Cultura celular por Márcia Regina Cominetti1
O que é uma cultura celular?
Células animais e vegetais, isoladas de tecidos vivos, podem continuar a crescer in vitro
se os nutrientes e todos os outros fatores necessários à sua sobrevivência, crescimento e
proliferação forem corretamente fornecidos. Quando este processo é realizado em laboratório, em
condições controladas de temperatura, umidade, oxigênio e gás carbônico, ele é chamado de
cultura celular. A cultura de células permite que as mesmas funcionem como unidades
independentes similares a microorganismos como bactérias e fungos. Estas células em cultura são
capazes de crescer e se dividir normalmente, de forma similar a quando estão crescendo in vivo,
isto se, como dito, os nutrientes necessários forem fornecidos no que chamamos de meio de
cultura. O meio de cultura é o líquido aonde as células crescem e se multiplicam e pode possuir,
dependendo da necessidade de cada linhagem celular, diferentes componentes. Basicamente, um
meio de cultura deve possuir em sua composição sais inorgânicos (tais como cálcio, ferro,
magnésio, potássio, entre outros), aminoácidos essenciais e não essenciais, vitaminas,
antibióticos, uma fonte de energia, como a glicose e um indicador de pH como o fenol red, por
exemplo.
Em uma cultura celular, dependendo de seu tecido de origem, as células podem crescer
tanto suspensas no meio de cultura, quanto aderidas formando monocamadas no fundo da garrafa
em que estão sendo cultivadas. As células em suspensão derivam de linhagens que originalmente
não necessitam de adesão ao substrato para proliferação, tais como células hematopoiéticas. Já as
células aderidas, necessitam ligar-se ao substrato para se dividir e crescer e esta ligação é
essencial, uma vez que se estas células perdem a ancoragem ao substrato, elas param de proliferar
e morrem. Exemplos de células aderidas são fibroblastos e células epiteliais, entre outras.
Breve histórico
A história do desenvolvimento de culturas de células iniciou-se por volta de 1950. O
objetivo inicial era estudar, sob o microscópio, eventos celulares normais, tais como o
desenvolvimento de células nervosas.
A necessidade do cultivo de células animais, especialmente em larga escala, tornou-se
evidente com a procura de vacinas contra vírus. As grandes epidemias de pólio nos anos entre
1940 e 1950 despertaram o esforço de vários cientistas para o desenvolvimento de vacinas. Em
1949, quando o vírus da pólio pôde ser crescido em cultura de células humanas, um considerável
interesse na área foi desenvolvido e grandes quantidades de vacinas foram desenvolvidas a partir
de células em cultura. A vacina da pólio produzida a partir de um vírus inativo, tornou-se um dos
primeiros produtos comerciais criados a partir de células animais cultivadas.
Em 1975, a tecnologia da cultura celular foi fundamental para a produção de células
híbridas (hibridomas) a partir da fusão de duas ou mais células capazes de produzir
1
Docente do curso de Graduação em Gerontologia e do Programa Interinstitucional de Pós-Graduação em Ciências
Fisiológicas (PIPGCF) Associação Ampla UFSCar/UNESP.
continuamente anticorpos monoclonais específicos. Estes anticorpos possuem grande valor
terapêutico e são produzidos comercialmente a partir de culturas de hibridomas em larga escala.
Tipos de culturas celulares
As culturas celulares podem ser de três tipos:
1) Primárias
2) Finitas
3) Contínuas
Cultura primárias
Culturas de células primárias são produzidas a partir de células retiradas de um tecido por
processos de desagregação por métodos mecânicos, enzimáticos ou químicos. As culturas
primárias são portanto formadas a partir células que sobrevivem aos processos de desagregação,
aderem-se ao substrato da garrafa de cultura (ou mantêm-se em suspensão) e proliferam. As
células primárias possuem morfologia idêntica ao do tecido das quais se originam. A cultura
primária permite pouco número de divisões (ou passagens) celulares, após as quais entram em
estado de senescência e morrem. Muitos cientistas preferem utilizar culturas primárias em seus
experimentos uma vez que estas células mantêm as características fisiológicas do tecido de
origem, podendo ser consideradas portanto como representativas das condições naturais de um
organismo.
Culturas finitas
As culturas finitas são formadas após a primeira passagem de uma cultura primária. Estas
culturas irão proliferar por um número finito de divisões celulares, após as quais irão morrer. O
potencial proliferativo de algumas culturas finitas pode ser prolongado através da introdução de
genes virais transformantes (tais como os genes transformantes SV40).
Culturas contínuas
Culturas finitas de células irão fatalmente morrer ou eventualmente adquirir uma mutação
estável capaz de produzir uma cultura contínua. Esta mutação sofrida pelas células é conhecida
como transformação ou imortalização e está freqüentemente associada com tumorigenicidade.
Células primárias de roedores em cultura formam facilmente linhagens de células contínuas
espontaneamente ou após o tratamento com algum agente mutagênico. Células de culturas
primárias humanas ao contrário, raramente tornam-se imortais desta forma e necessitam de
modificações genéticas adicionais para formar uma linhagem contínua. Células derivadas de
tumores humanos, contudo, freqüentemente suportam uma grande quantidade de passagens,
sendo consideradas contínuas. Linhagens de células contínuas são relativamente fáceis de
trabalhar, comparado com linhagens células primárias, contudo, deve-se lembrar de as primeiras
podem sofrer alterações genéticas (mesmo que não existam alterações morfológicas visíveis)
após várias passagens e que portanto, podem não representar a situação fisiológica real do
organismo in vivo.
Aplicações da cultura de células animais
Existe um grande número de aplicações para células animais ou vegetais cultivadas,
dentre eles:
1) Estudos fisiológicos e bioquímicos de células normais e tumorais;
2) Estudos dos efeitos de compostos químicos ou drogas variadas sobre tipos específicos de
células (epiteliais, sanguíneas, etc.);
3) Estudos para a geração de tecidos artificiais (como pele artificial, por exemplo);
4) Síntese de produtos biológicos a partir de culturas celulares em larga escala, etc.
5) Produção de proteínas recombinantes glicosiladas, as quais não podem ser produzidas
por bactérias, uma vez que estas não possuem o metabolismo necessário.
Cuidados e esterilidade
Uma cultura celular precisa, acima de tudo, ser livre de contaminações. A taxa de
multiplicação de células animais é relativamente baixa, comparada com células bacterianas.
Enquanto bactérias podem se duplicar a cada 30 minutos, as células animais requerem de 18 a 24
horas. Isto torna as culturas de células animais mais vulneráveis à contaminação, uma vez que um
pequeno número de bactérias introduzido na garrafa de cultura pode crescer rapidamente em uma
população de células normais. Para evitar a introdução de microorganismos na cultura, vários
cuidados básicos de manipulação e prevenção devem ser tomados. Todo o trabalho da cultura de
células deve ser realizado em um fluxo laminar inspecionado e em bom estado de funcionamento.
Antes do início dos procedimentos, a luz ultravioleta que fica dentro do fluxo laminar deve ser
ligada e mantida por, no mínimo, 30 minutos e de preferência, com os materiais a serem
utilizados expostos a ela. O pesquisador deve utilizar boas técnicas de assepsia e evitar a
formação de aerossóis durante a manipulação dos materiais. Todo o material utilizado deve ser
desinfetado com agentes próprios e autoclavados antes do uso. Todos os equipamentos e
materiais utilizados na cultura celular devem ser esterilizados. Jalecos e luvas devem ser
obrigatoriamente vestidos e a cada retirada das mãos do espaço interno do fluxo, deve-se lavar as
luvas com álcool 70%. O uso do fogo dentro do fluxo também pode minimizar as chances de
contaminação. Com estes procedimentos básicos, a chance de contaminação com
microorganismos nocivos como bactérias, fungos e micoplasmas, pode ser evitado.
Bibliografia
The Quiagen Transfection Resource Book, Second Edition.
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