A Linha do Douro a olho nu!
A si, que gosta e admira a natureza, vou convidá-lo para que viva
um dia diferente, num comboio da Linha do Douro, indo do Porto
até ao Pocinho!
Em tempos não muito distantes, a Linha do Douro era a via de
comunicação mais acessível entre a cidade do Porto – centro
estratégico de negócios – e as regiões mais pobres de Trás-os-Montes
e Alto Douro.
Para atenuar o isolamento das regiões mais distantes e para escoar
pessoas e mercadorias, construíram-se linhas-férreas de via reduzida –
ramais - ao longo de alguns afluentes do Rio Douro.
Foi o caso da Linha do Sabor (Pocinho/Duas Igrejas), Linha do Tua
(Tua/Mirandela), Linha do Corgo (Régua/Vila Real) e Linha do
Tâmega (Livração/Amarante).
Tente embarcar em S. Bento (9:15) a estação mais bonita da
Mui Nobre, Sempre Leal e Invicta Cidade do Porto!
Procure chegar um pouco antes, para poder apreciar os magníficos,
imponentes e extraordinários painéis de azulejos que revestem as
enormes paredes do átrio da estação, outrora Convento de S. Bento
da Avé-Maria.
Em 20 minutos apenas, conseguirá recuar e "ver" séculos de
história de Portugal, retratados em alguns dos mais marcantes
acontecimentos nacionais, que mudaram o rumo da nossa História: o
casamento de D. João I, na Sé do Porto, a conquista de Ceuta, o
Torneio dos Arcos de Valdevez, os Descobrimentos, as batalhas no
Norte de África e muitos outros...
Pode ainda admirar nos fantásticos painéis, algumas cenas campestres
típicas da região norte; contemplar motivos religiosos ou uma
vindima, tal como ela era realizada no século passado; ver como se
realizava uma feira de gado, nas regiões agrícolas; observar o
transporte do vinho do Porto num barco Rabelo, através do Rio
Douro...
Mas não se descuide, senão nem ouve anunciar a partida do
comboio e correrá o risco de ficar em terra!
Os primeiros 30 minutos de viagem, normalmente servem para
travar conhecimento com os nossos companheiros de viagem, trocar
impressões ou até descobrir caras conhecidas...
Entretanto, pode ir apreciando a paisagem, dividida entre o
progresso urbanístico algo caótico e vestígios da vida rural que ainda
teima em sobreviver, com campos a perder de vista, ora verdes de
erva fresca ora castanhos de terra lavrada.
Se escolheu o Outono, pode ter a certeza que os seus olhos se
irão encantar com os tons de vermelho escuro e amarelo das folhas
que ainda restam nas árvores, misturados com verdes esbatidos das
muitas plantas silvestres que cobrem toda a extensão da berma, junto
à linha.
Repare nas vacas e bois, que vão tentando comer a erva que vai
crescendo com alguma abundância, calmamente!
E, por acaso, viu as laranjeiras, salpicadas de vermelhas laranjas?
Sinta o cheiro a terra ainda molhada, que se pode "ver", se meter a
cabeça pela janela, para poder absorver melhor, todas estas
sensações!
Durante esta contemplação, não se espante se sentir, atrás de si,
cheiro a pão com chouriço ou salpicão, pois já está na hora de "matar
o bicho"! É um ritual que não se perde no passar dos tempos nem no
modernismo dos costumes...
Ah!!! Não recuse a oferta, pois os mais velhos podem ficar ofendidos!
Assim, terá oportunidade de ouvir ao vivo, testemunhos reais de
muita história que se vai perdendo por esse país fora, por sofrermos
de surdez oportuna, por vezes grave, uma doença crónica e comum,
dos tempos modernos.
Com toda esta conversa, já passou Penafiel, Caíde e Livração, a
estação de início da linha do Tâmega e que ainda resiste até
Amarante; após o Marco de Canavezes, está na hora de se preparar
para uma mudança radical na paisagem.
Quase nem deve ter reparado que passou o Túnel do Juncal e vai
passar agora em Aregos –estação onde o Jacinto, n’ A Cidade e as
Serras” iniciou a sua caminhada até à Casa de Tormes, hoje
Fundação Eça de Queiroz e digna de uma visita!
Continuando, se vai sentado do lado esquerdo do comboio,
mude discretamente para o direito, porque o Rio Douro está ali...
Não consegue ver????
É por causa da neblina que se forma sobre o rio, tapando quase
completamente aquele espelho que vai brilhando, por entre algumas
clareiras...
Se a sua escolha de viajar recair no final do Inverno e início da
Primavera, irá admirar então, a beleza da margem esquerda do
Douro, com os montes cobertos de vegetação a florir, por entre o
escuro da sombra...
Observe as casinhas que se perdem de vista nas encostas que vão
desfilando, salpicadas de brancas casas senhoriais, testemunho da
importância social e económica que outrora tiveram…
E não lhe parecem pedacinhos de algodão, ora rosa ora branco, as
amendoeiras floridas que se avistam nos montes mais distantes?
Ao perto, pode observar laranjeiras, oliveiras, macieiras, amendoeiras,
por entre muros cobertos de heras e todo o tipo de vegetação, que
vai florindo, dando um aspecto de jardim esquecido.
E que tal a sensação de ver ainda casas de aldeia, com fumo a sair
das chaminés, antecedendo a hora da refeição, ainda cozinhada a
lenha?
E o contraste das cores nas paisagens, ora sol ora sombra, fazendo
com que tudo nos pareça mais perto?
E as águas barrentas do Rio Douro, testemunhas da passagem
turbulenta, por distantes terras banhadas por este poderoso e
fantástico elemento da natureza, que nada nem ninguém consegue
parar, apesar das barragens, quais fortalezas erguidas nos vales
profundos?
E viu que foi passando por vários túneis (a linha, no total, tem
26, escavados nas milenárias rochas graníticas, para encurtar e
simplificar o percurso, já de si sinuoso); as 30 pontes, existentes ao
longo de toda a linha, sendo algumas delas autênticas obras de arte
da engenharia civil, que permitiram vencer obstáculos naturais e
aproximar povoações, até então separadas pelo Rio Douro.
A título de curiosidade, sabia que no reinado de D. José I, o
Marquês de Pombal ordenou a demarcação do Vale do Douro e seus
afluentes, mandando colocar 335 marcos de granito “Marcos
Pombalinos”, surgindo a primeira Denominação de Origem
Controlada do mundo, hoje RDD - Região Demarcada do Douro - e
reconhecida pela UNESCO como PATRIMÓNIO DA HUMANIDADE,
desde 14 de Dezembro de 2001?
Eis que chega à estação do Peso da Régua, de onde sai a linha
do Corgo; como o comboio aí para durante uns minutos, ainda tem
tempo para comprar um saquinho de Rebuçados da Régua.
È uma especialidade da região. Experimente!!!
Decerto já reparou que o comboio segue mesmo junto ao rio,
em alguns casos, a poucos metros da água...
Quando parar na estação do Pinhão, não deixe de ver os
painéis de azulejos que retratam a região, com pormenores incríveis,
feitos por mãos de verdadeiros artistas.
Da janela da carruagem, vá observando as grandes quintas do
Douro, onde é produzido o famoso Vinho do Porto.
Admire a beleza, a simetria, o contraste, a técnica e a arte dos
socalcos, e imagine com que prazer, da próxima vez, irá saborear um
cálice de Porto!
Chegou à estação de Tua!
Ainda há tempo para ir a correr comprar pão cozido em forno de
lenha e acabado de chegar…
Daqui sai a Linha do Tua, que até Mirandela, permite desfrutar da
mais extraordinária paisagem agreste e natural que se pode imaginar!
Continuando a viagem, a linha vai-lhe parecendo cada vez mais
estreita, devido aos enormes pedregulhos cirurgicamente cortados,
que permitem que apenas o comboio circule, quase sem
possibilidade para se pôr a cabeça de fora.
E eis que chegou a Ferradosa, mais um apeadeiro abandonado,
mas que consegue transmitir ainda uma imagem da importância que
teve, noutros tempos!
A linha vai passar agora sobre o Rio Douro para a margem esquerda.
A paisagem vai-se alterando ligeiramente, podendo observar-se
melhor algumas das mais famosas quintas da Região Demarcada do
Douro: Vargelas e Vesúvio.
Já se vê ao longe a barragem do Pocinho e aproxima-se o fim
desta viagem, na estação com o mesmo nome.
O edifício da estação está muito degradado, o que faz com que se
sinta algo desapontado, não é?
É um sinal do passar dos tempos e da inversão da ordem de
prioridades da empresa responsável pelas comunicações ferroviárias
em Portugal.
Porque a viagem foi longa e o estômago está a dar horas, pode
“abancar” para comer o seu farnel.
É comum oferecer-se e aceitar o que nos oferecem também,
dividindo por todos.
Sempre fica mais variedade de sabores!
Depois, pode dar uma volta pela vila, antes de iniciar o
regresso, que será feito pelas 15:31.
Convém sempre confirmar antes o horário, com o revisor, para não
haver surpresas…
BOA VIAGEM!!!
Texto e imagens – Amélia
Macieira
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