundo Matos e Serrazina, “comportamentos de aprendizagem específicos que necessitam ser encorajados e desenvolvidos ou desencorajados e substituídos”. Para esses autores: 50 Comportamentos de aprendizagem desejados incluem capacidades e atributos que vão além dos conteúdos matemáticos específicos, por exemplo, a persistência, o trabalho sistemático, a organização eficiente e eficaz, a correção, o fazer conjecturas, a criatividade e a capacidade de comunicar idéias e procedimentos claramente são comportamentos de aprendizagem desejados que, embora haja consenso na importância desses objetivos de aprendizagem, raramente têm sido o foco da avaliação. (MATOS; SERRAZINA 1996, p. 218). Acreditamos que o processo de avaliação com as características aqui descritas pode tornar-se parte integrante do ensino, permitindo inserir o aluno de tal maneira nesse processo, que ele se conscientize do seu papel de aprendiz e reconheça qual o esforço que deve ser feito por ele para desenvolver suas potencialidades e crescer como ser humano. Esses pressupostos constituem-se como referencial na pesquisa aqui descrita, a qual analisará o processo de avaliação desenvolvido por três professoras de Matemática durante o ano de 2008, que davam aulas, em diferentes escolas públicas do Estado de São Paulo, para o Ensino Fundamental II (sério Ensino Médio. Assim, no capítulo a seguir apresentaremos os procedimentos metodológicos desta pesquisa, os quais foram elaborados com base nos referenciais teóricos aqui descritos. 51 CAPÍTULO IV 4 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA Para percorrermos essa trajetória faremos, inicialmente, uma abordagem do problema que originou essa pesquisa bem como os contextos e os pressupostos nos quais se construíram os dados que dela fazem parte para depois explicitarmos a metodologia e as categorias de análise que surgiram no desenvolvimento desse trabalho. 4.1 Origem O problema que originou esta pesquisa teve seu cerne ainda quando, na docência de matemática no Ensino Médio, em uma escola da rede estadual de ensino do Estado de São Paulo, levantamos questões relacionadas à prática avaliativa que nos direcionaram e nos motivaram a elaborar um processo de avaliação de forma compartilhada com o aluno e com os pais, o que gerou bons resultados na aprendizagem do aluno em matemática e na sua relação com a avaliação. Após nossa aposentadoria, na rede estadual, em 2006 e a convite da professora Miriam Sampiere Santinho, expusemos esse processo avaliativo num módulo do curso Mat 502 — do Laboratório de Ensino de Matemática (LEM) do Imecc–Unicamp —, destinado a professores do Ensino Fundamental II, que se propunha a discutir o tema avaliação. Nessa mesma época, também expusemos esse processo, com a mesma finalidade, no “Teia do Saber”, um programa de educação continuada criado pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Faziam parte do curso de especialização, cuja conclusão foi em julho de 2006, as professoras Adriana e Eliana, com as quais, através de e-mails, mantivemos contato, assim como com os outros professores participantes do curso 52 que tinham interesse em mudar sua prática avaliativa e começaram a usar, em suas aulas de matemática, o processo avaliativo apresentado por nós. Em janeiro de 2007, a professora Eliana, que já havia iniciado suas experiências com o processo avaliativo com suas classes, relatou que a diretora de sua escola solicitava ao Lem uma apresentação do trabalho com avaliação para os demais professores da escola, em vista dos bons resultados obtido pela professora Eliana com seus alunos. Já no segundo semestre de 2006, utilizávamos um ambiente de educação a distância (Teleduc) para nos comunicarmos com os professores dos cursos de especialização, mas os professores da “Teia do Saber” também tinham acesso a esse ambiente virtual. Por essa via, viemos a ter notícias de alguns professores que estavam usando o processo de avaliação em suas aulas. Dentre esses professores estavam Adriana, Eliana e Conceição. Esse movimento sinalizou a necessidade de se promover, no Lem, juntamente com a professora Miriam, uma reunião presencial no dia 9 de fevereiro de 2007, para socializar as experiências em andamento, com a participação de alguns professores inscritos no Teleduc, inclusive as professoras Conceição e Adriana. A professora Eliana não pôde estar presente. Esta reunião foi muito produtiva, pois os professores apresentaram o trabalho que realizavam com a avaliação em suas aulas de matemática; expuseram dúvidas e acertos para serem discutidos e pudemos, assim, aprofundar alguns aspectos teóricos relativos ao processo avaliativo, tendo como base, nessa ocasião, as idéias de Zabala e Luckesi. Foi possível perceber que cada professor havia constituído uma maneira própria de usar o processo avaliativo em suas aulas de matemática. Destacamos aqui que o módulo que discutiu o tema avaliação no curso de especialização do “LEM”, do qual faziam parte Adriana e Eliana, e também na “Teia do Saber”, em 2006, da qual fazia parte Conceição, foi iniciado por um questionário respondido por todos os professores participantes. Sua finalidade era que se evidenciasse a maneira como o professor entendia avaliação naquele momento. As questões relativas a ele estão descritas no item 4.4 — “A metodologia da pesquisa” — deste capítulo. 53 Nossos contatos para saber sobre o andamento das aplicações do processo continuaram, por meio de e-mails, ao longo de 2007 e revelaram, até o final desse ano, resultados considerados satisfatórios na aplicação do processo de avaliação pelos professores. Nosso ingresso no programa de pós-graduação decorreu dessas situações vivenciadas com os professores. Nosso objetivo era aprofundar a visão acerca da prática avaliativa e suas relações com a aprendizagem matemática, além de contribuir com algumas referências que viessem a subsidiar o trabalho docente no processo de avaliação de seus alunos como um aliado para aprimorar o processo de ensino e aprendizagem. Em função disso, propusemos aos professores que já estavam desenvolvendo esse processo avaliativo em suas aulas e que estavam ligados ao grupo de professores que vínhamos acompanhando, que colaborassem como participantes de um projeto de pesquisa a ser iniciado em 2008, na Universidade Cruzeira do Sul. As professoras Adriana, Conceição e Eliana dispuseram-se a contribuir com nossa pesquisa, tornando-se nossas parceiras nesse trabalho. 4.2 Os Contextos nos quais se Construíram os Dados O trabalho de pesquisa foi feito durante o ano de 2008, em três escolas de diferentes cidades: uma delas era uma escola pública municipal, de Ensino Fundamental, de Paulínia, Estado de São Paulo, onde trabalhava a professora Conceição; a outra, em que lecionava a professora Adriana, era uma escola pública municipal, de Ensino Fundamental de Valinhos; e a terceira, em que trabalhava a professora Eliana, uma escola pública estadual de Ensino Fundamental e Médio de Jundiaí. Os níveis e as séries envolvidos foram os seguintes: em Paulínia, a professora Conceição desenvolveu o processo avaliativo em três turmas de quinta série e duas turmas de sexta série; em Valinhos, a professora Adriana desenvolveuo em duas turmas de quinta série, uma de sexta e uma de sétima série; e, em Jundiaí, a professora Eliana o fez com suas turmas do Ensino Médio. 54 4.3 Os Pressupostos que Marcaram a Construção dos Dados No início de fevereiro de 2008 reunimo-nos com as professoras Adriana, Conceição e Eliana e retomamos as discussões sobre os princípios e a fundamentação teórica que subsidiariam o trabalho com o processo avaliativo e que haviam sido vistos durante o curso de Especialização – Mat 500 – LEM - Unicamp e na “Teia do Saber”, pois eles seriam agora considerados os pressupostos que marcariam a construção dos dados a partir dos quais desenvolveríamos nossas análises no trabalho de pesquisa. Além disso, nessa reunião, esclarecemos para as professoras que os objetivos da nossa pesquisa eram: verificar, através do contrato didático e de registros de avaliação, escritos, como é possível criar espaços pedagógicos que possibilitem a inclusão da atuação efetiva dos alunos na gestão de seu processo de avaliação; observar se uma mudança no equilíbrio das responsabilidades atribuídas aos envolvidos no processo de avaliação poderá promover melhores resultados nas relações do aluno com o seu processo de aprendizagem, nas aulas de matemática; e investigar as transformações que ocorrem no “sentido da avaliação”, na medida em que o contrato didático e os registros de avaliação possibilitem uma crescente responsabilidade do aluno em relação a sua aprendizagem. Descreveremos abaixo como foram estabelecidos os parâmetros que subsidiaram o trabalho das professoras com o processo avaliativo. Partimos do princípio de que esse processo deveria ter as seguintes características: ser transparente, ser integral, ser formativo e democrático. Cada professora iria elaborar registros de avaliação adaptados à realidade de sua escola, porém, eles deveriam respeitar as características acima descritas. 55 A discussão com as professoras sobre a forma de organizar esses registros, levou à elaboração do que veio a se constituir no projeto de avaliação que, a partir de então, vem sendo desenvolvido com estas características: Para que o processo avaliativo seja transparente, o registro deve conter dados relevantes — relativos aos resultados da aprendizagem do aluno — que se transformarão em referências para inferir o alcance dos objetivos previstos. Assim, o registro deve possibilitar, de forma clara e explícita, uma visão do posicionamento pedagógico do professor em relação ao processo de avaliação estabelecido em sala de aula, tanto para os alunos como para os pais. Para que ele vise à formação integral do educando e, portanto, procure alcançar o maior desenvolvimento possível de todas as suas capacidades, faz-se necessário trabalhar conteúdos de diferentes características, para que, através deles, seja possível abarcar as diferentes dimensões da personalidade dos educandos. Esses conteúdos de aprendizagem devem propiciar não só o desenvolvimento das capacidades cognitivas do educando, mas também de suas “capacidades motoras, de equilíbrio e de autonomia pessoal, de relação interpessoal e de inserção social.” (ZABALA, 1998, p. 197). Para isso, o planejamento de suas seqüências didáticas deve prever os conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais que devem fazer parte do ensino, da aprendizagem e da avaliação. Para atender o aspecto formativo, o processo avaliativo precisa, através do compartilhamento de responsabilidades com a professora e com os pais, possibilitar a inclusão do aluno garantindo assim a participação deste na gestão desse processo. Tal medida tem por objetivo tornar o aluno responsável por decisões no sentido de buscar soluções para que sua aprendizagem o leve a desenvolver o máximo possível suas capacidades. Para ser democrático, é importante que a professora promova, no início de cada bimestre, uma discussão com todos os envolvidos a respeito dos acordos e combinados, garantindo, assim, de forma democrática, a constituição do contrato didático, através de um consenso entre todos. Esses combinados evidenciam-se através do registro avaliativo elaborado pela professora juntamente com seus alunos. 56 Ainda dentro dessa característica de ser democrático, a professora deve levar em consideração que a finalidade da avaliação é ser diagnóstica e não classificatória, permitindo, assim, a inclusão do aluno em seu processo de aprendizagem, com o objetivo de poder redirecioná-lo a qualquer momento do processo. A discussão dos aspectos práticos do projeto levou às seguintes definições: 1) É importante ressaltar para o aluno que, em seu caderno de matemática, ele deverá destinar uma folha, exclusivamente, para o registro de suas próprias avaliações.. 2) No início de cada bimestre o professor, junto com seus alunos, deve estabelecer o contrato didático que terá validade naquele período e apresentará, entre outras coisas os critérios de avaliação relativos aos conteúdos que serão trabalhados. Todos os combinados advindos do contrato didático serão registrados no registro de avaliações do caderno do aluno, pois estarão sujeitos à avaliação constante. 3) Os alunos precisam ter clareza sobre os objetivos que justificam a escolha dos conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais que serão trabalhados no bimestre. Esses conteúdos e seus objetivos devem ser registrados em uma folha do caderno do aluno e acompanhados por ele em cada etapa da aprendizagem, pois irão subsidiar as avaliações diagnósticas do processo de aprendizagem. Consequentemente, as avaliações e seu registro também serão feitos levando em consideração os diferentes tipos de conteúdos trabalhados. 4) O registro de avaliações do caderno do aluno será usado diariamente por ele, para anotar as avaliações dos diferentes conteúdos trabalhados naquele dia ou aquelas das quais o aluno tomar conhecimento naquele dia (por exemplo, a entrega de uma avaliação corrigida). Isso permitirá que ele vá tomando consciência do seu desempenho ao longo do bimestre e promovendo, sempre que possível, as interferências necessárias para desenvolver o máximo possível suas capacidades. A organização do “registro do caderno do aluno” deve ser tal que possibilite a ele o fechamento de seu conceito bimestral, para, num primeiro momento, sozinho, e 57 depois, junto com sua professora, promover as reflexões sobre os resultados conquistados. Outro ponto que deve ser ponderado na formulação desses registros é a facilidade do professor para controlar o seu próprio processo de ensinar, tendo um diagnóstico mais real e autêntico sobre seu trabalho. Novas discussões levaram-nos a acrescentar outros aspectos práticos ao projeto, numerados abaixo, em prosseguimento à enumeração anterior: 5) Devemos ter pelo menos um registro de avaliaçoes no caderno de matemática do aluno que permita o acompanhamento diário do processo avaliativo por ele e por seus pais e um registro de avaliações do professor. 6) A auto-avaliação deve fazer parte do processo durante todo o bimestre, porém deve ser retomada no final do bimestre, após o fechamento do conceito final, porque nessa fase será possível visualizar o desenvolvimento do aluno como um todo. Alguns tipos de instrumentos de avaliação que atendiam aos princípios norteadores do processo proposto foram também definidos pelo grupo: Avaliações parciais (provas escritas): contêm poucas questões e servem para fazer um diagnóstico da compreensão de uma etapa do processo de construção de um conceito que está em andamento. São feitas em qualquer momento da aula e são individuais. Têm por objetivo nortear o ritmo e o rumo das intervenções do professor no processo ensino e aprendizagem do aluno. Avaliações bimestrais (Provas escritas): englobam a matéria de todo o bimestre ou, em alguns casos, até mais que isso e têm por objetivo diagnosticar a aprendizagem dos conteúdos conceituais trabalhados. Esse tipo de avaliação acontece uma vez por bimestre e, nos casos em que o aluno não obteve bons resultados, é refeita após um período de recuperação. 58 Essas avaliações parciais e bimestrais sempre devem estar relacionadas com aqueles conteúdos conceituais definidos no início do bimestre e registrados pelos alunos no caderno de matemática. Ao recebê-las corrigidas, o aluno deve anotar no registro de avaliações de seu caderno de matemática os resultados obtidos. Imediatamente após o término de uma avaliação parcial ou bimestral cabe ao professor possibilitar sua correção e, aos alunos, registrá-la no caderno, para que, ao receberem sua avaliação corrigida pelo professor, possam, baseados na correção do seu caderno, identificar os erros que cometeram, corrigi-los e fazer sua avaliação diagnóstica, levando em consideração os objetivos que deveriam atingir e que foram explicitados pela professora antes do início da avaliação. Trabalhos de classe: são aqueles realizados em sala de aula, individualmente ou em grupo. Eles devem estar inseridos numa seqüência didática e promover a construção do conhecimento através do fazer, isto é, do proceder. Esse trabalho de classe, coordenado pelo professor, deve englobar, além dos conteúdos conceituais, os conteúdos procedimentais que fazem parte dessas atividades desenvolvidas pelos alunos durante a aula e que proporcionam “um aprender a fazer”. Nesse contexto “do fazer”, torna-se bastante significativo o valor que o professor atribui a essas atividades, mostrando ao aluno que esse valor é representado por um número que não significa uma nota e, sim, o valor do seu envolvimento e dos seus esforços para mobilizar sua capacidade de aprendizagem. Nesse processo, o erro tem tanto valor quanto o acerto, pois o que importa é a possibilidade de experimentar e de validar possíveis hipóteses no desenvolvimento do trabalho proposto. Valorizando o trabalho de classe, permitiremos ao aluno a vivência de experiências que trazem em seu contexto níveis de dificuldades que deverão ser superados para que ele possa construir seu conhecimento. Esses trabalhos ocorrem principalmente na introdução de novos conteúdos e na sistematização de conteúdos já trabalhados. Ao expor o trabalho, o professor deve combinar com seus alunos o seu valor e, ao terminá-lo, os alunos devem anotar em seu caderno, no “registro de avaliações do aluno” o resultado alcançado. 59 Ressaltamos para as professoras que, quando é o próprio aluno que anota em seu caderno o resultado de seu desempenho — definido através da avaliação do trabalho de classe —, ele poderá passar a dar significado ao processo de avaliação, reconhecendo que o valor atribuído ao seu trabalho tem como objetivo ajudá-lo a redirecionar suas ações na busca do conhecimento. Além dos conteúdos procedimentais, que podem levar o aluno à compreensão dos conteúdos conceituais, estão envolvidos nesses trabalhos os conteúdos atitudinais (atitudes, normas e valores), os quais complementam a formação do aluno quanto ao desenvolvimento de atitudes essenciais à aquisição do conhecimento matemático. É importante que fique claro para o aluno que todos os conteúdos trabalhados têm valor e importância em seu processo de avaliação. Os conteúdos atitudinais geram uma avaliação atitudinal que se refere às atitudes, aos valores e às normas e engloba a postura do aluno diante da especificidade das diferentes atividades relativas à disciplina, bem como as questões relativas a caderno, material escolar, respeito às regras, presença, prontidão, etc., cada um dos quais discutidos e combinados com os alunos, com valores definidos. A lição de casa deve ser considerada separadamente, pois importa ser vista como um momento importante que colabora muito para a compreensão, a revisão e a sistematização dos conceitos aprendidos em sala de aula, o que exige responsabilidade e compromisso. É um momento importante para o aluno entrar na relação com o saber. Essas lições têm seus valores definidos e registrados pelos alunos em seu caderno, possibilitando, assim, um acompanhamento pelo próprio aluno e por seus pais. Dessa maneira, através do registro de seu caderno, que deve ser preenchido diariamente, o próprio educando estabelece um acompanhamento diário da evolução de sua aprendizagem, tendo a possibilidade de verificar de que forma suas atitudes estão influenciando o seu próprio desempenho escolar. Esta análise pode ajudá-lo a estabelecer as intervenções necessárias feitas por ele ou por seu professor, para corrigir os rumos de sua aprendizagem, evitando 60 que se tome ciência das necessárias mudanças somente no final do bimestre, o que, comumente, acontece nos processos de avaliação. Os itens desse instrumento devem ser modificados em função dos resultados das avaliações feitas sobre eles e das características dos conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais, que variam de bimestre para bimestre. Assim, vai se constituindo, ao longo do bimestre, um registro que deve explicitar o desenvolvimento do processo de aprendizagem desse aluno e que está diariamente sob sua análise e controle, possibilitando-lhe perceber quais as modificações necessárias para melhorar seu desempenho em busca do desenvolvimento de suas habilidades e competências. Outro instrumento deve ser o registro do professor, que pode conter os mesmos dados que o do aluno, com a diferença de que serão feitos pelo professor e ficarão em seu Diário de Classe. Isso lhe permitirá um acompanhamento do desenvolvimento do aluno durante o processo e norteará as interferências necessárias para o sucesso do processo de ensino e aprendizagem. No final do bimestre, possibilitará uma conferência dos registros do aluno com os registros do professor, quando necessário. No final de cada bimestre, baseado nos dados do registro de avaliações de seu caderno, o aluno receberá orientações da professora para sintetizar os resultados ali contidos que farão parte do “fechamento” de sua avaliação bimestral. Isto é, o aluno, baseado no registro do seu caderno, incumbe-se de fazer o “levantamento final” de suas avaliações parciais, bimestrais, dos trabalhos de classe, das lições de casa, das atitudes, etc. Somados esses resultados parciais, o total será apresentado à professora que, junto com seu aluno, comporá o resultado final da avaliação bimestral deste. Propusemos para as professoras que esses resultados bimestrais componham um registro mais abrangente que o registro do caderno do aluno, e que terá a função de ir registrando os resultados de cada bimestre, permitindo a todos os envolvidos que visualizem o desenvolvimento do aluno ao longo do ano. Permitirá, ainda, que se estabeleça entre aluno, professor e pais uma parceria para viabilizar 61 as decisões necessárias em direção ao melhor desempenho possível, por parte do aluno, ao longo do ano. Diante de todos esses dados, no final do bimestre, será possível pedir aos alunos que escrevam um texto sobre o seu desempenho, baseado no instrumento de avaliação do seu caderno. Isso possibilitará pedir-lhes, também, que analisem com clareza e objetividade as causas dos resultados obtidos e que, se necessário, proponham, segundo essa análise, caminhos e soluções para melhorar. Esse texto poderá colaborar para que os pais ou responsáveis, no dia da reunião de pais, percebam como podem ajudar a promover as modificações que deverão ocorrer no bimestre seguinte, com vistas à melhoria do desempenho escolar de seu filho. Com essas referências estabelecidas, os professores começaram, no início de 2008, o desenvolvimento desse processo de avaliação em suas salas de aula. Combinamos, também, com as professoras, que elas deveriam usar o processo avaliativo durante três bimestres, pelo menos, para depois fazermos a primeira entrevista, com o objetivo de analisar os resultados até então obtidos por elas. Consideramos com as professoras Adriana, Eliana e Conceição, que já tinham vivenciado em 2007 uma experiência com esse processo avaliativo, que esse era um tempo necessário para que os alunos e as professoras pudessem aprender e apreender o processo avaliativo que estava sendo usado. Em nossos acordos foram previstas duas entrevistas, ambas baseadas no desenvolvimento do processo de avaliação que ocorreria em suas salas de aula. A primeira seria feita durante o quarto bimestre e a segunda, após o encerramento do ano letivo, pois nessa ocasião elas já teriam uma visão mais completa de todo o trabalho. Também combinamos que poderiam solicitar, a qualquer tempo, nossa colaboração para esclarecimento de dúvidas ou qualquer outra necessidade, porém esses contatos seriam vistos somente como uma assessoria para as professoras, sem intuito de coletar material que se constituísse em dados para a pesquisa. Tendo em vista esses procedimentos iniciais e nossos objetivos, elaboramos a questão central desta investigação para analisar “como a ação docente possibilita 62 uma prática avaliativa cuja gestão requer a participação ativa dos alunos e a inclusão dos pais no processo de avaliação da aprendizagem matemática”? 4.4 A Metodologia da Pesquisa Buscando responder a esta questão, realizamos uma pesquisa qualitativa com análise interpretativa, a partir das entrevistas semi-estruturadas realizadas com três professoras. Nossa opção pela análise de conteúdo deve-se ao fato de que esta pesquisa se propunha a fazer uma observação empírica para investigar ações docentes que possibilitariam a constituição de uma avaliação do processo de aprendizagem de matemática, de forma compartilhada, entre professores, alunos e pais. Na pesquisa foi empregada a estratégia do estudo de caso, tendo sido utilizada a metodologia desenvolvida por Yin (2005). O escopo do trabalho está perfeitamente enquadrado na definição estabelecida por esse autor: “Um estudo de caso é uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos.” (YIN, 2005, p. 32). A investigação de um estudo de caso enfrenta uma situação tecnicamente única, em que haverá muito mais variáveis de interesse do que pontos de dados e, como resultado, baseia-se em várias fontes de evidências, com os dados precisando convergir em um formato de triângulo; e, como outro resultado, beneficia-se do desenvolvimento prévio de proposições teóricas para conduzir a coleta e a análise dos dados. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas semi-estruturadas e do registro escrito de professoras e alunos, fornecido pelas professoras durante as entrevistas. A entrevista é uma técnica de pesquisa para construção de dados, cujo objetivo básico é entender e compreender o significado que os entrevistados atribuem a questões e situações baseadas nas suposições e conjecturas do pesquisador (MARTINS, 2008). 63 A entrevista semi-estruturada foi realizada a partir de um pequeno número de questões. Apenas algumas questões e tópicos foram predeterminados, possibilitando, assim, a formulação de outras questões durante todo o processo. As questões previamente formuladas foram: ”Descreva, com o maior número de detalhes possível, como você avalia seus alunos atualmente”. “Quais são as dificuldades encontradas neste método?” “Em relação ao conselho de classe, você sempre consegue emitir com clareza e objetividade as justificativas sobre as notas atribuídas aos alunos? Como você se sente?” “Nas reuniões de pais, seus argumentos e registros são suficientes para demonstrar a real situação do seu aluno quanto ao aproveitamento?” “Como você se sente no conselho?” “Os seus alunos costumam contestar as notas atribuídas a eles?” “Se a resposta anterior for sim, como você justifica para eles, as notas atribuídas?” “Seu aluno é ciente dos itens que compõem o seu processo de avaliação e ele se sente responsável pelo resultado obtido no bimestre ou trimestre?” As respostas desses questionários foram colocadas nos anexos, na seguinte ordem: Anexo L, p. 176, refere-se à professora Adriana; Anexo M, p.177, refere-se à professora Conceição; e Anexo N, p. 178, refere-se à professora Eliana. A participação das professoras nas entrevistas e sua autorização prévia para a divulgação das informações por elas fornecidas ocorreram após esclarecermos os objetivos e os procedimentos desta pesquisa. Na etapa final, após a elaboração dos estudos de caso, cada professora teve acesso ao texto elaborado pela pesquisadora, para analisar se as informações 64 contidas correspondiam às declarações feitas durante as entrevistas e autorizar a publicação, o que ocorreu em um encontro realizado em abril de 2009. Os dados coletados nas entrevistas foram analisados através da técnica de análise de conteúdo, que se presta tanto aos fins exploratórios, quanto aos de verificação, confirmando ou não proposições e evidências de um estudo de caso (MARTINS, 2008). Através da análise de conteúdo, podemos encontrar respostas para as questões formuladas e também descobrir o que está por trás dos conteúdos manifestos, indo além das aparências do que está sendo comunicado. Considerando essa perspectiva, os dados construídos foram preliminarmente submetidos aos seguintes procedimentos: estabelecimento das categorias emergentes; codificação e avaliação das generalizações obtidas. Sua interpretação efetuou-se mediante a análise qualitativa do conteúdo, seguindo as três etapas fundamentais estabelecidas (MARTINS, 2008, p. 34): a) pré-análise: seleção do material e definição dos procedimentos a serem seguidos; b) exploração do material: implementação dos procedimentos: contagem de palavras ou outra unidade de análise, levantamento de categorias já testadas ou construção de categorias a partir das freqüências e significados comuns da unidades de análise; c) tratamento dos dados e interpretações: geração de inferências sobre o texto como um todo e interpretações. d) A exploração do material permitiu determinar as categorias emergentes, as quais denominamos: a ação docente, a cultura escolar e a concepção de Educação. A partir dessa análise, construímos três estudos de caso: caso Adriana, caso Conceição e caso Eliana, os quais serão apresentados nos próximos capítulos. Nossa opção pelo estudo de caso, também se deve a algumas características desta pesquisa que são destacadas dentre as fundamentais enunciadas por Lüdke e 65 André (1986). Para essas autoras, um estudo de caso é uma pesquisa de natureza empírica, baseada em um trabalho de campo que apresente aspectos que visam à descoberta, ou seja, apesar dos pressupostos teóricos do pesquisador, ele estará atento aos novos elementos emergentes no decorrer do estudo. Essa característica é coerente com nossa pesquisa pelo fato de estar fundamentada no fato de que conhecimento não é algo acabado, mas uma construção que se faz e refaz constantemente; que enfatiza a interpretação em contexto, permitindo uma apreensão mais completa do objeto de estudo; que busca retratar a realidade de forma completa e profunda, revelando a multiplicidade de dimensões presentes em uma determinada situação ou problema, focalizando-o como um todo; e que usa uma variedade de fontes de informação, as quais permitem ao investigador cruzar informações, confirmar ou rejeitar hipóteses, descobrir novos dados, afastar suposições ou levantar hipóteses alternativas. A opção por essas perspectivas metodológicas decorreu dos objetivos desta investigação, que se centraram em: verificar, através do contrato didático e de registros de avaliação,escritos, como é possível criar espaços pedagógicos que possibilitem a inclusão da atuação efetiva dos alunos na gestão de seu processo de avaliação; observar se uma mudança no equilíbrio das responsabilidades atribuídas aos envolvidos no processo de avaliação poderá promover melhores resultados nas relações do aluno com o seu processo de aprendizagem, nas aulas de matemática; e investigar as transformações que ocorrem no “sentido da avaliação”, na medida em que o contrato didático e os registros de avaliação possibilitem uma crescente responsabilidade do aluno em relação a sua aprendizagem. 66 4.5 As Categorias Emergentes Esta investigação visou analisar as experiências realizadas em um processo de avaliação sobre a aprendizagem matemática, por três professoras, em algumas escolas públicas estaduais e municipais do Estado de São Paulo. Buscamos uma análise do processo de avaliação dos alunos, ao vivenciarem propostas de atividades avaliativas diferenciadas, as quais deveriam promover transformações no ensino, na aprendizagem e nas interações entre as pessoas envolvidas nesse processo. Para isso, analisamos o trabalho das professoras através de entrevistas e dos registros de avaliação utilizados por cada uma delas em sua prática avaliativa. Foram realizados duas entrevistas e um questionário inicial, conforme indicamos no quadro a seguir. Adriana Conceição Eliana Curso de especialização “Teia do Saber”, 2006, Curso de especialização MAT502, 2006, feito feita através do MAT502, 2006, feito no No LEM/IMECC/Unicamp IMECC/Unicamp LEM/IMECC/Unicamp 1ª entrevista novembro de 2008 novembro de 2008 novembro de 2008 2ª entrevista fevereiro de 2009 fevereiro de 2009 fevereiro de 2009 Questionário Inicial Durante essas entrevistas as professoras disponibilizaram os seguintes materiais: Professora Adriana: “ficha diária do aluno” (Anexo A, p. 166), “ficha de fechamento bimestral do aluno” (Anexo B, p. 167 ) e “ficha de fechamento bimestral da professora” (Anexo C, p. 168 ). Professora Conceição: “ficha do caderno do aluno e de encerramento bimestral”, sem preencher (Anexo D, p. 169 ); “ficha do caderno do aluno”, preenchida por um aluno de 5ª série (Anexo E, p.170 ); outra “ficha do caderno do aluno”, preenchida por um aluno de 6ª série (Anexo F, p. 171 ); “registro 67 da professora”, preenchido com os dados de uma classe de 5ª série (Anexo G, p. 172); outro “registro da professora”, preenchido com os dados de uma classe de 6ª série (Anexo H, p. 173 ). Professora Eliana: uma “tabela do aluno”, sem preencher (Anexo I, p. 174), e uma declaração de aluno (Anexo J, p.175). A partir dos dados construídos e dos instrumentos descritos acima, definimos as categorias de análise, através do confronto entre os dados oriundos dos registros dos procedimentos de intervenção no processo avaliativo usado pelas três professoras envolvidas. Desse olhar sobre as informações advindas dos registros de avaliações das professoras e sobre os princípios norteadores do processo surgiram três categorias de análise: a ação docente, a cultura escolar, a concepção de educação. Em relação à ação docente, esse processo de avaliação do ensino e aprendizagem nas aulas de matemática propunha-se a envolver o aluno e sua família, buscando torná-los protagonistas do processo. Para que esse propósito se viabilizasse, surgiram ações das professoras no sentido de que o processo avaliativo se tornasse transparente, democrático, integral e formativo. Outra categoria de análise que se evidenciou foi a cultura escolar, porque esse processo avaliativo se propôs a rever o equilíbrio das responsabilidades atribuídas tradicionalmente tanto para o professor como para o aluno e seus pais ou responsáveis no processo de avaliação. Para isso surgiram ações compartilhadas, isto é, divisão das responsabilidades de forma combinada, para possibilitar uma conscientização do aluno sobre seu papel na construção de sua educação. Isso possibilitou transformações importantes no tempo e na qualidade do trabalho pedagógico, o que foi analisado dentro dessa categoria. A concepção de educação das professoras, isto é, como elas entendiam a forma como o aluno aprende e qual é o papel da escola na sociedade teve uma influência muito grande sobre todo o processo, o que nos levou a considerá-la como uma outra categoria de análise. 68 A partir do próximo capítulo, descreveremos os estudos de caso referentes a cada uma das professoras, apresentando as análises sobre a sua prática avaliativa, segundo os critérios descritos acima. Ao final de cada estudo de caso, apresentaremos uma tabela síntese; entretanto, é preciso ressaltar que essa forma de sistematização não desconsidera o movimento presente no processo constituído pela professora em sua prática avaliativa; apenas nos auxilia a visualizar como as categorias de análise se evidenciam em cada um dos casos. 69 CAPÍTULO V 5 A PROFESSORA ADRIANA “[...] me organizei mais e o aluno também, e isso deixou nossa convivência mais tranqüila e mais fácil. O resultado final tem sido melhor porque nós estamos mais comprometidos”. (Entrevista, novembro 2008) 5.1 Trajetória Pessoal e Profissional Adriana nasceu em Valinhos, onde fez o curso Colegial (atualmente Ensino Médio) e, em seguida, graduou-se em Matemática pela PUC Campinas. A professora conta que sempre gostou de matemática e, ao longo do curso Colegial, já trabalhava, com o intuito de ter possibilidade financeira de cursar faculdade, para ser professora de matemática. Começou a dar aulas em 2002 e conta-nos como foi isso: Quando eu me formei eu já estava como efetiva na prefeitura de Valinhos, na área administrativa. Em 2002, peguei aulas no Estado, no noturno. Acabei pegando aulas de FÍsica. Foi difícil, mas naquele mesmo ano passei no concurso da prefeitura de Valinhos como professora de matemática e assumi meu cargo, pegando aulas nas quintas e sextas séries que tanto eu queria. Fiquei muito feliz. No ano seguinte, 2003, ampliei minha jornada e peguei aulas na escola rural onde estou até hoje. (Entrevista, fevereiro de 2009) Perguntamos a Adriana por que decidiu ser professora, e ela nos respondeu: Desde pequena queria ser professora, só não sabia de quê. Na sétima serie tive um professor de matemática que eu gostava muito e a partir daí eu comecei a pensar em ser professora de matemática. Eu adorava matemática e meus professores falavam que eu tinha jeito para ser professora. Na nossa comunidade, fazer faculdade era uma coisa distante da nossa realidade. Acho que a gente era educada para trabalhar e casar. Foi difícil enfrentar essa cultura estabelecida, mas lutei, porque eu tinha certeza que eu queria ser professora de matemática. (Entrevista, fevereiro de 2009). 70 Adriana está começando seu oitavo ano de exercício na docência. Ao longo desse tempo, ela reconheceu que avaliar sempre foi uma tarefa difícil, que lhe trazia certa insegurança e que estava somente sob a sua responsabilidade. Em função disso, ela resolveu buscar outras formas de trabalhar com o processo avaliativo em sua prática pedagógica. O trabalho desenvolveu-se durante o ano de 2008, com duas turmas de quinta série, uma de sexta e uma de sétima série, numa escola da rede pública municipal de Valinhos. A análise que faremos abaixo, sobre o processo de avaliação desenvolvido por Adriana com essas classes, baseia-se nas categorias — a ação docente, a cultura escolar e a concepção de educação — apresentadas, neste trabalho, no capítulo 3, em que expomos a metodologia utilizada. 5.2 A Ação Docente Adriana era uma professora que apresentava certa insatisfação quanto ao processo que usava para avaliar seus alunos, como transparece na seguinte afirmação: Para mim, antes, no final do bimestre eu tinha que tentar lembrar como que determinado aluno estava numa determinada situação, isso me incomodava (Entrevista, novembro de 2008). Ela já queria modificar esse processo quando, enquanto aluna do curso de especialização MAT 502, em 2007, oferecido pelo Laboratório de Ensino de Matemática - LEM –, do Imecc–Unicamp, conheceu este trabalho com avaliação. Resolveu, então, usá-lo com seus alunos, na busca de novos parâmetros na sua forma de avaliar, cuidando de observar os princípios que presidiram a elaboração do projeto. O primeiro deles, a transparência, será analisado a seguir, no trabalho desenvolvido por Adriana. 5.2.1 A Transparência do Processo Avaliativo Em relação à transparência do processo, tanto para os alunos como para ela e para os pais, ela nos disse: Os alunos anotam todas as coisas que eu peço. A minha intenção é que ele acompanhe todo o processo de avaliação; que ele já tenha 71 claro como estará sendo avaliado antes de começarmos; que ele acompanhe como está sendo a nota dele; e que no final ele mesmo feche seu conceito final. Nos meus combinados partimos do princípio que o aluno já tem todos os pontos previstos na ficha, relativos às avaliações atitudinais, ele só vai anotar a perda daquilo que ele não cumprir. (Entrevista, novembro de 2008). Para que o aluno pudesse acompanhar todo o processo avaliativo do bimestre, compreendê-lo e ser protagonista do mesmo, esse processo deveria ser transparente. Com o propósito de evidenciar essa transparência, Adriana usou um registro de avaliação que ficava no caderno do aluno e era preenchido por ele, diariamente, de acordo com os diferentes tipos de avaliações que ocorriam durante suas aulas. Ela o chamou de “ficha diária do aluno”. Essa ficha permitia a Adriana, ao aluno e a seus pais o conhecimento e a compreensão dos critérios que estavam sendo considerados no desempenho escolar do aluno, durante o bimestre. Segundo seu depoimento, seu aluno já tinha claro e registrado tudo o que seria avaliado, antes de começar o processo avaliativo. Para constituir a “ficha diária do aluno”, no início do bimestre, Adriana promovia uma discussão com seus alunos, no sentido de possibilitar a transparência dos critérios de avaliação que seriam usados para avaliá-los naquele bimestre, e de chegar a um consenso sobre os combinados que seriam feitos entre ela e eles. Reconhecemos, então, a preocupação da professora em estabelecer um contrato didático com seus alunos. Assumimos em nosso estudo, para contrato didático, a definição de Chevallard (2001), que considera que, através dele, o professor irá combinar de forma compartilhada com seus alunos o que será possível ou impossível fazer na aula. Notamos que os alunos da professora Adriana podiam reconhecer os valores relevantes considerados no processo avaliativo, através da transparência dos critérios de avaliação e dos acordos claros estabelecidos, uma vez que eles atribuíam seu conceito no final do bimestre e o conferiam com a professora. Além dos alunos e da professora, outros integrantes do processo (pais e escola) também tinham livre acesso a esses critérios, pois estes estavam explicitados na “ficha diária do aluno”, que fazia parte do caderno de matemática. 72 Essa característica de transparência do processo avaliativo, quando respeitada nos registros efetuados ao longo dos bimestres, além de possibilitar que o processo avaliativo seja significativo para o aluno, auxilia o professor a evitar as arbitrariedades que costumam ocorrer, em razão do grande número de alunos em nossas salas de aula e de um grande número de variáveis pedagógicas que compõem a prática educativa. Além disso, tal característica cria a possibilidade de intervenção, por parte do aluno, do professor e dos pais, em qualquer momento do processo pedagógico, de forma clara e explícita. De acordo com Luckesi (1998), o posicionamento pedagógico claro e explícito serve para orientar a prática do professor e, nesse caso, servirá também como referência para promover a inclusão do aluno e dos pais no processo avaliativo. 5.2.2 A Avaliação Integral Perguntamos também para a professora de que maneira ela avaliava o aluno de uma forma integral, isto é, avaliando o “saber”, o “saber fazer” e o “ser’”. Ela nos respondeu: O aluno viu que estavam sendo valorizadas outras coisas além da prova. Eles tiveram um olhar bem positivo para a ficha. Eu acho que ela (a ficha) permite a ele ver que não é só a nota que interessa; que uma atitude de responsabilidade de trazer o trabalho no dia combinado, de trazer lição, de fazer as atividades de sala, de preparar... Até na parte de atitudes: trazer material, acompanhar as atividades, não ficar enrolando e dispersando; ele percebe que tudo aquilo está sendo avaliado pela ficha. (Entrevista, novembro de 2008). Pudemos observar que a professora Adriana não avaliava apenas os conhecimentos, mas também as atitudes e as habilidades adquiridas e evidenciadas nas diferentes atividades desenvolvidas ao longo do bimestre com seus alunos. Na estrutura do instrumento “ficha diária do aluno” (Anexo A, p. 166), percebemos esse enfoque através dos diferentes registros ali contidos: - registros reservados para avaliações parciais, bimestrais e de recuperação, referentes à avaliação do conteúdo conceitual, que abrange “o saber”; 73 - registros reservados para lições de casa, participação nos trabalhos de classe, ritmo e outros, referentes à avaliação do conteúdo procedimental, que abrange “o saber fazer”; - registros reservados para pontualidade, material e disciplina, relações pessoais e outros, referentes à avaliação do conteúdo atitudinal, que abrange “o ser”. Dessa maneira, levando em conta os diferentes tipos de conteúdos de aprendizagem, o foco do trabalho pedagógico que Adriana desenvolveu com seus alunos deixou de ser somente o conteúdo da disciplina matemática: passou a ser seu aluno, visto como um indivíduo que, de acordo com Zabala (1999), precisa desenvolver não só suas capacidades cognoscitivas, mas também as capacidades motoras, de equilíbrio e de autonomia pessoal, de relação interpessoal e de inserção social. Percebemos, assim, que o sentido da avaliação sofreu transformações, quando se voltou para a formação integral do indivíduo, pois fundamentou-se num processo de desenvolvimento do educando. Essa observação remete-nos a Luckesi, ao caracterizar o desenvolvimento do educando: O desenvolvimento do educando significa a formação de suas convicções afetivas, sociais, políticas; significa o desenvolvimento de suas capacidades cognoscitivas e habilidades psicomotoras; enfim, sua capacidade e seu modo de viver. A educação escolar é uma instância educativa que trabalha com o desenvolvimento do educando [...] (LUCKESI, 1998, p.126). Organizar instrumentos e registros de avaliação que se propõem a trabalhar com o desenvolvimento do educando requer do professor um novo olhar sobre os conteúdos de aprendizagem, sobre seu ensino e sua avaliação, permitindo assim, a ele, aos alunos e aos demais integrantes do processo um “ajuizamento da qualidade” do “saber”, do “fazer” e do “ser”. Ainda nos cabe considerar que o acompanhamento do processo de avaliação do desenvolvimento do aluno, por parte do professor e do próprio aluno, deverá ser constante e sinalizar as interferências que possibilitarão uma tomada de decisão com relação à aceitação ou à transformação do objeto avaliado, no sentido de 74 promover as mudanças necessárias para que o educando alcance o maior desenvolvimento possível. 5.2.3 A Avaliação Formativa Propusemos que Adriana nos contasse de que maneira esse trabalho promovia mudanças de atitudes nos alunos, quando assumiam o papel de protagonistas do processo avaliativo na busca de melhores desempenhos no processo de aprender. Ela nos falou: Eu vejo que ele muda a postura dele. Por exemplo, com duas ou três tarefas que ele não faz, ele já começa a fazer. Ele fica preocupado. O ano passado eu tinha quatro sextas de manhã e sem dúvida eu vi diferença. Eu acho que a maioria ganha uma autonomia. Por exemplo: na 5ª série já aconteceu do aluno deixar de ganhar três pontos, por não fazer lição de casa e perceber “nossa, professora, preciso fazer a lição”. Quanto às reformulações que o aluno promove baseado nesse trabalho, eu acredito que ele contribui bastante. (Entrevista, novembro 2008) Ao analisarmos com Adriana esse relato, percebemos que através da “ficha diária do aluno” foi possível ao aluno perceber que estava deixando de assumir o compromisso de fazer a lição de casa, pois, na ficha, esses dados estão organizados por data e em seqüência. A sistematização dessa ficha já foi pensada por Adriana com o propósito de permitir aos envolvidos no processo de avaliação uma análise constante do andamento deste. Adriana demonstra que estava propiciando ao aluno tomar consciência de seu próprio desempenho, não só no final, mas durante todo o bimestre, pois a estrutura da ficha do caderno do aluno possibilitava isso. Ter essa consciência é o primeiro passo para que o aluno tome atitudes para melhorar seu desempenho. Nessa perspectiva, o processo de avaliação tem como propósito a modificação e a melhoria contínua do aluno que se avalia; quer dizer, é um processo que, de acordo com Zabala (1998), considera , a avaliação como um instrumento educativo que deverá ser seguido pelo aluno e que tem a função de informar e promover uma valoração do processo de aprendizagem. Ele também deverá permitir, a qualquer momento, que o aluno tenha propostas educacionais mais adequadas, a fim de promover seu avanço na tarefa de aprender. 75 Percebemos, na análise feita com a professora Adriana, que seus alunos aprendiam a exercer novas funções, que possibilitavam alteração do curso do processo avaliativo, redirecionando-o através de mecanismos para reconhecer, desenvolver e controlar seu progresso pessoal. Isso nos levou a considerar, de acordo com Esteban (apud Afonso, 1999), que o trabalho desenvolvido com a avaliação pela professora tinha o propósito de levar o aluno a analisar suas possibilidades de avanço e suas necessidades para possibilitar a superação. Adriana ajudava seu aluno a reconhecer o significado da avaliação em sua vida escolar e a assumir seu papel e seu lugar no processo avaliativo, com autonomia, de forma a permitir que, no final, ele mesmo fechasse seu conceito bimestral. A organização do processo de avaliação possibilitava, através do registro da “ficha diária do aluno”, espaços pedagógicos que permitiam a atuação concreta de seus alunos no seu processo de avaliação, o que propiciava a eles encontrar níveis de ajuda na busca da gestão de suas aprendizagens, juntamente com Adriana, com seus pais e com os demais participantes da comunidade escolar. Podemos considerar que esse processo avaliativo se centrava na gestão das aprendizagens por todos os envolvidos, o que, de acordo com Bain (1998, apud PERRENOUD, 1999), é a base da avaliação formativa. 5.2.4 A Democratização da Avaliação Pedimos a Adriana que apontasse como foram estabelecidos os acordos com os alunos, de forma democrática. Antes da ficha eu começo com um texto ou uma conversa onde surgem as palavras: respeito, responsabilidade, compromisso e conversamos sobre elas. Nessa hora discuto com meus alunos como vamos estabelecer os parâmetros do nosso acordo e chegamos num consenso. Acho importante eles se envolverem. Falo da tarefa de casa e sua importância. Explico como vai funcionar “visto ao caderno”, etc. Então apresento a ficha para eles. Esclareço o que vai ser anotado: as atividades, as atitudes, etc. O ano passado fiz uma simulação. Essa simulação foi boa para eles também verem que com aquela ficha eu estava os ajudando. (Entrevista, novembro de 2008) Este relato nos faz perceber que os acordos foram discutidos, combinados e aceitos, no início do bimestre, de forma democrática e compartilhada entre ela e 76 seus alunos, na constituição do contrato didático. Para isso eles discutiram a relevância dos critérios ali contidos, bem como dos acordos que dele fizeram parte. A “ficha diária do aluno” permitiu o registro de todos os combinados. Adriana relatou também como inseriu os pais num processo de acompanhamento constante do desempenho de seu filho na escola. Atualmente os pais vistam as fichas. Eu nunca pedi para eles darem visto, mas eles fazem questão de dar o visto para depois eu ver. Os pais já fazem o acompanhamento do bimestre pela ficha do caderno. Eu deixo o pai ciente da ficha já na primeira reunião do ano. Os pais sabem como funciona todo o processo. Já tive uma aluna que foi diferente: eu vi que ela começou a fazer tudo e comentei com ela. Ela disse que o pai pegou o caderno dela, viu os negativos na lição de casa e disse para ela que não queria mais nenhum negativo na lição de casa naquela ficha (é o pai colocando o limite) e ela passou a fazer. É uma cobrança que foi bem positiva para ela, pois ela não se referiu a essa atitude como uma coisa ruim. (Entrevista, novembro de 2008) Esse trabalho permitiu que se estabelecesse uma parceria com a família e que se abrisse um canal de comunicação diária com os pais, de tal maneira que eles pudessem acompanhar de fato o desenvolvimento de seus filhos. Isso facilitou a relação entre a escola e os pais. Durante o bimestre, a intervenção do pai muitas vezes possibilitava mudanças no comportamento do filho, como pudemos ver no relato da professora. Eles chegavam para a reunião sem esperar grandes surpresas sobre o desempenho de seu filho na escola. Consideramos com Adriana que havia, em seu trabalho, um outro aspecto relevante. que estava direcionado à democratização da participação do aluno. Isto é, o processo avaliativo permitia a qualquer aluno e em qualquer tempo fazer diagnósticos e redirecionar sua aprendizagem, quando necessário. De acordo com Luckesi (1998), a professora estava permitindo ao aluno compreender o estágio de aprendizagem em que se encontrava e buscar caminhos para avançar. Consideramos com Adriana que seus alunos poderiam fazer avaliações diagnósticas de suas avaliações conceituais, procedimentais e atitudinais separadamente, como também de seu processo de aprendizagem de maneira geral, a qualquer tempo, pois a “ficha do caderno do aluno” propiciava isso. Além disso, a avaliação diagnóstica bimestral que eles próprios faziam, por ocasião da atribuição 77 do conceito final, permitia a eles a compreensão do estágio de aprendizagem, considerando seu desenvolvimento durante todo o bimestre, o que lhes possibilitava uma visão mais ampla de suas conquistas e dificuldades e de caminhos para melhorar. Adriana relatou-nos que: No dia do fechamento dos conceitos finais, eles não me questionam, pelo contrário, eles falam a nota que eles tiraram e eu confiro com a minha folha. Eu não falo primeiro, ele fala primeiro e concluímos sua média. Me organizei mais e o aluno também e isso deixou nossa convivência mais tranqüila e mais fácil. O resultado final tem sido melhor porque nós estamos mais comprometidos. (Entrevista, novembro de 2008) Concluído o conceito final do aluno, Adriana pedia a ele para responder duas questões: uma relativa ao seu desempenho durante o bimestre e outra sobre as decisões a serem tomadas para avançar em seu processo de aprendizagem. Ao final do ano, a “ficha de encerramento dos bimestres” continha resumos do ano todo. Esses instrumentos possibilitaram o acesso fácil e permanente aos critérios de avaliação por todos os envolvidos e a avaliação diagnóstica do desempenho dos alunos por estes e pela professora, durante e no final do bimestre. De acordo com Esteban (2001), quando o conceito de avaliação está articulado com a democratização do ato pedagógico, ele passa a ter a característica de uma atividade mais participativa, que se desenvolve através de um processo contínuo. 5.3 A Cultura Escolar Nessa categoria, levando-se em conta que ela está voltada para papéis normas rotinas e ritos próprios da escola, vamos analisar: as responsabilidades compartilhadas entre a professora Adriana, seus alunos e pais; a relação entre a prática avaliativa e a qualidade do trabalho desenvolvido pela professora e a questão do tempo pedagógico. 78 5.3.1 Responsabilidades Compartilhadas Indagamos a Adriana se ela percebia que esse processo de avaliação alterava o equilíbrio das responsabilidades atribuídas tradicionalmente, tanto para o professor como para o aluno e seus pais ou responsáveis. Ela nos respondeu: a) Quanto ao professor com seus alunos: Para mim, antes, no final do bimestre eu tinha que tentar lembrar como que determinado aluno estava numa determinada situação, isso me incomodava. Agora com essa ficha diária eu me organizo melhor. Ficou bem mais claro para mim que na hora em que eu fecho essa nota, ela é bem mais concreta, ela está ali numa planilha 4 ee que eu consigo encontrar e não preciso ficar tentando lembrar quem é o aluno. É real e para eles também. Eles não te questionam, pelo contrário, eles falam a nota que eles tiraram e eu confiro com a minha folha. Eu não falo primeiro, quero saber se ele soube se organizar. Se der alguma confusão, depois ele vem na minha mesa para conferirmos. O restante está tranqüilo. Em geral os que deram problemas foi por causa da soma. Fica muito tranqüilo. Nenhum aluno discute a veracidade dos dados. (Entrevista, novembro de 2008) b) Quanto aos pais e responsáveis: Os pais elogiaram, adoraram esse trabalho com as fichas, falaram que eles queriam que fosse com todos os professores, mas os professores ainda não se sensibilizaram. (Entrevista, novembro de 2008). Diante dessas considerações da professora, pudemos perceber que esse trabalho permitiu a ela tanto deixar de ser o centro das decisões como compartilhar, com seus alunos e pais ou responsáveis, ações para possibilitar a divisão das responsabilidades inerentes ao processo avaliativo. O processo avaliativo promove tensões e as mais variadas reações por parte de todos os envolvidos na educação, gerando expectativas e comportamentos que irão interferir nos relacionamentos em sala de aula. A organização dos registros de avaliação e o contrato didático que Adriana estabeleceu com seus alunos foram fatores importantes para desencadear a divisão de responsabilidades. Consideramos com a professora que isso contribuiu significativamente para diminuir as tensões relativas ao processo de avaliação. 79 Além disso, outro fator importante foi a avaliação diagnóstica feita pelos alunos e pela professora, durante o processo. Ela permitia que eles promovessem as interferências que se faziam necessárias, ao longo do bimestre, e essa possibilidade também contribuía para aliviar tensões. No final do bimestre, os dados contidos na “ficha diária do aluno” eram resumidos, pontuados e somados pelo próprio aluno, permitindo, assim, que ele discutisse com a professora Adriana os valores que estavam compondo seu conceito final . A professora relatou que eram raros os erros e, quando aconteciam, estavam ligados ao fato de algum erro de soma, por exemplo. Isso nos levou a inferir que seus alunos participavam ativamente de seus processos de avaliação, a ponto de poderem compor seu próprio conceito bimestral. Podemos dizer, de acordo com Perez Gómez (2001), que o conjunto de significados, as expectativas e os comportamentos que compõem a cultura estabelecida em sala de aula, através de um processo avaliativo compartilhado entre alunos, professores e demais envolvidos, criou uma cultura que trouxe consigo a consciência do papel a ser desempenhado por cada um dos envolvidos. 5.3.2 A Prática Avaliativa e a Qualidade do Trabalho Pedagógico Perguntamos a Adriana se essa forma de avaliar contribuiu para melhorar a qualidade do seu trabalho pedagógico. Me organizei mais e o aluno também, e isso deixou nossa convivência mais tranqüila e mais fácil. O resultado final foi melhor porque nós estamos mais comprometidos. Os conceitos bimestrais melhoraram, pois eles tiraram mais suas dúvidas, tentaram fazer as atividades (antes nem tentavam) e isso interferiu na aprendizagem dos alunos, ela melhorou. (Entrevista, fevereiro de 2009). Pudemos perceber que, ao longo dos bimestres, os alunos de Adriana foram melhorando seu desempenho e seu trabalho pedagógico incluía, agora, não só uma dimensão cognitiva, mas também uma outra dimensão, que considerava procedimentos e atitudes como objeto de ensino e aprendizagem. Notamos que Adriana não visou simplesmente à aprovação ou à reprovação, mas, sim, a inclusão do aluno na sua sala de aula, na sua escola, auxiliando-o no seu desenvolvimento pessoal. 80 Ficou, evidente — e consideramos isso com a professora — que a mudança de sua prática avaliativa não lhe trouxe grandes dificuldades em sala de aula, pois seus alunos gostavam de sua forma de trabalhar. Eles se sentiam incluídos e atuantes no processo avaliativo. Eram raros os casos de alunos que se negavam a participar. Quando isso acontecia, Adriana procurava meios para ajudá-los. Muitas vezes, ela acabava descobrindo que os problemas que envolviam o aluno estavam numa esfera além do processo de ensino, aprendizagem e avaliação, e ela precisava buscar ajuda fora da sala de aula. Em relação aos pais, Adriana afirmou que eles se tornaram parceiros, sentindo-se incluídos no processo de avaliação de seus filhos, tendo parâmetros para exercer essa parceria. Porém Adriana sentiu dificuldades em relação aos seus colegas e à equipe pedagógica da escola. Ela nos disse que os colegas não viam seu trabalho de forma positiva, pois consideravam que ela inventava coisas para ter mais trabalho. Porém, pelo fato de os pais e os alunos pedirem para os outros professores também usarem esse processo de avaliação, Adriana foi convidada para expô-lo em uma reunião pedagógica da rede. Ela nos relata o que aconteceu: Houve conflitos quando eu apresentei a ficha para meus colegas. Eu já apresentei para a rede toda, mas, de todos os professores presentes, só dois se interessaram e um deles já me mandou um email dizendo que está adorando e que os alunos estavam se comprometendo com as atividades. Mas, se a pessoa não quiser, não adianta. (Entrevista, novembro de 2008) Ao considerarmos essas dificuldades com a professora Adriana, reportamonos à idéia de Freire (1991), para nos fortalecemos em nossas convicções: se temos uma opção política transformadora, não renunciamos ao nosso trabalho de educador, mas firmamo-nos nele e desafiamos o educando a assumir-se como sujeito do processo de conhecer. 5.3.3 O Tempo Na fala da professora Adriana durante a entrevista de novembro de 2008, pudemos perceber algumas considerações — que apresentamos a seguir — sobre o tempo pedagógico e seus significados em sua prática pedagógica: Me organizei mais e o aluno também e isso deixou nossa convivência mais tranqüila e mais fácil. 81 A organização de todo o processo permitiu a ela gastar menos tempo com orientações diárias, com a retomada de comportamentos inadequados ou de comportamentos que não estavam claros para seus alunos. O contrato didático teve uma grande influência no tempo pedagógico. Ele ajudou a otimizar esse tempo: Os alunos tentavam fazer as atividades; antes, nem tentavam. O aluno deixou de ser desinteressado, o que proporcionou um ganho de tempo para Adriana, pois ela, antes de adotar essa forma de avaliar, perdia muito tempo para tentar convencê-lo da importância de sua participação: Eles perceberam que tudo tinha seu valor. Tanto os conceitos como os procedimentos e as atitudes eram combinados, valorizados e avaliados, na busca de um melhor desenvolvimento das capacidades do aluno, que se esforçava para melhorar, à medida que compreendia esses valores. Essa forma de trabalhar possibilitava a Adriana um ganho de tempo, pois seus alunos estavam mais conscientes a respeito de seu papel no seu processo de aprendizagem. Ficou bem mais claro para mim que, na hora em que eu fecho essa nota, ela é bem mais concreta, ela está ali numa planilha e que eu consigo encontrar e não preciso ficar tentando lembrar quem é o aluno. É real e para eles também. Eles não te questionam, pelo contrário, eles falam a nota que eles tiraram e eu confiro com a minha folha. A atribuição dos conceitos bimestrais tornou-se um processo mais tranqüilo: no dia combinado para isso, o próprio aluno já havia preparado sua “ficha de fechamento” e a conferia com a professora Adriana. Ele já estava consciente de seus resultados. Isso permitia à professora um ganho de tempo considerável. Parte desse ganho fica justificada pela seguinte fala da professora: Eu acho que a maioria ganha uma autonomia. Essa autonomia que o aluno desenvolveu por ser co-participante do seu processo de aprendizagem possibilitava um ganho de tempo para a professora em seu trabalho pedagógico. Discutimos com a professora Adriana os papéis, as normas, as rotinas e os ritos próprios da escola, que exigem do professor habilidades na administração do tempo pedagógico. 82 A forma como ela organizou seu processo avaliativo, procurando desenvolver no aluno atitudes para constituir-se em sujeito desse processo, possibilitou uma transformação na relação com o tempo, tanto para o aluno como para ela. Adriana repensou a concepção, o planejamento, a organização e a sistematização do processo de avaliação, com o intuito de possibilitar ao aluno condições para que ele compartilhasse a sua gestão com sua professora. Isso permitiu a reorganização e, consequentemente, a otimização do tempo pedagógico. O tempo é um fator muito importante na prática pedagógica do professor, cuja tarefa profissional compreende uma diversidade de empregos do tempo. Muitas vezes, ao alterar o tempo de uma prática educativa, provocamos conseqüências em outros tempos e criamos uma seqüência de problemas em relação a eles. Ao referir-se às propostas de mudanças na prática pedagógica do professor, Arroyo (2004) chama-nos atenção, dizendo que é um direito do professor perguntarse como uma nova proposta vai interferir em seus tempos escolares, em suas rotinas de trabalho e, inclusive, em seu cansaço. Percebemos, através das considerações acima descritas pela professora Adriana, que o processo de avaliação usado por ela em suas salas de aula colaborou para que seu “fazer cotidiano” ganhasse uma nova dimensão relacionada ao tempo, afetando de forma positiva sua rotina de trabalho. 5.4 A concepção de educação Para essa análise levamos em consideração as concepções de educação no que diz respeito à função social do ensino e à concepção de como o aluno estabelece relações com o saber. 5.4.1 A Função Social do Ensino Pedimos a Adriana que dissesse, na sua concepção, qual era a função social do ensino, isto é: para que educamos? Ela, em resposta, afirmou: Ele estuda para ter uma vida boa, uma vida melhor. (Entrevista, fevereiro de 2009). 83 Segundo Zabala (1998, p. 197), “podemos entender que a função social do ensino não consiste apenas em promover e selecionar os ‘mais aptos’ para a universidade, mas que abarca outras dimensões da personalidade”, pois elas serão necessárias para formar cidadãos comprometidos com a melhoria da sociedade e deles mesmos. Durante suas aulas, Adriana procurava propiciar aos seus alunos vivências que lhes permitissem relacionar-se e viver positivamente com as outras pessoas, conhecer a si próprios e aos demais através de situações envolvidas no processo de ensino, de aprendizagem e de avaliação. Pudemos refletir com Adriana que o trabalho desenvolvido por ela com a avaliação deu a eles a oportunidade de conscientizar-se de que era preciso saber, saber fazer e saber ser, para ter uma vida melhor. Sua prática educativa valorizou o desenvolvimento de todos os aspectos que possibilitariam a formação de seus alunos, ou seja: os valores relativos às suas relações interpessoais, sua vida pessoal e sua vida profissional. 5.4.2 A Forma como o Aluno estabelece Relações com o Saber Também pedimos a Adriana que nos dissesse como, na sua concepção, o aluno aprende. Ela assim respondeu: Em algumas aulas eu dou atividades para eles fazerem e em outras aulas eu dou exercícios de sistematização. Em alguns casos, para iniciar um assunto, eu dou um jogo ou uma atividade diferente, mas a maioria é aula expositiva, mesmo. Como o aluno aprende? Eu acho que ele tem que se envolver de alguma, maneira, ele tem que acreditar que aquilo é bom para ele, ou pela própria atividade ou pelo o que eu falo. Ele tem que ver algum sentido para o que ele faz, seja para hoje, agora, ou para o futuro, senão ele não aprende. (Entrevista, fevereiro de 2009) Ela percebe uma relação entre sentido e eficácia da aprendizagem. De acordo com Charlot (2001), existe uma dialética entre sentido e eficácia da aprendizagem, isto é, o sentido atribuído a um saber leva o aprendiz a envolver-se em certas atividades, e a atividade posta em prática para apropriar-se de um saber contribui para produzir o sentido desse saber. 84 Em função disso, Adriana procurava elaborar e sistematizar meios significativos que possibilitassem ao aluno apropriar-se de um saber, de uma prática ou de uma forma de relação com os outros e consigo mesmo. Ao constituir com seus alunos o seu processo de avaliação, no início do bimestre, ela evidenciava para eles que sua prática pedagógica valorizaria tanto o saber, como o fazer e o ser; isto é, eles iriam, de acordo com Charlot, apropriar-se de palavras, idéias, teorias, mas também de técnicas do corpo, práticas cotidianas, gestos técnicos — formas de interações que devem ser aprendidas na escola. Para Adriana, a conexão entre seu aluno e o saber e entre este e seu aluno era feita através de um jogo, de uma atividade diferente, de uma aula expositiva ou da sistematização dos conceitos trabalhados através de atividades de sala, de lição de casa ou de trabalhos extra classe. O importante para ela era que, além do sentido que o saber deveria ter para o aluno, este tivesse consciência do seu papel na conexão entre ele próprio e o saber e entre o saber e ele, de forma a sentir-se parte integrante desse processo. Consideramos, com Adriana, que sua concepção de como o aluno se relaciona com o saber a levou a valorizar não somente os conteúdos conceituais de aprendizagem, mas também os conteúdos procedimentais e atitudinais, porque estes fazem parte do patrimônio humano que deverá ser aprendido na escola. 5.4.3 Significado da Avaliação Pedimos para Adriana que explicitasse como ela possibilitava ao aluno refletir sobre suas conquistas, dificuldades e possibilidades, com vistas à organização e à reorganização do investimento dele na tarefa de aprender. Assim ela se expressou: Meus registros são as fichas dos alunos, onde temos a “diária”, a do “encerramento do bimestre” e a minha. A diária permite uma reflexão constante. Na ficha do encerramento do bimestre procuro deixar claro que há uma proporcionalidade entre os valores dos diferentes conteúdos que estão sendo avaliados. Já tive um aluno da quinta série que explicou para o colega que se eu desse cinco lições de casa no mês ou se eu desse vinte, o valor era o mesmo na ficha, mas isso não é muito claro para eles, sempre sou eu que explico. Eles perceberam que tudo tinha seu valor. Eu acho que dessa forma consigo ver fluir um trabalho no sentido de desenvolver competências e habilidades. (Entrevista, fevereiro de 2009) 85 Nesse relato, Adriana apontou-nos como ela procedeu para que seus alunos tomassem consciência do significado da avaliação, no processo de ensino e aprendizagem. Depois que seus alunos começaram a vivenciar um processo de avaliação do qual eram protagonistas, perceberam que “a ficha diária do aluno” continha dados que lhes permitia fazer um juízo de valor sobre seu conhecimento, seu desempenho e suas atitudes nas aulas de matemática. Para isso, eles tinham como referência parâmetros combinados com a professora Adriana, relativos aos conceitos que seriam trabalhados, aos procedimentos que deveriam ser adotados e às atitudes que visavam buscar o melhor desempenho possível de cada um deles nas mais diferentes atividades realizadas. Isto é, eles podiam refletir sobre as avaliações formais e também sobre as informais, pois tinham parâmetros para isso. Discutimos com Adriana que o fato de seus alunos terem parâmetros definidos sobre conceitos, procedimentos e atitudes facilitava as análises e as reflexões sobre seu desempenho ao final de cada atividade. O registro diário dessas avaliações, de forma sistematizada, na “ficha de avaliação diária” no caderno de matemática do aluno, permitia uma análise mais abrangente, que ia se completando ao longo do bimestre, de forma clara e transparente, para todos os envolvidos no processo de avaliação da aprendizagem. Sua finalização ocorria por ocasião da atribuição do conceito bimestral, conforme diz Adriana: A ficha do encerramento do bimestre tem duas partes: a de cima, que tem um resumo das notas e a de baixo, onde ele responde a duas perguntas que o levam a uma reflexão sobre o bimestre todo, baseado na sua ficha diária, que está no caderno. Minha média é de 30 pontos, pois o total da “ficha diária do aluno” é de 60 pontos. (Entrevista, fevereiro de 2009) Pudemos analisar com Adriana que seu processo de avaliação procurava formalizar, na medida do possível, a avaliação informal, pois, de acordo com Freitas (2009), a avaliação informal é feita por juízos de valor impenetráveis, que regulam as relações entre professores e alunos. 86 Adriana procurava compartilhar com seus alunos os juízos de valor que estava considerando para avaliá-los, permitindo, assim, que eles deixassem de ser “impenetráveis”, para serem do conhecimento de todos. Para isso, ela promovia discussões e reflexões sobre esses juízos, estabelecendo com a classe os critérios de avaliação que surgiam do consenso entre todos e que eram registrados na “ficha diária do aluno”. Ao longo do bimestre, esses juízos de valor que faziam parte dos conteúdos atitudinais eram submetidos, assim como os conteúdos conceituais e procedimentais, ao processo de ensino, de aprendizagem e de avaliação. Essa forma de agir possibilitava aos alunos e à professora, de acordo com Luckesi (1998, p. 33), “uma forma de ajuizamento da qualidade do objeto avaliado, fator que implica em uma tomada de posição a respeito do mesmo, para aceitá-lo ou para transformá-lo”. O desenvolvimento dos “trabalhos de classe” era acompanhado por Adriana durante toda a aula, o que lhe possibilitava fazer interferências, tirando dúvidas, ajudando os alunos a refletir sobre seus erros, socializando idéias interessantes, avaliando comportamentos e atitudes, etc. Podemos considerar que esse era um momento rico para a professora, pois o processo de avaliação lhe permitia fazer uma avaliação diagnóstica, detectando o estágio de aprendizagem de seu aluno e intervindo para permitir seu avanço. Isso lhe possibilitava verificar a eficiência de seu trabalho e corrigir seus rumos para melhorar o ensino, durante o processo. Da mesma forma, seus alunos também podiam diagnosticar suas dificuldades e seus avanços, pois sempre tinham como referência os objetivos referentes à avaliação formal e informal, a serem alcançados em qualquer proposta de trabalho feita pela professora. Os alunos podiam perceber que estavam ali num processo de aprendizagem e que a avaliação, durante ou no final das atividades, tinha como meta redirecionar os caminhos para que ele pudesse aprender. Consideramos, com a professora Adriana, que as ações adotadas em sua prática avaliativa, no sentido de tornar claros e transparentes os critérios das 87 avaliações formais e informais e de possibilitar ao aluno a sua inclusão como protagonista do processo avaliativo, transformavam o significado do processo de avaliação, permitindo ultrapassar os limites da técnica e atingir sua dimensão ética, de acordo com Esteban (1999). O quadro a seguir tem a intenção de fornecer uma síntese da análise das categorias: a ação docente, a cultura escolar e a concepção de educação do trabalho com avaliação desenvolvido pela professora Adriana durante o ano de 2008, com suas turmas de quinta, de sexta e de sétima séries. 5.2. A ação docente 5.2.1. A transparência do processo avaliativo 5.2.2. A avaliação integral 5.2.3. A avaliação formativa Essa transparência constituiu-se através dos itens: “Contrato didático”. Registro que ela chamou de “ficha de avaliação diária do aluno”. Registro que ela chamou de “ficha do professor”. Registro que ela chamou de “ficha de encerramento dos bimestres”. Adriana usava instrumentos de avaliação que permitiam: Avaliar os conteúdos conceituais. Avaliar os conteúdos procedimentais. Avaliar os conteúdos atitudinais. Adriana abriu, em suas aulas, um espaço pedagógico que permitiu ao seu aluno coparticipar da gestão de seu processo de avaliação, o que possibilitou a ele: Tomar consciência de suas conquistas e dificuldades. Fazer interferências para melhorar seu desempenho. 88 5.2.4. Ganhar autonomia para reformular sua atuação como aluno. Estabelecer uma relação de confiança e cumplicidade com a professora. Adriana preocupou-se em estabelecer os acordos de seu contrato didático em parceria com seus alunos e pais, para que todos se sentissem co-autores dos combinados estabelecidos. Utilizou a avaliação para diagnosticar e não para classificar. Promoveu a inclusão do aluno no processo avaliativo. A organização dos registros de avaliação, o contrato didático e a democratização deste foram fatores importantes que desencadearam a divisão de responsabilidades com os alunos e os pais. A avaliação diagnóstica possibilitava aos alunos interferências no processo de aprendizagem. A democratização da avaliação 5.3. A Cultura Escolar 5.3.1. Responsabilidades Compartilhadas 5.3.2. A prática Avaliativa e a qualidade do trabalho pedagógico Fatores relacionados com a prática avaliativa que contribuíram para melhorar a qualidade do trabalho pedagógico em suas aulas: Adriana não visou simplesmente a aprovação ou a reprovação, mas, sim, a inclusão do aluno na sua sala de aula, na sua escola, auxiliando-o no seu desenvolvimento pessoal. Adriana levou em consideração o ensino, a aprendizagem e a avaliação de conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais, o que lhe permitiu ver seu aluno como um ser integral, o que mudou as relações em 89 sala de aula. 5.3.3. Como o processo de avaliação colaborou para redimensionar o tempo pedagógico nas aulas da professora Adriana? O Tempo Possibilitando uma melhor organização do processo do trabalho pedagógico dela e de seus alunos. Valorizando os conteúdos de aprendizagem conceituais, procedimentais e atitudinais, o que possibilitou mudanças na forma de seu aluno atuar como educando. Permitindo ao aluno ter autonomia para fazer a gestão do seu processo de avaliação, o que o ajudou o desenvolver uma postura mais responsável perante sua aprendizagem. 5.4. A Concepção de Educação 5.4.1. A função Social do Ensino 5.4.2. Como o aluno estabelece relações com o saber Adriana considerou: Que a função social do ensino é dar ao aluno uma vida melhor. Adriana acredita que o aluno aprende quando: Apropria-se de um saber, de uma prática, de uma forma de relação com os outros e consigo mesmo. Toma consciência do seu papel na tarefa de aprender e sente-se parte integrante do processo que o coloca na conexão entre ele e o saber e entre o saber e ele. O que ele tem que aprender tem sentido para ele. 90 5.4.3. A avaliação tinha como finalidade redirecionar caminhos para que o aluno pudesse aprender. Os alunos refletiam sobre as avaliações formais e informais que faziam. Os alunos tinham condições para fazer um diagnóstico de suas dificuldades e podiam intervir no processo avaliativo para promover avanços. Os alunos concluíam seu conceito bimestral. O significado da Avaliação Quadro 1 - Síntese - professora Adriana 5.5 Considerações Ao analisarmos o trabalho realizado pela professora Adriana, percebemos que uma de suas preocupações foi valorizar ações que possibilitavam a mudança do significado de avaliação que estava instituído na escola. Para isso, ela tornou seus alunos sujeitos do processo avaliativo e compartilhou com eles responsabilidades que provocaram mudanças positivas nas relações entre professora e alunos, pois eles aprenderam a exercer novas funções para tornaram-se gestores de seus processos de avaliação. Percebemos, também, que esse processo de avaliação possibilitou a inclusão dos pais como parceiros tanto de seus filhos como da professora, permitindo o compartilhamento de responsabilidades entre a família e a escola. A professora notou um maior comprometimento de todos os envolvidos no processo avaliativo, a partir do momento em que organizou esse processo com transparência e de forma democrática. Adriana considerou que, por ser o segundo ano em que ela usou esse processo de avaliação em suas aulas, sentiu-se mais segura e pôde promover 91 algumas modificações para melhorar o seu trabalho, baseada na experiência do ano anterior. No próximo capítulo apresentaremos o estudo de caso da professora Conceição, no qual se evidenciam algumas semelhanças com Adriana, no que se refere aos pressupostos que marcaram a construção dos dados da pesquisa; e algumas diferenças que ampliam o desenvolvimento do processo avaliativo, quanto à forma de uso deste. 92 CAPÍTULO VI 6 A PROFESSORA CONCEIÇÃO Uma coisa que não existe mais com esse processo de avaliação é a pergunta: “Por que você me deu essa nota?” Essa era uma frase muito falada. Ou então: - “Não dá para você me dar um pontinho?” Na realidade eu era uma professora que “dava nota”. Agora isso acabou e eles não perguntam mais por que daquela nota. Isto, agora, eles já sabem (Entrevista, novembro de 2008). 6.1 Trajetória Pessoal e Profissional Conceição nasceu em Bariri, SP. Ela gostava muito de matemática até a quarta série, mas, da quinta em diante, esse gosto foi diminuindo, até que, no primeiro ano do ensino médio, pouca coisa ela entendia de matemática. Mas, influenciada por um professor do ensino médio e por uma tia, professora de matemática, decidiu cursar matemática, graduando-se na UNESP de Bauru. Na faculdade não pensava ser professora de matemática. Trabalhava como secretária em uma indústria na cidade de Bariri. No último semestre da faculdade pedi demissão para poder dar conta de terminar meu curso. Terminado o curso, vim morar em Campinas, procurei emprego e fui trabalhar como secretária em uma escola de inglês. Não deu certo e minha tia Francisca me orientou como era o processo de atribuição de aulas na rede Estadual de Ensino e logo em seguida, comecei a lecionar. (Entrevista em fevereiro de 2009) Conceição começou sua trajetória como professora de matemática em 1992, em Campinas. Foi professora de cursinhos, de escolas particulares e da rede pública estadual como contratada, até chegar à prefeitura de Paulínia, como efetiva, onde está até hoje. Fez dois cursos de especialização na Unicamp, através do Laboratório de Ensino de Matemática (LEM) do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Cientifica (Imecc). Um deles era voltado para o Ensino Médio e a outro para a 93 Educação Infantil. Também fez uma especialização na Puccamp sobre Educação Matemática. Isso mudou muito a sua concepção de professora de matemática: Ao término dessa especialização é que tomei conhecimento da existência da educação matemática e tornei-me outra professora. Hoje faço parte do GdS – Grupo de Sábado, da Faculdade de Educação da Unicamp. (Entrevista, fevereiro de 2009). Ao longo do tempo, fez a opção para trabalhar somente com o ensino fundamental e em especial com quintas séries. Tendo tomado conhecimento desse processo de avaliação através da “Teia do Saber”, em 2006 — um programa de educação continuada, criado pela Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, que se desenvolveu no Imecc da Universidade Estadual de Campinas —, por achar que ele vinha ao encontro de suas expectativas, resolveu usá-lo em suas aulas. A análise que faremos abaixo, sobre o processo de avaliação desenvolvido por Conceição em suas classes, baseia-se nas categorias de análise — a ação docente, a cultura escolar e a concepção de Educação — apresentadas, neste trabalho, no capítulo 3, em que expomos a metodologia de pesquisa. 6.2 A Ação Docente Conceição está no seu décimo oitavo ano de docência e, ao avaliar seus alunos, sentia-se responsável — muitas vezes, considerada a única responsável — por “dar nota” para os alunos, diante dos resultados obtidos por eles. Questionava a eficiência de seu processo de avaliação e buscava novos parâmetros para avaliar seus alunos, quando entrou em contato com esse processo de avaliação e, em 2007, iniciou o ano letivo procurando formas de pô-lo em prática. Foi observando a clientela, organizando e adaptando as fichas, fazendo reformulações; isto é, através de sua própria prática, foi estruturando sua maneira de trabalhar com esse processo de avaliação. Essa experiência foi muito significativa e ajudou-a no uso desse processo no ano seguinte, 2008, com três turmas de quinta série e duas turmas de sexta, numa 94 escola da rede pública municipal de Paulínia, de onde recolhemos os dados para esse trabalho. 6.2.1 A Transparência do Processo Avaliativo Perguntamos a ela quais eram seus procedimentos para tornar esse processo transparente e compreensível para o aluno e sua família, no início do ano letivo e no início de cada bimestre e ela nos respondeu: Nas 5ª séries o primeiro dia é sempre uma aula diferente: nos conhecemos, conhecemos o espaço da escola e conversamos. Durante essa conversa falamos da organização das aulas, do material escolar e em especial do caderno que deveria ser só para matemática. Iniciamos o trabalho preenchendo uma folha chamada “Eu e a Matemática”, que contém informações pessoais e numéricas sobre os alunos. A segunda folha deixamos em branco para ser colada à ficha de avaliação e na terceira colamos uma orientação de estudos para o ano letivo. (Entrevista, novembro de 2008). A segunda folha do caderno de matemática dos alunos de Conceição estava reservada para o registro de avaliações, que ela chamou de “ficha do caderno do aluno” e que seria preenchida depois, em função de uma dificuldade de ordem administrativa que acontecia durante os primeiros quinze dias letivos do ano: muitas matrículas novas eram feitas durante esse período. Ela resolveu esperar que essas matrículas se estabilizassem para depois iniciar os registros na “ficha do caderno do aluno”. Conceição contou-nos que, ao considerar essa realidade, passou a agir da seguinte forma: Nos primeiros quinze dias, se dou uma lição de casa, por exemplo, apenas eu anoto na minha ficha. Já peço um primeiro trabalho de pesquisa para casa e oriento como deve ser feito. Procuro fazer coisas simples que vão me possibilitar ir estruturando o funcionamento da ficha através de exemplos concretos. Aí, passado esses quinze dias em que estou trabalhando e vivenciando essas experiências, entrego a ficha avaliativa. (Entrevista, novembro de 2008). Consideramos com a professora que esse foi, para seus alunos, um tempo de aprender a estrutura e o significado do processo de avaliação que eles iriam vivenciar em suas aulas. As atividades desenvolvidas, nesse período, possibilitavam a retomada das orientações para os alunos novos. 95 Passados esses quinze primeiros dias, quando suas classes já estavam completas, Conceição entregava a “ficha do caderno do aluno”. Quando eu entrego a “ficha do caderno do aluno”, ele já anota a data da entrega das sínteses, que é uma outra atividade que desenvolvo com eles, que se chama “síntese da notícia”: um trabalho de estudo com jornais e revistas que eles farão quinzenalmente e, portanto, quatro vezes no bimestre. Agendamos, também, as datas da entrega dos trabalhos; sendo assim, consigo dar uma estruturada melhor na ficha depois desses quinze dias, já contando com a lista oficial de alunos. Isso eu faço com os alunos de quinta série. Falando da importância de cada item, vamos preenchendo inicialmente a ficha juntos. Até hoje, quando eles falam que estão um pouco confusos no seu preenchimento, vou à lousa e faço com eles. Aproveito e retomo tudo o que já foi anotado. Eu acho isto importante, pois, essa organização nos ajudará posteriormente. (Entrevista, novembro de 2008). A compreensão de cada critério de avaliação foi vivenciada em sala de aula através de uma experiência que permitia aos alunos discutirem e compreenderem seu significado e seu valor dentro do processo avaliativo. Com isso, Conceição garantia o entendimento dos acordos, já que na quinta série era a primeira vez que eles passavam pela experiência de serem protagonistas do seu processo de avaliação. Ao permitir que seus alunos discutissem e compreendessem os valores relevantes que seriam considerados por eles mesmos e por ela, através do processo avaliativo, e os reconhecessem com clareza e transparência na organização e na estrutura da “ficha do caderno do aluno”, Conceição estava construindo seu contrato didático; este, de acordo com Chevallard (2001), possibilita estabelecer o que terá sentido para os alunos e para o professor dentro do sistema didático. A “ficha do caderno do aluno” que sistematizava todos os acordos discutidos com seus alunos era preenchida por eles, diariamente, ao longo do bimestre, registrando seu desempenho nos mais diferentes critérios de avaliação combinados e nela evidenciados. Os registros dessa ficha permitiam a Conceição, ao aluno e a seus pais o conhecimento e a compreensão dos critérios que estavam sendo considerados para avaliar o desempenho escolar do aluno, no bimestre. 96 Além disso, consideramos com Conceição que era através dessa ficha que se criava a possibilidade de o aluno colocar-se como protagonista de seu processo avaliativo. Em relação aos alunos de sexta série, Conceição nos disse: Para os alunos da sexta série, que já trabalharam no ano passado com esse processo, eu já entrego a ficha no primeiro dia e não preciso falar muita coisa. Se houve alguma modificação, eu explico. Volto a comentar sobre o trabalho com o jornal, pesquisas, lições de casa, etc. Na realidade há vários trabalhos que poderiam ser considerados como lição de casa, mas gosto de fazer a diferenciação e estabelecer como lição de casa a resolução de exercícios, não apenas aqueles “armem e efetuem”, porque procuro trabalhar com resolução de problemas, mas são tarefas mais relacionadas com o conteúdo do livro didático que temos e do plano de ensino que seguimos. (Entrevista novembro de 2008). Na sexta série os alunos já conheciam esse processo, pois ele havia sido aplicado pela professora Conceição na quinta série, em 2007. Portanto, ela só precisou fazer as adaptações inerentes à sexta série e não houve necessidade do trabalho de estruturação da ficha. Os alunos já estavam preparados para exercerem seu papel de protagonistas do processo de avaliação. Ao analisarmos com Conceição as “fichas do caderno do aluno” usadas por ela, pudemos perceber que a forma como foram organizadas permitia a qualquer integrante do processo o livre acesso aos critérios estabelecidos para avaliar seus alunos. A ficha possibilitava também, a qualquer momento, a visualização da necessidade de intervenções no processo de aprendizagem dos alunos de forma clara e explícita, devido a sua transparência. Em função disso, concordamos com Luckesi, ao dizer que: [...] o primeiro passo que nos parece fundamental para redirecionar os caminhos da prática da avaliação é assumir um posicionamento pedagógico claro e explícito. Claro e explícito de tal maneira que possa orientar diuturnamente a prática pedagógica, no planejamento, na execução e na avaliação. (LUCKESI, 1998, p.42). 6.2.2 A Avaliação Integral Perguntamos para a professora de que forma ela classificava os conteúdos de aprendizagem com os quais trabalhava em suas aulas. Ela nos respondeu: 97 Eu estava tentando separar os conteúdos da ficha em conceituais, procedimentais e atitudinais, só que em determinado momento eu não consigo mais. Os conceituais, presentes nas avaliações, também podem ser encontrados nos trabalhos e nas pesquisas. Nas avaliações parciais procuro contemplar os conteúdos que estão sendo estudado naquele momento, já nas bimestrais eu tenho um cuidado maior na sua elaboração. Até conversarmos sobre avaliação eu não havia tentado fazer essa separação, mas agora com a nossa conversa e com algumas leituras de autores que falam desse assunto, fiz a tentativa de separar. Na minha avaliação bimestral eu não tenho só conteúdos conceituais, mas também, procedimentais (ler, desenhar, etc.) e atitudinais também. (Entrevista, novembro de 2008). Conceição estava buscando classificar os conteúdos de aprendizagem em três grandes grupos. Segundo Zabala (1998, p. 8), “haverá conteúdos que é preciso ‘saber’ (conceituais), conteúdos que é preciso ‘saber fazer’ (procedimentais) e conteúdos os quais admitem ‘ser’ (atitudinais)”. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais relativos ao Ensino Fundamental, encontramos referências a essa classificação dos conteúdos. Na observação feita acima pela professora Conceição, ela nos relata que, ao tentar classificar os conteúdos que iria trabalhar em sala de aula, sentia que chegava um momento em que ficava difícil separá-los. Ao considerar essa situação vivenciada pela professora, nos remetemos a Zabala (1998), que nos permite reconhecer que os fatos, os conceitos, as técnicas e os valores são termos usados, metodologicamente, como se fossem independentes, separados, a fim de classificar os conteúdos trabalhados em sala de aula. Porém, na realidade, tais elementos que compõem o dia-a-dia escolar ocorrem sempre de maneira integrada e são, na verdade, indissociáveis. No que diz respeito ainda a uma avaliação integral, a professora relatou: Quando eu anoto na ficha a lição de casa, só estou considerando se fez ou se não fez. Por isso eu considero atitudinal, porque é o fazer ou não. O certo ou errado vem depois. Para aprender o que foi feito na lição de casa é preciso em primeiro lugar fazer a lição de casa. O objetivo da lição de casa é a sistematização do conteúdo, reforçar o que foi visto, estimular o aluno a ter compromisso, mas a ação é fazer. O trabalho com as sínteses também, eu marco se fez ou não fez, mas para ele fazer o trabalho ele passa por todo um processo que envolve conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais. Garantido “o fazer” aí vamos ver como foi feito. (Entrevista, novembro de 2008). 98 Para Conceição, tudo começava com o fato de o aluno fazer as atividades propostas, pois ela considera que, para fazer, o aluno passava por um processo que envolvia conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais. Perguntamos também para a professora de que maneira ela avaliava o aluno de uma forma integral — o “saber”, o “saber fazer” e o “saber ser”. Ela nos contou o que considerou para compor o registro que chamou de “ficha do caderno do aluno”: Minha ficha tem seis itens e cada um deles tem suas características próprias, com objetivos diferenciados. O primeiro são as avaliações parciais, que valem dois pontos; o segundo são os trabalhos, que valem um ponto; o terceiro são as lições de casa e vale um, também. O quarto são as sínteses de notícias que vale um ponto. O quinto item da ficha são os atitudinais, que valem um ponto: caderno, assiduidade, convivência social, ritmo e participação. O sexto e último item é a avaliação bimestral que vale quatro pontos, totalizando assim dez pontos. (Entrevista, novembro de 2008). Observando com a professora a composição dessa ficha, pudemos notar que ela considerou a avaliação dos “conteúdos conceituais”, quando reservou um item para as avaliações parciais e outro para a avaliação bimestral; valorizou a avaliação dos “conteúdos procedimentais”, quando destinou um item para os trabalhos, que incluem trabalhos de classe, outro item para lições de casa e outro, ainda, para “as sínteses de notícias”; e considerou a avaliação dos “conteúdos atitudinais”, quando reservou um item para o caderno, outro para a assiduidade, outro para a convivência social, outro para o ritmo e outro para a participação. Pudemos observar que, quando Conceição tratava de alguns itens da avaliação atitudinal que faziam parte da “avaliação informal”, adotava alguns procedimentos para tornar seus critérios mais acessíveis aos alunos. Segundo Freitas (2009, p. 27), a avaliação informal é compreendida “como a construção, por parte do professor, de juízos gerais sobre o aluno, cujo processo de constituição está encoberto e é aparentemente assistemático e nem sempre acessível ao aluno.” Pedimos a Conceição que nos relatasse quais eram esses itens da avaliação atitudinal e que nos contasse com mais detalhes como eram seus procedimentos para torná-los menos informais. Ela nos disse: A participação é observada diariamente e sempre reforçada sua importância. Eu não escondo nada, estamos 99 sempre refletindo sobre tudo. Eles se habituam a acompanhar. (Entrevista, novembro de 2008). Quando afirma que “a participação é observada diariamente”, ela quer dizer que essa observação é feita por ela e por seu aluno também, segundo os parâmetros que foram estabelecidos no contrato didático. Além da observação diária da participação do aluno em suas aulas, a professora promove reflexões sobre essa participação. Essas atitudes vão levando seus alunos a adquirir o hábito de preocupar-se com a qualidade de suas participações em sala de aula e, conseqüentemente, perceber seu valor no processo de aprendizagem. Conceição avaliava, também, a convivência social, como podemos ver através de seu relato, abaixo transcrito: A escola possui uma folha que registra ocorrências graves e quando isso acontece os pais são comunicados. Através dessas ocorrências é que eu avalio a convivência social. Só levo em conta se for uma ocorrência grave. O restante faz parte do dia a dia e resolvo com nossas conversas de classe, normalmente. Se ultrapassar os limites, já comunico aos pais e ele perde o ponto da participação. Às vezes só comunico a coordenação, isto depende do tipo da ocorrência, mas em termos de valores na ficha as conseqüências são as mesmas. (Entrevista, novembro de 2008). Refletimos com a professora que seus alunos tinham consciência dos parâmetros que conduziam as avaliações de sua convivência social. Esses parâmetros haviam sido definidos no contrato didático feito no início do bimestre. Em geral, nas situações não consideradas graves, ela voltava a refletir com eles sobre os combinados que estavam estabelecidos, buscando fazê-los inferir que era preciso respeitá-los para que a convivência social no ambiente escolar fosse harmônica. O aluno só comprometia o valor da participação em sua “ficha do caderno do aluno” quando a ocorrência era grave. Um outro critério de avaliação atitudinal era o ritmo. Em relação a isso, ela nos disse: 100 O ritmo é um critério que se refere ao acompanhamento da aula. É pessoal e tem a ver com o esforço que o aluno faz para cumprir, no tempo combinado, as atividades que proponho. Em geral, quando percebo que ele não está se esforçando, procuro conversar para ajudá-lo a entender em que aspectos ele precisa melhorar seu ritmo. Só há comprometimento dos valores relativos ao ritmo, propostos na “ficha de avaliação do aluno”, se, depois de duas vezes que conversamos, nada se modificou. (Entrevista, novembro de 2008). Conceição tinha o cuidado de respeitar as diferenças individuais de seus alunos nas questões de ritmo, mas, por outro lado, quando percebia que seria possível uma mudança, procurava conscientizar seu aluno de que, através de esforço e investimento pessoal, seu ritmo poderia melhorar. A respeito desses itens acima descritos, Conceição concluiu: Então, participação, convivência social e ritmo (que são itens da ficha) só terão perda de pontuação se chegamos ao ponto de chamar os pais, e aí eles participam da conversa onde buscamos conscientizá-lo sobre o que está errado. (Entrevista, novembro de 2008). Essas considerações acima destacam os procedimentos que a professora Conceição adotava no sentido de construir juízos gerais sobre os objetos avaliados de uma maneira mais sistemática e acessível ao aluno, buscando de certa forma tornar a avaliação informal mais formalizada. Pudemos perceber que ela avaliava os conteúdos atitudinais, que faziam parte da avaliação informal, de forma compartilhada com seus alunos e da seguinte maneira: com referenciais estabelecidos, com clareza, com conversa, com reflexões e, principalmente, com a possibilidade de retomada dos procedimentos, para redirecioná-los com vistas à aprendizagem desses conteúdos. Ao analisarmos esses procedimentos junto com a professora, pudemos perceber que seu processo avaliativo estava voltado para a qualidade dos itens avaliados, com base em critérios preestabelecidos e buscava a inclusão do aluno nesse processo, uma vez que o juízo de valor daquilo que estava sendo avaliado era feito pelo aluno e pela professora. Além dos critérios já descritos, a professora incluía na avaliação atitudinal a assiduidade e o caderno, conforme ela nos relata abaixo: Assiduidade (outro item da ficha) se refere às presenças, mas se eles faltam e têm uma justificativa, que em 101 geral vem por escrito, eu coloco a falta, mas não compromete os valores de assiduidade previstos na ficha. (Entrevista, novembro de 2008). Esse relato revela que a professora desenvolveu, com os alunos e os pais, uma relação de respeito e consideração por seu trabalho e pela escola, pois eles procuravam justificar suas ausências, possibilitando que não se alterassem os valores de assiduidade na “ficha do caderno do aluno”. Essas ações tornavam melhor a convivência entre eles. Quanto ao caderno, ela desenvolvia com seus alunos um trabalho voltado para a importância e a valorização do mesmo. Era importante que cada aluno tivesse um caderno só para matemática e, durante suas aulas, tudo o que era feito seria registrado nele. Ela procurava ajudá-los na organização e na utilização desse caderno. No final do bimestre, Conceição selecionava um dia para poder vê-lo e avaliá-lo. A respeito disso, ela nos disse: Neste dia planejo uma atividade diferente, que eles fazem enquanto olho todos os cadernos. É muito difícil um aluno não ter o caderno em ordem. Ele é como portfólio das aulas de matemática. (Entrevista, novembro de 2008). Para Conceição, os conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais eram avaliados de forma diferenciada e com registros específicos, que serviam para identificar com mais precisão as intenções educativas de seu processo de avaliação. 6.2.3 A Avaliação Formativa Propusemos à professora que nos contasse de que maneira esse trabalho promovia mudanças de atitudes nos alunos na busca dos melhores desempenhos de cada um, com relação ao processo de aprender. Ela nos falou: Existe uma parceria, e muitas vezes é através dela que vamos encontrando caminhos que facilitam nosso trabalho, nossas relações. Eu tenho representante de classe que me ajuda. Por exemplo, na questão da lição de casa, eu pergunto quem não fez antes de olhar. Eles levantam a mão e eu marco. Só depois o aluno representante passa marcando os outros. São raros os que tentam enganar, pois eles reconhecem a seriedade e a finalidade desse registro e passam assumir a responsabilidade de não terem feito a lição. Nós que costumamos julgá-los antecipadamente em relação a sua honestidade. Muitas vezes acontece com um ou outro aluno e nós temos a tendência de generalizar. Outro fato é que, quando eles 102 se acostumam com a ficha, eles nos cobram os vistos e avaliações previstas. (Entrevista, novembro de 2008). Diante dessa observação feita por Conceição, podemos considerar que seus alunos valorizavam a atitude de honestidade, pois sabiam que ser honesto era atitude considerada e valorizada pelo processo de avaliação estabelecido pela professora. É importante considerar que o aluno tinha critérios preestabelecidos para fazer o juízo de valor sobre o que era ser honesto naquela situação. Além disso, as discussões e as reflexões feitas pela classe junto com a professora abordavam a qualidade desse conteúdo atitudinal, o que permitia a Conceição e ao aluno redirecioná-lo, se fosse necessário. Valendo-nos de Luckesi (1998), podemos explicitar que esse processo possibilita um julgamento de valor sobre atitudes efetivas a partir de critérios preestabelecidos. Ainda considerando as mudanças de atitudes nos alunos na busca dos melhores desempenhos de cada um no processo de aprender, a professora afirmou: Além das reflexões diárias, eu tenho duas questões para a reflexão dos alunos, no final do bimestre: a) Considero meu desempenho bimestral em Matemática ______ e b) Sei que para melhorar meu desempenho eu preciso _______. Para responder essas questões os alunos se basearam nos dados contidos na “ficha do caderno do aluno”, isto é, eles foram analisando os dados contidos na ficha e fazendo uma avaliação do seu desempenho durante o bimestre. O texto a seguir é a transcrição da avaliação de um aluno: “Sei que para melhorar meu desempenho eu preciso estudar todos os dias, fazer todas as lições, deixar o caderno em ordem, participar na sala de aula, não deixar as lições para depois, fazer quando chegar em casa e não esquecer a síntese, trabalho ou lição de casa (Entrevista, novembro de 2008). O aluno em questão foi seguindo os critérios estabelecidos em sua “ficha do caderno”. Através dessas referências e como protagonista do seu processo avaliativo, houve uma reflexão sobre quais caminhos deveria percorrer para melhorar seu desempenho. Nessa perspectiva, acreditamos que a professora Conceição trabalhou com um processo de avaliação formativo, pois, segundo Zabala (1998), o termo formativo é reservado para uma determinada concepção de avaliação que possibilita educar e informar ao aluno seu desempenho, oportunizando-lhe rever suas ações para obter melhores resultados. 103 Antes de utilizar essa maneira de avaliar, Conceição acreditava:eles não têm muito claro como é todo o processo avaliativo que ela usava em suas aulas, conforme explicou em seu questionário inicial (Anexo M, p.177). O exemplo acima descrito evidenciou que a “ficha de avaliação do caderno do aluno” permitiu a ele, como protagonista do processo, tomar consciência do deu desempenho; e ter essa consciência seria o primeiro passo para que ele tomasse atitudes para melhorar. Para mim a ficha trouxe mudanças porque fez com que eu mudasse e os alunos mudassem. E essa mudança é porque ela tem todo um contexto que leva o aluno a querer, a fazer, a compreender, a intervir, a controlar, enfim a se incluir no processo de avaliação que antes era de domínio do professor somente. (Entrevista, novembro de 2008). A professora Conceição, em seu relato acima, referiu-se ao perfil de um aluno que, como protagonista de seu processo de avaliação,vivenciou um “novo” processo de avaliação em sua vida escolar. Consideramos que esse processo possui o significado descrito abaixo por Esteban: Avaliar o aluno deixa de significar fazer um julgamento sobre a aprendizagem do aluno, para servir como momento capaz de revelar o que o aluno já sabe, os caminhos que percorreu para alcançar o conhecimento demonstrado, seu processo de construção de conhecimentos, o que o aluno não sabe, o que pode vir a saber, o que é potencialmente revelado em seu processo, suas possibilidades de avanço e suas necessidades para que a superação, sempre transitória, do não saber, possa ocorrer. (ESTEBAN, 1997, p. 53, apud AFONSO, 1999). Muitas vezes, usamos a auto-avaliação, no final do bimestre, mas os alunos a fazem através de lembranças ou através de registros do professor com os quais, em alguns casos, o aluno não concorda, levantando desconfianças. No caso do processo avaliativo da professora Conceição, através da “ficha do caderno do aluno”, seus alunos tiveram todos os dados registrados por eles mesmos, o que permitia a eles uma avaliação diagnóstica ao longo de todo o processo e também no final dele. Em função disso, eles passaram a reconhecer que suas avaliações diagnósticas e as de sua professora eram confiáveis. Segundo Afonso (1999, p. 97), “a avaliação formativa, como chama a atenção Philippe Perrenoud (1999), se assenta numa relação de extrema confiança e cumplicidade entre os alunos e os professores”. 104 A organização desse processo de avaliação feita pela professora criou, através de seu contrato didático e de seus registros, espaços pedagógicos que permitiram a atuação concreta dos alunos no seu processo de avaliação; e isso criou níveis de ajuda para que eles buscassem a gestão de sua aprendizagem, em conjunto com a professora, com seus pais e com os demais participantes do processo. Segundo Bain (1988, p.24 apud PERRENOUD, 1999, p. 89), “A avaliação formativa está, portanto, centrada essencial, direta e imediatamente sobre a gestão das aprendizagens dos alunos (pelo professor e pelos interessados)”. 6.2.4 A Democratização da Avaliação Conceição sentiu que, para inserir os alunos e os pais no processo de avaliação que ela estava estabelecendo, era necessário democratizar aquelas idéias, discuti-las e buscar um consenso entre os envolvidos. Ela viu que só a transparência do processo não era suficiente: havia necessidade da divulgação das idéias nele contidas. Pedimos a ela que nos apontasse como foi divulgada e discutida a prática avaliativa de suas aulas entre os envolvidos no processo e assim ela relatou sua estratégia para inserir os pais num processo de acompanhamento constante do desempenho de seu filho na escola: Veja como funciona essa parceria: professor, aluno e pai. Na primeira reunião de pais falo da ficha de uma forma geral, digo que será um registro que permitirá o acompanhamento do desenvolvimento de seu filho ao longo do bimestre e me coloco à disposição dos pais em horários específicos para tirar dúvidas sobre o entendimento do funcionamento da ficha que eventualmente acontecerão. (Entrevista, novembro de 2008). Em relação aos alunos, Conceição já havia relatado que, para as quintas séries, nos quinze primeiros dias de aula, ela foi estabelecendo os acordos com seus alunos, através da construção de seu contrato didático e da constituição da “ficha do caderno do aluno”. À medida que todos os alunos entendiam o significado dos mais diferentes critérios que ela iria usar no seu processo de avaliação, ia se estabelecendo, de forma democrática, uma parceria entre ela e seus alunos na divisão das responsabilidades advindas desses combinados. Para as sextas séries, 105 essa parceria já estava estabelecida, graças ao trabalho feito com eles no ano anterior. A “ficha do caderno do aluno” evidenciava todos os acordos e registrava os resultados das avaliações que ocorriam todos os dias, através dos diferentes instrumentos de avaliação. Isso possibilitava a inserção do pai ou responsável no processo, permitindo-lhe colocar-se como mais um parceiro que se juntava à professora e ao aluno através dessa ficha, que se tornou um canal de comunicação entre a escola e a família. Veja o caso de uma aluna: ela queria saber, já no final do bimestre, o que poderia fazer para melhorar seu desempenho. Sentamos, eu, o pai e ela para conversarmos. Consultamos a ficha do seu caderno e analisamos tudo o que ela não tinha feito. Baseada nesses registros, propus que ela fizesse as atividades que não tinha feito e outras que ela poderia fazer para substituir algumas. Sua ficha do caderno tinha todos os registros que evidenciavam, com clareza, a situação em que ela se encontrava. Com o apoio do pai, ela conseguiu fazer as lições e trabalhos que não havia feito e assim conseguiu, mesmo no final do bimestre, melhorar seu desempenho, ficando com uma boa nota no final. (Entrevista, novembro de 2008). Nesse caso, em particular, embora já no final do bimestre, Conceição, sua aluna e o pai dela, baseados na “ficha do caderno do aluno”, conseguiram uma mobilização para encontrar o caminho que permitiu a geração de compromissos, levando essa aluna a tomar consciência da relevância de seu papel na sua tarefa de aprender. A parceria: pai, aluna e professora deu ao processo uma dimensão capaz de mobilizar todos os envolvidos na busca das soluções possíveis, para que a aluna melhorasse seu desempenho. De maneira geral, a “ficha do caderno do aluno” deve evidenciar dados para permitir as avaliações diagnósticas e mobilizar todos os envolvidos na busca do melhor desempenho possível para o aluno. No caso relatado pela professora, em especial, não foi durante todo o bimestre que “a ficha do caderno do aluno” cumpriu seu papel, mas foi ela que apontou quais caminhos deveriam ser retomados pela aluna para recuperar-se. Assim Conceição se refere às mudanças nas reuniões de pais: 106 Os pais dos alunos, que estavam fazendo parte desse processo de avaliação, chegavam à reunião de pais já bastante conscientes de todo o desenvolvimento de seu filho, pois eles acompanhavam, no caderno do filho, as avaliações diárias que foram sendo registradas na ficha do caderno do aluno e até faziam intervenções nas ocasiões em que isso era necessário. Às vezes eles vinham me perguntar sobre a postura de seu filho ou sobre alguma outra disciplina, pois aquela fila imensa, na reunião de pais para falar com a professora de matemática acabou. (Entrevista, novembro de 2008). Ela nos contou como procedeu para democratizar a participação do aluno, isto é, permitir a qualquer aluno, em qualquer momento, fazer diagnósticos a respeito de sua aprendizagem, tendo em vista, conforme Luckesi (1998), tomar decisões suficientes e satisfatórias para poder avançar em seu processo de aprendizagem. Conceição sistematizou o processo de avaliação que usava, através de registros que organizou com seus alunos. Eles eram feitos, durante todo o bimestre, na “ficha do caderno do aluno”, onde seus alunos registravam suas avaliações conceituais, procedimentais e atitudinais, todas as vezes em que eram avaliados. Em função das possibilidades de análises advindas desses registros e dos instrumentos de avaliação, o processo avaliativo da professora Conceição possibilitava avaliações diagnósticas feitas por ela e por seus alunos, durante todo o bimestre, o que permitia o redirecionamento do processo de ensino e aprendizagem em busca do melhor desenvolvimento possível das capacidades dos alunos. Porém, ao final do bimestre, os dados advindos dos diferentes registros que compunham a “ficha do caderno do aluno” eram resumidos pelo próprio aluno, que fazia o fechamento dos seis itens que compunham sua ficha. A partir daí o aluno tinha condições para concluir seu conceito final (Anexo E, p.170 ou Anexo F, p. 171) e para fazer uma outra avaliação diagnóstica que, dessa vez, era mais abrangente, permitindo-lhe uma visão geral do seu desempenho no bimestre como um todo. A professora Conceição o ajudava a fazer essa avaliação, propondo-lhe duas questões, conforme nos relata abaixo: 107 Além das reflexões diárias, eu tenho duas questões para a reflexão dos alunos, no final do bimestre: a) “Considero meu desempenho bimestral em Matemática...” b) “Sei que para melhorar meu desempenho eu preciso...” (Entrevista, novembro de 2008). Assim, a professora considerava que as avaliações feitas ao longo de todo o processo e no final dele eram utilizadas para diagnosticar, e não para classificar seus alunos. As características que a professora Conceição procurou trabalhar nesse processo avaliativo propiciavam participações constantes dos alunos num processo contínuo de avaliação, que se propunha a transformar o aluno em sujeito do seu processo avaliativo. Essas características também tinham a intenção de conscientizá-lo de que ele, a professora e seus pais eram parceiros num processo coletivo de construção do conhecimento. Maria Teresa Esteban coloca-nos essa questão da seguinte forma: O redimensionamento do conceito de avaliação escolar, articulado pelo compromisso com a democratização do ato pedagógico, tem como característica ser uma atividade mais participativa, desenvolvida através de um processo contínuo. Deste ponto de vista, a teoria sobre avaliação precisa assinalar, para a atividade docente, estratégias que possam ajudar alunos/alunas e professores/as a compreender e intervir no processo coletivo de construção de conhecimentos (ESTEBAN, 2001, p.126). 6.3 A Cultura Escolar Para analisar esta categoria consideramos: as responsabilidades compartilhadas entre a professora Conceição, seus alunos e pais; a relação entre a prática avaliativa e a qualidade do trabalho desenvolvido pela professora e a questão do tempo pedagógico. 6.3.1 Responsabilidades Compartilhadas Indagamos a Conceição se ela percebia que esse processo de avaliação alterava o equilíbrio das responsabilidades atribuídas tradicionalmente, tanto para o professor como para o aluno e seus pais ou responsáveis. Ela assim nos respondeu: 108 Uma coisa que não existe mais com esse processo de avaliação é a pergunta: “Por que você me deu essa nota?” Essa era uma frase muito falada. Ou então: “Não dá para você me dar um pontinho?” Na realidade, eu era uma professora que “dava nota”. Agora isso acabou e eles não perguntam mais por que daquela nota. Isto, agora, eles já sabem. (Entrevista, novembro de 2008). Diante dessas considerações da professora, pudemos perceber que esse trabalho permitiu a ela tanto deixar de ser o centro das decisões como compartilhar ações para possibilitar a divisão das responsabilidades inerentes ao processo avaliativo, com seus alunos. Por outro lado, pudemos perceber, também, que seus alunos ganharam uma nova consciência sobre o significado da avaliação na sua vida escolar. O processo avaliativo promove tensões e as mais variadas reações por parte de todos os envolvidos na educação, gerando expectativas e comportamentos que irão interferir nos relacionamentos que se estabelecem em sala de aula. A organização dos registros de avaliação e o contrato didático que Conceição estabeleceu com seus alunos foram fatores importantes para desencadear a divisão de responsabilidades. Consideramos com a professora que isso contribuiu significativamente para diminuir as tensões relativas ao processo de avaliação. Além disso, outro fator importante foi a avaliação diagnóstica feita pelos alunos e pela professora, durante o processo. Ela permitia que eles promovessem as interferências necessárias, ao longo do bimestre, possibilitando ao aluno reconhecer que o erro faz parte do processo de aprendizagem. Isso também contribuía para aliviar tensões. No final do bimestre, os dados contidos na “ficha diária do aluno” eram resumidos, pontuados e somados pelo próprio aluno, permitindo assim que ele concluísse seu próprio conceito final, para depois conferi-lo com a professora. Isso nos leva a inferir que os alunos participavam ativamente de seu próprio processo de avaliação, a ponto de poderem atribuir seu próprio conceito bimestral. Considerando o conceito de cultura adotado por Pérez Gómez: 109 Considero cultura como o conjunto de significados, expectativas e comportamentos compartilhados com um determinado grupo social, o que facilita e ordena, limita e potencia os intercâmbios sociais, as produções simbólicas e materiais e as realizações individuais e coletivas dentro de um marco espacial e temporal determinado (PÉREZ GÓMEZ, 2001, p. 17), Podemos dizer que os significados, as expectativas e os comportamentos que se estabeleceram em sala de aula, através de um processo avaliativo compartilhado entre alunos, professores e demais envolvidos no processo, criaram uma cultura, trazendo consigo a consciência do papel que cada um dos envolvidos nesse processo tinha a desempenhar. Ao refletirmos sobre isso com a professora Conceição, pudemos inferir que esse processo pode alterar o equilíbrio das responsabilidades atribuídas tradicionalmente tanto para o professor como para o aluno e seus pais ou responsáveis, podendo, dessa forma, aliviar as tensões inerentes a qualquer processo de avaliação que se estabeleça em sala de aula. 6.3.2 A Prática Avaliativa e a Qualidade do Trabalho Pedagógico Ao perguntarmos a Conceição se essa forma de avaliar contribuiu para melhorar a qualidade do seu trabalho pedagógico em sala de aula, ela assim nos respondeu: Eu mudei, pois achava a avaliação um instrumento punitivo. Hoje quando um aluno tem um ponto negativo, eu quero que ele faça alguma coisa para retirar aquele ponto e não faço negativo em cima de negativo, porque aí vira punitivo mesmo. (Entrevista, novembro de 2008). Conceição não estava visando simplesmente à aprovação ou à reprovação, mas, sim, à inclusão do aluno na sua sala de aula, na sua escola, auxiliando-o no seu desenvolvimento pessoal. Para isso, ela levou em consideração o ensino, a aprendizagem e a avaliação dos conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais, com o objetivo de desenvolver as “capacidades motoras, de equilíbrio e de autonomia pessoal, de relação interpessoal e de inserção social.” (ZABALA, 1998, p. 197). De acordo com o relato acima descrito, pudemos observar que a prática pedagógica usada por Conceição passou a ter uma função orientadora que, assim como os demais procedimentos dessa forma de avaliar, contribuiu para melhorar a 110 qualidade do seu trabalho pedagógico em sala de aula, cujos resultados estão exemplificados nos excertos de depoimentos abaixo: Em relação ao trabalho pedagógico: Para mim foi muito importante ter todos esses dados organizados e registrados, facilitando minhas decisões e as decisões dos alunos ao longo do processo. A partir do momento que fizemos combinados e constituímos as fichas, eu tinha que segui-las também. Havia um compromisso de minha parte no sentido de cumprir com o meu papel. Eu mudei muito. Agora eu planejo as coisas bimestralmente e planejo cada ação do dia, por conta do compromisso que eu tenho com eles. Isso me ajudou muito. Antigamente eu me reportava apenas à memória, tentando lembrar detalhes que ocorreram no bimestre. Essa forma de avaliar leva o aluno e a família a valorizarem mais o trabalho que desenvolvo com eles. Nesses últimos anos a qualidade do meu trabalho melhorou muito, e o meu processo de avaliação é um dos fatores que tem contribuído para essa melhora. (Entrevista, novembro de 2008) Em relação aos alunos: Quanto aos alunos, eles sabem onde e como estão sendo avaliados, não vão ter surpresas no final do bimestre. O aluno acompanha tudo com a ficha, considerando-a como um documento. (Entrevista, novembro de 2008). Quanto ao relacionamento da professora com as famílias: Eu fico tranqüila em conversar com os pais, pois, quando eles vêm falar comigo, trazem consigo o caderno do filho, que tem a ficha do aluno com todas as anotações. A conversa fica clara e objetiva. Tenho segurança em falar com pai. (Entrevista, novembro de 2008). Quanto ao relacionamento das famílias com esse processo de avaliação: Ouço pais falando que outros professores deveriam trabalhar assim. Já vi casos onde a mãe se manifestou, dizendo que, olhando na ficha fica mais fácil ela ajudar o filho a cumprir com os compromissos escolares, porque eles estão planejados e claramente colocados na ficha. Ter as datas, ter as anotações, saber a nota do filho em cada atividade avaliada, saber que ele vai ter caderno em ordem, que a participação é importante e está sendo avaliada. A ficha ajuda a inserir os pais no contexto da educação escolar de seu filho. Não 111 posso deixar de dizer que dá certo trabalho, mas o compromisso da clientela e da família é fundamental. (Entrevista, novembro de 2008) Em relação à aprendizagem dos alunos: Eu tinha trinta alunos e chegava a ter dez alunos com conceitos abaixo da média. Atualmente eu tenho dois ou três e em algumas salas chego a ter nenhum. (Entrevista, novembro de 2008). Consideramos com Conceição que ela promoveu, em sua prática educativa, modificações capazes de transformar suas relações com os alunos e com os pais. A qualidade de seu trabalho, segundo sua avaliação, melhorou. De maneira geral, podemos dizer que a modificação de suas ações incidiu positivamente na formação dos seus alunos. Porém, Conceição sentiu dificuldades com a equipe pedagógica da escola, que nunca tomou conhecimento de seu trabalho. Já com seus colegas professores era diferente: eles se incomodavam com o trabalho desenvolvido por Conceição e saíam em defesa de suas práticas avaliativas tradicionais. Ela nos relata isso da seguinte forma: Quem sabe desse trabalho sou eu, meus alunos e seus pais. A coordenação pedagógica e a direção não se envolvem com o pedagógico. Quando eu quero discutir algum aspecto conto com o Grupo de Sábado, da Unicamp. Na escola eu estou sozinha tanto na parte da avaliação como em relação aos trabalhos que desenvolvo. Se não fosse os colegas do Grupo de Sábado, acho que eu já teria desistido, pois é muito mais fácil dar duas provas somar e dividir por dois e pronto. E, se o aluno não tirou nota, vamos dando recuperação até ele conseguir nota. Eu não faço isso. (Entrevista, novembro de 2008). Ao considerarmos essas dificuldades com a professora Conceição, reportamo-nos a Freire (1991) para nos fortalecermos em nossas convicções: Se você tem uma posição política reacionária, não há dúvida que o papel do educador é ensinar e do educando é ser ensinado; se a sua opção política é uma opção transformadora e se você é coerente com a sua opção – porque esse é outro problema sério que devemos examinar, pois a partir da opção, o educador tem que lutar para alcançar um limite razoável de coerência entre o discurso sobre a opção e a prática que viabiliza o sonho contido nela – se é substancialmente democrática, você não renuncia a seu trabalho de educador, você se afirma nele e desafia o educando a assumirse como sujeito do processo de conhecer. (FREIRE, 1991, p. 43). Esse envolvimento do professor com seu trabalho de educador implica lidar com inúmeros componentes de diversas naturezas, quase todos já abordados nesta 112 apresentação do trabalho da professora Conceição. Porém um elemento importante ainda falta ser discutido aqui: o tempo pedagógico. 6.3.3 O Tempo Na fala da professora Conceição, pudemos perceber algumas considerações sobre o tempo pedagógico e seus significados, em sua prática de ensino: Para os alunos da sexta série que já trabalharam no ano passado com esse processo, eu já entrego a ficha, no primeiro dia, e não preciso falar muita coisa. Eu só comento sobre as mudanças. (Entrevista, novembro de 2008). Podemos notar que o tempo dedicado pela professora para falar sobre o processo de avaliação com os alunos da sexta série foi muito menor do que o tempo dedicado com a quinta série, para falar do mesmo assunto. Na quinta série, a professora foi constituindo as idéias básicas do processo, ao longo dos quinze primeiros dias de aula, através de vivências que tinham por objetivo levar os alunos a entender os critérios, os instrumentos e os registros do processo de avaliação. Já, na sexta série, isso não foi necessário, porque os alunos já haviam vivenciado esse processo de avaliação na série anterior. Conceição precisou de um único dia para combinar com a turma todos os detalhes que faziam parte do processo de avaliação deles, o que possibilitou um ganho de tempo significativo. Segundo Conceição: Esse processo de avaliação que se constituiu através do contrato didático e dos registros das avaliações permitiu que, ao longo do bimestre, ocorresse um ganho de tempo, pois os alunos já estavam organizados e orientados quanto às ações e atitudes que envolviam a prática avaliativa das minhas aulas. (Entrevista, novembro de 2008). O tempo é um fator muito importante na prática pedagógica do professor. Há uma diversidade de empregos do tempo, em sua tarefa profissional. Muitas vezes, ao mexer no tempo de uma prática educativa, provocamos conseqüências em outros tempos e criamos uma seqüência de problemas em relação aos tempos. Ao referirse às propostas de mudanças na prática pedagógica do professor, Arroyo (2004) considera que: 113 A categoria está aberta à inovação. Porém é um direito perguntar-se por alguns pontos: “em que qualquer proposta afetará suas rotinas de trabalho, seus tempos escolares e inclusive seus tempos de família, de descanso; se aumentará ou diminuirá o cansaço” (Arroyo, 2004, p. 396). Ressaltamos com Conceição que o fato de o aluno ser sujeito de seu processo de avaliação e, portanto, seu gestor, junto com sua professora, permitia um ganho de tempo, em relação ao processo avaliativo que era de domínio só do professor. 6.4 A Concepção de Educação Para a análise desta categoria estamos levando em consideração a função social do ensino e a concepção de como o aluno estabelece relações com o saber. 6.4.1 A Função Social do Ensino Pedimos a Conceição que dissesse, na sua concepção, qual era a função social do ensino, isto é, para que educamos? Ela nos disse: É difícil falar nisso sem falar em políticas públicas. A vontade política influencia muito o papel da escola de formar cidadãos ou formar um número a mais. Muitas vezes vemos políticas que trabalham com números. Então é você ensinar para quê? A vida do aluno hoje gira em torno de conhecimento, e ele vai buscar esse conhecimento dentro da escola. [...] O aluno sai da sua casa, vai encarar pessoas e fatos, vai lidar com o conhecimento, e a escola, a meu ver, ainda é o principal local para ele buscar esse conhecimento. Eu acho que é obrigação da escola e do professor dar esse conhecimento que vai formar o indivíduo integralmente, isto é, no saber, no fazer e no ser. (Entrevista, fevereiro de 2009). Conceição começa referindo-se à responsabilidade do poder público, ao considerar essa questão. Ela evidencia o quanto as políticas públicas — centradas em números e resultados, sem preocupação com a qualidade do ensino — estão afastadas de uma educação emancipatória. Durante suas aulas, ela procurava propiciar aos seus alunos vivências que tinham a intenção de permitir que eles se relacionassem e vivessem positivamente com as outras pessoas; que conhecessem a si próprios e aos demais; e que adquirissem os conhecimentos específicos de sua disciplina. 114 Segundo Zabala (1998, p. 197), “podemos entender que a função social do ensino não consiste apenas em promover e selecionar os ‘mais aptos’ para a universidade, mas que abarca outras dimensões da personalidade”, pois elas serão necessárias para formarmos cidadãos comprometidos com a melhoria da sociedade e deles mesmos. Pudemos refletir com Conceição que o trabalho desenvolvido por ela, com a avaliação, deu a seus alunos a oportunidade de conscientizar-se de que era preciso saber, saber fazer e saber ser. Sua prática educativa valorizou o desenvolvimento de todos os aspectos que possibilitariam a formação de seus alunos, ou seja: os valores relativos às suas relações interpessoais, a sua vida pessoal e a sua vida profissional. 6.4.2 A Forma como o Aluno estabelece Relações com o Saber Também pedimos que ela nos dissesse, na sua concepção, como o aluno aprende. Segundo ela: O aluno tem que gostar, não só de matemática, mas se sentir motivado para ir à escola. Ele só vai aprender se tiver essa motivação e esse gosto. Se não tem, a escola deve proporcionar. [...] Há alunos que aprendem com mais facilidade, os quais identificamos rapidamente. Então, a primeira coisa a fazer é conhecer o aluno. Isso vai acontecendo com o passar das aulas. Se ninguém aprendeu, então o negócio é comigo! Preciso retomar de outra maneira. Alguns conteúdos iniciamos através de atividades que proporcionam o fazer para depois chegarmos ao conceito, mas existem alguns conteúdos que introduzo com aula expositiva. Usos os recursos metodológicos que eu tenho conhecimento e que eu acredito que vão me ajudar. Agora, há ocasiões que a aula é expositiva. Mas uma coisa eu aprendi: se o aluno chegou à quinta série sem saber as quatro operações, não é hora de buscar culpado, e sim de fazer com que ele aprenda as quatro operações. (Entrevista, fevereiro de 2009). Conceição acredita que o aluno aprende, se tiver motivação e gosto para aprender. Se não tiver, a escola deverá proporcionar que isso aconteça, isto é, as atividades desenvolvidas pela escola deverão ser envolventes e despertar o gosto do aluno. Segundo Charlot (2001, p. 21), “[...] o sentido atribuído a um saber leva a envolver-se em certas atividades, a atividade posta em prática para se apropriar de um saber contribui para produzir o sentido desse saber”. 115 Podemos, então, dizer: para o aluno envolver-se, é necessário haver sentido naquilo que ele irá aprender. De acordo com Charlot (2001, p.20), “A problemática da relação com o saber estabelece uma dialética entre interioridade e exterioridade, entre sentido e eficácia. Aprender é apropriar-se do que foi aprendido, é tornar algo seu, é interiorizá-lo”. Achamos importante enfatizar com Conceição que sua percepção de como o aluno aprende levou-a valorizar não somente os conteúdos conceituais de aprendizagem, mas também os conteúdos procedimentais e atitudinais, pois estes fazem parte do patrimônio humano, que deverá ser aprendido na escola. Ela passou a ver o aluno como um sujeito que precisa se apropriar de um saber, de uma prática, de uma forma de relação com os outros e consigo mesmo. Isto é, passou a ver o aluno de uma forma integral. Em Charlot (2001), confirmamos que esse patrimônio humano, composto de palavras, idéias, teorias, técnicas do corpo, práticas cotidianas, faz parte da aprendizagem do aluno. Para Conceição, era preciso em primeiro lugar conhecer o aluno. A conexão entre seu aluno e o saber e entre o saber e seu aluno era feita, algumas vezes, através de atividades de sala de aula que se iniciavam com o “fazer”, isto é, com atividades postas em prática, para depois chegar ao “conceito”; outras vezes, realizava-se através de uma aula expositiva; enfim, tudo dependia dos recursos considerados mais adequados para o momento. A lição de casa e os trabalhos extra-classe procuravam sistematizar os conceitos trabalhados, isto é, colocar o aluno na relação com o saber. O importante para Conceição era que seu aluno estivesse motivado para aprender: o que ele iria aprender deveria ter um sentido para ele, porém era muito importante que ele tomasse consciência do seu próprio papel na conexão entre ele e o saber e entre o saber e ele, tornando-se parte integrante desse processo. 6.4.3 Significado da Avaliação Conceição expressa-se da seguinte maneira em relação à aprendizagem de seus alunos: 116 Falo sempre para os meus alunos que o meu objetivo não é marcar pontos negativos e sim os positivos, dando a eles oportunidade para estar fazendo e aprendendo. (Entrevista, fevereiro de 2009). Sua afirmação demonstra que o trabalho desenvolvido não estava centrado nos resultados, mas, sim, no processo. A nosso pedido, Conceição explicitou como possibilitava ao aluno refletir sobre suas conquistas, suas dificuldades e suas possibilidades, com vistas à organização e à reorganização do seu investimento na tarefa de aprender. Isto é, expôs o significado que tinha o processo de avaliação em suas aulas: Esse processo fez com que eu e meus alunos mudássemos. E essa mudança ocorreu porque o processo tem um contexto que leva o aluno a querer, a fazer, a compreender, a intervir, a controlar; enfim, a se incluir no processo de avaliação que antes era do domínio apenas da professora. (Entrevista, fevereiro de 2009). Nesse relato evidencia-se a mudança do significado da avaliação para o aluno, ao longo de suas vivências escolares: já se tornava possível um novo olhar sobre a avaliação. Caracterizava-se formativa, porque permitia aos envolvidos um ajuizamento da qualidade do conteúdo avaliado e, também, a tomada de decisões no sentido de aceitá-lo ou transformá-lo. Observamos que esse significado fica comprometido quando o aluno tem concepções sobre a avaliação que se baseiam nos resultados, sem analisar os meios pelos quais foram obtidos; quando, para ele, não importa a aprendizagem, mas, sim, a nota final; não importa se esta representará seu conhecimento adquirido ou não. Assim nos conta a professora Conceição: Alguns alunos, felizmente poucos (um ou dois em cada classe), que não conseguem se incluir nesse processo, acabam perdendo a ficha ou arrancando do caderno e jogando fora. Mesmo assim, estou sempre mostrando a ele e a sua família os resultados de suas avaliações, tentando sensibilizá-lo. (Entrevista, fevereiro de 2009). Ponderamos com a professora que o processo de avaliação se tornou muito significativo, ao incluir os alunos como parte integrante dele, possibilitando-lhes desafios constantes, que os levavam à organização e à reorganização da tarefa de aprender. 117 Conceição relatou-nos como ela procedeu para que seus alunos tomassem consciência do significado da avaliação, no processo de ensino e aprendizagem. Depois que eles começaram a vivenciar um processo de avaliação do qual eram protagonistas, perceberam que “a ficha diária do aluno” continha dados que lhes permitia fazer um juízo de valor sobre seu conhecimento, sobre seu desempenho e sobre suas atitudes nas aulas de matemática. Para fazer isso, tinham como referência parâmetros, combinados com a professora Conceição, relativos aos conceitos que seriam trabalhados, aos procedimentos que deveriam ser adotados e às atitudes, que visavam buscar o melhor desempenho possível de cada um deles, nas mais diferentes atividades realizadas. Ou seja, eles podiam refletir sobre as avaliações formais e também sobre as informais, pois tinham parâmetros para isso. Assim, observamos com a professora que seu processo de avaliação procurava formalizar, na medida do possível, a avaliação informal. Sobre esta, Freitas (2009) nos diz o seguinte: A parte mais dramática e relevante da avaliação se localiza aí, nos subterrâneos onde os juízos de valor ocorrem. Impenetráveis, eles regulam as relações tanto do professor para com o aluno, quanto do aluno para com o professor. Este jogo de representações vai construindo imagens e autoimagens que terminam interagindo com as decisões metodológicas que o professor implementa em sala de aula (FREITAS, 2009, p.27- 28, grifos do autor). Conceição procurava compartilhar com seus alunos os juízos de valor que estava considerando para avaliá-los, permitindo, assim, que eles deixassem de ser “impenetráveis”, para serem do conhecimento de todos. Além disso, estes juízos de valor eram, na medida do possível submetidos ao processo de ensino e de aprendizagem, tal como os conteúdos conceituais e procedimentais o são. Na medida em que esses juízos de valor se tornassem evidentes para o aluno, por meio das fichas, iriam permitir, de acordo com Luckesi (1998, p.33), “uma forma de ajuizamento da qualidade do objeto avaliado, fator que implica uma tomada de posição a respeito do mesmo, para aceitá-lo ou para transformá-lo”. 118 Os juízos de valor permeiam todas as atividades avaliativas sejam elas formais ou informais que ocorrem de certa maneira vinculadas umas as outras como podemos ver nas considerações abaixo. O desenvolvimento dos “trabalhos de classe” era acompanhado pela professora durante toda a aula, o que lhe possibilitava fazer interferências, tirando dúvidas, ajudando-os a refletir sobre seus erros, socializando idéias interessantes, avaliando comportamentos e atitudes, etc. Podemos considerar que esse era um momento rico para a professora, pois o processo de avaliação permitia a ela fazer uma avaliação diagnóstica, detectando o estágio de aprendizagem de seu aluno e intervindo para permitir seu avanço. Também possibilitava verificar a eficiência de seu trabalho e corrigir seus rumos para melhorar o ensino, durante o processo. Da mesma forma, era possível também os alunos diagnosticarem suas dificuldades e seus avanços, pois sempre tinham conhecimento dos objetivos, referentes à avaliação formal e informal, a serem alcançados em qualquer proposta de trabalho feita pela professora. Podiam perceber que estavam envolvidos em um processo de aprendizagem e que a avaliação durante ou no final das atividades tinha como finalidade redirecionar os caminhos, para que ele pudesse aprender. Pudemos observar — e ponderamos isso com a professora Conceição — que as ações adotadas em sua prática avaliativa, no sentido de tornar claros e transparentes os critérios das avaliações formais e informais e de possibilitar ao aluno a sua inclusão como protagonista do processo avaliativo, transformavam o significado do processo de avaliação, permitindo que se ultrapassassem os limites da técnica e que se atingisse a dimensão ética do mesmo, indo ao encontro das idéias de Esteban (1999). Percebemos, no processo de avaliação usado pela professora Conceição, que seus alunos estavam aprendendo a exercer novas funções, que alteravam o curso desse processo, redirecionando-o através de mecanismos que lhes permitiam reconhecer, desenvolver e controlar seu progresso pessoal, ajudando-os a reconhecer o significado da avaliação em sua vida escolar e a assumir com autonomia seu papel e seu lugar no processo avaliativo. 119 No quadro a seguir, buscamos sintetizar a análise das categorias: a ação docente, a cultura escolar e a concepção de educação no trabalho com avaliação desenvolvido pela professora Conceição durante o ano de 2008 com suas turmas de quinta e sexta séries. 6.2. A ação docente 6.2.1. A transparência do processo 6.2.2. A avaliação integral 6.2.3. A avaliação formativa Essa transparência constituiu-se através dos itens: “Contrato didático”. Registro que ela chamou de “ficha do caderno do aluno”. Registro que ela chamou de “ficha do professor”. Conceição usava instrumentos de avaliação que permitiam: Avaliar os conteúdos conceituais. Avaliar os conteúdos procedimentais. Avaliar os conteúdos atitudinais. Fatores que contribuíram para uma avaliação formativa: Parcerias entre a professora e seus alunos na busca de melhores desempenhos no processo de ensino e aprendizagem. Ajuizamento, por parte do aluno, qualidade dos conteúdos avaliados. Critérios clareza. de avaliação definidos da com 120 6.2.4. Organização dos registros de avaliação. Avaliações diagnósticas feitas professora e por seus alunos. Reflexão do aluno sobre suas ações, com vistas à retomada de seu desenvolvimento, possibilitando momentos de autonomia dentro do processo avaliativo. Em relação à democratização avaliativo, Conceição procurou: A avaliação democrática do pela processo Divulgar e discutir as idéias que fundamentavam o processo avaliativo de suas aulas com os alunos e suas famílias, buscando um consenso entre todos os envolvidos. Promover avaliações diagnósticas e não classificatórias. Promover a inclusão do aluno no processo avaliativo. 6.3. A cultura escolar 6.3.1. Responsabilidades Fatores que possibilitaram o compartilhamento de responsabilidades: O contrato didático. A organização dos registros de avaliação. A democratização do processo avaliativo com os alunos e os pais. A conscientização dos alunos sobre o papel que tinham na construção de sua Educação. compartilhadas 121 6.3.2. Fatores que foram importantes para melhorar a qualidade do trabalho pedagógico: A prática avaliativa e a Planejamento prévio da prática avaliativa por parte da professora. Registros e dados relativos às avaliações organizados, facilitando, assim, decisões e encaminhamentos por parte dos envolvidos. Divisão de responsabilidades com os alunos e os pais. Alunos acompanhando seu processo de avaliação, reconhecendo suas conquistas e dificuldades e promovendo as interferências, em parceria com a professora e seus pais. Inserção dos pais no contexto educacional de seus filhos. Tranqüilidade da professora no relacionamento com os pais, em função das informações contidas nos registros dos alunos e dela. Mais confiança e mais respeito por parte da família e por parte dos alunos, em relação ao trabalho desenvolvido pela professora. qualidade do trabalho pedagógico 6.3.3. O O tempo redimensionar o tempo pedagógico nas aulas da processo de avaliação colaborou para professora Conceição Possibilitando uma melhor organização do processo do trabalho pedagógico dela e dos alunos. Valorizando os conteúdos de aprendizagem: conceituais, procedimentais e atitudinais, o que possibilitou mudanças na forma do 122 aluno atuar como educando. Permitindo ao aluno ter autonomia para fazer a gestão do seu processo de avaliação, o que o ajudou a desenvolver uma postura mais responsável perante sua aprendizagem. 6.4. A concepção de educação 6.4.1. Conceição considera que a escola tem a função de: A função social do ensino Oferecer ao aluno o conhecimento que ele vai buscar na escola. Valorizar o desenvolvimento de todos os aspectos que possibilitam a formação de uma pessoa, ou seja: os valores relativos às suas relações interpessoais, a sua vida pessoal e a sua vida profissional. 6.4.2. Concepção de como o Conceição acha que: O aluno tem que gostar, não só de matemática, mas sentir-se motivado para ir à escola. Ele só vai aprender se ele tiver essa motivação e esse gosto. Se ele não tem, a escola deve proporcionar. aluno estabelece relações com o saber 6.4.3. Significado da avaliação Algumas ações adotadas por Conceição que possibilitaram a mudança do significado da avaliação: 123 Definiu de forma clara os critérios de avaliação e os objetivos a serem atingidos através dos diferentes conteúdos trabalhados. Possibilitou reflexões e retomadas daqueles conteúdos para os quais os alunos apresentavam dificuldades na aprendizagem. Procurou demonstrar, através de suas ações, que o processo de avaliação não era punitivo, nem uma forma de controle do professor sobre a aprendizagem dos alunos. Estimulou seus alunos a perceberem que a “ficha do caderno do aluno” continha dados que eram parâmetros que lhes permitiam promover interferências no processo avaliativo, durante todo o bimestre, com vistas à melhoria de sua aprendizagem. Quadro 2 - Síntese - professora Conceição 6.5 Considerações Ao analisarmos o trabalho realizado pela professora Conceição, percebemos que ela procurou direcioná-lo para uma prática avaliativa emancipatória. Uma de suas preocupações foi valorizar ações que possibilitassem a mudança do significado de avaliação instituído na escola. Para isso, tornou o processo transparente e democrático, buscando a inclusão do aluno em sua prática avaliativa, transformando-o em sujeito de seu processo de avaliação. Além disso, ela procurou valorizar, em sua prática pedagógica, todas as dimensões da personalidade de um ser humano, respeitandoo em sua integralidade. Ficou evidenciado, no desenvolvimento de seu trabalho, que ela procurava respeitar o tempo pedagógico para o aluno aprender e apreender as novas funções que estava assumindo como protagonista do seu processo de avaliação. 124 Conceição percebeu que a transformação de sua prática ocorreu devido ao investimento na transformação de suas ações pedagógicas e à coragem de buscar novos caminhos para melhorar o seu trabalho. O capítulo seguinte trará o estudo de caso da professora Eliana, no qual se evidenciam algumas semelhanças com a professora Conceição e com a professora Adriana, no que se refere aos pressupostos que marcaram a construção dos dados da pesquisa; e algumas diferenças, que se destacam principalmente porque a professora Eliana usou esse processo avaliativo no Ensino Médio, enquanto as outras professoras aplicaram-no no Ensino Fundamental II. 125 CAPÍTULO VII 7 A PROFESSORA ELIANA Eu acho que o aluno passa a ter uma nova consciência. Ele muda essa cultura do “quanto você me deu?” ou “você que me avalia”. Tem uma nova cultura aí: você não me dá mais nada, sou eu que tiro. (Eliana, novembro de 2008). 7.1 Trajetória Pessoal e Profissional Eliana nasceu na cidade de Urupês, no interior do Estado de São Paulo. No Ensino Médio, cursou Magistério com habilitação em pré-escola durante o dia em Uchoa, cidade vizinha, e à noite fazia contabilidade, em Urupês. Formou-se em matemática, na Unesp de São José do Rio Preto, em 1987. Eu nunca tive intenção de ser professora. Eu sempre tive muita dificuldade na escola, em matemática. Eu morria de medo do meu professor de matemática e ele foi meu professor desde a quinta série até o ultimo ano do ensino médio. Só tinha aquela escola na cidade. Eu saí do ensino médio e não sabia o que era um MMC (mínimo múltiplo comum), eu não sabia somar duas frações com denominadores diferentes. [...] Eu venho de uma família que pensava que se uma mulher saísse para trabalhar fora tinha que ser professora. Prestei vestibular, na Unesp de São José do Rio Preto e passei em matemática. Eu não sabia nada. Eu tive professores excelentes e comecei a gostar e tudo começou a ficar muito fácil. Tudo era muito lógico e a matemática estava presente na minha vida da hora que eu acordava até a hora que eu ia dormir. Era muito fácil e eu achava impossível eu não ter aprendido. Hoje eu sei que era a forma como o professor trabalhava. (Entrevista, fevereiro de 2009). Ao formar-se, Eliana foi dar aulas em Cotia, na grande São Paulo, numa favela. Sua relação com os alunos foi muito boa. Em seguida, foi para cidade de Sales, onde ficou por quatro anos. Depois disso, prestou concurso na rede estadual de ensino de São Paulo e efetivou-se em Matemática e Física em Urupês. Ficou por lá durante 11 anos, tendo-se removido para Jundiaí, onde está há 10 anos. 126 Perguntamos a Eliana por que decidiu ser professora, e ela nos respondeu: Fui ser professora por acaso, ou melhor, por imposição do meu pai, mas acho que sou professora por vocação. Eu não me vejo fazendo outra coisa, eu gosto de ser professora (Entrevista, fevereiro de 2009). Eliana está em seu vigésimo sexto ano de magistério. Sua experiência profissional sempre foi muito rica e diversificada: Fui até professora de classe multisseriada. Essa foi a experiência que mais contribuiu para eu me humanizar. Eu tive aluno que não conhecia banheiro, aluno cego e outros casos. (Entrevista, novembro de 2008). Ela nos contou que sempre procurou formas diferentes da tradicional para avaliar seus alunos. Ao conhecer este processo de avaliação, resolveu aplicá-lo, pois viu nele uma possibilidade de aprimorar o que já vinha fazendo em suas salas de aula. Seu trabalho desenvolveu-se durante o ano de 2008 com o primeiro, o segundo e o terceiro ano do ensino médio diurno e noturno de uma escola da rede pública estadual de Jundiaí, Estado de São Paulo. A análise que faremos abaixo, sobre o processo de avaliação desenvolvido por Eliana em suas classes, baseia-se nas categorias de análise apresentadas, nesta dissertação, no terceiro capítulo, que são: a ação docente, a cultura escolar e a concepção de Educação. 7.2 A Ação Docente Eliana conheceu este trabalho com avaliação quando foi aluna de um curso de especialização, MAT 502, em 2006, oferecido pelo Laboratório de Ensino de Matemática - LEM –, do IMECC, na Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Ela se identificou muito rapidamente com essa forma de trabalhar a avaliação em sala de aula, pois, conforme seu depoimento, ela já vinha trabalhando nessa direção: Já utilizo alguns métodos apresentados pela professora, não com a riqueza de detalhes como ela apresentou, mas várias formas de avaliar diferentes da tradicional. (Entrevista, novembro de 2008). Resolveu, então, aperfeiçoar sua prática avaliativa, baseada nas referências que obteve durante o curso. 127 7.2.1 A Transparência do Processo Avaliativo Perguntamos a ela que critérios e acordos ela usava para tornar o processo de avaliação transparente para seus alunos. Eliana nos explicou que usava uma ficha — que ela chamou de “tabela” —, para registrar as avaliações de seus alunos Nessa tabela, que ficava com o aluno durante todo bimestre, ele registrava o resultado de todas as suas avaliações. Seus alunos podiam fazer a tabela a mão ou pegá-la pronta, numa papelaria próxima da escola, porém ficava sob a responsabilidade do aluno providenciar essa tabela e fazer as anotações necessárias, pois, no final do bimestre seu conceito final era concluído segundo as informações ali contidas. Quando o aluno nunca tinha visto a “tabela”, eu fazia um trabalho para que ele entendesse o conceito de cada item da ficha: o que é uma avaliação diagnóstica, o que é uma avaliação procedimental, o que é uma avaliação conceitual, o que é uma avaliação atitudinal e a importância de cada uma delas. (Entrevista, novembro de 2008). A professora declarou que procurava deixar claros para o aluno os tipos de avaliações que iriam compor a tabela, bem como o significado de cada um: Então, ele iria saber que uma avaliação diagnóstica não é para nota, mas para sabermos por onde tenho que iniciar meu trabalho. Então, esse aluno que não conhecia essa minha maneira de avaliar passava por um trabalho que buscava tornar claro o que significa cada coisa que tem nessa ficha e aí ele já sentia a importância de ter um caderno, de freqüentar as aulas, pois, a tudo isso era atribuído um valor na tabela (Entrevista, novembro de 2008). Os alunos de Eliana sabiam que tanto os conceitos como os procedimentos e as atitudes eram avaliados. Eles discutiam com a professora, no início do bimestre, para chegarem a um consenso a respeito dos valores que seriam atribuídos para cada um dos conteúdos avaliados. Ela combinava com eles, por exemplo: Para os alunos que freqüentam os encontros, fora de aula, para retomada de conceitos eu também atribuía um valor na tabela, que era combinado com eles. Acho que tudo isso é uma forma de darmos valor para o que é importante na escola e que leva o aluno a aprender. (Entrevista, novembro de 2008). 128 Eliana avaliava a participação, porém seu valor adequava-se ao tipo de atividade que iria ser desenvolvida, o que era combinado antes de iniciar o trabalho. A participação enfim faz parte do dia-a-dia e vai sendo sempre avaliada e reavaliada ao longo do processo. É o jeito que eu tenho para que eles se envolvam com a aprendizagem e melhorem inclusive a auto-estima deles. (Entrevista, novembro de 2008). Nessas considerações feitas por Eliana, reconhecemos a preocupação da professora em estabelecer um contrato didático com seus alunos, de acordo com a definição de Chevallard (2001). Através do contrato didático e dos registros na tabela, Eliana tornava o processo de avaliação transparente, isto é, toda a comunidade educativa, professor, aluno, pais e escola tinham condições de observar e compreender como era avaliado o desenvolvimento integral do aluno. Ainda em relação aos instrumentos de avaliação, Eliana nos disse: Todo bimestre eles têm um trabalho em grupo que vale dez pontos: cinco da apresentação e cinco da entrega escrita. Sempre o que é escrito tem um roteiro: o que eu quero e o que não pode deixar de ter. Eu sempre inicio o assunto com um breve histórico, por exemplo, depois digo os objetivos que queremos atingir com o trabalho, dou um roteiro, data de entrega e digo quais serão os critérios de avaliação. Isto em cada bimestre. (Entrevista, novembro de 2008). Podemos considerar que a professora fazia orientações claras e objetivas sobre dados relevantes relativos ao processo de avaliação e aos resultados da aprendizagem esperados. Eles se transformaram em referências, tanto para ela, quanto para seus alunos, para que eles pudessem inferir o alcance dos objetivos previstos, assumindo, assim, de acordo com o pensamento de Luckesi (1998), um posicionamento pedagógico claro e explícito, que permitia redirecionar os caminhos da prática avaliativa. Para que o processo de avaliação se tornasse claro e transparente para os pais, Eliana falou sobre ele, de maneira geral, na primeira reunião de pais do ano: 129 Antes do início das aulas, na primeira reunião de pais, nós falamos da ficha. Eu disse que ela estava no caderno e que ele, o pai, podia ter acesso diariamente a ela e a qualquer momento ele poderia nos procurar para esclarecer qualquer dúvida, bem como procurar esclarecer com seu filho. (Entrevista, novembro de 2008) Depois, a fim de orientar os pais sobre seu papel na educação de seus filhos, elaborou um bilhete com os dados relevantes do processo de avaliação adotado em suas aulas. Em particular, eu mandei um bilhete para os pais sobre o material escolar e falei que os alunos tinham uma ficha no caderno com as datas de entrega, com os assuntos de entrega, para não deixar para fazer o trabalho de véspera porque poderia haver acontecimentos que impediriam o aluno de realizar o trabalho; enfim eu fiz todas as recomendações necessárias com a finalidade de orientar os pais sobre seu papel na educação de seu filho. Ele assinou um canhoto que ficava anexo a esse bilhete e me devolveu com o ciente dele. Se o pai não veio na reunião, eu liguei na casa dele. (Entrevista, novembro de 2008). Eliana procurou dar aos pais algumas orientações, ensinando-os a ter o compromisso necessário para o acompanhamento do desenvolvimento de seu filho na escola. Procurou mostrar que as informações diárias, advindas dos registros feitos na “tabela” explicitavam os instrumentos usados para avaliar os conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais trabalhados até aquele momento, bem como os resultados dessas avaliações. Dessa forma, permitia que seus alunos e pais pudessem ter acesso constante ao andamento do processo, o que abria um espaço para torná-los seus parceiros no processo de avaliação. Eliana nos disse que por ocasião do Conselho de Classe, quem não era meu aluno questionava os outros professores sobre “essa tabela” que permitia que os alunos soubessem o seu conceito final antes do Conselho de Classe. (Entrevista, novembro de 2008). 7.2.2 A Avaliação Integral Perguntamos também para a professora de que maneira ela avaliava o aluno de uma forma integral, isto é, avaliando o “saber”, o “saber fazer” e o “ser’”. Ela nos respondeu: Meu trabalho começa através de conteúdos procedimentais, daí vira uma diagnóstica, para depois chegar ao conceitual. Aí entra o atitudinal, porque 130 entra o interesse dele de fazer, de se envolver, de buscar, de entender, etc., então é tudo ligado. (Entrevista, novembro de 2008) Consideramos com a professora Eliana que seu depoimento acima transcrito evidenciava que, segundo Zabala (1998): Em sentido estrito, os fatos, conceitos, técnicas, valores, etc. não existem. Estes termos foram criados para ajudar a compreender os processos cognitivos e condutuais, o que torna necessária sua diferenciação e parcialização metodológica em compartimentos para podermos analisar o que sempre se dá de maneira integrada. Esta relativa artificialidade faz com que a distinção entre uns e outros corresponda, na realidade, a diferentes faces do mesmo poliedro. (ZABALA, 1998, p. 39-40). Ela nos esclareceu que, em geral, para iniciar um novo assunto com seus alunos, costumava propor-lhes um problema que tivesse significado para eles. Na busca da solução, às vezes em grupo, outras em dupla ou individualmente e, algumas vezes, feita pela classe de forma coletiva, ela promovia uma primeira avaliação parcial para colher informações que iriam lhe permitir um levantamento dos conhecimentos prévios que seus alunos tinham daqueles conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais que faziam parte do problema. Com essas informações e baseada na proposta da rede pública do Estado de São Paulo, ela programava a seqüência de atividades da seguinte maneira: No dia-a-dia, eu usava fazer uma ficha de aula para mim. Eu colocava a rotina todo dia na lousa: data, nome do professor, disciplina, conteúdo que ia ser abordado e trabalhado naquele dia, tanto os conceituais como os procedimentais como os atitudinais; as avaliações que iriam ocorrer; etc. Eu queria que todo mundo se organizasse, sabendo o que nós iríamos fazer e como iríamos avaliar os conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais daquele dia. Estabelecia os tempos para cada coisa. (Entrevista, novembro de 2008) Podemos considerar que essa organização da professora permitia a seus alunos que tivessem claro como seriam trabalhados e avaliados os conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais, a cada dia. Eliana explicou-nos que os conteúdos procedimentais se constituíam de jogos, pesquisas, exercícios e vários tipos de atividades. Em relação ao conteúdo conceitual, ela nos disse o seguinte: 131 A atual proposta da rede pública do Estado de São Paulo não traz o conceito pronto, ele vai se construindo ao longo do desenvolvimento das atividades e é contextualizado. Essa proposta busca sempre a resolução de problemas. (Entrevista, novembro, 2008) Percebemos que Eliana organizava instrumentos e registros de avaliação, os quais permitiam aos alunos e aos demais integrantes do processo um “ajuizamento da qualidade” do “saber”, do “fazer” e do “ser”. Organizar instrumentos e registros de avaliação que se propõem a fazer uma avaliação integral requer do professor um novo olhar sobre os conteúdos de aprendizagem, sobre seu ensino e sua avaliação. É preciso considerar o desenvolvimento não só das capacidades cognitivas do educando, mas também de suas “capacidades motoras, de equilíbrio e de autonomia pessoal, de relação interpessoal e de inserção social.” (ZABALA, 1998, p. 197). 7.2.3 A Avaliação Formativa Propusemos que Eliana nos contasse de que maneira esse trabalho promovia mudanças de atitudes nos alunos na busca dos melhores desempenhos de cada um no processo de aprender. Assim ela nos respondeu: O que significa para o aluno essa tabela? Para ele, ela traz clareza e transparência de tudo. Quando estamos caminhando durante o bimestre, o aluno já vai sentindo o que está bom e o que está ruim e já começa a correr atrás dos prejuízos. Ele sabe que o tempo é curto e que a reação tem que ser rápida. Eu não tenho caso de recuperação paralela, a não ser que o aluno veio com deficiência. Essa tabela ajuda a promover uma tomada de consciência do aluno sobre seu papel na escola. (Entrevista, novembro de 2008) Para Eliana, a seqüência didática de determinadas aulas incluía a avaliação do trabalho realizado pelo aluno no final da própria aula. Nesses casos, ela estabelecia os critérios de avaliação das etapas do trabalho no início da aula: para tudo eu tenho um roteiro, mostro o mínimo que tem que ser feito para que aquele trabalho tenha valor (Entrevista, novembro de 2008). Isso propiciava ao aluno parâmetros para realizar a proposta de trabalho daquela aula e refletir sobre sua própria prática. De acordo com o pensamento de Luckesi (1998), podemos dizer que o contrato didático estabelecido pela professora junto com seus alunos, no início do 132 bimestre, bem como os combinados no início de cada atividade, possibilitavam o conhecimento dos critérios de avaliação de forma clara e objetiva, trazendo ao aluno referências para fazer um juízo de valor sobre os conteúdos que estavam sendo trabalhados. A professora Eliana explicou-nos como procedia para permitir que seu aluno tivesse oportunidade de transformar a qualidade do que havia sido avaliado, promovendo uma recuperação constante: Durante o processo procuro promover constantemente a recuperação dos conceitos com os quais estamos trabalhando, mas, quando dou uma prova conceitual e ele não vai bem, sento com ele para ver o que aconteceu. Acho bastante significativo o fato dele refletir comigo, repensar a questão e refazê-la de modo correto. Considero isso uma recuperação que valerá cinco pontos. Isso estimula o aluno a fazer de novo, buscando compreender o que ele não tinha compreendido e ao mesmo tempo tendo chance de recuperar valores perdidos na tabela. Quanto às avaliações parciais ele pode errar, entregar, eu corrijo, eu faço as intervenções, ele pode entregar de novo e assim vamos até atingir o objetivo, que é aprender. Acho que isso é o professor promovendo o sucesso e não o fracasso. (Entrevista, novembro de 2008) Nessa perspectiva, consideramos que o processo de avaliação usado por Eliana foi formativo, pois, segundo Zabala (1998), o termo formativo é reservado para uma determinada concepção de avaliação que: Entende que a finalidade da avaliação é ser um instrumento educativo que informa e faz uma valoração do processo de aprendizagem seguido pelo aluno, com o objetivo de lhe oportunizar, em todo momento, as propostas educacionais mais adequadas. (ZABALA, 1998, p.200). Eliana separava um dia — combinado previamente — para concluir o conceito final do bimestre, através de uma conversa individual, como nos relatou a professora: Quando ele vem na minha mesa para fechar a média, ele já está com tudo fechado parcialmente e organizado; eu só vou conferindo. Ele fechou a procedimental, trabalhos, caderno, etc. Só as anotações das avaliações sobre os conteúdos atitudinais estão na minha caderneta às quais eles têm acesso diário. Por exemplo, a participação faz parte do dia-a-dia e vai sendo sempre avaliada e reavaliada ao longo do processo e ele vai acompanhando. Assim podemos promover avaliações constantes, buscando as mudanças necessárias de forma consciente. Eu também uso o “bônus”: ao analisarmos a tabela, suponha que um aluno tirou dez em uma prova 133 bimestral e que fez um trabalho em grupo que não foi muito bom, ou que teve algum fato que interferiu na avaliação dos outros itens da tabela por questões alheias a sua vontade e que no final sua média será seis. Eu uso o bônus como um fator de correção para não tornar a tabela injusta com alguém que não merece. Afinal a tabela é fria, ali só tem números. Esse bônus dá uma flexibilidade para a tabela. (Entrevista, novembro de 2008). Pudemos observar uma sistematização no processo de avaliação da professora Eliana, através da “tabela” que possibilitou ao aluno, de forma organizada, fazer acompanhamento diário e constante do seu processo de avaliação e, portanto, ter autonomia para fazer a conclusão dos itens nela constantes. Através da declaração de Pedro (Anexo J, p. 175), aluno do 3º ano do Ensino Médio, podemos perceber a autonomia do aluno para refletir sobre o seu desempenho baseado nos critérios de avaliação que compõem sua tabela. Porém a conclusão do conceito final do aluno era compartilhado com a professora Eliana, uma vez que ela possuía uma visão mais ampla do processo como um todo, o que lhe permitia contornar as injustiças que poderiam ocorrer, se fossem considerados somente os números da tabela. Ela demonstrava em suas atitudes que, para seus alunos, sempre era tempo de aprender, sempre havia a possibilidade de superar aquilo que eles não sabiam e, em função disso, ela promovia, a qualquer tempo, novas possibilidades de aprendizagem, conforme seu relato abaixo: Há uma coisa que faço e que traz bons resultados: no dia do fechamento da tabela eu dou uma chance ao aluno de me apresentar algumas coisas que não fez durante o bimestre, valem só metade, mas, a chance existe. Acho que todo momento é momento de aprendizagem. Se no momento de prova ele tiver uma dúvida, eu tiro a dúvida dele, pois acho que aquele momento é tão importante que ele aprende. Nossa cultura acha que a prova é a hora do “castigo”, e eu acho que é um grande momento de aprendizagem, porque é o horário que ele está com todos os canais abertos. (Entrevista, novembro de 2008). Consideramos que avaliar também significa criar possibilidades de superação do “não saber” para promover o avanço da aprendizagem do aluno, conforme nos diz Esteban: 134 Avaliar o aluno deixa de significar fazer um julgamento sobre a aprendizagem do aluno, para servir como momento capaz de revelar o que o aluno já sabe, os caminhos que percorreu para alcançar o conhecimento demonstrado, seu processo de construção de conhecimentos, o que o aluno não sabe, o que pode vir a saber, o que é potencialmente revelado em seu processo, suas possibilidades de avanço e suas necessidades para que a superação, sempre transitória, do não saber, possa ocorrer (ESTEBAN, 1997, apud AFONSO, 1999, p. 53). Percebemos que uma das transformações propiciadas por esta maneira de avaliar era o aluno ir tomando consciência de seu papel na tarefa de aprender. Ele ia ganhando certa autonomia para responsabilizar-se pelas interferências que deveria fazer, no sentido de reorganizar e retomar seu processo de aprendizagem. Para isso ele se baseava nos dados contidos na sua “tabela” e procurava não perder de vista o tempo hábil para garantir bons resultados na tarefa de aprender. Isto é, ele poderia sentir-se gestor de suas aprendizagens. Segundo Bain (1988, p.24, apud Perrenoud, 1999, p. 89) “A avaliação formativa está, portanto, centrada essencial, direta e imediatamente sobre a gestão das aprendizagens dos alunos (pelo professor e pelos interessados)”. Eliana ainda nos explicou: Eu percebo que o aluno pede para ser cobrado, ele pede que você tenha tudo estruturado. Ele confia mais na gente quando é assim. (Entrevista, novembro de 2008). Podemos dizer que, de acordo Perrenoud (1999), é necessária uma relação de extrema confiança e cumplicidade entre os alunos e os professores para que haja uma avaliação formativa. 7.2.4 A Democratização da Avaliação Observamos que Eliana percebeu que só a transparência do processo não era suficiente: havia necessidade da socialização e do envolvimento dos integrantes do processo para chegar a um consenso a respeito do contrato didático, dos registros que fariam parte do processo avaliativo e das idéias ali contidas. A nosso pedido, a professora falou um pouco de algumas ações que tornavam o processo democrático e citou um exemplo: 135 Eu dou a eles o direito de se colocarem, dizendo, por exemplo, que não gostam disso ou daquilo, mas tudo tem que ter um porquê; acho que estou exigindo que ele tenha consciência de suas atitudes. Eu combino com eles o que vai fazer parte da tabela do bimestre e aceito sugestões deles. Veja esse exemplo: nesse bimestre tivemos as Olimpíadas de Matemática e eles sugeriram que essa nota entrasse na tabela. Eles acharam que deveria valer 10 pontos, então tinham que me apresentar a conversão do número de acertos em nota. Eles foram estabelecendo as relações de proporcionalidade e registrando na tabela deles. Combinamos que quem acertou zero ficaria com um. Eu gosto de aceitar a sugestão deles, pois se estabelece entre nós uma parceria muito positiva. (Entrevista, novembro de 2008). A prática avaliativa da professora Eliana procurava definir junto com seus alunos os critérios de avaliação que seriam usados durante o bimestre, com o objetivo de envolvê-los no processo, para transformá-los em agentes do contrato didático que seria estabelecido. A relevância desses critérios surgia através de acordos discutidos e combinados por ela e por seus alunos no início de cada bimestre, garantindo, assim, de forma democrática, a constituição do contrato, que se explicitava através dos instrumentos de avaliação que faziam parte de processo avaliativo. Porém, algumas vezes, durante o bimestre, os alunos propunham algumas modificações. A professora, junto com seus alunos, fazia uma análise do pedido e de suas justificativas e, se julgasse procedente, promovia a modificação proposta pelos alunos. Isso sempre funcionou muito bem, segundo Eliana. Eram vivências que a ajudavam a promover a inclusão do aluno no processo de avaliação. O envolvimento dos pais nesse processo ocorria através da reunião de pais, do registro — que ela chamou de “tabela” — no caderno do aluno e de um bilhete que ela mandava para os pais, fazendo as explicações necessárias para ajudá-los a entender como funcionava o processo de avaliação de seu filho. Ela também abria um espaço para o pai poder contribuir com suas idéias ou trazer suas dúvidas na constituição de seu processo de avaliação. Tais procedimentos deixam clara a intenção de democratizar o processo de avaliação. Ela, porém, também se preocupava em democratizar o acesso de seus alunos ao saber. Para isso, ao iniciar um novo assunto com eles, ela procurava diagnosticar como os conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais que faziam 136 parte daquela atividade estavam sendo compreendidos, para reprogramar suas ações em função das dificuldades encontradas, conforme nos disse abaixo: Eu começo trabalhando com procedimentos que me levam a fazer um diagnóstico através de uma avaliação parcial que vai me dar pistas para saber quais são os conhecimentos reais que os alunos possuem sobre o assunto, para que eu possa partir desses conhecimentos prévios. Aí eu vou detectar o nível da sala. Se houver algum problema pontual com um aluno, então eu trabalho separadamente com ele nos meus horários específicos de HTPC (hora de trabalho pedagógico coletivo). Se o problema envolve a maioria da sala, então trabalho com todos. (Entrevista, novembro de 2008). Eliana fazia uma avaliação diagnóstica dos conhecimentos prévios de suas classes, começando com conteúdos procedimentais e fazendo, em seguida, avaliações parciais. Consideramos que a avaliação diagnóstica inicial proposta pela professora permitia a ela o acesso a indicadores mais adequados à aprendizagem do aluno, buscando não dar saltos nos níveis de desenvolvimento e organizando suas ações pedagógicas de forma mais adequada para promover o avanço de seu aluno em seu processo de aprendizagem. Porém, Eliana usava avaliações diagnósticas, com o intuito de promover adequações na aprendizagem de seus alunos, durante todo o bimestre, e muitas vezes elas eram feitas pelos próprios alunos, baseados em critérios relacionados aos conteúdos trabalhados em aula ou pelo contrato didático. Ou seja, a avaliação permitia a compreensão do estágio de aprendizagem do aluno, visando seu avanço. Luckesi (1998) refere-se a essa modificação na utilização da avaliação da seguinte forma: Queremos dizer que a primeira coisa a ser feita, para que a avaliação sirva à democratização do ensino, é modificar a sua utilização de classificatória para diagnóstica. Ou seja, a avaliação deverá ser assumida como um instrumento de compreensão do estágio de aprendizagem em que se encontra o aluno, tendo em vista tomar decisões suficientes e satisfatórias para que possa avançar no seu processo de aprendizagem. (LUCKESI, 1998, p. 81). Havia, também, uma avaliação diagnóstica relacionada à “tabela” usada pela professora Eliana, em função das possibilidades de análises advindas dos registros de avaliações nela contidos. Eles possibilitavam aos envolvidos o acompanhamento 137 constante do processo avaliativo, de uma maneira geral, e, ao mesmo tempo, em partes, ou seja, as avaliações relativas aos conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais. Essa visão da “tabela” permitia, ao longo do processo, compreender o estágio de aprendizagem em que se encontrava o aluno, promovendo um redirecionamento da aprendizagem de acordo com as necessidades que ali se evidenciavam. Uma outra avaliação diagnóstica acontecia por ocasião da atribuição do conceito final ao aluno, no bimestre, conforme nos relata a professora Eliana: No final do bimestre fechamos esse processo através de uma auto-avaliação, feita pelo aluno. É uma reflexão sobre todas as avaliações que foram feitas naquele bimestre. Nos baseamos nos fatos e registros que temos durante o bimestre, na “tabela”. (Entrevista, novembro de 2008). Ao encerrar seu conceito com a professora, o aluno tinha uma visão geral de seu desenvolvimento no bimestre. A dimensão dessa avaliação diagnóstica era mais abrangente, pois ele poderia, agora, analisar a composição geral de suas avaliações conceituais, procedimentais e atitudinais, no período de um bimestre. Isso lhe dava parâmetros para fazer um diagnóstico de seu desenvolvimento no referido bimestre, através de um texto que era uma auto-avaliação, em que refletia sobre suas conquistas e dificuldades encontradas ao longo do processo, bem como propunha as transformações que pretendia fazer no próximo bimestre, com vistas ao melhor desenvolvimento possível de suas capacidades. Assim, a professora considerava que as avaliações ao longo de todo o processo e no final dele eram utilizadas para diagnosticar, e não para classificar seus alunos. Ao promover as participações constantes destes nesse processo contínuo de avaliação, Eliana estava possibilitando a inclusão do aluno, como sujeito do seu processo avaliativo. Essas características também tinham a intenção de conscientizá-lo de que ele, seus pais e a professora eram parceiros num processo coletivo de construção do conhecimento (ESTEBAN, 2001). 138 7.3 A Cultura Escolar Nesta categoria analisamos os seguintes itens: as responsabilidades compartilhadas entre a professora Eliana e seus alunos, sua prática avaliativa e a qualidade do trabalho pedagógico e as relações do processo avaliativo com o tempo. 7.3.1 Responsabilidades Compartilhadas Indagamos a Eliana se ela percebia que esse processo de avaliação alterava o equilíbrio das responsabilidades atribuídas, tradicionalmente, tanto para o professor como para o aluno e seus pais ou responsáveis. Ela nos disse que seus alunos foram ganhando autonomia e responsabilidade e citou em especial o caso do terceiro ano do ensino médio: No primeiro ano que eu adotei as tabelas eu tinha tudo marcado na minha caderneta e eu confrontava minhas anotações com os registros deles. Agora, como eles já estão acostumados — é o caso, por exemplo, do terceiro ano do ensino médio, que já faz a tabela desde o primeiro ano —, eu corrijo o trabalho, devolvo e ele anota na tabela dele. No dia que ele vier me apresentar a tabela, no fechamento do bimestre, eu só confiro se o conceito registrada na tabela está de acordo com o conceito que ele tirou no trabalho. Isso facilita o meu trabalho e obriga-o a ter responsabilidade. (Entrevista, novembro de 2008). Consideramos que, ao longo do primeiro, segundo e terceiro anos do Ensino Médio houve um amadurecimento dos alunos de Eliana, de maneira que cada aluno foi conquistando sua autonomia no gerenciamento do seu processo de avaliação. O processo de ensino, aprendizagem e avaliação utilizado em suas aulas possibilitou o estabelecimento de uma cultura nova, relativa à responsabilidade e à gestão do processo de avaliação do aluno. Agora, os alunos também eram gestores desse processo junto com a professora. Ressaltamos para Eliana que esse trabalho permitiu a ela, tanto deixar de ser o centro das decisões, como compartilhar ações, para possibilitar a divisão das responsabilidades inerentes ao processo avaliativo com seus alunos e pais ou responsáveis. 139 A gestão compartilhada do processo avaliativo ocorreu graças à organização dos registros de avaliação e ao contrato didático estabelecido com seus alunos, o que promoveu a divisão de responsabilidades, pois as interferências que se faziam necessárias por parte dos alunos ou de seus pais tornavam-se claras, à medida que os registros iam sendo constituídos ao longo do bimestre. Isso — ponderamos com ela — contribuiu significativamente para diminuir as tensões relativas ao processo de avaliação. Além disso, outro fator importante que contribuiu para aliviar as tensões que tradicionalmente a avaliação imprime ao ensino e à aprendizagem foi a avaliação diagnóstica feita por alunos e professora, durante o processo:eles percebiam que errar era permitido, pois isso fazia parte da aprendizagem matemática, e sempre era tempo de intervir para conseguir aprender. No final do bimestre, os dados contidos na “ficha diária do aluno” eram resumidos, pontuados e somados pelo próprio aluno, permitindo que ele concluísse seu próprio conceito final, para depois conferi-lo com a professora. Isso nos leva a inferir que os alunos participavam ativamente de seu processo de avaliação, a ponto de poder atribuir seu próprio conceito bimestral. Podemos dizer, de acordo com Pérez Gómez (2001), que a cultura composta pelo conjunto de significados, expectativas e comportamentos que se estabeleceram nas salas de aula da professora Eliana, através desse processo avaliativo compartilhado entre alunos, professores e demais envolvidos, trouxe consigo a consciência do papel que cada um dos envolvidos tinha a desempenhar. 7.3.2 A Prática Avaliativa e a Qualidade do Trabalho Pedagógico Perguntamos a Eliana se essa forma de avaliar contribuiu para melhorar a qualidade do seu trabalho pedagógico e se possibilitou aos alunos aprender matemática. Ela nos respondeu: Para trabalhar com a tabela, o professor precisa ser organizado, senão se perde. Eu acho que esse processo ajuda o professor a se organizar, a manter a sua dinâmica de trabalho. (Entrevista, novembro de 2008). 140 Por outro lado, essa prática ajudou o aluno a reconhecer que a avaliação se constitui dos resultados de suas ações e de seu desempenho, durante todo o bimestre, sendo o professor um orientador do processo. Para o professor que trabalha esta tabela facilita em tudo. Acabam os problemas de: “nossa, eu tirei cinco e você perdeu meu cinco”; ou “o que você fez com a minha nota”?”; ou “porque tirei só isso?” Fica claro para ele, e ele vai construindo a nota durante o bimestre. (Entrevista, novembro de 2008). Ajudou também a inserir o processo de avaliação no contexto do processo de ensino e aprendizagem do dia-a-dia. Durante a aula eu circulo pela classe e já vou tendo uma idéia de como eles estão desenvolvendo seu trabalho, e já vou fazendo as avaliações necessárias. No final da atividade não tem correria para saber se o aluno tem a nota combinada ou não. Os que não terão já sabem e sabem por que, pois ao longo da realização do trabalho isso já foi ficando claro para mim e para ele. Apesar de que isto acontece esporadicamente, porque essa forma de trabalhar facilita muito a intervenção do professor bem antes do final da atividade e eu dou o visto na atividade na hora em que foi feita. (Entrevista, novembro de 2008). Colaborou ainda para melhorar as relações entre a professora, alunos e pais no Conselho de Classe. O jeito que vinha sendo estava muito ruim, pois, o conselho era um momento de briga do pai do aluno com o professor. O pai fazia cobranças sobre as notas dos filhos, muitas vezes questionando e criticando os critérios do professor, sem conhecê-los suficientemente, e, nessa confusão, o aluno era um mero espectador. Na realidade havia um confronto de palavras. Agora acabou essa parte, tanto que os pais forçaram para que todos os professores usassem a tabela. Mas ainda persiste a cultura do poder, porque em dia de Conselho os professores estão sentados lá na frente como se fosse um julgamento. Eu gosto de me sentar entre os pais, acho importante essa proximidade. Para os pais não há novidades, pois eles acompanham o processo durante todo o bimestre e, ao chegarem no “Conselho Participativo”, não se sentem surpreendidos pelos resultados obtidos pelos filhos. (Entrevista, novembro de 2008). Em relação à aprendizagem dos alunos na aula de matemática, ela nos disse: Meu trabalho só melhorou. Os alunos estão mais conscientes de suas responsabilidades e também de suas capacidades. (Entrevista, novembro de 2008). 141 Com base em Zabala (1998), podemos considerar que a qualidade do trabalho docente de Eliana teve significativa evolução em relação à formação matemática de seus alunos e também na conscientização destes sobre seu papel como sujeito que vai à escola para aprender. Eliana ainda nos disse: “Eu acho que não consigo mais voltar a trabalhar da mesma maneira que eu trabalhava antes”. (Entrevista, novembro de 2008). Porém, fora da sala de aula, em relação aos colegas de trabalho e à equipe pedagógica da escola existiam tensões. Os alunos e os pais, que vivenciavam esse processo, começaram a reivindicar para a escola que todos os professores usassem a mesma forma de avaliar que a professora Eliana. No relato abaixo, esta nos contou que, além da pressão dos pais e alunos sobre a escola para mudar o processo de avaliação, havia um motivo muito sério: Queríamos acabar, na escola, com o fato do professor dar duas provas no bimestre, duas provas conceituais, somar e dividir por dois. Era o que acontecia de uma maneira geral. (Entrevista, novembro de 2008). A equipe pedagógica da escola resolveu, então, promover um encontro de todos os professores, no qual eles teriam a oportunidade de conhecer esse processo de avaliação. Após esse encontro, ficou decidido que eles iriam aplicá-lo em suas aulas e, para que isso fosse possível, usariam as “horas de trabalho pedagógico” para discutir a fundamentação teórica do processo e trocar experiências. Alguns professores se identificaram com o processo avaliativo e o desenvolveram com bom desempenho. Outros aplicaram por obrigação, pois achavam que dava muito trabalho. Havia aqueles que o aplicavam, mas não acreditavam que poderia dar certo. Além disso, fatores externos interferiram no desenvolvimento, como, por exemplo: a rotatividade de professores de um ano para outro, que foi muito grande, e a troca do diretor da escola. Ao considerarmos todas essas dificuldades com a professora Eliana, reportamo-nos a Freire (1991), para fortalecer nossas convicções: 142 Se você tem uma posição política reacionária, não há duvida que o papel do educador é ensinar e do educando é ser ensinado; se a sua opção política é uma opção transformadora e se você é coerente com a sua opção – porque esse é outro problema sério que devemos examinar, pois a partir da opção, o educador tem que lutar para alcançar um limite razoável de coerência entre o discurso sobre a opção e a prática que viabiliza o sonho contido nela –, se é substancialmente democrática, você não renuncia a seu trabalho de educador, você se afirma nele e desafia o educando a assumir-se como sujeito do processo de conhecer (FREIRE, 1991, p. 43). 7.3.3 O Tempo Durante a entrevista com a professora Eliana, pudemos perceber algumas considerações sobre o tempo pedagógico e seus significados em sua prática pedagógica: Para trabalhar com a “tabela”, o professor precisa ser organizado, senão se perde. Eu acho que ela ajuda o professor a se organizar, a manter a sua dinâmica de trabalho. (Entrevista, fevereiro de 2009). Essa organização à qual se refere à professora Eliana é bastante significativa para otimizar o tempo. Alunos e professora atuam durante as aulas baseados em um contrato didático que estabelece certa autonomia de ações, pois estas já foram discutidas e combinadas. Quando estamos caminhando durante o bimestre, o aluno já vai sentindo o que está bom e o que está ruim e já começa a correr atrás dos prejuízos. Ele sabe que o tempo é curto e que a reação tem que ser rápida. Não precisamos esperar o fim do bimestre para dar um susto nele, para depois ter que voltar e fazer recuperação paralela e retornar toda a matéria. (Entrevista, novembro de 2008). Para o aluno o tempo pedagógico também mudou, pois, ele foi percebendo que o processo de avaliação passou a acompanhar seu desenvolvimento constantemente e que era possível ir retomando sua aprendizagem sempre que necessário e durante todo o bimestre. Isso funcionava muito bem, porque o aluno percebia que todo esse investimento feito durante o bimestre levava-o ao sucesso em sua aprendizagem e que não precisava esperar o final do bimestre para promover as transformações necessárias. Quando ele vem na minha mesa para fechar a média, ele já está com tudo fechado parcialmente e organizado; eu só vou conferindo. Ele fechou a procedimental, trabalhos, caderno, etc. (Entrevista, novembro de 2008). A partir do segundo bimestre que o aluno trabalhava com a “tabela”, Eliana delegava a ele a responsabilidade de guardar suas avaliações para apresentar à 143 professora no dia da conclusão do conceito final, comprovando os registros que havia feito na “tabela”. Tais registros só seriam considerados se fossem comparados com as avaliações correspondentes, constantes do portfólio montado por eles. Eliana só registrava esses dados em seu diário no dia do fechamento do conceito final, depois de tudo conferido. Isso representava um ganho de tempo muito grande para ela. Houve também um ganho de tempo no relacionamento com a família. Segundo a professora: Diante dos registros da “tabela”, o pai tomava consciência das coisas que estavam ocorrendo na escola, com seu filho, e isso lhe permitia refletir com ele sobre os fatos ali registrados. Se ele fosse chamado na escola, ele já sabia sobre o que iríamos falar. (Entrevista, novembro de 2008). Essa consciência dos pais sobre o desenvolvimento de seu filho na escola permitia ao professor um ganho de tempo nas conversas em reuniões de pais ou em momentos específicos agendados por estes ou pela professora. Também “o agir” do aluno com autonomia e responsabilidade permitiu um ganho considerável de tempo, tanto para a professora como para os alunos, no trabalho pedagógico em sala de aula. Valendo-nos da colaboração de Arroyo (2004) referente às propostas de mudanças na prática pedagógica do professor, podemos considerar que o tempo é um fator muito importante nesta prática. Há uma diversidade nos empregos do tempo em sua tarefa profissional. Muitas vezes, ao alterar o tempo de uma prática educativa, provocamos conseqüências em outros tempos e criamos uma seqüência de problemas em relação a eles. As considerações acima descritas demonstram que o processo de avaliação aplicado por Eliana em suas salas colaborou para que seu fazer cotidiano ganhasse uma nova dimensão relacionada ao seu tempo escolar. 144 7.4 A Concepção de Educação A função social do ensino e as relações que o aluno estabelece com o saber se constituíram em referenciais para a análise apresentada abaixo no que se refere a concepção de educação adotada pela professora Eliana. 7.4.1 A Função Social do Ensino Perguntada sobre sua concepção da função social do ensino, isto é, para que educamos, Eliana nos disse: Eu acho que a escola é só uma passagem para você ter um aprendizado, para você melhorar sua qualidade de vida em todos os aspectos: financeiro, emocional; ela trabalha um grupo muito diversificado, você conhece muita coisa diferente, você tem condições de aprender muita coisa que vão te colocar na frente no mercado de trabalho, vai te colocar numa universidade de renome para você ter uma boa profissão. (Entrevista, fevereiro de 2008). Eliana procurava propiciar aos seus alunos vivências específicas, com a intenção de permitir que eles se relacionassem e vivessem positivamente com as outras pessoas, que conhecessem a si próprios e aos demais, através de situações submetidas ao processo de ensino, de aprendizagem e de avaliação. Segundo Zabala (1998, p. 197), “podemos entender que a função social do ensino não consiste apenas em promover e selecionar os ‘mais aptos’ para a universidade, mas que abarca outras dimensões da personalidade”, pois elas serão necessárias para formar cidadãos comprometidos com a melhoria da sociedade e deles mesmos. Pudemos refletir com Eliana que o trabalho desenvolvido por ela, relativo à avaliação, deu a seus alunos a oportunidade de conscientizar-se que era preciso “saber”, “saber fazer” e “saber ser”, para ter uma vida melhor. Sua prática educativa valorizou o desenvolvimento de todos os aspectos que possibilitariam a formação de seus alunos, ou seja: os valores relativos às suas relações interpessoais, à sua vida pessoal e à sua vida profissional. Toda essa prática aqui exposta é reveladora de que Eliana é uma professora que se envolve muito com seus alunos. Ela mesma nos conta: Se eu souber que o 145 pai ou a mãe do menino está internado no hospital, por exemplo, eu vou visitar. Vou num conselho tutelar para defender meus alunos ou vou à delegacia da mulher, ou vou pedir emprego para os meus alunos. (Entrevista, fevereiro de 2008). Essa característica da professora Eliana permitiu-lhe considerar que a escola tem uma outra função social: Acho que essa é uma função da escola que vai além, que envolve seres humanos e sentimentos. Tudo se reflete na escola: se está passando fome, se está desempregado, se está com problema de família. Todo mundo fala que o problema não é da escola, é social, mas está lá e em algum lugar tem que se começar a resolver isso. (Entrevista, fevereiro de 2009). 7.4.2 A Forma como o Aluno estabelece Relações com o Saber Também pedimos que ela nos dissesse, na sua concepção, como o aluno aprende. Eis o que nos disse: Normalmente começo com uma situação problema, de alguma coisa que seja do contexto deles, para chamar a atenção, e em cima daquela atividade destaco quais são os conteúdos que iremos trabalhar. Procuro envolver o aluno de tal maneira que ele tenha condições de responder determinados desafios que proponho, ao trabalhar com alguns conceitos. Costumo buscar também trabalhar assuntos que sejam de interesse deles, o que me dá muito trabalho para preparar, mas, isso os envolve mais e eles aprendem mais. (Entrevista, fevereiro de 2008). Para a professora Eliana, tudo começava através do “fazer”, ou seja: do envolvimento do aluno; da mobilização de suas capacidades para realizar a atividade proposta, individualmente ou em grupo; das discussões que a atividade propiciava; e das avaliações parciais do processo de aprendizagem. Com isso, de acordo com Charlot (2001), ela possibilitava que seu aluno se apropriasse do saber, envolvendo-se com atividades que, postas em prática, contribuíam para produzir o sentido desse saber. Esclareceu-nos ainda que, quando dizia que seu trabalho começava com conteúdos procedimentais, significava que normalmente começava com uma situação problema, de alguma coisa que fosse do contexto deles para chamar a atenção, mas sempre seria uma situação que os mobilizasse para encontrar a solução, através do “fazer”, procurando envolver o aluno através de atividades com 146 sentido para eles. Reportamo-nos a Charlot (2001) para compreender que Eliana estava atribuindo um sentido ao saber, a fim de que seus alunos se envolvessem com a atividade; e isso contribuía para produzir o sentido desse saber, estabelecendo, então, uma relação entre sentido e saber. Ao propor atividades que tivesssem significado para seus alunos e que permitissem o envolvimento e a mobilização destes, Eliana dava-lhes a oportunidade de adquirir não somente os conteúdos conceituais de aprendizagem, mas também os conteúdos procedimentais e atitudinais. De acordo com o pensamento de Charlot (2001), podemos dizer que seu aluno tinha ainda a oportunidade de apropriar-se de um saber, de uma prática, de uma forma de relação com os outros e consigo mesmo. Para Eliana, a conexão entre seu aluno e o saber e entre o saber e seu aluno era feita através de atividades que se iniciavam com o “fazer”, isto é, com a prática, para depois chegar ao conceito. Depois disso, vinha a sistematização. Porém, a sustentação de todo este processo era promovida pela inclusão do aluno. 7.4.3 Significado da Avaliação Eliana, a nosso pedido, falou sobre o significado do processo de avaliação em suas aulas: Eu acho que o aluno passa a ter uma nova consciência. Ele muda essa cultura do “quanto você me deu?” ou “você que me avalia”. Tem uma nova cultura aí: você não me dá mais nada, sou eu que tiro. (Entrevista, novembro de 2008). Essa observação evidencia que o aluno de Eliana já se sentia responsável pelos resultados obtidos em suas avaliações. Houve o caso do aluno que se sensibilizou e reconheceu que seu desempenho não foi tão bom quanto poderia ter sido durante o bimestre, revelando o envolvimento com a sua aprendizagem, conforme ela nos relata: Eu já percebi o aluno bastante sensibilizado, isto é, envergonhado, porque não conseguiu um resultado bom, reconhecendo que foi por conta de sua postura durante o bimestre. Ele reconhece que teve inúmeras chances de melhorar aquela situação e que não se mobilizou para isso, mas, quando chega no dia do fechamento da tabela, parece que há uma conscientização maior, pois as conseqüências estão lá de forma evidente. Então, nessa hora ele se compromete com ele mesmo a melhorar. Alguns até me propõem 147 ficar devendo alguma coisa para o próximo bimestre. Eu aceito. Marco tudo na frente dele e no próximo bimestre acertamos as contas. Tenho percebido que funciona bem. Ele desperta para a responsabilidade. São raros os que falham nos compromissos assumidos comigo. Alguns chegam nessa conscientização dessa maneira, mas outros não precisam chegar nesse ponto, muito antes disso e através dos dados da tabela eles já reagem. Agora, eu tenho alguns casos que são problemas graves e que não adianta tabela, não adianta nada. Esses são casos que precisam da ajuda de outros profissionais especializados, porque não consigo resolver sozinha. (Entrevista, novembro de 2008). A professora Eliana nos disse que achava que essa forma de trabalhar a avaliação tinha ajudado a criar uma “cultura de sucesso”, e o aluno tinha deixado influenciar-se por isso, como no caso acima relatado, em que ele se comprometeu com sua melhora no bimestre seguinte. A respeito disso, Eliana fez algumas considerações: Matemática é o vilão da escola. Mas, com esse trabalho de fazer o aluno co-participar de sua avaliação e tomar consciência do desenvolvimento de suas potencialidades, a cara da matemática mudou na escola. Hoje eu tenho alunos que tiveram a coragem de começar a se dedicar mais um pouquinho, porque isso fica evidenciado na ficha, mas nós sabemos que ele vai se envolvendo cada vez mais e se tornando consciente de suas capacidades e melhorando sua auto-estima, e isso promove seu desenvolvimento e, conseqüentemente, sua aprendizagem. (Entrevista, novembro de 2008). Por outro lado, ela se referiu também aos casos dos alunos que não se sensibilizavam com nenhuma de suas ações, embora felizmente fossem poucos. Considerou serem casos que, em sua opinião, precisavam da interferência de outros profissionais que pudessem ajudá-la a encontrar um caminho para os alunos. Pudemos observar que Eliana deixou de ser a pessoa que aplicava avaliação, para ser a pessoa que possibilitava, de forma compartilhada com seus alunos e pais, o diagnóstico das conquistas e das dificuldades, que se revelavam através do processo avaliativo, permitindo que seu aluno fosse protagonista. Depois começaram a vivenciar esse processo de avaliação, os alunos perceberam que “a ficha diária do aluno” continha dados que permitiam a eles fazer um juízo de valor sobre seu conhecimento, sobre seu desempenho e sobre suas atitudes nas aulas de matemática. Para isso, tinham como referência parâmetros, combinados com a professora Eliana, relativos aos conceitos que seriam 148 trabalhados, aos procedimentos que deveriam ser adotados e às atitudes que visavam buscar o melhor relacionamento possível de cada um deles com o saber, consigo mesmo e com os outros. Em função disso, podiam refletir sobre as avaliações formais e também sobre as informais, pois tinham parâmetros para isso. A professora, então, em seu processo de avaliação procurava “formalizar”, na medida do possível, a avaliação informal, para que seus alunos conhecessem os juízos de valor que estavam sendo considerados para avaliá-los. De acordo com Freitas (2009), tais juízos regulam as relações entre professor e aluno. Além disso, assim como os conteúdos conceituais e procedimentais, esses juízos eram, na medida do possível, submetidos ao processo de ensino e de aprendizagem; isto é, passíveis de erros e sujeitos à avaliação, o que, segundo Luckesi (1998, p.33), iria permitir “uma forma de ajuizamento da qualidade do objeto avaliado, fator que implica uma tomada de posição a respeito do mesmo, para aceitá-lo ou para transformá-lo”. Surgia, então, um novo sentido para a avaliação: através desta evidenciavamse para os alunos e para a professora as possíveis interferências no processo de ensino e aprendizagem que iriam promover a melhoria do desenvolvimento do aluno, deixando muito distante a visão de que avaliação é instrumento punitivo ou de poder. O quadro a seguir pretende expor, de forma resumida, a análise das categorias: a ação docente, a cultura escolar e a concepção de educação do trabalho com avaliação desenvolvido pela professora Eliana durante o ano de 2008 com suas turmas do primeiro, segundo e terceiro anos do ensino médio. 7.2 A ação docente 7.2.1 A transparência do processo Essa transparência constituiu-se através dos itens: “Contrato didático”. Registro que ela chamou de “tabela”. 149 7.2.2 Adriana usava instrumentos de avaliação que permitiam: A avaliação integral 7.2.3 Registros em seu diário de classe. Avaliar os conteúdos conceituais. Avaliar os conteúdos procedimentais. Avaliar os conteúdos atitudinais. Fatores que contribuíram para uma avaliação formativa: A avaliação formativa O aluno tomou consciência de suas conquistas e dificuldades, refletindo sobre os dados advindos da “tabela”. O aluno poderia fazer o diagnóstico do seu desempenho e, a qualquer momento do bimestre, promover as interferências para transformá-lo, se necessário. O aluno tinha consciência de seu papel e de sua autonomia para tomar suas decisões na busca do seu melhor desenvolvimento possível. Eliana procurou: 7.2.4 Divulgar e discutir com os alunos e suas famílias as idéias que fundamentavam o processo avaliativo de suas aulas, buscando um consenso entre todos os envolvidos. Promover avaliações classificatórias. Promover a inclusão do aluno no processo avaliativo. A avaliação democrática diagnósticas e não 7.3 A cultura escolar 7.3.1 Fatores que possibilitaram o compartilhamento de responsabilidades: Responsabilidades compartilhadas Organização dos registros de avaliação e contrato didático. 150 Divisão de responsabilidades com seus alunos e pais. Gestão do processo de avaliação pelo aluno juntamente com a professora. Fatores relacionados com a prática avaliativa e que contribuíram para melhorar a qualidade do trabalho pedagógico: 7.3.2 A prática avaliativa e a qualidade do trabalho pedagógico 7.3.3 O Tempo Organização do professor . Professor: um orientador do processo. Aluno: protagonista de seu processo de avaliação. Inserção do processo de avaliação no contexto do processo de ensino e aprendizagem do dia-a-dia. Inserção do processo de avaliação no contexto do processo de ensino e aprendizagem do dia-a-dia. Relações entre professores, alunos e pais Conselho de Classe: mais claras e construídas longo do bimestre, possibilitando a união esforços, durante o bimestre, e não somente hora do conselho ou da reunião de pais. no ao de na O processo de avaliação colaborou para redimensionar o tempo pedagógico nas aulas da professora Eliana, através: da autonomia dos alunos, advinda do contrato didático; da sistematização dos registros de avaliação; das avaliações diagnósticas; do portfólio das avaliações que os alunos montavam durante o bimestre; da facilidade do relacionamento com as famílias. 151 7.4 A concepção de educação 7.4.1 A função social do ensino Eliana considera que: A escola é só uma passagem para você ter um aprendizado, para você melhorar sua qualidade de vida em todos os aspectos: financeiro, emocional e social. 7.4.2 Concepção de como o Eliana considera que tais relações se fazem através: do sentido que o saber tem para ele; do “fazer”, ou seja, do envolvimento do aluno com a proposta; da mobilização de suas capacidades para realizar a atividade proposta, individualmente ou em grupo; das discussões que a atividade propicia e das avaliações parciais do processo de aprendizagem ali envolvido. aluno estabelece relações com o saber 7.4.3 Significado da avaliação Alguns fatores que contribuíram com trabalho da professora Eliana para mudar o significado da avaliação em suas aulas: A caracterização da avaliação como diagnóstico, e não como classificação. A possibilidade de o aluno tomar consciência de que não era o conceito final o mais importante e, sim, o processo que ele vivenciava para aprender. O surgimento da “cultura do sucesso”: o aluno tinha consciência de que eram seus esforços contínuos que construíam seu sucesso durante e no final do bimestre. O uso da “tabela” como fonte de referência para 152 todas as reflexões que permitiriam a tomada de decisões em relação ao processo avaliativo. A percepção de que o processo de avaliação não era punitivo, nem um instrumento de poder do professor, mas um processo que o ajudaria a desenvolver suas capacidades da melhor maneira possível. A possibilidade de o aluno concluir seu conceito bimestral. Quadro 3 – Síntese - professora Eliana 7.5 Considerações O trabalho realizado pela professora Eliana com suas classes de Ensino Médio levou seus alunos a perceber o papel que deveriam desempenhar na tarefa de aprender. Essa conscientização promoveu mudanças nas relações estabelecidas e criou novos significados para o processo de avaliação da aprendizagem. Eles puderam perceber que a avaliação poderia trazer possibilidades para ponderar sobre os conhecimentos adquiridos e, segundo essas reflexões, promover as modificações necessárias para avançar, a qualquer momento do processo. Além disso, vivenciaram situações que os levavam a refletir não só sobre o saber, mas também sobre o fazer e o ser, o que permitiu à professora promover, na medida do possível, uma educação integral de seu aluno. Eliana conseguiu estabelecer uma parceria com os pais de seus alunos, pois abriu, através do registro de avaliação que chamou de “tabela”, um canal de comunicação diário com eles. Isso permitiu que se estabelecessem novas relações entre pais, alunos e professora, na busca de melhores caminhos para um maior desenvolvimento das capacidades de seus alunos. 153 CONSIDERAÇÕES FINAIS Estamos vivendo um momento em que o significado tradicional da avaliação da aprendizagem escolar, que tinha finalidades classificatórias, vem se perdendo. Reconhecemos que é preciso repensar uma prática avaliativa que possibilite ao aluno, segundo Charlot (2001), uma dialética entre sentido e eficácia da aprendizagem, para que ele se aproprie do que foi aprendido. O trabalho desenvolvido pelas professoras Adriana, Conceição e Eliana, que fizeram parte desta pesquisa, procurou efetivar uma prática avaliativa compartilhada com os alunos e os pais, na busca de estabelecer uma relação dialógica entre os envolvidos no processo de ensino, aprendizagem e avaliação que ocorre na educação escolar. Para isso, elas elaboraram e sistematizaram meios que tinham o propósito de viabilizar uma prática avaliativa emancipatória. Diante das análises dos casos das três professoras, retomamos o problema de investigação que foi proposto no primeiro capítulo deste trabalho: como a ação docente possibilita uma prática avaliativa cuja gestão requer a participação ativa dos alunos e a inclusão dos pais no processo de ensino e aprendizagem nas aulas de matemática? Para responder essa questão, vamos retomar os objetivos desta pesquisa, que foram descritos no quarto capítulo, bem como as categorias de análise que emergiram durante a construção dos dados. Relacionamos abaixo os quatro objetivos propostos: 1) Verificar, através de registros escritos, como é possível criar espaços pedagógicos que possibilitem a inclusão da atuação efetiva dos alunos na gestão de seu processo de avaliação. 2) Investigar as transformações que ocorrem no “sentido da avaliação”, na medida em que o contrato didático e os registros possibilitam uma crescente responsabilidade do aluno em relação a sua aprendizagem, 154 3) Investigar as transformações que ocorrem no processo de aprendizagem, na medida em que o processo de avaliação estabelece critérios que permitem ao aluno, também, o juízo de valor sobre os conteúdos trabalhados. 4) Observar se uma mudança no equilíbrio das responsabilidades atribuídas aos envolvidos no processo de avaliação poderá promover melhores resultados no processo de ensino e aprendizagem dos alunos. As categorias de análise que emergiram durante o processo de análise dos dados construídos foram: a ação docente, a cultura escolar e a concepção de educação. Procuramos destacar, nas tabelas abaixo, os itens mais relevantes que constituíram a ação docente do trabalho realizado pelas três professoras participantes desta pesquisa, bem como os resultados mais importantes que se evidenciaram em nossas análises. Na categoria “a ação docente”, a análise foi feita, levando em consideração as características do processo avaliativo que se constituíam através dos registros de avaliação adotados pela professoras. A primeira característica analisada foi a transparência que possuía o processo avaliativo para a professora, para os alunos e para os pais; a segunda característica envolveu os diversos tipos de conteúdos que estavam sendo avaliados, ou seja, os conteúdos conceituais, os procedimentais e os atitudinais, cujos critérios se explicitavam nos registros das avaliações e permitiam uma avaliação integral; a terceira característica foram as ações da professora, que levaram o aluno a tomar consciência de seu próprio desempenho, possibilitando-lhe tomar atitudes para avançar e permitindo, assim, que a avaliação fosse formativa; e a última foi a forma como se estabeleciam os acordos para a democratização do processo avaliativo. A tabela abaixo possibilita-nos uma visualização das ações mais relevantes das três professoras para permitir que o processo avaliativo fosse transparente, integral, formativo e democrático. 155 A ação docente 1. A transparência do processo avaliativo Constituiu-se através dos itens: Contrato didático. Registros do aluno. Registros do professor. 2. Avaliação integral As professoras inseriam no processo de ensino, aprendizagem e avaliação: Os conteúdos conceituais. Os conteúdos procedimentais. Os conteúdos atitudinais. 3. Avaliação formative Possibilitou ao aluno: Refletir constantemente para promover o ajuizamento da qualidade de suas avaliações. Propor interferências para transformar a qualidade de sua aprendizagem. Reconhecer que são as interferências contínuas no processo de aprendizagem que possibilitam o sucesso do conceito final. 4. Avaliação democrática Para possibilitar ao aluno autonomia para promover a gestão do seu processo avaliativo, as professoras: Procuraram estabelecer os acordos de seu contrato didático em parceria com seus alunos e pais, para que todos se sentissem co-autores dos combinados estabelecidos. Utilizaram a avaliação para diagnosticar, e não para classificar. Promoveram a inclusão do aluno no processo avaliativo. Quadro 4 - A ação docente: aspectos relevantes 156 As três professoras constituíram, à sua maneira, seus próprios registros e os registros de uso diário de seus alunos, que tinham o propósito de criar espaços pedagógicos para possibilitar que o aluno acompanhasse durante todo o bimestre sua evolução, podendo a qualquer momento promover comparações e reflexões que teriam como objetivo a tomada de decisões em busca da melhoria de seu desempenho. Podemos dizer que a categoria “a ação docente” evidenciou, através das análises, tanto para o Ensino Fundamenta lI como para o Ensino Médio: - que a transparência do processo avaliativo parece ter proporcionado, para toda a comunidade educativa, condições de observar e compreender o desempenho do estudante, durante todo o bimestre. Essas observações eram feitas através dos registros, que evidenciavam, de forma sistematizada, a transparência do processo, o que possibilitava a conscientização dos papéis que cada um deveria desempenhar e estabelecia entre os envolvidos uma relação de responsabilidades compartilhadas, gerando respeito, entendimento, compreensão e reflexão por parte dos integrantes; - que é possível ao aluno tomar consciência do seu próprio desempenho e refletir sobre ele, em busca de novas atitudes para melhorá-lo, a qualquer momento do processo, possibilitando, assim, a transformação da avaliação em um instrumento educativo e, portanto, formativo; - que, ao considerar o aluno como um ser integral, tornou-se possível promover o desenvolvimento não só de suas capacidades cognitivas, mas também das capacidades motoras, afetivas, de relação interpessoal e de inserção social, para lhe possibilitar o exercício pleno e crítico de sua cidadania. -que a democratização do processo possibilitou um ambiente dialógico em que todos os envolvidos tinham voz e eram ouvidos, o que parece ter dado a sustentação necessária ao desenvolvimento do processo, pois foi possível observar que a co-participação do aluno, dos professores e dos pais na constituição e na condução do processo de avaliação acabou estabelecendo relações de confiança 157 mútua que parecem ter interferido de forma positiva no ensino e na aprendizagem nas aulas de matemática. - que é possível o envolvimento dos pais. No caso das professoras Adriana, Conceição e Eliana, o registro de avaliações, que ficava no caderno do aluno e continha as informações sobre as avaliações dos conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais do aluno, abria um canal de comunicação diária com os pais, que poderiam acessar esse registro diariamente através do caderno de seu filho. As informações ali contidas permitiam aos pais acompanharem o processo de desenvolvimento de seu filho durante todo o bimestre. Eles podiam promover as interferências que lhes cabiam, na medida em que se fizessem necessárias, uma vez que elas tinham sido discutidas com os professores nas reuniões de pais. Dessa forma, alunos e pais tinham acesso permanente aos instrumentos de avaliação, aos critérios pertinentes à avaliação e aos resultados de suas avaliações. Podemos considerar que esses registros avaliativos estavam estruturados para cumprir, segundo Luckesi (2006, p. 165), a função de subsidiar a construção de resultados satisfatórios. Na categoria “a cultura escolar”, buscamos investigar, a partir do compartilhamento das responsabilidades relativas ao processo avaliativo da aprendizagem entre as professoras, os alunos e os pais, caminhos que reinterpretavam significados, expectativas e comportamentos, com a finalidade de chegar a uma avaliação emancipatória. Procuramos investigar também as contribuições do processo avaliativo para melhorar a qualidade do trabalho pedagógico realizado pelas professoras e as possibilidades de este promover o redimensionamento do tempo pedagógico. A tabela abaixo possibilita visualizar os fatores mais importantes que as professoras consideraram em suas práticas avaliativas e que interferiram na cultura estabelecida na escola. 158 Cultura escolar As professoras valorizaram: 1. Responsabilidades compartilhadas 1- A organização e a democratização dos registros de avaliação, para promover a divisão de responsabilidades com seus alunos e pais. 2- A definição de papéis para a gestão do processo de avaliação. 3- A conscientização do aluno de que não era o conceito final o mais importante, e, sim, o processo que ele vivenciava para aprender. Alguns fatores que possibilitaram a interferência: 1- Planejamento prévio da prática avaliativa por parte da professora e dos alunos. 2. A prática avaliativa interferindo na 2- A inclusão do aluno no seu qualidade do trabalho pedagógico processo avaliativo. 3- O trabalho com os conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais. 4O compartilhamento responsabilidades. de 5- A inserção dos pais. 3. O tempo O processo de avaliação colaborou para redimensionar o tempo pedagógico nas aulas das professoras através: 1- da autonomia dos alunos advinda do contrato didático; 3- das avaliações diagnósticas; 4- do portfólio das avaliações que os alunos montaram durante o bimestre; 5- da facilidade de relacionamento com as famílias. Quadro 5 - A Cultura Escolar: aspectos relevantes 159 Levando em conta as considerações acima descritas, ao analisarmos o trabalho desenvolvido pelas professoras no que diz respeito a essa categoria da “cultura escolar”, pudemos observar que: - o fato de as professoras compartilharem as responsabilidades da prática avaliativa com seus alunos, de forma organizada e sistematizada, procurando tornálos protagonistas dessa prática, parece ter gerado um novo equilíbrio nas relações entre as professoras e seus alunos, provocando em todos novos comportamentos direcionados para uma avaliação emancipatória. Ao sentir-se gestor de seu processo de avaliação, o aluno começou a conscientizar-se do valor de cada momento do processo que ele vivenciava para aprender. Passou a perceber que o resultado final era conseqüência de todos os resultados obtidos ao longo do bimestre. Tais considerações parecem ter possibilitado melhores resultados no processo de ensino e aprendizagem dos alunos, uma vez que a avaliação havia se transformado em um processo que permitia permanentemente a retomada e a melhoria da aprendizagem;- a organização e a sistematização do processo avaliativo, a autonomia dos alunos e a facilidade do relacionamento com os pais parecem ter colaborado para redimensionar o tempo de ensinar, o tempo de aprender e o tempo burocrático da escola; - a prática pedagógica das professoras reorganizou-se através do planejamento prévio das atividades desenvolvidas durante o bimestre. Seus alunos organizavam seus registros avaliativos, no começo do bimestre, segundo o planejamento das professoras e através do contrato didático em que se estabeleciam os combinados que iriam nortear os trabalhos relativos ao bimestre. Além disso, o trabalho de ensino e aprendizagem dos conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais parece ter promovido mudanças nas relações entre todos envolvidos, quando valorizou o “saber”, o “saber fazer” e o “ser”. O compartilhamento de responsabilidades parece ter promovido a inclusão do aluno no seu papel de educando e permitido a inserção dos pais, o que também contribuiu para a melhoria da qualidade do trabalho pedagógico. E, finalmente, na categoria “a concepção de Educação”, a análise foi feita, levando em consideração a concepção de educação relativa à função social do ensino e de como o aluno estabelece relações com o saber adotadas pelas 160 professoras em suas práticas avaliativas, que iriam interferir no significado da avaliação para o aluno. A tabela abaixo possibilita visualizar, resumidamente, as concepções das três professoras e o significado da avaliação no contexto de seus trabalhos pedagógicos. A concepção de educação 1- “A função social do ensino é dar ao aluno uma vida melhor”. (Adriana) 1. A função social do ensino 2- “Oferecer ao aluno o conhecimento que ele vai buscar na escola”. (Conceição) 3- “Melhorar sua qualidade de vida nos aspectos: financeiro, emocional e social”. (Eliana) “Quando o que o aluno tem que aprender tem sentido para ele”. (Adriana) “O aluno tem que gostar não só de matemática, mas se sentir motivado para ir à escola. Ele só vai 2. Como o aluno estabelece aprender, se tiver essa motivação e esse gosto. Se relações com o saber ele não tiver, a escola deverá proporcionar”. (Conceição). “A escola é uma passagem para você ter um aprendizado para melhorar sua qualidade de vida em todos os aspectos: financeiro, emocional e social”. (Eliana) 3. O significado da avaliação 1- A avaliação tinha como finalidade o diagnóstico e não a classificação. 2- Os alunos tinham parâmetros para refletir sobre as avaliações formais e informais que faziam. 3- Os instrumentos e os registros de avaliação eram fontes de referência para as avaliações diagnósticas e a tomada de decisões em relação ao processo avaliativo pelos alunos e pelas professoras. 4- A conscientização do aluno de que o saber se constituía através do processo e o conceito final era uma conseqüência disso. 5- A percepção de que o processo de avaliação não era punitivo, nem um instrumento de poder do professor, mas um processo que o ajudaria a desenvolver suas capacidades da melhor maneira possível. 6- Os alunos concluíam seu conceito bimestral. Quadro 6 - A concepção de Educação: aspectos relevantes 161 As concepções relativas à função social do ensino e à forma como o aluno estabelece relações com o saber, adotadas pelas três professoras e expressas por elas em seu depoimento e em seu desempenho pedagógico, subjazem ao significado atribuído por elas à avaliação, que se transformou de classificatória para emancipatória; e compõem, junto com este último, sua concepção de Educação. A prática pedagógica das três professoras permitia aos alunos o acesso aos critérios de avaliação dos conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais de qualquer atividade desenvolvida, em sala de aula ou fora dela, bem como aos valores atribuídos a elas, o que possibilitava ao aluno fazer o juízo de valor do seu desempenho ao longo das atividades e no seu término. Para que ele pudesse fazer tal juízo de valor, a sistematização dos registros de avaliação do seu caderno, além do conhecimento dos critérios de avaliação, parece ter sido um fator muito importante, pois isso lhe possibilitava: visualizar o seu desenvolvimento tanto nas partes que compunham o processo, como no todo; e fazer um diagnóstico das intervenções necessárias para melhorar seu desempenho na busca do maior desenvolvimento possível de suas capacidades. Uma outra consideração importante, que parece ter colaborado para a transformação do sentido da avaliação, baseia-se em ações que permitiram que o aluno tivesse parâmetros para fazer o diagnóstico de suas avaliações formais, mas também das informais. Isso propiciou condições para a aprendizagem de conteúdos procedimentais e atitudinais que nem sempre são incorporados pelo aluno sem a interferência de um trabalho pedagógico e, portanto, precisam submeter-se às transformações que um processo de ensino e aprendizagem poderá promover. Ao vivenciar esse processo por, pelo menos, dois bimestres consecutivos, os alunos das três professoras já demonstravam uma crescente responsabilidade em relação à sua aprendizagem e reconheciam a importância de seu papel na tarefa de aprender. Eles já eram capazes de fazer a conclusão de seu conceito bimestral e elaborar suas argumentações sobre o seu desempenho no bimestre, num texto construído por eles com base nos dados contidos no registro de seu caderno. Nesse texto o aluno poderia, inclusive, reconhecer, segundo sua visão, os comportamentos 162 de aprendizagem específicos que lhe trouxeram bons resultados e aqueles que, por não terem surtido bons efeitos no seu desenvolvimento, deveriam ser substituídos. De maneira geral, podemos considerar que esse processo avaliativo procurou desenvolver ações docentes que permitissem a inclusão dos alunos e de seus pais na sua gestão. Buscou possibilitar que o aluno e seus pais fossem parceiros do professor na busca do melhor desenvolvimento possível das capacidades do aluno. Porém, o trabalho desenvolvido pelas professoras Adriana, Conceição e Eliana demonstrou que para isso foi preciso lidar com uma prática pedagógica que valorizasse “a persistência, o trabalho sistemático, a organização eficiente e eficaz, a correção, o fazer conjecturas, a criatividade e a capacidade de comunicar idéias e procedimentos claramente” (MATOS; SERRAZINA,1996), por parte de todos os envolvidos no processo de avaliação. Pudemos observar que esse processo avaliativo auxiliou o aluno na conscientização e na formação de referenciais para estabelecer um juízo de valor sobre suas ações, levando-o a tomar decisões pela compreensão e não pelo medo ou pela imposição, promovendo, assim, sua autonomia e a construção do sucesso escolar para combater o fracasso escolar. Nesse contexto, parece que a ação docente das três professoras exerceu uma função orientadora, num processo de avaliação que deixou de ser classificatório para ser diagnóstico e cuja gestão foi feita de forma compartilhada pelas professoras, por seus alunos e pelos pais. Não houve, portanto, uma padronização de conduta em sala de aula, por parte dos professores, mas um trabalho organizado e sistematizado dentro de princípios que buscaram com clareza atingir um fim conhecido de todos os envolvidos, baseado nos objetivos que se pretendia alcançar no bimestre e na visão de educação adotada pelas professoras que conduziram esse trabalho. Acreditamos que, assim constituído, este trabalho pode colaborar para um objetivo maior, que é o de transformar a sala de aula em um “espaço de solidariedade, reciprocidade e emancipação”, conforme Afonso (1999, p.98). Levando em conta os resultados da presente pesquisa, podemos apontar alguns aspectos que poderiam ser objetos de futuras investigações, como, por 163 exemplo: como a escola trabalha as concepções de educação que permeiam a prática pedagógica e que fundamentam a prática avaliativa? Que obstáculos permeiam a valorização dos registros de avaliação, que explicitam critérios de avaliações tanto formais como informais? (Os professores colocam como desnecessária a formalização dos registros de avaliação formal e informal, pois essas são informações que ele faz, pessoalmente, para os alunos). E a inclusão dos pais? Que efeitos promove no processo de ensino, aprendizagem e avaliação dos alunos e nas relações com os professores? Até que ponto as tensões vividas na escola são conseqüência da cultura sobre avaliação estabelecida na escola? 164 REFERÊNCIAS AFONSO, A. J. et al. Avaliação: uma prática em busca de novos sentidos. Rio de Janeiro: DP&A, 1999. ARROYO, G. M. 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