CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS PROVA ESCRITA DE DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL 1ª CHAMADA O candidato deverá responder, obrigatoriamente, às questões do grupo I e II e, de acordo com a sua opção, à questões do grupo III ou do grupo IV. Deverá considerar que todos os factos ocorrem no âmbito de vigência das actuais versões do Código Penal e do Código de Processo Penal GRUPO I (RESPOSTA OBRIGATÓRIA) Berta, a jovem que Arlindo engravidara, cedera aos argumentos que ele apresentara para que abortasse, já passadas as 16 semanas de gravidez. Foi ele a tratar de tudo com Carla, antiga enfermeira reformada sua conhecida, que, após diversas insistências e mediante a oferta do pagamento de € 750 em dinheiro, acabou por aceitar fazer o serviço. Naquela tarde, Arlindo tinha levado Berta à casa de Carla, pago o dinheiro e, passado algum tempo, estava tudo resolvido e era menos uma preocupação. Berta, de 15 anos de idade, era filha dos caseiros e fazia trabalhos domésticos na casa de Arlindo, mediante remuneração. Este, em três ocasiões distintas – a primeira quando Berta, cujos pais se haviam ausentado, ficou a pernoitar na casa dos patrões; a segunda quando seguiu os passos dela e a surpreendeu no barracão que ficava nas traseiras; a terceira no sótão onde, de caso pensado, a mandara fazer arrumações, altura em que a engravidou –, mantivera com ela relações sexuais de cópula. E nunca se deteve perante as súplicas de Berta, que repetidamente dizia que não e se debatia para que ele a largasse. Em cada uma das vezes, Arlindo, depois de fazer o que queria, dissera-lhe com voz séria: “se contares o sucedido, corto-te o pescoço”. Agora que resolvera a questão da gravidez indesejada, Arlindo podia suspirar de alívio. O problema era Maria, sua mulher. Já não podia com ela nem com o sogro, Daniel. Este nunca tinha gostado do genro. Mas agora nem o podia ver. Arlindo persistia em embriagar-se quase todos os dias, bem sabendo que, nesse estado, acabava sempre por discutir com Maria, desferindo-lhe bofetadas, murros e pontapés, puxandolhe os cabelos, chamando-lhe “puta” e “burra”, quer em casa, quer na rua. Não poucas vezes Maria, lavada em lágrimas, tivera de refugiar-se na casa dos pais para escapar às fúrias do marido. A todas estas cenas assistia o filho de ambos com 11 anos. Ora, aquele tinha sido mais um dia em que Arlindo passara pela taberna antes de regressar a casa. Sucederam-se os insultos e agressões habituais e Maria acabou por ir para a casa dos pais, ostentando uma ferida na boca, a deitar sangue, em resultado de um soco que Arlindo lhe desferira na cara. Para Daniel a situação tornara-se insustentável. Exaltado, gritou: “foi a última vez que esse traste agrediu a minha filha: de hoje já não passa”. E, sempre aos gritos foi buscar a arma de caça ao armário, mais dois cartuchos. Sempre a vociferar, carregou a arma e dirigiu-se a casa do genro, a cerca de 150 metros da sua. A porta da casa ficara aberta após a saída de Maria. Daniel entrou, viu de perfil um homem sentado no sofá, que identificou como sendo Arlindo. Apontou a arma que empunhava e efectuou um disparo, na direcção do homem, a uma distância não superior a 5 metros, causando-lhe lesões na cabeça que determinaram a sua morte. Porém, não era Arlindo quem estava na sala, mas sim Flávio, seu irmão, que estava de visita e que, vendo a porta aberta e não dando por ninguém em casa, decidira entrar e sentar-se no sofá. 1 – Abstraindo da subsunção das condutas às normas penais relativas ao uso e detenção de armas (o que não se pretende), analise as questões da responsabilidade criminal de Arlindo, Berta, Carla e Daniel. 2 - Suponha que correu processo criminal contra Arlindo pela prática dos factos descritos. No âmbito desse processo criminal, Arlindo prestou termo de identidade e residência. No entanto, posteriormente, veio a ausentar-se para parte incerta do Brasil. O julgamento realiza-se sem a sua presença, tendo sido condenado em pena de prisão efectiva. Recorre da sentença alegando que o julgamento (de cuja realização não teve conhecimento) não poderia ser realizado na sua ausência, designadamente porque as normas aplicadas seriam inconstitucionais por comprometerem as suas garantias de defesa. Terá razão? GRUPO II (RESPOSTA OBRIGATÓRIA) Os corpos gerentes da SOPPEL, SA., sociedade anónima produtora de pasta de papel, estavam cientes do elevado custo que acarretava ter em funcionamento a estação de tratamento de águas residuais (e.t.a.r) da fábrica de celulose que a firma explorava na margem esquerda do rio Albiviela e, por essa razão, mantinham a e.t.a.r. encerrada, há mais de um ano, apesar de terem a perfeita noção de que o seu funcionamento constituía uma imposição legal e uma exigência da licença de laboração. O conselho de gerência, composto por Jack Stuart, presidente, e Roger Sam e Harry Joe, vogais, deliberou encarregar Óscar, trabalhador indiferenciado do quadro de pessoal da empresa, de proceder à rejeição dos efluentes no leito do rio quando as necessidades da empresa o justificassem e as condições do curso fluvial o permitissem, sob a supervisão de Fausto Pardelhas, engenheiro químico e director de produção da fábrica. Assim, no dia 30 de Junho, Óscar e Fausto Pardelhas, apercebendo-se de que o caudal do rio estava bastante baixo e sabendo que tal circunstância potenciava os efeitos nocivos do efluente, ainda hesitaram, mas como anoitecia, e movidos pelo zelo que colocavam no desempenho das suas funções em prol dos interesses da SOPPEL, SA, em particular, por a capacidade de armazenamento dos depósitos de efluentes da fábrica estar esgotada, decidiram arriscar, procedendo à respectiva descarga, pelo que Óscar, sob o olhar apreensivo de Fausto Pardelhas, abriu as comportas da e.t.a.r., lançando todo o efluente no rio, sem qualquer tratamento prévio. Com a passagem das massas de águas residuais pelo leito do rio, toda a fauna piscícola pereceu (mais de 500 Kg de barbos, trutas, etc.), o que veio a inviabilizar a pesca desportiva que se praticava nos 60 Km daquele curso de água, durante os 8 meses que se seguiram. As praias fluviais da Sardoeira e do Picoto ficaram, durante a época balnear, interditas a banhistas. Ficou ainda contaminada a água da albufeira do Canhoto, onde se procedia à captação de água para abastecimento da aldeia de Unhais do Monte, por se ter tornado imprópria para consumo humano. Além disso, cinco dos 16 habitantes da aldeia tiveram de ser internados com diversas complicações e lesões no tubo digestivo, decorrentes da ingestão de água da albufeira. De resto, prevê-se que o abastecimento de água não possa ser retomado, nos próximos anos, devido à deposição de poluente químico no fundo da albufeira, com elevado risco para a saúde das pessoas. 1 – Analise a responsabilidade criminal, identificando os respectivos agentes, emergente do caso relatado no texto que antecede. 2 - Apesar de a análise pericial realizada às amostras colhidas no leito do curso de água ter identificado o elemento químico poluente com correspondência no encontrado no esgoto da fábrica, as declarações dos arguidos e os depoimentos de algumas testemunhas vieram trazer uma versão segundo a qual a poluição da ribeira se tinha ficado a dever às escorrências de fertilizantes utilizados na agricultura de terrenos contíguos à ribeira, bem como de unidades de pecuária (abegoarias e pocilgas) ali existentes. Num tal contexto, como pode o magistrado do MP, no momento do encerramento do inquérito, conformar a sua convicção e decisão? GRUPO III (RESPOSTA OPCIONAL) Lúcia era a pessoa mais bem sucedida a ler a sina dos namorados, nas tardes solarengas de Domingo, do Parque Central da cidade. Ali, em 31 de Dezembro de 2007, abeirou-se de Cândido a quem, em breves momentos e a partir de informações que obtivera de uma vizinha dele, diagnosticou uma doença bipolar, uma dívida ao banco por crédito à habitação, a saída de casa da esposa e das duas filhas menores, havia precisamente 2 meses e 5 dias. Surpreendido, Cândido quis continuar a ouvi-la. Veio, então, a antevisão do futuro: uma promoção na carreira e mudança de local de trabalho; uma paixão correspondida por alguém que acabara de conhecer... E tudo era tão plausível para Cândido – face à reorganização que se estava a processar no seu departamento, à recente chegada da esbelta Joana à sua secção... – que, entusiasmado, perguntou se era preciso fazer alguma coisa para que tudo se concretizasse como dizia. Claro: ele teria de passar pelo “Multibanco” e Lúcia de auscultar os astros sobre detalhes. Assim, após auscultação dos astros, estava encontrado o veredicto: dentro de duas semanas, ocorreria o regresso das filhas, a paixão de Joana, a promoção, e até a renegociação da dívida em condições favoráveis. Cândido teria, apenas, de entregar a Lúcia 300€ e não provocar a ira dos astros. Entregou, de imediato, tal valor. Mais tarde, Lúcia deslocou-se ao supermercado para comprar alguma fruta. Já na caixa, como o custo total da fruta eram 14€, entregou uma nota de 20€ a Vanessa, que ali procedia ao registo de valores. A empregada, após recolher a nota e a colocar na caixa mas antes de fazer o troco, ainda respondeu às perguntas de uma colega e quando retomou a operação do troco – cansada pelo longo dia de trabalho e confusa quanto ao valor da nota que recebera –, voltou-se para Lúcia perguntando-lhe: “ora, entregou-me uma nota de 100€, não é assim?” e, sem esperar pela resposta, entregou 86€ de troco a Lúcia que o arrecadou sem nada dizer. Dois meses depois, Cândido ainda protestava contra o atraso dos astros... 1. – Analise a responsabilidade criminal de Lúcia 2. - Suponha que foi remetida aos serviços do Ministério Público uma carta anónima a denunciar uma situação, descrevendo-a com bastante pormenor, que pode integrar um crime público. Deve o Ministério Público proceder à abertura de inquérito? GRUPO IV (RESPOSTA OPCIONAL) Aristides, toxicodependente, porque não dispunha de dinheiro para comprar a sua dose diária de heroína, decidiu assaltar a casa de Bruna. Com uma pistola de brinquedo que passava por verdadeira, entrou em casa desta por uma janela que se encontrava aberta. Ao deparar-se com Bruna, já dentro de casa, apontou-lhe a pistola, dizendo: «Mãos ao ar, isto é um assalto». Bruna entregoulhe, de imediato, a quantia em dinheiro que tinha consigo (que, em julgamento, não conseguiu quantificar com certeza, mas que oscilaria entre cinquenta e duzentos euros). Três dias depois, também para comprar a sua dose de heroína, Aristides partiu o vidro de um automóvel que se encontrava estacionado perto de sua casa e dele retirou um auto-rádio no valor de trezentos euros. De seguida, dirigiu-se à oficina de Clemente, a quem disse que o auto-rádio era de sua propriedade, propondo-se vendê-lo por cem euros, o que Clemente aceitou. 1 – Analise a eventual responsabilidade criminal de Aristides e de Clemente. 2 - Suponha que, em julgamento, Clemente não prestou quaisquer declarações. Aristides confessou a prática dos factos, relatando, também, a venda do autorádio acima descrita. Uma testemunha, Deotilde, declarou em julgamento que Clemente lhe havia dito que comprara esse auto-rádio a Aristides pelo preço indicado. Poderão, e em que medida, estas declarações, de Aristides e de Deotilde servir como meio de prova para eventual condenação de Clemente? Cotações: Grupo I – 1 - 6 valores Grupo I –2 – 1,5 valores Grupo II – 1 – 5 valores Grupo II – 2 – 2 valores Grupo III – 1 – 4 valores Grupo III – 2 – 1,5 valores Grupo IV – 1 – 3,5 valores Grupo IV - 2 - 2 valores