UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
MESTRADO EM ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA
A Prática Avaliativa nas Aulas de Matemática:uma Ação
Compartilhada com os Alunos
Maria Inês Sparrapan Muniz
Orientadora: Profa. Dra. Celi Espasandin Lopes
Dissertação apresentada ao Mestrado em
Ensino de Ciências e Matemática, da
Universidade Cruzeiro do Sul, como parte
dos requisitos para a obtenção do título de
Mestre em Ensino de Ciências e Matemática.
SÃO PAULO
2009
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA
FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA
BIBLIOTECA CENTRAL DA
UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL
M936p
Muniz, Maria Inês Sparrapan
A prática avaliativa nas aulas de matemática: uma ação
compartilhada com os alunos / Maria Inês Sparrapan Muniz. -- São
Paulo; SP: [s.n], 2009.
178 p. : il. ; 30 cm.
Orientadora: Celi Espasandim Lopes.
Dissertação (mestrado) – Programa de Pós-Graduação em
Ensino de Ciências e Matemática, Universidade Cruzeiro do Sul.
1. Educação matemática (Avaliação). 2. Avaliação da
aprendizagem. 3. Responsabilidade. 4. Matemática – Ensino
médio. 5. Matemática – Ensino fundamental I. Muniz, Maria Inês
Sparrapan. II. Universidade Cruzeiro do Sul. Programa de Pós
Graduação em Ensino de Ciências e Matemática. III. Título.
CDU: 51:371.26(043.3)
UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
A Prática Avaliativa nas Aulas de Matemática: Uma Ação
Compartilhada com os Alunos
Maria Inês Sparrapan Muniz
Dissertação de mestrado defendida e aprovada
pela Banca Examinadora em 08/06/2008.
BANCA EXAMINADORA:
Profa. Dra. Celi Espasandim Lopes
Universidade Cruzeiro do Sul
Presidente
Profa. Dra. Edda Curi
Universidade Cruzeiro do Sul
Profa. Dra. Adair Mendes Nacarato
USF – Universidade São Francisco
"Temos a obrigação de inventar outro mundo porque
sabemos que outro mundo é possível. Mas cabe a
nós construí-lo com nossas mãos entrando em cena,
no palco e na vida. Atores somos todos nós, e
cidadão não é aquele que vive em sociedade: é
aquele que a transforma!"
Augusto Boal
(1931-2009)
Diretor e dramaturgo brasileiro
À
Minha Família,
especialmente aos meus pais, Carma e Attílio,
e aos meus tios Vitor, Tomás e Anita.
AGRADECIMENTOS
À Miriam, uma grande educadora, a quem também dedico esse trabalho.
Como grande educadora, contribui para a formação de professores e foi seu
incentivo que me ajudou a perceber a importância de ser uma professora
pesquisadora, o que permitiu que este trabalho se tornasse realidade. Sempre
me motivou e promoveu inúmeras reflexões, durante a elaboração desta
pesquisa, com profissionalismo, ética, responsabilidade e respeitabilidade.
Meu eterno reconhecimento e admiração à Profa. Miriam Sampiere Santinho.
À minha orientadora, Professora Drª. Celi Espasandin Lopes, que me
proporcionou, através de discussões, sugestões, críticas e incentivos,
permeados por seu profissionalismo ético, a coragem e a confiança
necessárias para trilhar o “caminho novo”.
Aos membros da banca examinadora: Professora Drª. Adair Mendes
Nacarato e Professora Drª. Edda Curi, pelas importantes contribuições
oferecidas para o enriquecimento desta pesquisa.
Aos meus professores e colegas do programa de mestrado, que
contribuíram de forma significativa para o meu crescimento pessoal e
profissional e às amizades que nasceram durante essa trajetória, fonte de boas
energias e de apoio moral ao longo do caminho.
Às professoras Adriana, Conceição e Eliana que, na busca de uma
prática avaliativa que pudesse ser compartilhada com seus alunos, num
trabalho solidário e coletivo, possibilitaram a existência de um espaço especial
em suas aulas para o desenvolvimento desta pesquisa.
Aos alunos e alunas do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio que
participaram deste trabalho, ajudando-nos a aprender a percorrer caminhos
para uma prática avaliativa emancipatória.
Aos professores do LEM/IMECC que, ao longo de minha carreira
profissional, contribuíram significativamente na minha formação como
professora de matemática e foram constantes incentivadores deste meu
trabalho.
À Doutora Regina Sparrapan, minha irmã, Pesquisadora Colaboradora
do Instituto de Química da Unicamp, pela valiosa contribuição na estruturação
deste trabalho.
A Leda Farah, pela leitura pontuada do texto, permitindo correções e
reflexões significativas sobre a redação final desta tese.
Ao meu querido marido, João, presença de Deus em minha vida, que,
com apoio, compreensão e amor, ajudou-me a encontrar forças para viver esta
experiência tão significativa em minha vida.
Ao meu filho, Guilherme, luz da minha vida, que me possibilitou novos
olhares na educação dos meus alunos.
Ao meu enteado, Ricardo, que me permitiu a oportunidade de
compartilhar amor, respeito e crescimento pessoal.
À minha família querida, onde encontro sólidos laços que me permitem
compartilhar a complexidade de nossas experiências de vida com amor.
A Deus que, através da vida, proporciona-nos a grandiosidade do
desbravamento de seu Universo nas mais variadas matizes; e à vida, esta
maravilhosa viagem cósmica, que nos proporcionou a graça da realização
deste estudo.
Meu muito obrigado a todos que, de alguma forma, participaram desta
jornada.
Maria Inês
MUNIZ, M. I. S. A pratica avaliativa nas aulas de matemática: uma ação
compartilhada com os alunos. 2008. 178 f. Dissertação (Mestrado em Ensino de
Ciências e Matemática)–Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2008.
RESUMO
Esta pesquisa tem por objetivo analisar a eficácia de determinadas ações docentes
que visam possibilitar a inclusão do aluno como protagonista em seu processo
avaliativo, para promover transformações positivas no processo de ensino e
aprendizagem que ocorre em sala de aula. Para isso, analisou a prática avaliativa de
três professoras de matemática, sendo duas do Ensino Fundamental II e uma do
Ensino Médio de escolas públicas do Estado de São Paulo, na busca de responder a
questão: “Como a ação docente possibilita uma prática avaliativa cuja gestão requer
a participação dos alunos e a inclusão dos pais no processo de avaliação da
aprendizagem matemática”? As análises foram feitas através das categorias: a ação
docente, a cultura escolar, a concepção de educação, que emergiram do confronto
entre os dados oriundos dos registros dos procedimentos de intervenção no
processo avaliativo aplicado pelas professoras envolvidas.
A coleta de dados
iniciou-se após os alunos terem vivenciado atividades avaliativas diferenciadas,
durante o ano escolar de 2008. A pesquisa apoiou-se em vários autores,
destacando-se: Arroyo, Candaú, Charlot, Esteban, Luckesi, Perez Gómes,
Perrenoud e Zabala, entre outros. Através da análise, evidenciaram-se os
resultados: a ação docente parece ter sido composta por intervenções significativas
para atingir os objetivos acima propostos; a cultura escolar parece ter colaborado
para uma avaliação emancipatória; e a concepção de educação das professoras
demonstrou ter influências significativas em todo o processo avaliativo. De acordo
com os resultados, torna-se possível, dentro da realidade das escolas públicas do
Estado de São Paulo, adotar uma prática avaliativa, que promova transformações
positivas no ensino e na aprendizagem nas aulas de matemática.
Palavras-chave: Educação matemática, Avaliação, Ação docente, Inclusão,
compartilhamento de responsabilidades.
MUNIZ, M. I. S. The evaluation practice in mathematics classrooms: a shared
action with students. 2008. 178 f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e
Matemática)–Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2008.
ABSTRACT
This research aims to analyze the effectiveness of certain actions that are designed
to allow teachers to include the student as the protagonist in his evaluation process,
to promote positive changes in the teaching and learning that occurs in the
classroom. For that, we analyzed the evaluation practice of three math teachers, two
of the Secondary School and one of the Middle School of the State of Sao Paulo,
seeking to answer the question: "How the teaching provides a method of evaluation
which management requires the participation of students and the inclusion of parents
in the evaluation process of learning mathematics”? The analysis was made through
the categories: the teaching, school culture, the concept of education that emerged
from the confrontation between the data from the records of the intervention
procedures in the evaluation process applied by the teachers involved. Data
collection began after the students have experienced different evaluation activities
during the school year 2008. The research was based on several authors, including:
Arroyo, Charlot, Esteban, Luckesi, Perez Gómes, Perrenoud and Zabala, among
others. Through analysis, showed the results: the teaching seems to have been
composed of meaningful interventions to meet the objectives proposed above, the
school culture seems to have contributed to a critical evaluation, and the concept of
education of teachers has proven to have significant influences on all the evaluation
process. According to the results, it is possible to adopt an evaluation method that
promotes positive changes in assessment in mathematics classrooms.
Keywords: Mathematics education, Assessment, Teaching activities, Inclusion,
shared responsibilities.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Quadro 1 – Síntese - professora Adriana.............................................................. 87
Quadro 2 – Síntese - professora Conceição ....................................................... 119
Quadro 3 – Síntese - professora Eliana ............................................................... 148
Quadro 4 – Ação Docente: aspectos relevantes ................................................ 156
Quadro 5 – Cultura Escolar: aspectos relevantes .............................................. 159
Quadro 6 – Concepção de Educação: aspectos relevantes............................... 161
SUMÁRIO
CAPÍTULO I
1
INTRODUÇÃO ............................................................................................... 15
1.1
Minha profissão e minha trajetória de vida ................................................ 15
1.2
Lacunas na avaliação ................................................................................... 18
1.3
Visualizando o problema.............................................................................. 18
CAPÍTULO II
2
PROCESSO DE AVALIAÇÃO EMERGENTE DA PRÁTICA DOCENTE ...... 21
2.1
Origem ........................................................................................................... 21
2.2
Os procedimentos ........................................................................................ 24
2.3
Os resultados ................................................................................................ 26
CAPÍTULO III
3
CONSTRUINDO O REFERENCIAL TEÓRICO .............................................. 30
3.1
A cultura escolar ........................................................................................... 30
3.1.1 O tempo ......................................................................................................... 32
3.2
Concepção de Educação ............................................................................. 34
3.2.1 A Função social do ensino .......................................................................... 35
3.2.2 A Forma como o aluno estabelece relações com o saber ........................ 36
3.2.3 O significado da avaliação ........................................................................... 37
3.3
A ação docente ............................................................................................. 43
3.3.1 Ser transparente ........................................................................................... 43
3.3.2 Ser formativo ................................................................................................. 44
3.3.3 Ser integral .................................................................................................... 46
3.3.4 Ser democrática ............................................................................................ 48
CAPÍTULO IV
4
TRAJETÓRIA METODOLÓGICA .................................................................. 51
4.1
Origem ........................................................................................................... 51
4.2
Os contextos nos quais se construíram os dados .................................... 53
4.3
Os pressupostos que marcaram a construção dos dados ....................... 54
4.4
A metodologia da pesquisa ......................................................................... 62
4.5
As categorias emergentes ........................................................................... 66
CAPÍTULO V
5
A PROFESSORA ADRIANA.......................................................................... 69
5.1
Trajetória pessoal e profissional ................................................................. 69
5.2
A ação docente ............................................................................................. 70
5.2.1 A transparência do processo avaliativo ..................................................... 70
5.2.2 A avaliação integral ...................................................................................... 72
5.2.3 A avaliação formativa ................................................................................... 74
5.2.4 A democratização da avaliação ................................................................... 75
5.3
A cultura escolar ........................................................................................... 77
5.3.1 Responsabilidades compartilhadas ............................................................ 78
5.3.2 A prática avaliativa e a qualidade do trabalho pedagógico ...................... 79
5.3.3 O tempo ......................................................................................................... 80
5.4
A concepção de educação ........................................................................... 82
5.4.1 A função social do ensino ........................................................................... 82
5.4.2 A forma como o aluno estabelece relações com o saber ......................... 83
5.4.3 O significado da avaliação ........................................................................... 84
5.5
Considerações .............................................................................................. 91
CAPÍTULO VI
6
A PROFESSORA CONCEIÇÃO .................................................................... 92
6.1
Trajetória pessoal e profissional ................................................................. 92
6.2
A ação docente ............................................................................................. 93
6.2.1 A transparência do processo avaliativo ..................................................... 94
6.2.2 A avaliação integral ...................................................................................... 96
6.2.3 A avaliação formativa ................................................................................. 101
6.2.4 A democratização da avaliação ................................................................. 104
6.3
A cultura escolar ......................................................................................... 107
6.3.1 Responsabilidades compartilhadas .......................................................... 107
6.3.2 A prática avaliativa e a qualidade do trabalho pedagógico .................... 109
6.3.3 O tempo ....................................................................................................... 112
6.4
A concepção de educação ......................................................................... 113
6.4.1 A função social do ensino ......................................................................... 113
6.4.2 A forma como o aluno estabelece relações com o saber ....................... 114
6.4.3 O significado da avaliação ......................................................................... 115
6.5
Considerações ............................................................................................ 123
CAPÍTULO VII
7
A PROFESSORA ELIANA ........................................................................... 125
7.1
Trajetória pessoal e profissional ............................................................... 125
7.2
A ação docente ........................................................................................... 126
7.2.1 A transparência do processo avaliativo ................................................... 127
7.2.2 A avaliação integral .................................................................................... 129
7.2.3 A avaliação formativa ................................................................................. 131
7.2.4 A democratização de avaliação ................................................................. 134
7.3
A cultura escolar ......................................................................................... 138
7.3.1 Responsabilidades compartilhadas .......................................................... 138
7.3.2 A prática avaliativa e a qualidade do trabalho pedagógico .................... 139
7.3.3 O tempo ....................................................................................................... 142
7.4
A concepção de educação ......................................................................... 144
7.4.1 A função social do ensino ......................................................................... 144
7.4.2 A forma como o aluno estabelece relações com o saber ....................... 145
7.4.3 O significado da avaliação ......................................................................... 146
7.5
Considerações ............................................................................................ 152
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 153
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 164
ANEXOS ................................................................................................................. 166
15
CAPÍTULO I
1 INTRODUÇÃO
Neste capítulo inicial, destacarei alguns aspectos de minha trajetória
profissional que me encaminharam e, certamente, influenciaram na elaboração e no
desenvolvimento deste trabalho.
1.1 Minha Profissão e Minha História de Vida.
Licenciei-me em Matemática em 1974, pela PUC de Campinas e em 1981
concluí o curso de Pedagogia pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras “Nossa
Senhora do Patrocínio”, de Itú.
Minha trajetória profissional iniciou-se em 1971, como professora da rede
pública do Estado de São Paulo, quando eu estava no primeiro ano do curso de
licenciatura em Matemática. Nessa época, fui contratada como professora de
Matemática na EE “Prof. Cyro de Barros Rezende”, de Valinhos, para dar aulas para
o Ginásio1 e também para o Científico2.
Foi um desafio interessante, pois, coincidentemente, comecei a trabalhar na
mesma escola em que fiz o Grupo Escolar3, o Ginásio e o Científico e nela
permaneci até minha aposentadoria, em 2006. Uma escola que fez parte de toda a
minha vida, como estudante e como profissional, e onde vivenciei minha história:
cresci, aprendi, errei, acertei; enfim, ela sempre teve significado ímpar em meu viver,
pois se constituiu em uma parte importante do tecido social que permitiu meu
desenvolvimento intrapessoal e interpessoal.
1
Ginásio – hoje Ensino Fundamental II.
Científico – hoje Ensino Médio.
3
Grupo Escolar – hoje Ensino Fundamental I.
2
16
Em 1975 fui contratada para dar aulas de Matemática nas escolas da rede
Sesi de Valinhos, para o Ginásio. Passei, então, a dar aulas tanto na rede pública
como na rede Sesi, ambas do Estado de São Paulo.
Em 1978 fui aprovada no concurso público para o provimento de cargo de
Professor III do Estado de São Paulo e ingressei como professora efetiva na EE
“Prof. Cyro de Barros Rezende”, de Valinhos, a mesma em que eu já vinha
trabalhando como professora contratada.
Ao longo desses anos, além de trabalhar na rede pública estadual e na rede
Sesi, de onde saí em 1984, também vivi uma experiência muito interessante em
1989, na minha cidade, Valinhos, SP. Através de uma Associação que reuniu a
princípio 150 pais, montamos uma “escola comunitária”, hoje chamada “Nova Escola
de Valinhos”, que se propunha a trabalhar com uma proposta sociointeracionista. Eu
fui a primeira diretora pedagógica da escola e foi a ela que confiei a educação do
meu filho, Guilherme, que tinha quatro anos. Era, para a época, uma escola que
falava de novos paradigmas, de ações pedagógicas diferentes e ousadas. Tem,
hoje, 20 anos de existência e é bem aceita pela comunidade, uma vez que seu
trabalho tem demonstrado bons resultados.
O trabalho realizado pela “Nova Escola” teve uma grande repercussão no
município, e, em 1993, fui convidada para ser a secretária de Educação de Valinhos,
com o intuito de levar para as escolas municipais a mesma proposta pedagógica da
“Nova Escola”. Nessa época, a Secretaria de Educação mantinha os cursos de
Educação Infantil, Educação de Jovens e Adultos e Educação Especial. Foi uma
experiência muito rica, que me possibilitou um crescimento pessoal e profissional
muito grande.
Trabalhamos na Secretaria com muitos projetos educacionais, com resultados
surpreendentes. Um deles foi a implantação da “Semana da Água”, inspirada num
projeto de educação ambiental da França denominado “Les Classes d’Eau”.
Registramos a primeira experiência, que ocorreu em 1996, num livro que se chama
Semana da água: um programa de educação ambiental para crianças e adultos, que
escrevi com Adriana Regina Braga, professora da rede municipal e em parceria com
o Consórcio das Bacias dos rios Piracicaba e Capivari, de nossa região.
17
Ao sair da Secretaria de Educação, em 1996, reassumi minhas aulas de
Matemática na EE “Prof. Cyro de Barros Rezende”.
Durante toda a minha trajetória profissional sempre estive ligada ao
Laboratório de Ensino de Matemática — LEM —, do Instituto de Matemática,
Estatística e Computação Científica — Imecc —, da Unicamp. Esse laboratório
sempre foi a instância à qual recorri para aperfeiçoar meus conhecimentos e
melhorar minha prática pedagógica em sala de aula.
O LEM fez com que minha trajetória como professora tomasse um rumo
bastante diferenciado, quando, em 2002, fiz ali um curso — de iniciativa da Capes e
da Secretaria Nacional de Ensino e Tecnologia do Ministério da Educação —
conhecido como Pró-Ciências, parte de um programa de Apoio ao Aperfeiçoamento
de Professores de Ensino Médio em Matemática e Ciências. Seu objetivo principal
era o aperfeiçoamento em serviço de professores do Ensino Médio, nas áreas de
Matemática, Física, Química e Biologia, por meio de apoio à inovação pedagógica.
O programa foi implantado em diversos Estados, em parceria com Fundações de
Amparo à Pesquisa e Secretarias Estaduais da Educação. O curso tinha como ponto
de partida as orientações que integravam as propostas da Lei de Diretrizes e Bases
(LDB), as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, os Parâmetros
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio e A Escola de Cara Nova - Programa de
Educação Continuada.
Através desse curso conheci diferentes possibilidades para trabalhar os
conteúdos de aprendizagem de Matemática, de forma contextualizada e através da
interdisciplinaridade entre Matemática, Física, Química e Biologia, isto é, entre as
disciplinas que compunham a área de Ciências da Natureza, Matemática e suas
tecnologias, nos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (1998).
Em minhas aulas, no Ensino Médio, resolvi pôr em prática o que eu havia
aprendido no curso “Pró-Ciências”.
Começou, então, o que considero a melhor fase de minha vida profissional: os
projetos interdisciplinares e a contextualização dos conteúdos de aprendizagem de
Matemática promoveram transformações positivas em minhas aulas, no que diz
18
respeito ao envolvimento dos alunos com as aulas e à aprendizagem dos conteúdos
trabalhados.
1.2 Lacunas na Avaliação
Embora o trabalho com os projetos interdisciplinares e a contextualização dos
conteúdos de aprendizagem nas aulas de Matemática se mostrasse consistente e
significativo para a o processo de desenvolvimento do aluno, ele evidenciava a
fragilidade que fazia parte do processo de sua avaliação. Enquanto o aluno se
envolvia com as propostas de trabalho, mostrava-se alienado do seu processo de
avaliação, atribuindo o ato de avaliar ao “julgamento” feito pelo professor, sem
imaginar a importância de seu envolvimento nesse processo. Por outro lado, assim
como a avaliação final do processo era importante, a avaliação de suas partes era
também muito significativa, para oportunizar as interferências necessárias que iriam
possibilitar o maior desenvolvimento possível das capacidades do aluno, ao realizar
aquele trabalho.
Era evidente a lacuna relacionada ao envolvimento do aluno com sua
avaliação nas aulas de Matemática.
1.3 Visualizando o Problema
Embora houvesse combinados e acordos estabelecidos com os alunos, nas
aulas de Matemática, havia, também, relações antigas estabelecidas, que levavam o
aluno a atribuir ao professor o poder e a responsabilidade pelo processo de
avaliação, sem que ele, aluno, interferisse ou participasse, o que provocava uma
omissão de sua parte. Parecia que, ao aluno, caberia fazer e, ao professor, “julgar”,
e isso começou a “travar” o andamento das aulas, que eram muito dinâmicas e com
muitas atividades feitas pelos alunos. Comecei a preocupar-me com o papel do
aluno em sua avaliação.
Surgiram, então, alguns questionamentos:
- como buscar alternativas para que meus alunos se conscientizassem da
importância de seu papel no seu processo de avaliação?
19
- como fazer para que meu aluno participasse do processo de avaliação e
pudesse promover as modificações ao longo do processo, para garantir o bom
andamento de sua aprendizagem?
- como compartilhar com o aluno as responsabilidades dessa avaliação, que
sempre foram apenas minhas e que uma outra forma de trabalho pedagógico me
levava a partilhar?
Era necessário um aluno mais consciente, com mais autonomia, e que se
colocasse como meu parceiro na busca dos caminhos mais adequados para o
desenvolvimento de todas as suas capacidades.
Essa situação já vinha se delineando, à medida que os trabalhos de sala de
aula aconteciam, mas um fator contribuiu consideravelmente para o início de um
processo de modificação: numa reunião de pais, conversei com uma mãe e com seu
filho, meu aluno, cujo desempenho não tinha sido bom, mas poderia ter sido muito
melhor, graças às condições dele.
Mostrei a ela todos meus registros a respeito do caso e contei-lhe um pouco
dos procedimentos em sala de aula. A mãe perguntou ao filho como é que ele
justificava aquele resultado de final de bimestre, quando ele tivera tantas atividades
e, conseqüentemente, tantas oportunidades de melhorar aquela situação durante o
bimestre. Ele respondeu que julgava que eu não gostasse dele. Fiquei surpresa e
assustada. Com essa fala do aluno, que de nenhuma maneira representava a
verdade, percebi o quanto aquele processo de avaliação tinha significado só para
mim: eram vários instrumentos de avaliação, várias oportunidades para ele retomar
seu processo de aprendizagem, mas só eu conseguia considerá-los significativos.
Percebi que esse aluno poderia responder qualquer coisa, pois ele não
reconhecia nenhum significado naquilo que estava escrito nos registros que, para
ele, eram meus e serviam para mim e para a escola, mas não tinham nada a ver
com ele.
Isso colaborou muito para evidenciar que meus alunos precisavam, de
alguma maneira, sentir o significado da avaliação nas aulas de Matemática. Como
fazê-los perceber que o processo avaliativo não era um julgamento, não se
20
processava de uma só vez e tinha como propósito ajudá-los a melhorar a sua
aprendizagem?
Queria que eles percebessem que, a qualquer momento do processo, seria
possível tomar decisões para mudar em direção ao melhor; que aprendemos a fazer,
fazendo; e que não precisamos acertar tudo para aprendermos; pretendia que nos
transformássemos em parceiros, para somar esforços, com o objetivo de alcançar o
melhor desenvolvimento possível das capacidades de cada um deles; e que eles
percebessem o quanto era necessário e importante o seu envolvimento no processo
de ensino, na aprendizagem e na avaliação que ocorre na sala de aula.
Resolvi então, buscar um caminho que me permitisse compartilhar as
responsabilidades do processo de ensino, da aprendizagem e da avaliação com
meus alunos e seus pais. Buscava estabelecer entre nós uma relação de
cumplicidade e parcerias, nas quais se evidenciasse o papel de cada um dos
envolvidos nessa tarefa educacional.
Diante disso, emergiu a busca pela sistematização de um processo de
avaliação que contemplasse as questões elencadas anteriormente. Nessa trajetória,
o diálogo com a literatura encaminhou-me à questão central desta pesquisa, a qual
foi redigida da seguinte forma: “Como a ação docente possibilita uma prática
avaliativa cuja gestão requer a participação ativa dos alunos e a inclusão dos pais no
processo de avaliação da aprendizagem matemática”?
Para responder a essa questão, elaborei um projeto de investigação de
natureza qualitativa com análise interpretativa dos dados, o qual será detalhado no
capítulo 3 desta dissertação. Com o intuito de relatar esta pesquisa, descreverei
inicialmente, no próximo capítulo, o processo de avaliação que emergiu de minha
prática docente e que usei em classes do Ensino Médio durante alguns anos em
minhas aulas de Matemática.
21
CAPÍTULO II
2
PROCESSO
DE
AVALIAÇÃO
EMERGENTE
DA
PRÁTICA
DOCENTE
Neste capítulo pretendo relatar a origem, os procedimentos e os resultados do
processo de avaliação que apliquei em minhas aulas de matemática e que, embora
não faça parte dos casos que analisei nessa pesquisa, porque eu já havia me
aposentado nessa época, se constituiu em referencial para o desenvolvimento da
mesma, através de outros professores.
2.1. Origem
Minha experiência foi com alunos do Ensino Médio de uma escola da rede
pública do Estado de São Paulo, em Valinhos.
Como professora efetiva de Matemática, ao final de cada bimestre vivenciava
um período desgastante em meu trabalho docente, pois, após dois meses de intenso
trabalho, era hora de fechar os conceitos finais de meus alunos.
Eram comuns muitas reclamações por parte dos alunos, discordando de sua
média final, como se eles nada tivessem a ver com aquele resultado. Em muitas
situações, o aluno chegava a delegar a mim a responsabilidade total pelo seu
fracasso. Nessa hora, ele sempre se esquecia de considerar os problemas de
comportamento e os procedimentos ocorridos durante o bimestre, além dos
problemas relativos à aprendizagem dos conceitos desenvolvidos em sala de aula.
Acontecia, em muitos casos, que o aluno agia com total desinteresse e alienação
diante do resultado obtido no final do bimestre.
Vencida a fase descrita acima, entrávamos na segunda etapa do processo de
fechamento do bimestre: nas reuniões do “Conselho de Classe”, analisava-se a
situação
de
cada
aluno,
individualmente,
através
de
dados
sobre
seu
aproveitamento, sobre seu perfil pessoal, sobre problemas familiares que o
22
envolviam etc. Também nessa instância tomávamos decisões sobre as formas de
recuperar o aluno nos próximos bimestres, se necessário fosse; se estivéssemos no
último “Conselho Classe” do ano, discutíamos se iríamos aprová-lo ou não. Em
suma, eram decisões muito importantes que nos impunham uma grande
responsabilidade sobre o andamento da vida escolar de cada um de nossos alunos.
A próxima etapa desse processo era a reunião de pais, um momento delicado
e muito importante, em que os pais deveriam obter informações sobre a evolução do
processo de aprendizagem de seus filhos. Muitas vezes chegávamos a ela com
dados pouco consistentes sobre os alunos para estabelecer, junto com seus pais,
ações efetivas que pudessem gerar melhores resultados nos futuros bimestres. Em
geral, lembrávamo-nos bem dos ótimos alunos ou dos que tinham muitas
dificuldades; mas, entre eles, estava uma maioria de alunos sobre os quais tínhamos
poucas informações, pois, afinal, eram muitas classes e muitos alunos em cada uma
delas.
Dentro
desse
contexto,
precisávamos
fundamentar
nossas
ações
pedagógicas nos Parâmetros Curriculares Nacionais e levar em consideração os
aspectos legais determinados pela Secretaria de Educação e pela Diretoria de
Ensino, adequando-os ao projeto pedagógico elaborado pela equipe escolar, que se
compunha de diretor, coordenador pedagógico e professores.
Depois de muitos anos vivendo essa realidade, resolvi buscar algum caminho
que minimizasse o desgaste que sofríamos, alunos e professora, a cada final de
bimestre e, principalmente, que permitisse ao aluno tomar consciência do seu
verdadeiro papel no processo de sua aprendizagem. Em outras palavras, buscava
um aluno consciente, atuante, capaz de auto-avaliar-se e de tomar decisões em seu
próprio
benefício,
que
possibilitassem
o
pleno
desenvolvimento
de
suas
potencialidades.
Seria isso possível? Como conduzir o processo de avaliação para atingir os
objetivos expostos acima?
Em primeiro lugar, resolvi fazer uma descrição do perfil do aluno que, julgava
eu, correspondesse às expectativas descritas acima. Fui descrevendo-o através de
ações, tais como: ter material escolar em sala; estar presente todos os dias (só faltar
23
se necessário); realizar as tarefas propostas para construir um conceito; fazer lição
de casa; empenhar-se para fazer os trabalhos de classe propostos pelo professor;
estudar em casa; participar dos diálogos e debates feitos em classe; fazer a
correção das avaliações e levá-las para serem assinadas por seus pais ou
responsáveis; ter os registros organizados no caderno; cumprir combinados;
respeitar regras; cumprir prazos; ler e interpretar códigos (principalmente em
Matemática); ler e interpretar textos; ter ritmo de trabalho; descobrir propriedades;
generalizar; projetar; elaborar um trabalho com começo, meio e fim e com coerência,
além de apresentá-lo com estética; enfim, são esses alguns exemplos do que listei e
os exponho aqui, na “desordem” com que eu os via naquele momento.
Nessa fase eu ainda não tinha conhecimento de que todas as ações que
constavam da minha lista eram conteúdos de aprendizagem e que poderia
classificá-los para melhor compreendê-los. Senti necessidade de buscar uma
fundamentação teórica que me possibilitasse essa classificação.
Foi então que procurei, em Zabala (1998), estudar a aprendizagem dos
conteúdos segundo sua tipologia e percebi que o processo de ensino e
aprendizagem que ocorria em minhas salas de aula se concentrava muito mais nos
conteúdos conceituais e os procedimentos e atitudes serviam para manter a ordem
ou o respeito em sala de aula ou para permitir o desenvolvimento das atividades
propostas, porém não eram objetos de ensino, aprendizagem, nem de avaliação.
Assim, foi evidenciando-se um desequilíbrio nas intenções educativas do meu
projeto pedagógico: os conteúdos que faziam parte do “saber” eram objetos de
ensino, aprendizagem e avaliação, mas os que faziam parte do “saber fazer” e do
“ser” não estavam incluídos nesse processo; não havia, com relação a eles,
intenções educativas explícitas.
A partir desse entendimento, passei, então, a considerar os conteúdos como
a matéria-prima com a qual trabalharia em sala de aula, classificando-os e
organizando-os em: conceituais, procedimentais e atitudinais — os conceituais
referiam-se à abordagem de conceitos, fatos e princípios; os procedimentais
expressavam um saber fazer; e os atitudinais incluíam valores, normas e atitudes.
24
Esse novo olhar sobre os conteúdos de aprendizagem constituiu-se nos
primeiros passos na busca de caminhos para sistematizar procedimentos avaliativos,
com caráter formativo, que considerasse o ensino, a aprendizagem e a avaliação
dos três tipos de conteúdos e com a finalidade de atender às necessidades que eu
havia listado, com relação ao perfil do aluno.
Diante disso, surgiram as primeiras perguntas: como organizar um processo
de avaliação transparente, que contemplasse todos os tipos de conteúdos e ainda
permitisse que o aluno tomasse consciência da importância de cada um deles para o
desenvolvimento de suas potencialidades? Como possibilitar ao aluno refletir com
clareza sobre seu desempenho ao longo do processo avaliativo para que
pudéssemos criar condições para
compartilharmos as responsabilidades que
envolviam o processo de avaliação de sua aprendizagem?
Buscamos em Chevallard (2001) a idéia do contrato didático. Discutiríamos
com os alunos de forma compartilhada o estabelecimento de negociações e critérios
que fariam parte do processo avaliativo, com o objetivo de criar condições para que
o aluno tomasse consciência da relevância do seu papel na escola, com
responsabilidade, com compromisso, com envolvimento, com ação e reação.
O contrato didático define o que será possível ou impossível fazer na aula,
o que terá sentido para os alunos e para o professor de maneira
compartilhada. Antes de serem eficazes, as técnicas didáticas têm que ser
aceitáveis e significativas para os protagonistas do sistema didático.
(CHEVALLARD, 2001, p.192).
2.2 Os Procedimentos
Surgiu, então, a idéia de organizar o processo avaliativo com registro em três
fichas:
- a do caderno do aluno, preenchida por ele mesmo, diariamente, registrando
as avaliações dos diferentes conteúdos trabalhados naquele dia ou em dias
anteriores;
- a do professor, contendo os mesmos dados que a do aluno, porém com
registros feitos pelo professor e arquivada em seu Diário de Classe. Isso permitiria
um acompanhamento do desenvolvimento do aluno durante o processo e nortearia
25
as interferências necessárias para o sucesso de seu ensino e da aprendizagem do
aluno. No final do bimestre, possibilitaria uma conferência dos registros do aluno
com os registros do professor, quando necessário.
- a ficha anual, preenchida pelo próprio aluno, no final de cada bimestre, com
base nos dados da ficha de seu caderno. Nela o aluno registraria o fechamento do
seu desempenho durante o bimestre, nos mais diferentes conteúdos avaliados, e os
resultados obtidos. A partir daí, juntamente com seu professor, ele “fecharia” o seu
conceito final. Essa ficha anual, elaborada pelo aluno, seria assinada por ele e por
seu pai ou responsável. Ao longo dos bimestres, ela iria se constituindo num
“espelho” do desempenho e do aproveitamento desse aluno e evidenciando o seu
processo de evolução. Ela permitiria que se estabelecesse, entre aluno, professor e
pais, uma parceria para viabilizar as decisões necessárias em direção ao melhor
desempenho possível, por parte do aluno.
Pensei que, diante de todos esses dados, no final do bimestre, seria possível
pedir para os alunos que escrevessem um texto sobre o seu desempenho, baseado
na ficha de avaliação do seu caderno.
Para elaborar esse texto ele seria orientado, pelo professor, a visualizar com
clareza e objetividade, por meio da ficha do seu caderno; a refletir e perceber os
comportamentos que deveriam ser reforçados e os que deveriam ser substituídos
por outros mais eficazes, que lhe possibilitariam um melhor desempenho. O
professor o orientaria para descrever, segundo a sua visão, quais seriam os novos
comportamentos.
Esse texto seria anexado ao registro de avaliação anual do aluno e, na
reunião de pais, poderia servir como mais uma referência para fundamentar as
reflexões que seriam feitas com os pais sobre o desenvolvimento de seu filho, no
bimestre. Além disso, seria uma referência para pontuar alguns procedimentos que
poderiam nortear uma possível ajuda dos pais.
Acreditava eu que as reflexões feitas pelos alunos nesse texto contribuiriam
para evidenciar, tanto para os alunos como para os pais, dados importantes
advindos do processo de avaliação e que não eram vistos somente pela ótica do
professor, mas também pela do aluno.
26
A ficha do caderno do aluno era composta por vários itens, tais como:
avaliações parciais, avaliações bimestrais, trabalhos de classe, lição de casa,
avaliação atitudinal (valores, atitudes e normas), etc., cada um dos quais discutido e
combinado com os alunos, com as datas e os valores definidos, na medida do
possível. Assim, o próprio educando estabelecia um acompanhamento diário da
evolução do seu trabalho e do seu desempenho, facilitando as intervenções
necessárias feitas por ele e/ou por seu professor, para corrigir os rumos de sua
aprendizagem, ao longo do processo. Isso permitia que se evitasse que, tanto o
professor como os alunos, tomasse ciência das necessidades de mudanças
somente no final do bimestre, o que, comumente, acontecia nos processos de
avaliação: descobriam-se um pouco tarde as dificuldades reais da maioria dos
alunos.
Os itens dessa ficha iam sendo modificados em função dos resultados das
avaliações feitas sobre eles e das características dos conteúdos conceituais,
procedimentais e atitudinais que variavam de bimestre para bimestre.
2.3 Os Resultados
Comecei a usar essa prática avaliativa em minhas oito salas de aula, cada
uma com 40 alunos, em média. Acreditava que essa prática poderia ser uma
alternativa para atingir o objetivo de melhorar o processo de ensino, aprendizagem e
avaliação dos alunos, mas não tinha muita idéia do que iria acontecer.
No primeiro bimestre em que utilizei esse processo, senti-me insegura tanto
em relação a sua implantação como em relação aos efeitos que eu estava
observando nas reações dos alunos. Parecia que muitos alunos não haviam
percebido que estávamos dividindo responsabilidades. Tudo foi novidade para mim
e para eles, e alguns alunos só sentiram os efeitos desse trabalho depois que
terminou o bimestre.
Porém, como eu não tinha com quem discutir essas questões, resolvi tentar
mais um bimestre.
No segundo bimestre, já percebi uma melhora significativa no processo de
conscientização dos alunos sobre seu papel de estudante, o que interferiu muito
27
positivamente na disciplina das classes, no desenvolvimento dos projetos e das
atividades que aconteciam nas aulas de Matemática em geral.
Tudo ficou melhor no terceiro bimestre: a postura dos alunos, o envolvimento
com as propostas de trabalho, o desempenho e o interesse pelas aulas. Eles
melhoraram em todos os aspectos que eu inicialmente havia listado
como
essenciais para ter um aluno que viesse para a escola para aprender a aprender,
aprender a fazer e aprender a ser. Isso, porém, não quer dizer que eu não tivesse
problemas.
Para alguns poucos casos de alunos com dificuldades, procurei alternativas
para ajudá-lo a estabelecer uma relação com o saber, buscando também envolver a
família. Era possível, então, considerar como exceções — não era mais como regra
— os casos dos alunos que apresentavam problemas.
Durante três anos trabalhei dessa forma e percebi que esse caminho estava
realmente permitindo interferências positivas no desempenho dos alunos, na relação
com os pais e, principalmente, na reestruturação do processo didático que acontecia
em sala de aula.
Fui tomando consciência de que meu papel não era o de suportar sozinha a
enorme carga da responsabilidade da educação do meu aluno; isso me angustiava
muito, porque, quanto mais eu agia, sem a real participação dele no processo, mais
eu o perdia de vista e os resultados, apesar do meu enorme esforço, não eram bons.
A partir do momento em que fizemos essa parceria, como protagonistas do
sistema didático, pude dedicar uma parte maior do meu tempo em sala de aula e
fora dela para o projeto pedagógico, organizando melhor minhas aulas, levando em
conta a interdisciplinaridade e a contextualização das atividades. Durante as aulas,
ganhei um espaço muito interessante como orientadora dos trabalhos que eles
desenvolviam; e, ao mesmo tempo, surgiam nas classes alunos que me ajudavam
nessa tarefa, o que permitia um melhor ritmo no cumprimento de nossos programas.
Com o tempo, fui aperfeiçoando o processo e descobrindo um aluno que se
dá a chance de aprender, de fazer e de ser e pude perceber como todo esse
movimento é contagiante. Esse cenário durante as aulas provocou interações entre
28
os alunos, de maneira a contagiar uns aos outros, com relação às atitudes que
interferiam no seu bom desempenho.
Os problemas de disciplina existiam, mas minimizaram-se, porque surgiu,
para cada aluno, o desafio de compenetrar-se no desempenho do seu papel,
ocupando-se com as tarefas propostas, com a sua aprendizagem e com a sua
avaliação. Nesse contexto, com algumas exceções, o aluno que queria brincar ou
não participar ficava sem respaldo dos colegas e acabava deixando-se contagiar
pelo ambiente de trabalho que se instalava na classe.
Por outro lado, dentro da escola havia tensões. Esse projeto de avaliação
incomodava outros colegas e, portanto, não era bem visto. Durante alguns anos, a
coordenação pedagógica o ignorou. De qualquer maneira, houve época em que a
troca da coordenação pedagógica da escola possibilitou a socialização do processo
para meus colegas, mas sem muito sucesso. De todos os professores da escola,
que eram em torno de 40, somente dois se interessaram em usá-lo. Além da falta de
interesse do professor, a rotatividade de uma boa parte dos professores, de um ano
para o outro, criava outras dificuldades.
Ao aposentar-me, no início de 2006, percebi que esse trabalho iria se perder,
pois não tinha sido socializado.
Nessa época a professora Miriam Sampieri Santinho, do LEM – Laboratório
de Ensino de Matemática do Imecc, na Unicamp, convidou-me para falar sobre esse
processo de avaliação num curso de especialização para professores do Ensino
Fundamental II. Na mesma época, apresentei-o na “Teia do Saber”, um projeto de
educação continuada da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.
Essas duas experiências permitiram-me encontrar professores que se
interessaram em desenvolver esse processo de avaliação em suas aulas.
Diante dos resultados que pude observar através das experiências desses
professores, resolvi, em 2008, iniciar uma pesquisa científica, tendo como referência
o trabalho desenvolvido por alguns professores, em suas salas de aula, com esse
processo de avaliação. As professoras Adriana, Conceição e Eliana, que faziam
parte do grupo que havia iniciado suas experiências com esse processo avaliativo,
29
concordaram em ser minhas parceiras e em permitir a coleta de dados para minha
pesquisa, durante o trabalho desenvolvido em suas aulas no ano de 2008.
Ocupei-me, até aqui, em relatar minha trajetória pessoal e profissional e o fiz,
de forma intencional, na primeira pessoa do singular. Passo, agora, a expor o
trabalho de elaboração e execução da pesquisa, resultado de trocas e partilhas com
outros profissionais que, junto comigo, construíram o que aqui exponho. Por essa
razão, a partir deste ponto, o relato será feito na primeira pessoa do plural, para
sinalizar as muitas vozes, as muitas mãos, as muitas mentes que compuseram este
trabalho.
Para que essa pesquisa se efetivasse, era necessário que essa prática
avaliativa fosse fundamentada teoricamente. Dessa forma, no capítulo a seguir,
apresentaremos uma revisão bibliográfica baseada em autores cujas teorias
respaldam esse processo avaliativo. A partir da interlocução com essa literatura
elaboramos a questão de investigação desta pesquisa e a estruturamos
metodologicamente.
30
CAPÍTULO III
3 CONSTRUINDO O REFERENCIAL TEÓRICO
Neste capítulo estaremos buscando através de vários autores teorias que
respaldam esse processo avaliativo no que diz respeito: à cultura escolar que se
configura por papeis normas e rituais que são próprios da escola; à concepção de
educação no que diz respeito à função social do ensino e a concepção de como o
aluno estabelece relações com o saber e à ação docente que irá estabelecer os
parâmetros para o processo avaliativo proposto.
3.1 A Cultura Escolar
Estamos nós, professores, atuando em uma instituição de ensino, vivendo
relações entre educação e cultura que permeiam nossa prática educativa. Também
vivemos incertezas, inseguranças, medos e perplexidades, porém, somos impelidos
a buscar e criar caminhos, pois eles exercem uma grande influência sobre nossas
práticas educativas e, conseqüentemente, sobre as novas gerações cuja educação
está sob nossa responsabilidade. Estamos imersos em um mundo descrito por
Candaú da seguinte forma:
No mundo atual, a consciência de que estamos vivendo mudanças
profundas, que ainda não somos capazes de compreender
adequadamente, é cada vez mais aguda. Esta realidade provoca em muitas
pessoas insegurança, incerteza e suscita as mais variadas reações, de
perplexidade, inquietude, medo, assim como, também, de busca e
criatividade. (CANDAÚ, 2001, p. 61).
Ainda de acordo com Candaú, entendemos o processo educativo como
“prática social em que estão presentes as tensões inerentes a uma sociedade como
a nossa que vive processos de profunda transformação.” (CANDAÚ, 2001, p.68).
Adotamos, no desenvolvimento deste trabalho, o conceito de cultura que nos
traz Pérez Gomes, abaixo descrito:
31
Considero cultura como o conjunto de significados, expectativas e
comportamentos compartilhados com um determinado grupo social, o que
facilita e ordena, limita e potencia os intercâmbios sociais, as produções
simbólicas e materiais e as realizações individuais e coletivas dentro de um
marco espacial e temporal determinado. (PÉREZ GÓMEZ, 2001, p. 17).
Embora exista uma homogeneidade de alguns símbolos que compõem a
cultura, a prática educativa exercida pelos professores em sala de aula vê-se
desafiada pelo cruzamento de culturas que coexistem dentro da escola e que são
identificadas por Perez Gómes (2001, p.17) como: a cultura pública, a cultura
acadêmica, a cultura social, a cultura escolar e a cultura privada.
Quanto à cultura pública, seu lócus seria constituído pelas disciplinas
científicas, artísticas e filosóficas, ao passo que a cultura acadêmica estaria
configurada pelas concreções destas disciplinas explicitadas no currículo
escolar. A cultura social estaria representada pelos valores e práticas
hegemônicas no cenário social, ao passo que a cultura privada seria aquela
adquirida de fato por cada aluno/a através dos intercâmbios espontâneos
com seu contexto. [...] No que diz respeito à cultura escolar, estaria
configurada pelos papéis, normas, rotinas e ritos próprios da escola como
instituição social especifica. (CANDAÚ, 2001, p. 65).
Ao vivenciar essa diversidade de culturas na escola e em especial na sala de
aula, o professor encontra-se situado em um espaço onde “a cultura nem é um
campo autônomo nem tampouco um campo determinado externamente, mas um
espaço de diferenças e de lutas sociais.” (JOHNSON, 1983, p. 3, apud PÉREZ
GOMES, 2001, p. 14).
Dentre os muitos rituais que compõem a cultura escolar está a avaliação
como uma categoria pedagógica com um significado muito forte. O processo
avaliativo promove tensões e as mais variadas reações por parte de todos os
envolvidos na educação escolar, gerando expectativas e comportamentos que
interferem nos relacionamentos que se estabelecem no processo educativo
na
escola e, em especial, na sala de aula.
A avaliação tradicionalmente se estrutura através de diferentes modalidades
as quais foram instituídas no processo pedagógico. O significado da avaliação vai se
alterando por vários motivos, como, por exemplo, as políticas públicas, como é o
caso da avaliação continuada, no Estado de São Paulo; as modificações das
32
relações sociais dentro e fora da escola; a democratização do processo de ensino e
aprendizagem, etc. Nesse contexto, a avaliação vai transformando-se e perdendo o
seu significado tradicional, e seu sentido precisa ser retomado. Porém, muitas
vezes, a escola não está preparada para enfrentar as transformações que o
processo de avaliação requer para adequar-se aos novos tempos.
Este trabalho propõe-se a discutir a necessidade de pensar e repensar a
avaliação dentro da cultura escolar, buscando caminhos que a reinterpretem e a
transformem, para que ela possa ajudar a transformar as tensões existentes no
processo avaliativo, construindo possibilidades de desenvolvimento, evolução e
autonomia dos educandos.
Queremos investigar como a ação docente pode possibilitar uma prática
avaliativa cuja gestão requer a participação ativa dos alunos e a inclusão dos pais no
processo de avaliação da aprendizagem nas aulas de matemática, de forma a
garantir um processo avaliativo emancipatório, compartilhado com os alunos, que
podem tornar-se seus protagonistas e também, por conseqüência, protagonistas do
processo de conhecer. Este se estabelece através de um ambiente dialógico, onde
todos os envolvidos têm voz e são ouvidos, na busca de um novo equilíbrio dessa
assimetria que existe nas práticas avaliativas que ocorrem na sala de aula. Paulo
Freire nos fala desse desafio de levar o educando a assumir-se como sujeito do
processo de conhecer:
Se você tem uma posição política reacionária, não há duvida que o papel
do educador é ensinar e do educando é ser ensinado; se a sua opção
política é uma opção transformadora e se você é coerente com a sua opção
– porque esse é outro problema sério que devemos examinar, pois a partir
da opção, o educador tem que lutar para alcançar um limite razoável de
coerência entre o discurso sobre a opção e a prática que viabiliza o sonho
contido nela – se é substancialmente democrática, você não renuncia a seu
trabalho de educador, você se afirma nele e desafia o educando a assumirse como sujeito do processo de conhecer. (FREIRE, 1991, p. 43).
E esse processo de conhecer é, sem dúvida, marcado pelo tempo. Um tempo
de ensinar, um tempo de aprender, um tempo de compreender, um tempo de
conhecer.
33
3.1.1 O Tempo
Ao buscarmos um novo equilíbrio nas relações que envolvem alunos e
professores dentro do processo de avaliação da aprendizagem que ocorre na
escola, deparamo-nos com a questão do tempo. Esse tempo toma uma dimensão
mais preocupante quando falamos em avaliações: há prazos a ser cumpridos,
legislações a ser respeitadas, planejamentos a ser seguidos, conceitos a ser
retomados em função da aprendizagem dos alunos. Enfim, são muitas as variáveis
que se evidenciam num processo avaliativo e que devem ser administradas no curto
espaço de tempo de um bimestre.
Diante dessa realidade, como lidar com o desafio de um processo de
avaliação que inclui o aluno como sujeito do processo e administrar essas relações,
levando em consideração o tempo pedagógico? “Para os docentes o ponto de
partida é o tempo de trabalho. Este será o parâmetro de avaliação de qualquer
intervenção na escola.” (ARROYO, 2004, p. 395).
Ao planejar o trabalho de um bimestre, a questão do tempo evidencia-se
como um fator que merece uma atenção especial, pois traz consigo implicações
importantes que afetam as condições e as situações do trabalho pedagógico.
Porém é um direito perguntar-se por alguns pontos: em que qualquer
proposta afetará suas rotinas de trabalho, seus tempos escolares e inclusive
seus tempos de família, de descanso, se aumentará ou diminuirá o cansaço.
A categoria se pergunta, ainda, se os saberes docentes produzidos em seu
trabalho serão levados em conta, respeitados ou ignorados. (ARROYO,
2004, p. 396).
A escola possui papéis, normas, rotinas e ritos próprios que exigem do
professor habilidades na administração do tempo pedagógico. Ao organizarmos um
processo avaliativo que procura desenvolver no aluno atitudes para constituir-se em
sujeito desse processo, a relação com o tempo transforma-se, tanto para o aluno
como para o professor. Ao repensarmos a concepção, o planejamento, a
organização e a sistematização do processo de avaliação com o intuito de
possibilitar ao aluno condições para que ele compartilhe com seu professor a gestão
desse processo, estaremos provocando e produzindo nesse contexto uma
reorganização e, conseqüentemente, uma otimização do tempo pedagógico, por
meio de diversas práticas que essa outra visão nos possibilita.
34
O trabalho de conscientizar o aluno sobre seu papel de estudante, por
exemplo, que ocupa boa parte do tempo do professor, quando este é o único
protagonista do processo de avaliação, já não se faz mais necessário; ao colocar o
estudante no centro da ação educativa, o próprio processo avaliativo procura
desenvolver atitudes favoráveis que possibilitarão ao aluno uma relação mais
consciente com a construção do seu conhecimento. É possível que se constitua,
assim, uma nova dimensão do tempo, que corrigirá seu fluxo e cuja administração
será compartilhada entre os professores e seus alunos.
3.2 A Concepção de Educação
Ao pensarmos em constituir uma prática avaliativa do processo de ensino e
aprendizagem que ocorre na sala de aula, precisamos considerar que estamos
dentro de um contexto educacional sustentado por concepções que orientam a
tomada de decisões nos diversos âmbitos da intervenção educativa e, portanto,
também na avaliação.
A prática educativa passa por essas concepções estabelecidas de forma
consciente ou não. Muitas vezes, a falta de reflexões, pela equipe pedagógica da
escola, sobre os referenciais que fundamentam a prática pedagógica do professor
tem causado grandes desencontros nos processos avaliativos de nossos alunos,
como Perrenoud (1999) afirma e aqui evidenciamos:
Os textos legislativos e regulamentares dizem o que se deve ensinar, mas
definem muito menos claramente o que os alunos devem supostamente
aprender, portanto o que se deve avaliar; [...] o conteúdo da avaliação e o
nível de exigência são totalmente deixados à apreciação do professor. Os
programas deixam aos professores uma significativa margem de
interpretação e uma esfera de autonomia quanto à sua transposição
didática. (PERRENOUD, 1999, p.30).
Para que exista um consenso nessa margem de interpretação à qual se refere
Perrenoud, torna-se necessária a discussão sobre alguns referenciais teóricos que
nortearão o processo educacional e, conseqüentemente, o de avaliação em sala de
aula.
Zabala (1998) destaca a importância de a prática reflexiva ser pautada por
referenciais teóricos, ao afirmar que:
35
Necessitamos de meios teóricos que contribuam para que a análise da
prática seja verdadeiramente reflexiva. Determinados referenciais teóricos,
entendidos como instrumentos conceituais extraídos do estudo empírico e da
determinação ideológica, que permitam fundamentar nossa prática; dando
pistas acerca dos critérios de análise e acerca da seleção das possíveis
alternativas de mudança. (ZABALA, 1998, p.16).
No desenvolvimento deste trabalho, vamos considerar que esses referenciais
se concretizam em dois grandes grupos: o primeiro diz respeito à função social do
ensino: “para que educamos?”, e o segundo refere-se à concepção de “como o
aluno estabelece relações com o saber”. As ações que constituem a prática
educacional, em sala de aula, modificam-se de forma significativa, dependendo das
respostas que damos a essas questões.
3.2.1 A Função Social do Ensino
No desenvolvimento deste trabalho, consideraremos que a função social do
ensino é educar o cidadão para ser capaz de dar respostas aos problemas que a
vida lhe trará e para que sua vida seja comprometida com a transformação
qualitativa da sociedade e dele mesmo. Segundo Zabala (1998, p. 197), “podemos
entender que a função social do ensino não consiste apenas em promover e
selecionar os ‘mais aptos’ para a universidade, mas que abarca outras dimensões
da personalidade”.
Quando nos referimos ao compromisso do cidadão com seu desenvolvimento,
estamos considerando alguns aspectos de sua formação integral, ou seja, sua vida
interpessoal: relacionar-se e viver positivamente com as demais pessoas; sua vida
pessoal: conhecer a si próprio, os demais e a sociedade e sua vida profissional:
dispor de conhecimentos e habilidades para exercer uma tarefa profissional.
Comprometer-se com a melhoria da sociedade requer do indivíduo sua
participação
ativa
na
transformação
dessa
sociedade.
Nesse
sentido,
compreendemos “educação como instrumento de transformação da prática social.”
(LUCKESI, 1998, p. 29). Nessa perspectiva, o exercício da cidadania é considerado
através do enfoque que valorize as interações entre as pessoas e o contexto social;
requer autonomia, reflexão e dimensão coletiva por parte do cidadão. Gramsci diz
que “a escola não deve só tornar cada um mais qualificado, mas deve agir para que
‘cada cidadão’ possa se tornar ‘governante’ e que a sociedade o coloque, ainda que
36
‘abstratamente’, nas condições gerais de poder fazê-lo.” (GRAMSCI, 1979, apud
LUCKESI, 1998, p. 44).
3.2.2 A Forma como o Aluno estabelece Relações com o Saber
O
segundo
referencial
que
norteará
o
processo
educacional
e,
conseqüentemente, o de avaliação é a concepção de como o aluno estabelece
relações com o saber. De acordo com Charlot,
A problemática da relação com o saber estabelece uma dialética entre
interioridade e exterioridade, entre sentido e eficácia. Aprender é apropriar-se
do que foi aprendido, é tornar algo seu, é interiorizá-lo. Contudo, aprender é
também apropriar-se de um saber, de uma prática, de uma forma de relação
com os outros e consigo mesmo... que existe antes que eu aprenda, exterior
a mim. A problemática da relação com o saber recusa-se a definir a
aprendizagem partindo apenas do movimento daquele que aprende ou das
características daquilo que é aprendido. O que importa é a conexão entre o
sujeito e o saber, entre o saber e o sujeito. (CHARLOT, 2001, p. 20).
Considerando a escola como “um lugar que induz as relações com o(s)
saber(es)” (CHARLOT, 2001, p.18), é inevitável um repensar sobre a prática
pedagógica no sentido de possibilitar ao aluno uma relação com o saber que lhe
permita estabelecer relações consigo próprio, conectando sua interioridade com a
exterioridade, isto é, com o mundo e com os outros.
Para que a aprendizagem ocorra, é preciso que o saber tenha sentido para o
aluno, pois existe uma dialética entre sentido e eficácia da aprendizagem, isto é, se
fizer sentido para o aluno, ele poderá apropriar-se do que foi aprendido. Segundo
Charlot (2001, p. 21), “[...] o sentido atribuído a um saber leva a envolver-se em
certas atividades, a atividade posta em prática para se apropriar de um saber
contribui para produzir o sentido desse saber”.
Nesse contexto, caberá ao professor elaborar e sistematizar meios que
possibilitem “a conexão entre o sujeito e o saber, entre o saber e o sujeito.”
(CHARLOT, 2001, p. 20). Contudo, para o aluno aprender, torna-se importante que
ele tome consciência do seu papel nessa conexão, sentindo-se parte integrante
dela.
37
O sujeito que aprende apropria-se de uma parte do patrimônio humano que
se apresenta sob formas múltiplas e heterogêneas: palavras, idéias,
teorias, mas também técnicas do corpo, práticas cotidianas, gestos
técnicos, formas de interações, dispositivos relacionais. (CHARLOT, 2001,
p. 21).
Ao considerarmos essas formas múltiplas e heterogêneas do patrimônio
humano, das quais o sujeito se apropria ao aprender, o sentido do ensino, da
aprendizagem e da avaliação poderá sofrer transformações, pois deixamos de
valorizar somente os conteúdos conceituais de aprendizagem: passamos a
considerar também os conteúdos procedimentais e atitudinais, que fazem parte do
patrimônio humano a ser aprendido na escola. Passamos a ver o aluno como um
sujeito que precisa apropriar-se de um saber, de uma prática, de uma forma de
relação com os outros e consigo mesmo. Isto é, passamos a ver o aluno de uma
forma integral.
Na prática pedagógica necessitamos de princípios norteadores, advindos das
concepções que adotamos como professores, para conduzir nossas ações
docentes, tanto no ensino quanto na avaliação da aprendizagem escolar. Os
princípios acima descritos serão considerados como pontos de partida para o
processo de avaliação que nos propomos a analisar com este trabalho.
A relação existente entre os dois referenciais teóricos descritos anteriormente
pode possibilitar uma intervenção na forma, culturalmente construída pela escola, de
ordenar as ações e as intervenções que o processo de ensino e aprendizagem e,
conseqüentemente, o de avaliação requerem.
3.2.3 O Significado da Avaliação
O aperfeiçoamento da prática educativa depende das informações advindas
do processo de avaliação, através das quais vão se evidenciando, durante o
bimestre, as manifestações relevantes do processo educativo. Encontramos em
Luckesi (1998) o significado de avaliação que adotaremos neste trabalho e que
descreveremos abaixo:
38
A avaliação pode ser caracterizada como uma forma de ajuizamento da
qualidade do objeto avaliado, fator que implica uma tomada de posição a
respeito do mesmo, para aceitá-lo ou para transformá-lo. A definição mais
comum adequada, encontrada nos manuais, estipula que a avaliação é um
julgamento de valor sobre manifestações relevantes da realidade, tendo em
vista uma tomada de decisão. Juízo de valor significa uma afirmação
qualitativa sobre um dado objeto, a partir de critérios pré-estabelecidos.
(LUCKESI, 1998, p.33).
As interferências no processo pedagógico devem fundamentar-se no
processo de avaliação, pois é ele que pode fornecer dados importantes para
conduzir as intervenções que visam a melhoria da prática educativa. A avaliação
deverá conter dados relevantes e relativos ao processo e aos resultados da
aprendizagem do aluno, que se transformarão em referências para inferir o alcance
dos objetivos previstos.
Quando o ensino e a aprendizagem visam a formação integral do educando,
isto é, quando passam a ver o aluno como um sujeito que precisa apropriar-se de
um saber, de uma prática, de uma forma de relação com os outros e consigo
mesmo, conteúdos de diferentes características deverão ser trabalhados. Esses
conteúdos de aprendizagem irão propiciar não só o desenvolvimento das
capacidades cognitivas do educando, mas também de suas “capacidades motoras,
de equilíbrio e de autonomia pessoal, de relação interpessoal e de inserção social.”
(ZABALA, 1998, p. 197).
Esse olhar que nos possibilita reconhecer as diferentes capacidades que
devemos desenvolver no educando também nos leva a pensar na tipologia dos
conteúdos que permitirão o desenvolvimento dessas capacidades. Tais conteúdos
deverão caracterizar-se de acordo com suas finalidades e propósitos, buscando
adequar-se aos objetivos que se pretende alcançar para o desenvolvimento integral
dos alunos. Na busca da fundamentação teórica e da sistematização dessas idéias,
encontramos a classificação desses conteúdos de acordo com o seu tipo em
“conceituais, procedimentais e atitudinais.” (ZABALA, 1998, p.8).
Esta classificação diferencia claramente os conteúdos de aprendizagem:
- Os conteúdos conceituais referem-se à abordagem de conceitos, fatos e
princípios, e sua aprendizagem envolve a aquisição de informações, a vivência de
situações, a construção de generalizações e a compreensão de princípios.
39
- Os conteúdos procedimentais expressam um saber fazer e sua aprendizagem
envolve: a realização de uma série de ações de forma ordenada e não aleatória, a
tomada de decisões para o alcance de uma meta, bem como a construção de
instrumentos para analisar os processos e os resultados obtidos.
- Os conteúdos atitudinais incluem valores, normas e atitudes, e a sua
aprendizagem orienta ações e possibilita o juízo crítico; orienta padrões de conduta
e envolve cognição (conhecimento e crenças), afeto (sentimentos e preferências) e
condutas (ações e declarações).
Ao estabelecermos distinções para os conteúdos trabalhados em sala de
aula, de acordo com seu tipo, somos levados a considerar estratégias que permitam
o ensino — bem como a avaliação — desses conteúdos de forma diferenciada,
sistemática e organizada, embora eles nunca se encontrem compartimentados no
processo educativo.
Podemos observar que, em geral, embora exista, por parte do professor, em
suas aulas, uma orientação relativa aos conteúdos procedimentais e aos atitudinais,
eles não são tratados como conteúdos de aprendizagem, isto é, não estão sujeitos
às estratégias de ensino, embora se submetam ao processo de avaliação. Para o
aluno, eles estarão muitas vezes encobertos e mal compreendidos.
Podemos observar que, em geral, o trabalho desenvolvido pelo professor em
sala de aula valoriza muito mais a dimensão racional e cognitiva do processo
educativo do que sua dimensão afetiva e ética, e considera procedimentos e atitudes
não como objeto de ensino, mas, sim, como conhecimentos prévios que o aluno já
deverá trazer para a sala de aula, conforme nos diz Esteban:
O processo de avaliação do resultado escolar de alunos e alunas está
profundamente marcado pela necessidade de criação de uma nova cultura
sobre avaliação, que ultrapasse os limites da técnica e incorpore em sua
dinâmica a dimensão ética. (ESTEBAN, 1999, p.8).
Muitas vezes os professores se sentem frustrados em suas expectativas em
relação ao comportamento de seus alunos: esquecem-se de que esses
comportamentos precisam ser vivenciados nas relações sociais de sala de aula e
submetidos ao processo de ensino e aprendizagem, permitindo, assim, que a
dimensão racional e cognitiva do processo educativo se associe à dimensão afetiva
40
e ética na busca de uma relação mais adequada entre ensino, aprendizagem e
desenvolvimento humano. Essa associação requer um trabalho pedagógico que
contemple o ensino, a aprendizagem e a avaliação dos três tipos de conteúdos que
foram abordados.
Uma prática pedagógica que leve em consideração que esses conteúdos
deverão estar estruturados e articulados através de atividades que contribuam para
a sua aprendizagem requer uma mudança significativa no ensino, na aprendizagem
e, conseqüentemente, no processo de avaliação da aprendizagem.
Para refletirmos sobre uma mudança no processo avaliativo, devemos levar
em consideração os planos em que ocorrem as avaliações que fazemos de nossos
alunos. A esse respeito, Freitas (2009) enfatiza que é preciso considerar a avaliação
em dois planos: um formal e outro informal.
Quando consideramos a dimensão racional e cognitiva do processo avaliativo,
estamo-nos reportando à avaliação formal. Ou seja, são “[...] aquelas práticas que
envolvem o uso de instrumentos de avaliação explícitos, cujos resultados da
avaliação podem ser examinados objetivamente pelo aluno à luz de um
procedimento claro.” (PINTO, 1994, apud FREITAS, 2009, p.27).
Já a avaliação informal é construída pelo professor a partir “[…] de juízos
gerais sobre o aluno, cujo processo de constituição está encoberto e é
aparentemente assistemático e nem sempre acessível ao aluno.” (FREITAS, 2009,
p.27).
Ainda, com relação à avaliação informal, temos, segundo Freitas:
A parte mais dramática e relevante da avaliação se localiza aí, nos
subterrâneos onde os juízos de valor ocorrem. Impenetráveis, eles regulam
as relações tanto do professor para com o aluno, quanto do aluno para com
o professor. Este jogo de representações vai construindo imagens e autoimagens que terminam interagindo com as decisões metodológicas que o
professor implementa em sala de aula. (FREITAS, 2009, pp. 27-28).
O diagrama a seguir representa o modelo interpretativo de avaliação em sala de
aula (FREITAS, 2009, p.29).
41
Campo
predominante
do formal
Nota
Avaliação
Institucional
(conteúdo)
Avaliação do
comportamento
Campo
predominante
do informal
Sucesso
Avaliação de
valores e
atitudes
ou
Autoestima
Fracasso
Juízos
Ao considerarmos uma prática avaliativa emancipatória, compartilhada por
professores e alunos, queremos criar possibilidades de tornar os critérios da
avaliação informal, na medida do possível, mais claros e objetivos e sujeitos ao
processo de ensino e aprendizagem, para permitir ao aluno o juízo de valor sobre
suas próprias ações; de tal forma que a imagem do seu valor escolar seja construída
e reconstruída, ao longo do bimestre, numa relação dialógica entre ele e seu
professor.
Nesse contexto, a avaliação informal poderá aproximar-se o máximo possível
da avaliação formal, trazendo, tanto para o professor como para o aluno, o maior
conhecimento possível de si mesmo e de sua realidade.
Dessa maneira, tendo como referência o diagrama de Freire, podemos
contemplar tais considerações ao deslocar para baixo a linha horizontal, divisória
entre a avaliação formal e informal, possibilitando abranger de forma mais intensa,
além da avaliação de conteúdo, a avaliação do comportamento e também de valores
e atitudes.
42
Campo
predominante do
formal
Nota
Sucesso
Avaliação
Institucional
(conteúdo)
Avaliação do
comportamento
Campo
predominante do
informal
ou
Avaliação de
valores e atitudes
Autoestima
Fracasso
Juízos
Assim, a prática pedagógica deixará de ser propedêutica e seletiva e passará
a ter uma função orientadora, buscando desenvolver todas as capacidades do
educando; e, como conseqüência, o professor deixará de ser um professor de
matéria para desempenhar a função mais abrangente de educador, assumindo o
papel de orientador do processo de educação junto com seus alunos.
Dessa forma, o processo de avaliação passará a ter a finalidade de
diagnosticar os níveis de desenvolvimento do aluno, e o professor deixará de ser o
sujeito que aplica avaliação; virá a ser o sujeito que promove, de forma
compartilhada com os integrantes do processo avaliativo, o diagnóstico deste e
provê as possibilidades de interferências que são detectadas pela ótica do aluno e
do professor. Segundo Freire (1991, p.154), “o sujeito que se abre ao mundo e aos
outros inaugura com seu gesto a relação dialógica em que se confirma como
inquietação e curiosidade, como inconclusão em permanente movimento na
história”.
Ao considerarmos uma prática de avaliação que promove a relação dialógica
e aceita a consciência da inconclusão de cada um dos envolvidos nesse processo,
acreditamos que estamos trabalhando para diminuir o fracasso escolar, porque
estamos avaliando para tentar estabelecer uma relação com o saber e com o ser, e
não com a nota.
43
O que importa é a aprendizagem e a possibilidade de o aluno auto-avaliar-se
o tempo todo, projetar e ver novas alternativas que abrirão novos caminhos para o
conhecimento. O que importa é o aluno sentir-se no direito de errar e aprender com
o seu erro. Em relação ao erro, concordamos com Esteban, quando nos diz:
O erro passa a ser visto por outro prisma, como momento do processo de
construção de conhecimento que dá pistas sobre o modo como cada um
está organizando seu pensamento, a forma como está articulando seus
diversos saberes, as diversas lógicas que atravessam a dinâmica
ensino/aprendizagem, as muitas possibilidades de interpretação dos fatos,
a existência de vários percursos, desvios e atalhos, as peculiaridades de
cada um nos processos coletivos, a tensão individual/coletivo. Deixa de
representar a ausência de conhecimentos, a deficiência, a impossibilidade,
a falta. (ESTEBAN, 1999, p. 21).
Assim o aluno estabelecerá um movimento permanente na construção de seu
próprio saber, reconhecendo-se sempre em transformação no seu processo de
aprender.
3.3 A Ação Docente
A prática avaliativa compartilhada com os alunos, com a finalidade de
oferecer a eles, permanentemente, a oportunidade de desenvolver, no maior grau
possível, todas as suas capacidades, depende de ações planejadas e estruturadas
pelo professor. Essas ações apóiam-se em algumas características do processo
avaliativo que foram apontadas por Ramos (2000) e comentaremos abaixo, pois
ajudaram a compor nosso processo de pesquisa.
3.3.1 Ser Transparente
Toda a comunidade educativa tem condições de observar e compreender o
desempenho do estudante.
A avaliação requer transparência dos critérios que serão usados para avaliar
e requer combinados e acordos claros e conhecidos por todos os integrantes do
processo. Para isso usamos o contrato didático, que permite que o educando se
coloque como sujeito do processo, conhecendo os valores relevantes que serão
julgados através do processo avaliativo, e os reconheça com clareza e transparência
na organização e na estrutura dos instrumentos de avaliação. Assumimos, em nosso
estudo, para contrato didático, a definição de Chevallard, que assim o apresenta:
44
O contrato didático define o que será possível ou impossível fazer na aula,
o que terá sentido para os alunos e para o professor de maneira
compartilhada. Antes de serem eficazes, as técnicas didáticas têm que ser
aceitáveis e significativas para os protagonistas do sistema didático.
(CHEVALLARD, 2001, p.192)
O contrato didático, ao possibilitar a discussão e a transparência dos critérios
de avaliação, também propicia ao professor um “posicionamento pedagógico claro e
explícito” (referência), que deverá estar dimensionado nos registros e nos
instrumentos de avaliação, de tal forma que permita a qualquer integrante desse
processo o livre acesso a esses critérios e a visualização das intervenções
necessárias, a qualquer momento do processo pedagógico, de forma clara e
explícita.
Dessa forma, concordamos com Luckesi, que afirma:
[...] o primeiro passo que nos parece fundamental para redirecionar os
caminhos da prática da avaliação é assumir um posicionamento pedagógico
claro e explícito. Claro e explícito de tal maneira que possa orientar
diuturnamente a prática pedagógica, no planejamento, na execução e na
avaliação. (LUCKESI, 1998, p. 42).
3.3.2 Ser Formativa
Ordenar as ações que permitirão a co-participação do educando num
processo de avaliação que em geral sempre esteve administrado somente pelo
professor requer a superação da idéia de que a avaliação é um instrumento de
controle das pessoas; requer também a aceitação de que ela poderá transformar-se
num instrumento educativo que auxilia a promoção do desenvolvimento humano.
Esteban (1997) afirma:
Avaliar o aluno deixa de significar fazer um julgamento sobre a
aprendizagem do aluno, para servir como momento capaz de revelar o que
o aluno já sabe, os caminhos que percorreu para alcançar o conhecimento
demonstrado, seu processo de construção de conhecimentos, o que o
aluno não sabe, o que pode vir a saber, o que é potencialmente revelado
em seu processo, suas possibilidades de avanço e suas necessidades para
que a superação, sempre transitória, do não saber, possa ocorrer.
(ESTEBAN, 1997, p. 53, apud AFONSO, 1999, p. 92)
O aluno toma consciência do seu próprio desempenho e é obrigado a refletir
sobre ele, o que lhe possibilita a busca de novas atitudes para melhorar seu
desempenho.
45
Isso significa que o processo de avaliação tem como propósito a modificação
e a melhoria contínua do aluno que se avalia; é um processo que
entende que a finalidade da avaliação é ser um instrumento educativo que
informa e faz uma valoração do processo de aprendizagem seguido pelo
aluno, com o objetivo de lhe oportunizar, em todo momento, as propostas
educacionais mais adequadas. (ZABALA, 1998, p.200).
Ao referirmo-nos ao processo de avaliação na escola, sabemos dos esforços
e dos recursos usados pelos educadores na busca da melhoria do desempenho
escolar de seus alunos, porém vemos esses esforços minados por um processo de
alienação dos educandos em relação ao seu grau de compromisso com seu próprio
processo avaliativo.
Estamos aqui nos referindo ao significado que tem o processo de avaliação
para o aluno ao longo de suas vivências escolares. Podemos constatar que esse
significado se compromete quando o aluno tem concepções sobre a avaliação que
se baseiam nos resultados, sem analisar os meios pelos quais eles foram obtidos,
isto é não é relevante a aprendizagem, mas, sim, a nota final, não importando se ela
representará seu conhecimento adquirido ou não.
Ao considerarmos que “o objetivo do ensino não centra a sua atenção em
certos parâmetros finalistas para todos, mas nas possibilidades pessoais de cada
aluno” (ZABALA, 1998, p.197), precisamos introduzir no processo de avaliação
novas funções que o educando aprenderá a exercer para alterar o curso desse
processo, redirecionando-o através de mecanismos que o ajudem a reconhecer,
desenvolver e controlar seu progresso pessoal; isto é, ajudando-o a reconhecer o
significado da avaliação em sua vida escolar e a assumir seu papel e seu lugar no
processo avaliativo, com autonomia:
A avaliação formativa, como chama a atenção Philippe Perrenoud (1992),
assenta numa relação de extrema confiança e cumplicidade entre os alunos
e os professores – o que exige da parte dos professores a capacidade de
fazer todas as articulações e pontes possíveis com os outros atores
escolares e não escolares sem deixar que a comunidade signifique uma
nova regulação que acabe por impedir aquilo que aqui se propõe: constituirse um espaço de solidariedade, reciprocidade e emancipação. (AFONSO,
1999, pp. 97-98).
Assim, podemos considerar que existem ações pedagógicas que se
constituem em instrumentos efetivos que serão relevantes para criar níveis de ajuda
para os professores, para os alunos e para os demais atores escolares, na
46
constituição desse espaço de solidariedade, reciprocidade e emancipação acima
descrito.
Para isso surge a necessidade de criar os espaços pedagógicos que
permitirão atuação concreta do educando no seu processo de avaliação. Esses
espaços converter-se-ão em instrumentos adequados através dos quais os alunos
poderão tornar-se gestores de suas aprendizagens, juntamente com seus
professores, pais e demais participantes do processo. Perrenoud refere-se a uma
citação de Bain (1998) sobre essa questão: “A avaliação formativa está, portanto,
centrada essencial, direta e imediatamente sobre a gestão das aprendizagens dos
alunos
(pelo
professor e
pelos
interessados).” (BAIN, 1998,
p.24,
apud
PERRENOUD, 1999, p. 89).
3.3.3 Ser Integral
Não são avaliados apenas os conhecimentos dos alunos, mas também as
atitudes e as habilidades adquiridas e evidenciadas nas distintas produções e
reflexões sobre elas. O processo avaliativo ultrapassa a dimensão cognitiva, como
Luckesi (1998) indica e com o que concordamos:
O desenvolvimento do educando pressupõe o desenvolvimento das
diversas facetas do ser humano: a cognição, a afetividade, a
psicomotricidade e o modo de viver. Cada sujeito – criança, jovem ou
adulto – se educa no processo social como um todo; na trama das relações
familiares, grupais, políticas. (LUCKESI, 1998, p.126).
Muitas vezes ouvimos dos professores referências aos conteúdos de
aprendizagem com foco somente nos conteúdos conceituais. A necessidade de
ensinar os conteúdos procedimentais e atitudinais revela-se nos próprios
comentários dos professores, quando dizem que o aluno não sabe “fazer” ou não
sabe “ser”.
Nesse sentido, segundo Zabala (1998, p.8), “haverá conteúdos que é preciso
‘saber’ (conceituais), conteúdos que é preciso ‘saber fazer’ (procedimentais) e
conteúdos que admitem ‘ser’ (atitudinais)”.
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais encontramos referências ao ensinoaprendizagem desses três diferentes tipos de conteúdos.
47
Considerando os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental
II, encontramos:
Dessa forma, pode-se considerar que os conteúdos envolvem explicações,
formas de raciocínio, linguagens, valores, sentimentos, interesses e
condutas. Assim, nesses parâmetros os conteúdos estão dimensionados
não só em conceitos, mas também em procedimentos e atitudes. (BRASIL,
1998, p. 49).
Este texto refere-se aos conteúdos que deverão fazer parte do processo de
ensino e aprendizagem, na escola e que, portanto poderão compor o processo de
avaliação. O trabalho pedagógico passa, então, a incluir os conteúdos conceituais,
que abrangem o “saber”; os procedimentais, que abrangem o “saber fazer”; e os
atitudinais, que se referem ao “ser”, passando assim a considerar o aluno como um
indivíduo que precisa não só desenvolver suas capacidades cognitivas, mas também
as “capacidades motoras, de equilíbrio e de autonomia pessoal, de relação interpessoal e de inserção social.” (ZABALA, 1998, p. 197).
Os registros de avaliação assim estruturados podem garantir que esses
enfoques acima descritos se manifestem através de formas claras, objetivas e
diferenciadas, deixando transparecer para o professor e para seu aluno os critérios
de avaliação que compõem cada uma dessas dimensões.
Permitir essa transparência nos critérios de avaliação requer a diferenciação
entre os conteúdos que estão sendo avaliados, o que é possível, mas nem sempre é
feito com facilidade, pois, segundo Zabala:
Em sentido estrito, os fatos, conceitos, técnicas, valores, etc. não existem.
Estes termos foram criados para ajudar a compreender os processos
cognitivos e condutuais, o que torna necessária sua diferenciação e
parcialização metodológica em compartimentos para podermos analisar o que
sempre se dá de maneira integrada. Esta relativa artificialidade faz com que a
distinção entre uns e outros corresponda, na realidade, a diferentes faces do
mesmo poliedro. (ZABALA, 1998, p.p.39-40).
Quando o processo de avaliação se torna integral, o professor poderá evitar
as arbitrariedades que costumam ocorrer por conta da avaliação informal e do
grande número de alunos que temos em nossas salas de aula, além das inúmeras
variáveis pedagógicas que compõem a prática avaliativa.
Organizar registros que evidenciam uma avaliação integral requer um novo
olhar sobre os conteúdos de aprendizagem, sobre seu ensino e sua avaliação.
48
Esses registros têm a função de permitir ao professor, aos alunos e aos demais
integrantes do processo uma visão de como está se processando o desenvolvimento
do educando, nas dimensões cognitivas, afetivas e éticas. Essa observação remetenos a Luckesi, que assim caracteriza o desenvolvimento do educando:
O desenvolvimento do educando significa a formação de suas convicções
afetivas, sociais, políticas; significa o desenvolvimento de suas capacidades
cognoscitivas e habilidades psicomotoras; enfim, sua capacidade e seu
modo de viver. A educação escolar é uma instância educativa que trabalha
com o desenvolvimento do educando [...] (LUCKESI, 1998, p.126).
3.3.4 Ser Democrática
Ao consideramos essa característica do processo avaliativo, encontramos
em Esteban (2001):
O redimensionamento do conceito de avaliação escolar, articulado pelo
compromisso com a democratização do ato pedagógico, tem como
característica ser uma atividade mais participativa, desenvolvida através de
um processo contínuo. Deste ponto de vista a teoria sobre avaliação
precisa assinalar, para a atividade docente, estratégias que possam ajudar
alunos/alunas e professores/as a compreender e intervir no processo
coletivo de construção de conhecimentos. (ESTEBAN, 2001, p.126).
Para definir os critérios de avaliação que serão usados durante o bimestre,
todos os envolvidos no processo poderão ser agentes do contrato didático que será
estabelecido. A relevância desses critérios surge através de acordos discutidos e
combinados pelo professor e seus alunos no início de cada bimestre, garantindo,
assim, de forma democrática, a constituição do contrato, que se explicitará através
dos registros dos instrumentos de avaliação que farão parte de processo avaliativo.
Esses registros deverão constituir-se de maneira compartilhada e deverão
possibilitar aos professores, aos alunos, aos pais ou responsáveis acesso fácil e
permanente aos critérios estabelecidos, bem como o acompanhamento da avaliação
durante o bimestre. Esse acompanhamento possibilita corrigir rumos e ações
didáticas, a qualquer momento do processo avaliativo — que deixa de ser
classificatório —, promovendo o ensino e o avanço do aluno.
Neste aspecto concordamos com Luckesi, quando nos diz:
49
Queremos dizer que a primeira coisa a ser feita, para que a avaliação sirva
à democratização do ensino, é modificar a sua utilização de classificatória
para diagnóstica. Ou seja, a avaliação deverá ser assumida como um
instrumento de compreensão do estágio de aprendizagem em que se
encontra o aluno, tendo em vista tomar decisões suficientes e satisfatórias
para que possa avançar no seu processo de aprendizagem. (LUCKESI,
1998, p.81).
Na avaliação diagnóstica, o professor, assim como o aluno, toma
conhecimento do estágio de aprendizagem através dos instrumentos avaliativos e
dos registros que o estudante faz diariamente, no seu caderno, para acompanhar o
seu desempenho. O processo de avaliação deixa de ser um instrumento de
aprovação ou reprovação, permitindo ao professor tomar decisões, a qualquer
momento do processo, em relação aos procedimentos que permitirão o maior
desenvolvimento possível de seus alunos.
Da mesma forma, a avaliação diagnóstica permite aos alunos refletir sobre
seu próprio desempenho escolar, buscando possibilidades para avançar, e oferece
aos pais ou responsáveis a possibilidade de acompanhar o desempenho de seus
filhos ao longo do bimestre, fazendo intervenções quando se fizer necessário.
Consideramos que essas características acima descritas possibilitam uma
relação entre professores e alunos em que o professor cuida e o aluno sente-se
cuidado no seu processo de crescimento. Nesse contexto, a avaliação buscará
incluir o aluno na sua sala de aula, na sua escola, auxiliando-o no seu
desenvolvimento pessoal.
Tornam-se, então, muito significativos os registros adequados de avaliação,
pois será através deles que as características acima se constituirão, pois o professor
poderá discutir de forma contínua e compartilhada com seus os alunos o nível de
aprendizagem que eles atingiram, buscando as reformulações necessárias para dar
prosseguimento ao processo educativo; informar para os pais o progresso de seu
filho, de forma contínua, possibilitando a eles dar um apoio mais eficaz aos estudos
de seu filho; melhorar o ensino, pois ele poderá identificar as estratégias de ensino
que têm mais sucesso, ou ainda, identificar, segundo Matos e Serrazina,
“comportamentos de aprendizagem específicos que necessitam ser encorajados e
desenvolvidos ou desencorajados e substituídos”. Para esses autores:
50
Comportamentos de aprendizagem desejados incluem capacidades e
atributos que vão além dos conteúdos matemáticos específicos, por
exemplo, a persistência, o trabalho sistemático, a organização eficiente e
eficaz, a correção, o fazer conjecturas, a criatividade e a capacidade de
comunicar idéias e procedimentos claramente são comportamentos de
aprendizagem desejados que, embora haja consenso na importância
desses objetivos de aprendizagem, raramente têm sido o foco da avaliação.
(MATOS; SERRAZINA 1996, p. 218).
Acreditamos que o processo de avaliação com as características aqui
descritas pode tornar-se parte integrante do ensino, permitindo inserir o aluno de tal
maneira nesse processo, que ele se conscientize do seu papel de aprendiz e
reconheça qual o esforço que deve ser feito por ele para desenvolver suas
potencialidades e crescer como ser humano.
Esses pressupostos constituem-se como referencial na pesquisa aqui
descrita, a qual analisará o processo de avaliação desenvolvido por três professoras
de Matemática durante o ano de 2008, que davam aulas, em diferentes escolas
públicas do Estado de São Paulo, para o Ensino Fundamental II (sério Ensino
Médio.
Assim, no capítulo a seguir apresentaremos os procedimentos metodológicos
desta pesquisa, os quais foram elaborados com base nos referenciais teóricos aqui
descritos.
51
CAPÍTULO IV
4 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA
Para percorrermos essa trajetória faremos, inicialmente, uma abordagem do
problema que originou essa pesquisa bem como os contextos e os pressupostos nos
quais se construíram os dados que dela fazem parte para depois explicitarmos a
metodologia e as categorias de análise que surgiram no desenvolvimento desse
trabalho.
4.1 Origem
O problema que originou esta pesquisa teve seu cerne ainda quando, na
docência de matemática no Ensino Médio, em uma escola da rede estadual de
ensino do Estado de São Paulo, levantamos questões relacionadas à prática
avaliativa que nos direcionaram e nos motivaram a elaborar um processo de
avaliação de forma compartilhada com o aluno e com os pais, o que gerou bons
resultados na aprendizagem do aluno em matemática e na sua relação com a
avaliação.
Após nossa aposentadoria, na rede estadual, em 2006 e a convite da
professora Miriam Sampiere Santinho, expusemos esse processo avaliativo num
módulo do curso Mat 502 — do Laboratório de Ensino de Matemática (LEM) do
Imecc–Unicamp —, destinado a professores do Ensino Fundamental II, que se
propunha a discutir o tema avaliação. Nessa mesma época, também expusemos
esse processo, com a mesma finalidade, no “Teia do Saber”, um programa de
educação continuada criado pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.
Faziam parte do curso de especialização, cuja conclusão foi em julho de
2006, as professoras Adriana e Eliana, com as quais, através de e-mails,
mantivemos contato, assim como com os outros professores participantes do curso
52
que tinham interesse em mudar sua prática avaliativa e começaram a usar, em suas
aulas de matemática, o processo avaliativo apresentado por nós.
Em janeiro de 2007, a professora Eliana, que já havia iniciado suas
experiências com o processo avaliativo com suas classes, relatou que a diretora de
sua escola solicitava ao Lem uma apresentação do trabalho com avaliação para os
demais professores da escola, em vista dos bons resultados obtido pela professora
Eliana com seus alunos.
Já no segundo semestre de 2006, utilizávamos um ambiente de educação a
distância (Teleduc) para nos comunicarmos com os professores dos cursos de
especialização, mas os professores da “Teia do Saber” também tinham acesso a
esse ambiente virtual. Por essa via, viemos a ter notícias de alguns professores que
estavam usando o processo de avaliação em suas aulas. Dentre esses professores
estavam Adriana, Eliana e Conceição.
Esse movimento sinalizou a necessidade de se promover, no Lem,
juntamente com a professora Miriam, uma reunião presencial no dia 9 de fevereiro
de 2007, para socializar as experiências em andamento, com a participação de
alguns professores inscritos no Teleduc, inclusive as professoras Conceição e
Adriana. A professora Eliana não pôde estar presente.
Esta reunião foi muito produtiva, pois os professores apresentaram o trabalho
que realizavam com a avaliação em suas aulas de matemática; expuseram dúvidas
e acertos para serem discutidos e pudemos, assim, aprofundar alguns aspectos
teóricos relativos ao processo avaliativo, tendo como base, nessa ocasião, as idéias
de Zabala e Luckesi. Foi possível perceber que cada professor havia constituído
uma maneira própria de usar o processo avaliativo em suas aulas de matemática.
Destacamos aqui que o módulo que discutiu o tema avaliação no curso de
especialização do “LEM”, do qual faziam parte Adriana e Eliana, e também na “Teia
do Saber”, em 2006, da qual fazia parte Conceição, foi iniciado por um questionário
respondido por todos os professores participantes. Sua finalidade era que se
evidenciasse a maneira como o professor entendia avaliação naquele momento. As
questões relativas a ele estão descritas no item 4.4 — “A metodologia da pesquisa”
— deste capítulo.
53
Nossos contatos para saber sobre o andamento das aplicações do processo
continuaram, por meio de e-mails, ao longo de 2007 e revelaram, até o final desse
ano, resultados considerados satisfatórios na aplicação do processo de avaliação
pelos professores.
Nosso ingresso no programa de pós-graduação decorreu dessas situações
vivenciadas com os professores. Nosso objetivo era aprofundar a visão acerca da
prática avaliativa e suas relações com a aprendizagem matemática, além de
contribuir com algumas referências que viessem a subsidiar o trabalho docente no
processo de avaliação de seus alunos como um aliado para aprimorar o processo de
ensino e aprendizagem.
Em
função
disso,
propusemos
aos
professores
que
já
estavam
desenvolvendo esse processo avaliativo em suas aulas e que estavam ligados ao
grupo de professores que vínhamos acompanhando, que colaborassem como
participantes de um projeto de pesquisa a ser iniciado em 2008, na Universidade
Cruzeira do Sul. As professoras Adriana, Conceição e Eliana dispuseram-se a
contribuir com nossa pesquisa, tornando-se nossas parceiras nesse trabalho.
4.2 Os Contextos nos quais se Construíram os Dados
O trabalho de pesquisa foi feito durante o ano de 2008, em três escolas de
diferentes cidades: uma delas era uma escola pública municipal, de Ensino
Fundamental, de Paulínia, Estado de São Paulo, onde trabalhava a professora
Conceição; a outra, em que lecionava a professora Adriana, era uma escola pública
municipal, de Ensino Fundamental de Valinhos; e a terceira, em que trabalhava a
professora Eliana, uma escola pública estadual de Ensino Fundamental e Médio de
Jundiaí.
Os níveis e as séries envolvidos foram os seguintes: em Paulínia, a
professora Conceição desenvolveu o processo avaliativo em três turmas de quinta
série e duas turmas de sexta série; em Valinhos, a professora Adriana desenvolveuo em duas turmas de quinta série, uma de sexta e uma de sétima série; e, em
Jundiaí, a professora Eliana o fez com suas turmas do Ensino Médio.
54
4.3 Os Pressupostos que Marcaram a Construção dos Dados
No início de fevereiro de 2008 reunimo-nos com as professoras Adriana,
Conceição e Eliana e retomamos as discussões sobre os princípios e a
fundamentação teórica que subsidiariam o trabalho com o processo avaliativo e que
haviam sido vistos durante o curso de Especialização – Mat 500 – LEM - Unicamp e
na “Teia do Saber”, pois eles seriam agora considerados os pressupostos que
marcariam a construção dos dados a partir dos quais desenvolveríamos nossas
análises no trabalho de pesquisa.
Além disso, nessa reunião, esclarecemos para as professoras que os objetivos
da nossa pesquisa eram:

verificar, através do contrato didático e de registros de avaliação, escritos,
como é possível criar espaços pedagógicos que possibilitem a inclusão da
atuação efetiva dos alunos na gestão de seu processo de avaliação;

observar se uma mudança no equilíbrio das responsabilidades atribuídas
aos envolvidos no processo de avaliação poderá promover melhores
resultados nas relações do aluno com o seu processo de aprendizagem,
nas aulas de matemática;

e investigar as transformações que ocorrem no “sentido da avaliação”, na
medida em que o contrato didático e os registros de avaliação possibilitem
uma
crescente
responsabilidade
do
aluno
em
relação
a
sua
aprendizagem.
Descreveremos abaixo como foram estabelecidos os parâmetros que
subsidiaram o trabalho das professoras com o processo avaliativo.
Partimos do princípio de que esse processo deveria ter as seguintes
características: ser transparente, ser integral, ser formativo e democrático.
Cada professora iria elaborar registros de avaliação adaptados à realidade de
sua escola, porém, eles deveriam respeitar as características acima descritas.
55
A discussão com as professoras sobre a forma de organizar esses registros,
levou à elaboração do que veio a se constituir no projeto de avaliação que, a partir
de então, vem sendo desenvolvido com estas características:
Para que o processo avaliativo seja transparente, o registro deve conter
dados relevantes — relativos aos resultados da aprendizagem do aluno — que se
transformarão em referências para inferir o alcance dos objetivos previstos. Assim, o
registro deve possibilitar, de forma clara e explícita, uma visão do posicionamento
pedagógico do professor em relação ao processo de avaliação estabelecido em sala
de aula, tanto para os alunos como para os pais.
Para que ele vise à formação integral do educando e, portanto, procure
alcançar o maior desenvolvimento possível de todas as suas capacidades, faz-se
necessário trabalhar conteúdos de diferentes características, para que, através
deles, seja possível abarcar as diferentes dimensões da personalidade dos
educandos. Esses conteúdos de aprendizagem devem propiciar não só o
desenvolvimento das capacidades cognitivas do educando, mas também de suas
“capacidades motoras, de equilíbrio e de autonomia pessoal, de relação interpessoal
e de inserção social.” (ZABALA, 1998, p. 197). Para isso, o planejamento de suas
seqüências didáticas deve prever os conteúdos conceituais, procedimentais e
atitudinais que devem fazer parte do ensino, da aprendizagem e da avaliação.
Para atender o aspecto formativo, o processo avaliativo precisa, através do
compartilhamento de responsabilidades com a professora e com os pais, possibilitar
a inclusão do aluno garantindo assim a participação deste na gestão desse
processo. Tal medida tem por objetivo tornar o aluno responsável por decisões no
sentido de buscar soluções para que sua aprendizagem o leve a desenvolver o
máximo possível suas capacidades.
Para ser democrático, é importante que a professora promova, no início de
cada bimestre, uma discussão com todos os envolvidos a respeito dos acordos e
combinados, garantindo, assim, de forma democrática, a constituição do contrato
didático, através de um consenso entre todos. Esses combinados evidenciam-se
através do registro avaliativo elaborado pela professora juntamente com seus
alunos.
56
Ainda dentro dessa característica de ser democrático, a professora deve levar
em consideração que a finalidade da avaliação é ser diagnóstica e não
classificatória, permitindo, assim, a inclusão do aluno em seu processo de
aprendizagem, com o objetivo de poder redirecioná-lo a qualquer momento do
processo.
A discussão dos aspectos práticos do projeto levou às seguintes definições:
1) É importante ressaltar para o aluno que, em seu caderno de matemática,
ele deverá destinar uma folha, exclusivamente, para o registro de suas próprias
avaliações..
2) No início de cada bimestre o professor, junto com seus alunos, deve
estabelecer o contrato didático que terá validade naquele período e apresentará,
entre outras coisas os critérios de avaliação relativos aos conteúdos que serão
trabalhados. Todos os combinados advindos do contrato didático serão registrados
no registro de avaliações do caderno do aluno, pois estarão sujeitos à avaliação
constante.
3) Os alunos precisam ter clareza sobre os objetivos que justificam a escolha
dos conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais que serão trabalhados no
bimestre. Esses conteúdos e seus objetivos devem ser registrados em uma folha do
caderno do aluno e acompanhados por ele em cada etapa da aprendizagem, pois
irão subsidiar as avaliações diagnósticas do processo de aprendizagem.
Consequentemente, as avaliações e seu registro também serão feitos levando em
consideração os diferentes tipos de conteúdos trabalhados.
4) O registro de avaliações do caderno do aluno será usado diariamente por
ele, para anotar as avaliações dos diferentes conteúdos trabalhados naquele dia ou
aquelas das quais o aluno tomar conhecimento naquele dia (por exemplo, a entrega
de uma avaliação corrigida). Isso permitirá que ele vá tomando consciência do seu
desempenho ao longo do bimestre e promovendo, sempre que possível, as
interferências necessárias para desenvolver o máximo possível suas capacidades. A
organização do “registro do caderno do aluno” deve ser tal que possibilite a ele o
fechamento de seu conceito bimestral, para, num primeiro momento, sozinho, e
57
depois, junto com sua professora, promover as reflexões sobre os resultados
conquistados.
Outro ponto que deve ser ponderado na formulação desses registros é a
facilidade do professor para controlar o seu próprio processo de ensinar, tendo um
diagnóstico mais real e autêntico sobre seu trabalho.
Novas discussões levaram-nos a acrescentar outros aspectos práticos ao
projeto, numerados abaixo, em prosseguimento à enumeração anterior:
5) Devemos ter pelo menos um registro de avaliaçoes no caderno de
matemática do aluno que permita o acompanhamento diário do processo avaliativo
por ele e por seus pais e um registro de avaliações do professor.
6) A auto-avaliação deve fazer parte do processo durante todo o bimestre,
porém deve ser retomada no final do bimestre, após o fechamento do conceito final,
porque nessa fase será possível visualizar o desenvolvimento do aluno como um
todo.
Alguns tipos de instrumentos de avaliação que atendiam aos princípios
norteadores do processo proposto foram também definidos pelo grupo:
 Avaliações parciais (provas escritas):
contêm poucas questões e servem para fazer um diagnóstico da compreensão de
uma etapa do processo de construção de um conceito que está em andamento. São
feitas em qualquer momento da aula e são individuais. Têm por objetivo nortear o
ritmo e o rumo das intervenções do professor no processo ensino e aprendizagem
do aluno.
 Avaliações bimestrais (Provas escritas):
englobam a matéria de todo o bimestre ou, em alguns casos, até mais que isso e
têm por objetivo diagnosticar a aprendizagem dos conteúdos conceituais
trabalhados. Esse tipo de avaliação acontece uma vez por bimestre e, nos casos em
que o aluno não obteve bons resultados, é refeita após um período de recuperação.
58
Essas avaliações parciais e bimestrais sempre devem estar relacionadas com
aqueles conteúdos conceituais definidos no início do bimestre e registrados pelos
alunos no caderno de matemática. Ao recebê-las corrigidas, o aluno deve anotar no
registro de avaliações de seu caderno de matemática os resultados obtidos.
Imediatamente após o término de uma avaliação parcial ou bimestral cabe ao
professor possibilitar sua correção e, aos alunos, registrá-la no caderno, para que,
ao receberem sua avaliação corrigida pelo professor, possam, baseados na
correção do seu caderno, identificar os erros que cometeram, corrigi-los e fazer sua
avaliação diagnóstica, levando em consideração os objetivos que deveriam atingir e
que foram explicitados pela professora antes do início da avaliação.
 Trabalhos de classe: são aqueles
realizados em sala de aula, individualmente ou em grupo. Eles devem estar
inseridos numa seqüência didática e promover a construção do conhecimento
através do fazer, isto é, do proceder. Esse trabalho de classe, coordenado pelo
professor, deve englobar, além dos conteúdos conceituais, os conteúdos
procedimentais que fazem parte dessas atividades desenvolvidas pelos alunos
durante a aula e que proporcionam “um aprender a fazer”. Nesse contexto “do
fazer”, torna-se bastante significativo o valor que o professor atribui a essas
atividades, mostrando ao aluno que esse valor é representado por um número que
não significa uma nota e, sim, o valor do seu envolvimento e dos seus esforços para
mobilizar sua capacidade de aprendizagem. Nesse processo, o erro tem tanto valor
quanto o acerto, pois o que importa é a possibilidade de experimentar e de validar
possíveis hipóteses no desenvolvimento do trabalho proposto.
Valorizando o trabalho de classe, permitiremos ao aluno a vivência de
experiências que trazem em seu contexto níveis de dificuldades que deverão ser
superados para que ele possa construir seu conhecimento. Esses trabalhos ocorrem
principalmente na introdução de novos conteúdos e na sistematização de conteúdos
já trabalhados. Ao expor o trabalho, o professor deve combinar com seus alunos o
seu valor e, ao terminá-lo, os alunos devem anotar em seu caderno, no “registro de
avaliações do aluno” o resultado alcançado.
59
Ressaltamos para as professoras que, quando é o próprio aluno que anota
em seu caderno o resultado de seu desempenho — definido através da avaliação do
trabalho de classe —, ele poderá passar a dar significado ao processo de avaliação,
reconhecendo que o valor atribuído ao seu trabalho tem como objetivo ajudá-lo a
redirecionar suas ações na busca do conhecimento.
Além dos conteúdos procedimentais, que podem levar o aluno à
compreensão dos conteúdos conceituais, estão envolvidos nesses trabalhos os
conteúdos atitudinais (atitudes, normas e valores), os quais complementam a
formação do aluno quanto ao desenvolvimento de atitudes essenciais à aquisição do
conhecimento matemático. É importante que fique claro para o aluno que todos os
conteúdos trabalhados têm valor e importância em seu processo de avaliação.
Os conteúdos atitudinais geram uma avaliação atitudinal que se refere às
atitudes, aos valores e às normas e engloba a postura do aluno diante da
especificidade das diferentes atividades relativas à disciplina, bem como as
questões relativas a caderno, material escolar, respeito às regras, presença,
prontidão, etc., cada um dos quais discutidos e combinados com os alunos, com
valores definidos.
 A lição de casa deve ser considerada separadamente,
pois importa ser vista como um momento importante que colabora muito para a
compreensão, a revisão e a sistematização dos conceitos aprendidos em sala de
aula, o que exige responsabilidade e compromisso. É um momento importante para
o aluno entrar na relação com o saber. Essas lições têm seus valores definidos e
registrados
pelos
alunos
em
seu
caderno,
possibilitando,
assim,
um
acompanhamento pelo próprio aluno e por seus pais.
Dessa maneira, através do registro de seu caderno, que deve ser preenchido
diariamente, o próprio educando estabelece um acompanhamento diário da
evolução de sua aprendizagem, tendo a possibilidade de verificar de que forma suas
atitudes estão influenciando o seu próprio desempenho escolar.
Esta análise pode ajudá-lo a estabelecer as intervenções necessárias feitas
por ele ou por seu professor, para corrigir os rumos de sua aprendizagem, evitando
60
que se tome ciência das necessárias mudanças somente no final do bimestre, o que,
comumente, acontece nos processos de avaliação.
Os itens desse instrumento devem ser modificados em função dos resultados
das avaliações feitas sobre eles e das características dos conteúdos conceituais,
procedimentais e atitudinais, que variam de bimestre para bimestre.
Assim, vai se constituindo, ao longo do bimestre, um registro que deve
explicitar o desenvolvimento do processo de aprendizagem desse aluno e que está
diariamente sob sua análise e controle, possibilitando-lhe perceber quais as
modificações
necessárias
para
melhorar seu
desempenho
em
busca
do
desenvolvimento de suas habilidades e competências.
 Outro instrumento deve ser o registro do professor,
que pode conter os mesmos dados que o do aluno, com a diferença de que serão
feitos pelo professor e ficarão em seu Diário de Classe. Isso lhe permitirá um
acompanhamento do desenvolvimento do aluno durante o processo e norteará as
interferências necessárias para o sucesso do processo de ensino e aprendizagem.
No final do bimestre, possibilitará uma conferência dos registros do aluno com os
registros do professor, quando necessário.
No final de cada bimestre, baseado nos dados do registro de avaliações de
seu caderno, o aluno receberá orientações da professora para sintetizar os
resultados ali contidos que farão parte do “fechamento” de sua avaliação bimestral.
Isto é, o aluno, baseado no registro do seu caderno, incumbe-se de fazer o
“levantamento final” de suas avaliações parciais, bimestrais, dos trabalhos de
classe, das lições de casa, das atitudes, etc. Somados esses resultados parciais, o
total será apresentado à professora que, junto com seu aluno, comporá o resultado
final da avaliação bimestral deste.
Propusemos
para
as
professoras
que
esses
resultados
bimestrais
componham um registro mais abrangente que o registro do caderno do aluno, e que
terá a função de ir registrando os resultados de cada bimestre, permitindo a todos os
envolvidos que visualizem o desenvolvimento do aluno ao longo do ano. Permitirá,
ainda, que se estabeleça entre aluno, professor e pais uma parceria para viabilizar
61
as decisões necessárias em direção ao melhor desempenho possível, por parte do
aluno, ao longo do ano.
Diante de todos esses dados, no final do bimestre, será possível pedir aos
alunos que escrevam um texto sobre o seu desempenho, baseado no instrumento
de avaliação do seu caderno. Isso possibilitará pedir-lhes, também, que analisem
com clareza e objetividade as causas dos resultados obtidos e que, se necessário,
proponham, segundo essa análise, caminhos e soluções para melhorar. Esse texto
poderá colaborar para que os pais ou responsáveis, no dia da reunião de pais,
percebam como podem ajudar a promover as modificações que deverão ocorrer no
bimestre seguinte, com vistas à melhoria do desempenho escolar de seu filho.
Com essas referências estabelecidas, os professores começaram, no início de
2008, o desenvolvimento desse processo de avaliação em suas salas de aula.
Combinamos, também, com as professoras, que elas deveriam usar o processo
avaliativo durante três bimestres, pelo menos, para depois fazermos a primeira
entrevista, com o objetivo de analisar os resultados até então obtidos por elas.
Consideramos com as professoras Adriana, Eliana e Conceição, que já tinham
vivenciado em 2007 uma experiência com esse processo avaliativo, que esse era
um tempo necessário para que os alunos e as professoras pudessem aprender e
apreender o processo avaliativo que estava sendo usado.
Em nossos acordos foram previstas duas entrevistas, ambas baseadas no
desenvolvimento do processo de avaliação que ocorreria em suas salas de aula. A
primeira seria feita durante o quarto bimestre e a segunda, após o encerramento do
ano letivo, pois nessa ocasião elas já teriam uma visão mais completa de todo o
trabalho.
Também combinamos que poderiam solicitar, a qualquer tempo, nossa
colaboração para esclarecimento de dúvidas ou qualquer outra necessidade, porém
esses contatos seriam vistos somente como uma assessoria para as professoras,
sem intuito de coletar material que se constituísse em dados para a pesquisa.
Tendo em vista esses procedimentos iniciais e nossos objetivos, elaboramos
a questão central desta investigação para analisar “como a ação docente possibilita
62
uma prática avaliativa cuja gestão requer a participação ativa dos alunos e a
inclusão dos pais no processo de avaliação da aprendizagem matemática”?
4.4 A Metodologia da Pesquisa
Buscando responder a esta questão, realizamos uma pesquisa qualitativa
com análise interpretativa, a partir das entrevistas semi-estruturadas realizadas com
três professoras.
Nossa opção pela análise de conteúdo deve-se ao fato de que esta pesquisa
se propunha a fazer uma observação empírica para investigar ações docentes que
possibilitariam a constituição de uma avaliação do processo de aprendizagem de
matemática, de forma compartilhada, entre professores, alunos e pais.
Na pesquisa foi empregada a estratégia do estudo de caso, tendo sido
utilizada a metodologia desenvolvida por Yin (2005). O escopo do trabalho está
perfeitamente enquadrado na definição estabelecida por esse autor: “Um estudo de
caso é uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo
dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o
fenômeno e o contexto não estão claramente definidos.” (YIN, 2005, p. 32).
A investigação de um estudo de caso enfrenta uma situação tecnicamente
única, em que haverá muito mais variáveis de interesse do que pontos de dados e,
como resultado, baseia-se em várias fontes de evidências, com os dados precisando
convergir em um formato de triângulo; e, como outro resultado, beneficia-se do
desenvolvimento prévio de proposições teóricas para conduzir a coleta e a análise
dos dados.
A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas semi-estruturadas e
do registro escrito de professoras e alunos, fornecido pelas professoras durante as
entrevistas.
A entrevista é uma técnica de pesquisa para construção de dados, cujo
objetivo básico é entender e compreender o significado que os entrevistados
atribuem a questões e situações baseadas nas suposições e conjecturas do
pesquisador (MARTINS, 2008).
63
A entrevista semi-estruturada foi realizada a partir de um pequeno número de
questões.
Apenas
algumas
questões
e
tópicos
foram
predeterminados,
possibilitando, assim, a formulação de outras questões durante todo o processo. As
questões previamente formuladas foram:

”Descreva, com o maior número de detalhes possível, como você
avalia seus alunos atualmente”.

“Quais são as dificuldades encontradas neste método?”

“Em relação ao conselho de classe, você sempre consegue emitir com
clareza e objetividade as justificativas sobre as notas atribuídas aos
alunos? Como você se sente?”

“Nas reuniões de pais, seus argumentos e registros são suficientes
para
demonstrar
a
real
situação
do
seu
aluno
quanto
ao
aproveitamento?”

“Como você se sente no conselho?”

“Os seus alunos costumam contestar as notas atribuídas a eles?” “Se a
resposta anterior for sim, como você justifica para eles, as notas
atribuídas?”

“Seu aluno é ciente dos itens que compõem o seu processo de
avaliação e ele se sente responsável pelo resultado obtido no bimestre
ou trimestre?”
As respostas desses questionários foram colocadas nos anexos, na seguinte
ordem: Anexo L, p. 176, refere-se à professora Adriana; Anexo M, p.177, refere-se à
professora Conceição; e Anexo N, p. 178, refere-se à professora Eliana.
A participação das professoras nas entrevistas e sua autorização prévia para
a divulgação das informações por elas fornecidas ocorreram após esclarecermos os
objetivos e os procedimentos desta pesquisa.
Na etapa final, após a elaboração dos estudos de caso, cada professora teve
acesso ao texto elaborado pela pesquisadora, para analisar se as informações
64
contidas correspondiam às declarações feitas durante as entrevistas e autorizar a
publicação, o que ocorreu em um encontro realizado em abril de 2009.
Os dados coletados nas entrevistas foram analisados através da técnica de
análise de conteúdo, que se presta tanto aos fins exploratórios, quanto aos de
verificação, confirmando ou não proposições e evidências de um estudo de caso
(MARTINS, 2008).
Através da análise de conteúdo, podemos encontrar respostas para as
questões formuladas e também descobrir o que está por trás dos conteúdos
manifestos, indo além das aparências do que está sendo comunicado. Considerando
essa perspectiva, os dados construídos foram preliminarmente submetidos aos
seguintes procedimentos: estabelecimento das categorias emergentes; codificação e
avaliação das generalizações obtidas. Sua interpretação efetuou-se mediante a
análise qualitativa do conteúdo, seguindo as três etapas fundamentais estabelecidas
(MARTINS, 2008, p. 34):
a) pré-análise: seleção do material e definição dos procedimentos a serem
seguidos;
b) exploração do material: implementação dos procedimentos: contagem de
palavras ou outra unidade de análise, levantamento de categorias já testadas
ou construção de categorias a partir das freqüências e significados comuns
da unidades de análise;
c) tratamento dos dados e interpretações: geração de inferências sobre o texto
como um todo e interpretações.
d) A exploração do material permitiu determinar as categorias emergentes, as
quais denominamos: a ação docente, a cultura escolar e a concepção de
Educação.
A partir dessa análise, construímos três estudos de caso: caso Adriana, caso
Conceição e caso Eliana, os quais serão apresentados nos próximos capítulos.
Nossa opção pelo estudo de caso, também se deve a algumas características
desta pesquisa que são destacadas dentre as fundamentais enunciadas por Lüdke e
65
André (1986). Para essas autoras, um estudo de caso é uma pesquisa de natureza
empírica, baseada em um trabalho de campo que apresente aspectos que visam à
descoberta, ou seja, apesar dos pressupostos teóricos do pesquisador, ele estará
atento aos novos elementos emergentes no decorrer do estudo. Essa característica
é coerente com nossa pesquisa pelo fato de estar fundamentada no fato de que
conhecimento não é algo acabado, mas uma construção que se faz e refaz
constantemente; que enfatiza a interpretação em contexto, permitindo uma
apreensão mais completa do objeto de estudo; que busca retratar a realidade de
forma completa e profunda, revelando a multiplicidade de dimensões presentes em
uma determinada situação ou problema, focalizando-o como um todo; e que usa
uma variedade de fontes de informação, as quais permitem ao investigador cruzar
informações, confirmar ou rejeitar hipóteses, descobrir novos dados, afastar
suposições ou levantar hipóteses alternativas.
A opção por essas perspectivas metodológicas decorreu dos objetivos desta
investigação, que se centraram em:

verificar,
através
do
contrato
didático
e
de
registros
de
avaliação,escritos, como é possível criar espaços pedagógicos que
possibilitem a inclusão da atuação efetiva dos alunos na gestão de seu
processo de avaliação;

observar se uma mudança no equilíbrio das responsabilidades
atribuídas aos envolvidos no processo de avaliação poderá promover
melhores resultados nas relações do aluno com o seu processo de
aprendizagem, nas aulas de matemática;

e investigar as transformações que ocorrem no “sentido da avaliação”,
na medida em que o contrato didático e os registros de avaliação
possibilitem uma crescente responsabilidade do aluno em relação a
sua aprendizagem.
66
4.5 As Categorias Emergentes
Esta investigação visou analisar as experiências realizadas em um processo
de avaliação sobre a aprendizagem matemática, por três professoras, em algumas
escolas públicas estaduais e municipais do Estado de São Paulo. Buscamos uma
análise do processo de avaliação dos alunos, ao vivenciarem propostas de
atividades avaliativas diferenciadas, as quais deveriam promover transformações no
ensino, na aprendizagem e nas interações entre as pessoas envolvidas nesse
processo.
Para isso, analisamos o trabalho das professoras através de entrevistas e dos
registros de avaliação utilizados por cada uma delas em sua prática avaliativa.
Foram realizados duas entrevistas e um questionário inicial, conforme
indicamos no quadro a seguir.
Adriana
Conceição
Eliana
Curso de especialização
“Teia do Saber”, 2006,
Curso de especialização
MAT502, 2006, feito
feita através do
MAT502, 2006, feito no
No LEM/IMECC/Unicamp
IMECC/Unicamp
LEM/IMECC/Unicamp
1ª entrevista
novembro de 2008
novembro de 2008
novembro de 2008
2ª entrevista
fevereiro de 2009
fevereiro de 2009
fevereiro de 2009
Questionário
Inicial
Durante essas entrevistas as professoras disponibilizaram os seguintes
materiais: Professora Adriana: “ficha diária do aluno” (Anexo A, p. 166), “ficha de
fechamento bimestral do aluno” (Anexo B, p. 167 ) e “ficha de fechamento bimestral
da professora” (Anexo C, p. 168 ). Professora Conceição: “ficha do caderno do aluno
e de encerramento bimestral”, sem preencher (Anexo D, p. 169 ); “ficha do caderno
do aluno”, preenchida por um aluno de 5ª série (Anexo E, p.170 ); outra “ficha do
caderno do aluno”, preenchida por um aluno de 6ª série (Anexo F, p. 171 ); “registro
67
da professora”, preenchido com os dados de uma classe de 5ª série (Anexo G, p.
172); outro “registro da professora”, preenchido com os dados de uma classe de 6ª
série (Anexo H, p. 173 ). Professora Eliana: uma “tabela do aluno”, sem preencher
(Anexo I, p. 174), e uma declaração de aluno (Anexo J, p.175).
A partir dos dados construídos e dos instrumentos descritos acima, definimos
as categorias de análise, através do confronto entre os dados oriundos dos registros
dos procedimentos de intervenção no processo avaliativo usado pelas três
professoras envolvidas.
Desse olhar sobre as informações advindas dos registros de avaliações das
professoras e sobre os princípios norteadores do processo surgiram três categorias
de análise: a ação docente, a cultura escolar, a concepção de educação.
Em relação à ação docente, esse processo de avaliação do ensino e
aprendizagem nas aulas de matemática propunha-se a envolver o aluno e sua
família, buscando torná-los protagonistas do processo. Para que esse propósito se
viabilizasse, surgiram ações das professoras no sentido de que o processo avaliativo
se tornasse transparente, democrático, integral e formativo.
Outra categoria de análise que se evidenciou foi a cultura escolar, porque
esse processo avaliativo se propôs a rever o equilíbrio das responsabilidades
atribuídas tradicionalmente tanto para o professor como para o aluno e seus pais ou
responsáveis no processo de avaliação. Para isso surgiram ações compartilhadas,
isto é, divisão das responsabilidades de forma combinada, para possibilitar uma
conscientização do aluno sobre seu papel na construção de sua educação. Isso
possibilitou transformações importantes no tempo e na qualidade do trabalho
pedagógico, o que foi analisado dentro dessa categoria.
A concepção de educação das professoras, isto é, como elas entendiam a
forma como o aluno aprende e qual é o papel da escola na sociedade teve uma
influência muito grande sobre todo o processo, o que nos levou a considerá-la como
uma outra categoria de análise.
68
A partir do próximo capítulo, descreveremos os estudos de caso referentes a
cada uma das professoras, apresentando as análises sobre a sua prática avaliativa,
segundo os critérios descritos acima.
Ao final de cada estudo de caso, apresentaremos uma tabela síntese;
entretanto, é preciso ressaltar que essa forma de sistematização não desconsidera o
movimento presente no processo constituído pela professora em sua prática
avaliativa; apenas nos auxilia a visualizar como as categorias de análise se
evidenciam em cada um dos casos.
69
CAPÍTULO V
5 A PROFESSORA ADRIANA
“[...] me organizei mais e o aluno também, e isso deixou
nossa convivência mais tranqüila e mais fácil. O resultado
final tem sido melhor porque nós estamos mais
comprometidos”.
(Entrevista, novembro 2008)
5.1 Trajetória Pessoal e Profissional
Adriana nasceu em Valinhos, onde fez o curso Colegial (atualmente Ensino
Médio) e, em seguida, graduou-se em Matemática pela PUC Campinas.
A professora conta que sempre gostou de matemática e, ao longo do curso
Colegial, já trabalhava, com o intuito de ter possibilidade financeira de cursar
faculdade, para ser professora de matemática. Começou a dar aulas em 2002 e
conta-nos como foi isso:
Quando eu me formei eu já estava como efetiva na prefeitura de
Valinhos, na área administrativa. Em 2002, peguei aulas no Estado,
no noturno. Acabei pegando aulas de FÍsica. Foi difícil, mas naquele
mesmo ano passei no concurso da prefeitura de Valinhos como
professora de matemática e assumi meu cargo, pegando aulas nas
quintas e sextas séries que tanto eu queria. Fiquei muito feliz. No
ano seguinte, 2003, ampliei minha jornada e peguei aulas na escola
rural onde estou até hoje. (Entrevista, fevereiro de 2009)
Perguntamos a Adriana por que decidiu ser professora, e ela nos respondeu:
Desde pequena queria ser professora, só não sabia de quê. Na
sétima serie tive um professor de matemática que eu gostava muito e
a partir daí eu comecei a pensar em ser professora de matemática.
Eu adorava matemática e meus professores falavam que eu tinha
jeito para ser professora. Na nossa comunidade, fazer faculdade era
uma coisa distante da nossa realidade. Acho que a gente era
educada para trabalhar e casar. Foi difícil enfrentar essa cultura
estabelecida, mas lutei, porque eu tinha certeza que eu queria ser
professora de matemática. (Entrevista, fevereiro de 2009).
70
Adriana está começando seu oitavo ano de exercício na docência. Ao longo
desse tempo, ela reconheceu que avaliar sempre foi uma tarefa difícil, que lhe trazia
certa insegurança e que estava somente sob a sua responsabilidade.
Em função disso, ela resolveu buscar outras formas de trabalhar com o
processo avaliativo em sua prática pedagógica. O trabalho desenvolveu-se durante
o ano de 2008, com duas turmas de quinta série, uma de sexta e uma de sétima
série, numa escola da rede pública municipal de Valinhos.
A análise que faremos abaixo, sobre o processo de avaliação desenvolvido
por Adriana com essas classes, baseia-se nas categorias — a ação docente, a
cultura escolar e a concepção de educação — apresentadas, neste trabalho, no
capítulo 3, em que expomos a metodologia utilizada.
5.2 A Ação Docente
Adriana era uma professora que apresentava certa insatisfação quanto ao
processo que usava para avaliar seus alunos, como transparece na seguinte
afirmação: Para mim, antes, no final do bimestre eu tinha que tentar lembrar como
que determinado aluno estava numa determinada situação, isso me incomodava
(Entrevista, novembro de 2008).
Ela já queria modificar esse processo quando, enquanto aluna do curso de
especialização MAT 502, em 2007, oferecido pelo Laboratório de Ensino de
Matemática - LEM –, do Imecc–Unicamp, conheceu este trabalho com avaliação.
Resolveu, então, usá-lo com seus alunos, na busca de novos parâmetros na sua
forma de avaliar, cuidando de observar os princípios que presidiram a elaboração do
projeto. O primeiro deles, a transparência, será analisado a seguir, no trabalho
desenvolvido por Adriana.
5.2.1 A Transparência do Processo Avaliativo
Em relação à transparência do processo, tanto para os alunos como para ela
e para os pais, ela nos disse:
Os alunos anotam todas as coisas que eu peço. A minha intenção é
que ele acompanhe todo o processo de avaliação; que ele já tenha
71
claro como estará sendo avaliado antes de começarmos; que ele
acompanhe como está sendo a nota dele; e que no final ele mesmo
feche seu conceito final. Nos meus combinados partimos do princípio
que o aluno já tem todos os pontos previstos na ficha, relativos às
avaliações atitudinais, ele só vai anotar a perda daquilo que ele não
cumprir. (Entrevista, novembro de 2008).
Para que o aluno pudesse acompanhar todo o processo avaliativo do
bimestre, compreendê-lo e ser protagonista do mesmo, esse processo deveria ser
transparente.
Com o propósito de evidenciar essa transparência, Adriana usou um registro
de avaliação que ficava no caderno do aluno e era preenchido por ele, diariamente,
de acordo com os diferentes tipos de avaliações que ocorriam durante suas aulas.
Ela o chamou de “ficha diária do aluno”. Essa ficha permitia a Adriana, ao aluno e a
seus pais o conhecimento e a compreensão dos critérios que estavam sendo
considerados no desempenho escolar do aluno, durante o bimestre. Segundo seu
depoimento, seu aluno já tinha claro e registrado tudo o que seria avaliado, antes de
começar o processo avaliativo.
Para constituir a “ficha diária do aluno”, no início do bimestre, Adriana
promovia uma discussão com seus alunos, no sentido de possibilitar a transparência
dos critérios de avaliação que seriam usados para avaliá-los naquele bimestre, e de
chegar a um consenso sobre os combinados que seriam feitos entre ela e eles.
Reconhecemos, então, a preocupação da professora em estabelecer um
contrato didático com seus alunos. Assumimos em nosso estudo, para contrato
didático, a definição de Chevallard (2001), que considera que, através dele, o
professor irá combinar de forma compartilhada com seus alunos o que será possível
ou impossível fazer na aula.
Notamos que os alunos da professora Adriana podiam reconhecer os valores
relevantes considerados no processo avaliativo, através da transparência dos
critérios de avaliação e dos acordos claros estabelecidos, uma vez que eles
atribuíam seu conceito no final do bimestre e o conferiam com a professora.
Além dos alunos e da professora, outros integrantes do processo (pais e
escola) também tinham livre acesso a esses critérios, pois estes estavam
explicitados na “ficha diária do aluno”, que fazia parte do caderno de matemática.
72
Essa característica de transparência do processo avaliativo, quando
respeitada nos registros efetuados ao longo dos bimestres, além de possibilitar que
o processo avaliativo seja significativo para o aluno, auxilia o professor a evitar as
arbitrariedades que costumam ocorrer, em razão do grande número de alunos em
nossas salas de aula e de um grande número de variáveis pedagógicas que
compõem a prática educativa.
Além disso, tal característica cria a possibilidade de intervenção, por parte do
aluno, do professor e dos pais, em qualquer momento do processo pedagógico, de
forma clara e explícita. De acordo com Luckesi (1998), o posicionamento
pedagógico claro e explícito serve para orientar a prática do professor e, nesse caso,
servirá também como referência para promover a inclusão do aluno e dos pais no
processo avaliativo.
5.2.2 A Avaliação Integral
Perguntamos também para a professora de que maneira ela avaliava o aluno
de uma forma integral, isto é, avaliando o “saber”, o “saber fazer” e o “ser’”. Ela nos
respondeu:
O aluno viu que estavam sendo valorizadas outras coisas além da
prova. Eles tiveram um olhar bem positivo para a ficha. Eu acho que
ela (a ficha) permite a ele ver que não é só a nota que interessa; que
uma atitude de responsabilidade de trazer o trabalho no dia
combinado, de trazer lição, de fazer as atividades de sala, de
preparar... Até na parte de atitudes: trazer material, acompanhar as
atividades, não ficar enrolando e dispersando; ele percebe que tudo
aquilo está sendo avaliado pela ficha. (Entrevista, novembro de
2008).
Pudemos observar que a professora Adriana não avaliava apenas os
conhecimentos, mas também as atitudes e as habilidades adquiridas e evidenciadas
nas diferentes atividades desenvolvidas ao longo do bimestre com seus alunos.
Na estrutura do instrumento “ficha diária do aluno” (Anexo A, p. 166),
percebemos esse enfoque através dos diferentes registros ali contidos:
- registros reservados para avaliações parciais, bimestrais e de recuperação,
referentes à avaliação do conteúdo conceitual, que abrange “o saber”;
73
- registros reservados para lições de casa, participação nos trabalhos de
classe, ritmo e outros, referentes à avaliação do conteúdo procedimental, que
abrange “o saber fazer”;
- registros reservados para pontualidade, material e disciplina, relações
pessoais e outros, referentes à avaliação do conteúdo atitudinal, que abrange “o
ser”.
Dessa maneira, levando em conta os diferentes tipos de conteúdos de
aprendizagem, o foco do trabalho pedagógico que Adriana desenvolveu com seus
alunos deixou de ser somente o conteúdo da disciplina matemática: passou a ser
seu aluno, visto como um indivíduo que, de acordo com Zabala (1999), precisa
desenvolver não só suas capacidades cognoscitivas, mas também as capacidades
motoras, de equilíbrio e de autonomia pessoal, de relação interpessoal e de inserção
social.
Percebemos, assim, que o sentido da avaliação sofreu transformações,
quando se voltou para a formação integral do indivíduo, pois fundamentou-se num
processo de desenvolvimento do educando.
Essa observação remete-nos a
Luckesi, ao caracterizar o desenvolvimento do educando:
O desenvolvimento do educando significa a formação de suas convicções
afetivas, sociais, políticas; significa o desenvolvimento de suas capacidades
cognoscitivas e habilidades psicomotoras; enfim, sua capacidade e seu
modo de viver. A educação escolar é uma instância educativa que trabalha
com o desenvolvimento do educando [...] (LUCKESI, 1998, p.126).
Organizar instrumentos e registros de avaliação que se propõem a trabalhar
com o desenvolvimento do educando requer do professor um novo olhar sobre os
conteúdos de aprendizagem, sobre seu ensino e sua avaliação, permitindo assim, a
ele, aos alunos e aos demais integrantes do processo um “ajuizamento da
qualidade” do “saber”, do “fazer” e do “ser”.
Ainda nos cabe considerar que o acompanhamento do processo de avaliação
do desenvolvimento do aluno, por parte do professor e do próprio aluno, deverá ser
constante e sinalizar as interferências que possibilitarão uma tomada de decisão
com relação à aceitação ou à transformação do objeto avaliado, no sentido de
74
promover as mudanças necessárias para que o educando alcance o maior
desenvolvimento possível.
5.2.3 A Avaliação Formativa
Propusemos que Adriana nos contasse de que maneira esse trabalho
promovia mudanças de atitudes nos alunos, quando assumiam o papel de
protagonistas do processo avaliativo na busca de melhores desempenhos no
processo de aprender. Ela nos falou:
Eu vejo que ele muda a postura dele. Por exemplo, com duas ou três
tarefas que ele não faz, ele já começa a fazer. Ele fica preocupado.
O ano passado eu tinha quatro sextas de manhã e sem dúvida eu vi
diferença. Eu acho que a maioria ganha uma autonomia. Por
exemplo: na 5ª série já aconteceu do aluno deixar de ganhar três
pontos, por não fazer lição de casa e perceber “nossa, professora,
preciso fazer a lição”. Quanto às reformulações que o aluno promove
baseado nesse trabalho, eu acredito que ele contribui bastante.
(Entrevista, novembro 2008)
Ao analisarmos com Adriana esse relato, percebemos que através da “ficha
diária do aluno” foi possível ao aluno perceber que estava deixando de assumir o
compromisso de fazer a lição de casa, pois, na ficha, esses dados estão
organizados por data e em seqüência. A sistematização dessa ficha já foi pensada
por Adriana com o propósito de permitir aos envolvidos no processo de avaliação
uma análise constante do andamento deste.
Adriana demonstra que estava propiciando ao aluno tomar consciência de seu
próprio desempenho, não só no final, mas durante todo o bimestre, pois a estrutura
da ficha do caderno do aluno possibilitava isso. Ter essa consciência é o primeiro
passo para que o aluno tome atitudes para melhorar seu desempenho.
Nessa perspectiva, o processo de avaliação tem como propósito a
modificação e a melhoria contínua do aluno que se avalia; quer dizer, é um processo
que, de acordo com Zabala (1998), considera , a avaliação como um instrumento
educativo que deverá ser seguido pelo aluno e que tem a função de informar e
promover uma valoração do processo de aprendizagem. Ele também deverá
permitir, a qualquer momento, que o aluno tenha propostas educacionais mais
adequadas, a fim de promover seu avanço na tarefa de aprender.
75
Percebemos, na análise feita com a professora Adriana, que seus alunos
aprendiam a exercer novas funções, que possibilitavam alteração do curso do
processo avaliativo, redirecionando-o através de mecanismos para reconhecer,
desenvolver e controlar seu progresso pessoal. Isso nos levou a considerar, de
acordo com Esteban (apud Afonso, 1999), que o trabalho desenvolvido com a
avaliação pela professora tinha o propósito de levar o aluno a analisar suas
possibilidades de avanço e suas necessidades para possibilitar a superação.
Adriana ajudava seu aluno a reconhecer o significado da avaliação em sua
vida escolar e a assumir seu papel e seu lugar no processo avaliativo, com
autonomia, de forma a permitir que, no final, ele mesmo fechasse seu conceito
bimestral.
A organização do processo de avaliação possibilitava, através do registro da
“ficha diária do aluno”, espaços pedagógicos que permitiam a atuação concreta de
seus alunos no seu processo de avaliação, o que propiciava a eles encontrar níveis
de ajuda na busca da gestão de suas aprendizagens, juntamente com Adriana, com
seus pais e com os demais participantes da comunidade escolar. Podemos
considerar que esse processo avaliativo se centrava na gestão das aprendizagens
por todos os envolvidos, o que, de acordo com Bain (1998, apud PERRENOUD,
1999), é a base da avaliação formativa.
5.2.4 A Democratização da Avaliação
Pedimos a Adriana que apontasse como foram estabelecidos os acordos com
os alunos, de forma democrática.
Antes da ficha eu começo com um texto ou uma conversa onde
surgem as palavras: respeito, responsabilidade, compromisso e
conversamos sobre elas. Nessa hora discuto com meus alunos como
vamos estabelecer os parâmetros do nosso acordo e chegamos num
consenso. Acho importante eles se envolverem. Falo da tarefa de
casa e sua importância. Explico como vai funcionar “visto ao
caderno”, etc. Então apresento a ficha para eles. Esclareço o que vai
ser anotado: as atividades, as atitudes, etc. O ano passado fiz uma
simulação. Essa simulação foi boa para eles também verem que com
aquela ficha eu estava os ajudando. (Entrevista, novembro de 2008)
Este relato nos faz perceber que os acordos foram discutidos, combinados e
aceitos, no início do bimestre, de forma democrática e compartilhada entre ela e
76
seus alunos, na constituição do contrato didático. Para isso eles discutiram a
relevância dos critérios ali contidos, bem como dos acordos que dele fizeram parte.
A “ficha diária do aluno” permitiu o registro de todos os combinados.
Adriana
relatou
também
como
inseriu
os
pais
num
processo
de
acompanhamento constante do desempenho de seu filho na escola.
Atualmente os pais vistam as fichas. Eu nunca pedi para eles darem
visto, mas eles fazem questão de dar o visto para depois eu ver. Os
pais já fazem o acompanhamento do bimestre pela ficha do
caderno. Eu deixo o pai ciente da ficha já na primeira reunião do
ano. Os pais sabem como funciona todo o processo. Já tive uma
aluna que foi diferente: eu vi que ela começou a fazer tudo e
comentei com ela. Ela disse que o pai pegou o caderno dela, viu os
negativos na lição de casa e disse para ela que não queria mais
nenhum negativo na lição de casa naquela ficha (é o pai colocando
o limite) e ela passou a fazer. É uma cobrança que foi bem positiva
para ela, pois ela não se referiu a essa atitude como uma coisa ruim.
(Entrevista, novembro de 2008)
Esse trabalho permitiu que se estabelecesse uma parceria com a família e
que se abrisse um canal de comunicação diária com os pais, de tal maneira que eles
pudessem acompanhar de fato o desenvolvimento de seus filhos. Isso facilitou a
relação entre a escola e os pais. Durante o bimestre, a intervenção do pai muitas
vezes possibilitava mudanças no comportamento do filho, como pudemos ver no
relato da professora. Eles chegavam para a reunião sem esperar grandes surpresas
sobre o desempenho de seu filho na escola.
Consideramos com Adriana que havia, em seu trabalho, um outro aspecto
relevante. que estava direcionado à democratização da participação do aluno. Isto é,
o processo avaliativo permitia a qualquer aluno e em qualquer tempo fazer
diagnósticos e redirecionar sua aprendizagem, quando necessário. De acordo com
Luckesi (1998), a professora estava permitindo ao aluno compreender o estágio de
aprendizagem em que se encontrava e buscar caminhos para avançar.
Consideramos com Adriana que seus alunos poderiam fazer avaliações
diagnósticas
de
suas
avaliações
conceituais,
procedimentais
e
atitudinais
separadamente, como também de seu processo de aprendizagem de maneira geral,
a qualquer tempo, pois a “ficha do caderno do aluno” propiciava isso. Além disso, a
avaliação diagnóstica bimestral que eles próprios faziam, por ocasião da atribuição
77
do conceito final, permitia a eles a compreensão do estágio de aprendizagem,
considerando seu desenvolvimento durante todo o bimestre, o que lhes possibilitava
uma visão mais ampla de suas conquistas e dificuldades e de caminhos para
melhorar.
Adriana relatou-nos que:
No dia do fechamento dos conceitos finais, eles não me questionam,
pelo contrário, eles falam a nota que eles tiraram e eu confiro com a
minha folha. Eu não falo primeiro, ele fala primeiro e concluímos sua
média. Me organizei mais e o aluno também e isso deixou nossa
convivência mais tranqüila e mais fácil. O resultado final tem sido
melhor porque nós estamos mais comprometidos. (Entrevista,
novembro de 2008)
Concluído o conceito final do aluno, Adriana pedia a ele para responder duas
questões: uma relativa ao seu desempenho durante o bimestre e outra sobre as
decisões a serem tomadas para avançar em seu processo de aprendizagem.
Ao final do ano, a “ficha de encerramento dos bimestres” continha resumos do
ano todo.
Esses instrumentos possibilitaram o acesso fácil e permanente aos critérios
de avaliação por todos os envolvidos e a avaliação diagnóstica do desempenho dos
alunos por estes e pela professora, durante e no final do bimestre. De acordo com
Esteban (2001), quando o conceito de avaliação está articulado com a
democratização do ato pedagógico, ele passa a ter a característica de uma atividade
mais participativa, que se desenvolve através de um processo contínuo.
5.3 A Cultura Escolar
Nessa categoria, levando-se em conta que ela está voltada para papéis
normas rotinas e ritos próprios da escola, vamos analisar: as responsabilidades
compartilhadas entre a professora Adriana, seus alunos e pais; a relação entre a
prática avaliativa e a qualidade do trabalho desenvolvido pela professora e a
questão do tempo pedagógico.
78
5.3.1 Responsabilidades Compartilhadas
Indagamos a Adriana se ela percebia que esse processo de avaliação
alterava o equilíbrio das responsabilidades atribuídas tradicionalmente, tanto para o
professor como para o aluno e seus pais ou responsáveis.
Ela nos respondeu:
a) Quanto ao professor com seus alunos:
Para mim, antes, no final do bimestre eu tinha que tentar lembrar
como que determinado aluno estava numa determinada situação,
isso me incomodava. Agora com essa ficha diária eu me organizo
melhor. Ficou bem mais claro para mim que na hora em que eu
fecho essa nota, ela é bem mais concreta, ela está ali numa planilha
4
ee que eu consigo encontrar e não preciso ficar tentando
lembrar quem é o aluno. É real e para eles também. Eles não te
questionam, pelo contrário, eles falam a nota que eles tiraram e eu
confiro com a minha folha. Eu não falo primeiro, quero saber se ele
soube se organizar. Se der alguma confusão, depois ele vem na
minha mesa para conferirmos. O restante está tranqüilo. Em geral os
que deram problemas foi por causa da soma. Fica muito tranqüilo.
Nenhum aluno discute a veracidade dos dados. (Entrevista,
novembro de 2008)
b) Quanto aos pais e responsáveis: Os pais elogiaram, adoraram esse trabalho com
as fichas, falaram que eles queriam que fosse com todos os professores, mas os
professores ainda não se sensibilizaram. (Entrevista, novembro de 2008).
Diante dessas considerações da professora, pudemos perceber que esse
trabalho permitiu a ela tanto deixar de ser o centro das decisões como compartilhar,
com seus alunos e pais ou responsáveis, ações para possibilitar a divisão das
responsabilidades inerentes ao processo avaliativo.
O processo avaliativo promove tensões e as mais variadas reações por parte
de todos os envolvidos na educação, gerando expectativas e comportamentos que
irão interferir nos relacionamentos em sala de aula.
A organização dos registros de avaliação e o contrato didático que Adriana
estabeleceu com seus alunos foram fatores importantes para desencadear a divisão
de responsabilidades. Consideramos com a professora que isso contribuiu
significativamente para diminuir as tensões relativas ao processo de avaliação.
79
Além disso, outro fator importante foi a avaliação diagnóstica feita pelos
alunos e pela professora, durante o processo. Ela permitia que eles promovessem
as interferências que se faziam necessárias, ao longo do bimestre, e essa
possibilidade também contribuía para aliviar tensões.
No final do bimestre, os dados contidos na “ficha diária do aluno” eram
resumidos, pontuados e somados pelo próprio aluno, permitindo, assim, que ele
discutisse com a professora Adriana os valores que estavam compondo seu
conceito final . A professora relatou que eram raros os erros e, quando aconteciam,
estavam ligados ao fato de algum erro de soma, por exemplo. Isso nos levou a inferir
que seus alunos participavam ativamente de seus processos de avaliação, a ponto
de poderem compor seu próprio conceito bimestral.
Podemos dizer, de acordo com Perez Gómez (2001), que o conjunto de
significados, as expectativas e os comportamentos que compõem a cultura
estabelecida em sala de aula, através de um processo avaliativo compartilhado entre
alunos, professores e demais envolvidos, criou uma cultura que trouxe consigo a
consciência do papel a ser desempenhado por cada um dos envolvidos.
5.3.2 A Prática Avaliativa e a Qualidade do Trabalho Pedagógico
Perguntamos a Adriana se essa forma de avaliar contribuiu para melhorar a
qualidade do seu trabalho pedagógico.
Me organizei mais e o aluno também, e isso deixou nossa
convivência mais tranqüila e mais fácil. O resultado final foi melhor
porque nós estamos mais comprometidos. Os conceitos bimestrais
melhoraram, pois eles tiraram mais suas dúvidas, tentaram fazer as
atividades (antes nem tentavam) e isso interferiu na aprendizagem
dos alunos, ela melhorou. (Entrevista, fevereiro de 2009).
Pudemos perceber que, ao longo dos bimestres, os alunos de Adriana foram
melhorando seu desempenho e seu trabalho pedagógico incluía, agora, não só uma
dimensão cognitiva, mas também uma outra dimensão, que considerava
procedimentos e atitudes como objeto de ensino e aprendizagem.
Notamos que Adriana não visou simplesmente à aprovação ou à reprovação,
mas, sim, a inclusão do aluno na sua sala de aula, na sua escola, auxiliando-o no
seu desenvolvimento pessoal.
80
Ficou, evidente — e consideramos isso com a professora — que a mudança
de sua prática avaliativa não lhe trouxe grandes dificuldades em sala de aula, pois
seus alunos gostavam de sua forma de trabalhar. Eles se sentiam incluídos e
atuantes no processo avaliativo. Eram raros os casos de alunos que se negavam a
participar. Quando isso acontecia, Adriana procurava meios para ajudá-los. Muitas
vezes, ela acabava descobrindo que os problemas que envolviam o aluno estavam
numa esfera além do processo de ensino, aprendizagem e avaliação, e ela
precisava buscar ajuda fora da sala de aula.
Em relação aos pais, Adriana afirmou que eles se tornaram parceiros,
sentindo-se incluídos no processo de avaliação de seus filhos, tendo parâmetros
para exercer essa parceria.
Porém Adriana sentiu dificuldades em relação aos seus colegas e à equipe
pedagógica da escola. Ela nos disse que os colegas não viam seu trabalho de forma
positiva, pois consideravam que ela inventava coisas para ter mais trabalho. Porém,
pelo fato de os pais e os alunos pedirem para os outros professores também usarem
esse processo de avaliação, Adriana foi convidada para expô-lo em uma reunião
pedagógica da rede. Ela nos relata o que aconteceu:
Houve conflitos quando eu apresentei a ficha para meus colegas. Eu
já apresentei para a rede toda, mas, de todos os professores
presentes, só dois se interessaram e um deles já me mandou um email dizendo que está adorando e que os alunos estavam se
comprometendo com as atividades. Mas, se a pessoa não quiser,
não adianta. (Entrevista, novembro de 2008)
Ao considerarmos essas dificuldades com a professora Adriana, reportamonos à idéia de Freire (1991), para nos fortalecemos em nossas convicções: se temos
uma opção política transformadora, não renunciamos ao nosso trabalho de
educador, mas firmamo-nos nele e desafiamos o educando a assumir-se como
sujeito do processo de conhecer.
5.3.3 O Tempo
Na fala da professora Adriana durante a entrevista de novembro de 2008,
pudemos perceber algumas considerações — que apresentamos a seguir — sobre o
tempo pedagógico e seus significados em sua prática pedagógica: Me organizei
mais e o aluno também e isso deixou nossa convivência mais tranqüila e mais fácil.
81
A organização de todo o processo permitiu a ela gastar menos tempo com
orientações diárias, com a retomada de comportamentos inadequados ou de
comportamentos que não estavam claros para seus alunos. O contrato didático teve
uma grande influência no tempo pedagógico. Ele ajudou a otimizar esse tempo: Os
alunos tentavam fazer as atividades; antes, nem tentavam.
O aluno deixou de ser desinteressado, o que proporcionou um ganho de
tempo para Adriana, pois ela, antes de adotar essa forma de avaliar, perdia muito
tempo para tentar convencê-lo da importância de sua participação: Eles perceberam
que tudo tinha seu valor.
Tanto os conceitos como os procedimentos e as atitudes eram combinados,
valorizados e avaliados, na busca de um melhor desenvolvimento das capacidades
do aluno, que se esforçava para melhorar, à medida que compreendia esses
valores. Essa forma de trabalhar possibilitava a Adriana um ganho de tempo, pois
seus alunos estavam mais conscientes a respeito de seu papel no seu processo de
aprendizagem.
Ficou bem mais claro para mim que, na hora em que eu fecho essa
nota, ela é bem mais concreta, ela está ali numa planilha e que eu
consigo encontrar e não preciso ficar tentando lembrar quem é o
aluno. É real e para eles também. Eles não te questionam, pelo
contrário, eles falam a nota que eles tiraram e eu confiro com a
minha folha.
A atribuição dos conceitos bimestrais tornou-se um processo mais tranqüilo:
no dia combinado para isso, o próprio aluno já havia preparado sua “ficha de
fechamento” e a conferia com a professora Adriana. Ele já estava consciente de
seus resultados. Isso permitia à professora um ganho de tempo considerável.
Parte desse ganho fica justificada pela seguinte fala da professora: Eu acho
que a maioria ganha uma autonomia. Essa autonomia que o aluno desenvolveu por
ser co-participante do seu processo de aprendizagem possibilitava um ganho de
tempo para a professora em seu trabalho pedagógico.
Discutimos com a professora Adriana os papéis, as normas, as rotinas e os
ritos próprios da escola, que exigem do professor habilidades na administração do
tempo pedagógico.
82
A forma como ela organizou seu processo avaliativo, procurando desenvolver
no aluno atitudes para constituir-se em sujeito desse processo, possibilitou uma
transformação na relação com o tempo, tanto para o aluno como para ela.
Adriana repensou a concepção, o planejamento, a organização e a
sistematização do processo de avaliação, com o intuito de possibilitar ao aluno
condições para que ele compartilhasse a sua gestão com sua professora. Isso
permitiu a reorganização e, consequentemente, a otimização do tempo pedagógico.
O tempo é um fator muito importante na prática pedagógica do professor, cuja
tarefa profissional compreende uma diversidade de empregos do tempo. Muitas
vezes, ao alterar o tempo de uma prática educativa, provocamos conseqüências em
outros tempos e criamos uma seqüência de problemas em relação a eles.
Ao referir-se às propostas de mudanças na prática pedagógica do professor,
Arroyo (2004) chama-nos atenção, dizendo que é um direito do professor perguntarse como uma nova proposta vai interferir em seus tempos escolares, em suas
rotinas de trabalho e, inclusive, em seu cansaço.
Percebemos, através das considerações acima descritas pela professora
Adriana, que o processo de avaliação usado por ela em suas salas de aula
colaborou para que seu “fazer cotidiano” ganhasse uma nova dimensão relacionada
ao tempo, afetando de forma positiva sua rotina de trabalho.
5.4 A concepção de educação
Para essa análise levamos em consideração as concepções de educação no
que diz respeito à função social do ensino e à concepção de como o aluno
estabelece relações com o saber.
5.4.1 A Função Social do Ensino
Pedimos a Adriana que dissesse, na sua concepção, qual era a função social
do ensino, isto é: para que educamos? Ela, em resposta, afirmou: Ele estuda para
ter uma vida boa, uma vida melhor. (Entrevista, fevereiro de 2009).
83
Segundo Zabala (1998, p. 197), “podemos entender que a função social do
ensino não consiste apenas em promover e selecionar os ‘mais aptos’ para a
universidade, mas que abarca outras dimensões da personalidade”, pois elas serão
necessárias para formar cidadãos comprometidos com a melhoria da sociedade e
deles mesmos.
Durante suas aulas, Adriana procurava propiciar aos seus alunos vivências
que lhes permitissem relacionar-se e viver positivamente com as outras pessoas,
conhecer a si próprios e aos demais através de situações envolvidas no processo de
ensino, de aprendizagem e de avaliação.
Pudemos refletir com Adriana que o trabalho desenvolvido por ela com a
avaliação deu a eles a oportunidade de conscientizar-se de que era preciso saber,
saber fazer e saber ser, para ter uma vida melhor. Sua prática educativa valorizou o
desenvolvimento de todos os aspectos que possibilitariam a formação de seus
alunos, ou seja: os valores relativos às suas relações interpessoais, sua vida
pessoal e sua vida profissional.
5.4.2 A Forma como o Aluno estabelece Relações com o Saber
Também pedimos a Adriana que nos dissesse como, na sua concepção, o
aluno aprende. Ela assim respondeu:
Em algumas aulas eu dou atividades para eles fazerem e em outras
aulas eu dou exercícios de sistematização. Em alguns casos, para
iniciar um assunto, eu dou um jogo ou uma atividade diferente, mas a
maioria é aula expositiva, mesmo. Como o aluno aprende? Eu acho
que ele tem que se envolver de alguma, maneira, ele tem que
acreditar que aquilo é bom para ele, ou pela própria atividade ou pelo
o que eu falo. Ele tem que ver algum sentido para o que ele faz, seja
para hoje, agora, ou para o futuro, senão ele não aprende.
(Entrevista, fevereiro de 2009)
Ela percebe uma relação entre sentido e eficácia da aprendizagem. De
acordo com Charlot (2001), existe uma dialética entre sentido e eficácia da
aprendizagem, isto é, o sentido atribuído a um saber leva o aprendiz a envolver-se
em certas atividades, e a atividade posta em prática para apropriar-se de um saber
contribui para produzir o sentido desse saber.
84
Em função disso, Adriana procurava elaborar e sistematizar meios
significativos que possibilitassem ao aluno apropriar-se de um saber, de uma prática
ou de uma forma de relação com os outros e consigo mesmo. Ao constituir com seus
alunos o seu processo de avaliação, no início do bimestre, ela evidenciava para eles
que sua prática pedagógica valorizaria tanto o saber, como o fazer e o ser; isto é,
eles iriam, de acordo com Charlot, apropriar-se de palavras, idéias, teorias, mas
também de técnicas do corpo, práticas cotidianas, gestos técnicos — formas de
interações que devem ser aprendidas na escola.
Para Adriana, a conexão entre seu aluno e o saber e entre este e seu aluno
era feita através de um jogo, de uma atividade diferente, de uma aula expositiva ou
da sistematização dos conceitos trabalhados através de atividades de sala, de lição
de casa ou de trabalhos extra classe. O importante para ela era que, além do
sentido que o saber deveria ter para o aluno, este tivesse consciência do seu papel
na conexão entre ele próprio e o saber e entre o saber e ele, de forma a sentir-se
parte integrante desse processo.
Consideramos, com Adriana, que sua concepção de como o aluno se
relaciona com o saber a levou a valorizar não somente os conteúdos conceituais de
aprendizagem, mas também os conteúdos procedimentais e atitudinais, porque
estes fazem parte do patrimônio humano que deverá ser aprendido na escola.
5.4.3 Significado da Avaliação
Pedimos para Adriana que explicitasse como ela possibilitava ao aluno refletir
sobre suas conquistas, dificuldades e possibilidades, com vistas à organização e à
reorganização do investimento dele na tarefa de aprender. Assim ela se expressou:
Meus registros são as fichas dos alunos, onde temos a “diária”, a do
“encerramento do bimestre” e a minha. A diária permite uma reflexão
constante. Na ficha do encerramento do bimestre procuro deixar
claro que há uma proporcionalidade entre os valores dos diferentes
conteúdos que estão sendo avaliados. Já tive um aluno da quinta
série que explicou para o colega que se eu desse cinco lições de
casa no mês ou se eu desse vinte, o valor era o mesmo na ficha,
mas isso não é muito claro para eles, sempre sou eu que explico.
Eles perceberam que tudo tinha seu valor. Eu acho que dessa forma
consigo ver fluir um trabalho no sentido de desenvolver
competências e habilidades. (Entrevista, fevereiro de 2009)
85
Nesse relato, Adriana apontou-nos como ela procedeu para que seus alunos
tomassem consciência do significado da avaliação, no processo de ensino e
aprendizagem. Depois que seus alunos começaram a vivenciar um processo de
avaliação do qual eram protagonistas, perceberam que “a ficha diária do aluno”
continha dados que lhes permitia fazer um juízo de valor sobre seu conhecimento,
seu desempenho e suas atitudes nas aulas de matemática.
Para isso, eles tinham como referência parâmetros combinados com a
professora
Adriana, relativos
aos
conceitos
que
seriam trabalhados,
aos
procedimentos que deveriam ser adotados e às atitudes que visavam buscar o
melhor desempenho possível de cada um deles nas mais diferentes atividades
realizadas. Isto é, eles podiam refletir sobre as avaliações formais e também sobre
as informais, pois tinham parâmetros para isso.
Discutimos com Adriana que o fato de seus alunos terem parâmetros
definidos sobre conceitos, procedimentos e atitudes facilitava as análises e as
reflexões sobre seu desempenho ao final de cada atividade.
O registro diário dessas avaliações, de forma sistematizada, na “ficha de
avaliação diária” no caderno de matemática do aluno, permitia uma análise mais
abrangente, que ia se completando ao longo do bimestre, de forma clara e
transparente, para todos os envolvidos no processo de avaliação da aprendizagem.
Sua finalização ocorria por ocasião da atribuição do conceito bimestral, conforme diz
Adriana:
A ficha do encerramento do bimestre tem duas partes: a de cima,
que tem um resumo das notas e a de baixo, onde ele responde a
duas perguntas que o levam a uma reflexão sobre o bimestre todo,
baseado na sua ficha diária, que está no caderno. Minha média é de
30 pontos, pois o total da “ficha diária do aluno” é de 60 pontos.
(Entrevista, fevereiro de 2009)
Pudemos analisar com Adriana que seu processo de avaliação procurava
formalizar, na medida do possível, a avaliação informal, pois, de acordo com Freitas
(2009), a avaliação informal é feita por juízos de valor impenetráveis, que regulam as
relações entre professores e alunos.
86
Adriana procurava compartilhar com seus alunos os juízos de valor que
estava considerando para avaliá-los, permitindo, assim, que eles deixassem de ser
“impenetráveis”, para serem do conhecimento de todos.
Para isso, ela promovia discussões e reflexões sobre esses juízos,
estabelecendo com a classe os critérios de avaliação que surgiam do consenso
entre todos e que eram registrados na “ficha diária do aluno”. Ao longo do bimestre,
esses juízos de valor que faziam parte dos conteúdos atitudinais eram submetidos,
assim como os conteúdos conceituais e procedimentais, ao processo de ensino, de
aprendizagem e de avaliação.
Essa forma de agir possibilitava aos alunos e à professora, de acordo com
Luckesi (1998, p. 33), “uma forma de ajuizamento da qualidade do objeto avaliado,
fator que implica em uma tomada de posição a respeito do mesmo, para aceitá-lo ou
para transformá-lo”.
O desenvolvimento dos “trabalhos de classe” era acompanhado por Adriana
durante toda a aula, o que lhe possibilitava fazer interferências, tirando dúvidas,
ajudando os alunos a refletir sobre seus erros, socializando idéias interessantes,
avaliando comportamentos e atitudes, etc. Podemos considerar que esse era um
momento rico para a professora, pois o processo de avaliação lhe permitia fazer
uma avaliação diagnóstica, detectando o estágio de aprendizagem de seu aluno e
intervindo para permitir seu avanço. Isso lhe possibilitava verificar a eficiência de seu
trabalho e corrigir seus rumos para melhorar o ensino, durante o processo.
Da mesma forma, seus alunos também podiam diagnosticar suas dificuldades
e seus avanços, pois sempre tinham como referência os objetivos referentes à
avaliação formal e informal, a serem alcançados em qualquer proposta de trabalho
feita pela professora.
Os alunos podiam perceber que estavam ali num processo de aprendizagem
e que a avaliação, durante ou no final das atividades, tinha como meta redirecionar
os caminhos para que ele pudesse aprender.
Consideramos, com a professora Adriana, que as ações adotadas em sua
prática avaliativa, no sentido de tornar claros e transparentes os critérios das
87
avaliações formais e informais e de possibilitar ao aluno a sua inclusão como
protagonista do processo avaliativo, transformavam o significado do processo de
avaliação, permitindo ultrapassar os limites da técnica e atingir sua dimensão ética,
de acordo com Esteban (1999).
O quadro a seguir tem a intenção de fornecer uma síntese da análise das
categorias: a ação docente, a cultura escolar e a concepção de educação do
trabalho com avaliação desenvolvido pela professora Adriana durante o ano de
2008, com suas turmas de quinta, de sexta e de sétima séries.
5.2. A ação docente
5.2.1.
A transparência do processo
avaliativo
5.2.2.
A avaliação integral
5.2.3.
A avaliação formativa
Essa transparência constituiu-se através dos
itens:

“Contrato didático”.

Registro que ela chamou de “ficha de
avaliação diária do aluno”.

Registro que ela chamou de “ficha do
professor”.

Registro que ela chamou de “ficha de
encerramento dos bimestres”.
Adriana usava instrumentos de avaliação que
permitiam:

Avaliar os conteúdos conceituais.

Avaliar os conteúdos procedimentais.

Avaliar os conteúdos atitudinais.
Adriana abriu, em suas aulas, um espaço
pedagógico que permitiu ao seu aluno coparticipar da gestão de seu processo de
avaliação, o que possibilitou a ele:

Tomar consciência de suas conquistas e
dificuldades.

Fazer interferências para melhorar seu
desempenho.
88
5.2.4.

Ganhar autonomia para reformular sua
atuação como aluno.

Estabelecer uma relação de confiança e
cumplicidade com a professora.

Adriana preocupou-se em estabelecer
os acordos de seu contrato didático em
parceria com seus alunos e pais, para
que todos se sentissem co-autores dos
combinados estabelecidos.

Utilizou a avaliação para diagnosticar e
não para classificar.

Promoveu a inclusão do aluno no
processo avaliativo.

A organização dos registros de
avaliação, o contrato didático e a
democratização deste foram fatores
importantes que desencadearam a
divisão de responsabilidades com os
alunos e os pais.

A avaliação diagnóstica possibilitava aos
alunos interferências no processo de
aprendizagem.
A democratização da
avaliação
5.3. A Cultura Escolar
5.3.1.
Responsabilidades
Compartilhadas
5.3.2.
A prática Avaliativa e a
qualidade do trabalho
pedagógico
Fatores relacionados com a prática avaliativa
que contribuíram para melhorar a qualidade do
trabalho pedagógico em suas aulas:

Adriana não visou simplesmente a
aprovação ou a reprovação, mas, sim, a
inclusão do aluno na sua sala de aula,
na sua escola, auxiliando-o no seu
desenvolvimento pessoal.

Adriana levou em consideração o
ensino, a aprendizagem e a avaliação
de
conteúdos
conceituais,
procedimentais e atitudinais, o que lhe
permitiu ver seu aluno como um ser
integral, o que mudou as relações em
89
sala de aula.
5.3.3.
Como o processo de avaliação colaborou para
redimensionar o tempo pedagógico nas aulas
da professora Adriana?
O Tempo

Possibilitando uma melhor organização
do processo do trabalho pedagógico
dela e de seus alunos.

Valorizando
os
conteúdos
de
aprendizagem
conceituais,
procedimentais e atitudinais, o que
possibilitou mudanças na forma de seu
aluno atuar como educando.

Permitindo ao aluno ter autonomia para
fazer a gestão do seu processo de
avaliação, o que o ajudou o desenvolver
uma postura mais responsável perante
sua aprendizagem.
5.4. A Concepção de Educação
5.4.1.
A função Social do Ensino
5.4.2.
Como o aluno estabelece
relações com o saber
Adriana considerou:

Que a função social do ensino é dar ao
aluno uma vida melhor.
Adriana acredita que o aluno aprende quando:

Apropria-se de um saber, de uma
prática, de uma forma de relação com os
outros e consigo mesmo.

Toma consciência do seu papel na
tarefa de aprender e sente-se parte
integrante do processo que o coloca na
conexão entre ele e o saber e entre o
saber e ele.

O que ele tem que aprender tem sentido
para ele.
90
5.4.3.

A avaliação tinha como finalidade
redirecionar caminhos para que o aluno
pudesse aprender.

Os alunos refletiam sobre as avaliações
formais e informais que faziam.

Os alunos tinham condições para fazer
um diagnóstico de suas dificuldades e
podiam intervir no processo avaliativo
para promover avanços.

Os alunos concluíam seu conceito
bimestral.
O significado da Avaliação
Quadro 1 - Síntese - professora Adriana
5.5 Considerações
Ao analisarmos o trabalho realizado pela professora Adriana, percebemos
que uma de suas preocupações foi valorizar ações que possibilitavam a mudança do
significado de avaliação que estava instituído na escola.
Para isso, ela tornou seus alunos sujeitos do processo avaliativo e
compartilhou com eles responsabilidades que provocaram mudanças positivas nas
relações entre professora e alunos, pois eles aprenderam a exercer novas funções
para tornaram-se gestores de seus processos de avaliação.
Percebemos, também, que esse processo de avaliação possibilitou a inclusão
dos pais como parceiros tanto de seus filhos como da professora, permitindo o
compartilhamento de responsabilidades entre a família e a escola.
A professora notou um maior comprometimento de todos os envolvidos no
processo avaliativo, a partir do momento em que organizou esse processo com
transparência e de forma democrática.
Adriana considerou que, por ser o segundo ano em que ela usou esse
processo de avaliação em suas aulas, sentiu-se mais segura e pôde promover
91
algumas modificações para melhorar o seu trabalho, baseada na experiência do ano
anterior.
No próximo capítulo apresentaremos o estudo de caso da professora
Conceição, no qual se evidenciam algumas semelhanças com Adriana, no que se
refere aos pressupostos que marcaram a construção dos dados da pesquisa; e
algumas diferenças que ampliam o desenvolvimento do processo avaliativo, quanto
à forma de uso deste.
92
CAPÍTULO VI
6 A PROFESSORA CONCEIÇÃO
Uma coisa que não existe mais com esse processo de
avaliação é a pergunta: “Por que você me deu essa
nota?” Essa era uma frase muito falada. Ou então: - “Não
dá para você me dar um pontinho?” Na realidade eu era
uma professora que “dava nota”. Agora isso acabou e
eles não perguntam mais por que daquela nota. Isto,
agora, eles já sabem (Entrevista, novembro de 2008).
6.1 Trajetória Pessoal e Profissional
Conceição nasceu em Bariri, SP. Ela gostava muito de matemática até a
quarta série, mas, da quinta em diante, esse gosto foi diminuindo, até que, no
primeiro ano do ensino médio, pouca coisa ela entendia de matemática. Mas,
influenciada por um professor do ensino médio e por uma tia, professora de
matemática, decidiu cursar matemática, graduando-se na UNESP de Bauru.
Na faculdade não pensava ser professora de matemática.
Trabalhava como secretária em uma indústria na cidade de Bariri. No
último semestre da faculdade pedi demissão para poder dar conta de
terminar meu curso. Terminado o curso, vim morar em Campinas,
procurei emprego e fui trabalhar como secretária em uma escola de
inglês. Não deu certo e minha tia Francisca me orientou como era o
processo de atribuição de aulas na rede Estadual de Ensino e logo
em seguida, comecei a lecionar. (Entrevista em fevereiro de 2009)
Conceição começou sua trajetória como professora de matemática em 1992,
em Campinas. Foi professora de cursinhos, de escolas particulares e da rede
pública estadual como contratada, até chegar à prefeitura de Paulínia, como efetiva,
onde está até hoje.
Fez dois cursos de especialização na Unicamp, através do Laboratório de
Ensino de Matemática (LEM) do Instituto de Matemática, Estatística e Computação
Cientifica (Imecc). Um deles era voltado para o Ensino Médio e a outro para a
93
Educação Infantil. Também fez uma especialização na Puccamp sobre Educação
Matemática. Isso mudou muito a sua concepção de professora de matemática: Ao
término dessa especialização é que tomei conhecimento da existência da educação
matemática e tornei-me outra professora. Hoje faço parte do GdS – Grupo de
Sábado, da Faculdade de Educação da Unicamp. (Entrevista, fevereiro de 2009).
Ao longo do tempo, fez a opção para trabalhar somente com o ensino
fundamental e em especial com quintas séries.
Tendo tomado conhecimento desse processo de avaliação através da “Teia
do Saber”, em 2006 — um programa de educação continuada, criado pela
Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, que se desenvolveu no Imecc da
Universidade Estadual de Campinas —, por achar que ele vinha ao encontro de
suas expectativas, resolveu usá-lo em suas aulas.
A análise que faremos abaixo, sobre o processo de avaliação desenvolvido
por Conceição em suas classes, baseia-se nas categorias de análise — a ação
docente, a cultura escolar e a concepção de Educação — apresentadas, neste
trabalho, no capítulo 3, em que expomos a metodologia de pesquisa.
6.2 A Ação Docente
Conceição está no seu décimo oitavo ano de docência e, ao avaliar seus
alunos, sentia-se responsável — muitas vezes, considerada a única responsável —
por “dar nota” para os alunos, diante dos resultados obtidos por eles.
Questionava a eficiência de seu processo de avaliação e buscava novos
parâmetros para avaliar seus alunos, quando entrou em contato com esse processo
de avaliação e, em 2007, iniciou o ano letivo procurando formas de pô-lo em prática.
Foi observando a clientela, organizando e adaptando as fichas, fazendo
reformulações; isto é, através de sua própria prática, foi estruturando sua maneira de
trabalhar com esse processo de avaliação.
Essa experiência foi muito significativa e ajudou-a no uso desse processo no
ano seguinte, 2008, com três turmas de quinta série e duas turmas de sexta, numa
94
escola da rede pública municipal de Paulínia, de onde recolhemos os dados para
esse trabalho.
6.2.1 A Transparência do Processo Avaliativo
Perguntamos a ela quais eram seus procedimentos para tornar esse processo
transparente e compreensível para o aluno e sua família, no início do ano letivo e no
início de cada bimestre e ela nos respondeu:
Nas 5ª séries o primeiro dia é sempre uma aula diferente: nos
conhecemos, conhecemos o espaço da escola e conversamos.
Durante essa conversa falamos da organização das aulas, do
material escolar e em especial do caderno que deveria ser só para
matemática. Iniciamos o trabalho preenchendo uma folha chamada
“Eu e a Matemática”, que contém informações pessoais e numéricas
sobre os alunos. A segunda folha deixamos em branco para ser
colada à ficha de avaliação e na terceira colamos uma orientação de
estudos para o ano letivo. (Entrevista, novembro de 2008).
A segunda folha do caderno de matemática dos alunos de Conceição estava
reservada para o registro de avaliações, que ela chamou de “ficha do caderno do
aluno” e que seria preenchida depois, em função de uma dificuldade de ordem
administrativa que acontecia durante os primeiros quinze dias letivos do ano: muitas
matrículas novas eram feitas durante esse período. Ela resolveu esperar que essas
matrículas se estabilizassem para depois iniciar os registros na “ficha do caderno do
aluno”.
Conceição contou-nos que, ao considerar essa realidade, passou a agir da
seguinte forma:
Nos primeiros quinze dias, se dou uma lição de casa, por exemplo,
apenas eu anoto na minha ficha. Já peço um primeiro trabalho de
pesquisa para casa e oriento como deve ser feito. Procuro fazer
coisas simples que vão me possibilitar ir estruturando o
funcionamento da ficha através de exemplos concretos. Aí, passado
esses quinze dias em que estou trabalhando e vivenciando essas
experiências, entrego a ficha avaliativa. (Entrevista, novembro de
2008).
Consideramos com a professora que esse foi, para seus alunos, um tempo de
aprender a estrutura e o significado do processo de avaliação que eles iriam
vivenciar em suas aulas. As atividades desenvolvidas, nesse período, possibilitavam
a retomada das orientações para os alunos novos.
95
Passados esses quinze primeiros dias, quando suas classes já estavam
completas, Conceição entregava a “ficha do caderno do aluno”.
Quando eu entrego a “ficha do caderno do aluno”, ele já anota a data
da entrega das sínteses, que é uma outra atividade que desenvolvo
com eles, que se chama “síntese da notícia”: um trabalho de estudo
com jornais e revistas que eles farão quinzenalmente e, portanto,
quatro vezes no bimestre. Agendamos, também, as datas da entrega
dos trabalhos; sendo assim, consigo dar uma estruturada melhor na
ficha depois desses quinze dias, já contando com a lista oficial de
alunos. Isso eu faço com os alunos de quinta série. Falando da
importância de cada item, vamos preenchendo inicialmente a ficha
juntos. Até hoje, quando eles falam que estão um pouco confusos no
seu preenchimento, vou à lousa e faço com eles. Aproveito e retomo
tudo o que já foi anotado. Eu acho isto importante, pois, essa
organização nos ajudará posteriormente. (Entrevista, novembro de
2008).
A compreensão de cada critério de avaliação foi vivenciada em sala de aula
através de uma experiência que permitia aos alunos discutirem e compreenderem
seu significado e seu valor dentro do processo avaliativo. Com isso, Conceição
garantia o entendimento dos acordos, já que na quinta série era a primeira vez que
eles passavam pela experiência de serem protagonistas do seu processo de
avaliação.
Ao permitir que seus alunos discutissem e compreendessem os valores
relevantes que seriam considerados por eles mesmos e por ela, através do processo
avaliativo, e os reconhecessem com clareza e transparência na organização e na
estrutura da “ficha do caderno do aluno”, Conceição estava construindo seu contrato
didático; este, de acordo com Chevallard (2001), possibilita estabelecer o que terá
sentido para os alunos e para o professor dentro do sistema didático.
A “ficha do caderno do aluno” que sistematizava todos os acordos discutidos
com seus alunos era preenchida por eles, diariamente, ao longo do bimestre,
registrando seu desempenho nos mais diferentes critérios de avaliação combinados
e nela evidenciados. Os registros dessa ficha permitiam a Conceição, ao aluno e a
seus pais o conhecimento e a compreensão dos critérios que estavam sendo
considerados para avaliar o desempenho escolar do aluno, no bimestre.
96
Além disso, consideramos com Conceição que era através dessa ficha que se
criava a possibilidade de o aluno colocar-se como protagonista de seu processo
avaliativo.
Em relação aos alunos de sexta série, Conceição nos disse:
Para os alunos da sexta série, que já trabalharam no ano passado
com esse processo, eu já entrego a ficha no primeiro dia e não
preciso falar muita coisa. Se houve alguma modificação, eu explico.
Volto a comentar sobre o trabalho com o jornal, pesquisas, lições de
casa, etc. Na realidade há vários trabalhos que poderiam ser
considerados como lição de casa, mas gosto de fazer a
diferenciação e estabelecer como lição de casa a resolução de
exercícios, não apenas aqueles “armem e efetuem”, porque procuro
trabalhar com resolução de problemas, mas são tarefas mais
relacionadas com o conteúdo do livro didático que temos e do plano
de ensino que seguimos. (Entrevista novembro de 2008).
Na sexta série os alunos já conheciam esse processo, pois ele havia sido
aplicado pela professora Conceição na quinta série, em 2007. Portanto, ela só
precisou fazer as adaptações inerentes à sexta série e não houve necessidade do
trabalho de estruturação da ficha. Os alunos já estavam preparados para exercerem
seu papel de protagonistas do processo de avaliação.
Ao analisarmos com Conceição as “fichas do caderno do aluno” usadas por
ela, pudemos perceber que a forma como foram organizadas permitia a qualquer
integrante do processo o livre acesso aos critérios estabelecidos para avaliar seus
alunos. A ficha possibilitava também, a qualquer momento, a visualização da
necessidade de intervenções no processo de aprendizagem dos alunos de forma
clara e explícita, devido a sua transparência.
Em função disso, concordamos com Luckesi, ao dizer que:
[...] o primeiro passo que nos parece fundamental para redirecionar os
caminhos da prática da avaliação é assumir um posicionamento
pedagógico claro e explícito. Claro e explícito de tal maneira que possa
orientar diuturnamente a prática pedagógica, no planejamento, na
execução e na avaliação. (LUCKESI, 1998, p.42).
6.2.2 A Avaliação Integral
Perguntamos para a professora de que forma ela classificava os conteúdos
de aprendizagem com os quais trabalhava em suas aulas. Ela nos respondeu:
97
Eu estava tentando separar os conteúdos da ficha em conceituais,
procedimentais e atitudinais, só que em determinado momento eu
não consigo mais. Os conceituais, presentes nas avaliações,
também podem ser encontrados nos trabalhos e nas pesquisas. Nas
avaliações parciais procuro contemplar os conteúdos que estão
sendo estudado naquele momento, já nas bimestrais eu tenho um
cuidado maior na sua elaboração. Até conversarmos sobre
avaliação eu não havia tentado fazer essa separação, mas agora
com a nossa conversa e com algumas leituras de autores que falam
desse assunto, fiz a tentativa de separar. Na minha avaliação
bimestral eu não tenho só conteúdos conceituais, mas também,
procedimentais (ler, desenhar, etc.) e atitudinais também.
(Entrevista, novembro de 2008).
Conceição estava buscando classificar os conteúdos de aprendizagem em
três grandes grupos. Segundo Zabala (1998, p. 8), “haverá conteúdos que é preciso
‘saber’ (conceituais), conteúdos que é preciso ‘saber fazer’ (procedimentais) e
conteúdos os quais admitem ‘ser’ (atitudinais)”. Nos Parâmetros Curriculares
Nacionais relativos ao Ensino Fundamental, encontramos referências a essa
classificação dos conteúdos.
Na observação feita acima pela professora Conceição, ela nos relata que, ao
tentar classificar os conteúdos que iria trabalhar em sala de aula, sentia que
chegava um momento em que ficava difícil separá-los. Ao considerar essa situação
vivenciada pela professora, nos remetemos a Zabala (1998), que nos permite
reconhecer que os fatos, os conceitos, as técnicas e os valores são termos usados,
metodologicamente, como se fossem independentes, separados, a fim de classificar
os conteúdos trabalhados em sala de aula. Porém, na realidade, tais elementos que
compõem o dia-a-dia escolar ocorrem sempre de maneira integrada e são, na
verdade, indissociáveis.
No que diz respeito ainda a uma avaliação integral, a professora relatou:
Quando eu anoto na ficha a lição de casa, só estou considerando se
fez ou se não fez. Por isso eu considero atitudinal, porque é o fazer
ou não. O certo ou errado vem depois. Para aprender o que foi feito
na lição de casa é preciso em primeiro lugar fazer a lição de casa. O
objetivo da lição de casa é a sistematização do conteúdo, reforçar o
que foi visto, estimular o aluno a ter compromisso, mas a ação é
fazer. O trabalho com as sínteses também, eu marco se fez ou não
fez, mas para ele fazer o trabalho ele passa por todo um processo
que envolve conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais.
Garantido “o fazer” aí vamos ver como foi feito. (Entrevista, novembro
de 2008).
98
Para Conceição, tudo começava com o fato de o aluno fazer as atividades
propostas, pois ela considera que, para fazer, o aluno passava por um processo que
envolvia conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais.
Perguntamos também para a professora de que maneira ela avaliava o aluno
de uma forma integral — o “saber”, o “saber fazer” e o “saber ser”. Ela nos contou o
que considerou para compor o registro que chamou de “ficha do caderno do aluno”:
Minha ficha tem seis itens e cada um deles tem suas características
próprias, com objetivos diferenciados. O primeiro são as avaliações
parciais, que valem dois pontos; o segundo são os trabalhos, que
valem um ponto; o terceiro são as lições de casa e vale um, também.
O quarto são as sínteses de notícias que vale um ponto. O quinto
item da ficha são os atitudinais, que valem um ponto: caderno,
assiduidade, convivência social, ritmo e participação. O sexto e
último item é a avaliação bimestral que vale quatro pontos,
totalizando assim dez pontos. (Entrevista, novembro de 2008).
Observando com a professora a composição dessa ficha, pudemos notar que
ela considerou a avaliação dos “conteúdos conceituais”, quando reservou um item
para as avaliações parciais e outro para a avaliação bimestral; valorizou a avaliação
dos “conteúdos procedimentais”, quando destinou um item para os trabalhos, que
incluem trabalhos de classe, outro item para lições de casa e outro, ainda, para “as
sínteses de notícias”; e considerou a avaliação dos “conteúdos atitudinais”, quando
reservou um item para o caderno, outro para a assiduidade, outro para a convivência
social, outro para o ritmo e outro para a participação.
Pudemos observar que, quando Conceição tratava de alguns itens da
avaliação atitudinal que faziam parte da “avaliação informal”, adotava alguns
procedimentos para tornar seus critérios mais acessíveis aos alunos. Segundo
Freitas (2009, p. 27), a avaliação informal é compreendida “como a construção, por
parte do professor, de juízos gerais sobre o aluno, cujo processo de constituição
está encoberto e é aparentemente assistemático e nem sempre acessível ao aluno.”
Pedimos a Conceição que nos relatasse quais eram esses itens da avaliação
atitudinal e que nos contasse com mais detalhes como eram seus procedimentos
para torná-los menos informais. Ela nos disse: A participação é observada
diariamente e sempre reforçada sua importância. Eu não escondo nada, estamos
99
sempre refletindo sobre tudo. Eles se habituam a acompanhar. (Entrevista,
novembro de 2008).
Quando afirma que “a participação é observada diariamente”, ela quer dizer
que essa observação é feita por ela e por seu aluno também, segundo os
parâmetros que foram estabelecidos no contrato didático. Além da observação diária
da participação do aluno em suas aulas, a professora promove reflexões sobre essa
participação. Essas atitudes vão levando seus alunos a adquirir o hábito de
preocupar-se com a qualidade de suas participações em sala de aula e,
conseqüentemente, perceber seu valor no processo de aprendizagem.
Conceição avaliava, também, a convivência social, como podemos ver
através de seu relato, abaixo transcrito:
A escola possui uma folha que registra ocorrências graves e quando
isso acontece os pais são comunicados. Através dessas ocorrências
é que eu avalio a convivência social. Só levo em conta se for uma
ocorrência grave. O restante faz parte do dia a dia e resolvo com
nossas conversas de classe, normalmente. Se ultrapassar os limites,
já comunico aos pais e ele perde o ponto da participação. Às vezes
só comunico a coordenação, isto depende do tipo da ocorrência, mas
em termos de valores na ficha as conseqüências são as mesmas.
(Entrevista, novembro de 2008).
Refletimos com a professora que seus alunos tinham consciência dos
parâmetros que conduziam as avaliações de sua convivência social. Esses
parâmetros haviam sido definidos no contrato didático feito no início do bimestre. Em
geral, nas situações não consideradas graves, ela voltava a refletir com eles sobre
os combinados que estavam estabelecidos, buscando fazê-los inferir que era preciso
respeitá-los para que a convivência social no ambiente escolar fosse harmônica. O
aluno só comprometia o valor da participação em sua “ficha do caderno do aluno”
quando a ocorrência era grave.
Um outro critério de avaliação atitudinal era o ritmo. Em relação a isso, ela
nos disse:
100
O ritmo é um critério que se refere ao acompanhamento da aula. É
pessoal e tem a ver com o esforço que o aluno faz para cumprir, no
tempo combinado, as atividades que proponho. Em geral, quando
percebo que ele não está se esforçando, procuro conversar para
ajudá-lo a entender em que aspectos ele precisa melhorar seu ritmo.
Só há comprometimento dos valores relativos ao ritmo, propostos na
“ficha de avaliação do aluno”, se, depois de duas vezes que
conversamos, nada se modificou. (Entrevista, novembro de 2008).
Conceição tinha o cuidado de respeitar as diferenças individuais de seus
alunos nas questões de ritmo, mas, por outro lado, quando percebia que seria
possível uma mudança, procurava conscientizar seu aluno de que, através de
esforço e investimento pessoal, seu ritmo poderia melhorar.
A respeito desses itens acima descritos, Conceição concluiu: Então,
participação, convivência social e ritmo (que são itens da ficha) só terão perda de
pontuação se chegamos ao ponto de chamar os pais, e aí eles participam da
conversa onde buscamos conscientizá-lo sobre o que está errado. (Entrevista,
novembro de 2008).
Essas considerações acima destacam os procedimentos que a professora
Conceição adotava no sentido de construir juízos gerais sobre os objetos avaliados
de uma maneira mais sistemática e acessível ao aluno, buscando de certa forma
tornar a avaliação informal mais formalizada. Pudemos perceber que ela avaliava os
conteúdos atitudinais, que faziam parte da avaliação informal, de forma
compartilhada com seus alunos e da seguinte maneira: com referenciais
estabelecidos, com clareza, com conversa, com reflexões e, principalmente, com a
possibilidade de retomada dos procedimentos, para redirecioná-los com vistas à
aprendizagem desses conteúdos.
Ao analisarmos esses procedimentos junto com a professora, pudemos
perceber que seu processo avaliativo estava voltado para a qualidade dos itens
avaliados, com base em critérios preestabelecidos e buscava a inclusão do aluno
nesse processo, uma vez que o juízo de valor daquilo que estava sendo avaliado era
feito pelo aluno e pela professora.
Além dos critérios já descritos, a professora incluía na avaliação atitudinal a
assiduidade e o caderno, conforme ela nos relata abaixo: Assiduidade (outro item da
ficha) se refere às presenças, mas se eles faltam e têm uma justificativa, que em
101
geral vem por escrito, eu coloco a falta, mas não compromete os valores de
assiduidade previstos na ficha. (Entrevista, novembro de 2008).
Esse relato revela que a professora desenvolveu, com os alunos e os pais,
uma relação de respeito e consideração por seu trabalho e pela escola, pois eles
procuravam justificar suas ausências, possibilitando que não se alterassem os
valores de assiduidade na “ficha do caderno do aluno”. Essas ações tornavam
melhor a convivência entre eles.
Quanto ao caderno, ela desenvolvia com seus alunos um trabalho voltado
para a importância e a valorização do mesmo. Era importante que cada aluno
tivesse um caderno só para matemática e, durante suas aulas, tudo o que era feito
seria registrado nele. Ela procurava ajudá-los na organização e na utilização desse
caderno. No final do bimestre, Conceição selecionava um dia para poder vê-lo e
avaliá-lo. A respeito disso, ela nos disse: Neste dia planejo uma atividade diferente,
que eles fazem enquanto olho todos os cadernos. É muito difícil um aluno não ter o
caderno em ordem. Ele é como portfólio das aulas de matemática. (Entrevista,
novembro de 2008).
Para Conceição, os conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais eram
avaliados de forma diferenciada e com registros específicos, que serviam para
identificar com mais precisão as intenções educativas de seu processo de avaliação.
6.2.3 A Avaliação Formativa
Propusemos à professora que nos contasse de que maneira esse trabalho
promovia mudanças de atitudes nos alunos na busca dos melhores desempenhos
de cada um, com relação ao processo de aprender. Ela nos falou:
Existe uma parceria, e muitas vezes é através dela que vamos
encontrando caminhos que facilitam nosso trabalho, nossas
relações. Eu tenho representante de classe que me ajuda. Por
exemplo, na questão da lição de casa, eu pergunto quem não fez
antes de olhar. Eles levantam a mão e eu marco. Só depois o aluno
representante passa marcando os outros. São raros os que tentam
enganar, pois eles reconhecem a seriedade e a finalidade desse
registro e passam assumir a responsabilidade de não terem feito a
lição. Nós que costumamos julgá-los antecipadamente em relação a
sua honestidade. Muitas vezes acontece com um ou outro aluno e
nós temos a tendência de generalizar. Outro fato é que, quando eles
102
se acostumam com a ficha, eles nos cobram os vistos e avaliações
previstas. (Entrevista, novembro de 2008).
Diante dessa observação feita por Conceição, podemos considerar que seus
alunos valorizavam a atitude de honestidade, pois sabiam que ser honesto era
atitude considerada e valorizada pelo processo de avaliação estabelecido pela
professora. É importante considerar que o aluno tinha critérios preestabelecidos para
fazer o juízo de valor sobre o que era ser honesto naquela situação. Além disso, as
discussões e as reflexões feitas pela classe junto com a professora abordavam a
qualidade desse conteúdo atitudinal, o que permitia a Conceição e ao aluno
redirecioná-lo, se fosse necessário. Valendo-nos de Luckesi (1998), podemos
explicitar que esse processo possibilita um julgamento de valor sobre atitudes
efetivas a partir de critérios preestabelecidos.
Ainda considerando as mudanças de atitudes nos alunos na busca dos
melhores desempenhos de cada um no processo de aprender, a professora afirmou:
Além das reflexões diárias, eu tenho duas questões para a reflexão
dos alunos, no final do bimestre: a) Considero meu desempenho
bimestral em Matemática ______ e b) Sei que para melhorar meu
desempenho eu preciso _______. Para responder essas questões os
alunos se basearam nos dados contidos na “ficha do caderno do
aluno”, isto é, eles foram analisando os dados contidos na ficha e
fazendo uma avaliação do seu desempenho durante o bimestre. O
texto a seguir é a transcrição da avaliação de um aluno: “Sei que
para melhorar meu desempenho eu preciso estudar todos os dias,
fazer todas as lições, deixar o caderno em ordem, participar na sala
de aula, não deixar as lições para depois, fazer quando chegar em
casa e não esquecer a síntese, trabalho ou lição de casa (Entrevista,
novembro de 2008).
O aluno em questão foi seguindo os critérios estabelecidos em sua “ficha do
caderno”. Através dessas referências e como protagonista do seu processo
avaliativo, houve uma reflexão sobre quais caminhos deveria percorrer para
melhorar seu desempenho.
Nessa perspectiva, acreditamos que a professora Conceição trabalhou com
um processo de avaliação formativo, pois, segundo Zabala (1998), o termo formativo
é reservado para uma determinada concepção de avaliação que possibilita educar e
informar ao aluno seu desempenho, oportunizando-lhe rever suas ações para obter
melhores resultados.
103
Antes de utilizar essa maneira de avaliar, Conceição acreditava:eles não têm
muito claro como é todo o processo avaliativo que ela usava em suas aulas,
conforme explicou em seu questionário inicial (Anexo M, p.177).
O exemplo acima descrito evidenciou que a “ficha de avaliação do caderno do
aluno” permitiu a ele, como protagonista do processo, tomar consciência do deu
desempenho; e ter essa consciência seria o primeiro passo para que ele tomasse
atitudes para melhorar.
Para mim a ficha trouxe mudanças porque fez com que eu mudasse
e os alunos mudassem. E essa mudança é porque ela tem todo um
contexto que leva o aluno a querer, a fazer, a compreender, a
intervir, a controlar, enfim a se incluir no processo de avaliação que
antes era de domínio do professor somente. (Entrevista, novembro
de 2008).
A professora Conceição, em seu relato acima, referiu-se ao perfil de um aluno
que, como protagonista de seu processo de avaliação,vivenciou um “novo” processo
de avaliação em sua vida escolar. Consideramos que esse processo possui o
significado descrito abaixo por Esteban:
Avaliar o aluno deixa de significar fazer um julgamento sobre a
aprendizagem do aluno, para servir como momento capaz de revelar o que
o aluno já sabe, os caminhos que percorreu para alcançar o conhecimento
demonstrado, seu processo de construção de conhecimentos, o que o
aluno não sabe, o que pode vir a saber, o que é potencialmente revelado
em seu processo, suas possibilidades de avanço e suas necessidades para
que a superação, sempre transitória, do não saber, possa ocorrer.
(ESTEBAN, 1997, p. 53, apud AFONSO, 1999).
Muitas vezes, usamos a auto-avaliação, no final do bimestre, mas os alunos a
fazem através de lembranças ou através de registros do professor com os quais, em
alguns casos, o aluno não concorda, levantando desconfianças.
No caso do processo avaliativo da professora Conceição, através da “ficha do
caderno do aluno”, seus alunos tiveram todos os dados registrados por eles
mesmos, o que permitia a eles uma avaliação diagnóstica ao longo de todo o
processo e também no final dele. Em função disso, eles passaram a reconhecer que
suas avaliações diagnósticas e as de sua professora eram confiáveis. Segundo
Afonso (1999, p. 97), “a avaliação formativa, como chama a atenção Philippe
Perrenoud (1999), se assenta numa relação de extrema confiança e cumplicidade
entre os alunos e os professores”.
104
A organização desse processo de avaliação feita pela professora criou,
através de seu contrato didático e de seus registros, espaços pedagógicos que
permitiram a atuação concreta dos alunos no seu processo de avaliação; e isso criou
níveis de ajuda para que eles
buscassem a gestão de sua aprendizagem, em
conjunto com a professora, com seus pais e com os demais participantes do
processo.
Segundo Bain (1988, p.24 apud PERRENOUD, 1999, p. 89), “A avaliação
formativa está, portanto, centrada essencial, direta e imediatamente sobre a gestão
das aprendizagens dos alunos (pelo professor e pelos interessados)”.
6.2.4 A Democratização da Avaliação
Conceição sentiu que, para inserir os alunos e os pais no processo de
avaliação que ela estava estabelecendo, era necessário democratizar aquelas
idéias, discuti-las e buscar um consenso entre os envolvidos. Ela viu que só a
transparência do processo não era suficiente: havia necessidade da divulgação das
idéias nele contidas.
Pedimos a ela que nos apontasse como foi divulgada e discutida a prática
avaliativa de suas aulas entre os envolvidos no processo e assim ela relatou sua
estratégia para inserir os pais num processo de acompanhamento constante do
desempenho de seu filho na escola:
Veja como funciona essa parceria: professor, aluno e pai. Na
primeira reunião de pais falo da ficha de uma forma geral, digo que
será um registro que permitirá o acompanhamento do
desenvolvimento de seu filho ao longo do bimestre e me coloco à
disposição dos pais em horários específicos para tirar dúvidas sobre
o entendimento do funcionamento da ficha que eventualmente
acontecerão. (Entrevista, novembro de 2008).
Em relação aos alunos, Conceição já havia relatado que, para as quintas
séries, nos quinze primeiros dias de aula, ela foi estabelecendo os acordos com
seus alunos, através da construção de seu contrato didático e da constituição da
“ficha do caderno do aluno”. À medida que todos os alunos entendiam o significado
dos mais diferentes critérios que ela iria usar no seu processo de avaliação, ia se
estabelecendo, de forma democrática, uma parceria entre ela e seus alunos na
divisão das responsabilidades advindas desses combinados. Para as sextas séries,
105
essa parceria já estava estabelecida, graças ao trabalho feito com eles no ano
anterior.
A “ficha do caderno do aluno” evidenciava todos os acordos e registrava os
resultados das avaliações que ocorriam todos os dias, através dos diferentes
instrumentos de avaliação. Isso possibilitava a inserção do pai ou responsável no
processo, permitindo-lhe colocar-se como mais um parceiro que se juntava à
professora e ao aluno através dessa ficha, que se tornou um canal de comunicação
entre a escola e a família.
Veja o caso de uma aluna: ela queria saber, já no final do bimestre, o
que poderia fazer para melhorar seu desempenho. Sentamos, eu, o
pai e ela para conversarmos. Consultamos a ficha do seu caderno e
analisamos tudo o que ela não tinha feito. Baseada nesses registros,
propus que ela fizesse as atividades que não tinha feito e outras que
ela poderia fazer para substituir algumas. Sua ficha do caderno tinha
todos os registros que evidenciavam, com clareza, a situação em que
ela se encontrava. Com o apoio do pai, ela conseguiu fazer as lições
e trabalhos que não havia feito e assim conseguiu, mesmo no final do
bimestre, melhorar seu desempenho, ficando com uma boa nota no
final. (Entrevista, novembro de 2008).
Nesse caso, em particular, embora já no final do bimestre, Conceição, sua
aluna e o pai dela, baseados na “ficha do caderno do aluno”, conseguiram uma
mobilização para encontrar o caminho que permitiu a geração de compromissos,
levando essa aluna a tomar consciência da relevância de seu papel na sua tarefa de
aprender. A parceria: pai, aluna e professora deu ao processo uma dimensão capaz
de mobilizar todos os envolvidos na busca das soluções possíveis, para que a aluna
melhorasse seu desempenho.
De maneira geral, a “ficha do caderno do aluno” deve evidenciar dados para
permitir as avaliações diagnósticas e mobilizar todos os envolvidos na busca do
melhor desempenho possível para o aluno. No caso relatado pela professora, em
especial, não foi durante todo o bimestre que “a ficha do caderno do aluno” cumpriu
seu papel, mas foi ela que apontou quais caminhos deveriam ser retomados pela
aluna para recuperar-se.
Assim Conceição se refere às mudanças nas reuniões de pais:
106
Os pais dos alunos, que estavam fazendo parte desse processo de
avaliação, chegavam à reunião de pais já bastante conscientes de
todo o desenvolvimento de seu filho, pois eles acompanhavam, no
caderno do filho, as avaliações diárias que foram sendo registradas
na ficha do caderno do aluno e até faziam intervenções nas
ocasiões em que isso era necessário. Às vezes eles vinham me
perguntar sobre a postura de seu filho ou sobre alguma outra
disciplina, pois aquela fila imensa, na reunião de pais para falar com
a professora de matemática acabou. (Entrevista, novembro de
2008).
Ela nos contou como procedeu para democratizar a participação do aluno,
isto é, permitir a qualquer aluno, em qualquer momento, fazer diagnósticos a
respeito de sua aprendizagem, tendo em vista, conforme Luckesi (1998), tomar
decisões suficientes e satisfatórias para poder avançar em seu processo de
aprendizagem.
Conceição sistematizou o processo de avaliação que usava, através de
registros que organizou com seus alunos. Eles eram feitos, durante todo o bimestre,
na “ficha do caderno do aluno”, onde seus alunos registravam suas avaliações
conceituais, procedimentais e atitudinais, todas as vezes em que eram avaliados.
Em função das possibilidades de análises advindas desses registros e dos
instrumentos de avaliação, o processo avaliativo da professora Conceição
possibilitava avaliações diagnósticas feitas por ela e por seus alunos, durante todo o
bimestre, o que permitia o redirecionamento do processo de ensino e aprendizagem
em busca do melhor desenvolvimento possível das capacidades dos alunos.
Porém, ao final do bimestre, os dados advindos dos diferentes registros que
compunham a “ficha do caderno do aluno” eram resumidos pelo próprio aluno, que
fazia o fechamento dos seis itens que compunham sua ficha. A partir daí o aluno
tinha condições para concluir seu conceito final (Anexo E, p.170 ou Anexo F, p. 171)
e para fazer uma outra avaliação diagnóstica que, dessa vez, era mais abrangente,
permitindo-lhe uma visão geral do seu desempenho no bimestre como um todo. A
professora Conceição o ajudava a fazer essa avaliação, propondo-lhe duas
questões, conforme nos relata abaixo:
107
Além das reflexões diárias, eu tenho duas questões para a reflexão
dos alunos, no final do bimestre:
a) “Considero meu desempenho bimestral em Matemática...”
b) “Sei que para melhorar meu desempenho eu preciso...”
(Entrevista, novembro de 2008).
Assim, a professora considerava que as avaliações feitas ao longo de todo o
processo e no final dele eram utilizadas para diagnosticar, e não para classificar
seus alunos.
As características que a professora Conceição procurou trabalhar nesse
processo avaliativo propiciavam participações constantes dos alunos num processo
contínuo de avaliação, que se propunha a transformar o aluno em sujeito do seu
processo
avaliativo.
Essas
características
também
tinham
a
intenção
de
conscientizá-lo de que ele, a professora e seus pais eram parceiros num processo
coletivo de construção do conhecimento.
Maria Teresa Esteban coloca-nos essa questão da seguinte forma:
O redimensionamento do conceito de avaliação escolar, articulado pelo
compromisso com a democratização do ato pedagógico, tem como
característica ser uma atividade mais participativa, desenvolvida através de
um processo contínuo. Deste ponto de vista, a teoria sobre avaliação
precisa assinalar, para a atividade docente, estratégias que possam ajudar
alunos/alunas e professores/as a compreender e intervir no processo
coletivo de construção de conhecimentos (ESTEBAN, 2001, p.126).
6.3 A Cultura Escolar
Para
analisar
esta
categoria
consideramos:
as
responsabilidades
compartilhadas entre a professora Conceição, seus alunos e pais; a relação entre a
prática avaliativa e a qualidade do trabalho desenvolvido pela professora e a
questão do tempo pedagógico.
6.3.1 Responsabilidades Compartilhadas
Indagamos a Conceição se ela percebia que esse processo de avaliação
alterava o equilíbrio das responsabilidades atribuídas tradicionalmente, tanto para o
professor como para o aluno e seus pais ou responsáveis.
Ela assim nos respondeu:
108
Uma coisa que não existe mais com esse processo de avaliação é a
pergunta: “Por que você me deu essa nota?” Essa era uma frase
muito falada. Ou então: “Não dá para você me dar um pontinho?” Na
realidade, eu era uma professora que “dava nota”. Agora isso acabou
e eles não perguntam mais por que daquela nota. Isto, agora, eles já
sabem. (Entrevista, novembro de 2008).
Diante dessas considerações da professora, pudemos perceber que esse
trabalho permitiu a ela tanto deixar de ser o centro das decisões como compartilhar
ações para possibilitar a divisão das responsabilidades inerentes ao processo
avaliativo, com seus alunos. Por outro lado, pudemos perceber, também, que seus
alunos ganharam uma nova consciência sobre o significado da avaliação na sua
vida escolar.
O processo avaliativo promove tensões e as mais variadas reações por parte
de todos os envolvidos na educação, gerando expectativas e comportamentos que
irão interferir nos relacionamentos que se estabelecem em sala de aula.
A organização dos registros de avaliação e o contrato didático que Conceição
estabeleceu com seus alunos foram fatores importantes para desencadear a divisão
de responsabilidades. Consideramos com a professora que isso contribuiu
significativamente para diminuir as tensões relativas ao processo de avaliação.
Além disso, outro fator importante foi a avaliação diagnóstica feita pelos
alunos e pela professora, durante o processo. Ela permitia que eles promovessem
as interferências necessárias, ao longo do bimestre, possibilitando ao aluno
reconhecer que o erro faz parte do processo de aprendizagem. Isso também
contribuía para aliviar tensões.
No final do bimestre, os dados contidos na “ficha diária do aluno” eram
resumidos, pontuados e somados pelo próprio aluno, permitindo assim que ele
concluísse seu próprio conceito final, para depois conferi-lo com a professora. Isso
nos leva a inferir que os alunos participavam ativamente de seu próprio processo de
avaliação, a ponto de poderem atribuir seu próprio conceito bimestral.
Considerando o conceito de cultura adotado por Pérez Gómez:
109
Considero cultura como o conjunto de significados, expectativas e
comportamentos compartilhados com um determinado grupo social, o que
facilita e ordena, limita e potencia os intercâmbios sociais, as produções
simbólicas e materiais e as realizações individuais e coletivas dentro de um
marco espacial e temporal determinado (PÉREZ GÓMEZ, 2001, p. 17),
Podemos dizer que os significados, as expectativas e os comportamentos que
se estabeleceram em sala de aula, através de um processo avaliativo compartilhado
entre alunos, professores e demais envolvidos no processo, criaram uma cultura,
trazendo consigo a consciência do papel que cada um dos envolvidos nesse
processo tinha a desempenhar.
Ao refletirmos sobre isso com a professora Conceição, pudemos inferir que
esse processo pode alterar o equilíbrio das responsabilidades atribuídas
tradicionalmente tanto para o professor como para o aluno e seus pais ou
responsáveis, podendo, dessa forma, aliviar as tensões inerentes a qualquer
processo de avaliação que se estabeleça em sala de aula.
6.3.2 A Prática Avaliativa e a Qualidade do Trabalho Pedagógico
Ao perguntarmos a Conceição se essa forma de avaliar contribuiu para
melhorar a qualidade do seu trabalho pedagógico em sala de aula, ela assim nos
respondeu:
Eu mudei, pois achava a avaliação um instrumento punitivo. Hoje
quando um aluno tem um ponto negativo, eu quero que ele faça
alguma coisa para retirar aquele ponto e não faço negativo em cima
de negativo, porque aí vira punitivo mesmo. (Entrevista, novembro de
2008).
Conceição não estava visando simplesmente à aprovação ou à reprovação,
mas, sim, à inclusão do aluno na sua sala de aula, na sua escola, auxiliando-o no
seu desenvolvimento pessoal. Para isso, ela levou em consideração o ensino, a
aprendizagem e a avaliação dos conteúdos conceituais, procedimentais e
atitudinais, com o objetivo de desenvolver as “capacidades motoras, de equilíbrio e
de autonomia pessoal, de relação interpessoal e de inserção social.” (ZABALA,
1998, p. 197).
De acordo com o relato acima descrito, pudemos observar que a prática
pedagógica usada por Conceição passou a ter uma função orientadora que, assim
como os demais procedimentos dessa forma de avaliar, contribuiu para melhorar a
110
qualidade do seu trabalho pedagógico em sala de aula, cujos resultados estão
exemplificados nos excertos de depoimentos abaixo:

Em relação ao trabalho pedagógico:
Para mim foi muito importante ter todos esses dados organizados e
registrados, facilitando minhas decisões e as decisões dos alunos
ao longo do processo.
A partir do momento que fizemos combinados e constituímos as
fichas, eu tinha que segui-las também. Havia um compromisso de
minha parte no sentido de cumprir com o meu papel. Eu mudei
muito. Agora eu planejo as coisas bimestralmente e planejo cada
ação do dia, por conta do compromisso que eu tenho com eles. Isso
me ajudou muito. Antigamente eu me reportava apenas à memória,
tentando lembrar detalhes que ocorreram no bimestre.
Essa forma de avaliar leva o aluno e a família a valorizarem mais o
trabalho que desenvolvo com eles.
Nesses últimos anos a qualidade do meu trabalho melhorou muito, e
o meu processo de avaliação é um dos fatores que tem contribuído
para essa melhora. (Entrevista, novembro de 2008)

Em relação aos alunos:
Quanto aos alunos, eles sabem onde e como estão sendo
avaliados, não vão ter surpresas no final do bimestre. O aluno
acompanha tudo com a ficha, considerando-a como um documento.
(Entrevista, novembro de 2008).

Quanto ao relacionamento da professora com as famílias:
Eu fico tranqüila em conversar com os pais, pois, quando eles vêm
falar comigo, trazem consigo o caderno do filho, que tem a ficha do
aluno com todas as anotações. A conversa fica clara e objetiva.
Tenho segurança em falar com pai. (Entrevista, novembro de 2008).

Quanto ao relacionamento das famílias com esse processo de avaliação:
Ouço pais falando que outros professores deveriam trabalhar assim.
Já vi casos onde a mãe se manifestou, dizendo que, olhando na
ficha fica mais fácil ela ajudar o filho a cumprir com os compromissos
escolares, porque eles estão planejados e claramente colocados na
ficha. Ter as datas, ter as anotações, saber a nota do filho em cada
atividade avaliada, saber que ele vai ter caderno em ordem, que a
participação é importante e está sendo avaliada. A ficha ajuda a
inserir os pais no contexto da educação escolar de seu filho. Não
111
posso deixar de dizer que dá certo trabalho, mas o compromisso da
clientela e da família é fundamental. (Entrevista, novembro de 2008)
Em relação à aprendizagem dos alunos:
Eu tinha trinta alunos e chegava a ter dez alunos com conceitos
abaixo da média. Atualmente eu tenho dois ou três e em algumas
salas chego a ter nenhum. (Entrevista, novembro de 2008).
Consideramos com Conceição que ela promoveu, em sua prática educativa,
modificações capazes de transformar suas relações com os alunos e com os pais. A
qualidade de seu trabalho, segundo sua avaliação, melhorou. De maneira geral,
podemos dizer que a modificação de suas ações incidiu positivamente na formação
dos seus alunos.
Porém, Conceição sentiu dificuldades com a equipe pedagógica da escola,
que nunca tomou conhecimento de seu trabalho. Já com seus colegas professores
era diferente: eles se incomodavam com o trabalho desenvolvido por Conceição e
saíam em defesa de suas práticas avaliativas tradicionais. Ela nos relata isso da
seguinte forma:
Quem sabe desse trabalho sou eu, meus alunos e seus pais. A
coordenação pedagógica e a direção não se envolvem com o
pedagógico. Quando eu quero discutir algum aspecto conto com o
Grupo de Sábado, da Unicamp. Na escola eu estou sozinha tanto na
parte da avaliação como em relação aos trabalhos que desenvolvo.
Se não fosse os colegas do Grupo de Sábado, acho que eu já teria
desistido, pois é muito mais fácil dar duas provas somar e dividir por
dois e pronto. E, se o aluno não tirou nota, vamos dando
recuperação até ele conseguir nota. Eu não faço isso. (Entrevista,
novembro de 2008).
Ao
considerarmos essas
dificuldades com
a professora Conceição,
reportamo-nos a Freire (1991) para nos fortalecermos em nossas convicções:
Se você tem uma posição política reacionária, não há dúvida que o papel
do educador é ensinar e do educando é ser ensinado; se a sua opção
política é uma opção transformadora e se você é coerente com a sua opção
– porque esse é outro problema sério que devemos examinar, pois a partir
da opção, o educador tem que lutar para alcançar um limite razoável de
coerência entre o discurso sobre a opção e a prática que viabiliza o sonho
contido nela – se é substancialmente democrática, você não renuncia a seu
trabalho de educador, você se afirma nele e desafia o educando a assumirse como sujeito do processo de conhecer. (FREIRE, 1991, p. 43).
Esse envolvimento do professor com seu trabalho de educador implica lidar
com inúmeros componentes de diversas naturezas, quase todos já abordados nesta
112
apresentação do trabalho da professora Conceição. Porém um elemento importante
ainda falta ser discutido aqui: o tempo pedagógico.
6.3.3 O Tempo
Na fala da professora Conceição, pudemos perceber algumas considerações
sobre o tempo pedagógico e seus significados, em sua prática de ensino:
Para os alunos da sexta série que já trabalharam no ano passado
com esse processo, eu já entrego a ficha, no primeiro dia, e não
preciso falar muita coisa. Eu só comento sobre as mudanças.
(Entrevista, novembro de 2008).
Podemos notar que o tempo dedicado pela professora para falar sobre o
processo de avaliação com os alunos da sexta série foi muito menor do que o tempo
dedicado com a quinta série, para falar do mesmo assunto.
Na quinta série, a professora foi constituindo as idéias básicas do processo,
ao longo dos quinze primeiros dias de aula, através de vivências que tinham por
objetivo levar os alunos a entender os critérios, os instrumentos e os registros do
processo de avaliação.
Já, na sexta série, isso não foi necessário, porque os alunos já haviam
vivenciado esse processo de avaliação na série anterior. Conceição precisou de um
único dia para combinar com a turma todos os detalhes que faziam parte do
processo de avaliação deles, o que possibilitou um ganho de tempo significativo.
Segundo Conceição:
Esse processo de avaliação que se constituiu através do contrato
didático e dos registros das avaliações permitiu que, ao longo do
bimestre, ocorresse um ganho de tempo, pois os alunos já estavam
organizados e orientados quanto às ações e atitudes que envolviam
a prática avaliativa das minhas aulas. (Entrevista, novembro de
2008).
O tempo é um fator muito importante na prática pedagógica do professor. Há
uma diversidade de empregos do tempo, em sua tarefa profissional. Muitas vezes,
ao mexer no tempo de uma prática educativa, provocamos conseqüências em outros
tempos e criamos uma seqüência de problemas em relação aos tempos. Ao referirse às propostas de mudanças na prática pedagógica do professor, Arroyo (2004)
considera que:
113
A categoria está aberta à inovação. Porém é um direito perguntar-se por
alguns pontos: “em que qualquer proposta afetará suas rotinas de trabalho,
seus tempos escolares e inclusive seus tempos de família, de descanso; se
aumentará ou diminuirá o cansaço” (Arroyo, 2004, p. 396).
Ressaltamos com Conceição que o fato de o aluno ser sujeito de seu
processo de avaliação e, portanto, seu gestor, junto com sua professora, permitia
um ganho de tempo, em relação ao processo avaliativo que era de domínio só do
professor.
6.4 A Concepção de Educação
Para a análise desta categoria estamos levando em consideração a função
social do ensino e a concepção de como o aluno estabelece relações com o saber.
6.4.1 A Função Social do Ensino
Pedimos a Conceição que dissesse, na sua concepção, qual era a função
social do ensino, isto é, para que educamos? Ela nos disse:
É difícil falar nisso sem falar em políticas públicas. A vontade política
influencia muito o papel da escola de formar cidadãos ou formar um
número a mais. Muitas vezes vemos políticas que trabalham com
números. Então é você ensinar para quê? A vida do aluno hoje gira
em torno de conhecimento, e ele vai buscar esse conhecimento
dentro da escola. [...] O aluno sai da sua casa, vai encarar pessoas e
fatos, vai lidar com o conhecimento, e a escola, a meu ver, ainda é o
principal local para ele buscar esse conhecimento. Eu acho que é
obrigação da escola e do professor dar esse conhecimento que vai
formar o indivíduo integralmente, isto é, no saber, no fazer e no ser.
(Entrevista, fevereiro de 2009).
Conceição começa referindo-se à responsabilidade do poder público, ao
considerar essa questão. Ela evidencia o quanto as políticas públicas — centradas
em números e resultados, sem preocupação com a qualidade do ensino — estão
afastadas de uma educação emancipatória.
Durante suas aulas, ela procurava propiciar aos seus alunos vivências que
tinham a intenção de permitir que eles se relacionassem e vivessem positivamente
com as outras pessoas; que conhecessem a si próprios e aos demais; e que
adquirissem os conhecimentos específicos de sua disciplina.
114
Segundo Zabala (1998, p. 197), “podemos entender que a função social do
ensino não consiste apenas em promover e selecionar os ‘mais aptos’ para a
universidade, mas que abarca outras dimensões da personalidade”, pois elas serão
necessárias para formarmos cidadãos comprometidos com a melhoria da sociedade
e deles mesmos.
Pudemos refletir com Conceição que o trabalho desenvolvido por ela, com a
avaliação, deu a seus alunos a oportunidade de conscientizar-se de que era preciso
saber, saber fazer e saber ser. Sua prática educativa valorizou o desenvolvimento
de todos os aspectos que possibilitariam a formação de seus alunos, ou seja: os
valores relativos às suas relações interpessoais, a sua vida pessoal e a sua vida
profissional.
6.4.2 A Forma como o Aluno estabelece Relações com o Saber
Também pedimos que ela nos dissesse, na sua concepção, como o aluno
aprende. Segundo ela:
O aluno tem que gostar, não só de matemática, mas se sentir
motivado para ir à escola. Ele só vai aprender se tiver essa
motivação e esse gosto. Se não tem, a escola deve proporcionar. [...]
Há alunos que aprendem com mais facilidade, os quais identificamos
rapidamente. Então, a primeira coisa a fazer é conhecer o aluno. Isso
vai acontecendo com o passar das aulas. Se ninguém aprendeu,
então o negócio é comigo! Preciso retomar de outra maneira. Alguns
conteúdos iniciamos através de atividades que proporcionam o fazer
para depois chegarmos ao conceito, mas existem alguns conteúdos
que introduzo com aula expositiva. Usos os recursos metodológicos
que eu tenho conhecimento e que eu acredito que vão me ajudar.
Agora, há ocasiões que a aula é expositiva. Mas uma coisa eu
aprendi: se o aluno chegou à quinta série sem saber as quatro
operações, não é hora de buscar culpado, e sim de fazer com que
ele aprenda as quatro operações. (Entrevista, fevereiro de 2009).
Conceição acredita que o aluno aprende, se tiver motivação e gosto para
aprender. Se não tiver, a escola deverá proporcionar que isso aconteça, isto é, as
atividades desenvolvidas pela escola deverão ser envolventes e despertar o gosto
do aluno.
Segundo Charlot (2001, p. 21), “[...] o sentido atribuído a um saber leva a
envolver-se em certas atividades, a atividade posta em prática para se apropriar de
um saber contribui para produzir o sentido desse saber”.
115
Podemos, então, dizer: para o aluno envolver-se, é necessário haver sentido
naquilo que ele irá aprender. De acordo com Charlot (2001, p.20), “A problemática
da relação com o saber estabelece uma dialética entre interioridade e exterioridade,
entre sentido e eficácia. Aprender é apropriar-se do que foi aprendido, é tornar algo
seu, é interiorizá-lo”.
Achamos importante enfatizar com Conceição que sua percepção de como o
aluno aprende levou-a valorizar não somente os conteúdos conceituais de
aprendizagem, mas também os conteúdos procedimentais e atitudinais, pois estes
fazem parte do patrimônio humano, que deverá ser aprendido na escola. Ela passou
a ver o aluno como um sujeito que precisa se apropriar de um saber, de uma prática,
de uma forma de relação com os outros e consigo mesmo. Isto é, passou a ver o
aluno de uma forma integral. Em Charlot (2001), confirmamos que esse patrimônio
humano, composto de palavras, idéias, teorias, técnicas do corpo, práticas
cotidianas, faz parte da aprendizagem do aluno.
Para Conceição, era preciso em primeiro lugar conhecer o aluno. A conexão
entre seu aluno e o saber e entre o saber e seu aluno era feita, algumas vezes,
através de atividades de sala de aula que se iniciavam com o “fazer”, isto é, com
atividades postas em prática, para depois chegar ao “conceito”; outras vezes,
realizava-se através de uma aula expositiva; enfim, tudo dependia dos recursos
considerados mais adequados para o momento. A lição de casa e os trabalhos
extra-classe procuravam sistematizar os conceitos trabalhados, isto é, colocar o
aluno na relação com o saber.
O importante para Conceição era que seu aluno estivesse motivado para
aprender: o que ele iria aprender deveria ter um sentido para ele, porém era muito
importante que ele tomasse consciência do seu próprio papel na conexão entre ele e
o saber e entre o saber e ele, tornando-se parte integrante desse processo.
6.4.3 Significado da Avaliação
Conceição expressa-se da seguinte maneira em relação à aprendizagem de
seus alunos:
116
Falo sempre para os meus alunos que o meu objetivo não é marcar
pontos negativos e sim os positivos, dando a eles oportunidade para
estar fazendo e aprendendo. (Entrevista, fevereiro de 2009).
Sua afirmação demonstra que o trabalho desenvolvido não estava centrado
nos resultados, mas, sim, no processo.
A nosso pedido, Conceição explicitou como possibilitava ao aluno refletir
sobre suas conquistas, suas dificuldades e suas possibilidades, com vistas à
organização e à reorganização do seu investimento na tarefa de aprender. Isto é,
expôs o significado que tinha o processo de avaliação em suas aulas:
Esse processo fez com que eu e meus alunos mudássemos. E essa
mudança ocorreu porque o processo tem um contexto que leva o
aluno a querer, a fazer, a compreender, a intervir, a controlar; enfim,
a se incluir no processo de avaliação que antes era do domínio
apenas da professora. (Entrevista, fevereiro de 2009).
Nesse relato evidencia-se a mudança do significado da avaliação para o
aluno, ao longo de suas vivências escolares: já se tornava possível um novo olhar
sobre a avaliação. Caracterizava-se formativa, porque permitia aos envolvidos um
ajuizamento da qualidade do conteúdo avaliado e, também, a tomada de decisões
no sentido de aceitá-lo ou transformá-lo.
Observamos que esse significado fica comprometido quando o aluno tem
concepções sobre a avaliação que se baseiam nos resultados, sem analisar os
meios pelos quais foram obtidos; quando, para ele, não importa a aprendizagem,
mas, sim, a nota final; não importa se esta representará seu conhecimento adquirido
ou não. Assim nos conta a professora Conceição:
Alguns alunos, felizmente poucos (um ou dois em cada classe), que
não conseguem se incluir nesse processo, acabam perdendo a ficha
ou arrancando do caderno e jogando fora. Mesmo assim, estou
sempre mostrando a ele e a sua família os resultados de suas
avaliações, tentando sensibilizá-lo. (Entrevista, fevereiro de 2009).
Ponderamos com a professora que o processo de avaliação se tornou muito
significativo, ao incluir os alunos como parte integrante dele, possibilitando-lhes
desafios constantes, que os levavam à organização e à reorganização da tarefa de
aprender.
117
Conceição relatou-nos como ela procedeu para que seus alunos tomassem
consciência do significado da avaliação, no processo de ensino e aprendizagem.
Depois que eles começaram a vivenciar um processo de avaliação do qual eram
protagonistas, perceberam que “a ficha diária do aluno” continha dados que lhes
permitia fazer um juízo de valor sobre seu conhecimento, sobre seu desempenho e
sobre suas atitudes nas aulas de matemática.
Para fazer isso, tinham como referência parâmetros, combinados com a
professora Conceição, relativos aos conceitos que seriam trabalhados, aos
procedimentos que deveriam ser adotados e às atitudes, que visavam buscar o
melhor desempenho possível de cada um deles, nas mais diferentes atividades
realizadas. Ou seja, eles podiam refletir sobre as avaliações formais e também sobre
as informais, pois tinham parâmetros para isso.
Assim, observamos com a professora que seu processo de avaliação
procurava formalizar, na medida do possível, a avaliação informal. Sobre esta,
Freitas (2009) nos diz o seguinte:
A parte mais dramática e relevante da avaliação se localiza aí, nos
subterrâneos onde os juízos de valor ocorrem. Impenetráveis, eles regulam
as relações tanto do professor para com o aluno, quanto do aluno para com
o professor. Este jogo de representações vai construindo imagens e autoimagens que terminam interagindo com as decisões metodológicas que o
professor implementa em sala de aula (FREITAS, 2009, p.27- 28, grifos do
autor).
Conceição procurava compartilhar com seus alunos os juízos de valor que
estava considerando para avaliá-los, permitindo, assim, que eles deixassem de ser
“impenetráveis”, para serem do conhecimento de todos.
Além disso, estes juízos de valor eram, na medida do possível submetidos ao
processo de ensino e de aprendizagem, tal como os conteúdos conceituais e
procedimentais o são. Na medida em que esses juízos de valor se tornassem
evidentes para o aluno, por meio das fichas, iriam permitir, de acordo com Luckesi
(1998, p.33), “uma forma de ajuizamento da qualidade do objeto avaliado, fator que
implica uma tomada de posição a respeito do mesmo, para aceitá-lo ou para
transformá-lo”.
118
Os juízos de valor permeiam todas as atividades avaliativas sejam elas
formais ou informais que ocorrem de certa maneira vinculadas umas as outras como
podemos ver nas considerações abaixo.
O desenvolvimento dos “trabalhos de classe” era acompanhado pela
professora durante toda a aula, o que lhe possibilitava fazer interferências, tirando
dúvidas, ajudando-os a refletir sobre seus erros, socializando idéias interessantes,
avaliando comportamentos e atitudes, etc. Podemos considerar que esse era um
momento rico para a professora, pois o processo de avaliação permitia a ela fazer
uma avaliação diagnóstica, detectando o estágio de aprendizagem de seu aluno e
intervindo para permitir seu avanço. Também possibilitava verificar a eficiência de
seu trabalho e corrigir seus rumos para melhorar o ensino, durante o processo.
Da mesma forma, era possível também os alunos diagnosticarem suas
dificuldades e seus avanços, pois sempre tinham conhecimento dos objetivos,
referentes à avaliação formal e informal, a serem alcançados em qualquer proposta
de trabalho feita pela professora. Podiam perceber que estavam envolvidos em um
processo de aprendizagem e que a avaliação durante ou no final das atividades
tinha como finalidade redirecionar os caminhos, para que ele pudesse aprender.
Pudemos observar — e ponderamos isso com a professora Conceição — que
as ações adotadas em sua prática avaliativa, no sentido de tornar claros e
transparentes os critérios das avaliações formais e informais e de possibilitar ao
aluno a sua inclusão como protagonista do processo avaliativo, transformavam o
significado do processo de avaliação, permitindo que se ultrapassassem os limites
da técnica e que se atingisse a dimensão ética do mesmo, indo ao encontro das
idéias de Esteban (1999).
Percebemos, no processo de avaliação usado pela professora Conceição,
que seus alunos estavam aprendendo a exercer novas funções, que alteravam o
curso desse processo, redirecionando-o através de mecanismos que lhes permitiam
reconhecer, desenvolver e controlar seu progresso pessoal, ajudando-os a
reconhecer o significado da avaliação em sua vida escolar e a assumir com
autonomia seu papel e seu lugar no processo avaliativo.
119
No quadro a seguir, buscamos sintetizar a análise das categorias: a ação
docente, a cultura escolar e a concepção de educação no trabalho com avaliação
desenvolvido pela professora Conceição durante o ano de 2008 com suas turmas de
quinta e sexta séries.
6.2. A ação docente
6.2.1.
A transparência do
processo
6.2.2.
A avaliação integral
6.2.3.
A avaliação formativa
Essa transparência constituiu-se através dos itens:

“Contrato didático”.

Registro que ela chamou de “ficha do
caderno do aluno”.

Registro que ela chamou de “ficha do
professor”.
Conceição usava instrumentos de avaliação que
permitiam:

Avaliar os conteúdos conceituais.

Avaliar os conteúdos procedimentais.

Avaliar os conteúdos atitudinais.
Fatores que contribuíram para uma avaliação
formativa:

Parcerias entre a professora e seus alunos
na busca de melhores desempenhos no
processo de ensino e aprendizagem.

Ajuizamento, por parte do aluno,
qualidade dos conteúdos avaliados.

Critérios
clareza.
de
avaliação
definidos
da
com
120
6.2.4.

Organização dos registros de avaliação.

Avaliações
diagnósticas
feitas
professora e por seus alunos.

Reflexão do aluno sobre suas ações, com
vistas à retomada de seu desenvolvimento,
possibilitando momentos de autonomia
dentro do processo avaliativo.
Em relação à democratização
avaliativo, Conceição procurou:
A avaliação democrática
do
pela
processo

Divulgar e discutir as idéias que
fundamentavam o processo avaliativo de
suas aulas com os alunos e suas famílias,
buscando um consenso entre todos os
envolvidos.

Promover avaliações diagnósticas e não
classificatórias.

Promover a inclusão do aluno no processo
avaliativo.
6.3. A cultura escolar
6.3.1.
Responsabilidades
Fatores que possibilitaram o compartilhamento de
responsabilidades:

O contrato didático.

A organização dos registros de avaliação.

A democratização do processo avaliativo
com os alunos e os pais.

A conscientização dos alunos sobre o papel
que tinham na construção de sua Educação.
compartilhadas
121
6.3.2.
Fatores que foram importantes para melhorar a
qualidade do trabalho pedagógico:
A prática avaliativa e a

Planejamento prévio da prática avaliativa por
parte da professora.

Registros e dados relativos às avaliações
organizados, facilitando, assim, decisões e
encaminhamentos por parte dos envolvidos.

Divisão de responsabilidades com os alunos
e os pais.

Alunos acompanhando seu processo de
avaliação, reconhecendo suas conquistas e
dificuldades e promovendo as interferências,
em parceria com a professora e seus pais.

Inserção dos pais no contexto educacional
de seus filhos.

Tranqüilidade
da
professora
no
relacionamento com os pais, em função das
informações contidas nos registros dos
alunos e dela.

Mais confiança e mais respeito por parte da
família e por parte dos alunos, em relação ao
trabalho desenvolvido pela professora.
qualidade do trabalho
pedagógico
6.3.3.
O
O tempo
redimensionar o tempo pedagógico nas aulas da
processo
de
avaliação
colaborou
para
professora Conceição

Possibilitando uma melhor organização do
processo do trabalho pedagógico dela e dos
alunos.

Valorizando os conteúdos de aprendizagem:
conceituais, procedimentais e atitudinais, o
que possibilitou mudanças na forma do
122
aluno atuar como educando.

Permitindo ao aluno ter autonomia para
fazer
a
gestão
do
seu
processo
de
avaliação, o que o ajudou a desenvolver
uma postura mais responsável perante sua
aprendizagem.
6.4. A concepção de educação
6.4.1.
Conceição considera que a escola tem a função de:
A função social do ensino

Oferecer ao aluno o conhecimento que ele
vai buscar na escola.

Valorizar o desenvolvimento de todos os
aspectos que possibilitam a formação de
uma pessoa, ou seja: os valores relativos às
suas relações interpessoais, a sua vida
pessoal e a sua vida profissional.
6.4.2.
Concepção de como o
Conceição acha que:

O aluno tem que gostar, não só de
matemática, mas sentir-se motivado para ir à
escola.

Ele só vai aprender se ele tiver essa
motivação e esse gosto. Se ele não tem, a
escola deve proporcionar.
aluno estabelece relações
com o saber
6.4.3.
Significado da avaliação
Algumas ações adotadas por Conceição que
possibilitaram a mudança do significado da
avaliação:
123

Definiu de forma clara os critérios de
avaliação e os objetivos a serem atingidos
através
dos
diferentes
conteúdos
trabalhados.

Possibilitou reflexões e retomadas daqueles
conteúdos para os quais os alunos
apresentavam
dificuldades
na
aprendizagem.

Procurou demonstrar, através de suas
ações, que o processo de avaliação não era
punitivo, nem uma forma de controle do
professor sobre a aprendizagem dos alunos.

Estimulou seus alunos a perceberem que a
“ficha do caderno do aluno” continha dados
que eram parâmetros que lhes permitiam
promover
interferências
no
processo
avaliativo, durante todo o bimestre, com
vistas à melhoria de sua aprendizagem.
Quadro 2 - Síntese - professora Conceição
6.5 Considerações
Ao analisarmos o trabalho realizado pela professora Conceição, percebemos
que ela procurou direcioná-lo para uma prática avaliativa emancipatória. Uma de
suas preocupações foi valorizar ações que possibilitassem a mudança do significado
de avaliação instituído na escola.
Para isso, tornou o processo transparente e democrático, buscando a
inclusão do aluno em sua prática avaliativa, transformando-o em sujeito de seu
processo de avaliação. Além disso, ela procurou valorizar, em sua prática
pedagógica, todas as dimensões da personalidade de um ser humano, respeitandoo em sua integralidade.
Ficou evidenciado, no desenvolvimento de seu trabalho, que ela procurava
respeitar o tempo pedagógico para o aluno aprender e apreender as novas funções
que estava assumindo como protagonista do seu processo de avaliação.
124
Conceição percebeu que a transformação de sua prática ocorreu devido ao
investimento na transformação de suas ações pedagógicas e à coragem de buscar
novos caminhos para melhorar o seu trabalho.
O capítulo seguinte trará o estudo de caso da professora Eliana, no qual se
evidenciam algumas semelhanças com a professora Conceição e com a professora
Adriana, no que se refere aos pressupostos que marcaram a construção dos dados
da pesquisa; e algumas diferenças, que se destacam principalmente porque a
professora Eliana usou esse processo avaliativo no Ensino Médio, enquanto as
outras professoras aplicaram-no no Ensino Fundamental II.
125
CAPÍTULO VII
7 A PROFESSORA ELIANA
Eu acho que o aluno passa a ter uma nova consciência.
Ele muda essa cultura do “quanto você me deu?” ou
“você que me avalia”. Tem uma nova cultura aí: você
não me dá mais nada, sou eu que tiro.
(Eliana, novembro de 2008).
7.1 Trajetória Pessoal e Profissional
Eliana nasceu na cidade de Urupês, no interior do Estado de São Paulo. No
Ensino Médio, cursou Magistério com habilitação em pré-escola durante o dia em
Uchoa, cidade vizinha, e à noite fazia contabilidade, em Urupês. Formou-se em
matemática, na Unesp de São José do Rio Preto, em 1987.
Eu nunca tive intenção de ser professora. Eu sempre tive muita
dificuldade na escola, em matemática. Eu morria de medo do meu
professor de matemática e ele foi meu professor desde a quinta série
até o ultimo ano do ensino médio. Só tinha aquela escola na cidade.
Eu saí do ensino médio e não sabia o que era um MMC (mínimo
múltiplo comum), eu não sabia somar duas frações com
denominadores diferentes. [...] Eu venho de uma família que pensava
que se uma mulher saísse para trabalhar fora tinha que ser
professora. Prestei vestibular, na Unesp de São José do Rio Preto e
passei em matemática. Eu não sabia nada. Eu tive professores
excelentes e comecei a gostar e tudo começou a ficar muito fácil.
Tudo era muito lógico e a matemática estava presente na minha vida
da hora que eu acordava até a hora que eu ia dormir. Era muito fácil
e eu achava impossível eu não ter aprendido. Hoje eu sei que era a
forma como o professor trabalhava. (Entrevista, fevereiro de 2009).
Ao formar-se, Eliana foi dar aulas em Cotia, na grande São Paulo, numa
favela. Sua relação com os alunos foi muito boa. Em seguida, foi para cidade de
Sales, onde ficou por quatro anos. Depois disso, prestou concurso na rede estadual
de ensino de São Paulo e efetivou-se em Matemática e Física em Urupês. Ficou por
lá durante 11 anos, tendo-se removido para Jundiaí, onde está há 10 anos.
126
Perguntamos a Eliana por que decidiu ser professora, e ela nos respondeu:
Fui ser professora por acaso, ou melhor, por imposição do meu pai, mas acho que
sou professora por vocação. Eu não me vejo fazendo outra coisa, eu gosto de ser
professora (Entrevista, fevereiro de 2009).
Eliana está em seu vigésimo sexto ano de magistério. Sua experiência
profissional sempre foi muito rica e diversificada: Fui até professora de classe
multisseriada. Essa foi a experiência que mais contribuiu para eu me humanizar. Eu
tive aluno que não conhecia banheiro, aluno cego e outros casos. (Entrevista,
novembro de 2008).
Ela nos contou que sempre procurou formas diferentes da tradicional para
avaliar seus alunos. Ao conhecer este processo de avaliação, resolveu aplicá-lo,
pois viu nele uma possibilidade de aprimorar o que já vinha fazendo em suas salas
de aula.
Seu trabalho desenvolveu-se durante o ano de 2008 com o primeiro, o
segundo e o terceiro ano do ensino médio diurno e noturno de uma escola da rede
pública estadual de Jundiaí, Estado de São Paulo. A análise que faremos abaixo,
sobre o processo de avaliação desenvolvido por Eliana em suas classes, baseia-se
nas categorias de análise apresentadas, nesta dissertação, no terceiro capítulo, que
são: a ação docente, a cultura escolar e a concepção de Educação.
7.2 A Ação Docente
Eliana conheceu este trabalho com avaliação quando foi aluna de um curso
de especialização, MAT 502, em 2006, oferecido pelo Laboratório de Ensino de
Matemática - LEM –, do IMECC, na Universidade Estadual de Campinas –
UNICAMP. Ela se identificou muito rapidamente com essa forma de trabalhar a
avaliação em sala de aula, pois, conforme seu depoimento, ela já vinha trabalhando
nessa direção: Já utilizo alguns métodos apresentados pela professora, não com a
riqueza de detalhes como ela apresentou, mas várias formas de avaliar diferentes da
tradicional. (Entrevista, novembro de 2008).
Resolveu, então, aperfeiçoar sua prática avaliativa, baseada nas referências
que obteve durante o curso.
127
7.2.1 A Transparência do Processo Avaliativo
Perguntamos a ela que critérios e acordos ela usava para tornar o processo
de avaliação transparente para seus alunos.
Eliana nos explicou que usava uma ficha — que ela chamou de “tabela” —,
para registrar as avaliações de seus alunos Nessa tabela, que ficava com o aluno
durante todo bimestre, ele registrava o resultado de todas as suas avaliações. Seus
alunos podiam fazer a tabela a mão ou pegá-la pronta, numa papelaria próxima da
escola, porém ficava sob a responsabilidade do aluno providenciar essa tabela e
fazer as anotações necessárias, pois, no final do bimestre seu conceito final era
concluído segundo as informações ali contidas.
Quando o aluno nunca tinha visto a “tabela”, eu fazia um trabalho
para que ele entendesse o conceito de cada item da ficha: o que é
uma avaliação diagnóstica, o que é uma avaliação procedimental, o
que é uma avaliação conceitual, o que é uma avaliação atitudinal e a
importância de cada uma delas. (Entrevista, novembro de 2008).
A professora declarou que procurava deixar claros para o aluno os tipos de
avaliações que iriam compor a tabela, bem como o significado de cada um:
Então, ele iria saber que uma avaliação diagnóstica não é para nota,
mas para sabermos por onde tenho que iniciar meu trabalho. Então,
esse aluno que não conhecia essa minha maneira de avaliar
passava por um trabalho que buscava tornar claro o que significa
cada coisa que tem nessa ficha e aí ele já sentia a importância de ter
um caderno, de freqüentar as aulas, pois, a tudo isso era atribuído
um valor na tabela (Entrevista, novembro de 2008).
Os alunos de Eliana sabiam que tanto os conceitos como os procedimentos e
as atitudes eram avaliados. Eles discutiam com a professora, no início do bimestre,
para chegarem a um consenso a respeito dos valores que seriam atribuídos para
cada um dos conteúdos avaliados. Ela combinava com eles, por exemplo:
Para os alunos que freqüentam os encontros, fora de aula, para
retomada de conceitos eu também atribuía um valor na tabela, que
era combinado com eles. Acho que tudo isso é uma forma de darmos
valor para o que é importante na escola e que leva o aluno a
aprender. (Entrevista, novembro de 2008).
128
Eliana avaliava a participação, porém seu valor adequava-se ao tipo de
atividade que iria ser desenvolvida, o que era combinado antes de iniciar o trabalho.
A participação enfim faz parte do dia-a-dia e vai sendo sempre avaliada e reavaliada
ao longo do processo. É o jeito que eu tenho para que eles se envolvam com a
aprendizagem e melhorem inclusive a auto-estima deles. (Entrevista, novembro de
2008).
Nessas considerações feitas por Eliana, reconhecemos a preocupação da
professora em estabelecer um contrato didático com seus alunos, de acordo com a
definição de Chevallard (2001).
Através do contrato didático e dos registros na tabela, Eliana tornava o
processo de avaliação transparente, isto é, toda a comunidade educativa, professor,
aluno, pais e escola tinham condições de observar e compreender como era
avaliado o desenvolvimento integral do aluno.
Ainda em relação aos instrumentos de avaliação, Eliana nos disse:
Todo bimestre eles têm um trabalho em grupo que vale dez pontos:
cinco da apresentação e cinco da entrega escrita. Sempre o que é
escrito tem um roteiro: o que eu quero e o que não pode deixar de
ter. Eu sempre inicio o assunto com um breve histórico, por
exemplo, depois digo os objetivos que queremos atingir com o
trabalho, dou um roteiro, data de entrega e digo quais serão os
critérios de avaliação. Isto em cada bimestre. (Entrevista, novembro
de 2008).
Podemos considerar que a professora fazia orientações claras e objetivas
sobre dados relevantes relativos ao processo de avaliação e aos resultados da
aprendizagem esperados. Eles se transformaram em referências, tanto para ela,
quanto para seus alunos, para que eles pudessem inferir o alcance dos objetivos
previstos, assumindo, assim, de acordo com o pensamento de Luckesi (1998), um
posicionamento pedagógico claro e explícito, que permitia redirecionar os caminhos
da prática avaliativa.
Para que o processo de avaliação se tornasse claro e transparente para os
pais, Eliana falou sobre ele, de maneira geral, na primeira reunião de pais do ano:
129
Antes do início das aulas, na primeira reunião de pais, nós falamos
da ficha. Eu disse que ela estava no caderno e que ele, o pai, podia
ter acesso diariamente a ela e a qualquer momento ele poderia nos
procurar para esclarecer qualquer dúvida, bem como procurar
esclarecer com seu filho. (Entrevista, novembro de 2008)
Depois, a fim de orientar os pais sobre seu papel na educação de seus filhos,
elaborou um bilhete com os dados relevantes do processo de avaliação adotado em
suas aulas.
Em particular, eu mandei um bilhete para os pais sobre o material
escolar e falei que os alunos tinham uma ficha no caderno com as
datas de entrega, com os assuntos de entrega, para não deixar para
fazer o trabalho de véspera porque poderia haver acontecimentos
que impediriam o aluno de realizar o trabalho; enfim eu fiz todas as
recomendações necessárias com a finalidade de orientar os pais
sobre seu papel na educação de seu filho. Ele assinou um canhoto
que ficava anexo a esse bilhete e me devolveu com o ciente dele. Se
o pai não veio na reunião, eu liguei na casa dele.
(Entrevista, novembro de 2008).
Eliana procurou dar aos pais algumas orientações, ensinando-os a ter o
compromisso necessário para o acompanhamento do desenvolvimento de seu filho
na escola. Procurou mostrar que as informações diárias, advindas dos registros
feitos na “tabela” explicitavam os instrumentos usados para avaliar os conteúdos
conceituais, procedimentais e atitudinais trabalhados até aquele momento, bem
como os resultados dessas avaliações.
Dessa forma, permitia que seus alunos e pais pudessem ter acesso constante
ao andamento do processo, o que abria um espaço para torná-los seus parceiros no
processo de avaliação. Eliana nos disse que por ocasião do Conselho de Classe,
quem não era meu aluno questionava os outros professores sobre “essa tabela” que
permitia que os alunos soubessem o seu conceito final antes do Conselho de
Classe. (Entrevista, novembro de 2008).
7.2.2 A Avaliação Integral
Perguntamos também para a professora de que maneira ela avaliava o aluno
de uma forma integral, isto é, avaliando o “saber”, o “saber fazer” e o “ser’”. Ela nos
respondeu: Meu trabalho começa através de conteúdos procedimentais, daí vira
uma diagnóstica, para depois chegar ao conceitual. Aí entra o atitudinal, porque
130
entra o interesse dele de fazer, de se envolver, de buscar, de entender, etc., então é
tudo ligado. (Entrevista, novembro de 2008)
Consideramos com a professora Eliana que seu depoimento acima transcrito
evidenciava que, segundo Zabala (1998):
Em sentido estrito, os fatos, conceitos, técnicas, valores, etc. não existem.
Estes termos foram criados para ajudar a compreender os processos
cognitivos e condutuais, o que torna necessária sua diferenciação e
parcialização metodológica em compartimentos para podermos analisar o
que sempre se dá de maneira integrada. Esta relativa artificialidade faz
com que a distinção entre uns e outros corresponda, na realidade, a
diferentes faces do mesmo poliedro. (ZABALA, 1998, p. 39-40).
Ela nos esclareceu que, em geral, para iniciar um novo assunto com seus
alunos, costumava propor-lhes um problema que tivesse significado para eles.
Na busca da solução, às vezes em grupo, outras em dupla ou individualmente
e, algumas vezes, feita pela classe de forma coletiva, ela promovia uma primeira
avaliação parcial para colher informações que iriam lhe permitir um levantamento
dos conhecimentos prévios que seus alunos tinham daqueles conteúdos conceituais,
procedimentais e atitudinais que faziam parte do problema.
Com essas informações e baseada na proposta da rede pública do Estado de
São Paulo, ela programava a seqüência de atividades da seguinte maneira:
No dia-a-dia, eu usava fazer uma ficha de aula para mim. Eu
colocava a rotina todo dia na lousa: data, nome do professor,
disciplina, conteúdo que ia ser abordado e trabalhado naquele dia,
tanto os conceituais como os procedimentais como os atitudinais; as
avaliações que iriam ocorrer; etc. Eu queria que todo mundo se
organizasse, sabendo o que nós iríamos fazer e como iríamos avaliar
os conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais daquele dia.
Estabelecia os tempos para cada coisa. (Entrevista, novembro de
2008)
Podemos considerar que essa organização da professora permitia a seus
alunos que tivessem claro como seriam trabalhados e avaliados os conteúdos
conceituais, procedimentais e atitudinais, a cada dia.
Eliana explicou-nos que os conteúdos procedimentais se constituíam de
jogos, pesquisas, exercícios e vários tipos de atividades. Em relação ao conteúdo
conceitual, ela nos disse o seguinte:
131
A atual proposta da rede pública do Estado de São Paulo não traz o
conceito pronto, ele vai se construindo ao longo do desenvolvimento
das atividades e é contextualizado. Essa proposta busca sempre a
resolução de problemas. (Entrevista, novembro, 2008)
Percebemos que Eliana organizava instrumentos e registros de avaliação, os
quais permitiam aos alunos e aos demais integrantes do processo um “ajuizamento
da qualidade” do “saber”, do “fazer” e do “ser”.
Organizar instrumentos e registros de avaliação que se propõem a fazer uma
avaliação integral requer do professor um novo olhar sobre os conteúdos de
aprendizagem, sobre seu ensino e sua avaliação. É preciso considerar o
desenvolvimento não só das capacidades cognitivas do educando, mas também de
suas “capacidades motoras, de equilíbrio e de autonomia pessoal, de relação
interpessoal e de inserção social.” (ZABALA, 1998, p. 197).
7.2.3 A Avaliação Formativa
Propusemos que Eliana nos contasse de que maneira esse trabalho promovia
mudanças de atitudes nos alunos na busca dos melhores desempenhos de cada um
no processo de aprender. Assim ela nos respondeu:
O que significa para o aluno essa tabela? Para ele, ela traz clareza e
transparência de tudo. Quando estamos caminhando durante o
bimestre, o aluno já vai sentindo o que está bom e o que está ruim e
já começa a correr atrás dos prejuízos. Ele sabe que o tempo é curto
e que a reação tem que ser rápida. Eu não tenho caso de
recuperação paralela, a não ser que o aluno veio com deficiência.
Essa tabela ajuda a promover uma tomada de consciência do aluno
sobre seu papel na escola. (Entrevista, novembro de 2008)
Para Eliana, a seqüência didática de determinadas aulas incluía a avaliação
do trabalho realizado pelo aluno no final da própria aula. Nesses casos, ela
estabelecia os critérios de avaliação das etapas do trabalho no início da aula: para
tudo eu tenho um roteiro, mostro o mínimo que tem que ser feito para que aquele
trabalho tenha valor (Entrevista, novembro de 2008). Isso propiciava ao aluno
parâmetros para realizar a proposta de trabalho daquela aula e refletir sobre sua
própria prática.
De acordo com o pensamento de Luckesi (1998), podemos dizer que o
contrato didático estabelecido pela professora junto com seus alunos, no início do
132
bimestre, bem como os combinados no início de cada atividade, possibilitavam o
conhecimento dos critérios de avaliação de forma clara e objetiva, trazendo ao aluno
referências para fazer um juízo de valor sobre os conteúdos que estavam sendo
trabalhados.
A professora Eliana explicou-nos como procedia para permitir que seu aluno
tivesse oportunidade de transformar a qualidade do que havia sido avaliado,
promovendo uma recuperação constante:
Durante o processo procuro promover constantemente a
recuperação dos conceitos com os quais estamos trabalhando, mas,
quando dou uma prova conceitual e ele não vai bem, sento com ele
para ver o que aconteceu. Acho bastante significativo o fato dele
refletir comigo, repensar a questão e refazê-la de modo correto.
Considero isso uma recuperação que valerá cinco pontos. Isso
estimula o aluno a fazer de novo, buscando compreender o que ele
não tinha compreendido e ao mesmo tempo tendo chance de
recuperar valores perdidos na tabela. Quanto às avaliações parciais
ele pode errar, entregar, eu corrijo, eu faço as intervenções, ele pode
entregar de novo e assim vamos até atingir o objetivo, que é
aprender. Acho que isso é o professor promovendo o sucesso e não
o fracasso. (Entrevista, novembro de 2008)
Nessa perspectiva, consideramos que o processo de avaliação usado por
Eliana foi formativo, pois, segundo Zabala (1998), o termo formativo é reservado
para uma determinada concepção de avaliação que:
Entende que a finalidade da avaliação é ser um instrumento
educativo que informa e faz uma valoração do processo de
aprendizagem seguido pelo aluno, com o objetivo de lhe oportunizar,
em todo momento, as propostas educacionais mais adequadas.
(ZABALA, 1998, p.200).
Eliana separava um dia — combinado previamente — para concluir o conceito
final do bimestre, através de uma conversa individual, como nos relatou a
professora:
Quando ele vem na minha mesa para fechar a média, ele já está com
tudo fechado parcialmente e organizado; eu só vou conferindo. Ele
fechou a procedimental, trabalhos, caderno, etc. Só as anotações
das avaliações sobre os conteúdos atitudinais estão na minha
caderneta às quais eles têm acesso diário. Por exemplo, a
participação faz parte do dia-a-dia e vai sendo sempre avaliada e
reavaliada ao longo do processo e ele vai acompanhando. Assim
podemos promover avaliações constantes, buscando as mudanças
necessárias de forma consciente. Eu também uso o “bônus”: ao
analisarmos a tabela, suponha que um aluno tirou dez em uma prova
133
bimestral e que fez um trabalho em grupo que não foi muito bom, ou
que teve algum fato que interferiu na avaliação dos outros itens da
tabela por questões alheias a sua vontade e que no final sua média
será seis. Eu uso o bônus como um fator de correção para não tornar
a tabela injusta com alguém que não merece. Afinal a tabela é fria, ali
só tem números. Esse bônus dá uma flexibilidade para a tabela.
(Entrevista, novembro de 2008).
Pudemos observar uma sistematização no processo de avaliação da
professora Eliana, através da “tabela” que possibilitou ao aluno, de forma
organizada, fazer acompanhamento diário e constante do seu processo de avaliação
e, portanto, ter autonomia para fazer a conclusão dos itens nela constantes.
Através da declaração de Pedro (Anexo J, p. 175), aluno do 3º ano do Ensino
Médio, podemos perceber a autonomia do aluno para refletir sobre o seu
desempenho baseado nos critérios de avaliação que compõem sua tabela.
Porém a conclusão do conceito final do aluno era compartilhado com a
professora Eliana, uma vez que ela possuía uma visão mais ampla do processo
como um todo, o que lhe permitia contornar as injustiças que poderiam ocorrer, se
fossem considerados somente os números da tabela.
Ela demonstrava em suas atitudes que, para seus alunos, sempre era tempo
de aprender, sempre havia a possibilidade de superar aquilo que eles não sabiam e,
em função disso, ela promovia, a qualquer tempo, novas possibilidades de
aprendizagem, conforme seu relato abaixo:
Há uma coisa que faço e que traz bons resultados: no dia do
fechamento da tabela eu dou uma chance ao aluno de me apresentar
algumas coisas que não fez durante o bimestre, valem só metade,
mas, a chance existe. Acho que todo momento é momento de
aprendizagem. Se no momento de prova ele tiver uma dúvida, eu tiro
a dúvida dele, pois acho que aquele momento é tão importante que
ele aprende. Nossa cultura acha que a prova é a hora do “castigo”, e
eu acho que é um grande momento de aprendizagem, porque é o
horário que ele está com todos os canais abertos. (Entrevista,
novembro de 2008).
Consideramos que avaliar também significa criar possibilidades de superação
do “não saber” para promover o avanço da aprendizagem do aluno, conforme nos
diz Esteban:
134
Avaliar o aluno deixa de significar fazer um julgamento sobre a
aprendizagem do aluno, para servir como momento capaz de revelar o que
o aluno já sabe, os caminhos que percorreu para alcançar o conhecimento
demonstrado, seu processo de construção de conhecimentos, o que o aluno
não sabe, o que pode vir a saber, o que é potencialmente revelado em seu
processo, suas possibilidades de avanço e suas necessidades para que a
superação, sempre transitória, do não saber, possa ocorrer (ESTEBAN,
1997, apud AFONSO, 1999, p. 53).
Percebemos que uma das transformações propiciadas por esta maneira de
avaliar era o aluno ir tomando consciência de seu papel na tarefa de aprender. Ele ia
ganhando certa autonomia para responsabilizar-se pelas interferências que deveria
fazer, no sentido de reorganizar e retomar seu processo de aprendizagem.
Para isso ele se baseava nos dados contidos na sua “tabela” e procurava não
perder de vista o tempo hábil para garantir bons resultados na tarefa de aprender.
Isto é, ele poderia sentir-se gestor de suas aprendizagens.
Segundo Bain (1988, p.24, apud Perrenoud, 1999, p. 89) “A avaliação
formativa está, portanto, centrada essencial, direta e imediatamente sobre a gestão
das aprendizagens dos alunos (pelo professor e pelos interessados)”.
Eliana ainda nos explicou: Eu percebo que o aluno pede para ser cobrado, ele
pede que você tenha tudo estruturado. Ele confia mais na gente quando é assim.
(Entrevista, novembro de 2008).
Podemos dizer que, de acordo Perrenoud (1999), é necessária uma relação
de extrema confiança e cumplicidade entre os alunos e os professores para que haja
uma avaliação formativa.
7.2.4 A Democratização da Avaliação
Observamos que Eliana percebeu que só a transparência do processo não
era suficiente: havia necessidade da socialização e do envolvimento dos integrantes
do processo para chegar a um consenso a respeito do contrato didático, dos
registros que fariam parte do processo avaliativo e das idéias ali contidas.
A nosso pedido, a professora falou um pouco de algumas ações que
tornavam o processo democrático e citou um exemplo:
135
Eu dou a eles o direito de se colocarem, dizendo, por exemplo, que
não gostam disso ou daquilo, mas tudo tem que ter um porquê; acho
que estou exigindo que ele tenha consciência de suas atitudes. Eu
combino com eles o que vai fazer parte da tabela do bimestre e
aceito sugestões deles. Veja esse exemplo: nesse bimestre tivemos
as Olimpíadas de Matemática e eles sugeriram que essa nota
entrasse na tabela. Eles acharam que deveria valer 10 pontos, então
tinham que me apresentar a conversão do número de acertos em
nota. Eles foram estabelecendo as relações de proporcionalidade e
registrando na tabela deles. Combinamos que quem acertou zero
ficaria com um. Eu gosto de aceitar a sugestão deles, pois se
estabelece entre nós uma parceria muito positiva. (Entrevista,
novembro de 2008).
A prática avaliativa da professora Eliana procurava definir junto com seus
alunos os critérios de avaliação que seriam usados durante o bimestre, com o
objetivo de envolvê-los no processo, para transformá-los em agentes do contrato
didático que seria estabelecido. A relevância desses critérios surgia através de
acordos discutidos e combinados por ela e por seus alunos no início de cada
bimestre, garantindo, assim, de forma democrática, a constituição do contrato, que
se explicitava através dos instrumentos de avaliação que faziam parte de processo
avaliativo.
Porém, algumas vezes, durante o bimestre, os alunos propunham algumas
modificações. A professora, junto com seus alunos, fazia uma análise do pedido e
de suas justificativas e, se julgasse procedente, promovia a modificação proposta
pelos alunos. Isso sempre funcionou muito bem, segundo Eliana. Eram vivências
que a ajudavam a promover a inclusão do aluno no processo de avaliação.
O envolvimento dos pais nesse processo ocorria através da reunião de pais,
do registro — que ela chamou de “tabela” — no caderno do aluno e de um bilhete
que ela mandava para os pais, fazendo as explicações necessárias para ajudá-los a
entender como funcionava o processo de avaliação de seu filho. Ela também abria
um espaço para o pai poder contribuir com suas idéias ou trazer suas dúvidas na
constituição de seu processo de avaliação.
Tais procedimentos deixam clara a intenção de democratizar o processo de
avaliação. Ela, porém, também se preocupava em democratizar o acesso de seus
alunos ao saber. Para isso, ao iniciar um novo assunto com eles, ela procurava
diagnosticar como os conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais que faziam
136
parte daquela atividade estavam sendo compreendidos, para reprogramar suas
ações em função das dificuldades encontradas, conforme nos disse abaixo:
Eu começo trabalhando com procedimentos que me levam a fazer
um diagnóstico através de uma avaliação parcial que vai me dar
pistas para saber quais são os conhecimentos reais que os alunos
possuem sobre o assunto, para que eu possa partir desses
conhecimentos prévios. Aí eu vou detectar o nível da sala. Se houver
algum problema pontual com um aluno, então eu trabalho
separadamente com ele nos meus horários específicos de HTPC
(hora de trabalho pedagógico coletivo). Se o problema envolve a
maioria da sala, então trabalho com todos. (Entrevista, novembro de
2008).
Eliana fazia uma avaliação diagnóstica dos conhecimentos prévios de suas
classes, começando com conteúdos procedimentais e fazendo, em seguida,
avaliações parciais.
Consideramos que a avaliação diagnóstica inicial proposta pela professora
permitia a ela o acesso a indicadores mais adequados à aprendizagem do aluno,
buscando não dar saltos nos níveis de desenvolvimento e organizando suas ações
pedagógicas de forma mais adequada para promover o avanço de seu aluno em seu
processo de aprendizagem.
Porém, Eliana usava avaliações diagnósticas, com o intuito de promover
adequações na aprendizagem de seus alunos, durante todo o bimestre, e muitas
vezes elas eram feitas pelos próprios alunos, baseados em critérios relacionados
aos conteúdos trabalhados em aula ou pelo contrato didático. Ou seja, a avaliação
permitia a compreensão do estágio de aprendizagem do aluno, visando seu avanço.
Luckesi (1998) refere-se a essa modificação na utilização da avaliação da seguinte
forma:
Queremos dizer que a primeira coisa a ser feita, para que a avaliação sirva
à democratização do ensino, é modificar a sua utilização de classificatória
para diagnóstica. Ou seja, a avaliação deverá ser assumida como um
instrumento de compreensão do estágio de aprendizagem em que se
encontra o aluno, tendo em vista tomar decisões suficientes e satisfatórias
para que possa avançar no seu processo de aprendizagem. (LUCKESI,
1998, p. 81).
Havia, também, uma avaliação diagnóstica relacionada à “tabela” usada pela
professora Eliana, em função das possibilidades de análises advindas dos registros
de avaliações nela contidos. Eles possibilitavam aos envolvidos o acompanhamento
137
constante do processo avaliativo, de uma maneira geral, e, ao mesmo tempo, em
partes, ou seja, as avaliações relativas aos conteúdos conceituais, procedimentais e
atitudinais.
Essa visão da “tabela” permitia, ao longo do processo, compreender o estágio
de aprendizagem em que se encontrava o aluno, promovendo um redirecionamento
da aprendizagem de acordo com as necessidades que ali se evidenciavam.
Uma outra avaliação diagnóstica acontecia por ocasião da atribuição do
conceito final ao aluno, no bimestre, conforme nos relata a professora Eliana: No
final do bimestre fechamos esse processo através de uma auto-avaliação, feita pelo
aluno. É uma reflexão sobre todas as avaliações que foram feitas naquele bimestre.
Nos baseamos nos fatos e registros que temos durante o bimestre, na “tabela”.
(Entrevista, novembro de 2008).
Ao encerrar seu conceito com a professora, o aluno tinha uma visão geral de
seu desenvolvimento no bimestre. A dimensão dessa avaliação diagnóstica era mais
abrangente, pois ele poderia, agora, analisar a composição geral de suas avaliações
conceituais, procedimentais e atitudinais, no período de um bimestre. Isso lhe dava
parâmetros para fazer um diagnóstico de seu desenvolvimento no referido bimestre,
através de um texto que era uma auto-avaliação, em que refletia sobre suas
conquistas e dificuldades encontradas ao longo do processo, bem como propunha
as transformações que pretendia fazer no próximo bimestre, com vistas ao melhor
desenvolvimento possível de suas capacidades.
Assim, a professora considerava que as avaliações ao longo de todo o
processo e no final dele eram utilizadas para diagnosticar, e não para classificar
seus alunos.
Ao promover as participações constantes destes nesse processo contínuo de
avaliação, Eliana estava possibilitando a inclusão do aluno, como sujeito do seu
processo
avaliativo.
Essas
características
também
tinham
a
intenção
de
conscientizá-lo de que ele, seus pais e a professora eram parceiros num processo
coletivo de construção do conhecimento (ESTEBAN, 2001).
138
7.3 A Cultura Escolar
Nesta categoria analisamos os seguintes itens: as responsabilidades
compartilhadas entre a professora Eliana e seus alunos, sua prática avaliativa e a
qualidade do trabalho pedagógico e as relações do processo avaliativo com o
tempo.
7.3.1 Responsabilidades Compartilhadas
Indagamos a Eliana se ela percebia que esse processo de avaliação alterava
o equilíbrio das responsabilidades atribuídas, tradicionalmente, tanto para o
professor como para o aluno e seus pais ou responsáveis.
Ela nos disse que seus alunos foram ganhando autonomia e responsabilidade
e citou em especial o caso do terceiro ano do ensino médio:
No primeiro ano que eu adotei as tabelas eu tinha tudo marcado na
minha caderneta e eu confrontava minhas anotações com os
registros deles. Agora, como eles já estão acostumados — é o caso,
por exemplo, do terceiro ano do ensino médio, que já faz a tabela
desde o primeiro ano —, eu corrijo o trabalho, devolvo e ele anota na
tabela dele. No dia que ele vier me apresentar a tabela, no
fechamento do bimestre, eu só confiro se o conceito registrada na
tabela está de acordo com o conceito que ele tirou no trabalho. Isso
facilita o meu trabalho e obriga-o a ter responsabilidade. (Entrevista,
novembro de 2008).
Consideramos que, ao longo do primeiro, segundo e terceiro anos do Ensino
Médio houve um amadurecimento dos alunos de Eliana, de maneira que cada aluno
foi conquistando sua autonomia no gerenciamento do seu processo de avaliação. O
processo de ensino, aprendizagem e avaliação utilizado em suas aulas possibilitou o
estabelecimento de uma cultura nova, relativa à responsabilidade e à gestão do
processo de avaliação do aluno.
Agora, os alunos também eram gestores desse processo junto com a
professora. Ressaltamos para Eliana que esse trabalho permitiu a ela, tanto deixar
de ser o centro das decisões, como compartilhar ações, para possibilitar a divisão
das responsabilidades inerentes ao processo avaliativo com seus alunos e pais ou
responsáveis.
139
A gestão compartilhada do processo avaliativo ocorreu graças à organização
dos registros de avaliação e ao contrato didático estabelecido com seus alunos, o
que promoveu a divisão de responsabilidades, pois as interferências que se faziam
necessárias por parte dos alunos ou de seus pais tornavam-se claras, à medida que
os registros iam sendo constituídos ao longo do bimestre. Isso — ponderamos com
ela — contribuiu significativamente para diminuir as tensões relativas ao processo de
avaliação.
Além disso, outro fator importante que contribuiu para aliviar as tensões que
tradicionalmente a avaliação imprime ao ensino e à aprendizagem foi a avaliação
diagnóstica feita por alunos e professora, durante o processo:eles percebiam que
errar era permitido, pois isso fazia parte da aprendizagem matemática, e sempre era
tempo de intervir para conseguir aprender.
No final do bimestre, os dados contidos na “ficha diária do aluno” eram
resumidos, pontuados e somados pelo próprio aluno, permitindo que ele concluísse
seu próprio conceito final, para depois conferi-lo com a professora. Isso nos leva a
inferir que os alunos participavam ativamente de seu processo de avaliação, a ponto
de poder atribuir seu próprio conceito bimestral.
Podemos dizer, de acordo com Pérez Gómez (2001), que a cultura composta
pelo conjunto de significados, expectativas e comportamentos que se estabeleceram
nas salas de aula da professora Eliana, através desse processo avaliativo
compartilhado entre alunos, professores e demais envolvidos, trouxe consigo a
consciência do papel que cada um dos envolvidos tinha a desempenhar.
7.3.2 A Prática Avaliativa e a Qualidade do Trabalho Pedagógico
Perguntamos a Eliana se essa forma de avaliar contribuiu para melhorar a
qualidade do seu trabalho pedagógico e se possibilitou aos alunos aprender
matemática. Ela nos respondeu: Para trabalhar com a tabela, o professor precisa ser
organizado, senão se perde. Eu acho que esse processo ajuda o professor a se
organizar, a manter a sua dinâmica de trabalho. (Entrevista, novembro de 2008).
140
Por outro lado, essa prática ajudou o aluno a reconhecer que a avaliação se
constitui dos resultados de suas ações e de seu desempenho, durante todo o
bimestre, sendo o professor um orientador do processo.
Para o professor que trabalha esta tabela facilita em tudo. Acabam
os problemas de: “nossa, eu tirei cinco e você perdeu meu cinco”; ou
“o que você fez com a minha nota”?”; ou “porque tirei só isso?” Fica
claro para ele, e ele vai construindo a nota durante o bimestre.
(Entrevista, novembro de 2008).
Ajudou também a inserir o processo de avaliação no contexto do processo de
ensino e aprendizagem do dia-a-dia.
Durante a aula eu circulo pela classe e já vou tendo uma idéia de
como eles estão desenvolvendo seu trabalho, e já vou fazendo as
avaliações necessárias. No final da atividade não tem correria para
saber se o aluno tem a nota combinada ou não. Os que não terão já
sabem e sabem por que, pois ao longo da realização do trabalho
isso já foi ficando claro para mim e para ele. Apesar de que isto
acontece esporadicamente, porque essa forma de trabalhar facilita
muito a intervenção do professor bem antes do final da atividade e
eu dou o visto na atividade na hora em que foi feita. (Entrevista,
novembro de 2008).
Colaborou ainda para melhorar as relações entre a professora, alunos e pais
no Conselho de Classe.
O jeito que vinha sendo estava muito ruim, pois, o conselho era um
momento de briga do pai do aluno com o professor. O pai fazia
cobranças sobre as notas dos filhos, muitas vezes questionando e
criticando
os
critérios
do
professor,
sem
conhecê-los
suficientemente, e, nessa confusão, o aluno era um mero
espectador. Na realidade havia um confronto de palavras. Agora
acabou essa parte, tanto que os pais forçaram para que todos os
professores usassem a tabela. Mas ainda persiste a cultura do
poder, porque em dia de Conselho os professores estão sentados lá
na frente como se fosse um julgamento. Eu gosto de me sentar entre
os pais, acho importante essa proximidade. Para os pais não há
novidades, pois eles acompanham o processo durante todo o
bimestre e, ao chegarem no “Conselho Participativo”, não se sentem
surpreendidos pelos resultados obtidos pelos filhos. (Entrevista,
novembro de 2008).
Em relação à aprendizagem dos alunos na aula de matemática, ela nos disse:
Meu trabalho só melhorou. Os alunos estão mais conscientes de suas
responsabilidades e também de suas capacidades. (Entrevista, novembro de 2008).
141
Com base em Zabala (1998), podemos considerar que a qualidade do
trabalho docente de Eliana teve significativa evolução em relação à formação
matemática de seus alunos e também na conscientização destes sobre seu papel
como sujeito que vai à escola para aprender.
Eliana ainda nos disse: “Eu acho que não consigo mais voltar a trabalhar da
mesma maneira que eu trabalhava antes”. (Entrevista, novembro de 2008).
Porém, fora da sala de aula, em relação aos colegas de trabalho e à equipe
pedagógica da escola existiam tensões.
Os alunos e os pais, que vivenciavam esse processo, começaram a
reivindicar para a escola que todos os professores usassem a mesma forma de
avaliar que a professora Eliana. No relato abaixo, esta nos contou que, além da
pressão dos pais e alunos sobre a escola para mudar o processo de avaliação,
havia um motivo muito sério: Queríamos acabar, na escola, com o fato do professor dar
duas provas no bimestre, duas provas conceituais, somar e dividir por dois. Era o que
acontecia de uma maneira geral. (Entrevista, novembro de 2008).
A equipe pedagógica da escola resolveu, então, promover um encontro de
todos os professores, no qual eles teriam a oportunidade de conhecer esse processo
de avaliação. Após esse encontro, ficou decidido que eles iriam aplicá-lo em suas
aulas e, para que isso fosse possível, usariam as “horas de trabalho pedagógico”
para discutir a fundamentação teórica do processo e trocar experiências.
Alguns professores se identificaram com o processo avaliativo e o
desenvolveram com bom desempenho. Outros aplicaram por obrigação, pois
achavam que dava muito trabalho. Havia aqueles que o aplicavam, mas não
acreditavam que poderia dar certo.
Além disso, fatores externos interferiram no desenvolvimento, como, por
exemplo: a rotatividade de professores de um ano para outro, que foi muito grande,
e a troca do diretor da escola.
Ao considerarmos todas essas dificuldades com a professora Eliana,
reportamo-nos a Freire (1991), para fortalecer nossas convicções:
142
Se você tem uma posição política reacionária, não há duvida que o papel
do educador é ensinar e do educando é ser ensinado; se a sua opção
política é uma opção transformadora e se você é coerente com a sua opção
– porque esse é outro problema sério que devemos examinar, pois a partir
da opção, o educador tem que lutar para alcançar um limite razoável de
coerência entre o discurso sobre a opção e a prática que viabiliza o sonho
contido nela –, se é substancialmente democrática, você não renuncia a
seu trabalho de educador, você se afirma nele e desafia o educando a
assumir-se como sujeito do processo de conhecer (FREIRE, 1991, p. 43).
7.3.3 O Tempo
Durante a entrevista com a professora Eliana, pudemos perceber algumas
considerações sobre o tempo pedagógico e seus significados em sua prática
pedagógica: Para trabalhar com a “tabela”, o professor precisa ser organizado,
senão se perde. Eu acho que ela ajuda o professor a se organizar, a manter a sua
dinâmica de trabalho. (Entrevista, fevereiro de 2009).
Essa organização à qual se refere à professora Eliana é bastante significativa
para otimizar o tempo. Alunos e professora atuam durante as aulas baseados em
um contrato didático que estabelece certa autonomia de ações, pois estas já foram
discutidas e combinadas.
Quando estamos caminhando durante o bimestre, o aluno já vai
sentindo o que está bom e o que está ruim e já começa a correr
atrás dos prejuízos. Ele sabe que o tempo é curto e que a reação
tem que ser rápida. Não precisamos esperar o fim do bimestre para
dar um susto nele, para depois ter que voltar e fazer recuperação
paralela e retornar toda a matéria. (Entrevista, novembro de 2008).
Para o aluno o tempo pedagógico também mudou, pois, ele foi percebendo
que o processo de avaliação passou a acompanhar seu desenvolvimento
constantemente e que era possível ir retomando sua aprendizagem sempre que
necessário e durante todo o bimestre. Isso funcionava muito bem, porque o aluno
percebia que todo esse investimento feito durante o bimestre levava-o ao sucesso
em sua aprendizagem e que não precisava esperar o final do bimestre para
promover as transformações necessárias. Quando ele vem na minha mesa para
fechar a média, ele já está com tudo fechado parcialmente e organizado; eu só vou
conferindo. Ele fechou a procedimental, trabalhos, caderno, etc. (Entrevista,
novembro de 2008).
A partir do segundo bimestre que o aluno trabalhava com a “tabela”, Eliana
delegava a ele a responsabilidade de guardar suas avaliações para apresentar à
143
professora no dia da conclusão do conceito final, comprovando os registros que
havia feito na “tabela”. Tais registros só seriam considerados se fossem comparados
com as avaliações correspondentes, constantes do portfólio montado por eles.
Eliana só registrava esses dados em seu diário no dia do fechamento do
conceito final, depois de tudo conferido. Isso representava um ganho de tempo
muito grande para ela.
Houve também um ganho de tempo no relacionamento com a família.
Segundo a professora: Diante dos registros da “tabela”, o pai tomava consciência
das coisas que estavam ocorrendo na escola, com seu filho, e isso lhe permitia
refletir com ele sobre os fatos ali registrados. Se ele fosse chamado na escola, ele já
sabia sobre o que iríamos falar. (Entrevista, novembro de 2008).
Essa consciência dos pais sobre o desenvolvimento de seu filho na escola
permitia ao professor um ganho de tempo nas conversas em reuniões de pais ou em
momentos específicos agendados por estes ou pela professora.
Também “o agir” do aluno com autonomia e responsabilidade permitiu um
ganho considerável de tempo, tanto para a professora como para os alunos, no
trabalho pedagógico em sala de aula.
Valendo-nos da colaboração de Arroyo (2004) referente às propostas de
mudanças na prática pedagógica do professor, podemos considerar que o tempo é
um fator muito importante nesta prática. Há uma diversidade nos empregos do
tempo em sua tarefa profissional. Muitas vezes, ao alterar o tempo de uma prática
educativa, provocamos conseqüências em outros tempos e criamos uma seqüência
de problemas em relação a eles.
As considerações acima descritas demonstram que o processo de avaliação
aplicado por Eliana em suas salas colaborou para que seu fazer cotidiano ganhasse
uma nova dimensão relacionada ao seu tempo escolar.
144
7.4 A Concepção de Educação
A função social do ensino e as relações que o aluno estabelece com o saber
se constituíram em referenciais para a análise apresentada abaixo no que se refere
a concepção de educação adotada pela professora Eliana.
7.4.1 A Função Social do Ensino
Perguntada sobre sua concepção da função social do ensino, isto é, para que
educamos, Eliana nos disse:
Eu acho que a escola é só uma passagem para você ter um
aprendizado, para você melhorar sua qualidade de vida em todos os
aspectos: financeiro, emocional; ela trabalha um grupo muito
diversificado, você conhece muita coisa diferente, você tem
condições de aprender muita coisa que vão te colocar na frente no
mercado de trabalho, vai te colocar numa universidade de renome
para você ter uma boa profissão. (Entrevista, fevereiro de 2008).
Eliana procurava propiciar aos seus alunos vivências específicas, com a
intenção de permitir que eles se relacionassem e vivessem positivamente com as
outras pessoas, que conhecessem a si próprios e aos demais, através de situações
submetidas ao processo de ensino, de aprendizagem e de avaliação.
Segundo Zabala (1998, p. 197), “podemos entender que a função social do
ensino não consiste apenas em promover e selecionar os ‘mais aptos’ para a
universidade, mas que abarca outras dimensões da personalidade”, pois elas serão
necessárias para formar cidadãos comprometidos com a melhoria da sociedade e
deles mesmos.
Pudemos refletir com Eliana que o trabalho desenvolvido por ela, relativo à
avaliação, deu a seus alunos a oportunidade de conscientizar-se que era preciso
“saber”, “saber fazer” e “saber ser”, para ter uma vida melhor. Sua prática educativa
valorizou o desenvolvimento de todos os aspectos que possibilitariam a formação de
seus alunos, ou seja: os valores relativos às suas relações interpessoais, à sua vida
pessoal e à sua vida profissional.
Toda essa prática aqui exposta é reveladora de que Eliana é uma professora
que se envolve muito com seus alunos. Ela mesma nos conta: Se eu souber que o
145
pai ou a mãe do menino está internado no hospital, por exemplo, eu vou visitar. Vou
num conselho tutelar para defender meus alunos ou vou à delegacia da mulher, ou
vou pedir emprego para os meus alunos. (Entrevista, fevereiro de 2008).
Essa característica da professora Eliana permitiu-lhe considerar que a escola
tem uma outra função social:
Acho que essa é uma função da escola que vai além, que envolve
seres humanos e sentimentos. Tudo se reflete na escola: se está
passando fome, se está desempregado, se está com problema de
família. Todo mundo fala que o problema não é da escola, é social,
mas está lá e em algum lugar tem que se começar a resolver isso.
(Entrevista, fevereiro de 2009).
7.4.2 A Forma como o Aluno estabelece Relações com o Saber
Também pedimos que ela nos dissesse, na sua concepção, como o aluno
aprende. Eis o que nos disse:
Normalmente começo com uma situação problema, de alguma coisa
que seja do contexto deles, para chamar a atenção, e em cima
daquela atividade destaco quais são os conteúdos que iremos
trabalhar. Procuro envolver o aluno de tal maneira que ele tenha
condições de responder determinados desafios que proponho, ao
trabalhar com alguns conceitos. Costumo buscar também trabalhar
assuntos que sejam de interesse deles, o que me dá muito trabalho
para preparar, mas, isso os envolve mais e eles aprendem mais.
(Entrevista, fevereiro de 2008).
Para a professora Eliana, tudo começava através do “fazer”, ou seja: do
envolvimento do aluno; da mobilização de suas capacidades para realizar a
atividade proposta, individualmente ou em grupo; das discussões que a atividade
propiciava; e das avaliações parciais do processo de aprendizagem. Com isso, de
acordo com Charlot (2001), ela possibilitava que seu aluno se apropriasse do saber,
envolvendo-se com atividades que, postas em prática, contribuíam para produzir o
sentido desse saber.
Esclareceu-nos ainda que, quando dizia que seu trabalho começava com
conteúdos procedimentais, significava que normalmente começava com uma
situação problema, de alguma coisa que fosse do contexto deles para chamar a
atenção, mas sempre seria uma situação que os mobilizasse para encontrar a
solução, através do “fazer”, procurando envolver o aluno através de atividades com
146
sentido para eles. Reportamo-nos a Charlot (2001) para compreender que Eliana
estava atribuindo um sentido ao saber, a fim de que seus alunos se envolvessem
com a atividade; e isso contribuía para produzir o sentido desse saber,
estabelecendo, então, uma relação entre sentido e saber.
Ao propor atividades que tivesssem significado para seus alunos e que
permitissem o envolvimento e a mobilização destes, Eliana dava-lhes a oportunidade
de adquirir não somente os conteúdos conceituais de aprendizagem, mas também
os conteúdos procedimentais e atitudinais. De acordo com o pensamento de Charlot
(2001), podemos dizer que seu aluno tinha ainda a oportunidade de apropriar-se de
um saber, de uma prática, de uma forma de relação com os outros e consigo
mesmo.
Para Eliana, a conexão entre seu aluno e o saber e entre o saber e seu aluno
era feita através de atividades que se iniciavam com o “fazer”, isto é, com a prática,
para depois chegar ao conceito. Depois disso, vinha a sistematização. Porém, a
sustentação de todo este processo era promovida pela inclusão do aluno.
7.4.3 Significado da Avaliação
Eliana, a nosso pedido, falou sobre o significado do processo de avaliação em
suas aulas: Eu acho que o aluno passa a ter uma nova consciência. Ele muda essa
cultura do “quanto você me deu?” ou “você que me avalia”. Tem uma nova cultura
aí: você não me dá mais nada, sou eu que tiro. (Entrevista, novembro de 2008).
Essa observação evidencia que o aluno de Eliana já se sentia responsável pelos
resultados obtidos em suas avaliações.
Houve o caso do aluno que se sensibilizou e reconheceu que seu
desempenho não foi tão bom quanto poderia ter sido durante o bimestre, revelando
o envolvimento com a sua aprendizagem, conforme ela nos relata:
Eu já percebi o aluno bastante sensibilizado, isto é, envergonhado,
porque não conseguiu um resultado bom, reconhecendo que foi por
conta de sua postura durante o bimestre. Ele reconhece que teve
inúmeras chances de melhorar aquela situação e que não se
mobilizou para isso, mas, quando chega no dia do fechamento da
tabela, parece que há uma conscientização maior, pois as
conseqüências estão lá de forma evidente. Então, nessa hora ele se
compromete com ele mesmo a melhorar. Alguns até me propõem
147
ficar devendo alguma coisa para o próximo bimestre. Eu aceito.
Marco tudo na frente dele e no próximo bimestre acertamos as
contas. Tenho percebido que funciona bem. Ele desperta para a
responsabilidade. São raros os que falham nos compromissos
assumidos comigo. Alguns chegam nessa conscientização dessa
maneira, mas outros não precisam chegar nesse ponto, muito antes
disso e através dos dados da tabela eles já reagem. Agora, eu tenho
alguns casos que são problemas graves e que não adianta tabela,
não adianta nada. Esses são casos que precisam da ajuda de outros
profissionais especializados, porque não consigo resolver sozinha.
(Entrevista, novembro de 2008).
A professora Eliana nos disse que achava que essa forma de trabalhar a
avaliação tinha ajudado a criar uma “cultura de sucesso”, e o aluno tinha deixado
influenciar-se por isso, como no caso acima relatado, em que ele se comprometeu
com sua melhora no bimestre seguinte. A respeito disso, Eliana fez algumas
considerações:
Matemática é o vilão da escola. Mas, com esse trabalho de fazer o
aluno co-participar de sua avaliação e tomar consciência do
desenvolvimento de suas potencialidades, a cara da matemática
mudou na escola. Hoje eu tenho alunos que tiveram a coragem de
começar a se dedicar mais um pouquinho, porque isso fica
evidenciado na ficha, mas nós sabemos que ele vai se envolvendo
cada vez mais e se tornando consciente de suas capacidades e
melhorando sua auto-estima, e isso promove seu desenvolvimento
e, conseqüentemente, sua aprendizagem. (Entrevista, novembro de
2008).
Por outro lado, ela se referiu também aos casos dos alunos que não se
sensibilizavam com nenhuma de suas ações, embora felizmente fossem poucos.
Considerou serem casos que, em sua opinião, precisavam da interferência de outros
profissionais que pudessem ajudá-la a encontrar um caminho para os alunos.
Pudemos observar que Eliana deixou de ser a pessoa que aplicava avaliação,
para ser a pessoa que possibilitava, de forma compartilhada com seus alunos e pais,
o diagnóstico das conquistas e das dificuldades, que se revelavam através do
processo avaliativo, permitindo que seu aluno fosse protagonista.
Depois começaram a vivenciar esse processo de avaliação, os alunos
perceberam que “a ficha diária do aluno” continha dados que permitiam a eles fazer
um juízo de valor sobre seu conhecimento, sobre seu desempenho e sobre suas
atitudes nas aulas de matemática. Para isso, tinham como referência parâmetros,
combinados com a professora Eliana, relativos aos conceitos que seriam
148
trabalhados, aos procedimentos que deveriam ser adotados e às atitudes que
visavam buscar o melhor relacionamento possível de cada um deles com o saber,
consigo mesmo e com os outros. Em função disso, podiam refletir sobre as
avaliações formais e também sobre as informais, pois tinham parâmetros para isso.
A professora, então, em seu processo de avaliação procurava “formalizar”, na
medida do possível, a avaliação informal, para que seus alunos conhecessem os
juízos de valor que estavam sendo considerados para avaliá-los. De acordo com
Freitas (2009), tais juízos regulam as relações entre professor e aluno.
Além disso, assim como os conteúdos conceituais e procedimentais, esses
juízos eram, na medida do possível, submetidos ao processo de ensino e de
aprendizagem; isto é, passíveis de erros e sujeitos à avaliação, o que, segundo
Luckesi (1998, p.33), iria permitir “uma forma de ajuizamento da qualidade do objeto
avaliado, fator que implica uma tomada de posição a respeito do mesmo, para
aceitá-lo ou para transformá-lo”.
Surgia, então, um novo sentido para a avaliação: através desta evidenciavamse para os alunos e para a professora as possíveis interferências no processo de
ensino e aprendizagem que iriam promover a melhoria do desenvolvimento do
aluno, deixando muito distante a visão de que avaliação é instrumento punitivo ou de
poder.
O quadro a seguir pretende expor, de forma resumida, a análise das
categorias: a ação docente, a cultura escolar e a concepção de educação do
trabalho com avaliação desenvolvido pela professora Eliana durante o ano de 2008
com suas turmas do primeiro, segundo e terceiro anos do ensino médio.
7.2 A ação docente
7.2.1
A transparência do
processo
Essa transparência constituiu-se através dos itens:

“Contrato didático”.

Registro que ela chamou de “tabela”.
149

7.2.2
Adriana usava instrumentos de avaliação que permitiam:
A avaliação integral
7.2.3
Registros em seu diário de classe.

Avaliar os conteúdos conceituais.

Avaliar os conteúdos procedimentais.

Avaliar os conteúdos atitudinais.
Fatores que contribuíram para uma avaliação formativa:
A avaliação formativa

O aluno tomou consciência de suas conquistas e
dificuldades, refletindo sobre os dados advindos
da “tabela”.

O aluno poderia fazer o diagnóstico do seu
desempenho e, a qualquer momento do bimestre,
promover as interferências para transformá-lo, se
necessário.

O aluno tinha consciência de seu papel e de sua
autonomia para tomar suas decisões na busca do
seu melhor desenvolvimento possível.
Eliana procurou:
7.2.4

Divulgar e discutir com os alunos e suas famílias
as idéias que fundamentavam o processo
avaliativo de suas aulas, buscando um consenso
entre todos os envolvidos.

Promover avaliações
classificatórias.

Promover a inclusão do aluno no processo
avaliativo.
A avaliação
democrática
diagnósticas
e
não
7.3 A cultura escolar
7.3.1
Fatores que possibilitaram o compartilhamento de
responsabilidades:
Responsabilidades

compartilhadas
Organização dos registros de avaliação e contrato
didático.
150

Divisão de responsabilidades com seus alunos e
pais.

Gestão do processo de avaliação pelo aluno
juntamente com a professora.
Fatores relacionados com a prática avaliativa e que
contribuíram para melhorar a qualidade do trabalho
pedagógico:
7.3.2
A prática avaliativa e
a qualidade do
trabalho pedagógico
7.3.3
O Tempo

Organização do professor .

Professor: um orientador do processo.

Aluno: protagonista de seu processo de avaliação.

Inserção do processo de avaliação no contexto do
processo de ensino e aprendizagem do dia-a-dia.

Inserção do processo de avaliação no contexto do
processo de ensino e aprendizagem do dia-a-dia.

Relações entre professores, alunos e pais
Conselho de Classe: mais claras e construídas
longo do bimestre, possibilitando a união
esforços, durante o bimestre, e não somente
hora do conselho ou da reunião de pais.
no
ao
de
na
O processo de avaliação colaborou para redimensionar o
tempo pedagógico nas aulas da professora Eliana,
através:

da autonomia dos alunos, advinda do contrato
didático;

da sistematização dos registros de avaliação;

das avaliações diagnósticas;

do portfólio das avaliações que os alunos
montavam durante o bimestre;

da facilidade do relacionamento com as famílias.
151
7.4 A concepção de educação
7.4.1
A função social do
ensino
Eliana considera que:
A escola é só uma passagem para você ter um
aprendizado, para você melhorar sua qualidade de
vida em todos os aspectos: financeiro, emocional e
social.
7.4.2
Concepção de como o
Eliana considera que tais relações se fazem através:

do sentido que o saber tem para ele;

do “fazer”, ou seja, do envolvimento do aluno com
a proposta;

da mobilização de suas capacidades para realizar
a atividade proposta, individualmente ou em
grupo;

das discussões que a atividade propicia e das
avaliações parciais do processo de

aprendizagem ali envolvido.
aluno estabelece
relações com o saber
7.4.3
Significado da
avaliação
Alguns fatores que contribuíram com trabalho da
professora Eliana para mudar o significado da
avaliação em suas aulas:

A caracterização da avaliação como diagnóstico, e
não como classificação.

A possibilidade de o aluno tomar consciência de
que não era o conceito final o mais importante e,
sim, o processo que ele vivenciava para aprender.

O surgimento da “cultura do sucesso”: o aluno
tinha consciência de que eram seus esforços
contínuos que construíam seu sucesso durante e
no final do bimestre.

O uso da “tabela” como fonte de referência para
152
todas as reflexões que permitiriam a tomada de
decisões em relação ao processo avaliativo.

A percepção de que o processo de avaliação não
era punitivo, nem um instrumento de poder do
professor, mas um processo que o ajudaria a
desenvolver suas capacidades da melhor maneira
possível.

A possibilidade de o aluno concluir seu conceito
bimestral.
Quadro 3 – Síntese - professora Eliana
7.5 Considerações
O trabalho realizado pela professora Eliana com suas classes de Ensino
Médio levou seus alunos a perceber o papel que deveriam desempenhar na tarefa
de aprender. Essa conscientização promoveu mudanças nas relações estabelecidas
e criou novos significados para o processo de avaliação da aprendizagem.
Eles puderam perceber que a avaliação poderia trazer possibilidades para
ponderar sobre os conhecimentos adquiridos e, segundo essas reflexões, promover
as modificações necessárias para avançar, a qualquer momento do processo. Além
disso, vivenciaram situações que os levavam a refletir não só sobre o saber, mas
também sobre o fazer e o ser, o que permitiu à professora promover, na medida do
possível, uma educação integral de seu aluno.
Eliana conseguiu estabelecer uma parceria com os pais de seus alunos, pois
abriu, através do registro de avaliação que chamou de “tabela”, um canal de
comunicação diário com eles. Isso permitiu que se estabelecessem novas relações
entre pais, alunos e professora, na busca de melhores caminhos para um maior
desenvolvimento das capacidades de seus alunos.
153
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estamos vivendo um momento em que o significado tradicional da avaliação
da aprendizagem escolar, que tinha finalidades classificatórias, vem se perdendo.
Reconhecemos que é preciso repensar uma prática avaliativa que possibilite ao
aluno, segundo Charlot (2001), uma dialética entre sentido e eficácia da
aprendizagem, para que ele se aproprie do que foi aprendido.
O trabalho desenvolvido pelas professoras Adriana, Conceição e Eliana, que
fizeram parte desta pesquisa, procurou efetivar uma prática avaliativa compartilhada
com os alunos e os pais, na busca de estabelecer uma relação dialógica entre os
envolvidos no processo de ensino, aprendizagem e avaliação que ocorre na
educação escolar. Para isso, elas elaboraram e sistematizaram meios que tinham o
propósito de viabilizar uma prática avaliativa emancipatória.
Diante das análises dos casos das três professoras, retomamos o problema
de investigação que foi proposto no primeiro capítulo deste trabalho: como a ação
docente possibilita uma prática avaliativa cuja gestão requer a participação ativa dos
alunos e a inclusão dos pais no processo de ensino e aprendizagem nas aulas de
matemática?
Para responder essa questão, vamos retomar os objetivos desta pesquisa,
que foram descritos no quarto capítulo, bem como as categorias de análise que
emergiram durante a construção dos dados.
Relacionamos abaixo os quatro objetivos propostos:
1) Verificar, através de registros escritos, como é possível criar espaços
pedagógicos que possibilitem a inclusão da atuação efetiva dos alunos na gestão de
seu processo de avaliação.
2) Investigar as transformações que ocorrem no “sentido da avaliação”, na
medida em que o contrato didático e os registros possibilitam uma crescente
responsabilidade do aluno em relação a sua aprendizagem,
154
3) Investigar as transformações que ocorrem no processo de aprendizagem, na
medida em que o processo de avaliação estabelece critérios que permitem ao aluno,
também, o juízo de valor sobre os conteúdos trabalhados.
4) Observar se uma mudança no equilíbrio das responsabilidades atribuídas aos
envolvidos no processo de avaliação poderá promover melhores resultados no
processo de ensino e aprendizagem dos alunos.
As categorias de análise que emergiram durante o processo de análise dos
dados construídos foram: a ação docente, a cultura escolar e a concepção de
educação.
Procuramos destacar, nas tabelas abaixo, os itens mais relevantes que
constituíram a ação docente do trabalho realizado pelas três professoras
participantes desta pesquisa, bem como os resultados mais importantes que se
evidenciaram em nossas análises.
Na categoria “a ação docente”, a análise foi feita, levando em consideração as
características do processo avaliativo que se constituíam através dos registros de
avaliação adotados pela professoras. A primeira característica analisada foi a
transparência que possuía o processo avaliativo para a professora, para os alunos e
para os pais; a segunda característica envolveu os diversos tipos de conteúdos que
estavam sendo avaliados, ou seja, os conteúdos conceituais, os procedimentais e os
atitudinais, cujos critérios se explicitavam nos registros das avaliações e permitiam
uma avaliação integral; a terceira característica foram as ações da professora, que
levaram o aluno a tomar consciência de seu próprio desempenho, possibilitando-lhe
tomar atitudes para avançar e permitindo, assim, que a avaliação fosse formativa; e
a última foi a forma como se estabeleciam os acordos para a democratização do
processo avaliativo.
A tabela abaixo possibilita-nos uma visualização das ações mais relevantes
das três professoras para permitir que o processo avaliativo fosse transparente,
integral, formativo e democrático.
155
A ação docente
1. A transparência do processo
avaliativo
Constituiu-se através dos itens:
Contrato didático.
Registros do aluno.
Registros do professor.
2. Avaliação integral
As professoras inseriam no processo de
ensino, aprendizagem e avaliação:
Os conteúdos conceituais.
Os conteúdos procedimentais.
Os conteúdos atitudinais.
3. Avaliação formative
Possibilitou ao aluno:
Refletir constantemente para promover o
ajuizamento da qualidade de suas
avaliações.
Propor interferências para transformar a
qualidade de sua aprendizagem.
Reconhecer que são as interferências
contínuas no processo de aprendizagem
que possibilitam o sucesso do conceito
final.
4. Avaliação democrática
Para possibilitar ao aluno autonomia para
promover a gestão do seu processo
avaliativo, as professoras:
Procuraram estabelecer os acordos de
seu contrato didático em parceria com
seus alunos e pais, para que todos se
sentissem co-autores dos combinados
estabelecidos.
Utilizaram a avaliação para diagnosticar, e
não para classificar.
Promoveram a inclusão do aluno no
processo avaliativo.
Quadro 4 - A ação docente: aspectos relevantes
156
As três professoras constituíram, à sua maneira, seus próprios registros e os
registros de uso diário de seus alunos, que tinham o propósito de criar espaços
pedagógicos para possibilitar que o aluno acompanhasse durante todo o bimestre
sua evolução, podendo a qualquer momento promover comparações e reflexões
que teriam como objetivo a tomada de decisões em busca da melhoria de seu
desempenho.
Podemos dizer que a categoria “a ação docente” evidenciou, através das
análises, tanto para o Ensino Fundamenta lI como para o Ensino Médio:
- que a transparência do processo avaliativo parece ter proporcionado, para
toda a comunidade educativa, condições de observar e compreender o
desempenho do estudante, durante todo o bimestre. Essas observações eram feitas
através dos registros, que evidenciavam, de forma sistematizada, a transparência
do processo, o que possibilitava a conscientização dos papéis que cada um deveria
desempenhar e estabelecia entre os envolvidos uma relação de responsabilidades
compartilhadas, gerando respeito, entendimento, compreensão e reflexão por parte
dos integrantes;
- que é possível ao aluno tomar consciência do seu próprio desempenho e
refletir sobre ele, em busca de novas atitudes para melhorá-lo, a qualquer momento
do processo, possibilitando, assim, a transformação da avaliação em um instrumento
educativo e, portanto, formativo;
- que, ao considerar o aluno como um ser integral, tornou-se possível
promover o desenvolvimento não só de suas capacidades cognitivas, mas também
das capacidades motoras, afetivas, de relação interpessoal e de inserção social,
para lhe possibilitar o exercício pleno e crítico de sua cidadania.
-que a democratização do processo possibilitou um ambiente dialógico em
que todos os envolvidos tinham voz e eram ouvidos, o que parece ter dado a
sustentação necessária ao desenvolvimento do processo, pois foi possível observar
que a co-participação do aluno, dos professores e dos pais na constituição e na
condução do processo de avaliação acabou estabelecendo relações de confiança
157
mútua que parecem ter interferido de forma positiva no ensino e na aprendizagem
nas aulas de matemática.
- que é possível o envolvimento dos pais. No caso das professoras Adriana,
Conceição e Eliana, o registro de avaliações, que ficava no caderno do aluno e
continha as informações sobre as avaliações dos conteúdos conceituais,
procedimentais e atitudinais do aluno, abria um canal de comunicação diária com
os pais, que poderiam acessar esse registro diariamente através do caderno de seu
filho. As informações ali contidas permitiam aos pais acompanharem o processo de
desenvolvimento de seu filho durante todo o bimestre. Eles podiam promover as
interferências que lhes cabiam, na medida em que se fizessem necessárias, uma
vez que elas tinham sido discutidas com os professores nas reuniões de pais.
Dessa forma, alunos e pais tinham acesso permanente aos instrumentos de
avaliação, aos critérios pertinentes à avaliação e aos resultados de suas
avaliações. Podemos considerar que esses registros avaliativos estavam
estruturados para cumprir, segundo Luckesi (2006, p. 165), a função de subsidiar a
construção de resultados satisfatórios.
Na categoria “a cultura escolar”, buscamos investigar, a partir do
compartilhamento das responsabilidades relativas ao processo avaliativo da
aprendizagem entre as professoras, os alunos e os pais, caminhos que
reinterpretavam significados, expectativas e comportamentos, com a finalidade de
chegar a uma avaliação emancipatória. Procuramos investigar também as
contribuições do processo avaliativo para melhorar a qualidade do trabalho
pedagógico realizado pelas professoras e as possibilidades de este promover o
redimensionamento do tempo pedagógico.
A tabela abaixo possibilita visualizar os fatores mais importantes que as
professoras consideraram em suas práticas avaliativas e que interferiram na cultura
estabelecida na escola.
158
Cultura escolar
As professoras valorizaram:
1. Responsabilidades compartilhadas
1- A organização e a democratização
dos registros de avaliação, para
promover
a
divisão
de
responsabilidades com seus alunos e
pais.
2- A definição de papéis para a
gestão do processo de avaliação.
3- A conscientização do aluno de que
não era o conceito final o mais
importante, e, sim, o processo que ele
vivenciava para aprender.
Alguns fatores que possibilitaram a
interferência:
1- Planejamento prévio da prática
avaliativa por parte da professora e
dos alunos.
2. A prática avaliativa interferindo na
2- A inclusão do aluno no seu
qualidade do trabalho pedagógico
processo avaliativo.
3- O trabalho com os conteúdos
conceituais,
procedimentais
e
atitudinais.
4O
compartilhamento
responsabilidades.
de
5- A inserção dos pais.
3. O tempo
O processo de avaliação colaborou
para redimensionar o tempo
pedagógico nas aulas das
professoras através:
1- da autonomia dos alunos advinda
do contrato didático;
3- das avaliações diagnósticas;
4- do portfólio das avaliações que os
alunos montaram durante o bimestre;
5- da facilidade de relacionamento
com as famílias.
Quadro 5 - A Cultura Escolar: aspectos relevantes
159
Levando em conta as considerações acima descritas, ao analisarmos o
trabalho desenvolvido pelas professoras no que diz respeito a essa categoria da
“cultura escolar”, pudemos observar que:
- o fato de as professoras compartilharem as responsabilidades da prática
avaliativa com seus alunos, de forma organizada e sistematizada, procurando tornálos protagonistas dessa prática, parece ter gerado um novo equilíbrio nas relações
entre as professoras e seus alunos, provocando em todos novos comportamentos
direcionados para uma avaliação emancipatória.
Ao sentir-se gestor de seu
processo de avaliação, o aluno começou a conscientizar-se do valor de cada
momento do processo que ele vivenciava para aprender. Passou a perceber que o
resultado final era conseqüência de todos os resultados obtidos ao longo do
bimestre. Tais considerações parecem ter possibilitado melhores resultados no
processo de ensino e aprendizagem dos alunos, uma vez que a avaliação havia se
transformado em um processo que permitia permanentemente a retomada e a
melhoria da aprendizagem;- a organização e a sistematização do processo
avaliativo, a autonomia dos alunos e a facilidade do relacionamento com os pais
parecem ter colaborado para redimensionar o tempo de ensinar, o tempo de
aprender e o tempo burocrático da escola;
- a prática pedagógica das professoras reorganizou-se através do
planejamento prévio das atividades desenvolvidas durante o bimestre. Seus alunos
organizavam seus registros avaliativos, no começo do bimestre, segundo o
planejamento das professoras e através do contrato didático em que se
estabeleciam os combinados que iriam nortear os trabalhos relativos ao bimestre.
Além disso, o trabalho de ensino e aprendizagem dos conteúdos conceituais,
procedimentais e atitudinais parece ter promovido mudanças nas relações entre
todos envolvidos, quando valorizou o “saber”, o “saber fazer” e o “ser”. O
compartilhamento de responsabilidades parece ter promovido a inclusão do aluno no
seu papel de educando e permitido a inserção dos pais, o que também contribuiu
para a melhoria da qualidade do trabalho pedagógico.
E, finalmente, na categoria “a concepção de Educação”, a análise foi feita,
levando em consideração a concepção de educação relativa à função social do
ensino e de como o aluno estabelece relações com o saber adotadas pelas
160
professoras em suas práticas avaliativas, que iriam interferir no significado da
avaliação para o aluno.
A tabela abaixo possibilita visualizar, resumidamente, as concepções das três
professoras e o significado da avaliação no contexto de seus trabalhos pedagógicos.
A concepção de educação
1- “A função social do ensino é dar ao aluno uma
vida melhor”. (Adriana)
1. A função social do ensino
2- “Oferecer ao aluno o conhecimento que ele vai
buscar na escola”. (Conceição)
3- “Melhorar sua qualidade de vida nos aspectos:
financeiro, emocional e social”. (Eliana)
“Quando o que o aluno tem que aprender tem
sentido para ele”. (Adriana)
“O aluno tem que gostar não só de matemática,
mas se sentir motivado para ir à escola. Ele só vai
2. Como o aluno estabelece aprender, se tiver essa motivação e esse gosto. Se
relações com o saber
ele não tiver, a escola deverá proporcionar”.
(Conceição).
“A escola é uma passagem para você ter um
aprendizado para melhorar sua qualidade de vida
em todos os aspectos: financeiro, emocional e
social”. (Eliana)
3. O significado da avaliação
1- A avaliação tinha como finalidade o diagnóstico e
não a classificação.
2- Os alunos tinham parâmetros para refletir sobre
as avaliações formais e informais que faziam.
3- Os instrumentos e os registros de avaliação
eram fontes de referência para as avaliações
diagnósticas e a tomada de decisões em relação ao
processo avaliativo pelos alunos e pelas
professoras.
4- A conscientização do aluno de que o saber se
constituía através do processo e o conceito final era
uma conseqüência disso.
5- A percepção de que o processo de avaliação
não era punitivo, nem um instrumento de poder do
professor, mas um processo que o ajudaria a
desenvolver suas capacidades da melhor maneira
possível.
6- Os alunos concluíam seu conceito bimestral.
Quadro 6 - A concepção de Educação: aspectos relevantes
161
As concepções relativas à função social do ensino e à forma como o aluno
estabelece relações com o saber, adotadas pelas três professoras e expressas por
elas em seu depoimento e em seu desempenho pedagógico, subjazem ao
significado atribuído por elas à avaliação, que se transformou de classificatória para
emancipatória; e compõem, junto com este último, sua concepção de Educação.
A prática pedagógica das três professoras permitia aos alunos o acesso aos
critérios de avaliação dos conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais de
qualquer atividade desenvolvida, em sala de aula ou fora dela, bem como aos
valores atribuídos a elas, o que possibilitava ao aluno fazer o juízo de valor do seu
desempenho ao longo das atividades e no seu término.
Para que ele pudesse fazer tal juízo de valor, a sistematização dos registros
de avaliação do seu caderno, além do conhecimento dos critérios de avaliação,
parece ter sido um fator muito importante, pois isso lhe possibilitava: visualizar o seu
desenvolvimento tanto nas partes que compunham o processo, como no todo; e
fazer um diagnóstico das intervenções necessárias para melhorar seu desempenho
na busca do maior desenvolvimento possível de suas capacidades.
Uma outra consideração importante, que parece ter colaborado para a
transformação do sentido da avaliação, baseia-se em ações que permitiram que o
aluno tivesse parâmetros para fazer o diagnóstico de suas avaliações formais, mas
também das informais. Isso propiciou condições para a aprendizagem de conteúdos
procedimentais e atitudinais que nem sempre são incorporados pelo aluno sem a
interferência de um trabalho pedagógico e, portanto, precisam submeter-se às
transformações que um processo de ensino e aprendizagem poderá promover.
Ao vivenciar esse processo por, pelo menos, dois bimestres consecutivos, os
alunos das três professoras já demonstravam uma crescente responsabilidade em
relação à sua aprendizagem e reconheciam a importância de seu papel na tarefa de
aprender. Eles já eram capazes de fazer a conclusão de seu conceito bimestral e
elaborar suas argumentações sobre o seu desempenho no bimestre, num texto
construído por eles com base nos dados contidos no registro de seu caderno. Nesse
texto o aluno poderia, inclusive, reconhecer, segundo sua visão, os comportamentos
162
de aprendizagem específicos que lhe trouxeram bons resultados e aqueles que, por
não terem surtido bons efeitos no seu desenvolvimento, deveriam ser substituídos.
De maneira geral, podemos considerar que esse processo avaliativo
procurou desenvolver ações docentes que permitissem a inclusão dos alunos e de
seus pais na sua gestão. Buscou possibilitar que o aluno e seus pais fossem
parceiros do professor na busca do melhor desenvolvimento possível das
capacidades do aluno. Porém, o trabalho desenvolvido pelas professoras Adriana,
Conceição e Eliana demonstrou que para isso foi preciso lidar com uma prática
pedagógica que valorizasse “a persistência, o trabalho sistemático, a organização
eficiente e eficaz, a correção, o fazer conjecturas, a criatividade e a capacidade de
comunicar idéias e procedimentos claramente” (MATOS; SERRAZINA,1996), por
parte de todos os envolvidos no processo de avaliação.
Pudemos observar que esse processo avaliativo auxiliou o aluno na
conscientização e na formação de referenciais para estabelecer um juízo de valor
sobre suas ações, levando-o a tomar decisões pela compreensão e não pelo medo
ou pela imposição, promovendo, assim, sua autonomia e a construção do sucesso
escolar para combater o fracasso escolar.
Nesse contexto, parece que a ação docente das três professoras exerceu
uma função orientadora, num processo de avaliação que deixou de ser
classificatório para ser diagnóstico e cuja gestão foi feita de forma compartilhada
pelas professoras, por seus alunos e pelos pais. Não houve, portanto, uma
padronização de conduta em sala de aula, por parte dos professores, mas um
trabalho organizado e sistematizado dentro de princípios que buscaram com
clareza atingir um fim conhecido de todos os envolvidos, baseado nos objetivos que
se pretendia alcançar no bimestre e na visão de educação adotada pelas
professoras que conduziram esse trabalho.
Acreditamos que, assim constituído, este trabalho pode colaborar para um
objetivo maior, que é o de transformar a sala de aula em um “espaço de
solidariedade, reciprocidade e emancipação”, conforme Afonso (1999, p.98).
Levando em conta os resultados da presente pesquisa, podemos apontar
alguns aspectos que poderiam ser objetos de futuras investigações, como, por
163
exemplo: como a escola trabalha as concepções de educação que permeiam a
prática pedagógica e que fundamentam a prática avaliativa? Que obstáculos
permeiam a valorização dos registros de avaliação, que explicitam critérios de
avaliações tanto formais como informais? (Os professores colocam como
desnecessária a formalização dos registros de avaliação formal e informal, pois
essas são informações que ele faz, pessoalmente, para os alunos). E a inclusão
dos pais? Que efeitos promove no processo de ensino, aprendizagem e avaliação
dos alunos e nas relações com os professores? Até que ponto as tensões vividas
na escola são conseqüência da cultura sobre avaliação estabelecida na escola?
164
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166
ANEXOS
Anexo A (Adriana): “ficha diária do aluno”
167
Anexo B (Adriana): “Ficha de fechamento bimestral do aluno”
168
Anexo C (Adriana): “Ficha de fechamento bimestral da professora”
169
Anexo D (Conceição): “Ficha do caderno do aluno e de encerramento
bimestral”
170
Anexo E (Conceição): “Ficha do caderno do aluno preenchida, 5ª série”
171
Anexo F (Conceição): “Ficha do caderno do aluno preenchida, 6ª série”
172
Anexo G (Conceição): “Registro da professora 5ª série”
173
Anexo H (Conceição): “Registro da professora 6ª série”
174
Anexo I (Eliana): “Tabela do aluno sem preencher”
175
Anexo J (Eliana): “Declaração do aluno Pedro”
176
Anexo L - “Questionário inicial Adriana”
177
Anexo M - “Questionário inicial Conceição”
178
Anexo N - “Questionário inicial Eliana”
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