Cadernos de Saúde NÚMERO E S P E C I A L Infecção Associada à Prática de Cuidados de Saúde VOLUME 3, 2010 Publicação Semestral Índice Editorial 7 Fernando Mena Ferreira Martins Etiologia y resistencia antibiótica en neumonía asociada a cuidados de salud 13 Health-care associated pneumonia (HCAP): Aetiology and antimicrobial resistances José Prieto; M. J. Giménez; L. Aguilar Infecção em cuidados de saúde – Perspectiva actual 17 Health care infection – an overview Henrique Lecour Epidemiologia da infecção hospitalar 25 Epidemiology of healthcare-associated infection Luís Marques Lito Introdução à Mesa-Redonda sobre Prevenção e controlo das infecções associadas à prestação de cuidados de saúde 33 Prevention and control of health care associated infections António Sarmento Infecção do aparelho urinário 35 Urinary infection associated to health-care Alexandre Carvalho Introdução à Mesa-Redonda sobre Ambiente, condicionantes sociais e infecção Environment, social conditions and infection Torcato de Freitas 39 O ambiente na transmissão da infecção 41 The role of environment in the transmission of infection Manuela Pintado Alterações climáticas e patologia infecciosa 47 Climate change and infectious diseases Rosas Vieira Infecções em cuidados continuados – Saúde Mental 53 Infections in integrated continuous care units – mental health Álvaro Ferreira da Silva Transmissão da infecção em infantários e jardins-de-infância 59 Infectious diseases transmission in nurseries José Carlos Cidrais Rodrigues Introdução à Mesa-Redonda sobre Infecção em cuidados de saúde 61 Health-care Infections Rui Sarmento Tuberculose – epidemiologia e estratégias de prevenção 63 Tuberculosis – epidemiology and prevention strategies Ana Horta Feridas crónicas – Fisiopatologia e tratamento 69 Chronic wounds – physiopathology and management Aníbal Justiniano Metodologia das comissões de controlo da infecção 77 Infection control commissions methodologies Rui Bastos Introdução à Mesa-Redonda sobre Resistência aos antibacterianos e infecção associada aos cuidados de saúde 85 Antimicrobial resistance and healthcare associated infections Professor Melo Cristino Resistência em bactérias de Gram-positivo 87 Antimicrobial resistance in gram-positive bacteria Mário Ramirez Resistência em bactérias de Gram-negativo 93 Gram-negative antibiotic resistance Helena Ramos Profilaxia antibiótica Antibiotic prophylaxis Carlos de Vasconcelos; António José Polónia 101 Bacteriófagos no tratamento de feridas 107 Bacteriophages for wound treatment Joana Flores, Pilar Baylina, Victor Balcão, Paul A. Gibbs e Aníbal Justiniano Controlo de surto por pseudomonas aeruginosa num serviço de neonatologia 109 Outbreak of Pseudomonas aeruginosa in the Intensive Care Neonatal and Pediatric Unit of Santo António Hospital Carlos Vasconcelos, Ernestina Aires e Alexandra Fernandes Tiragem molecular de pseudomonas aeruginosa pelo Sistema Diversilab 113 P. aeruginosa molecular typing using DiversiLab™ System Sandra João Fernandes, Ana Constança Mendes, Cláudia Santos, Ana Cristina Braga e Helena Ramos Agentes etiológicos em infecções do tracto urinário e sua susceptibilidade aos antimicrobianos Etiologic agents of urinary tract infections and its antimicrobial susceptibility Carlos Correia; Elísio Costa 117 Editorial Fernando Mena Ferreira Martins do Instituto de Medicina Dentária da Faculdade de Medicina Ciências da Saúde da Universidade Católica Dentária de Viseu; a segunda dedicada à Língua Portuguesa foram criados em 2008 com o Gestual, com os procedimentos da conferência objectivo de divulgar investigação original em internacional “Sign Languages Around the todas as áreas das Ciências da Saúde e da World” realizada em Lisboa em 2009. Os Cadernos de Saúde Vida, realizada não só na Universidade Católica Neste terceiro número especial editamos as Portuguesa, mas também pela Comunidade conferências, mesas-redondas e as melhores Científica Nacional e Internacional. comunicações apresentadas na reunião sobre Mas como como não só investigando se “Infecção Associada à Prática de Cuidados de ensina e se aprende – missões primordiais da Saúde”, organizada em conjunto pelo Instituto Universidadade – convidámos os mais desta- de Ciências de Saúde e pelo Hospital da Pre- cados elementos da Comunidade Científica lada, no Porto, em 2009. para colaborar connosco, quer através de Pensamos que a importância e actualidade artigos de opinião, quer através de Revisões dos temas debatidos, a sua qualidade intrínseca, / Estado da Arte sobre assuntos porventura e o sentido pedagógico que enformou a sua mais importantes ou polémicos, de interesse apresentação, resultado de um empenhamento para os nossos leitores. sem reservas de autores de referência, justificam Considerámos também a possibillidade de plenamente a aposta do Instituto de Ciências publicar Números / Edições Especiais, sempre da Saúde nesta Edição Especial dos Cadernos que a relevância dos temas, a qualidade dos de Saúde. textos e dos autores e dimensão do público alvo o justificasse. Assim, publicámos já duas edições especiais: a primeira em 2008, relatando o Congresso de Gostaríamos que fosse também essa a opinião dos nossos leitores. Programa do Congresso Infecção Associada à Prática dos Cuidados de Saúde CONFERÊNCIAS I – Etiologia y resistencia antibiótica en neumonía asociada a cuidados de salud. Health-care associated pneumonia (HCAP): Aetiology and antimicrobial resistances Professor José Prieto – Universidade Complutense, Madrid II – Infecção em cuidados de saúde – Perspectiva actual Health-care infection – an overview Professor Henrique Lecour – Instituto de Ciências da Saúde, Porto III – Epidemiologia da infecção hospitalar Epidemiology health-care-associated infection Dr. Luís Marques Lito – Hospital de Santa Maria, Lisboa MESAS REDONDAS I – Prevenção e controlo das infecções associadas à prestação de cuidados de saúde Prevention and control of health-care associated infections Moderador: Professor António Sarmento – Hospital de São João 1. Pneumonia associada ao ventilador Professor Jorge Pimentel – Hospitais da Universidade de Coimbra 2. Infecção associada a cateteres vasculares Dr. Edgar Lopes – Hospital da Prelada 3. Infecção do aparelho urinário Urinary infection associated to health-care Dr. Alexandre Carvalho – Hospital de São Marcos 4. Infecção associada a artoplastia Dr. Rosmaninho Seabra – Hospital da Prelada 10 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e II – Ambiente, condicionantes sociais e infecção Environment, social conditions and infection Moderador: Dr. Torcato de Freitas – Hospital da Prelada 1. O ambiente na transmissão da infecção The role of environment in the transmission of infection Professora Manuela Pintado – Escola Superior de Biotecnologia. Universidade Católica Portuguesa 2. Alterações climáticas e patologia infecciosa Climate change and infectious diseases Dr. Rosas Vieira – Hospital Santos Silva 3. Infecções em cuidados continuados – Saúde Mental Infections in integrated continuous care units – mental health Dr. Álvaro Ferreira da Silva – Santa Casa da Misericórdia do Porto 4. Transmissão da infecção em infantários e jardins-de-infância Infectious diseases transmission in nurseries Dr. José Carlos Cidrais Rodrigues – Hospital de Pedro Hispano III – Infecção em cuidados de saúde Health-care Infections Moderador: Professor Rui Sarmento – Hospital de Joaquim Urbano 1. Tuberculose – epidemiologia e estratégias de prevenção Tuberculosis – epidemiology and prevention strategies Drª Ana Horta – Hospital de Joaquim Urbano 2. Feridas crónicas – Fisiopatologia e tratamento Chronic wounds – physiopathology and management Dr. Aníbal Justiniano – Instituto de Ciências da Saúde, Porto. Universidade Católica Portuguesa 3. Metodologia para a avaliação de custos da infecção nosocomial Dr. Luís Castanheira – Hospital da Prelada 4. Metodologia das comissões de controlo da infecção Infection control commissions methodologies Enfermeiro Rui Bastos – Hospital da Prelada IV – Resistência aos antibacterianos e infecção associada aos cuidados de saúde Antimicrobial resistance and health-care associated infections Moderador: Professor Melo Cristino – Faculdade de Medicina de Lisboa 1. Resistência em bactérias de Gram-positivo Antimicrobial resistance in gram positive bacteria Professor Mário Ramirez – Faculdade de Medicina de Lisboa 2. Resistência em bactérias de Gram-negativo Gram-negative antibiotic resistance Professora Helena Ramos – Hospital de Santo António Programa do Congresso 3. Profilaxia antibiótica Antibiotic prophylaxis Professor Carlos de Vasconcelos – Hospital de Santo António 4. Como prescrever antibacterianos empiricamente Professor Saraiva da Cunha – Hospitais da Universidade de Coimbra COMUNICAÇÕES APRESENTADAS EM FORMA DE CARTAZ Bacteriófagos no tratamento de feridas Bacteriophages for wound treatment Drs. Joana Flores, Pilar Baylina, Victor Balcão, Paul A. Gibbs e Aníbal Justiniano InnoPhage, Lda; Escola Superior de Tecnologia da Saúde do Porto, Instituto Politécnico do Porto; Universidade Fernando Pessoa; Instituto para a Biotecnologia e a Bioengenharia, Universidade do Minho; Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Católica Portuguesa; Escola Superior de Biotecnologia, Universidade Católica Portuguesa Controlo de surto por pseudomonas aeruginosa num serviço de neonatologia Outbreak of Pseudomonas aeruginosa in the Intensive Care Neonatal and Pediatric Unit of Santo António Hospital Drs. Carlos Vasconcelos, Ernestina Aires e Alexandra Fernandes Centro Hospitalar do Porto – Hospital de Santo António Tiragem molecular de pseudomonas aeruginosa pelo Sistema DiversiLab P. aeruginosa molecular typing using DiversiLab™ System Drs. Sandra João Fernandes, Ana Constança Mendes, Cláudia Santos, Ana Cristina Braga e Helena Ramos Centro Hospitalar do Porto – Hospital de Santo António; Centro Hospitalar do Porto – Maternidade Júlio Dinis. Agentes etiológicos em infecções do tracto urinário e sua susceptibilidade aos antimicrobianos Etiologic agents of urinary tract infections and its antimicrobial susceptibility Drs. Carlos Correia, Elisa Nobre, Elisabete Diegues, Graça Pombo e Elísio Costa CESAM & Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro; Serviço de Patologia Clínica do Centro Hospitalar do Nordeste, Unidade Hospitalar de Bragança; Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa. 11 Etiologia y resistencia antibiótica en neumonía asociada a cuidados de salud Health-care associated pneumonia (HCAP): Aetiology and antimicrobial resistances J. Prieto, M. J. Giménez, L. Aguilar* Departamento de Microbiología – Facultad de Medicina – Universidad Complutense Resumen Abstract Con el envejecimiento de la población aumenta la prevalencia de la neumonía asociada a cuidados de salud (HCAP), y dentro de ella, la neumonía adquirida en residencias sanitarias. La magnitud del problema viene reflejada por el dato de que en los próximos 30 años hasta un total del 40% de los adultos residirá en los últimos años de su vida en estas residencias sanitarias. Actualmente ya es un problema ya que el 10-18% de los pacientes que ingresan con neumonía en el hospital proceden de residencias sanitarias. Desde el punto de vista clínico y de pronóstico se sitúa entre la neumonía adquirida en la comunidad y la neumonía nosocomial, pero con una duración de estancia hospitalaria superior a ambas. El principal problema para su tratamiento reside en los fenotipos de resistencia presentes en los gram-positivos y gram-negativos responsables de su etiología, presentando una prevalencia de multirresistencia superior a la de la neumonía adquirida en la comunidad. The prevalence of Health-care associated pneumonia (HCAP), and within this entity the prevalence of Nursing-home acquired pneumonia (N-HAP), increases in parallel to the aging of the human population. The magnitude of the problem is reflected by the fact that in the foreseen 30 years, up to 40% adults will live their last years in nursing homes. HCAP is currently a problem since 10-18% patients admitted to hospitals due to pneumonia come from nursing homes. From the clinical and prognosis points of view, HCAP can be placed between the community acquired pneumonia and the nosocomial pneumonia, but with longer hospital stay than both. The main problem for its treatment is based on the antibiotic resistant phenotypes present in gram-positives and gram-negatives microorganisms responsible of its etiology, showing a prevalence of multiresistance higher than that of the community acquired pneumonia. Palabras clave: Neumonía asociada a cuidados de salud, Neumonía adquirida en residencias sanitarias, multirresistencia Introducción En el devenir del tiempo las definiciones de neumonía desde el punto de vista clínico-epidemiológico han variado, existiendo en la actualidad una auténtica “sopa de letras” en este campo. Así se puede distinguir la Neumonía adquirida en la comunidad (NAC), la neumonía adquirida en el hospital o neumonía nosocomial (NN), la neumonía asociada a ventilación mecánica (NAVM), y finalmente como último término aceptado, la neumonía asociada a cuidados de salud (o en inglés “Health-care associated pneumonia” – HCAP). Usando una definición excluyente podemos definir la CAP como la neumonía que no cumple los criterios de NN, NAVM o HCAP, definiendo NN como neumonía desarrollada tras al menos 48 horas de ingreso en el hospital en un paciente no intubado y NAVM como aquella que ocurre en el mismo plazo de tiempo en el paciente ingresado e intubado (1). Finalmente el último término acuñado es el de HCAP que se define como la neumonía que ocurre en (1): 1) Pacientes que han sufrido hospitalización durante al menos 2 días en los 90 días anteriores al inicio de la neumonía, 2) pacientes sometidos a hemodiálisis, 3) pacientes sometidos a tratamiento intravenoso, antibiótico o inmunosupresor o a cuidados de * e-mail: [email protected] Cadernos de Saúde Vol. 3 Número especial Infecção Associada à Prática de Cuidados de Saúde – pp. 13-16 14 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e herida en los 30 días anteriores al inicio de la neumonía, o 4) pacientes residentes en residencias sanitarias (ancianos, casas de salud…). Características de la HCAP (Figura 1) Como se ve en la definición de HCAP pueden distinguirse dos grandes grupos dentro de la misma: la HCAP asociada a los tres primeros puntos en la definición anterior (fundamentalmente la asociada a hemodiálisis y/o terapia intravenosa domiciliaria y/o cuidados de heridas crónicas) por una parte, y la denominada Neumonía adquirida en residencias sanitarias (N-HAP o “Nursing-home acquired pneumonia”). La importancia de esta última reside en el hecho de que actualmente representa el 50% de las HCAP y en que la neumonía es la segunda infección más frecuente en residencias sanitarias y la primera causa de muerte y traslado al hospital (2,3). Mientras la incidencia anual de NAC es de 12/1.000 habitantes, y la de NAC en mayores de 75 años es de 34/1000 habitantes, la de HCAP es de 365/1.000 habitantes (3). La edad y la comorbilidad (inmunodepresión, diabetes, insuficiencia renal crónica y enfermedad cardiovascular) de la HCAP son superiores a la de la NAC, la mortalidad es también superior a la de la NAC, similar a la de la NN y menor que la de la NAVM. Por último la duración de la estancia hospitalaria de la HCAP es superior a la de las otras tres (NAC, NN y NAVM) (1). Etiología de la HCAP (Figura 2) En las HCAP, además de Streptococcus pneumoniae y Legionella pneumophila como en toda neumonía grave que requiere ingreso hospitalario, hay que sospechar distintos agentes etiológicos dependiendo del tipo de HCAP. Así en las N-HAP (la adquirida en residencias sanitarias) han de tenerse en cuenta los bacilos gram-negativos y Staphylococcus aureus, en las asociadas a inmunodepresión los bacilos gram-negativos (en este caso incluyendo Pseudomonas aeruginosa) y hongos, en la asociada a hemodiálisis los bacilos gram-negativos (incluyendo P. aeruginosa), y por último en la neumonía asociada a tratamiento intravenoso y/o cuidados domiciliarios S. aureus (con sus fenotipos de resistencia específicos) (4). Cade resaltar que en el caso de las HCAP asociadas a hemodiálisis, a pesar de las altas tasas de colonización por S. aureus resistente a meticilina (SARM) en estos pacientes, este microorganismo es causa infrecuente de HCAP. Resistencia a los antimicrobianos en HCAP La HCAP, junto con tratamiento antibiótico en los 90 días previos, la hospitalización durante más de cinco días, la frecuencia de resistencia en la comunidad o la unidad hospitalaria y la inmunodepresión, son factores de riesgo para la presencia de organismos multirresistentes en la neumonía (5). Así la prevalencia de cepas multirresistentes sigue un gradiente creciente desde la NAC, pasando por HCAP y NN, alcanzándose el máximo en NAVM (6). Dentro de la HCAP el riesgo de la multirresistencia viene dado por (2): 1 – La prevalencia de la multirresistencia en la comunidad 2 – El consumo de antibióticos en la comunidad, y el uso en el propio paciente como selectores de resistencia 3 – El traslado temprano de los pacientes desde los servicios de salud institucionales (hospitalarios) a los servicios comunitarios 4 – La utilización de técnicas médicas invasivas en residencias sanitarias en la comunidad Etiologia y resistencia antibiótica en neumonía asociada a cuidados de salud Considerando el punto 1 en este listado, los datos de prevalencia de resistencia a los antimicrobianos en los agentes etiológicos que se han asociado a la HCAP proporciona una idea de la problemática de multirresistencia en esta entidad. 1 – Problemática de los microorganismos gram-positivos En S. pneumoniae, aunque la resistencia a la penicilina está disminuyendo en España, en el grupo de aislados resistentes a la penicilina son muy altas las tasas de no susceptibilidad a aminopenicilinas (36,9%) y macrólidos (56%) y crecientes, aunque aún bajas, a las nuevas quinolonas como levofloxacino (<8% que se indicaba a ciprofloxacino en el estudio SAUCE) (7). Las bacteriemias por S. pneumoniae que ocurren tras el ingreso suelen ocurrir después de un periodo relativamente prolongado de hospitalización, habiéndose descrito un 45% de no susceptibilidad a la penicilina y un 9% de resistencia a cefotaxima en los aislamientos obtenidos en un estudio realizado en dos hospitales españoles (8). En S. aureus, la resistencia a la meticilina está presente en alrededor el 30% de los aislados (SARM) (9) y está estabilizada desde el año 2002 al 2006 según datos del Grupo Español para el estudio de estafilococos (10). La resistencia a la meticilina en los estafilococos coagulasa negativo se sitúa alrededor del 65% (10). En este estudio realizado en España no se detectaron aislamientos con susceptibilidad disminuida a glucopéptidos, aunque se conocen distintos fenotipos de sensibilidad disminuida a la vancomicina aparecidos probablemente debido al incremento en la utilización de este antibiótico en los años 90 por la diseminación de los SARM. De acuerdo con publicaciones de otros países, la prevalencia de heterorresistencia intermedia (h-VISA) varía entre el 0% y más del 50% (11), sugiriéndose incluso en cepas sensibles a vancomicina con CMIs cercanas al límite de sensibilidad como explicación de la menor respuesta clínica a este antibiótico (12). Además la tolerancia (definida como CMB/CMI ≥ 16) está presente en el 75% de los h-VISA y en el 15% de los SARM sensibles a vancomicina (13). 2 – Problemática de los microorganismos gram-negativos La multirresistencia es un problema creciente en gram-negativos debido a la presencia de enzimas inactivantes de antibióticos como mecanismo de 15 reasistencia fundamental de difusión creciente, a veces en combinación con bombas de eflujo y déficit de porinas. La multirresistencia incluye resistencia a carbapenámicos, ceftazidima y aminoglucósidos en aproximadamente el 15%, 15% y 25%, respectivamente, de P. aeruginosa, mientras que la resistencia a las cefalosporinas de tercera generación y aminoglucósidos en enterobacterias se sitúa entre el 10% y el 20% de los aislados (14). Con respecto a las enzimas inactivantes de β-lactámicos cabe distinguir tres grupos: β-lactamasas de espectro extendido (BLEEs), AmpC y metalobetalactamasas (MBLs). Las BLEEs se encuentran en alrededor del 25% de los aislados europeos y de EEUU de Klebsiella spp. y Escherichia coli (15) y confieren resistencia a penicilinas, cefalosporinas de 1ª, 2ª y 3ª generación y aztreonam (pero no a carbapenámicos). La presencia de las β-lactamasas cromosómicas inducibles AmpC debe presuponerse en todos los aislados de los géneros Enterobacter, Citrobacter, Serratia, Morganella y Providencia. A pesar de la aparente susceptibilidad de los aislados a cefalosporinas de 3ª generación, cuando éstas se utilizan en la clínica se induce la producción de la enzima, pudiéndose seleccionar mutantes desreprimidas, con el consiguiente fracaso clínico (16). Por último las carbapenemasas se presentan, aunque todavía no de manera muy prevalente, en aislados de Pseudomonas y Acinetobacter, coexistiendo con otros determinantes de resistencia. Características diferenciales de NAC y HCAP: Descripción de un estudio de campo en neumonía grave En un estudio retrospectivo caso-control recientemente publicado (17) por el grupo SCAPE (Severe Community Acquired Pneumonia with Ertapenem) en el que se evaluó la utilización hospitalaria de ertapenem versus otros antibióticos parenterales en el tratamiento de la NAC grave que requería hospitalización en siete hospitales españoles, se analizó el subgrupo de pacientes procedentes de residencias sanitarias. El estudio incluyó un total de 202 pacientes con una edad media de 80.5 ± 11.8 años (el 75% de los pacientes presentaba más de 75 años) de los que un 35.1% (71 pacientes) procedía de residencias sanitarias. Los antibióticos parenterales controles fueron cefalosporinas de 3ª generación, fluoroquinolonas, amoxicilina/clavulánico y macrólidos solos o en combinación. Analizando la severidad de los pacientes mediante el “Pneumonia Severity Index (PSI)”, ésta fue sig- 16 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e nificativamente mayor (p<0.0001) en los pacientes procedentes de residencias: PSI V en el 77.5% de los pacientes procedentes de residencias versus en 16.8% de los que no procedían de residencias. La evolución en los pacientes con HCAP fue peor que en los pacientes con NAC, aunque la diferencia en la respuesta clínica (74.6% en los pacientes procedentes de residencias versus 84.7% en los pacientes no procedentes de residencias) no fue estadísticamente significativa (p= 0.08). Sin embargo cuando se analizó el subgrupo de pacientes tratados con el carbapenámico (vs. antibióticos parenterales controles), mientras no se encontraron diferencias entre los pacientes que no provenían de residencias (85.4% con ertapenem vs. 84.5% con controles), sí se encontraron diferencias significativas en el subgrupo de pacientes residentes en residencias sanitarias (95.8% con ertapenem vs. 63.8% con controles; p= 0.0034; OR= 13.03; IC95%= 1.61-105.23), probablemente ligado a la mayor cobertura con el carbapenámico de los fenotipos de resistencia presentes en los microorganismos gram-negativos responsables de la HCAP, y a la ausencia de resistencia a carbapenámicos en S. pneumoniae. Conclusión La HCAP es un término relativamente reciente. Su importancia reside en el creciente número de pacientes que presentan este cuadro ligado a los cuidados de salud y como consecuencia del envejecimiento de la población. Sus características clínicas (edad, comorbilidad, duración de la estancia hospitalaria y mortalidad) la sitúan entre la NAC y la NN. Su etiología es dependiente del cuidado de salud recibido, por lo que han de considerarse los fenotipos de resistencia no sólo de S. pneumoniae sino también los de bacilos gram-negativos y, en el caso específico de tratamiento intravenoso y cuidado domiciliario, de S. aureus. La HCAP es un factor de riesgo de multirresistencia y todos estos agentes etiológicos pueden presentarla. Esto unido al envejecimiento de la población sitúa a la HCAP como un problema cada vez más prevalente, agravado como ha sugerido Urban y colaboradores por el hecho de que “El control de los patógenos multirresistentes emergentes puede resultar complicado en residencias sanitarias debido a la ausencia en las mismas de laboratorios de microbiología, especialistas en enfermedades infecciosas, farmacéuticos y limitada conciencia del problema por parte de los responsables del control de infecciones” (18). Bibliografía 1. Kollef MH, Shorr A, Tabak YP et al. Epidemiology and outcomes of health-care-associated pneumonia: results from a large US database of culture-positive pneumonia. Chest 2005; 128: 3854-3862. 2. Abrahamian FM, DeBlieux PM, Emerman CL et al. Health care–associated pneumonia: identification and initial management in the ED. Am J Emerg Med 2008; 26 (Supplement 1): 1-11 3. Polverino E, Torres A. Current perspective of the HCAP problem: is it CAP or is it HAP?. Semin Respir Crit Care Med 2009; 30: 239-248. 4. Kollef MH, Morrow LE, Baughman RP et al. Health care–associated pneumonia (HCAP): A critical appraisal to improve identification, management, and outcomes—Proceedings of the HCAP Summit. Clin Infect Dis 2008; 46 (Suppl. 4): S296-S334. 5. American Thoracic Society. Guidelines for the management of adults with hospital-acquired, ventilator-associated, and healthcare-associated pneumonia. Am J Respir Crit Care Med 2005; 171: 388-416. 6. Craven, Donald E. What is healthcare-associated pneumonia, and how should it be treated. Curr Opin Infect Dis 19:153-160. 7. Pérez-Trallero E, García-de-la-Fuente C, García-Rey C et al. Geographical and ecological analysis of resistance, coresistance, and coupled resistance to antimicrobials in respiratory pathogenic bacteria in Spain. Antimicrob Agents Chemother 2005; 49: 1965-1972. 8. Bouza E, Pintado V, Rivera S et al. Nosocomial bloodstream infections caused by Streptococcus pneumoniae. Clin Microbiol Infect 2005; 11: 919-924. 9. Cuevas O, Cercenado E, Bouza E et al. Molecular epidemiology of methicillin-resistant Staphylococcus aureus in Spain: a multicentre prevalence study (2002).Clin Microbiol Infect 2007; 13: 250-256. 10. Cuevas O, Cercenado E, Goyanes MJ et al. Staphylococcus spp. En España: situación actual y evolución de la resistencia a antimicrobianos (19862006). Enferm Infecc Microbiol Clin 2008; 26: 269-277. 11. Giménez MJ, García-Rey C, Barberán J et al. Clinical experience with tigecycline in the treatment of nosocomial infections caused by isolates exhibiting prevalent resistance mechanisms. [Article in Spanish]. Rev Esp Quimioter 2009; 22: 48-56. 12. Soriano A, Marco F, Martínez JA et al. Influence of vancomycin minimum inhibitory concentration on the treatment of methicillin-resistant Staphylococcus aureus bacteriemia. Clin Infect Dis. 2008; 46: 193-200. 13. Jones RN. 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[Epub ahead of print]. 18. Urban C, Wehbeh W, Rahal JJ. Antibacterial resistance associated with long-term care facilities. Rev Med Microbiol 2008; 19: 47-55. Infecção em cuidados de saúde – Perspectiva actual Health care infection – an overview Henrique Lecour* Instituto de Ciências da Saúde, Centro Regional do Porto da Universidade Católica Portuguesa Resumo Abstract Após uma breve resenha sobre a história da infecção nosocomial e sobre seu conceito actual, é chamada atenção para a relevância que a infecção associada à prestação de cuidados de saúde actualmente assume, mostrando-se a sua prevalência em países ocidentais, de elevado nível de desenvolvimento, onde a infecção nosocomial mostra valores preocupantes, com graves consequências sociais e económicas, pelo aumento da morbilidade e da mortalidade que condiciona, e naturalmente maior sofrimento humano. A instituição de normas de prevenção adequadas e o seu cumprimento estrito podem reduzir a taxa de infecção nosocomial, cujo âmbito é hoje mais vasto, pois abrange toda a infecção que resulte da prestação de cuidados de saúde, qualquer que seja o local em que sejam praticados. Referem-se o tipo de infecções mais comuns, bem como os factores que podem propiciar a sua ocorrência. De igual modo se realça a crescente eclosão das resistências microbianas e as normas que devem ser seguidas na prescrição de antibióticos. É chamada a atenção para a importância das funções que competem às Comissões de Controlo da Infecção, pilar fulcral nessa luta. A situação vivida em Portugal e a análise dos vários inquéritos realizados pela Direcção Geral da Saúde são também focadas. After a short review on the history of nosocomial infection and its current concept, the relevance assumed nowadays by healthcare-associated infections is enhanced. Worrying nosocomial infection rates are registered in developed Western Countries, with serious socio-economics repercussions, as a consequence of the increase in morbidity and mortality rates. Programmes for the prevention of nosocomial infection and their strict compliance can reduce its rate. The scope of nosocomial infection is greater nowadays, as it covers all healthcare-associated infections independently of the location where the healthcare is rendered, including health centres and nursing homes. The more common nosocomial infections and their etiologic agents, as well as the conditions which can favour their occurrence are pointed out. The increase of antimicrobial resistance and the need of guidelines for a correct use of antibiotics are also enhanced. The fundamental role of the Health Services for Infection Control is noted.. Finally, the Portuguese situation and the national surveys on nosocomial infection prevalence, carried out by the Directorate-General of Health, are also analyzed. Key words: nosocomial infection; hospital-acquired infection; healthcare associated infection Palavras-chave: infecção nosocomial; infecção hospitalar; infecção associada a cuidados de saúde Os avanços registados na prestação dos cuidados de saúde registados a partir da segunda metade do século passado, aliados à melhoria das condições de vida das populações, levaram a que nos países desenvolvidos, com um padrão económico elevado, a esperança de vida e o nível de saúde alcançassem valores nunca anteriormente atingidos. Mas simultaneamente a essa evolução verificou-se a ocorrência de uma taxa de infecções associadas à prestação de cuidados de saúde cada vez mais comum, levantando por isso novas e sérias preocupações entre os prestadores desses cuidados, já que isso era razão de taxas de morbilidade e de mortalidade crescentes, além de sofrimento humano e de custos económicos elevados. A prescrição inadequada e exagerada de medicação antibiótica, a utilização cada vez mais comum de fármacos depressores da imunidade e de técnicas * [email protected] Cadernos de Saúde Vol. 3 Número especial Infecção Associada à Prática de Cuidados de Saúde – pp. 17-23 18 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e invasivas de diagnóstico e tratamento, aliados ao envelhecimento da população, constituem no seu todo os principais factores contribuintes para o incremento dessas situações, ao possibilitarem a criação de condições para que muitos agentes microbianos assumissem um papel patogénico, sendo por isso denominados de agentes oportunistas. Desde tempos imemoriais era conhecido que a arte de cuidar doentes poderia ser causa de outras doenças, conceito já mencionado, quer na literatura médica oriental, quer posteriormente, nos tratados escritos por Hipócrates e por Galeno. Mas foi com Semmweiss, médico húngaro e professor da Escola Médica de Viena, que em meados do século XIX, foi pela primeira vez demonstrado o risco de infecção em cuidados de saúde. Semmweiss notou que as parturientes internadas na 1ª Clínica Obstétrica do Hospital Geral de Viena tinham uma taxa de mortalidade por infecção puerperal muito superior à das parturientes internadas na 2ª Clínica Obstétrica, onde apenas se fazia o ensino das parteiras, enquanto na 1ª Clínica se fazia o ensino médico, facto que o levou a atribuir à circunstância de os médicos e os alunos de Medicina virem para a enfermaria após procederem a autópsias sem cuidados de assepsia. Ordenou então que antes de iniciarem o seu trabalho na enfermaria, os médicos e os alunos teriam de lavar as suas mãos com uma solução clorada, o que teve como consequência uma baixa notória da taxa de mortalidade por infecção puerperal. Embora essa medida de higiene hospitalar tomada em 1847 se revestisse de um evidente benefício, ela não foi bem aceite pelos médicos da sua Escola, só anos mais tarde sendo divulgada por discípulos seus em outros centro europeus. Florence Nightingale, figura maior da Enfermagem, no seu livro “Notes on Hospitals”, publicado em 1860, deu conta de maior mortalidade nos doentes tratados nos hospitais, em comparação com a mortalidade pelo mesmo tipo de doenças registada nos doentes tratados fora dos hospitais, fruto das condições aí existentes. As suas conclusões foram evidenciadas com a representação gráfica dos dados obtidos, sendo pois pioneira na utilização da estatística para demonstração dos resultados, fruto do interesse que sempre teve pela matemática. A importância das medidas sanitárias a implementar nos hospitais era assim evidenciada. Pasteur, um dos grandes nomes da história da Bacteriologia, provou a importância da esterilização pelo calor. Uma sua afirmação, proferida em Abril de 1873, na Academia Francesa de Medicina, merece ser citada pelo que revela de conhecimento. Dizia Pasteur “… se tivesse o privilégio de ser cirurgião apenas usaria instrumentos limpos, lavaria as minhas mãos, usaria só esponjas esterilizadas por calor e teria em atenção os germes em suspensão e em redor do leito do doente”, afirmação que revela bem o conhecimento da infecção na época resultar frequentemente de práticas cirúrgicas sem cuidados de assepsia. Joseph Lister, médico britânico, marcado pelos trabalhos de Pasteur, descobriu em 1865 que o fenol (ácido carbólico) era um potente antisséptico, dois anos depois realizando a primeira cirurgia asséptica com o uso de formol. Embora poucos anos mais tarde a antissepsia fosse substituída pela assepsia, Lister é considerado o pai da moderna cirurgia. Foram diversos os passos que se seguiram para tornar a cirurgia mais “limpa” e reduzir o risco de infecções contraídas no meio hospitalar. Assim, Gustav Neubar, em 1883, inroduziu o uso do avental cirúrgico, Mikulicz a máscara de gaze e Halsted, o grande cirurgião americano da viragem do século XIX, é também referência por ter adoptado o uso de luvas de borracha. Carl Flugge, médico e higienista alemão, mostrou a importância da transmissão aérea de muitos agentes infecciosos. No entanto, é de salientar que só a partir do 2º quartel do século XX se dedicou particular atenção à concepção das salas de operação e à necessidade da sua ventilação em condições de assepsia. A infecção associada à prestação de cuidados de saúde é vulgarmente designada como infecção associada a cuidados de saúde. A denominação de infecção nosocomial, palavra derivada do grego nosokomeion – nosos (doença) + komeon (cuidar de) – é muito aplicada no sentido de infecção hospitalar, mas o seu âmbito é hoje muito mais lato, abrangendo qualquer infecção não só contraída num hospital, qualquer que seja o seu campo de acção – hospital de agudos, de cuidados continuados, de cuidados paliativos ou outro –, mas também em qualquer outro local em que sejam prestados cuidados de saúde, sejam centros de saúde, lares de idosos e de incapacitados, infantários ou quaisquer outras instituições, desde que a infecção resulte da prestação desses cuidados, não estando portanto presente ou em incubação no momento da admissão, e inclui também as situações que surgem já após a alta do estabelecimento de saúde, desde que aí tenham sido contraídas. Um outro ponto que interessa sublinhar é que o conceito abrange também a sua ocorrência Infecção em cuidados de saúde – Perspectiva actual no pessoal encarregado da prestação dos cuidados, sempre que resulte do exercício da sua actividade profissional. Esta alteração ao conceito tradicional de infecção hospitalar permite cobrir um leque alargado de situações que anteriormente não era considerado neste âmbito, embora na realidade resultassem da prestação desses cuidados. A título de exemplo da importância que este problema assume, refira-se um estudo da Organização Mundial da Saúde, que abrangeu 55 hospitais de catorze países, pertencentes a quatro das seis regiões da OMS, que mostrou uma incidência média de infecção nosocomial de 8,7 %. Particularizando a relevância destas infecções, diga-se que nos Estados Unidos da América, se estima que 1 em cada 10 doentes hospitalizados contrai uma infecção nosocomial durante o seu internamento por outras causas, o que corresponde anualmente a cerca de dois milhões de doentes; a gravidade desse facto pode ser evidenciada pelo conhecimento da infecção nosocomial ser uma das principais causas de morte. Um outro estudo, incidindo em 27 países europeus revelou uma prevalência de média de 7,7 %, correspondendo a três milhões de casos de infecção nosocomial e a 50 mil óbitos. A relevar essa importância, refiram-se os valores registadas em alguns dos países da Europa Ocidental em que nos inserimos. Assim, em França, a prevalência da infecção hospitalar foi de 6,7 % em 1990 e de 5,0 % em 2006, em Itália de 6,7 % em 2000, o que corresponde a um total entre 450 mil e 700 mil casos e a um número de mortes estimado entre 4500 e 7000, na Suíça, em 2004, a taxa de infecção hospitalar foi de 7,2 %, enquanto em Espanha essa taxa de infecção foi de 6,8 % em 2005. Na Inglaterra, onde em 2006 essa taxa foi de 8,2 %, os doentes com infecção nosocomial têm em média mais 11 dias de hospitalização, o que acarreta um custo cerca de 2,8 vezes superior ao dos doentes sem infecção. Deve contudo, sublinhar-se que a não uniformidade dos critérios de definição e de avaliação da infecção hospitalar a que obedeceram os inquéritos realizados nesses países, cria alguma dificuldade na comparação das taxas, facto a ter em atenção na sua apreciação e interpretação. Interessa ainda referir que se estima que cerca de um terço das infecções nosocomiais, cujo custo orça entre 3 e 8 mil milhões de euros, poderia ser evitado com o cumprimento estrito de medidas de controlo e com programas de vigilância. De frisar a propósito, a importância da mera lavagem de mãos na prevenção da infecção hospitalar. 19 Todos estes números revelam bem o impacto crescente deste flagelo, que embora mundialmente espalhado, tem naturalmente maior incidência nos países em desenvolvimento, onde as condições sanitárias são deficientes. A infecção nosocomial condiciona implicações diversas, pois não só diminui a qualidade de vida dos doentes por ela afectados, ao ser responsável por maior morbilidade e mortalidade, e por isso mesmo causa de sofrimento humano, como ainda, questão não menos importante, se repercute de modo notório sob o ponto de vista económico, pois acresce os custos directos da saúde, já que é causa de prolongamento do internamento e de recurso a sofisticados meios de diagnóstico e à prescrição de antibióticos e de outros fármacos dispendiosos, para além de implicar maiores custos indirectos pela incapacidade que origina. A agravar estas consequências, junta-se ainda a eclosão cada vez mais disseminada das resistências microbianas, desafio terapêutico que hoje se põe no quotidiano dos serviços hospitalares. Na realidade, o hospital é um local em que são internados doentes com as situações mais diversas, muitos deles com imunidade deprimida e por isso mais susceptíveis à infecção, quer porque sofrem de patologias que favorecem essa depressão, como a diabetes, quer por pertencerem a escalões etários extremos, em que a imunidade é deficitária ou por estarem desnutridos, quer ainda, por estarem sujeitos a terapêuticas imunossupressoras ou a técnicas invasivas de diagnóstico e tratamento, que desde logo rompem as barreiras anatómicas de defesa. A mobilidade dos profissionais que prestam os seus cuidados, movendo-se de doente para doente, muitas vezes sem os adequados cuidados, desde logo relevando-se a importância da mera lavagem das mãos, deficiente higiene hospitalar, uso excessivo de injectáveis e de fluidos, por vezes contaminados, bem como um processamento inadequado de sangue e de hemoderivados, e ainda, o uso abusivo de terapêutica antibiótica, propiciando a eclosão das resistências microbianas, constituem no seu todo factores propiciadores da infecção nosocomial. Refira-se a propósito que a importância assumida pela eclosão das resistências microbianas foi razão bastante para esse fenómeno ter sido considerado nos finais do século passado uma das patologias infecciosas emergentes com que a Humanidade se defronta. A infecção nosocomial tem muitas vezes origem endógena, ou seja, causada pela própria população 20 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e microbiana do doente, outras vezes a causa é exógena, quer oriunda de outro doente, quer mesmo com origem no pessoal prestador dos cuidados, sendo então denominada de infecção cruzada, ocorrendo a contaminação por contacto directo, ou através do ar (poeiras, partículas), ou mesmo com origem afastada, mas transmitida por alimentos, pela água ou pelos equipamentos existentes no meio que rodeia o doente. Importa, contudo, valorizar-se a destrinça entre a infecção e a mera colonização, em que a presença de agentes microbianos não traduz doença, mas apenas colonização local, situação particularmente observada na pele, nas mucosas, nas secreções e nas feridas abertas, pese embora o facto de muitas vezes os agentes saprófitas poderem ser causa de doença. Muitos dos agentes patogénicos, frequentemente resistentes aos quimioterápicos, colonizam doentes ou pessoal prestador dos cuidados de saúde, de que são exemplos, Staphylococcus aureus, que coloniza a pele e fossas nasais, Pseudomonas spp., que coloniza cateteres e canulas, Legionella spp., presente nos dispositivos de ar condicionado e em depósitos de água, Enterococcus vancomicina resistente, Escherichia coli, Clostridium difficile e bacilo da tuberculose, multirresistente e extra-multirresistente. Mas não são apenas os agentes bacterianos causadores deste tipo de infecção, já que também vírus, como o da hepatite C, o citomegálico, os norovírus, os adenovírus, o sincicial respiratório e o rotavírus, estes últimos com especial incidência em prematuros e crianças de baixa idade, e fungos, agentes com relevância particular em doentes com grave depressão da imunidade ou submetidos a técnicas de tratamento invasivas, são igualmente causa frequente de infecção associada à prestação de cuidados de saúde. Refira-se ainda, a possível ocorrência de surtos de infecção hospitalar causados por parasitas externos, como é o caso da sarna, em resultado de deficiente higiene hospitalar. As condições locais de hospitalização, o tipo de patologias e de doentes internados, condicionam diferentes riscos de aquisição de infecção. Assim, as Unidades de Cuidados Intensivos, em que a pneumonia associada à ventilação mecânica invasiva é talvez o exemplo mais marcante, o Bloco Operatório, as Unidades de Oncologia, de Queimados e de Prematuros, são consideradas locais em que o risco é muito elevado, em contraste com as unidades gerais de internamento, em que o risco é naturalmente menor. Naturalmente que um internamento mais longo é igualmente um factor propiciador de aquisição de infecção Por isso mesmo, as normas de planeamento e construção hospitalar ou de outras instalações de saúde, têm que atender também à necessidade de prevenir e obstar à transmissão da infecção, quer na planificação e arquitectura das instalações, quer na sua construção, quer ainda na sua climatização e ventilação, instalação de lavatórios em número suficiente, criação de barreiras sanitárias, áreas de isolamento, sistemas de tratamento dos lixos, circulação de pessoas e bens, áreas de descontaminação e de esterilização, entre tantas outras condicionantes a atender. Se o problema da infecção associada aos cuidados de saúde se põe com maior acuidade no meio hospitalar, a sua ocorrência tem cada vez mais uma expressão mais alargada, fruto dos cuidados de saúde serem também prestados noutros locais, de que o melhor exemplo são a cirurgia em ambulatório e os cuidados prestados nos Centros de Saúde, sem esquecer a prestação desses cuidados nas residências de idosos e de deficientes, e em infantários e creches. A circunstância da população a que essas instituições prestam apoio requerer muitas vezes cuidados de saúde que implicam repetidos internamentos hospitalares, retornando à instituição em que decorre a sua vida quando o seu estado de saúde recupera, faz com que a população microbiana tenda a uniformizar-se pela consequente disseminação na comunidade das espécies predominantemente hospitalares e das suas resistências, desse modo se apagando progressivamente o fosso entre o meio hospitalar e a população microbiana dominante nessas instituições inseridas na comunidade. Este conhecimento deve ser tido em atenção quando da prescrição do tratamento de uma infecção que surja nos doentes tratados em meio extra-hospitalar, de que a pneumonia adquirida em lares de idosos (NHAP acrónimo de “Nursing Acquired Associated Pneumonia”) é um bom exemplo. As infecções mais comuns resultantes da prestação de cuidados de saúde são as infecções urinárias, a que se seguem as infecções respiratórias do tracto inferior, incluindo a pneumonia, as infecções do local cirúrgico, infecções da corrente sanguínea, as infecções da pele e tecidos moles, as infecções gastro-intestinais, e como expoente de maior gravidade, a sepsis. Esta ordenação europeia é similar à registada pelo National Nosocomial Infections Surveillance System (NNIS) dos Centers for Disease Control (CDC) Infecção em cuidados de saúde – Perspectiva actual A decisão de instituir uma terapêutica antibiótica não deve apoiar-se apenas na informação do antibiograma, conquanto este seja um dado fundamental que deve sempre ser solicitado, pois devem conhecer-se os padrões de resistência microbiana existentes na instituição em que ocorreu a infecção ou na comunidade quando for caso disso, bem como atender-se também à farmacocinética e à farmacodinamia do antibiótico, aos seus efeitos adversos e toxicidade, à comodidade de administração e ao seu custo, importando ainda, considerar o local e natureza da infecção, a idade do doente (particularmente se recém-nascido, criança ou idoso) e à eventual coexistência de outras patologias que possam interferir com a metabolização do antibiótico. São múltiplas as razões do fracasso da terapêutica antibiótica, desde logo o atraso no diagnóstico ou na terapêutica instituída, o erro no diagnóstico, em face de uma situação de etiologia vírica ou fúngica, ou mesmo não infecciosa, ou ainda, o desconhecimento do padrão de sensibilidade antibiótica, além de factores locais, como sejam uma insuficiente concentração local do antibiótico, ou a existência no local da infecção de uma colecção purulenta, de tecido necrosado ou de um corpo estranho, condições que na maioria das vezes obrigam ao recurso a uma actuação cirúrgica de drenagem ou de desbridamento e limpeza. Obviamente que a existência de uma depressão imunitária ou de uma super-infecção de diferente etiologia são, também, factores que podem ser razão desse fracasso. A estratégia de controlo das resistências microbianas, factor de grande relevância no tema das infecções nosocomiais, implica uma vigilância laboratorial permanente e atenta, quer da rede pública, quer da rede privada, que possibilite o fornecimento à instituição que centralize a informação recebida um conhecimento atempado e periódico sobre as espécies microbianas prevalentes em meio hospitalar e na comunidade, bem como os seus padrões de resistência. Um controlo estrito neste campo implica, ainda, a monitorização do consumo de antibióticos, restrições ao uso de certos antibióticos, sua rotação, e recomendações terapêuticas periodicamente actualizadas, com o propósito de uma boa prática na prescrição desses fármacos. Naturalmente que deve atender-se também, à formação do pessoal sanitário e à própria educação dos doentes e da comunidade, sublinhando a importância dos antibióticos, as suas indicações e limitações. 21 Embora as resistências bacterianas sejam as que mais atenção despertam, há igualmente que atender às resistências víricas, de que o exemplo mais evidente seja talvez a situação que hoje se vive no tratamento da infecção por vírus da imunodeficiência humana, em que a eclosão de resistências é o maior obstáculo à eficácia da terapêutica, bem como ao aparecimento de resistências aos antifúngicos, criando-se assim, um enorme óbice ao tratamento desse tipo de infecções, que na sua feição sistémica ocorrem fundamentalmente em doentes vulneráveis e em situações de grande gravidade. Desnecessário, por evidente, será realçar a importância das Comissões de Controlo da Infecção Nosocomial, cujo papel é crucial na detecção e na imediata contenção de qualquer surto, assim como na sua prevenção e na formação e informação dos profissionais de saúde. Para o exercício cabal das suas funções as Comissões deverão ter autonomia plena e apoio dos Órgãos de Gestão, bem como competências bem definidas, composição adequada, infra-estruturas de apoio e instalações próprias. Longe vai o tempo em que esse trabalho era desempenhado como um complemento de outras funções e sem competências atribuídas, apoiado fundamentalmente no seu empenhamento e entusiasmo. A prevenção da infecção associada aos cuidados de saúde implica, ainda, a instituição de programas internacionais e nacionais, a par obviamente de programas locais. Naturalmente que é necessária uma articulação íntima entre o hospital e as instituições prestadoras de serviços de saúde que com ele se interligam. A detecção das infecções que surgem nesses locais é também um ponto a considerar, até porque muitas vezes a infecção contraída em meio hospitalar só vai ocorrer após a alta. Refira-se, ainda, a necessidade de investigação de novos antibióticos com diferentes mecanismos de actuação, bem como a investigação dos mecanismos de resistência microbiana. Um outro ponto que neste capítulo merece também uma chamada de atenção é a interdição do emprego de antibióticos na agropecuária, quer com objectivo profilático, quer como promotores de crescimento, bem como o seu uso na aquacultura e na hortifruticultura, interdição já assumida pela União Europeia, dado o risco de favorecer a eclosão de resistências bacterianas. A prevenção da maioria das infecções nosocomiais pode ser conseguida através de estratégias de baixo custo, desde logo o cumprimento estrito das mais simples práticas de higiene, tais como a lavagem 22 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e de mãos, o uso de luvas e de roupas de protecção. Outras medidas impõem o processamento adequado da lavagem, descontaminação e esterilização ou desinfecção dos instrumentos utilizados, assim como, a melhoria das condições de segurança nas salas operatórias e nos locais de maior risco. Obviamente que os objectivos da prevenção só podem ser atingidos com o cumprimento de elevados padrões de qualidade dos cuidados prestados, só possíveis de serem alcançados com formação e informação adequadas dos profissionais, e com normas instituídas por programas nacionais, regionais e de cada instituição Em Portugal, foi em 1930 que a Direcção de Saúde pela primeira vez chamou a atenção para a importância da infecção hospitalar, mas só cerca de 40 anos depois, em 1979, a então existente Direcção Geral dos Hospitais, voltou a abordar o tema. Passaram-se mais de 27 anos em que o tema da infecção hospitalar apenas foi alvo de medidas avulsas ao nível dos hospitais de maior dimensão, muito resultantes do empenhamento de profissionais com maior sensibilidade para o problema. Em 1996, foram instituídas as Comissões de Controlo da Infecção (CCI), sob a égide da Direcção-Geral da Saúde (DGS). Na viragem do milénio – em 1999 – a DGS instituiu o Programa Nacional Contra a Infecção (PNCI), anos mais tarde inserido no Plano Nacional de Saúde para 2004-2010 Em 2006 foi fundada a Associação Portuguesa de Infecção Hospitalar, sociedade científica de cariz privado que, através de reuniões anuais realizadas em vários hospitais do País, tem vindo a debater o tema na procura de propostas que permitam minorar a sua importância. A situação vivida no País pode ser avaliada pela leitura dos inquéritos nacionais realizados nos últimos vinte anos, em que participou um número crescente de hospitais, predominantemente, mas não exclusivamente, da rede pública, e que abrangeram um número cada vez maior de doentes hospitalizados: 10 117 em 1988, em evidente contraste com os 21 459 doentes sobre os quais incidiu o inquérito em 2009 (Quadro). A prevalência de infecção hospitalar foi de 9,8 % em 2009, valor na mesma ordem de grandeza das taxas registadas nos inquéritos anteriores, que oscilaram entre 9,3 % em 1994, e 10,0 % em 1988. O último inquérito permitiu, ainda, conhecer a prevalência da patologia infecciosa hospitalizada, mas adquirida na comunidade, o predomínio etário da infecção nosocomial, bem como a sua distribuição por áreas de internamento e por agente bacteriano. Os inquéritos efectuados não abrangeram obviamente a infecção nosocomial que ocorre na prática ambulatória, nem nas instituições não hospitalares prestadoras de cuidados de saúde, áreas que interessa também avaliar pese embora as dificuldades que o seu conhecimento implica. O conhecimento de surtos de infecção hospitalar, com morte de doentes, que se verificaram nos últimos anos em vários hospitais do País, criou na população um sentimento de insegurança, já que foram largamente noticiados pela comunicação social. O primeiro deles, ocorrido em 2003 no Serviço de Pediatria do Hospital de Guimarães, causado por um adenovírus, foi responsável pela morte de três lactentes e levou ao encerramento temporário do serviço. Um outro surto, da responsabilidade de Acinetobacter baumannii, causou a morte de quatro idosos no Hospital de Pombal. Já no corrente ano, no passado mês de Maio, um surto causado por Clostridium difficile levou à morte de nove doentes no Hospital de Faro. Outros surtos de infecção nosocomial, embora menos divulgados, têm por todo o País obrigado ao encerramento temporário de Unidades de Cuidados Intensivos e de outros serviços hospitalares. A DGS reformulou recentemente o PNCI, com objectivo de conhecer atempadamente a realidade nacional sobre as infecções em cuidados de saúde, através da sistematização do registo, análise, Quadro – Inquéritos sobre taxas de infecção nosocomial em Portugal 1988 (SIGS) 1994 (IGIF) 2003 (PNCI/INSA) 2009 (PNCI/INSA) Total de hospitais 71 65 76 114 Total de doentes 10 117 9 331 16 579 21 459 Taxa de infecção 10,0 % 9,3 % 9,9 % 9,8 % Nota: o inquérito efectuado em 25 de Março só foi divulgado em Março de 2010 SIGS – Sistema de Informação para a Gestão de Serviços de Saúde IGIF – Instituto de Gestão Informática e Financeira PNCI/INSA – Plano Nacional Contra a Infecção/Instituto Nacional de Saúde Infecção em cuidados de saúde – Perspectiva actual interpretação e informação de retorno, com objectivo de a longo prazo reduzir a nível nacional a incidência destas infecções, para o que devem ser instituídas normas essenciais sobre a sua prevenção e controlo, bem como organizar as Comissões de Controlo da Infecção, que devem ter forte apoio institucional. Estas medidas deverão permitir a criação de uma Rede Nacional de Registo de IACS e a participação activa e fiável na Rede Europeia de Vigilância Epidemiológica no âmbito do European Center for Disease Control (ECDC). A participação portuguesa no Projecto HELICS (Hospitals in Europe Link for Infection Control through Surveillance) é já um passo para essa integração, que de resto tende a uniformizar os critérios seguidos nos seus inquéritos, para que seja possível a comparação fiável dos resultados obtidos. Referências bibliográficas 1. Cambridge Illustrated History of Medicine edited by Roy Porter. Cambridge University Press, UK, 1996 2. IPSE (Improving Patient Safety in Europe) Annual Report 2006 3. IPSE Annual Report 2008 4. Inquérito Nacional de Prevalência da Infecção – 25 de Março de 2009. Relatório. Direcção Geral da Saúde, Lisboa 2010 5. Krishna-Prakash S. Nosocomial Infections – an overview for the surgeon. Proceedings of the XVII National Continuing Medical Education Programme in Surgery. 2000: 132-36 6. Prevention of hospital acquired infection. A practical guide. Editors Ducel G, Fabry J, Nicolle L..WHO, 2nd edition 2002 23 Epidemiologia da infecção hospitalar Epidemiology of healthcare-associated infection Luís Marques Lito * Serviço de Patologia Clinica; Comissão de Controlo de Infecção do Centro Hospitalar Lisboa Norte Resumo Abstract A Infecção Associada aos Cuidados de Saúde (IACS) é uma afecção que decorre como consequência de uma intervenção médica no doente, seja ela diagnóstica, terapêutica ou profiláctica. Para o seu estudo, os conceitos que nos são facultados pela epidemiologia são essenciais para descrever a sua história natural, desde a sua detecção, ao conhecimento da sua etiologia, à compreensão da sua distribuição e à determinação dos métodos para a sua prevenção ou controlo. Na cadeia epidemiológica, as variáveis da infecção a considerar são os microrganismos e os seus reservatórios e/ou fontes, o hospedeiro e as vias de transmissão. Com o conhecimento e estudo destas variáveis é possível implementar programas de vigilância epidemiológica que têm como principal objectivo conhecer a cada momento a realidade no que respeita às IACS, com implicações directas à definição das medidas de prevenção, quer seja primária, secundária ou terciária. Palavras-chave: Infecção associada aos cuidados de saúde (IACS), epidemiologia, vigilância epidemiológica das IACS, “bundle”, prevenção das IACS. A Infecção Associada aos Cuidados de Saúde (IACS) é actualmente reconhecida como uma entidade que deve merecer atenção particular por parte de todos os profissionais que prestam cuidados de saúde. A IACS é considerada um indicador da qualidade dos cuidados prestados aos doentes nas unidades de saúde. Todos se devem empenhar na implementação dos comportamentos necessários para prevenir e controlar a infecção. É assim reconhecida a necessidade de promover acções de formação sobre as medidas de prevenção e controlo das IACS, dirigida a todos os grupos de profissionais que desempenham actividades na The Health Care Associated Infection (HCAI) is a consequence of a medical intervention on the patient, whether diagnostic, therapeutic or prophylactic. For its study, the epidemiological concepts are essentials to describe its natural history, since the detection, to the knowledge of the etiology, to the comprehension of its distribution and to the determination of the methods to its prevention or control. On the epidemiological chain, the infection variables to consider are the microorganisms and its reservoirs and/or sources, the host and the route of transfer of microorganism or route of infection. With the knowledge and study of these variables it is possible to implement epidemiological surveillance programs with the main objective of knowing in each moment the reality concerning the HCAI, with direct implications on the definition of preventive measures, whether primary, secondary or tertiary. Keywords: Healthcare-associated infection (HAI), epidemiology, HAI surveillance, bundle care, HAI prevention. prestação de cuidados de saúde ou que desempenhem qualquer outra actividade realizada nas áreas onde se encontrem doentes, como por exemplo, as equipas de limpeza. O Controlo da Infecção é uma disciplina que aplica os princípios científicos da epidemiologia e análise estatística com a finalidade de evitar a infecção ou diminuir a sua frequência. Dentro da Epidemiologia das Afecções Hospitalares, o Controlo de Infecção é pois, um dos componentes-chave. Está provado que a institucionalização de programas de controlo de infecção é capaz de reduzir as taxas de IACS e o esforço financeiro para a sua aplicação * [email protected] Cadernos de Saúde Vol. 3 Número especial Infecção Associada à Prática de Cuidados de Saúde – pp. 25-31 26 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e nas instituições que prestam cuidados de saúde é, a médio e longo prazo, rentável. (1) Epidemiologia Se considerarmos a etimologia da palavra, “Epi” (sobre), “demos” (povo) e “logos” (estudo de), a epidemiologia é “o estudo do que acontece às pessoas”. Definimos epidemiologia como o estudo dinâmico das determinantes, ocorrência e distribuição da saúde e doença numa população. (2) Assim, a actividade epidemiológica procura observar e enumerar as variáveis implicadas num determinado acontecimento, anotar as relações entre as variáveis observadas e tirar conclusões da sua natureza, e determinar as implicações das relações identificadas. Tem como seus objectivos compreender as causas da doença, explicar as características do seu aparecimento e distribuição, descrever a sua história natural e estudar os métodos para a sua prevenção ou controlo. Estes objectivos poderemos sintetizá-los no seguinte conceito: – “O conhecimento da história natural de uma doença aponta o caminho para a reduzir ou erradicar”. A história é rica em autores que investigaram situações infecciosas, estudaram as variáveis envolvidas, analisaram as relações entre estas e apontaram medidas para o seu controlo. Desde as civilizações mais antigas, do Egipto à China, há referências sobre a importância das medidas de higiene como factor de prevenção das doenças. Na Biblia há várias descrições e até leis, que apontam para medidas de saúde pública, para além da necessidade de medidas de higiene individual, determina cuidados na alimentação, a necessidade de criar locais para colocação de resíduos ou o isolamento de doentes com doenças que se detectaram ser transmissíveis, como, por exemplo, a lepra. O que não deixa de ser interessante observar é que os microrganismos só foram descobertos com a construção do primeiro microscópio por Leewenhoeck (1667) e que a relação dos animálculos, tal como então foram denominados os microrganismos, como agentes responsáveis por infecções só foi determinada por Louis Pasteur (1861) e por Robert Kock (1884). Ainda antes destes cientistas terem descoberto esta relação, já Semmelweis, obstetra em Viena, verificando a grande incidência de infecção puerperal, realizou um minucioso estudo epidemiológico que o levou a demonstrar a importância das mãos como veículo de transmissão desta infecção para as parturientes e demonstrou a importância da higiene das mãos no controlo destas infecções (1847). (3) A Infecção Associada aos Cuidados de Saúde é, por definição, aquela que ocorre como consequência de qualquer acto de prestação de cuidados de saúde, quer seja diagnóstico, terapêutico ou profiláctico. Desta definição podemos dizer que a IACS é sempre uma afecção iatrogénica. As IACS assumem uma importância crescente, principalmente porque é reconhecida a sua interferência significativa na morbilidade e na mortalidade, mas também pelos custos directos e indirectos associados. Os meios de tratamento cada vez mais eficazes, como o suporte de vida em situações nosológicas muito graves, encerram em si também maior risco de IACS. Também se encontra, com alguma frequência, dificuldade em controlar a emergência e a propagação de infecções causadas por agentes de difícil erradicação. Concomitantemente os microrganismos alteram a sua estrutura podendo modificar os seus mecanismos de virulência, a sua estrutura antigénica ou a susceptibilidade aos antimicrobianos. Particularmente a resistência aos antimicrobianos assume hoje uma preocupação crescente por parte dos responsáveis pelas políticas de saúde. A terapêutica antimicrobiana é uma variável a ter em conta, pois tem implicações, quer no agente na medida em que pode estimular a emergência de resistências, quer no hospedeiro ao alterar a sua ecologia microbiana habitual – a flora indígena –, alterando-lhe um dos seus mecanismos de defesa mais importantes – a resistência à colonização. Para que seja possível o aparecimento de infecção. é requerido que estejam presentes as seguintes condições: 1. Número adequado de agentes patogénicos (inoculo microbiano), variável consoante a espécie e o estado imunitário do hospedeiro 2. Existência de um reservatório ou fonte onde o microrganismo sobreviva e possa multiplicar-se 3. Via de transmissão do agente para o hospedeiro 4. Porta de entrada do hospedeiro específica para o agente patogénico (há especificidade entre microrganismos e capacidade de desencadear doença em orgãos ou sistemas específicos do hospedeiro) 5. Que o hospedeiro seja susceptível ao agente microbiano, isto é, que não tenha imunidade ao agente. À ocorrência destes sucessivos acontecimentos denominamos “Cadeia da Infecção”. As estratégias de Epidemiologia da infecção hospitalar controlo de infecção eficiente e eficaz têm que ter em conta esta sequência, prevenindo a transferência dos agentes pela interrupção de uma ou mais das ligações desta “Cadeia de Infecção”. (4) Para determinar a abordagem epidemiológica é conveniente ter presente o tipo de história natural das doenças, pois equaciona medidas diferentes de prevenção e controlo: –D oença de evolução aguda, rapidamente fatal – Doença de evolução aguda mas de rápida recuperação – Doença de evolução subclínica (sem sintomas nem sinais clínicos – só com repercussão imunológica) – Doença de evolução crónica (que pode evoluir até à morte se não for tratada ou quando não existe tratamento eficaz) – Doença de evolução crónica com períodos assintomáticos alternados com exacerbações clínicas O espectro de ocorrência de infecção é também um dado epidemiológico na estratégia a implementar para a prevenção e controlo. Temos de considerar neste contexto que a infecção pode ocorrer de forma esporádica, sem um padrão definido, de forma endémica, isto é com uma frequência mais ou menos regular em períodos de tempo definidos e ainda de forma epidémica, também denominada por surtos, em que surge com aumento significativo de casos em relação ao habitual num período de tempo determinado. (5) São três os elementos clássicos da cadeia epidemiológica e também na epidemiologia da infecção: o agente, o hospedeiro e o ambiente. (5, 6) Quando transportamos estes elementos para a epidemiologia das situações infecciosas podemos substituir a variável ambiente pelas vias de transmissão, pois a influência do ambiente inanimado reflecte o comportamento do ambiente animado, isto é, na patogenia da infecção, os agentes microbianos existentes nos reservatórios ambientais com os quais o doente não contacta, só assumem importância quando existe um veículo “animado” que os transfere desse habitat habitual (reservatório ou fonte) para o hospedeiro susceptível. Este veículo tanto pode ser um elemento humano, como é qualquer profissional que preste cuidados aos doentes, ou um equipamento contaminado que entre em contacto com o hospedeiro. (6) 27 Microrganismos, reservatório e fonte Os microrganismos estão contidos habitualmente num reservatório que se define como o local onde residem, têm a sua actividade metabólica habitual e se multiplicam (habitat natural). Em múltiplas situações, estes agentes infecciosos são transferidos deste reservatório para um outro local denominado fonte, do qual são transferidos depois para o hospedeiro. Deste modo o reservatório e a fonte de um agente responsável por uma infecção podem ser os mesmos ou não. Do ponto de vista epidemiológico o conhecimento deste facto é importante. A fonte dos microrganismos pode ser exógena, portanto exterior ao hospedeiro, endógena, proveniente da flora indígena do próprio hospedeiro ou ainda secundariamente endógena, conceito que não é aceite por muitos autores e que se refere aos agentes que provêm do exterior e que colonizam pele, mucosas ou outro local anatómico do hospedeiro, posteriormente tornar-se agente de infecção quando atinge um órgão específico para o qual tenha capacidade de desencadear infecção. Alguns exemplos de infecções exógenas são aqueles em que o agente é transportado a partir de líquidos contaminados, através da formação de aerossóis (p.ex. aspiração de secreções) ou a partir de pessoa colonizada ou infectada que pode emitir gotículas ou contaminar ambientes que entrem em contacto com outros possíveis hospedeiros susceptíveis (p. ex. transmissão do vírus da gripe). No caso das infecções endógenas, o reservatório e a fonte são geralmente coincidentes. Por exemplo, a pneumonia associada à ventilação é causada por agentes da orofaringe do doente ou a infecção associada ao cateter vascular é mais frequentemente causada pela flora cutânea ou, ainda, os agentes da infecção urinária residem geralmente no intestino ou no períneo do próprio doente. Vias de Transmissão Qualquer mecanismo pelo qual um agente infeccioso se propaga e difunde pelo meio ambiente e atinge hospedeiros susceptíveis constitui a via de transmissão. Esta propagação ou transmissão do reservatório ou fonte, pode ser directa ou indirecta. Na transmissão directa há o contacto imediato entre uma porta de entrada receptiva do hospedeiro e o reservatório. Na transmissão indirecta o agente atinge a porta de entrada no hospedeiro através de um veículo intermediário, por contacto físico com 28 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e um veículo inanimado, por exemplo equipamento contaminado, ou com um veículo animado, como as mãos, ou por gotículas, partículas líquidas com diâmetro superior a 5 mm que devido ao seu peso se depositam rapidamente e geralmente a uma distância não superior a um metro. A transmissão indirecta também se pode realizar por via aerogénea, através de aerossóis, de esporos microbianos, de poeiras contaminadas, entre outros. (5) A nível dos cuidados de saúde assume particular importância a produção de aerossóis que são partículas com diâmetro inferior a 5 mm (droplet nuclei) que no seu interior podem conter microrganismos viáveis, mantêm-se no ar durante muito tempo, podem ser transportadas à distância e, pela sua dimensão, podem ser inaladas por um hospedeiro susceptível e atingir com facilidade o pulmão, ultrapassando as barreiras mecânicas de defesa das vias aéreas. Os aerossóis podem ser produzidos pela tosse, espirro, canto ou fala, por humidificadores, nebulizadores, máscaras de oxigénio, aspiração de secreções ou ainda por chuveiros ou torneiras abertas intempestivamente, entre outros. A via aérea não é a principal via de transmissão de agentes microbianos nos locais onde se prestam cuidados de saúde em regime de internamento. No entanto, é necessário ter presente que há microrganismos infecciosos que se transmitem obrigatoriamente através de aerossóis contaminados, como é o caso da transmissão do Micobacterium tuberculosis e da Legionella pneumophila. Há outros agentes que se transmitem de forma preferencial por esta via, como os vírus do sarampo e da varicela ou ainda nalgumas circunstâncias de forma oportunista, como é a transmissão do vírus da gripe (Virus Influenza). (6) Nas unidades de prestação de cuidados de saúde a via de contacto é, seguramente, a mais frequentemente implicada na génese das IACS. É aceite por toda a comunidade científica que as mãos são o principal veículo de transmissão. Como referido, as gotículas constituem uma forma particular de transmissão por contacto, pois, quando há proximidade excessiva (inferior a um metro), estas partículas podem atingir directamente uma porta de entrada dum hospedeiro receptor e também ao depositarem-se no ambiente a curta distância do emissor, são indirectamente transferidas para o receptor através de um veículo animado, o principal sendo as mãos dos profissionais prestadores de cuidados de saúde ou dos próprios doentes. Hospedeiro Outro dos elementos da cadeia epidemiológica da infecção é o hospedeiro. Para que ocorra infecção é necessário que o agente entre em contacto com uma porta de entrada específica no hospedeiro, para a qual o agente tenha afinidade e capacidade de nesse local poder manifestar os seus mecanismos de infecciosidade, desencadeando o processo infeccioso. Mas para que o microrganismo tenha a possibilidade de manifestar esta capacidade é necessário que os mecanismos de defesa específicos (p. ex. a imunidade) e não específicos (p. ex. resposta inflamatória, barreiras mecânicas, presença de flora indígena) sejam ultrapassados pelo agente infeccioso. Com efeito, a resistência individual à infecção é muito variável, dependendo da idade, do estado imunitário, da presença de doenças subjacentes ou ainda da prestação de cuidados de saúde que podem interferir com os mecanismos de defesa do hospedeiro, como são os procedimentos cirúrgicos, procedimentos invasivos de diagnóstico ou terapêuticos, utilização de agentes terapêuticos como os antimicrobianos ou quimioterapia para doenças neoplásicas, entre outros. Em síntese, para que seja possível surgir um quadro infeccioso, o microrganismo tem que ter acesso a uma porta de entrada que lhe seja favorável, que tenha afinidade para o tecido em causa e que o inoculo seja suficiente para desencadear a infecção. Para que ocorra a infecção é necessário que exista um desequilíbrio entre o inoculo e virulência do microrganismo e as defesas do hospedeiro. (6) Vigilância epidemiológica Decorrente do conhecimento dos conceitos epidemiológicos, ao conhecer os mecanismos da doença, as variáveis envolvidas e as consequências da sua interacção importa aplicá-los com o objectivo de procurar interferir com as consequências dessa relação, prevenindo os potenciais efeitos deletérios ou implementar mecanismos para controlar a sua propagação. Para atingir este objectivo, implementam-se mecanismos de vigilância epidemiológica (VE). Com Hughes poderemos definir vigilância epidemiológica como sendo a observação contínua, activa e sistemática da ocorrência e distribuição de doença numa população, com análise dos resultados e respectiva divulgação, que permita tomar as medidas apropriadas para o seu controlo. (7) Epidemiologia da infecção hospitalar A vigilância epidemiológica das IACS é uma actividade fundamental para a instituição de medidas de prevenção e controlo. Os objectivos da VE das IACS são a avaliação de forma contínua ou periódica, mas sistemática, das taxas de infecção estratificadas por níveis de risco, com a finalidade de, ao monitorizar a evolução destas taxas, definir níveis de incidência mínimos das infecções nas unidades de saúde, encorajar ao cumprimento de boas práticas, detectar procedimentos menos correctos e corrigi-los e detectar precocemente o aparecimento de situações de surtos de infecção. Com este objectivo têm de existir programas de procura activa no sentido de detectar precocemente casos de infecção, implementando metodologias de VE selectiva de acordo com os níveis de risco, isto é, incidindo especialmente a atenção nas infecções mais frequentes, nas de custos mais elevados e ainda nas que são passíveis de medidas de prevenção mais eficazes. Não se justifica actualmente, dada a variedade e complexidade dos cuidados de saúde que é actualmente possível prestar aos doentes, procurar obter taxas de incidência total das IACS. Os resultados obtidos com a VE procurando obter as taxas de incidência de todas as IACS é um método consumidor de tempo, de difícil obtenção com rigor e de difícil, se não impossível, obtenção de dados que permitam detectar factores de risco e atingir o objectivo fundamental de qualquer programa de VE, sua prevenção e controlo. Deste modo, a VE das IACS deve incidir nos doentes de maior risco, nas infecções mais graves, nas infecções evitáveis ou noutra variável específica que encerre em si a potencialidade de desencadear um quadro infeccioso, como por exemplo, as infecções relacionadas com os procedimentos endoscópicos ou as infecções do local cirúrgico. Qualquer programa de VE tem de considerar algumas características para que se consigam obter os objectivos a que se propõe. Deve ser prospectiva, activa, contínua ou periódica, consoante as situações em estudo, deve ser adaptada a cada instituição, deve ser acompanhada de formação e informação, os seus resultados devem ser avaliados criticamente no sentido de se obterem conclusões. Condição sine qua non num programa de VE, é a existência obrigatória de feedback da informação obtida para os respectivos profissionais que executam os procedimentos sujeitos a VE e, inerente a esta actividade, a obrigatoriedade da confidencialidade dos dados obtidos. 29 Para que seja possível um programa de VE das IACS com qualidade, são necessários alguns requisitos de que se destacam a existência de um laboratório de microbiologia e a correcta utilização deste, solicitando-se os exames que estão indicados para que seja possível fazer o diagnóstico etiológico das infecções, a capacidade da comissão de controlo de infecção estudar os dados recolhidos e ter os meios necessários para esta tarefa, nomeadamente o tratamento informático dos dados destes programas, e ainda por uma correcta gestão do controlo da transmissão de estirpes multiresistentes quer na instituição quer após a alta hospitalar, isto é, criar interacção entre os serviços de saúde com internamento e os serviços de prestação de cuidados primários. Um programa de VE nas unidades de saúde deve incluir também auditorias periódicas quer às estruturas que podem ter implicações directas na emergência ou transmissão de agentes microbianos potencialmente patogénicos (p. ex. estruturas para a higienização das mãos) ou de práticas de risco (p. ex. procedimentos de colocação e manutenção de cateteres venosos centrais). A monitorização das infecções deve, como já referido, seguir um programa com características que o permitam ser eficaz. Para obter este desiderato, os dados deverão ser de simples colheita, devem ser padronizados sempre que possível a nível nacional ou internacional, nomeadamente tem que existir uma definição clara dos termos utilizados, devem fornecer medidas específicas e quantitativas, devem ainda permitir implementar e reavaliar intervenções, e ter a possibilidade de monitorizar os resultados de acordo com o número e o tempo de exposição a dispositivos invasivos, pois o maior risco de infecção prende-se com a utilização destes dispositivos e, frequentemente, as infecções evitáveis estão estritamente relacionadas com estes. Destes conceitos decorre que na análise dos dados obtidos, para serem comparáveis, ter-se-á sempre que determinar denominadores fiáveis. Por exemplo, para determinar a taxa de incidência das infecções da corrente sanguínea decorrente do internamento, esta deve ser expressa por 1000 doentes admitidos no período de tempo do estudo. Outro exemplo que se prende com a exposição a factores de risco é o das infecções relacionadas com a utilização de cateteres venosos centrais em que o numerador é o número de infecções durante o período em estudo e o denominador o número de dias de utilização de cateter central, em todos os doentes sujeitos a 30 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e este procedimento durante esse mesmo período de estudo (nº de infecções / 1000 dias de exposição). (5) Muitos são os trabalhos publicados que demonstram a importância de programas de VE na prevenção das IACS. Como exemplo, um importante estudo de vigilância epidemiológica das infecções relacionadas com cateteres venosos centrais (CVC) realizado nos EUA (em vários hospitais de Michigan, incluindo Jonh Hopkins Hospital), demonstra com a realização de um estudo prospectivo, como a importância de uma activa intervenção no cumprimento das regras de colocação e manutenção destes dispositivos, conseguiu reduzir a incidência destas infecções de 11,3/1000 dias de CVC para uma incidência nula (0/1000 dias de CVC). (5, 6) Decorrente das observações epidemiológicas, The Institute for Healthcare Improvement desenvolveu o conceito de “bundles” para ajudar os prestadores de cuidados de saúde a melhorar a capacidade e qualidade dos procedimentos em cuidados de saúde. Este conceito engloba um conjunto de actos que individualmente são considerados como eficazes para a qualidade de um determinado cuidado de saúde e que, quando utilizados e monitorizados em conjunto (bundle), o resultado é potenciado em comparação com a avaliação da implementação de cada acto per si. Para que haja consistência nestas práticas, isto é para que seja satisfeito este critério de avaliação conjunta dos actos envolvidos em determinado processo (bundle), cada conjunto de acções deve ser realizado por toda a equipa de prestação de cuidados, em todos os momentos e em todos os doentes. (10) No exemplo citado da prevenção da infecção relacionada com os cateteres venosos centrais (CVC), foi criado e monitorizado um conjunto de acções que, com a sua aplicação, permitiu a eficaz prevenção das infecções relacionadas com este procedimento. Estas acções monitorizadas em conjunto, incluíram desinfecção das mãos, utilização de barreiras de protecção máximas, que abrangeu a correcta utilização dos equipamentos de protecção individual (batas, máscaras, luvas e outros), desinfecção da pele no local de inserção com soluto alcoólico de clorohexidina, evitar o acesso femoral sempre que existisse outra localização alternativa e retirada do CVC tão depressa fosse possível, minimizando assim, a acção do factor de risco. (8, 9) Este conceito de vigilância epidemiológica através da monitorização destes conjuntos de acções associadas a um procedimento específico de cuidado de saúde, é uma forma que não se aplica a todos os tipos de cuidados, mas é, seguramente, uma importante metodologia a adoptar em muitas situações. Existem actualmente estudos sobre a utilização desta metodologia aplicada à prevenção da pneumonia associada à ventilação assistida e à prevenção da sépsis, entre outros. (10) Prevenção da Infecção Corolário de todos os conceitos epidemiológicos, o objectivo essencial da aplicação destes conceitos é prevenir e controlar a infecção. Neste contexto, existem três níveis de prevenção que é necessário implementar: prevenção primária que visa evitar o aparecimento da infecção através de acções que evitem que os agentes microbianos possam desencadear doença no hospedeiro, prevenção secundária que procura fazer o diagnóstico rápido das infecções e promover o seu tratamento minimizando as consequências desta afecção para o doente, e prevenção terciária que tem como objectivo conter os microrganismos na fonte, nomeadamente quando esta são doentes que se constituem como reservatório e/ou fonte de agentes potencialmente infectantes para outros hospedeiros susceptíveis. Em síntese Pode dizer-se que a epidemiologia é uma ciência essencial para conhecer as Infecções Associadas aos Cuidados de Saúde, nomeadamente determinar em cada tipo de infecção qual a importância relativa das variáveis da cadeia epidemiológica – agente, hospedeiro e ambiente ou a via de transmissão – e, através da aplicação dos conceitos epidemiológicos, elaborar de programas de vigilância epidemiológica. Este é um processo dinâmico que necessita de adaptação de acordo com os acontecimentos que vão sendo detectados e concomitantemente permite a detecção precoce de problemas emergentes neste âmbito, nomeadamente a detecção de surtos de infecção ou a vigilãnca do aparecimento de resistências, só para referir dois importantes exemplos que nos são dados pelo estudo epidemiológico destas situações nosológicas. As medidas de prevenção e controlo da infecção são o fim principal que decorre do estudo epidemiológico deste tipo de infecções. Epidemiologia da infecção hospitalar Bibliografia 1. Friedman, N.D., Sexton, D.J., General Principles of Infection Control, version 17.2, 2009, http://www.uptodateonline.com/online/content/ topic.do?topicKey=hosp_inf /5465&view=print [Acedido em 13 de Julho de 2009] 2. Brachman, P.S. Epidemiology of Nosocomial Infections, in Hospital Infections, 4th edition, edited by Bennet J.V. and Brachman P.S., 1998. Lippincott-Raven, Philadelphia. 3. Milestones of Microbiology, in Microbiology for the Health Sciences, 6th edition, edited by Burton G.R.W. and Engelkirk P.G., 2000. Lippincott Williams & Wilkins, Piladelphia and Baltimore 4. Guidelines for infection control in dental health-care settings 2003. CDC. MMWR 2003; 52 (No. RR-17). http://www.cdc.gov/oralhealth/infectioncontrol/ guidelines/index/htm [Acedido em 13 de Julho de 2009] 5. Hierhozer, W.J., Principles of Infection Disease Epidemiology, in Hospital Epidemiology and Infection Control, edited by Mayhall C.G., 1996. Williams & Wilkins, Baltimore. 6. Factors involved in hospital infection, in Control of Hospital Infection, 3th edition, edited by Ayliffe G.A.J., Lowbury E.J.L., Geddes A.M. and Williams J.D., 1992. Chapman & Hall Medical, London. 7. Hughes, Centers for Disease Control and Prevention. CDC Surveillance update, Centers for Disease Control, 1988. Atlanta 8. Pronovost, P., et al., An Intervention to Decrease Catheter-Related Bloodstream Infections in the ICU. N Engl J Med, 2006; 355 (26): 2725-32 9. Berenholtz, S., et al., Eliminating catheter-related bloodstream infections in the intensive care unit. Critical Care Medicine 2004; 32 (10): 2014-2020 10. Marwick, C., Davey, P., Care bundles: The holy grail of infectious risk management in hospital?.Curr Opin Infect Dis, 2009; 22: 364-369 31 Introdução à Mesa-Redonda sobre Prevenção e controlo das infecções associadas à prestação de cuidados de saúde Prevention and control of health care associated infections António Sarmento* Serviço de Doenças Infecciosas do Hospital de São João; Faculdade de Medicina do Porto, Hospital de São João Introdução A pneumonia associada ao ventilador é a segunda infecção nosocomial mais frequente, mas a que causa maior mortalidade. A designação de pneumonia associada ao ventilador, não parece, para muitos autores, uma designação muito correcta, uma vez que aquilo que predispõe a esta infecção não é tanto o ventilador, mas principalmente o tubo traqueal. Este deverá, sempre que possível, ser introduzido por via oral e não por via nasal, pois esta última é mais traumática e é mais vezes associada a infecção. De acordo com algumas séries, a mortalidade atribuível à pneumonia associada ao ventilador é de cerca de 25 %. Nos casos em que é classificada como tardia, ou seja, quando surge após os primeiros 4 dias de internamento, o risco de ser causada por microrganismos multirresistentes é significativamente maior do que quando surge precocemente. A infecção associada a cateteres venosos centrais é, nalgumas instituições, a terceira infecção nosocomial mais frequente. Das três localizações, jugular interna, sub-clávia ou femoral, é esta última a que se acompanha de maior risco de infecção. * Moderador da Mesa-redonda I antó[email protected] A desinfecção do local de inserção com antissépticos à base de clorohexidina, bem como a utilização de cateteres impregnados com antissépticos e/ou antibióticos parecem ser medidas úteis na prevenção da infecção. A substituição programada dos cateteres sem que haja sinais de infecção, não parece ter qualquer interesse, associando-se a um acréscimo de complicações. A infecção urinária parece ser a infecção nosocomial mais frequente, embora, embora seja difícil de quantificar porque, nem sempre a bacteriúria num doente algaliado significa infecção. Os sistemas de drenagem fechados e o cumprimento rigoroso das medidas de assepsia na colocação de drenos vesicais, bem como a subsequente manipulação dos mesmos, podem reduzir marcadamente a incidência este tipo de infecção. A infecção associada à artroplastia é de diagnóstico muitas vezes difícil e as suas consequências podem ser dramáticas. Estas infecções ocorrem com maior frequência na artroplastia do joelho e da anca. É na prevenção que se deve investir grande parte do esforço, pois uma vez surgida a infecção, as possibilidades de tratamento conservador são remotas. Infecção do aparelho urinário Urinary infection associated to health-care Alexandre Carvalho* Comissão de Controlo de Infecção – Hospital São Marcos, Braga Resumo Abstract O uso de algália ou cateter urinário constitui hoje uma componente essencial dos cuidados de saúde. A infecção do trato urinário associada à cateterização vesical é a infecção nosocomial mais comum e representa cerca de 40 % do total das infecções associadas aos cuidados de saúde. A frequência com que os doentes são algaliados e o tempo da permanência da algália determinam o risco de infecção. É, por isso, fundamental questionar sempre a indicação para inserção do cateter e rever diariamente a necessidade da sua manutenção. Como é fundamental também estar atento às complicações decorrentes da cateterização urinária. Uma forma de prevenir e minimizar o impacto dessas complicações é utilizar protocolos e práticas adequadas quer para a inserção quer para a manutenção dos cateteres urinários (as bundles), nunca esquecendo que a melhor maneira de o fazer é cuidar das algálias de forma individualizada e retirá-las logo que possível. The urinary catheter use constitutes an essential practice in healthcare today. The vesical catheterization associated urinary tract infection is the most common nosocomial infection and represents about 40% of all healthcare associated infections. Infection risk is determined by urinary catheterization frequency and length of stay. It is fundamental to always question urinary catheterization indication and to review this indication on a daily basis. It is also fundamental to be conscientious about current complications of the urinary catheterization. A form of prevention and minimization of the impact of those complications is to use protocols and appropriate practices for both insertion and maintenance of the urinary catheters (called bundles). We must always keep in mind that the best way of achieving these goals is to take care of the urinary catheters in an individualized way and to remove them as soon as possible. Keywords: Nosocomial, urinary tract infection, healthcare associated infections, urinary catheterization Palavras-chave: Nosocomial, infecção urinária, cuidados de saúde, algaliação Um caso verídico O Sr. Alberto, um homem de 67 anos, foi submetido a uma prostatectomia transuretral programada por causa da sua neoplasia da próstata. Foi algaliado com uma sonda de Foley nº 16.Três dias depois iniciou queixas de dor suprapúbica. Tinha febre (37.8 oC) e piúria, demonstrada num sedimento urinário. Iniciou antibioterapia empírica com ciprofloxacina após colher para urocultura. Dois dias passados, o Sr. Alberto fica hipotenso, entra em choque e acaba por falecer. Nessa mesma tarde, o Laboratório de Microbiologia telefona para o Serviço a avisar que está em crescimento na urocultura colhida ao Sr. Alberto um bacilo de Gram negativo. Posteriormente, é emitido o relatório final: tratava-se de uma Klebsiella pneumoniae, produtora de metalo-proteases, sensível apenas aos aminoglicosídeos. Alguns lugares comuns Este caso dramático da vida real pretende introduzir o tema das infecções urinárias associadas aos cuidados de saúde, ao mesmo tempo que alerta para as suas potenciais consequências. Os números da literatura internacional (os de Portugal serão * [email protected] Cadernos de Saúde Vol. 3 Número especial Infecção Associada à Prática de Cuidados de Saúde – pp. 35-38 36 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e ligeiramente diferentes, com maior incidência de infecções respiratórias) dizem-nos o seguinte (Fig 1): As infecções urinárias representam cerca de 38 % das infecções adquiridas nos hospitais (1) A maior parte destas infecções urinárias estão relacionadas com a algaliação (2) A algaliação facilita a infecção: elimina um mecanismo de defesa que é a micção (flushing dos micróbios) e proporciona um meio de penetração na bexiga (não esquecer que a urina é um óptimo meio de cultura) 25 % dos doentes internados são algaliados (3) No Hospital de S. Marcos, em alguns serviços, descobrimos taxas até 40 % – e fora do ambiente de cuidados intensivos! Estas infecções implicam maior morbilidade e aumentam os custos. Figura 1 – Distribuição das infecções associadas aos cuidados de saúde por localização anatómica A inserção e manutenção de cateteres urinários é uma técnica que se aprende e aperfeiçoa, e esta manobra está reservada a profissionais diferenciados e experientes. Então, o grande ponto a melhorar é sem dúvida este: assegurar-se de que a algália é necessária! Avaliar criticamente a indicação da algaliação. Diariamente rever essa indicação e imediatamente suspender a algaliação se ela deixar de se verificar. É que não há assim tantas indicações para algaliar doentes. Podemos rever as mais consensuais: Retenção urinária Feridas sagradas Monitorização do débito Algumas cirurgias Conforto do doente Mas no último inquérito de prevalência no hospital de S. Marcos (2007, envolvendo serviços de Medicina Interna e Neurologia), a causa mais frequentemente invocada foi o registo de diurese, seguida de “outras” e em terceiro lugar “desconhecida”. O registo de diurese será sempre tão rigoroso que justifique uma algaliação? Este gráfico (Fig. 2) já antigo mostra a inadequação da indicação original para a algaliação. Esta inadequação aumenta com o passar do tempo, demonstrando a necessidade de rever criticamente a necessidade de algaliação numa base diária. Figura 2 – Inadequação da indicação original para algaliação A Prevenção A prevenção é a atitude-chave, nesta e em qualquer outra intercorrência nosocomial. No caso concreto da infecção urinária associada aos cuidados de saúde, e partindo da noção que a cateterização vesical é a condição predisponente major, salientam-se as seguintes medidas preventivas: 1) Utilizar sistema fechado de algaliação e técnica adequada de inserção e manutenção. 2) Questionar sempre e permanentemente a necessidade da algaliação. 3) Desalgaliar! Onde será mais proveitoso o investimento na prevenção? Queremos crer que o sistema fechado está amplamente difundido e que é cumprido na esmagadora maioria das situações. Adaptado de Jain P & al., 1995 orque é que as algálias são tão comuns P em meio hospitalar? Talvez os médicos se “esqueçam” que os doentes estão algaliados… Neste estudo para determinar até que ponto os médicos se apercebem de que os seus doentes estão algaliados foram questionadas 56 equipas Infecção do aparelho urinário médicas em 4 hospitais; 256 clínicos completaram o questionário (taxa de resposta = 89 %). O quadro I mostra que o grau de desconhecimento é demasiado elevado e que vai aumentando com a diferenciação do profissional questionado (4). Quadro I – Taxa de desconhecimento quanto à algaliação dos doentes Nível profissional Desconhecimento 95% IC Estudantes de Medicina 18 % 8-32 % Internos 22 % 13-34 % Assistentes 28 % 20-38 % Chefes de equipa 38 % 26-45 % Adaptado de Saint S & al, 2000 Complicações Revendo as potenciais complicações de uma cateterização urinária e o modo como elas se podem encadear e levar às consequências trágicas do caso que nos serviu de intróito: Após a inserção de uma algália, 3 a 6 % dos doentes adquirem bacteriúria a cada dia que passa (risco acumulativo) (5) Aos dez dias, cerca de metade dos doentes algaliados têm bacteriúria Esta é normalmente assintomática e desaparece com a retirada da algália, mas… Em 20 a 30 % dos casos originará uma infecção urinária 1 a 4 % dos doentes com infecção urinária relacionada com a algália desenvolvem bacteriemia (6) 13 % destes vêm a falecer por esse motivo (6). Fazendo as contas… Taxa de mortalidade da algaliação: 8/10000 Concluindo, trata-se de um procedimento de risco não despiciendo. Tanto que há quem considere pertinente ser necessário obter consentimento informado do doente. Provavelmente, essa atitude representa um exagero, um excesso de zelo, no sentido em que poderia levar à abstenção de técnicas úteis em determinadas circunstâncias e sobretudo porque seria mais um contributo para o minar da relação médico-doente, enaltecida unanimemente mas nem sempre acautelada. 37 Haverá soluções? Bundles Uma “bundle” é uma maneira estruturada de melhorar os cuidados de saúde prestados. É um conjunto pequeno de procedimentos (3 a 5) fáceis de efectuar que, colectiva, sistemática e continuamente executados, provaram melhorar os cuidados de saúde e minorar a morbilidade dos doentes. Os resultados das avaliações (frequentes) devem ser transmitidos aos envolvidos no processo e resultam em melhoramentos e diminuem as más práticas. A bundle deve ser tão simples e prática que qualquer profissional a possa utilizar. As comissões de controlo de infecção devem proporcionar formação e prestar esclarecimentos, bem como todo o tipo de apoio necessário à implementação e aos mecanismos de recolha e tratamento de dados, análise de informação e feedback. Há duas bundles preparadas para prevenção da infecção urinária: 1 – Para a inserção do cateter urinário Revisão da necessidade e avaliação de alternativas Higiene do meato urinário Sistema de drenagem fechado e estéril Técnica asséptica 2 – Para a manutenção do cateter urinário Revisão diária da indicação Manutenção do sistema fechado Higiene do meato urinário Drenagem do saco colector Higiene das mãos e uso de luvas Em ambos os casos, a prática sistemática dos conjuntos de procedimentos acima descritos tem a capacidade de minimizar o risco de infecção urinária associada à cateterização urinária. O modo de implementar estas bundles varia com a instituição em questão. Caberá a cada uma decidir pelo melhor desenho da estratégia a utilizar. Pode usá-la como um ponto de partida, mas pode modificar-se o modo de operacionalização localmente: quando é feito, como é feito, quem faz e como se recolhem os dados. Enquanto os critérios forem sendo satisfeitos, os dados forem sendo recolhidos e relatados então a bundle está sendo cumprida. 38 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e Outras propostas a ponderar para aumentar a eficácia: 1) Lembrete no processo, recordando o facto de o doente estar algaliado. 2) Envolver os próprios doentes, levando-os a questionar a indicação da algaliação junto dos profissionais de saúde. É importante salientar a ausência de espírito persecutório e punitivo e a necessidade de honestidade e integridade. O tempo e a dedicação serão os maiores problemas – o feedback pode ser fundamental para a motivação dos profissionais. Toda a gente gosta de ver resultados positivos como corolário das suas acções e certamente que para um médico ou para um enfermeiro não há nada de mais gratificante que o bem-estar de um doente pelo qual são responsáveis. Conclusão Retire as algálias logo que possível, cuide das algálias individualmente. Referências Bibliográficas 1. Klevens, RM Estimating Health Care-Associated Infections and Deaths in U.S. Hospitals, 2002, Public Health Reports, March-April 2007, Vol. 122, 160-66 2. Saint S, Kowalski CP, Kaufman SR, Hofer TP, Kauffman CA, et. al. Preventing Hospital-Acquired Urinary Tract Infection in the United States: A National Study. Clin Infect Dis 2008: 46; 243-56 3. Jain P; Parada J; David A; Smith L. Overuse of the Indwelling Urinary Tract Catheter in Hospitalized Medical Patients Arch Intern Med 1995;155:1425-29. 4. Saint S, Wiese J, Amory JK, et al. Are physicians aware of which of their patients have indwelling urinary catheters? Am J Med. 2000;109:476-80 5. Saint S, Lipsky BA. Preventing Catheter-Related Bacteriuria: Should We? Can We? How? Arch Intern Med. 1999; 159: 800-08 6. Maki D, Tambyah P. Engineering out the risk infection with urinary catheters, in CDC emerging Infectious Diseases (7) 2, 2001, guideline 19 Introdução à Mesa-Redonda sobre o Ambiente, condicionantes sociais e infecção Environment, social conditions and infection Torcato de Freitas* Comissão de Contolo da Infecção do Hospital da Prelada Introdução Na génese e desenvolvimento do processo infeccioso, nomeadamente no de natureza nosocomial, múltiplos factores intervêm, interagindo de forma a que as defesas do hospedeiro sejam danificadas e a infecção se concretize. O ambiente desempenha papel de relativa importância quando são constituídos “reservatórios”de agentes patogénicos potencialmente causadores de doença; O desenvolvimento socioeconómico das populações, com a melhoria das condições higiénico-sanitárias entre outros aspectos, contribui para a redução desse risco, mas simultaneamente promoveu a emergência de estirpes multirresistentes (desinfectantes, antibioterapia, veterinária, tecnologia médica invasiva). As imensas possibilidades criadas pelo desenvolvimento dos meios de transporte, permitindo ao Homem estar hoje num continente e amanhã, com relativa facilidade, noutro, também contribuem para uma rápida transmissão de doenças, outrora referidas a determinadas regiões e na actualidade com distribuição quase universal. A ameaça de pandemia de gripe A, rapidamente presente num número crescente de países e continentes é, com extrema actualidade, um bom exemplo da forma como a propagação da doença infecciosa acontece. As alterações climáticas que afectam de forma ameaçadora o nosso planeta, nomeadamente o * Moderador da Mesa-redonda II [email protected] superaquecimento global/efeito estufa, provocando alterações de temperatura e o degelo, afectando a alternância dos regimes de chuvas e de secas, aumentando assim, as áreas desérticas, têm contribuído para modificações das áreas endémicas de múltiplas doenças, como a malária ou o dengue. A existência de instituições de carácter social, como creches, lares da 3ª idade e também unidades de cuidados continuados, surgidas pela forma como as sociedades modernas evoluíram, representam, dado o número e a proximidade dos seus utentes, novas oportunidades para a emergência de infecções, muitas delas com origem nosocomial, quando os seus portadores têm alta hospitalar e encontram nas referidas instituições um terreno fácil de transmissão. Na mesa-redonda “Ambiente, Condicionantes Sociais e Infecção” serão por certo abordados, de forma necessariamente sintética mas objectiva, estes e outros aspectos relacionados com a “Infecção Associada à Prestação de Cuidados de Saúde. A Prof.ª Maria Manuela Pintado apresentará o tema “O ambiente na transmissão da infecção” e o Dr. Rosas Vieira abordará as “Alterações climáticas e patologia infecciosa”. A “Transmissão da infecção em infantários e jardins-de-infância” e a “Infecção em cuidados continuados” serão objecto de reflexão pelos Drs. Cidrais Rodrigues e Ferreira da Silva, respectivamente. O ambiente na transmissão da infecção The role of environment in the transmission of infection Maria Manuela Estevez Pintado Escola Superior de Biotecnologia. Centro Regional do Porto, Universidade Católica Portuguesa Resumo Abstract As infecções nosocomiais são uma das principais causas de morbilidade e mortalidade entre pacientes hospitalizados. O ambiente pode servir como um reservatório de patogénicos causadores de infecções nosocomiais, mas constitui um factor menos relevante que outros como a contaminação transitória nas mãos do pessoal de saúde, a formação de biofilmes em dispositivos médicos, ou a invasão da flora endógena presente no paciente. A controvérsia sobre a importância relativa de patogénicos recuperados do ambiente hospitalar, como importante fonte de infecção, existe há décadas. No entanto, o aparecimento de estirpes mais virulentas, tais como a Clostridium difficile, e a persistência dos já conhecidos, como os Staphylococcus aureus meticilina-resistentes e enterococos resistentes à vancomicina, fizeram renascer as preocupações sobre o controle de infecção ambiental. Assim, existe uma necessidade contínua de focalizar-se nas intervenções de higiene, não só do pessoal e das superfícies inanimadas, mas também, como novas evidências sugerem, do paciente. Este artigo revê sumariamente a importância do meio ambiente, entre outros factores, como reservatórios de patogénicos causadores de infecção hospitalar. Palavras-chave: Infecção nosocomial, contaminação ambiental, controlo de Infecção A infecção nosocomial ou associada aos cuidados de saúde constitui um dos efeitos adversos mais frequentes e amplamente estudados da hospitalização e um dos principais problemas de saúde pública em países desenvolvidos, devido à morbilidade e mortalidade que a ela se associam. Durante a hospitalização, 5-10 % dos pacientes admitidos adquirem infecções nosocomiais, que nas Unidades de Cuidados Intensivos podem atingir 25-50 % dos Nosocomial infections are a leading cause of morbidity and mortality among hospitalized patients. The environment can serve as a reservoir of pathogens causing nosocomial infections, but is most likely less of a contributing factor than contaminants transiently on hands of health care personnel, biofilms that form on indwelling devices, or invasion of endogenous flora present on the patient. Controversy over the relative importance of pathogens recovered from the hospital environment as a significant source of nosocomial infection has existed for decades; however the emergence of more virulent strains of pathogens, such as Clostridium difficile, and the persistence of familiar ones, such as methicillin-resistant Staphylococcus aureus and vancomycin-resistant enterococci, have prompted a return to concerns about environmental infection control. Therefore, there is a continued need to focus hygiene-based interventions, not only on personnel and inanimate surfaces, but also, as new evidence suggests, for the patient as well. This paper reviews summarily the importance of environment, among other factors, as important reservoirs of pathogens causing nosocomial infection. Keywords: Nosocomial infection, environment contamination, infection control doentes aí internados, mais de dois terços delas sendo causadas por microrganismos multirresistentes aos antibióticos. A etiologia da infecção nosocomial varia de acordo com o local da infecção, a idade e as condições subjacentes dos pacientes, bem como a sua exposição a procedimentos médicos, dispositivos e antimicrobianos. Globalmente, as infecções do tracto urinário e das áreas submetidas a procedimentos * [email protected] Cadernos de Saúde Vol. 3 Número especial Infecção Associada à Prática de Cuidados de Saúde – pp. 41-45 42 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e cirúrgicos são as mais frequentes, seguidas pelas infecções respiratórias e sanguíneas. O espectro de patogénicos hospitalares mudou ao longo das últimas décadas. Os cocos Gram-positivo, tais como o estafilococo e o enterococo têm gradualmente dominado as bactérias Gram-negativo, e os fungos ganharam maior importância, particularmente nos doentes imunocomprometidos. As principais estirpes multirresistentes incluem Staphylococcus epidermidis e S. aureus meticilino-resistentes (MRSA), e mais recentemente os vancomicina-resistantes (VRSA), Enterococcus faecium vancomicina-resistentes (VRE), e o Enterobacter aerogenes, Pseudomonas aeruginosa e Acinetobacter baumannii multirresistentes (Struelens et al., 2004). Muitas infecções são inevitáveis, embora outras possam ser evitadas. Programas de vigilância e controlo têm demonstrado reduzir a incidência de infecção desde os anos 80. Os avanços tecnológicos, em particular através das ferramentas de biologia molecular, têm expandido o papel do laboratório de microbiologia clínica no apoio à gestão e controlo da infecção nosocomial, permitindo o estudo da transmissão de patogénicos hospitalares e o acompanhamento dos padrões de resistência aos antimicrobianos. Adicionalmente, a investigação renovada sobre desinfectantes por nebulização, métodos para melhorar a higiene ambiental, selecção de materiais de superfície, e aplicação de antimicrobianos em superfícies no ambiente hospitalar, permitirão encontrar soluções mais eficazes de prevenção e controlo destas infecções. Para controlar rapidamente os surtos de infecção nosocomial, é prática comum accionar simultaneamente várias intervenções, pelo que é difícil avaliar a contribuição específica do ambiente para suster os surtos. Um dos aspectos mais críticos na interpretação é a identificação de sequência, ou seja: foi o patogénico já presente no ambiente a causa exógena da infecção no paciente, ou foi o ambiente apenas o repositório de um patogénico endógeno, com origem num doente colonizado/infectado? Por outro lado, estudos publicados evidenciam que o ambiente de cuidados desempenha um papel na transmissão cruzada. Foi demonstrado que os pacientes integrados num quarto em unidades de cuidado intensivo, cujo prévio ocupante foi positivo para MRSA e/ou para VRE, estavam em risco aumentado de aquisição destes organismos, embora o risco atribuível a partir deste ambiente entre a população exposta global fosse baixa (2 %) (Bartley & Olmsted, 2008). Além disso, a proximidade com outros pacientes também parece ser um importante modificador de risco. A ocupação individual de quartos não só melhora a segurança do paciente, como também reduz o risco de aquisição de MRSA, de Pseudomonas aeruginosa, e de Candida spp. Superfícies ambientais, frequentemente tocadas por profissionais de saúde, são facilmente contaminadas em quartos de pacientes colonizados/infectados por MRSA e/ou por VRE. Uma revisão de um número elevado de estudos (Boyce, 2007) documenta que os profissionais de saúde podem contaminar as suas mãos ou luvas ao tocar superfícies ambientais contaminadas, nas quais permanecem inúmeros microrganismos susceptíveis de provocar a transmissão aos pacientes. Os patogénicos podem também ser transferidos directamente de superfícies contaminadas para pacientes susceptíveis. O aparecimento de surtos nosocomiais e o encerramento de unidades hospitalares foi revisto por Hansen et al. (2007), que analisou 1561 surtos publicados em 40 anos. Os resultados mostram que a maior frequência de surtos ocorre nas unidades de cirurgia geral e de neonatologia, mas a maior percentagem de encerramento por surtos nosocomiais ocorre em unidades de cuidados geriátricos. Os três agentes mais frequentes dos surtos foram S. aureus, vírus da hepatite e Pseudomonas spp., mas os responsáveis por maior encerramento de unidades foram Norovírus (44,1 %) e vírus influenza/ parainfluenza (38,5 %). A bacteriemia, consecutiva às infecções gastrointestinais e a pneumonias, foi o tipo de infecções mais comuns, mas as infecções do SNC foram as mais frequentemente associadas com o encerramento de unidades (24,2 %). Quanto à origem, a maior frequência ocorreu sempre que os pacientes foram a fonte do surto (16,7 %), seguido do ambiente e de dispositivos médicos (Tabela 1). Tabela 1 – Taxas de encerramento de unidades hospitalares estratificadas pela fonte de surto (n=1561). Fontes Doente Ambiente Dispositivos médicos Pessoal Drogas Alimento Equipamento para cuidados de saúde Desconhecida Total Total Surtos com Taxa de de Surtos encerramento encerramento 395 66 16,7 194 24 12,4 172 12 7,0 154 17 11,0 73 3 4,1 50 1 2,0 35 5 14,3 Adaptado de Hansen et al. 2007. 518 1561 80 194 13,8 12,4 O ambiente na transmissão da infecção 43 A infecção por substâncias contaminadas constitui água das UCI (Trautmann et al., 2005). O estudo também uma causa frequente da infecção nosocosugere fortemente que as torneiras são o último mial, com elevado índice de mortalidade. Vonberg reservatório para uma proporção substancial dos & Gastmeier (2007) analisaram um total de 2250 casos colonizados/infectados por P. aeruginosa, pacientes infectados com substâncias contaminadas alojando-se sobretudo nos arejadores corroídos, e relatados em 128 artigos publicados, e mostraram que criam um meio para a formação de biofilmes e que nesses casos a septicemia é a infecção mais seu crescimento. Medidas preventivas fundamentais comum e os agentes mais relatados são o vírus da para reduzir transmissões água-paciente incluem a hepatite A, Yersinia enterocolitica, Serratia spp., para instalação de filtros de utilização única em saídas preparados de sangue, e Burkholderia cepacia e de água nas UCI. Enterobacter spp. para outros produtos. A ocorrência O ambiente inanimado é um reservatório de patodestas infecções esteve relacionada na sua maioria génicos, onde as superfícies contaminadas aumentam com o não cumprimento de medidas básicas de a transmissão cruzada. Em particular, a simples higiene e em 64 dos surtos foram usados vials presença de um microrganismo numa superfície multidose sem cumprimento das recomendações ambiental não o confirma como a causa de infecção dos fabricantes, pelo que uma grande proporção do paciente, mesmo se o mesmo microrganismo das infecções poderia ter sido evitada pelo uso de tenha sido recuperado de ambos. Assim, as medidas vials unidose. necessárias envolvidas na “cadeia de transmissãoAo determinar a susceptibilidade à infecção hos-Figura-cruzada” devem ser preenchidas, conforme ilustrado 1 - Modos de transmissão comum de superfícies inanimadas para pitalar, os dispositivos invasivos são mais relevantes na Figura 1. do que as doenças subjacentes. Os dispositivospacientes susceptíveis. (adaptado de Bartley & Olmsted, 2008). Figura 1 – Modos de transmissão comum de superfícies inanimadas intravasculares são decisivos na transmissão da para pacientes susceptíveis (adaptado de Bartley & Olmsted, 2008). infecção, estimando-se que pelo menos 80 % das bacteriemias/viremias estão associadas com cateteres Superfície Paciente (Eggimann, Sax & Pittet, 2004). A contaminação Susceptível inanimada contaminada da superfície do cateter envolve a colonização da pele no ponto de inserção. De forma a evitar a contaminação, devem assegurar-se medidas gerais, como a estrita observação das regras básicas de Mãos dos higiene e medidas específicas, que incluem: (i) profissionais de Higiene das mãos saúde assegurar barreiras estéreis durante a inserção, (ii) respeitada – 50% inserção com adequada preparação do local, (iii) orientações detalhadas para a substituição do cateter Está demonstrado que o equipamento de cuidae (iv) definição de situações nas quais podem ser dos de saúde é uma fonte significativa de infecção utilizados cateteres com revestimento antisséptico/ nosocomial. Uma revisão de estudos (Schabrun & /antibiótico. Chipchase, 2006) mostra que altos níveis de conA água constitui também um reservatório taminação estão presentes em uma vasta gama de de patogénicos nosocomiais. Organismos como equipamentos de saúde, onde 86,8 % de todos os Pseudomonas aeruginosa, Serratia marcescens e equipamentos incluídos na amostra estavam contaAcinetobacter calcoaceticus podem replicar-se em minados No entanto, a maioria das contaminações e, água potável. Vários estudos indicam transmissão e portanto, qualquer risco de adquirir uma infecção, desenvolvimento de infecção hospitalar através de pode ser reduzida substancialmente com a limpeza água contaminada. Foi já estabelecida a relação entre regular dos equipamentos com álcool a 70 %. a presença de P.aeruginosa na água de torneiras e Recentemente, tem-se demonstrado que os disinfecções em pacientes em Unidades de Cuidados positivos de comunicação móvel são potenciais Intensivos (UCI) e em Unidades de Queimados. reservatórios de patogénicos hospitalares. Um estudo Uma revisão de estudos prospectivos publicados de revisão (Brady et al., 2009) demonstra que 9-25 % entre 1998 e 2005, mostra que entre 9,7 % e 68,1 % dos dispositivos móveis estão contaminados com da água da torneira de diferentes tipos de UCI bactérias patogénicas, sendo as bactérias mais freforam positivos para a P. aeruginosa, e entre 14,2 % quentemente isoladas S. aureus, tanto MSSA como e 50 % de episódios de infecção/colonização em MRSA. Na origem da contaminação dos dispositivos doentes foram devidos a genótipos encontrados na 14 44 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e estão principalmente as mãos do usuário, implicando o transporte transitório e permanente de vários agentes patogénicos. Assim, a identidade de microrganismos contaminantes num dado momento também é transitória e variável. A principal causa deve-se a um número elevado do pessoal que nunca limpa os seus dispositivos móveis (80 a 92 %), pelo que um controlo eficaz com redução de risco de transmissão, para além da higiene das mãos antes e após o uso do dispositivo, e descontaminação adequada do mesmo, deve passar também pela educação do pessoal com orientações compreensíveis. Algumas unidades hospitalares têm padrões de transmissão particulares, como por exemplo a unidade pediátrica. Nesta unidade as taxas de infecção são mais elevadas e a duração de libertação do microrganismo é maior. Os factores de risco mais relevantes de transmissão de infecção nesta unidade são o leite materno e a manipulação de brinquedos (Posfay-Barbe et al., 2008). No caso da transmissão através do leite, as infecções bacterianas e por vírus citomegálico são as mais frequentes, recomendando-se métodos higiénicos de recolha de leite, e limpeza e desinfecção eficazes das bombas de recolha. Os brinquedos em unidades pediátricas demonstram uma elevada contaminação por coliformes, em particular os peluches, recomendando-se por isso como medida de prevenção a divulgação de orientações para assegurar limpeza e desinfecção dos brinquedos eficazes. A prevalência de S. aureus meticilino-resistentes (MRSA) em unidades hospitalares e em particular em unidades de emergência, é demonstrada pela elevada taxa de colonização em trabalhadores dessas unidades, comparando com os indivíduos na comunidade (Bisaga et al., 2008). Os Centers for Disease Control and Prevention (CDC) aconselham rotina na vigilância de MRSA nasal nos trabalhadores de saúde, bem como nas instituições de cuidados de saúde, recomendando descolonização dos profissionais da saúde apenas em situações que tenham sido epidemiologicamente implicados em surtos de MRSA. A incidência de infecção por C. difficile está também em crescimento, tendo estudos recentes, abrangendo 648 hospitais americanos e 110.550 pacientes internados, mostrado que 1443 desses doentes estavam colonizados/infectados por essa bactéria, ou seja uma taxa de prevalência 13,1 por 1000 (Jarvis et al. 2009). A aspergilose nosocomial representa igualmente uma séria ameaça para pacientes imunocomprometidos e inúmeros surtos de aspergilose têm sido descritos. Um estudo de revisão que analisa 53 estudos com um total de 458 doentes, mostra que o tracto respiratório foi o principal local primário de infecção por Aspergillus, sendo as espécies mais relevantes A. fumigatus (n=154) e A. flavus (n=101). A rotina de amostragem do ar demonstrou não ser um meio eficaz de prevenção dessas infecções, devendo ser usados outros métodos de controlo ambiental para impedir a propagação dos esporos fúngicos. Uma das medidas mais eficazes passa por assegurar a manutenção de alta eficiência de filtração do ar do exterior. Os estudos provam que uma ampla gama de patogénicos não estão presentes apenas no ambiente de cuidados em torno do paciente, mas também sobrevivem por dias ou até meses (Bartley & Olmsted, 2008). A sobrevivência do microrganismo está relacionada com diversas variáveis, tais como temperatura ambiente, humidade relativa, concentração inicial de inoculo e substrato da superfície. O período de sobrevivência de alguns agentes patogénicos no ambiente mostra como o ambiente das unidades pode servir como reservatório de transmissão da infecção. Alguns estudos (Gastmeier et al., 2006) revelam que agentes com maior tempo de sobrevivência são agentes comuns de infecção nosocomial, sendo demonstrado que, para além de Clostridium difficile, que pode permanecer vários meses, o E. faecium sobrevive por períodos mais longos (T.médio=60 dias), seguido de E. faecalis (T.médio=31 dias), Enterobacter spp (T.médio=17,5 dias) e S. aureus (T.médio=12 dias). Isto mostra a necessidade de identificar e incluir os pontos realmente cruciais para a transmissão no conceito do controlo das infecções. Além disso, alerta para a importância dos procedimentos de limpeza e desinfecção para impedir a propagação dos patogénicos nosocomiais. Assim, precisamos de um compromisso renovado para ajudar a garantir a segurança dos nossos pacientes. Para tal é necessário continuar a prevenir, através da educação e treino dos profissionais de saúde, estabelecendo continuamente pontos específicos para o controlo de infecção. O ambiente na transmissão da infecção Bibliografia 1. Bartley, J.M. & Olmsted, R.M. (2008). Reservoirs of Pathogens Causing Health Care-Associated Infections in the 21st Century: Is Renewed Attention to Inanimate Surfaces Warranted ? Clinical Microbiology Newsletter 30 : 113-17. 2. Bisaga, A., Paquette, K., Sabatini, L. et al. (2008). A prevalence study of methicillin-resistant Staphylococcus aureus colonization in emergency department health care workers. Annals of Emergency Medicine, 52: 525-28. 3. Boyce, J. M. (2007). Environmental contamination makes an important contribution to hospital infection. Journal of Hospital Infection, 65(S2): 50–54. 4. Brady, R.R.W., Verran, J., Damani, N.N., et al.(2009). Review of mobile communication devices as potential reservoirs of nosocomial pathogens. Journal of Hospital Infection, 71: 295-300. 5. Eggimann, P., Sax H., Pittet, D. (2004). Catheter-related infections. Microbes and Infection 6: 1033–42. 6. 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O aquecimento global e o efeito estufa, consequência da industrialização e aumento de gases com efeito estufa emitidos para a atmosfera, assim como o efeito das alterações climáticas sobre as pessoas, sobre os vectores transmissores de doença e sobre os microrganismos são também realçados. Palavras-chave: doenças infecciosas, clima; poluição; efeito estufa The author discusses aspects of the problem of climate change and its influence on the emergence and re – emergence of infectious diseases, with particular emphasis on zoonoses. Global warming and the greenhouse effect, a consequence of industrialization and increase of greenhouse gases emitted into the atmosphere, as well as the effect of climate change on people, on the disease-transmitting vectors and on the microorganisms are also highlighted. Keywords: infectious diseases, climate, pollution, greenhouse effect “One can think of the middle of the twentieth century as one of the most important social revolutions in History, the virtual elimination of infectious diseases as a significant factor in social life” Sir MacFarlane Burnett, 1962, Nobel Awarded A importância deste tema é tal que no ano de 2008, a OMS dedicou o dia 7 de Abril, Dia Mundial da Saúde às alterações climáticas e à sua repercussão na saúde humana. Em meados do século XX, MacFarlene especulava que a eliminação das doenças infecciosas teria um enorme impacto na vida das sociedades, e que seria a maior revolução social da história. Anos antes, o início da terapêutica antibiótica fazia acreditar que isto era possível. De forma esquemática, o planeta pode ser dividido em zonas climáticas (Fig.1). É assim reconhecida uma zona quente entre os trópicos, duas zonas temperadas (norte e sul), e duas zonas frias, correspondentes ao Círculo Polar * [email protected] Cadernos de Saúde Vol. 3 Número especial Infecção Associada à Prática de Cuidados de Saúde – pp. 47-52 48 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e Árctico e ao Círculo Polar Antárctico. Foi isto que nós aprendemos na nossa escola primária mas infelizmente as coisas já não estão assim. O clima está a mudar e todos nós temos esta sensação e percepção, e perguntamos porque é que isto está a acontecer. Felizmente que temos resposta e a resposta é ouvida todos os dias na comunicação social e é o designado efeito estufa que causa no planeta um aquecimento global. O princípio subjacente à vulgar estufa tão utilizada na agricultura, e que consiste na existência de um espaço fechado onde são criadas condições de humidade e de temperatura que permitem que se consiga recriar um ambiente para o desenvolvimento de determinadas plantas. Numa estufa com cobertura transparente ou translúcida, esta deixa passar a luz do Sol (radiação solar) mas devolve parte do “calor” (e radiação infravermelha) para o interior da estufa. O nosso planeta, por razões que vamos ver mais adiante, é uma enorme estufa a vaguear pelo espaço. Assim, a radiação solar recebida na Terra ultrapassa a atmosfera sendo uma parte importante reflectida para o espaço. Apenas uma pequena parte Gás de efeito Concentração estufa seria de novo reflectida pela atmosfera para a Terra. Acontece que as alterações estruturais da atmosfera pelo desequilíbrio na sua constituição gasosa leva a que o calor reflectido para a Terra tenha vindo a aumentar de forma significativa, criando assim um efeito estufa (Figura 2). Mas o que é que desequilibrou todo este processo mantido durante milhões de anos? A explicação Tempo de vida médio Fontes Antrópicas Potencial de Contribuição Aquecimento para o efeito Global estufa H2O Variável 1-3% alguns dias todas relacionas abaixo não se aplica não se aplica CO2 370 ppm aumento de 1,5 ppm/ano variável 200-450 anos combustível fossil (75%) desmatamento (24%) 1 52,5% 12 ± 3 anos extração combustível (20%) reservatórios e represas (20%) digestão animais (18%) plantações arroz (17%) lixões e aterros (10%) excrementos animais (7%) 23 17,3% 310 5,4% CH1 1750 ppb N2O 312 ppb 120 anos solo (70%) transporte (14%) indústria (7%) CFCs (ex. CFC-12) 533 ppt 102 anos gás refrigerantes, fabricação espuma 6.500 SF6 4.7 ppt 3.200 anos produção Mg indústria electricidade 23.900 O3 troposfera 25/26 ppb semanas indirecto, via processos industriais, veículos n/a 12,2% 12,5% (valor incerto) Alterações climáticas e patologia infecciosa está na emissão para a atmosfera dos chamados gases com efeito estufa (Figura 3). Mais uma vez por detrás de tudo isto está a mão do Homem. A emissão destes gases tem a ver com a actividade humana do dia-a-dia. Assim, substâncias como os clorofluorocarbonetos (CFC), utilizados em sistemas de refrigeração, climatização, fabrico de espumas ou solventes, aerossóis e extintores de incêndios, os hidrocarbonetos halogenados (halons) utilizados também na extinção de incêndios, o tetracloreto de carbono, utilizado para usos laboratoriais, o tricloroetano utilizado como solvente, o brometo de metilo usado na fumigação para controlo de pragas, e finalmente os hidrofluorocarbonetos (HCFC), utilizados no fabrico de espumas e usados também em sistemas de refrigeração, são responsáveis por uma parte importante dessas emissões. Contudo no seu conjunto representam apenas metade das emissões. O principal responsável é o CO2 (dióxido de carbono), que contribui em mais de 50 % para o efeito estufa (Figura 3). Foi com o inicio da era de industrialização que começaram os problemas. A industrialização, com a consequente motorização dos transportes e urbanização crescente, levou a que desde os anos 70 do século XIX se passasse duma concentração de 290 ppm de CO2 para 370 ppm no início dos anos 2000. O aumento da concentração atmosférica de CO2 é exponencial. Portanto, todos nós contribuímos para este fenómeno. Esta “lesão” da camada de ozono para além da contribuição para o aumento das temperaturas, contribui para outros efeitos sobre a nossa saúde, na medida em que a filtragem dos raios solares, nomeadamente os raios ultravioletas, deixa de ser feita de forma eficaz. O aquecimento global afecta o planeta, na sua estrutura física, mas também a vida quer animal, quer vegetal. Os efeitos são múltiplos e podemos integrá-los em três grandes grupos: efeitos geológicos, hidrológicos e sobre os seres vivos. No que respeita às consequências físicas motivadas pelas alterações climáticas, podemos sequenciá-las da seguinte forma: elevação da temperatura (2 oC em 2100), subida do nível da água do mar (49 cm em 2100), alteração dos ciclos hidrológicos, com consequente maior vulnerabilidade dos países em desenvolvimento. Verificamos que as previsões de aquecimento global apontam para um aumento da temperatura em quase todo o planeta, com particular destaque para o norte da América do Sul e região do Árctico, aqui com consequências importantes no degelo que se vai verificando. 49 No século XX, o nível das águas do mar subiu cerca de 20 cm, e se nos lembramos que mais de 75% da população mundial vive até 160 km da costa marítima, que cidades bastante populosas estão construídas abaixo do nível do mar, como por exemplo, Amesterdão, Nova Orleães ou Miami, um aumento nos próximos anos semelhante ao que ocorreu no século XX, poderá ter resultados catastróficos. As alterações ambientais mais evidentes, para além do aquecimento global, e não podemos deixar de referir as consequências das políticas de desflorestação e reflorestação, condicionantes também de alterações nos ecossistemas, explicam o aumento da ocorrência de inundações e outras catástrofes, surgindo com maior impetuosidade em regiões previsíveis, mas surgindo também em regiões onde esses acontecimentos eram incomuns. Cabe aqui uma referência ao fenómeno “El Niño”, em que se observa a ocorrência de inundações ou períodos de seca em áreas onde normalmente isto não ocorria. Até agora abordamos as questões relacionadas com o impacto no Planeta, em termos actuais e futuros, mas haverá algum impacto sobre o homem enquanto ser vivo? A resposta naturalmente é sim e vamos tentar demonstrá-lo a seguir. Se o fenómeno El Niño tem sido considerado consequência visível das alterações climáticas e do efeito estufa não é menos verdade que também intervém no perfil epidemiológico das doenças infecciosas. O ressurgimento de doenças e a emergência de outras doenças em regiões onde não existiam, devido à criação de condições de sobrevivência dos vectores com particular destaque para os mosquitos, é um conhecimento adquirido. O ressurgimento da malária e o aparecimento de infecções ou infestações típicas de climas mais quentes e húmidas são uma realidade e são exemplos a ocorrência de dengue e da febre do Nilo Ocidental em regiões dos Estados Unidos e sul da Europa. Assim nos últimos 30 anos foram identificadas 50 novas doenças ou agentes infecciosos, dos quais mais de 75 % são de origem zoonótica. Os factores que interferem com a patologia infecciosa dividem-se em intrínsecos e extrínsecos, e de entre os primeiros referimos o agente, o vector, as características do hospedeiro, os reservatórios, grau de virulência do agente, imunidade do hospedeiro e via de transmissão. De entre os factores extrínsecos, para além do meio ambiente, dos habitats, dos ecossistemas, da urbanização desordenada, é de realçar o clima, e a inter-relação entre esses factores. 50 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e Os impactos do meio ambiente na saúde humana são bem conhecidos, sabendo-se que as alterações da temperatura e a poluição atmosférica aumentam a incidência de doenças respiratórias e cardiovasculares e do cancro. A contaminação da água e alimentos condiciona o aparecimento de toxi-infecções entéricas e das hepatites A e E, e são facilitadas as infecções veiculadas por vectores (mosquitos, carraças e outros vectores de doenças zoonóticas). A relação entre alterações climáticas e doenças infecciosas é expressa no aumento da incidência e das áreas endémicas de doenças como a febre-amarela, dengue, febre do Nilo Ocidental, infecções por vírus Hantaan, malária, leptospirose, leishmanioses, entre outras. Depois do que foi dito, vamos exemplificar com algumas situações infecciosas que melhor demonstram o que acabamos de dizer. Malária A malária constitui um problema importante de saúde pública pela eclosão de resistência aos antimaláricos e insecticidas, numa doença de carácter endémico em certas áreas, mas com ocorrência de casos em áreas não endémicas, e um total anual estimado de 247 milhões de casos, de 3,3 mil milhões de pessoas em risco, causando anualmente cerca de 1 milhão de mortes (World Malaria Report 2008 – The Partnership for Maternal, Newborn & Child Health). A Figura 4 mostra as áreas endémicas de transmissão da malária e a criação de condições de sobrevivência do vector e do parasita, colocando-se o sul da Europa em risco futuro de ocorrência do ressurgimento da doença. Dengue Doença originária de África, provocada por um Flavivirus e transmitida pelo mosquito Aedes aegypty, é mais frequente no Verão. O mosquito pica durante o dia, podendo ser também vector da febre-amarela. É uma doença endémica em 100 países, anualmente causadora de 50 a 100 milhões de casos da forma febril, e de 250 000 a 500 000 casos da forma hemorrágica, grave e com maior mortalidade. Prevê-se uma expansão da endemia face à urbanização descontrolada. Em 1927-1928 houve na Europa uma epidemia de dengue hemorrágico que afectou a Grécia e provocou cerca de 1200 óbitos. A distribuição mundial do dengue, segundo dados publicados pela OMS em 2001, é semelhante à da malária, pelo que o que se disse se aplica também ao dengue. Febre do Nilo Ocidental Entidade descrita pela primeira vez em 1937, na província do Nilo Ocidental, no Uganda, a sua ocorrência na Europa foi registada em 1996, quando uma epidemia na Roménia levou à hospitalização 500 casos, com uma mortalidade de 5 %. No Verão de 1999 observou-se um surto em Nova Iorque, com 62 casos de encefalite e 7 óbitos. Em 2002 foram notificados nos EUA 2942 casos de meningoencefalite e 276 óbitos (NEJM 351: 370, 2004). Em 2003, também nos EUA foram notificados 9858 casos e 262 óbitos. 69 % dos casos correspondiam a síndrome febril e 29 % a meningoencefalite. O vector são mosquitos, particularmente das espécies Aedes, Culex e Anopheles e mais de 150 espécies de aves são o reservatório natural. (Fig. 5) A transmissão faz-se por picada do vector, tendo contudo, de ser também considerada a possibilidade da sua transmissão ocorrer por via sanguínea, por transplante de órgãos ou por via materno-fetal. 70 % dos casos correspondem a infecções assintomáticas, enquanto 20 % se traduzem por um síndrome febril benigno, facilmente confundido com outras situações comuns, apenas em menos de 1 % dos casos se verificam situações mais graves, sob a forma de meningoencefalite ou de paralisia flácida. Febre por virus Chikungunya Doença endémica na África Oriental, ilhas do Índico, Índia e Sudeste asiático, com evolução benigna, mas lenta, caracteriza-se clinicamente por febre, artralgias e exantema. O agente responsável é um togavírus do género alfavírus, sendo o seu vector o mosquito Aedes albopictus. Foram descritas epidemias desde 2005, nas Ilhas Seychelles, Maurícias, Comores e da Reunião, ilha onde se registaram mais de 270 000 casos, com uma mortalidade de 11 %. Foram então descritos casos em França (783 casos em 2006), na Alemanha, Bélgica, Reino Unido, Itália, Suíça, Noruega, República Checa, Espanha e Guiana Francesa. No Verão de 2007 ocorreram 197 casos autóctones na província de Ravena, em Itália, com registo de um óbito. A infestação na região de Aedes albopictus e a identificação de um doente portador do vírus, vindo da Índia, explicaram esse surto que foi rapidamente contido. Alterações climáticas e patologia infecciosa Vírus Toscânia O vírus Toscânia é um arbovírus neurotrópico, pertencente ao género Flebovirus, tendo como vector e reservatório o Phlebotomus perniciosus, espécie amplamente distribuída em Portugal. O vírus é causa frequente de meningite asséptica no Verão, sendo endémico na área mediterrânica – Itália, Espanha, França, Grécia, Eslovénia, Turquia, Egipto e Algéria. Entre 2002-2005 foram contudo, registados 6 casos de meningite aguda na área metropolitana do Porto, o que corresponde a 5.6 %, dos casos de meningite vírica observados nesse período. Encefalite por picada da carraça A carraça (Ixodes ricinus), entre nós classicamente responsabilizada por transmitir a febre escaro- 51 nodular, pode ser também vector da transmissão de um arbovírus da família Bunyaviridae, causador de encefalite. O clima restringe a distribuição e actividade do vector, e influencia a incidência e sazonalidade da doença. A ocorrência na Suécia de Invernos mais suaves e de Primaveras mais precoces, na década de 90, levou então a um aumento dos casos de doença (Lindgren & Gustafson, 2001). O ressurgimento da malária, a emergência de casos de dengue, de febre do Nilo Ocidental e o aumento do número de casos de doença de Lyme, de febre escaronodular e de leishmaniose, são situações cuja prevalência pode aumentar na Península Ibérica com o aquecimento global que previsivelmente vai ocorrer. De tudo o que foi escrito não temos dúvidas em afirmar que um Mundo mais quente será seguramente um Mundo mais doente e que a ameaça de novos 52 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e agentes ou de novas epidemias requer uma vigilância epidemiológica permanente e activa, a nível nacional e internacional. O mundo microscópico com que convivemos há milhões de anos, continua a encerrar “segredos”, que a nossa capacidade e conhecimentos estão longe de descobrir. Em patologia infecciosa há pois, sempre, que esperar o inesperado, qual “caixa de Pandora” com risco de ser aberta em qualquer momento. A destruição do Planeta e a forma como lidamos com o ambiente são uma das muitas “chaves” dessa abertura. Bibliografia 1. Amaro F, Ciufolini MG, Venturi G et al.: Diagnóstico Laboratorial de Flebovirus (Virus Toscana). Acta Med Port 2007; 20: 341-5 2. Anderson PK, Cunningham AP, Patel NG et al. Emerging infectious diseases of plants: pathogen pollution, climate change and agrotechnology drivers: Trends in Ecology and Evolution 2004;19 (10) :535-44 3. Cazelles B, Hales S: Infectious Diseases, Climate Influences and Nonstationarity: PLoS Medicine | www.plosmedicine.org August 2006, 3 (8):1212-13 4. Committee on climate, ecosystems, infectious disease, and human health. National Research Council, Washington DC, USA – Under the Weather: Climate, Ecosystems, and Infectious Disease 5. Elrington L.Climate Change and Infectious Diseases. Climate Change and Human Health Risk and Responses 16-17 6. Greer A, Victoria NG, Fisman D. Climate change and infectious diseases in North America: the road ahead: CMAJ 2008; 178 (6):715-22 7. Gursky EA.: Climate Change and Infectious Diseases. Medscape Today 13-06-2008 8. IDS Health & Development: – Information Team. Climate change and infectious diseases Health Reporter 8th April 2008 9. Lindgren E, Gustafson R. Tick-borne encephalitis in Sweden and climate change. Lancet, 2001; 358 (9275): 16-18 10. Patz JA, Epstein PR, Burke TA, Balbus JM. Global climate change and emerging infectious diseases : JAMA. 1996; 275 (3): 217-23 11. Santos L, Simões J, Costa R et al – Toscana vírus meningitis in Portugal, 2002-2005. Eurosurveillance, 2007; 12(3-6): 126-8 12. Silva MM, Santos AS Formosinho P. et al: Carraças associadas a patologias infecciosas em Portugal. Acta Med Port 2006;19: 39-48 Infecções em cuidados continuados – Saúde Mental Infections in integrated continuous care units – mental health Álvaro Ferreira da Silva* Unidade de Cuidados Continuados João Paulo II; Centro Hospitalar Conde Ferreira. Santa Casa da Misericórdia do Porto Resumo Abstract Inseridas na RNCCI, as UCCs constituem-se como um novo modelo organizacional entre as instituições públicas e privadas. Prestam cuidados continuados de saúde e de apoio social, e representam uma concepção humanista dos cuidados de saúde ao se situarem entre o hospital e a família. A SCMP em protocolo firmado com a ARS Norte abriu em Dezembro 2008 no Centro Hospitalar Conde de Ferreira uma UCC, em projecto piloto para utentes com patologia mental crónica, denominada João Paulo II, e com a tipologia de unidade de longa duração e manutenção. Segundo o PNPCI associado aos cuidados de saúde, os dados disponíveis sobre as infecções provocadas por agentes resistentes demonstram que: 30-40 % são resultado da colonização e infecção cruzada, tendo como veículo principal as mãos dos profissionais de saúde; 20-25 % resultam da terapêutica antibiótica sucessiva e prolongada; 20-25% são consequência do contacto com microrganismos adquiridos na comunidade e 20% têm origem desconhecida. Nesse sentido considerou-se como prioritário na UCC João Paulo II a prevenção das IACS, pelo que se estabeleceu um programa de Acção de Formação aos seus profissionais. Na UCC João Paulo II, de entre as infecções ocorridas nos 5 meses de actividade, 37 % foram infecções de tracto urinário, 30 % respiratórias, 11 % conjuntivites, 7 % infecções de boca e dentes, 7 % otites e 4 % Infecções vaginais e cutâneas. Para o tratamento das infecções diagnosticadas e passíveis de serem tratadas na UCC, recorremos ao Prontuário Terapêutico recomendado pela RNCCI, de forma a racionalizar o uso de antibioterapia nos vários tipos de estabelecimentos do SNS (Centros de Saúde, Hospitais, Unidades de Cuidados Continuados, Domicílios e Lares). Palavras-chave: cuidados continuados; saúde mental Glossário ARS – Administração Regional de Saúde IACS – Infecção Associada aos Cuidados de Saúde PNPCI – Programa Nacional de Prevenção e Controlo da Infecção RNCCI – Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados SCMP – Santa Casa da Misericórdia do Porto UCC. – Unidade de Cuidados Continuados SNS – Serviço Nacional de Saúde Integrated in the NNICC, the ICCUs constitute a new organisational model between the public and private institutions. Providing continuum of care and social support and represent a humanist conception of health care to be located between the hospital and the family. The SCMP, in a protocol signed with the ARS North, created in December 2008, in Hospital Conde de Ferreira, in Oporto, an ICCU in the pilot project for patients with chronic mental condition, called John Paul II. According NPPIC data, associated health care infections caused by resistant agents show that: 30-40% are the result of colonization and cross infection, being hands of health professionals the main vehicle, 20-25% result of successive and prolonged antibiotic therapies, 20-25% result from contact with community-acquired pathogens, and 20% are of unknown origin. The prevention of HCAI was considered a priority in the UCC John Paul II, so it was established a program for the professional training. In the ICCU John Paul II, among the infections that occurred within 5 months of operation, 37% of infections were urinary tract infections, 30% respiratory infections, 11% were conjunctivitis, 7% mouth and teeth infections, 7% were otitis, and 4 % were vaginal and skin infections. For the treatment of these infections treated at ICCU the guidelines of RNCC were followed, in order to rationalize the use of antibiotics in various types of NHS establishments: Health Centers, Hospitals, Continuing Care Unit and Residential Homes. Keywords: integrated continuous care; mental health Glossary ARS – Regional Health Administration HCAIs – Health Care associated infection ICCU. – Integrated Continuous Care Unit NHS – National Health Service NNICC – National Network for Integrated Continuous Care NPPIC – National Program for Prevention and Infection Control SCMP – Santa Casa da Misericórdia do Porto * [email protected] Cadernos de Saúde Vol. 3 Número especial Infecção Associada à Prática de Cuidados de Saúde – pp. 53-58 54 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e No ano 2002 a Organização Mundial de Saúde definiu Cuidados Paliativos. Assim, pelo Decreto-lei nº 101/2006 foi criada a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, que “representam uma concepção humanista dos cuidados de saúde, e que se situam entre o hospital e a família.” Constitui-se assim um novo modelo organizacional criado pelos Ministérios do Trabalho e da Solidariedade Social, e da Saúde. Formadas por um conjunto de instituições públicas e privadas, que prestam cuidados continuados de saúde e de apoio social, define-se assim Cuidados Continuados Integrados como o conjunto de intervenções sequenciais de saúde e ou de apoio social, decorrente de avaliação conjunta, centrados na recuperação global entendida como o processo terapêutico e de apoio social, activo e contínuo, e que visam promover a autonomia, melhorando a funcionalidade da pessoa em situação de dependência, através da sua reabilitação, readaptação e reinserção familiar e Social. Tem como objectivo geral a RNCCI: • a prestação de cuidados continuados integrados a pessoas que, independentemente da idade, se encontrem em situação de dependência e com perda de autonomia; • a manutenção das pessoas com perda de funcionalidade ou em risco de a perder, no domicilio, sempre que mediante o apoio domiciliário possam ser garantidos os cuidados terapêuticos e o apoio social necessários à provisão e manutenção de conforto e qualidade de vida; •o apoio, o acompanhamento e o internamento tecnicamente adequados à respectiva situação; •a melhoria contínua da qualidade na prestação de cuidados continuados de saúde e de apoio social; • o apoio aos familiares ou prestadores informais, na respectiva qualificação e na prestação dos cuidados; •a articulação e coordenação em rede dos cuidados em diferentes serviços, sectores e níveis de diferenciação. Fundamentam-se numa gestão de caso, onde são identificados os problemas mais complexos dos utentes com o objectivo de proporcionar os cuidados adequados a cada situação. A caracterização na RNCCI das acções e cuidados a prestar são de natureza preventiva, curativa, reabilitação e paliativa integrando ou articulando, designadamente: – Apoio na satisfação das necessidades básicas, tais como: alimentação, higiene pessoal e habitacional e tratamento de roupas; – Cuidados de saúde, com particular relevância para a reabilitação e/ou promoção da autonomia e do bem-estar aos cidadãos em situação de dependência; – Apoio psicológico e social; – Ajuda na interacção utente/família, promovendo a colaboração do próprio e de outros conviventes ou voluntários organizados; – Ajuda para aquisição de capacidades e competências dos utentes e suas famílias, promovendo a máxima autonomia possível e o autocuidado. A composição da RNCCI é constituída por unidades e equipas de cuidados continuados de saúde, e/ou apoio social, e de cuidados e acções paliativas, com origem nos serviços comunitários de proximidade abrangendo os hospitais, os centros de saúde, os serviços distritais e locais da segurança social, a rede solidária e as autarquias locais A prestação de cuidados continuados integrados é assegurada por: Unidade de convalescença Unidade de internamento, independente, integrada num hospital de agudos ou noutra instituição, se articulada com um hospital de agudos, para prestar tratamento e supervisão clínica, continuada e intensiva, e para cuidados clínicos de reabilitação, na sequência de internamento hospitalar originado por situação clínica aguda, recorrência ou descompensação de processo crónico. Tem por finalidade a estabilização clínica e funcional, a avaliação e a reabilitação integral da pessoa com perda transitória de autonomia potencialmente recuperável e que não necessita de cuidados hospitalares de agudos. Destina-se a internamentos com previsibilidade até 30 dias consecutivos por cada admissão. Pode coexistir simultaneamente com a unidade de média duração e reabilitação. Sob a direcção de um médico, assegura: cuidados médicos permanentes; cuidados de enfermagem permanentes; exames complementares de diagnóstico, laboratoriais e radiológicos, próprios ou contratados; prescrição e administração de fármacos; cuidados de fisioterapia; apoio psicossocial; higiene, conforto e alimentação; convívio e lazer. Unidade de média duração e reabilitação Unidade de internamento, com espaço físico próprio, articulada com o hospital de agudos para a prestação de cuidados clínicos, de reabilitação e de apoio psicossocial, por situação clínica decorrente Infecções em cuidados continuados – Saúde Mental da recuperação de um processo agudo ou descompensação de processo patológico crónico, a pessoas com perda transitória de autonomia potencialmente recuperável. Tem por finalidade a estabilização clínica, a avaliação e a reabilitação integral da pessoa que se encontre na situação prevista no número anterior. Tem como período de internamento uma previsibilidade superior a 30 e inferior a 90 dias consecutivos, por cada admissão. Pode coexistir com a unidade de convalescença ou com a unidade de longa duração. Pode diferenciar-se na prestação de cuidados clínicos, de reabilitação e sociais a pessoas com patologias específicas, sob a gestão de técnico da área de saúde ou da área psicossocial e assegura, designadamente: cuidados médicos diários; cuidados de enfermagem permanentes; cuidados de fisioterapia e de terapia ocupacional; prescrição e administração de fármacos; apoio psicossocial; higiene, conforto e alimentação; convívio e lazer. Unidade de cuidados paliativos Unidade de internamento, com espaço físico próprio, preferentemente localizada num hospital, para acompanhamento, tratamento e supervisão clínica a utentes em situação clínica complexa e de sofrimento, decorrentes de doença severa e/ou avançada, incurável e progressiva, nos termos do consignado no Programa Nacional de Cuidados Paliativos do Plano Nacional de Saúde. Podem diferenciar-se segundo as diferentes patologias dos utentes internados, sob a gestão de um médico e assegura, designadamente: cuidados médicos diários; cuidados de enfermagem permanentes; exames complementares de diagnóstico laboratoriais e radiológicos, próprios ou contratados; prescrição e administração de fármacos; cuidados de fisioterapia; consulta, acompanhamento e avaliação de utentes internados em outros serviços ou unidades; acompanhamento e apoio psicossocial e espiritual; actividades de manutenção; higiene, conforto e alimentação; convívio e lazer. Unidade de longa duração e manutenção Unidade de internamento, de carácter temporário ou permanente, com espaço físico próprio, para prestar apoio social e cuidados de saúde de manutenção a pessoas com doenças ou processos crónicos, com diferentes níveis de dependência e que não reúnam condições para serem cuidadas no domicílio. Tem por finalidade proporcionar cuidados que previnam e retardem o agravamento da situação de dependência, 55 favorecendo o conforto e a qualidade de vida, por um período de internamento superior a 90 dias consecutivos. Pode proporcionar o internamento, por período inferior ao previsto no número anterior, em situações temporárias, decorrentes de dificuldades de apoio familiar ou necessidade de descanso do principal cuidador, até 90 dias. Sob a gestão de um técnico da área de saúde ou da área psicossocial, assegura, designadamente: actividades de manutenção e de estimulação; cuidados de enfermagem diários; cuidados médicos; prescrição e administração de fármacos; apoio psicossocial; controlo fisiátrico periódico; cuidados de fisioterapia e de terapia ocupacional; animação sociocultural; higiene, conforto e alimentação; apoio no desempenho das actividades da vida diária; apoio nas actividades instrumentais da vida diária. Em Dezembro de 2008 a Santa Casa da Misericórdia do Porto, em protocolo firmado com a Administração Regional de Saúde do Norte abriu a Unidade de Cuidados Continuados João Paulo II, projecto-piloto para doentes com patologia mental crónica, em tipologia de Unidade de longa duração e manutenção, instalada no Centro Hospitalar Conde de Ferreira. De acordo com o articulado legal, dispõe de médicos de clínica geral, de medicina física e reabilitação, e de psiquiatria, bem como de enfermagem permanente, auxiliares de acção médica, assistentes sociais, psicólogo, nutricionista, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta e administrativo; não dispõe de laboratório de análises clínicas, nem de gabinete de imagiologia próprios. A capacidade da Unidade é de 37 doentes, alojados em quartos de 3 e de 2 camas, e de 1 cama, apresentando equidade de população feminina e masculina. A idade média dos doentes é de 71 anos, tendo 90 anos o mais idoso e 42 anos o mais jovem, valor próximo da média nacional entre todas as Unidades da RNCCI, onde a idade média é de 72 anos, e em que as idades mais frequentes dos doentes internados (41 %) estão compreendidas entre 76-84 anos. As patologias psiquiátricas dominantes são a esquizofrenia, demências, doença bipolar, oligofrenia e debilidade mental. Entre outras patologias mais comuns, 35 % são do foro cardio-cerebro-vascular, 22 % fracturas ósseas, 14 % doença respiratória crónica, 12 % diabetes, 6 % senilidade, 4 % neoplasias; outras patologias estão contudo presentes, como hipertensão arterial, dislipidemia, obesidade, subnutrição, cirrose hepática, insuficiência renal, gastrite, esofagite, hipertrofia prostática, litíase vesicular, litíase renal, anemia, trombocitopenia, 56 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e doença vascular periférica, alterações de deglutição, incontinência de esfincteres, hipoacusia, hipovisão, cegueira, insuficiência venosa, dermatose, cistotomia, Sida, hepatites B e C, e sifílis. Na avaliação de actividades de vida diárias (A.V.D.) foram analisados à data de entrada na Unidade os parâmetros da Escala Modificada de Barthel, quanto à higiene pessoal, banho, alimentação, toalete, subir escadas, vestuário, controlo de micção, controlo de dejecções, deambulação, cadeira de rodas, transferência cadeira/cama. Constatou-se que 75 % dos doentes apresentavam um total de pontuação com critérios de dependência total ou de grave dependência. Na avaliação de risco de úlceras de pressão, segundo a Escala de Braden: foram determinados os parâmetros de percepção sensorial, humidade, actividade, mobilidade, nutrição, fricção/forças de deslizamento, situando-se 75 % dos doentes no escalão de risco elevado (pontuação <12). A avaliação antropométrica, efectuada à data da entrada na Unidade, revelou que 50 % dos doentes apresentavam peso normal, 32 % obesidade grau I e II, e 18 % baixo peso. Segundo o Programa Nacional de Prevenção e Controlo da Infecção Associada aos Cuidados de Saúde, os dados disponíveis sobre infecções provocadas por agentes resistentes demonstram que 30-40 % são resultado da colonização e infecção cruzada, tendo como veículo principal as mãos dos profissionais de saúde; 20-25 % resultam de terapêutica antibiótica sucessiva e prolongada; 20-25 % do contacto com microrganismos adquiridos na comunidade e 20 % têm origem desconhecida. Nesse sentido considerou-se como prioritária na Unidade de Cuidados Continuados João Paulo II a prevenção das infecções associadas aos cuidados de saúde, pelo que se estabeleceu um programa de acção de formação aos seus profissionais e que versou essencialmente os parâmetros: Higienização das mãos Após o contacto directo com o sangue, fluidos corporais, secreções, excreções e itens contaminados; imediatamente antes da colocação das luvas e depois da remoção destas; antes de contacto com o utente, entre utentes ou no mesmo paciente, entre procedimentos para impedir a contaminação cruzada entre locais diferentes, antes de procedimentos assépticos, após o contacto com o doente; tempo de lavagem; produtos a utilizar/protecção da pele; equipamentos; uso de adornos/unhas artificiais; uso de luvas; protecção de feridas; tipos de lavagem de mãos (lavagem higiénica ou social/lavagem asséptica ou desinfecção higiénica/desinfecção alcoólica). tilização de equipamentos de protecção U individual Protecção das mãos com luvas, antes do contacto com sangue, fluidos corporais, secreções, excreções e itens contaminados; antes do contacto com mucosas ou descontinuidades da pele; remoção logo após a sua utilização antes de tocar em objectos ou superfícies não contaminados; protecção da pele e roupa com batas/aventais; protecção da boca e nariz com máscaras e respiradores; protecção dos olhos com óculos, viseira, escudo facial, protegendo as membranas mucosas dos olhos, nariz e boca durante procedimentos e actividades de prestação de cuidados, em que possam existir salpicos de sangue, fluidos corporais, secreções e excreções. Prevenção de acidentes por picada Protecção dos objectos cortantes-perfurantes, práticas de trabalho que aumentem o risco de ocorrência de picada, evitar reencapsulamento de agulhas; colocação de agulhas em contentores adequados, de paredes rígidas, nunca usar qualquer técnica que envolva o apontar da agulha na direcção de qualquer parte do corpo, utilizar o tabuleiro para transporte de seringas e do contentor destinado aos resíduos corto-perfurantes. Prevenção de complicações respiratórias Promover o ortostatismo e as variações de decúbito no doente acamado, estimular uma adequada dinâmica vertebro-costal e abdomino-diafragmática, promover o ensino de posições de repouso e relaxamento, quando necessárias; promover as condições necessárias a uma eficaz drenagem de secreções, aplicando se necessário técnicas de desobstrução e de tosse assistida; garantir um bom estado de hidratação. Boa prática em espirrar ou tossir, tapando a boca e nariz com um lenço de papel, rejeitando-o de seguida em local próprio (lixo de produtos biológicos), colocação do antebraço (e não a mão) à frente da boca e do nariz, depois de tossir ou espirrar lavando as mãos ou desinfectando-se com uma solução à base de álcool. Efectuar o controlo ambiental, descontaminando equipamentos e instrumentos envolvidos na prestação de cuidados – a limpeza precede sempre Infecções em cuidados continuados – Saúde Mental a desinfecção/esterilização –, a unidade do utente (grades e estrutura da cama; mesa de cabeceira), utilizar equipamentos de protecção individual de acordo com a possibilidade de contaminação ao manipular equipamentos/instrumentos, respeitar normas na manipulação da roupa, limpar com frequência superfícies susceptíveis de estarem contaminadas com microrganismos potencialmente patogénicos, fazer uma correcta triagem e acondicionamento dos resíduos. Localizar bem o doente, atendendo aos seus factores de risco para a transmissão de agentes, factores de risco para acontecimentos adversos relacionados com a IACS dos outros doentes; via da transmissão do agente infeccioso suspeito ou confirmado; disponibilidade de quartos. Promover a vacinação/imunização dos profissionais de saúde: vacinas da gripe, hepatite B, tétano, aplicação de profilaxia pós-exposicional; dos doentes: vacinas do tétano, da gripe e antipneumocócica (Pneumo 23). Prevenção da infecção do tracto urinário – avaliação da necessidade de algaliação, selecção do tipo de algália, inserção e manutenção asséptica da algália e sistema; remoção correcta da algália, tipos de algaliação (< 7-10 dias, de borracha; < 2/3 semanas, de látex; < 3 meses, de silicone); inserir a algália com técnica asséptica e equipamento estéril, fixar correctamente o cateter, manter o circuito estéril fechado, colher urina usando técnica asséptica, manter o fluxo de urina desobstruído, atentar a lavagem das mãos e a lavagem da área genital, escolher a algália de calibre mais adequado à uretra para que permita uma drenagem eficaz. Efectuar ensinamento às visitas – alertando-as para tapar a boca e o nariz com um lenço de papel, rejeitando-o de seguida, e se não tiver um lenço colocar o antebraço (e não a mão) à frente da boca e do nariz, assim como depois de tossir ou espirrar, lavar as mãos/alcoolizar com dispensadores colocados nos quartos, sala de visita, portas, casas de banho, desinfectar telefones, campainhas, computadores e outros equipamentos. Na UCC João Paulo II, entre a patologia infecciosa relacionada com a prestação de cuidados de saúde registada nos seus cinco meses de actividade, 37 % foram infecções do tracto urinário, 30 % infecções respiratórias, 11 % conjuntivites, 7 % infecções de boca e dentes, 7 % otites e 4 % infecções vaginais e cutâneas. Para o tratamento das infecções diagnos- 57 ticadas e passíveis de serem tratadas na Unidade, recorreu-se ao Prontuário Terapêutico recomendado pela RNCCI, de forma a racionalizar o uso da antibioterapia nos vários tipos de estabelecimentos de saúde do SNS (Centros de Saúde, Domicílios e Lares, Hospitais, Unidades de Cuidados Continuados). Os fármacos anti-infecciosos em geral e os antimicrobianos em particular têm demonstrado uma eficácia inquestionável no tratamento das infecções, sendo a sua utilidade terapêutica indiscutível. Contudo, após a sua introdução na prática clínica, rapidamente se verificou que diferentes microrganismos eram susceptíveis de adquirir resistência a fármacos aos quais eram inicialmente sensíveis, sendo o exemplo dos estafilococos produtores de β- lactamases o mais conhecido. A emergência de estirpes resistentes, como resultado da pressão selectiva, é hoje em dia uma realidade preocupante. A utilização, generalizada e precoce, de uma terapêutica antimicrobiana de largo espectro favorece o crescimento e a selecção de microrganismos resistentes, ao eliminar as estirpes sensíveis. Os princípios gerais da terapêutica antimicrobiana deverão, assim, estar sempre presentes quando da instituição de uma antibioterapia. O tratamento deverá ser individualizado, tendo em consideração o perfil do utente, o local da infecção e a etiologia da doença. A selecção do antimicrobiano deverá basear-se na sua eficácia e segurança, e ainda num custo aceitável. Ao avaliar a eficácia e segurança de um antimicrobiano é importante considerar os efeitos resultantes de uma terapêutica de largo espectro na ecologia bacteriana – aumento do risco de infecção devida a microrganismos resistentes para o próprio utente e emergência de estirpes bacterianas com novos padrões de resistência no próprio meio, quer hospitalar, quer na comunidade. O antimicrobiano eficaz de menor espectro de actividade deverá ser sempre o fármaco de primeira escolha, devendo os clínicos adoptar uma atitude restritiva dentre os vários grupos de antimicrobianos eficazes (um ou dois fármacos de cada grupo). Os novos antimicrobianos deverão ser sempre avaliados, tendo como referência os já existentes e prescritos apenas quando claramente superiores. As associações de antimicrobianos justificam-se apenas em situações particulares, a maioria ocorrendo em meio hospitalar, e têm por objectivo o tratamento de infecções polimicrobianas, em que um único fármaco não é susceptível de cobrir os microrganismos isolados, obter um efeito sinérgico – sem dúvida de grande relevância no tratamento de infecções 58 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e devidas a determinadas estirpes bacterianas, como é o caso da endocardite devida a Streptococcus ou das infecções por Pseudomonas – ou ainda minimizar o desenvolvimento de estirpes resistentes, como é o caso do tratamento da tuberculose ou das infecções por Pseudomonas. Uma terapêutica empírica deverá ser instituída com um antibiótico ou associação de antibióticos cujo espectro de actividade inclua apenas o ou os microrganismos que se suspeita serem causadores da infecção e não todos os possíveis; uma terapêutica de largo espectro justifica-se quando for necessário assegurar um controlo precoce da situação clínica do utente e evitar complicações. O perfil do utente, a gravidade da situação e a existência de co-morbilidade são factores importantes a considerar, bem como o local da infecção e o padrão de susceptibilidade aos antimicrobianos do ou dos agentes etiológicos mais provavelmente responsáveis pela infecção em causa. Das reacções adversas induzidas pelos antimicrobianos em geral, as reacções alérgicas – febre e erupções cutâneas – são as mais frequentes. A nefro e a ototoxicidade, bem como a mielo-supressão são específicas de fármacos e estão bem documentadas. A utilização de regimes posológicos adequados é determinante da resposta terapêutica. A eficácia do tratamento dependerá do rigor do diagnóstico e de uma terapêutica antimicrobiana apropriada. Bibliografia 1. Programa Nacional de Prevenção e Controlo da Infecção Associada aos Cuidados de Saúde 2. Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados 3. Prontuário Terapêutico – Infarmed 4. Decreto-Lei n.º 101/2006 Transmissão da infecção em infantários e jardins-de-infância Infectious diseases transmission in nurseries José Carlos Cidrais Rodrigues* Serviço de Pediatria; Hospital Pedro Hispano / U.L.S. Matosinhos Resumo Abstract Pese a sua utilidade social, a presença em infantário constitui um sério risco de transmissão de doenças infecciosas para as crianças que os frequentam, sobretudo as mais pequenas. O melhor conhecimento da legislação aplicável pelos cuidadores e a adopção de medidas de higiene muito simples contribuiriam em grande medida para minorar o problema. Notwithstanding their social significance, kindergartens represent a serious risk for transmission of infectious diseases. Public awareness of legislation, as well as simple hygiene precautions, would go a long way towards ameliorating this problem. Keywords: infectious diseases, nurseries. Palavras-chave: infecções, infantário. Embora a presença de crianças em infantários constitua um indubitável factor de risco para a transmissão de doenças infecciosas, sobretudo antes dos 3 anos de idade, não podemos esquecer que estas instituições desempenham um papel social e económico relevante na sociedade actual ao permitirem que pais que trabalham possam confiar os seus filhos a entidades que deles cuidem com qualidade e segurança. Do mesmo modo, não são desprezíveis as vantagens para os filhos, pois a integração precoce em comunidades apropriadas contribuem para um desenvolvimento harmonioso, para a aquisição precoce de novas capacidades cognitivas e para a aquisição de defesas imunitárias que lhes serão úteis para toda a vida, pois por muito que tal conceito seja dificilmente interiorizável, crescer e amadurecer implica contactar com a doença, e por vezes mesmo adoecer. São variadas as causas da maior susceptibilidade infecciosa nos primeiros anos de vida, mas entre elas avultam: 1.Factores físicos, como a menor eficácia da pele e mucosas como barreira adequada. 2.Factores do desenvolvimento: regurgitações alimentares frequentes, incontinência de esfincteres com maior exposição a líquidos orgânicos e maior dependência de terceiros para higiene e alimentação 3.Factores imunológicos, pois a imaturidade do sistema imunitário própria do escalão etário e a existência de um plano de vacinas ainda incompleto em muito contribuem para a maior susceptibilidade a infecções. Na realidade, todos os órgãos e sistemas podem ser atingidos, mas as infecções mais frequentemente implicadas são: 1.Respiratórias (por vírus sincicial respiratório, influenza, adenovírus e metapneumovírus, e bacterianas – estreptocócicas e pneumocócicas). 2.Gastrintestinais (por rotavírus, enterovírus, vírus da hepatite A, parasitoses). 3.Cutâneas e das faneras (impétigo, moluscum contagioso, tinha, pediculose). 4.Meningites/sépsis (bacterianas e víricas). Naturalmente, a possibilidade da transmissão de infecção depende essencialmente da possibilidade da excreção do agente infectante, da capacidade de transferência para outro indivíduo e da existência de uma porta de inoculação. Os reservatórios do agente infectante podem naturalmente ser variados: * [email protected] Cadernos de Saúde Vol. 3 Número especial Infecção Associada à Prática de Cuidados de Saúde – pp. 59-60 60 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e 1.Humanos: pais, pessoal, outras crianças, visitantes. 2.Animais: cães, gatos, pássaros, outros. 3.Meio ambiente: água, solo, móveis, brinquedos, equipamentos. Também as vias de transmissão podem ser diversas, variando sobretudo em função do tipo de agente: 1.Fecal-oral: enterovírus, rotavírus, Giardia lamblia. 2.Contacto: rotavírus, escabiose, influenza, sarampo, rubéola, parotidite, impétigo, pediculose. 3.Inalatória: H. pertussis, H. inluenzae tipo B, estreptococo grupo A, pneumococo, meningococo. 4.Contacto e inalatória: vírus sincicial respiratório, influenza, adenovírus. 5.Via aérea: tuberculose, varicela, sarampo. 6.Fontes exógenas: leite materno, preparados lácteos, alimentos. Infelizmente, a informação sobre estes factores, de que depende a possibilidade de se evitar a transmissão infecciosa, parece ser muito escassa entre o pessoal responsável por estas instituições, do que resulta uma enorme confusão sobre os sintomas e patologias que possam justificar a evicção da criança. Do mesmo modo, o conhecimento da legislação aplicável parece em larga medida ignorado por estes profissionais. Um inquérito efectuado por Ana Paula Silva e Manuel Salgado entre educadores infantis de um concelho perto de Coimbra, mostrou que 67 % ignorava a sua existência, 28 % sabiam da sua existência mas não a conheciam, e apenas 5 % a conheciam e aplicavam. Desta ignorância resulta a constante exigência de declarações médicas inúteis e de duvidoso valor legal. As doenças que impedem a frequência de infantários encontram-se bem definidas no Dec.-Reg. 3/95 (Quadro 1) As medidas destinadas a dificultar a transmissão de doenças infecciosas em infantários são, no entanto, muito simples e da sua aplicação sistemática pode resultar um claro benefício para as crianças e para a comunidade. Essencialmente consistem em: 1. Lavar frequentemente as mãos ou, quando impossível, proceder à sua higienização com solução antisséptica de base alcoólica (a evitar nas crianças). 2. Vacinar, quer cumprindo escrupulosamente o Programa Nacional de Vacinação, quer considerando de modo casuístico a utilização criteriosa de outras vacinações disponíveis (como hepatite A, influenza, varicela, rotavírus, pneumocóccica). 3. Compartimentar tarefas, por exemplo impedindo que quem manipule fraldas possa mexer em alimentos. 4. Proceder à lavagem e desinfecção repetida de materiais e equipamentos – incluindo brinquedos, superfícies de trabalho, maçanetas de portas, livros, teclados de computador, telefones. 5. Exclusão de brinquedos de peluche, que são verdadeiros depósitos de vírus e bactérias. 6. Implementar o uso de material de protecção, de lenços de papel descartáveis e de outras medidas destinadas e evitar a propagação de infecções. 7. Proceder ao afastamento de crianças e profissionais com doenças transmissíveis, definidas na legislação. 8. Respeitar as normas definidas para a existência de espaços mínimos entre as instalações de repouso das crianças. 9. Promover o adequado arejamento dos espaços interiores 10.Instituir acções de formação ao pessoal prestador sobre os períodos de afastamento que o risco de contágio implica para cada patologia. Bibliografia Quadro 1 – Doenças que implicam a evicção de infantário. (Dec.Reg. 3/95) Difteria Tuberculose pulmonar Tétano Parotidite epidémica Tosse convulsa Tinha Infecções estreptocócicas por Streptococcus do grupo A Infecções estafilocócicas cutâneas Sarampo Varicela Rubéola Hepatite A e B Febre tifóide e paratifóide Meningite meningocócica Poliomielite Sépsis meningocócica 1. 1. Decreto Regulamentar 3/95 – Diário da República, 27 de Janeiro de 2005 2. 2. Direcção Geral de Saúde – Plano de contingência para Creches, Jardins de Infância, Escolas e outros estabelecimentos de ensino, 2009 3. 3. Hayes, Sara – Guidelines for the exclusion of pupils with infectious diseases from colleges, schools, nurseries, playgroups, and childminders. Mid & West Wales Region – Swansea Office, 2006 4. 4. Silva, Ana Paula; Salgado, Manuel – Evicção escolar e dos infantários - Curso de Pediatria Comunitária, Mealhada, 2007. Introdução à Mesa-Redonda sobre Infecção em cuidados de saúde Health-care Infections Rui Sarmento* Hospital de Joaquim Urbano. Escola Superior de Ciências da Saúde, Universidade do Minho Introdução Nesta mesa-redonda são apresentados temas de relevo centrados em aspectos diversificados da Infecciologia, como a tuberculose, as feridas crónicas, a relação custo-benefício da terapêutica antimicrobiana e metodologias das Comissões de Controlo da Infecção. A tuberculose continua a ser, em Portugal, um importante problema de Saúde Pública. Apesar de uma redução acentuada observada na última década, foram notificados em 2009 cerca de 30 casos por 100 000 habitantes e o distrito do Porto continuou a ser aquele em que se registou uma maior prevalência. Apesar de, na maioria dos casos, a tuberculose ser causada por estirpes sensíveis aos antituberculosos, continuam a ser observados casos de tuberculose causada por estirpes multirresistentes e alguns, felizmente poucos, provocados por Mt extensivamente resistente. Estes casos constituem uma ameaça relevante para a comunidade pela dificuldade do seu tratamento e pela morbilidade e mortalidade que acarretam. Uma redução ainda maior da tuberculose tem por base a prevenção da disseminação do bacilo, quer pela vigilância dos contactos e pela detecção dos casos de tuberculose latente, quer pela detecção e tratamento rápido dos casos activos, preferencialmente em regime de tratamento sob observação directa. Têm melhorado as medidas de prevenção da disseminação da tuberculose em meio hospitalar. Para além das medidas de protecção preconizadas e * Moderador da Mesa-redonda III [email protected] implementadas pelas CCI, a instalação progressiva de quartos de isolamento e, sobretudo, de quartos com pressão negativa, tem contribuído para a redução dos casos de infecção nosocomial. Alguns estudos indicam que se regista maior incidência de feridas crónicas em doentes com idade superior a 60 anos. De facto, a maior longevidade que hoje se verifica está, em geral, associada a alterações metabólicas, vasculares, imunológicas e nutricionais ou mesmo a doenças crónicas, como a diabetes, que se acompanham, com frequência, de úlceras da pele. Também as neoplasias, os traumatismos e quedas são mais frequentes à medida que a idade avança. Por isso a prevalência de feridas crónicas, no nosso País e um pouco por todo o Mundo, tem vindo a aumentar, impondo melhores cuidados e maiores custos. O tratamento da lesão crónica, definida como ferida que não cicatriza em seis semanas apesar do tratamento correcto, deve, por isso, obrigar ao estudo da etiologia da ferida crónica e à utilização de medidas sistémicas visando a correcção ou o equilíbrio das patologias subjacentes. Conhecimentos recentes àcerca da fisiopatologia das feridas crónicas e da constituição e organização dos biofilmes no leito da úlcera, introduziram ensinamentos importantes quanto ao tratamento sistémico e local destas lesões crónicas. O tratamento local da ferida envolve fases diferentes como a lavagem da ferida, o seu desbridamento, o controlo do exsudato e a erradicação dos agentes microbianos. Conhecimentos técnicos apropriados são importantes para o sucesso do tratamento. 62 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e Nas últimas décadas foram enormes os progressos realizados nas diferentes áreas da Medicina. Conhecemos melhor aspectos gerais e particulares da ciência básica, introduzimos técnicas laboratoriais apuradas e mais eficazes, melhoramos a rapidez e a precisão do diagnóstico, usamos novos fármacos menos tóxicos e mais eficazes. Em suma, aumentamos significativamente a sobrevivência e melhoramos a qualidade de vida das populações. Mas estes avanços foram conseguidos com aumentos exponenciais dos custos em Saúde que ameaçam as economias mundiais. Se é certo que o balanço global é positivo, também tem de dizer-se que, particularmente na investigação de fármacos ou de novas técnicas e tecnologias, muitos projectos foram abandonados e muitas drogas descontinuadas por má avaliação inicial, conduzindo a um enorme esbanjamento de recursos. A falta de avaliação credível da relação custo-benefício de projectos de investigação ou da introdução de novos medicamentos, tem conduzido à interrupção do uso de certas técnicas ou de alguns fármacos. A avaliação do custo-benefício exige análise complexa e tempo, mas é, cada vez mais, uma medida importante na contenção do desperdício e na redução dos efeitos adversos da terapêutica. Foi, particularmente, a partir de meados do século XIX que se começou a perceber a importância de algumas medidas básicas de higiene no tratamento de doentes hospitalizados. Longe vão os tempos em que a mortalidade intra-hospitalar resultava, muitas das vezes, da ausência de medidas de profilaxia das infecções. Grandes avanços foram registados no nosso País com a implementação de Comissões de Controlo da Infecção, que, embora tardiamente introduzidas, são hoje obrigatórias em todos os hospitais portugueses. O seu papel na redução das chamadas infecções associadas aos cuidados de saúde, que se registam principalmente nos doentes internados, mas também nos profissionais e nas visitas, tem sido muito importante. O registo e a vigilância das infecções nosocomiais e dos agentes que as causam, constituem um elemento de primordial importância na profilaxia e no planeamento de uma política de uso de antibióticos em cada unidade hospitalar. As Comissões têm-se destacado na introdução e divulgação de medidas de qualidade e boas práticas em todos os hospitais. Apesar de todos os ganhos, registam-se ainda, no nosso País, taxas elevadas de infecções associadas aos cuidados de saúde e sabe-se que novas ameaças vão surgindo, sobretudo relacionadas com a emergência de estirpes bacterianas multirresistentes. As medidas preconizadas pelo Plano Nacional de Controlo da Infecção seguramente que, a médio prazo, darão os seus frutos. Tuberculose – epidemiologia e estratégias de prevenção Tuberculosis – epidemiology and prevention strategies Ana Aboim Horta* Hospital Joaquim Urbano, Porto; Escola Superior de Ciências da Saúde. Universidade do Minho Resumo Abstract Apesar de todos os avanços técnicos e científicos, a tuberculose (TB) permanece actualmente, um importante problema de Saúde Pública. A TB é uma doença provocada pelo Mycobacterium tuberculosis (Mt), transmitido por via inalatória, e os indivíduos que mais provavelmente desenvolverão doença serão aqueles que sendo mais susceptíveis, se encontram mais expostos. Numa Instituição onde se prestam cuidados de saúde, tem sido reconhecido o risco da transmissão do Mt, de doentes com TB activa para outros doentes e para os profissionais de saúde (PS). Na tentativa de se prevenir a transmissão nosocomial da TB devem ser definidos três níveis de controlo: o estrutural, o ambiental e o controlo de protecção respiratória. Estas medidas devem ser aplicadas ao doente, ao PS e à Instituição. Palavras-chave: Tuberculose nosocomial, infecção latente, profissional de saúde Apesar de todos os avanços técnicos e científicos, a Tuberculose (TB) permanece actualmente, um importante problema de Saúde Pública. A incidência mundial da doença tem diminuído, apesar do aumento do número total de novos casos em termos absolutos, facto justificado pelo crescimento da população. De facto, tem sido verificada uma ligeira tendência decrescente das taxas de incidência (menos de 1 % por ano), de prevalência e de mortalidade global. No entanto, os números continuam intimidantes. Estima-se que um terço da população mundial, aproximadamente dois mil milhões, esteja infectado pelo agente desta doença, e que nove milhões de pessoas desenvolvam a doença em cada ano. Estudos estatísticos apontaram para 9,27 milhões Despite all technological and scientific progress, Tuberculosis (TB) remains nowadays as a major Public Health problem. TB is a disease caused by Mycobacterium tuberculosis (Mt). It is spread by one person inhaling the bacterium in droplets coughed or sneezed out by someone with infectious TB. Those who can get ill easier are those that are more susceptible and are more exposed to Mt. The risk that Mt can be transmitted from patients with active TB to other patients and healthcare workers has been recognised for many years. TB transmission control measures in a health unit can be hierarchized into three levels: structural, engineering, and individual protection. These measures must be implemented to the patient, the healthcare worker and the unit care. Keywords: Nosocomial tuberculosis, latent infection, healthcare workers de novos casos de TB em todo o mundo, em 2007(1), com uma incidência global anual de 139 novos casos por 100 000 habitantes. A incidência anual mais alta foi verificada em África com 363 novos casos por 105 habitantes. A TB terá em 2007, provocado em todo o Mundo, a morte a 1 milhão e 770 mil pessoas. A resistência simultânea à Isoniazida e à Rifampicina ou multiresistência (MDR-TB) foi diagnosticada em 500 000 casos, e têm sido descritos de modo crescente em diversos países (no final de 2008, 55 países registavam pelo menos um caso) casos de TB extensivamente resistente (XDR-TB), ou seja, com resistência simultânea à Isoniazida, à Rifampicina, às fluoroquinolonas, e pelo menos a um dos seguintes fármacos: amicacina, canamicina ou capreomicina. * [email protected] Cadernos de Saúde Vol. 3 Número especial Infecção Associada à Prática de Cuidados de Saúde – pp. 63-67 64 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e Em Portugal, apesar de se manter a tendência decrescente da taxa de incidência das últimas décadas (menos 7,2 %/ano), ela mantém-se elevada, tendo sido diagnosticados em 2008, 2686 novos casos, ou seja uma incidência de 25,3 por 105 habitantes, cerca de duas vezes superior à da média da União Europeia(2). Os distritos mais afectados foram o Porto, Viana do Castelo e Lisboa, com taxas de incidência de respectivamente 36; 35,4 e 34 novos casos por 105 habitantes. A multirresistência foi registada em 2 % do total de casos de 2008 (1,6 % nos novos casos e 7,3 % nos retratamentos). Em Dezembro de 2008, o total de casos de MDR-TB multirresistente era de 74 casos, 34 % dos quais com critérios de XDR-TB. Como se sabe, a TB é uma doença provocada por Mycobacterium tuberculosis (Mt), transmitido por via inalatória e do qual o Homem é o único reservatório natural. Um indivíduo com TB activa liberta gotículas infecciosas (contendo dois a três bacilos por gotícula) quando fala, tosse, espirra ou expectora. Estas gotículas, que podem permanecer viáveis no ar por longos períodos de tempo, ao serem inaladas por um outro indivíduo, poderão levar ao desenvolvimento de doença. Num indivíduo sem contacto prévio com TB, o bacilo inalado atinge o alvéolo pulmonar onde, encontrando as condições óptimas para a sua multiplicação (elevada pressão de oxigénio) e um sistema imune não activado (macrófagos alveolares permissivos), se vai multiplicar ao longo de algumas semanas. Apenas findo este período o sistema imune se encontra activado e pronto a reagir (macrófagos capazes de fagocitar e destruir bacilos, estimulados por interleucinas, citoquinas e interferão-γ produzidas pelos linfócitos TCD4+ e TCD8+ activados), o que se traduz na positividade ao teste tuberculínico. Três situações podem então ocorrer: cura do processo infeccioso com a morte de todos os bacilos, formação de uma barreira defensiva em torno do processo, mas com persistência de bacilos latentes no seu interior (que poderão ser reactivados ao longo da vida em 10 % dos casos, verificando-se metade dos casos de reactivação nos dois anos seguintes à infecção) ou desenvolvimento de doença (propagação dos bacilos pelo pulmão – TB pulmonar; propagação dos bacilos pelos linfáticos – TB ganglionar intra ou extra-torácica; e/ou propagação dos bacilos pela corrente sanguínea – TB extra-pulmonar). Os indivíduos que mais provavelmente desenvolverão doença serão aqueles que, sendo mais susceptíveis, se encontram mais expostos. As pessoas mais vulneráveis à doença são as crianças, os idosos, os adolescentes e os adultos jovens, os com menores recursos socioeconómicos, tais como, os “sem abrigo”, as minorias raciais ou étnicas, os alcoólicos e os toxicodependentes por via endovenosa; os doentes que sofrem de silicose ou de doença pulmonar crónica; e ainda, aqueles que, devido a copatologias ou terapêuticas, apresentam défice imunitário importante, sejam infectados por VIH, insuficientes renais, gastrectomizados, diabéticos, com neoplasias ou que se encontrem sob tratamento imunossupressor. A magnitude da exposição depende da quantidade e concentração de bacilos no ar (maior em pequenos espaços não ventilados), da duração da exposição, da proximidade a um doente com TB, da virulência dos bacilos, da dimensão das partículas inaladas (as partículas verdadeiramente infecciosas são as mais pequenas, com cerca de 1-5 µm de diâmetro) e de algumas características do indivíduo infectante (se cumpre ou não tratamento, se se encontra ou não bacilífero, se apresenta uma forma extensa de TB, uma forma laríngea ou uma cavitação pulmonar, e da intensidade da tosse). A realização de broncoscopia, aplicação de terapêuticas em aerossóis, preparação de produtos para exame bacteriológico ou a realização de autópsia de doentes, são técnicas no decurso das quais podem ser mais facilmente geradas partículas infectantes. Pelo apontado será fácil de supor que numa instituição onde se prestam cuidados de saúde, tanto os doentes que lá se encontram internados ou que lá acorrem, como os profissionais de saúde (PS), que lá exerçam a sua actividade profissional, poderão estar em risco de desenvolver TB. O risco de um PS (médico ou enfermeiro, auxiliar de acção médica, estudante de medicina ou de enfermagem, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, radiologista ou técnico de radiologia, técnico de laboratório ou outro) desenvolver TB está dependente quer da existência de patologia de base que o torne mais susceptível, quer da função e do local do trabalho que exerce. Um trabalho que torne a exposição ao Mt frequente, intensa e duradoira, representará um risco acrescido para quem o executa. Os Centers for Disease Control (CDC) definiu três níveis de risco na transmissão nosocomial da TB(3): baixo risco (a exposição não é provável), médio risco (a exposição pode ocorrer) e potencial risco da transmissão ocorrer (evidência de transmissão pessoa-a-pessoa no último ano, ocorrência de conversão no teste tuberculínico ou TB activa Tuberculose – epidemiologia e estratégias de prevenção em PS e comprovação da origem hospitalar dos casos pela técnica de Restriction Fragment Lengt Polymorphism (RFLP). De acordo com os dados da Direcção-Geral da Saúde, foram notificados em Portugal, entre 1997 e 2001, os seguintes casos de TB em PS: em 1997, 56 casos; em 1998, 55 casos; em 1999, 72 casos; em 2000, 49 casos e em 2001, 30 casos. Os profissionais mais atingidos foram aqueles com maior duração de exposição aos doentes, designadamente os enfermeiros e os auxiliares de acção médica com respectivamente, 89 e 57 casos, durante esse mesmo período e a maior parte dos casos ocorreram em PS trabalhando num Hospital (217 casos). Em 1998, a incidência de TB nos PS foi de 73,7 casos por 105 habitantes enquanto na população geral foi de 50,1 casos por 105 habitantes (risco relativo de 1,5 para os PS). A incidência foi superior nos PS, mesmo tendo em conta a distribuição etária e particularmente ao se considerar o estrato socioeconómico destes grupos (4). Na tentativa de se prevenir a transmissão nosocomial da TB devem ser definidos três níveis de controlo: o organizacional (comissão de controlo de infecção – ex. diagnóstico, isolamento e tratamento precoce dos doentes infecciosos, vigilância e treino contínuo dos PS), ambiental (redução da concentração de aerossóis infectantes baseada em princípios tecnológicos de engenharia) e controlo de protecção respiratória (através do uso de máscaras) (3, 5). Estas medidas devem ser aplicadas ao doente, ao PS e à Instituição. Todo o doente deve ser ensinado a cobrir a boca e o nariz quando tosse ou espirra, e deve ser considerado como suspeito de TB se: apresentar sintomas sugestivos da doença (sintomas gerais e/ou respiratórios), se apresentar alterações sugestivas na teleradiografia do tórax, se tiver história de contacto com doente com TB (durante um período superior a doze horas) e/ou tiver predisposição à doença (imunossuprimido). Se um doente for suspeito de TB, deve ser isolado, deve ser esclarecido quanto à doença que se suspeita ter (o que é e como se transmite), deve ausentar-se do seu quarto o menos possível e usar uma máscara apropriada quando o fizer. Os PS e visitantes devem também usar máscaras quando entrarem no quarto, devem ser evitados tratamentos que envolvam a produção de aerossóis, a confirmação do diagnóstico deve ser conseguida o mais rápido possível, para que o tratamento sob observação directa (DOC) seja iniciado de ime- 65 diato, o doente deverá ter alta o mais precocemente possível, com orientação terapêutica e vigilância pós-alta asseguradas e os seus contactos deverão ser rastreados e tratados se necessário. Um diagnóstico rápido poderá ser conseguido pela integração dos dados provenientes da clínica apresentada, da imagiologia, da prova tuberculínica, da análise de todos os produtos possíveis e plausíveis de serem analisados (expectoração, secreções bronquicas, líquido pleural, pleura, aspirado ganglionar ou gânglio, líquor, aspirado medular, aspirado gástrico, fragmento hepático, líquido ascítico, urina, outros) e eventualmente de uma prova terapêutica. A análise dos produtos pode ser realizada pela coloração de Ziehl-Nielsen em exame directo – fornece resultado num período inferior a 24 horas; pela cultura em meios sólidos clássicos (meio de Lowenstein-Jensen que fornece resultados em 15 – 60 dias) ou líquidos associados a sensores radiométricos (BACTEC), fluorescentes, colorimétricos ou de pressão (permitem resultados num menor período de tempo – 9 a 21 dias); por testes de amplificação de ácidos nucleicos (utilizando sondas genéticas ou Polymerase Chain Reaction – PCR) com resultados em algumas horas apenas ou por exames anátomo-patológicos de produtos obtidos por biópsia ou aspirado. A todo o isolamento inicial de Mt deve ser feito um teste de sensibilidade aos tuberculostáticos que deverá ser repetido perante uma falha do esquema terapêutico. Um doente com TB confirmada poderá ter alta do isolamento se, cumprindo terapêutica, que inclui rifampicina com início pelo menos duas semanas antes, apresenta melhoria clínica e três amostras de expectoração negativas (pelo menos uma delas colhida de manhã e com intervalo entre as colheitas de, pelo menos, oito a 24 horas). Se o esquema terapêutico não incluir Rifampicina, o doente com TB confirmada poderá ter alta do isolamento apenas se completou pelo menos quatro semanas de tratamento, apresenta melhoria clínica e tem três amostras de expectoração negativas (com os requisitos acima apontados). Os casos em que havia suspeita de TB poderão ter alta do isolamento se apresentarem três amostras de expectoração negativas. Quando um profissional de saúde é admitido numa instituição de saúde, deve ser sujeito a uma consulta onde lhe é colhida uma história médica com particular ênfase para a história vacinal, passado de TB, resultados da prova tuberculínica, principalmente se realizada nos últimos doze meses, eventual tratamento de TB infecção latente (TB-IL) realizado e 66 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e história de patologia ou terapêutica imunodepressora. O PS deverá, também nessa altura, ser submetido a uma prova tuberculínica com reteste e/ou a um teste de doseamento do interferão-γ (IGRA) (6, 7). O reteste de um teste tuberculínico, ou seja, a realização de uma nova prova tuberculínica sete a dez dias depois da primeira se essa prova for negativa (inferior a 10 mm de diâmetro), pretende diminuir a probabilidade de um booster ser interpretado mais tarde, numa outra prova, como uma viragem tuberculínica. De facto, um indivíduo com hipersensibilidade à tuberculina (por infecção por Mt remota, realização da vacina pelo bacilo Calmette-Guérin – BCG, ou contacto com micobactérias ambientais não tuberculosas) pode não responder a uma primeira prova mas esta prova pode estimular a capacidade de reagir a uma segunda prova realizada pouco tempo depois. Se no reteste, a prova se mantiver negativa, o PS é então definido como não possuindo hipersensibilidade à tuberculina e como não tendo tido contacto prévio com a Mt. Se nessa primeira prova ou no reteste, essa prova for positiva (maior que 10 mm de diâmetro), esse PS é definido como tendo tido contacto prévio com o Mt e deverá ser submetido a estudo para determinar se possui TB-IL ou TB-doença e ser tratado de acordo. Este cut-off de 10 mm é usado para os PS e para os contactos recentes com doentes bacilíferos, sem BCG recente. O cut-off de 5mm é usado para as crianças sem vacinação pelo BCG e para os imunodeprimidos e o cut-off de 15 mm indica sempre infecção pelo Mt qualquer que seja o estado vacinal e de contacto. Os indivíduos com valores na prova tuberculínica inferior a 5 mm são considerados não reactivos. O IGRA(7) é um teste em que se utiliza uma amostra sanguínea do indivíduo que se põe em contacto com antigénios específicos do Mt (ESAT-6 e CFP 10). Estes antigénios irão estimular os linfócitos sanguíneos do indivíduo que, se no passado já estiveram em contacto com estes antigénios, produzirão de imediato interferão-γ que será detectado tornando o teste positivo. Estes testes apresentam uma especificidade entre 89 e 100 % (superior à da prova tuberculínica) e uma sensibilidade entre 58 e 89 % (é mais baixa nos imunodeprimidos e é semelhante à da prova tuberculínica). A vantagem deste teste reside na menor percentagem de falsos positivos, uma vez que a vacinação pelo BCG e a infecção pela maioria das micobactérias não tuberculosas não tornam positivo este teste. Um resultado positivo a este teste indica, assim, o contacto prévio com Mt, devendo ser feita a distinção entre TB-doença e TB-IL, que devem ser especificamente tratadas. Todos os dados colhidos nesta consulta de admissão deverão ser registados em local próprio. Após a admissão e durante o período em que o PS se encontra em funções, este deverá ser aconselhado a conservar o seu estado imunitário, deverá ser alvo de formação contínua (treino, conhecimento e cumprimento das normas, protecção individual) e reavaliado periodicamente (realização de teste tuberculínico/IGRA, se na admissão estes eram negativos e teleradiografia do torax, anualmente). As máscaras a serem usadas pelos doentes com suspeita ou TB confirmada, destinam-se a evitar a exalação de aerossóis infectantes, e podem ser máscaras cirúrgicas que não possuem qualquer inscrição. As máscaras usadas pelos PS destinam-se a prevenir a inalação de aerossóis infectantes (3,4) e, são máscaras que apresentam uma inscrição: as americanas têm a inscrição NIOSH TC-84A-0010 e podem ser N95 ou PFF2(8, 9) e as europeias têm a inscrição EN149-2001 e podem ser FFP1, FFP2 ou FFP3(10, 11). Quando num PS se verificar um teste tuberculínico positivo (superior a 10 mm de diâmetro), um IGRA positivo, uma conversão tuberculínica (transformação de um resultado negativo em positivo) ou um aumento do resultado de um teste tuberculínico em 10 mm em relação ao teste anterior no prazo máximo de dois anos, deverá ser instituído um tratamento de TB-IL após a exclusão de TB-doença. Vários esquemas podem ser utilizados para tratamento da TB-IL (2 meses de isoniazida, rifampicina e pirazinamida; 6, 9 ou 12 meses de isoniazida; 4 meses de isoniazida e rifampicina; 2 meses de pirazinamida e rifampicina ou ajustado caso se trate de contacto com TB resistente). Quando um PS apresentar sintomas sugestivos de TB deve ser estudado para esclarecimento da situação e tratado de acordo, devendo ausentar-se do local de trabalho durante o estudo/tratamento. Numa Instituição de Saúde, a comissão de controlo da TB deve: conhecer as taxas de TB e TB resistente nessa mesma instituição, identificar as áreas de risco, instituir normas e vigiar o seu cumprimento, vigiar os PS (avaliação na admissão, reavaliação periódica e tratamento da TB-IL quando indicado), conhecer a prevalência da TB-IL e da TB nos PS e avaliar os programas instituídos. Esta comissão deve conciliar as diversas áreas da instituição: a área Clínica, as áreas da Saúde Tuberculose – epidemiologia e estratégias de prevenção Ocupacional e da Engenharia Hospitalar e a Administração. Devem ser conhecidas as áreas de risco e os gabinetes de consultas e as respectivas salas de espera devem ser separadas conforme a especialidade (por exemplo as consultas de Pediatria devem ser afastadas da área das consultas de Pneumologia ou de Infecciologia). Os doentes devem ser separados conforme as patologias (por exemplo deve ser evitado marcar exames para um doente em quimioterapia próximo do de um doente com suspeita de TB). Devem ser usadas máscaras, quer pelos doentes com TB ou suspeita, quer pelos doentes imunossuprimidos e visitantes. A nível institucional, vários mecanismos ou equipamentos deverão ser usados de acordo com as taxas ou o risco local de TB3: exaustores (captam e removem contaminantes suspensos no ar perto da fonte), ventilação geral (será necessário um número igual ou superior a seis-doze mudanças completas de ar por hora para que a quantidade de partículas infecciosas seja reduzida em 99 %). O ar contaminado tem que ser direccionado para uma determinada zona onde fica retido sem invadir zonas não contaminadas. O uso de pressão negativa nos quartos permite que o ar contaminado fique retido numa zona do quarto não invadindo zonas não contaminadas. O ajuste do fluxo de ar no interior de um quarto previne a estagnação do ar, o uso de filtros promove a desinfecção do ar (filtros de ultravioletas ou “highefficiency particulate air filters” – HEPA – capazes de remover 99,97 % das partículas com diâmetro superior a 0,3 µm) e o uso de antecâmaras aumenta a eficácia do isolamento tornando menos provável o escape. A vigilância aos PS pode proteger tanto o PS como os doentes. A infecção activa ou latente num PS pode alertar para a ocorrência de transmissão, permitindo a identificação de lapsos e a sua pronta correcção. Embora a situação venha lentamente a ser modificada, a comparação entre o que é preconizado (3) e a prática seguida nos serviços hospitalares levanta ainda algumas preocupações. 67 Bibliografia 1. World Health Organization 2009. Global tuberculosis control: Epidemiology, Strategy, financing. WHO report 2009. WHO/HTM/TB/2009.411. 2. DGS, Dia Mundial da Tuberculose – Situação epidemiológica da tuberculose e resultados em Dezembro de 2008 – Programa Nacional de Luta Contra a Tuberculose (PNT), Março de 2009. 3. CDC. Guidelines for preventing the transmission of Mycobacterium tuberculosis in health-care settings, 2005. MMWR; 54(No. RR-17); 1-141. 4. Henriques J. (2000). Tuberculose Nosocomial. In Pina, J., A tuberculose na viragem do milénio. Lisboa. Editora Lidel. 5. World Health Organization – WHO. Guidelines for the Prevention of Tuberculosis in Health Care Facilities in Resource-Limited Settings. 1999. 6. Duarte R. Teste tuberculínico. Como optimizar? Rev Port Pneumol 2009; XV(2): 295-304. 7. Mazurek G, Villarino M, et al. Guidelines for using the quantiferon-TB Test for diagnosing latent Mycobacterium tuberculosis infection. Recommendations and Reports. MMWR 2003; 52 (No. RR-2): 15-19. 8. Fennely KP (1997). Personal Respiratory Protection against Mycobacterium tuberculosis. In Tuberculosis, 15 (1):1-16. 9. The National Academy Press (2001). Respiratory Protection and Control of Tuberculosis in Health Care and Other Facilities. Tuberculosis in the Workplace. Disponível: http://search.nap.edu/books/0309073308/htlm/. 10. Comité Europeu de Normalização (1991). Equipamento de Protecção Respiratória. In Norma Europeia 149. Bruxelas: secretariado central. 11. Simões S. Equipamento de protecção respiratória (EPR) contra Mycobacterium tuberculosis. AIDS Congress 3 (2002). Feridas crónicas – Fisiopatologia e tratamento Chronic wounds – physiopathology and management Aníbal Justiniano* Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Católica Portuguesa Resumo Abstract Os estudos da biologia molecular e da histoquímica, trouxeram novos conhecimentos da fisiopatologia das feridas crónicas. Também a microbiologia, ao mostrar a existência de biofilmes no leito das feridas crónicas, conduziu a novas orientações terapêuticas. Efectivamente, o tratamento das feridas crónicas deve ser diferente daquele que é realizado para as feridas agudas. A European Wound Manegement Association (EWMA), tornou consensual a adopção do esquema TIME para o tratamento local das feridas crónicas. O tratamento do doente com ferida crónica tem de ser orientado após o conhecimento global do doente, da etiologia da ferida e da avaliação desta, para que o tratamento sistémico e local seja correctamente orientado. Palavras-chave: feridas crónicas, fisiopatologia, biofilme, tratamento. Introdução A frequência cada vez maior de feridas crónicas no Mundo conduziu a que a OMS, em Março de 2008, em Genebra, alertasse os vários países ali representados:“As feridas crónicas são a epidemia escondida que afecta grande parte da população mundial”. Os elevados custos, quer para a comunidade, quer para os hospitais resultantes do tratamento e da morbilidade, ocupam na Europa um papel preocupante, à medida que os registos dos doentes tratados por feridas vão sendo efectuados. (1) Em Inglaterra, Franks et al. apontam que em 2005 se gastaram entre £168 milhões e £198 milhões para The recent studies on molecular biology and histochemistry bring new concepts about chronic wounds pathophysiology, and also the microbiology about the existence of the chronic wounds bed biofilmes. These new wound healing advances carry new concepts about therapeutic assessment. Really, the orientation of the chronic wounds management and treatment must be different of the acute wounds assessment and therapy. The European Wound Management Association (EWMA) consensual scheme TIME brings new ways to chronic wounds local management. The chronic wounds management must be oriented after global assessment of the patient, the wound aetiology and chronic wound assessment. Only with these parameters we can have a correct systemic and local wound management. Keywords: chronic wounds, physiopathology, biofilm, management tratar LU e £1,8 biliões a £2,6 biliões para prestar assistência aos doentes com Úlceras Pressão (UP). (2) Leaper chama a atenção para os custos estimados para o tratamento de Feridas Cirúrgicas Infectadas, apontando números de 1,47 biliões a 19,1 biliões de €.(3) Embora não haja ainda em Portugal dados de avaliação de custos para o tratamento das Feridas, o número destas está também a aumentar como consequência do número de acidentes de viação, conduzindo a um número elevado de doentes paraplégicos e tetraplégicos (4), candidatos ao aparecimento de UP. No nosso País, o número de LUs por doença arterial e/ou venosa aumentou, consequência do * [email protected] Cadernos de Saúde Vol. 3 Número especial Infecção Associada à Prática de Cuidados de Saúde – pp. 69-75 70 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e aumento do tempo de vida da população. Efecti vamente, quer a Patologia Arterial Arteriosclerótica, quer a resultante da Diabetes Mellitus de tipo II, são uma consequência da maior longevidade dos portugueses. Também as LUs resultantes da Insufi ciência Venosa Crónica dos membros inferiores são mais frequentes nas pessoas mais idosas. A cicatrização das feridas agudas O processo de cicatrização de uma ferida aguda é uma sequência de fenómenos que envolvem todo o organismo (Quadro 1). Quadro 1 – Cronograma da cicatrização das feridas agudas Sempre que há uma agressão ao organismo, seja cirúrgica, traumática, isquémica, infecciosa, química, auto-imune ou pelo calor, assiste-se a uma resposta metabólica sistémica. Todas as feridas agudas resultam de um processo de agressão do organismo. Daqui se conclui que a cicatrização de uma ferida não pode ser encarada como um mero processo de reparação local, mas como uma sequência de fenómenos sistémicos, a par de fenómenos locais, que ocorrem paralela e simultaneamente. (Quadro 2) Os dois fenómenos, Quadro 2 – Fases da evolução da cicatrização das feridas agudas sistémicos e locais, têm como objectivo a reparação, não só da ferida, mas da preservação da homeostasia do organismo. (5) A sequência de fenómenos sistémicos, envolvidos na cicatrização, pode não ser aparente, dependendo do tamanho, da profundidade, da localização, do grau de infecção da ferida e, necessariamente, do estado fisiológico, nutricional e imunológico do doente. Uma ferida aguda, com terapêutica correctamente orientada, normalmente cicatriza em 6 semanas, através de dois processos, um de reparação, em que os tecidos são substituídos por tecidos iguais, e outro processo de fibrose ou fibroplasia, cuja finalidade é a substituição do tecido conectivo. No entanto, há factores que podem alterar a reparação tecidular durante a cicatrização das feridas pela sua interferência na resposta habitual do organismo a uma agressão externa. Desenvolve-se, então, uma resposta sistémica que altera a resposta local da agressão e esta, por sua vez, provoca uma resposta sistémica contínua, diferente daquela que, normalmente, ocorre no processo de cicatrização duma ferida aguda. Há comorbilidades, como as doenças cardiovasculares e respiratórias, condicionando hipoxia, a anemia, as alterações congénitas ou adquiridas da coagulação, a trombocitopenia idiopática ou medicamentosa, as doenças metabólicas, nomeadamente a diabetes, a obesidade ou a desnutrição e, ainda, outras resultantes de processos terapêuticos, como a quimioterapia e a radioterapia ou por medicamentos, nomeadamente imunossupressores, antinflamatórios e corticóides que afectam a resposta inflamatória e que, por si só, são capazes de desencadear respostas locais que alteram a cicatrização, aumentando o risco de infecção das feridas. Também existem factores locais, isto é, na própria ferida, que interferem, isoladamente ou em conjunto, na evolução da cicatrização. Efectivamente, a hipoxia no leito da ferida, a desidratação, o excesso de exsudato, a presença de tecido necrótico ou de corpos estranhos, a infecção local da ferida, bem como aqueles que resultam da execução do tratamento local da ferida. Interferem, também, na evolução da cicatrização a diminuição da temperatura ambiente, a utilização de solutos de limpeza frios inadequados e/ou citotóxicos e, ainda, os traumatismos recorrentes da ferida efectuados inadvertidamente pelo doente ou pelo cuidador durante o tratamento. Feridas crónicas – Fisiopatologia e tratamento Feridas Crónicas Qualquer ferida que não cicatrize em seis semanas, com terapêutica correctamente orientada, deve ser considerada uma ferida crónica.A complexidade duma ferida crónica é difícil ser aceite pela maioria dos profissionais de saúde.Os mais recentes avanços tecnológicos aplicados ao estudo da biologia mole cular das feridas permitiram uma melhor compreensão da fisiopatologia das feridas crónicas e, portanto, orientar melhor o seu tratamento. Infelizmente, continuam a repetir-se os mesmos erros que Collier e Hollinworth apontam: “Todos os cuidadores, de qualquer grupo profissional, têm uma preocupação prática focada no tratamento da ferida, sem encarar o doente como pessoa”.(6) Esta afirmação encerra a necessidade de elaborar um plano de tratamento que englobe a avaliação do doente, a etiologia da ferida crónica e o tratamento local desta. Avaliação geral do doente com ferida crónica 71 (MEC) e na expressão dos inibidores tecidulares daquelas metaloproteinases (TIMPs). (7) Analisar as causas da alteração do sono do doente e procurar regularizá-lo é importante pelo papel que desempenham na deterioração do estado geral e das defesas imunológicas do doente. Etiologia da ferida crónica Encontrar a etiologia da ferida crónica é o passo seguinte, para que o plano de tratamento possa ser eficaz. As feridas crónicas podem ser úlceras resultantes de doença arterial, venosa ou mistas, necessitando de um diagnóstico diferencial para que a terapêutica possa ser eficaz, como, por exemplo, a terapêutica compressiva nas úlceras resultantes de insuficiência venosa crónica dos membros inferiores. A identificação duma UP levará a que sejam definidas medidas gerais, não só para o tratamento da úlcera existente, como também preventivas que impeçam situações semelhantes. (Fig. 1) Figura 1 – Etiologia das feridas crónicas A avaliação global ou holística do doente permite introduzir as correcções no seu estado geral para que o processo de cicatrização da ferida ou feridas se realize regularmente. (Quadro 3) Quadro 3 – Avaliação global do doente com ferida crónica Os cuidadores (médicos e enfermeiros) não podem esquecer o nível socioeconómico do doente, uma vez que este pode ser um factor predictivo da evolução da cicatrização. O nível profissional mais baixo associa-se sempre a pior cicatrização. A ansiedade e a depressão provocam alterações da função imunitária, bem como da regulação das metaloproteinases (MMPs) da Matriz Extracelular As feridas crónicas resultantes de doenças metabólicas, nomeadamente da diabetes e do hiperparatireoidismo, implicam medidas terapêuticas dirigidas às alterações dismetabólicas. Algumas doenças parasitárias, como a Filariose, podem provocar o aparecimento de úlceras que não cedem à terapêutica se a doença causante não for tratada. As feridas crónicas traumáticas necessitam de identificação do mecanismo do traumatismo, para que se possa evitar a infecção, quer da ferida, quer sistémica. 72 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e As feridas malignas, quando não podem ser ressecadas, exigem um tratamento que dê ao doente uma melhor qualidade de vida. Há ainda outras feridas crónicas menos frequentes para as quais é necessário encontrar a etiologia para que o seu tratamento seja correctamente conduzido. Assim, identificada a etiologia, é possível estabelecer agora o plano de tratamento local da ferida crónica. Exsudato das feridas crónicas Após a avaliação do doente e da etiologia da ferida crónica, para que possa ser definido o plano de tratamento local, é necessário não esquecer que as feridas crónicas têm a sua própria fisiopatologia, isto é, o processo de tratamento das feridas crónicas é diferente das feridas agudas. As feridas crónicas, seja qual for a etiologia, resultam duma agressão contínua que provoca resposta sistémica e local, também, contínuas. Há, assim, uma resposta espontânea inflamatória persistente que condiciona localmente alterações histológicas e histoquímicas que, progressivamente, vão sendo cada vez melhor conhecidas. Histologicamente há, como em todos os estados inflamatórios, uma infiltração por células mononucleares (macrófagos, linfócitos e plasmócitos). Mas, este estado inflamatório persistente é acompanhado de destruição tecidular, proliferação exagerada de vasos sanguíneos e substituição permanente de tecido conectivo e fibrose. Estes aspectos condicionam um atraso na cicatrização. Vicente Falanga define que nas feridas crónicas há uma “carga necrótica” constante, com duas expressões, o tecido necrótico e o exsudato aumentado. (8) A degradação da MEC que, normalmente, acontece durante a cicatrização de todas as feridas por acção das MMPs produzidas pelos fibroblastos, pelos macrófagos, pelos neutrófilos e pelas células sinoviais e epiteliais, induzidas pelos Factores de Crescimento (PDGF e FGF), pelo Factor de Necrose Tumoral (TNF) e pela Interleucina-1 (IL-1), está aumentada, prolongando-se o estado inflamatório. Efectivamente, o número de fibroblastos senescentes é superior a 15 % e há assim uma relação aumentada entre fibroblastos senescentes e fibroblastos normais. Deste modo, há um aumento da acção das MMPs, uma vez que os seus inibidores estão diminuídos, assistindo-se a degradação da fibronectina e da vitronectina, elementos chaves da MEC; a este processo associa-se um bloqueio da acção dos Factores de Crescimento. Como consequência, há aumento do Colagénio III, estabecendo-se uma relação aumentada entre o Colagénio III e o Colagénio I. O exsudato das feridas crónicas tem, portanto, uma composição bioquímica diferente do exsudato das feridas agudas e a sua abundância nas feridas crónicas conduz a um atraso da cicatrização e à maceração da pele adjacente à ferida. A proliferação dos queratinócitos, controlada pela MMP-1 (colagenase intersticial) está diminuída, bem como a formação de células endoteliais. Biofilmes A pele está normalmente colonizada por bactérias não patogénicas ou comensais. A sua função principal é inibir a colonização da pele por bactérias patogénicas. Sempre que há uma solução de continuidade na superfície cutânea há migração bacteriana para o leito da ferida. Aqui, as bactérias envolvem-se por uma camada protectora de exo-polissacarídeos (a Substância Polimérica Extracelular) que lhes serve de protecção não só das agressões exteriores, como também das defesas do próprio hospedeiro. Forma-se aquilo que é designado por biofilme. A maturação destes biofilmes faz-se em duas a três semanas. As bactérias mais externas, em contacto com agentes agressivos, desenvolvem e libertam factores plasmídicos de resistência, ficando na espessura do biofilme, formando-se novos factores de virulência para manter a sobrevivência. Nos biofilmes há, portanto, comunidades bacterianas muito organizadas que permitem a interacção entre microrganismos individuais, ao mesmo tempo que permitem a troca de nutrientes e metabolitos. (9) Feridas crónicas – Fisiopatologia e tratamento 73 e corrigir as anomalias que atrasam a cicatrização, através de procedimentos terapêuticos locais. De cada vez que se observa o leito de uma ferida este esquema deve ser posto em prática: T significa tecido não viável, isto é, é necessário identificar todos os tecidos necróticos existentes no leito da ferida e eliminá-los por desbridamento contínuo; I representa que os focos de infecção e de inflamação necessitam de tratamento local ou sistémico; M, o meio ambiente do leito da ferida deve ser mantido húmido; E a epiderme dos bordos da ferida necessita de ser protegida e estimulada. No leito das feridas crónicas os biofilmes conferem protecção bacteriana contra os efeitos de agentes agressivos, nomeadamente os agentes antimicrobianos, antibióticos e antissépticos, sendo difíceis de erradicar. Há assim um estado de colonização crítica bacteriana que pode facilitar a infecção do hospedeiro, quando as bactérias encontram facilidade de penetração celular no leito da ferida. Tratamento das feridas crónicas Uma vez que as feridas crónicas têm um comportamento diferente das feridas agudas, o seu tratamento tem de ser orientado de modo distinto destas, ainda que as linhas gerais de orientação sejam comuns. A avaliação geral do doente permitirá identificar e tratar as suas morbilidades, optimizar o seu estado nutricional e de hidratação, minimizar ou eliminar os riscos de infecção, procurar outros locais de infecção que possam intervir sob o ponto de vista sistémico ou local na evolução da cicatrização da ferida. A identificação da etiologia da ferida conduzirá à definição das medidas terapêuticas que, aliadas ao tratamento local, favoreçam a cura da ferida e possam prevenir não só a sua recidiva mas a prevenção do aparecimento de novas feridas semelhantes. O tratamento local da ferida tem três objectivos fundamentais decorrentes da sua fisiopatologia e do seu comportamento: tratar a infecção, remover a “carga necrótica” do leito da ferida, isto é, o tecido necrótico, e o excesso de exsudato. A European Wound Management Association (EWMA) tem incentivado todos os cuidadores de feridas a utilizar o esquema TIME, baseado no trabalho da International Wound Bed Preparation Advisory Board. O objectivo é optimizar o leito da ferida, diminuindo a inflamação, o exsudato, a infecção Limpeza da ferida A limpeza das feridas é sem dúvida o primeiro degrau da escada do tratamento das feridas; ao serem removidos os restos necróticos e os biofilmes reduz-se, também, o excesso de exsudato. A utilização de solução fisiológica tépida ou até água de consumo tépida corrente, é eficaz para este efeito, aplicada directamente ou com jactos realizados com uma seringa. Para que seja eficaz deve ser feita com uma pressão entre 4 PSI a 15 PSI, o que pode ser obtido com o recurso a uma seringa de 20 ml com uma agulha ou cateter de 18 gauge ou até de 21 gauge, com as quais se obtém um jacto, respectivamente, de 9.5 PSI ou de 12.5 PSI. Em feridas infectadas é útil a lavagem inicial com solução aquosa de iodopovidona a 10 % ou com solução aquosa de undecilenamidopropil betaina a 0,1 % e polihexanida a 0,1 %. A utilização de qualquer destes solutos implica que, após a limpeza inicial, permaneçam no leito da ferida durante um período de 15 min, a que se seguirá a sua remoção com solução fisiológica tépida. Por vezes, pode ser útil a imersão da ferida em água tépida durante algum tempo, sobretudo quando se trata de feridas dos membros inferiores. Desbridamento O segundo degrau do plano de tratamento local é o desbridamento. A presença contínua de tecidos necrosados, impedindo a evolução normal da cicatrização, implica o desbridamento contínuo ou de manutenção, excepto quando a ferida crónica resulta de oclusão arterial, de atingimento de estruturas neurovasculares “major” ou se a ferida se localiza no calcanhar de pessoas idosas ou, ainda, se é maligna. O desbridamento cirúrgico é utilizado sobretudo em feridas de maiores dimensões. Há cirurgiões que 74 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e recorrem ao desbridamento hidrocirúrgico realizado na sala de operações, com aparelho adequado para a emissão de jactos de água a alta pressão. O recurso ao desbridamento mecânico, quer por fricção com compressas húmidas, quer pelo método húmido-seco, utiliza a aplicação de compressas humedecidas que se colocam na ferida e se deixam secar antes de serem retiradas, arrastando os tecidos desvitalizados ou ainda, a irrigação-aspiração de solutos aplicados sobre as feridas. A hidroterapia em tanques com água em turbilhão tem também sido utilizada. Qualquer destes métodos pode despertar dor e facilitar infecções cruzadas. No desbridamento enzimático utilizam-se enzimas proteolíticos que destroem e facilitam a libertação dos tecidos desvitalizados sem agressão dos tecidos viáveis. O mais utilizado é a pomada de colagenase, enzima obtido do Clostridium histollyticum, ainda que o recurso à papaína, retirada de um fruto tropical, a papaia, tivesse já sido utilizada, bem como a tripsina. A colagenase actua destruindo as fibras de colagénio, que mantêm o tecido necrótico aderente ao leito da ferida, promovendo a formação de tecido de granulação. O desbridamento autolítico é, sem dúvida, o mais utilizado no tratamento das feridas crónicas. Todos os produtos utilizados promovem a hidratação do leito da ferida, quer por fibrinólise, quer por acção enzimática sobre os lipossomas e outros produtos da flora bacteriana presente no leito da ferida, fazem a eliminação dos tecidos necrosados. Utilizam-se os hidrogeles, a maltodextrina e o poliacrilato com solução de Ringer. Mais recentemente surgiu o desbridamento biológico realizado com a aplicação de larvas da mosca Lucília sericata no leito da ferida. Estas larvas apenas se alimentam dos tecidos mortos, limpando o leito da ferida sem comprometerem os restantes tecidos. Controlo do Exsudato O controlo do exsudato começa com a limpeza da ferida e completa-se quando, após o desbridamento, se aplicam pensos absorventes, hidrofibras, alginatos de cálcio ou espumas de poliuretano, de acordo com a quantidade de exsudato. Controlo do ambiente microbiano O último degrau na escada do tratamento das feridas é, necessariamente, combater a infecção. A infecção deve ser tratada com antibióticos aplicados por via sistémica, após identificação microbiológica e identificação do espectro antimicrobiano, sempre que o estado do doente permita esperar por estes resultados. O uso indiscriminado de antibióticos por via sistémica ou local deve ser combatido. Nas feridas as estirpes bacterianas mais frequentes são Staphylococcus aureus e a Pseudomonas aeroginosa. A aplicação de antibióticos locais conduziu ao aparecimento de estirpes resistentes, tais como o Staphylococcus aureus meticilino-resistente (MRSA). Outras estirpes resistentes têm já sido identificadas, criando dificuldades ao tratamento local das feridas crónicas infectadas. Há, contudo, a possibilidade de associar ao tratamento sistémico o tratamento local da infecção com pensos com algumas substâncias antissépticas, para as quais não são ainda conhecidas resistências. Os pensos impregnados com prata são uma mais-valia para este efeito, embora possam surgir nalguns doente efeitos adversos (10) Também o cadexómero de iodo, em pó ou em creme, é outro meio antimicrobiano para tratamento, apenas com a ressalva das reacções alérgicas de alguns doentes, bem como naqueles que, tendo patologia tireoideia, o seu uso deve ser evitado. Os pensos impregnados com mel aproveitam duas propriedades do mel, o seu efeito desbridante e a sua acção bacteriostática. (11) Mais recentemente surgiram pensos impregnados com polihexametileno biguanida a 0,5 % (PHMB) que vieram trazer um maior espectro de acção local no tratamento das feridas crónicas (12). Continuam a investigar-se novas técnicas nesta área que, com certeza, trarão novas orientações no tratamento das feridas crónicas. Feridas crónicas – Fisiopatologia e tratamento Bibliografia 1. Posnett J, Gottrup F, Lundgren H et al. ”The resource impact of wounds on health-care providers in Europe”, J Wound Care, 2009; 18 (4):154. 2. Franks PJ, ”Cost-effectiveness: seeking value for money in lower extremity wound management”, 2006; 5(4):230-2. 3. Leaper DJ, van Goor, Reilly J et al. “Surgical site infection – a European per spective of incidence and economic burden”. Int Wound J 2004; 1:247-73 4. Santos ME, Sousa L, Caldas AC, ”Epidemiologia dos Traumatismos Crâ neo-Encefálicos em Portugal” Acta Médica Portuguesa, 2003; 16: 71-6. 5. Duro S, Cunha R, Justiniano A. “ Jornal Feridas”, 2003, 1:3-7. 6. Collier M, Hollinworth H, “Pain and time trauma during dressing change” Nurs Standard, 2000, 14(40):71-3. 7. Christian LM, Graham JE, Padgett DA et al. “Stress and Wound Healing”, Neuroimmunomodulation, 2006; 13:337-46. 8. European Wound Management Association (EWMA). Position Document: “Wound Bed Preparation in Practice”. 2004, London: MEP Ltd, 9. Fonseca AP, Sousa JC, Tenreiro R, “Pseudomonas aeruginosa as a nosocomial pathogen: Epidemiology, virulence, biofilm formation and antimicro- bial therapy”. In: Pandalai, S.G., editor. Recent Research Developments in Microbiology, (2006). Kerala, India: Research Signpost; Volume 10: 97-132. 10. Parsons D, Bowler PG, Myles V, Jones S, «Silver antimicrobial dressings in wound management: a comparison of antibacterial, physical and chemical characteristics », Wounds, 2005 ; 17(8) :222-32. 11. Molan P, «The evidence supporting the use of honey as a wound dres sing », Lower Extremity Wounds, 2006, 5(1) :40-54. 12. Moore K, Gray D «Using PHMB antimicrobial to prevent wound infection », Wounds UK, 2007, 3(2):96-102. 75 Metodologia das comissões de controlo da infecção Infection control commissions’ methodology Rui Fernando Teixeira Bastos* Comissão de Controlo de Infecção do Hospital da Prelada Resumo Abstract A discussão sobre a validação das metodologias adoptadas pelos Programas de Prevenção em Controlo de Infecção, bem como os critérios em que as Comissões de Controlo de Infecção se baseiam para desenvolver as actividades de vigilância epidemiológica, são alvo da maior atenção por parte das autoridades nacionais e internacionais que regulam e norteiam as estratégias de combate a esse problema de saúde pública que são as Infecções Associadas aos Cuidados de Saúde (IACS). Segurança e confiabilidade são os desígnios que norteiam os Planos de Operacionalização, Prevenção e Controlo de Infecção (POPCI) da tutela nacional e das organizações de saúde de referência internacional. O objectivo é proteger os doentes, os profissionais e todos os que recorrem aos serviços de saúde. A estratégia é educar, partilhar informação e promover uma cultura de excelência adaptada à realidade social e preparada para os desafios que um mundo em permanente e veloz alteração, obriga a que todos os cidadãos sejam contribuintes efectivos de uma vida melhor. The discussion concerning the validation of the methodologies adopted by the Infection Control Prevention Programs, as well as the criteria in which the Infection Control Commissions rely to develop the activities of epidemiological surveillance, are at the centre of attention when it comes to the national and international authorities that regulate and guide the fighting strategies to that public health problem, i.e. Infections related to Health Care. Safety and reliability are the designs that guide the Plans concerning Operationalization, Prevention and Infection Control, which are under the tutelage of the state and of the worldlyrenowned health organizations. The goal is to protect the sick, the professionals and those who need health services. The strategy is to educate, share information and to promote a culture able to excel, a culture that is adapted to the social reality and ready for the challenges of a world in constant and rapid change, making it mandatory that all citizens become truly contributors to a better life. Keywords: Infection, health care Palavras-chave: Infecção, cuidados de saúde Introdução Quando se pretende abordar um tema como o da metodologia das Comissões de Controlo de Infecção (CCI), duas questões se colocam desde logo: a infecção enquanto problema e a metodologia adequada à sua resolução. Subjacente ao tema está a constatação de um problema incontornável de saúde pública, comum a todas as sociedades, que é o da Infecção Nosocomial. Este conceito, cujo significado está contido na origem etimológica do próprio termo “nosocomial” – do grego “nosos” (doença) e “koneion” (hospital), sofreu entretanto uma evolução, deixando a circunscrição da realidade hospitalar e passando a reflectir toda e qualquer infecção adquirida em função de um qualquer cuidado prestado por um profissional de saúde, onde quer que seja. Assim, a expressão universalmente adoptada nos dias de hoje, “Infecção Associada aos Cuidados de Saúde”, abrange não só a pessoa a quem é prestado o cuidado assistencial, como o próprio profissional nele envolvido, independentemente do contexto em que acontece. * [email protected] Cadernos de Saúde Vol. 3 Número especial Infecção Associada à Prática de Cuidados de Saúde – pp. 77-83 78 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e A questão da metodologia invoca a necessidade da escolha de “um caminho para chegar a um fim” (met’hodos). Acontece que a capacidade de escolha está intimamente relacionada com o nível do conhecimento, sendo que este não é imutável. Se é verdade que o pensamento científico moderno foi influenciado pelo cepticismo metodológico cartesiano (que duvida de tudo o que não pode ser provado) e que teve grande expressão nos movimentos de racionalismo iluminista do séc XVIII, ele é hoje equilibrado por uma visão mais holística do mundo. Quando se trata de pessoas não podemos, como advoga António Damásio, separar o cérebro do resto. O Homem é pois um ser emocional, sendo esta a realidade que caracteriza a sua relação com tudo o que o rodeia. Esta realidade será ainda sublinhada pelas estratégias de mudança a que todos estão sujeitos. Ao falarmos então de opções, de pessoas e de serviços relacionados com prestação de cuidados de saúde, o primado é o da não maleficência. A grande questão está, então, em descobrir o método que garanta o princípio de primun non nocere. Servir é uma realidade para a generalidade das actividades sociais humanas. Isto também se aplica aos profissionais de saúde. A estes não basta dominar as técnicas, é necessário assumir a nobreza que há em tornar a vida mais fácil ao outro. Só será bom profissional quem for excelente a servir o outro. Quando se trata de prestação de cuidados de saúde, estamos a referir-nos a um serviço feito por pessoas, para pessoas. Partir daqui para o conceito de Qualidade do serviço prestado, implica falar de comportamentos, atitudes e de desenvolvimento pessoal. Falamos então de mudança no sentido da procura de melhorias sensíveis, da circunscrição do erro e da procura de níveis elevados de fiabilidade e garantia do serviço. De facto, não é suposto que se recorra a uma qualquer organização prestadora de serviços de saúde, sem uma infecção e adquiri-la aí, no local onde depositamos esperança e confiança. É necessário, pois, que o sistema de trabalho desenvolva os procedimentos e os instrumentos de gestão que garantam um nível máximo de satisfação do cliente. Este será um dos princípios fundadores dos sistemas de gestão da qualidade, cuja matriz traduza uma tolerância para o erro a tender para o zero e a adopção de indicadores que monitorizem o desempenho, orientando-o para o processo de melhoria contínua. Deming, Juran ou Crosby, foram alguns dos fundadores das metodologias aplicáveis aos sistemas de gestão que transformaram a qualidade num paradigma incontornável ao sucesso e sobrevivência das organizações (quem não se lembra da roda da qualidade ou PDCA). A qualidade, hoje, não se discute, não há segurança sem qualidade. É inclusive factor determinante de competitividade no mercado da prestação de serviços, pois significa simplesmente, fazer bem. A Qualidade “Grau de satisfação de requisitos dado por um conjunto de características intrínsecas” ISO 9000 Entre as metodologias experimentadas pelas organizações prestadoras de cuidados de saúde, relevam os sistemas de gestão de qualidade como paradigma incontornável na garantia de elevados padrões assistenciais. Desde o aparecimento dos primeiros gurus da qualidade, cujo trabalho inicial, nalguns casos, foi apenas reconhecido fora dos seus países de origem, que se multiplicaram as correntes metodológicas que pretenderam assegurar o êxito das organizações: “Gestão Total da Qualidade” (TQM); “Reengenharia” ou, para o sector dos serviços de Saúde, o “Kings Fund” europeu ou a “Joint Commission” americana. Muitas vezes, a sua aplicação tornou-se perversa, uma moda que nem sempre levou em linha de conta as idiossincrasias (constrangimentos?) organizacionais e os contextos sociais, destinatários da sua bondade. É aqui que parece que outro conceito complementar se associa aos métodos de gestão de qualidade: a Gestão Estratégica. A Gestão Estratégica incorpora os princípios de gestão da qualidade, mas não esquece que o processo de mudança não se faz contra as pessoas, é feito por elas e para elas, origem e destinatários dos processos da qualidade. É, pois, imperioso adoptar o método à realidade sociocultural das organizações, não esquecendo que a satisfação das expectativas e necessidades do cliente têm uma carga subjectiva difícil de mensurar. No entanto são comuns alguns dos princípios que a aplicação dos sistemas de gestão da qualidade incorpora: a focalização no cliente; o envolvimento das pessoas no processo da qualidade; a comunicação efectiva; a abordagem por processos (interligando e simplificando as actividades); o paradigma da melhoria contínua ou a tomada de decisões baseadas em factos. Comuns serão também os benefícios da sua adequada adaptação ao contexto organizacional: A satisfação dos clientes internos e externos; Metodologia das comissões de controlo da infecção a eliminação do desperdício; a diminuição da variabilidade; a diminuição do erro; a eliminação de redundâncias; a simplificação e a promoção do trabalho em equipa; a cultura da excelência e das atitudes positivas. O que se pretende? Mais uma vez, segurança e confiabilidade. Esta visão estratégica que integra os valores dos sistemas de gestão da qualidade com a cultura institucional é o que permite às organizações adaptarem-se a um mundo que está em constante e cada vez mais rápida mudança. Esse período entre o passado e o futuro, a que chamamos presente, é por definição transitório, dinâmico e traduz o estado evolutivo das sociedades. Não podemos adivinhar o futuro, dependente de forças externas à nossa vontade: clima; revoluções; crises económicas; mudanças tecnológicas; etc., mas podemos optar por agir ou não agir. Assim acontece com as organizações prestadoras de cuidados de saúde que, para responder aos desafios que a evolução socioeconómica colocou ao longo dos tempos, reagiu através da inovação e adaptação às realidades emergentes. Será pois da mais elementar justiça homenagear alguns dos que, de forma notável, influenciaram a forma como a humanidade evoluiu nesse contexto – a prestação dos cuidados de saúde. O Passado Os séculos XIX e XX concentraram algumas das personagens e acontecimentos que influenciaram de forma determinante a humanidade e os desafios a que as sociedades contemporâneas tiveram que responder. A viagem ao passado que se propõe, não pretende ser exaustiva e certamente injustiçará muitos dos que, de forma mais ou menos reconhecida, marcaram com o seu contributo, etapas do progresso civilizacional, no que a esta matéria diz respeito. Vários são os historiadores que afirmam que para se compreender o presente, pouco mais será necessário que conhecer os acontecimentos do séc. XIX. Será então aí que se tentará enquadrar o aparecimento das primeiras preocupações com o controlo da infecção e, sobretudo, a origem das Comissões de Controlo de Infecção. 1847 – “A partir de hoje, 15 de Maio de 1847, todo o estudante ou médico, é obrigado, antes de entrar nas salas da clínica obstétrica, a lavar as mãos com ácido clórico, na bacia colocada na entrada. Esta disposição vigorará para todos, sem excepção”. 79 Esta determinação foi escrita por Semmelweiss, médico nascido em Budapeste, pertencente então ao império austro-húngaro, quando trabalhava na primeira clínica obstétrica da maternidade de Viena. Esta clínica era conhecida na época pela elevada taxa de mortalidade por febre puerperal (“Childbed fever”). Significativo era o facto desta unidade assistencial apresentar uma taxa de mortalidade até dez vezes superior à taxa de mortalidade da segunda clínica obstétrica de Viena, onde os partos eram efectuados não por médicos e estudantes de medicina, mas por parteiras. O espírito inquieto de Semmelweiss levou-o a estabelecer uma ligação entre a infecção pós-puerperal e a manipulação prévia, pelos clínicos, de cadáveres durante as autópsias. Essa associação entre as mãos portadoras de “partículas cadavéricas” e a infecção determinou a orientação da higienização das mãos antes da observação das parturientes. O sucesso desta medida simples foi tal que, em poucos meses, a taxa de mortalidade, da primeira clínica, baixou para níveis inferiores aos da segunda clínica. Este relato constitui a primeira descrição que evidencia a sensibilidade da taxa de infecção nosocomial às medidas de prevenção e controlo da mesma e fizeram com que muitos considerassem Semmelweiss como o “pai” do Controlo da Infecção Hospitalar. 1846 – Florence Nigthingale. Esta extraordinária senhora utilizou o poder que a sua condição social privilegiada lhe dava, colocando-o ao serviço do bem público. Dedicou-se aos cuidados de enfermagem, não acreditava em micróbios, mas na higiene e salubridade. Notabilizou-se na guerra da Crimeia ao serviço do exército britânico e demonstrou que a falta de higiene e as doenças dizimavam muitos dos soldados feridos. Foi pioneira na utilização de gráficos estatísticos e utilizou-os para comunicar dados (taxa de mortalidade) de forma inteligível, aos generais e no parlamento. As suas reformas baixaram a taxa de mortalidade de 42,7 % para 2,2 %, no seu hospital militar. Criou ainda a primeira Escola de Enfermagem do mundo. 1860 – James Young Simpson – Médico escocês e um dos mais proeminentes obstetras da modernidade, revolucionou os métodos de controlo da dor através do estudo das propriedades do clorofórmio na anestesia e introduziu o conceito de “hospitalismo” associando-o aos incidentes adversos relacionados com a prestação de cuidados de saúde, termo com grande actualidade, ainda hoje. 80 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e 1876 – Joseph Lister – contemporâneo de James Simpson, usou a teoria dos germes de Pasteur para introduzir o conceito da antissepsia na prática cirúrgica. Ao demonstrar as propriedades antissépticas de fenol (ácido carbólico), reduziu a infecção pós-operatória, tendo ainda utilizado desinfectantes para as roupas cirúrgicas. 1928 – Alexander Fleming fez-nos sonhar com um mundo livre de infecções, quando descobriu a penicilina. Surgiu então uma nova era: a dos antibióticos que permitiam tratar infecções até então consideradas mortais. Infelizmente para a humanidade este reinado foi de pouca dura e em 1950 apareceram os primeiros staphilococcus resistentes à penicilina. Nesta década a infecção hospitalar começou a ser vista, em Inglaterra, como um problema de saúde pública, tendo aqui aparecido a primeira Comissão de Infecção Hospitalar. Em 1958, nos EUA, face ao reconhecimento do fenómeno da infecção nosocomial como um problema real, a American Hospital Association (AHA) recomenda a vigilância epidemiológica generalizada e a formação de Comissões de Controlo de Infecção em todas as organizações hospitalares. A década que se seguiu foi palco da utilização maciça de antibióticos de largo espectro quer no Homem quer em animais domésticos (aqui com repercussões óbvias na cadeia alimentar humana). Este fenómeno teve como consequência um aumento exponencial das resistências de várias estirpes de microrganismos e com particular acuidade para as pseudomonas e enterobacteriáceas. A sociedade, no entanto, começou a olhar para os incidentes adversos decorrentes da prática de cuidados de saúde, com um olhar crítico. Em 1965, um jovem saudável é internado no Charleston Community Memorial Hospital, nos EUA, com uma fractura numa perna, de resolução aparentemente simples. O jovem faleceu com uma infecção adquirida nesta unidade, dando origem a um processo de litígio judicial – “Darlin v. Charleston” – de que resultou a primeira descrição de indemnização de um cliente hospitalar por danos provocados por infecção nosocomial. A criação dos “Committes on Infection” nos EUA, deram origem ao aparecimento do Centers for Disease Control and Prevention (CDC) e às recomendações para a assumpção da Vigilância Epidemiológica pelos Hospitais. Em 1969 é efectuado um estudo multicêntrico – National Infections Study (NNIS) e em 1970 o CDC recomenda: a função de epidemiologista, como instrumento de controlo e prevenção da infecção hospitalar; a implementação do formato da informação de retorno; a nomeação de um Enfermeiro de Controlo de Infecção (ECI) a tempo inteiro para supervisão do Plano de Controlo de Infecção e a inclusão de um microbiologista na CCI. Em 1974 acontece o SENIC (Study of the Efficacy of Nosocomial Infection Control). Algumas das suas mais interessantes conclusões evidenciaram o seguinte: – “A infecção hospitalar diminui, em média, 32 %, quando a organização possui uma Comissão de Controlo de Infecção. Pelo contrário, aumenta cerca de 9 %-31 % quando esta não existe”. Mas disse mais, “Um terço das infecções nosocomiais são preveníveis; um terço não é prevenível; um terço talvez seja prevenível”. Em 1976, a Joint Commission Accreditation of Hospital impõe a existência de programas de controlo de infecção como critério de licenciamento dos hospitais. Como consequência, em 1980, as Comissões de Infecção passaram a integrar um Enfermeiro de Controlo de Infecção por cada 250 camas hospitalares e em 1986 o CDC preconiza uma vigilância epidemiológica global para as unidades de menor dimensão ou, para as de maior dimensão, priorizando as zonas de risco elevado como as Unidades de Cuidados Intensivos (UCI); Serviços Cirúrgicos e berçários de alto risco. Em Portugal Fala-se de Comissão de Infecção, pela primeira vez em Portugal, em 1930, tendo-se recomendado a adopção de vestuário protector e higiene das mãos. Mas só em 1978 foi criada a primeira Comissão de Higiene no Hospital de Torres Vedras. No final de 1987 realiza-se a primeira conferência Nacional sobre a luta contra a infecção hospitalar e efectua-se um inquérito às comissões de higiene, com a finalidade de identificar os constrangimentos na área do Controlo de Infecção. Entre 1988-1998, é desenvolvido um projecto de controlo de infecção, no IGIF, liderado pela Dra. Elaide Pina, cujas principais finalidades eram as de adequar métodos de estudo das infecções nosocomiais aos hospitais e ainda o de utilizar o controlo de infecção como indicador de qualidade de cuidados prestados. Este projecto esteve na origem do despacho que obrigou à constituição obrigatória de Comissões de Controlo de Infecção em todos os Metodologia das comissões de controlo da infecção hospitais públicos e privados, bem como os critérios de acreditação para as CCI, o respectivo regulamento, conteúdo funcional e níveis de responsabilidade dos seus membros. Em 1999, foi criado o Programa Nacional de Controlo de Infecção (PNCI), por despacho do director Geral da Saúde, com a missão de conhecer a dimensão das infecções nosocomiais nas unidades de saúde e a promoção de medidas preventivas. O PNCI foi transferido para o INSA, em 2001, por despacho do então secretário de Estado da Saúde com o objectivo de coordenar e monitorizar o progresso da vigilância epidemiológica a nível nacional, entre outros. O PNCI é integrado no Plano Nacional de Saúde 2004-2010 e em 2006, por despacho de 10 de Outubro do então Ministro da Saúde, Correia de Campos, foi transferido para a DGS onde foi reorganizado o seu grupo coordenador, criando uma estrutura central que foi incluída na Direcção de Serviços da Qualidade Clínica da Direcção Geral de Saúde (DGS). O Presente Apesar dos avanços nos métodos de controlo e prevenção das Infecções Associadas aos Cuidados de Saúde (IACS); das inovações relacionadas com as técnicas de assepsia, desinfecção e esterilização; da modernização da arquitectura e estrutura hospitalar, a verdade é que há mais IACS. A verdade é que 10 % – 17 % dos doentes hospitalizados sofrem um evento adverso. As IACS estão entre os três eventos adversos mais significativos nas organizações hospitalares, a par dos relacionados com o uso de medicamentos e das complicações cirúrgicas. Diariamente 1,4 milhões de doentes hospitalizados em todo o mundo adquirem uma infecção associada aos cuidados de saúde. Isto significa 8 %-12 % dos doentes internados em hospitais de agudos, nos designados países desenvolvidos (o risco sobe para os 15 %-40 % nas Unidades de Cuidados Intensivos). A prevalência das IACS é comum nestes países, com relevo para as urinárias (28 %); as respiratórias (25 %); as do local cirúrgico (17 %) e as da corrente sanguínea (10 %). No Reino Unido, estima-se que as IACS serão responsáveis por cerca de 5 % da taxa de mortalidade hospitalar. Considera-se hoje que 85 % dos eventos adversos são de processo e apenas 15 % imputáveis a outras causas, inclusive as dos profissionais. Também é consensual que uma boa parte destes eventos 81 adversos seriam evitáveis, bem como as importantes consequências que acarretam: elevados custos de hospitalização (maior tempo de internamento, em média mais 5-10 dias; aumento do número de horas de prestação de cuidados; aumento da taxa de reinternamento; aumento exponencial de exames laboratoriais; aumento da taxa de mortalidade; etc.) e diminuição da confiança do cidadão nos serviços saúde e nos avanços tecnológicos. É sabido que nos primeiros cinco dias de internamento, o doente é contaminado por 70 % da flora hospitalar e que ao fim dos primeiros 10 dias está contaminado com 100 % dessa flora. Sabe-se ainda que só a 50 % dos doentes é administrado o fármaco profilático uma hora antes da cirurgia. Torna-se assim mais arriscado ir ao hospital do que andar de avião. Estes são motivos suficientes para que a tutela e a gestão das unidades de saúde vejam este problema como uma prioridade a resolver. A estratégia nacional reflecte as preocupações da OMS nesta matéria e insere-se nos projectos europeus de promoção de um ambiente assistencial seguro, cujos objectivos centrais são os de conhecer com rigor e de forma continuada a incidência e a natureza das IACS, bem como a diminuição destas nas unidades prestadoras de cuidados. A criação de uma rede nacional de registo de IACS, coordenada centralmente pela Divisão de Segurança Clínica da Direcção Geral de Saúde (DGS) e coadjuvada localmente pelos grupos coordenadores regionais, é uma das estratégias entretanto lançadas e que ambiciona a institucionalização de um registo contínuo de análise da evolução das IACS e servirá de apoio a um sistema de vigilância epidemiológica bem estruturado. Outra das intervenções a desenvolver tem a ver com a divulgação de recomendações de boas práticas e a formação e informação de profissionais e utentes. Estas iniciativas, que datam de 2007 destinam-se a abranger os Cuidados de Saúde Primários; os Cuidados Hospitalares; os Cuidados Continuados; as Unidades de Saúde Privadas e, de uma maneira geral, todos os profissionais envolvidos na prestação directa ou relevante dos cuidados de saúde. Aos órgãos de gestão das organizações prestadoras de cuidados de saúde cabe a responsabilidade directa do cumprimento do PNCI e, portanto, pelo desenvolvimento de um Plano Operacional de Prevenção e Controlo de Infecção (POPCI), adequado às unidades. Têm ainda o dever de promoverem politicas de racionalização da utilização dos antimicrobianos; 82 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e informatizarem os laboratórios de microbiologia; promoverem a centralização dos Serviços de Esterilização; adequarem as estruturas arquitectónicas; activarem os processos de comunicação externa e interna e fomentarem uma cultura institucional de segurança. É premente adequar os meios físicos, humanos e financeiros ao funcionamento das Comissões de Controlo de Infecção. A Comissão de Controlo de Infecção é um órgão consultivo de apoio à gestão, a quem deve assegurar-se autonomia técnica e executiva. A sua composição deve prever um núcleo executivo (no mínimo, um Médico por cada 25 000 admissões/ ano e um Enfermeiro por cada 5000 admissões/ ano e ainda um administrativo); um núcleo dinamizador (um médico e um enfermeiro por serviço) e um núcleo consultivo (multidisciplinar). A este grupo deve ser assegurada formação e carga horária adequadas à dimensão de cada unidade. A missão da Comissão de Controlo de Infecção inclui a detecção, investigação e controlo de surtos de infecção; a monitorização dos indicadores de resultados estruturas e de processos; a construção e divulgação de manuais de boas práticas; o desenvolvimento de politicas de antimicrobianos, antissépticos e desinfectantes; a formação contínua; assegurar um sistema contínuo de vigilância epidemiológica adaptado à realidade da organização; garantir a informação de retorno e promover o planeamento da alta hospitalar. A vigilância epidemiológica deve ser promovida de forma prospectiva, baseada no doente, priorizando as áreas de maior risco, sobretudo as áreas dos cuidados intensivos, cirúrgicos, das unidades de cuidados intensivos em neonatologia ou das unidades de hemodiálise. Deve preocupar-se ainda com as infecções nosocomiais da corrente sanguínea; com os microorganismos epidemiologicamente significativos, monitorizando o aparecimento das resistências aos antimicrobianos e deve privilegiar os estudos de incidência de infecção. Integrar estas actividades com os programas de vigilância nacionais e internacionais, como são exemplos os projectos: “Hospitals in Europe Link for Infection Control Through Surveillance” (Helics UCI ou Helics Cirurgia); a Campanha de Higiene das Mãos; o Programa Nacional de Prevenção das Resistências aos Antimicrobianos; o “Improving Patient Safety in Europe” (IPSE). E aproveitar a participação das organizações, prestadoras de cuidados de saúde, nos processos de acreditação/certificação, devem ser um desiderato e uma oportunidade para os responsáveis pela concepção e execução dos processos de controlo de infecção. Estes programas afirmam-se cada vez mais como iniciativas disponíveis mais custo-efectivas e com menor custo-beneficio. Desafios São muitos e crescentes, os desafios que se colocam à modernidade. As alterações climáticas, que provocam alterações sensíveis dos nichos ecológicos; a mobilidade generalizada; o desenvolvimento económico e tecnológico; o aumento da esperança de vida; a utilização de meios de diagnóstico e terapêutica invasivos; o aparecimento de novas doenças (ébola; hanta-vírus e novas doenças crónico-degenerativas) ou o recrudescimento de outras (tuberculose pulmonar); o aparecimento de novas estirpes de microrganismos e o aumento das resistências de alguns aos antimicrobianos; o aparecimento de novos doentes de risco (prematuros, idosos), são apenas algumas das ameaças que a permanente evolução dos tempos coloca a todos quantos vivem em sociedade. Essa sociedade, em que a velocidade com que a informação é debitada, se transforma numa sociedade de aprendentes sempre alerta e em constante adaptação às novas necessidades. Os objectivos dos programas de prevenção e controlo de infecção serão no entanto os de hoje: proteger o doente, os profissionais, as visitas e todos os outros, nas unidades de saúde. E fazê-lo de forma custo-efectiva e eficiente. O futuro mais próximo irá transformar as redes Helics/IPSE numa rede do European Centers of Disease Control (ECDC) e desenvolver, a nível europeu, um estudo de validação comparativo das metodologias de vigilância, procurando monitorizar tendências, forças e fraquezas dos sistemas de vigilância epidemiológica, identificado assim os alvos de intervenção. A promoção do uso racional dos antimicrobianos está entre as principais preocupações do ECDC. Estes projectos europeus integram-se ainda nas directivas da Organização Mundial de Saúde e do seu grande desafio em prol da segurança. Através do primeiro desafio “Word Aliance for Patient Safety” e, para além das iniciativas já em curso como o projecto “Clean care in safe care”, desenvolvem-se acções de melhoria nas áreas das transfusões, injectáveis, imunização, praticas clínicas, água, saneamento e gestão de resíduos. Metodologia das comissões de controlo da infecção Finalmente a intervenção pedagógica com campanhas de educação dirigidas às crianças e famílias, de que é exemplo o projecto e-Bug (protocolo entre os Ministérios da Educação e Saúde), vai desempenhar um papel importante na forma como todos percebem a importância dos contributos individuais. É que em última análise, a responsabilidade pela prevenção e controlo da infecção é de todos nós. Bibliografia 1. Fernandes, Artur – “Qualidade de Serviço, Pela Gestão Estratégica”. Empresa inteligente, p.11; 15; 88-92. 1.ª ed., Editora Pergaminho, 2000. 2. Fragata, José ; Martins, Luís – “O Erro em Medicina”. P..29- 47; 61-65; 123-138; 215-225. Editora Almedina, 2005 3. Hinrichen, Sylvia Lemos – “Biossegurança e Controlo de Infecção”. p. 249-262;289-304, Editora Medsi, 2004 4. Pires, A. Ramos – “Qualidade, Sistemas de Gestão da Qualidade”. p. 16; 18-34; 46-47; 147; 213. 3.ª ed. revista, corrigida e ampliada, Editora Sílabo.2004. 5. Wilson, Jennie – “Controlo de Infecção na Prática Clínica”. p. 175-203 2.ª ed., Editora Lusociência, 2003. 6. www.apic.org 7. www.cdc.gov 8. www.dgs.pt 9. www.enciclopedia.com 10. www.general-anestesia.com 11. www.hqs.org.uk 12. www.jointcommission.org 83 Introdução à Mesa-Redonda sobre Resistência aos antibacterianos e infecção associada aos cuidados de saúde Antimicrobial resistance and healthcare associated infections Professor Melo Cristino Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa; Serviço de Patologia Clínica do Centro Hospitalar Lisboa Norte Introdução A descoberta e utilização terapêutica dos agentes antimicrobianos assinalou um dos maiores avanços da medicina do século passado. As doenças infecciosas eram a principal causa de morte em todo o mundo. A situação mudou radicalmente, pelo menos nos países ditos desenvolvidos, com a introdução na terapêutica destes poderosos fármacos, eficazes no combate às infecções microbianas graves, sobretudo as de etiologia bacteriana. O início da era antibiótica proporcionou resultados à data considerados miraculosos (Travis, J. Science 264:360, 1994), com a cura de doenças até então responsáveis por elevada mortalidade como, por exemplo, a tuberculose e as pneumonias. Rapidamente se verificou que a descoberta de novos antimicrobianos seria indispensável para a terapêutica. Assistiu-se a um enorme investimento na descoberta e purificação de novas moléculas com propriedades antimicrobianas e espectros de actividade cada vez mais alargados e em poucos anos desenvolveram-se várias classes de antibióticos. Contudo, uma euforia inicial considerando que o tratamento das doenças infecciosas seria brevemente controlado cedo começou a sofrer alguns revezes porque, precocemente, se presenciaram insucessos terapêuticos. Verificou-se que, à medida que novos antibióticos iam sendo introduzidos, a eclosão de resistências nos microrganismos inicialmente susceptíveis surgia de forma mais ou menos rápida. * Moderador da Mesa-redonda IV [email protected] O homem menosprezou as capacidades de adaptação dos microrganismos a condições hostis. Eles são os seres vivos que mais rapidamente adquirem e transmitem novas propriedades entre si, através da troca de material genético. Entre estas incluem-se, naturalmente, as resistências aos antimicrobianos. Quanto maior e mais diversificado o número de antimicrobianos disponíveis, maior a facilidade e a tentação para a sua utilização variada, tantas vezes inadequada e incorrecta. Também o impacto ecológico da sua utilização indiscriminada teve consequências graves tanto na comunidade como no hospital. Aqui concentram-se diversos factores de risco para a rápida eclosão e disseminação de resistências (grande diversidade de antimicrobianos em uso constante, doentes mais susceptíveis, manobras semiológicas ou terapêuticas mais invasivas, transmissão de microrganismos mais facilitada e existência de microrganismos “hospitalares” adaptados, mantidos pela constante pressão selectiva e, por isso, resistentes simultaneamente a múltiplos antibióticos). A emergência e a disseminação de microrganismos multirresistentes, tanto no hospital como, mais recentemente, também na comunidade, não param de aumentar. Contam-se entre os mais relevantes na actualidade, nas bactérias de gram-positivo, Staphylococcus aureus resistentes à meticilina (MRSA), enterococos resistentes à vancomicina (VRE) e Streptococcus pneumoniae resistentes à penicilina e macrólidos. Nas de gram-negativo as 86 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e enterobacteriacias produtoras de beta-lactamases de espectro estendido (ESBL) (ou também resistentes aos carbapenemos), Pseudomonas aeruginosa e Acinetobacter spp. multirresistentes são hoje agentes frequentes de infecção. Na mesa-redonda que se seguirá, o Prof. Mário Ramirez irá apresentar-nos a situação referente à resistência em bactérias de Gram-positivo e a Profª. Helena Ramos em bactérias de Gram-negativo. A necessidade de prescrever correctamente terapêutica antimicrobiana empírica será abordada pelo Prof. Saraiva da Cunha. Finalmente, a utilização profiláctica de antimicrobianos e todos os seus condicionalismos serão discutidos pelo Prof. Carlos de Vasconcelos. Resistência em bactérias de Gram-positivo Antimicrobial resistance in gram positive bacteria Mário Ramirez* Instituto de Microbiologia, Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa Resumo Abstract A resistência aos antimicrobianos em bactérias de Gram- -positivo é um problema de importância crescente. As espécies Streptococcus pneumoniae, Staphylococcus aureus, Staphylococcus epidermidis, Enterococcus faecium e Enterococcus faecalis apresentam-se cada vez mais resistentes aos antimicrobianos de primeira linha no tratamento das infecções em que são agentes etiológicos. Far-se-á uma revisão dos principais mecanismos de resistência existentes em cada uma das espécies e da sua disseminação na população bacteriana. Será discutida a evolução da proporção de estirpes resistentes em Portugal desde 1993 até 2008 e qual o seu enquadramento no contexto europeu. Discutir-se-ão as alternativas terapêuticas que mais recentemente chegaram ao mercado e qual a situação actual de resistência a estes novos fármacos. Antimicrobial resistance in Gram positive bacteria is of increasing importance. Streptococcus pneumoniae, Staphylococcus aureus, Staphylococcus epidermidis, Enterococcus faecium and Enterococcus faecalis are species in which resistance is escalating to the first line antimicrobials for the treatment of infections in which these species are the etiological agents. The mechanism underlying resistance in these species and their dissemination in the bacterial population will be reviewed. The data for Portugal regarding the evolution of resistance in these species from 1993 to 2008 will be presented. A discussion of these values in the European context will be provided. The alternatives offered by the new antimicrobials that just reached the market will be discussed and the data on resistance to these agents will be reviewed. Palavras-chave: Gram positivo, resistência aos antimicrobianos, Portugal. Keywords: Gram positive, antimicrobial resistance, Portugal A introdução da penicilina no final dos anos 40 do século passado revolucionou o tratamento das infecções causadas por bactérias de Gram positivo, em particular as causadas por estafilococos e estreptococos. Nos mais de 60 anos que se lhe seguiram, muitos mais fármacos foram desenvolvidos para o tratamento destas infecções, sendo que as populações bacterianas têm demonstrado a sua enorme capacidade de adaptação ao desenvolver resistência a todos os agentes com que têm sido confrontadas. De entre os agentes patogénicos de Gram positivo destacam-se Streptococcus pneumoniae, Staphylococcus aureus e, mais recentemente, os Enterococcus faecium e Enterococcus faecalis por apresentarem problemas significativos de resistência aos agentes antimicrobianos, criando dificuldades ao nível da saúde pública e aumentando os custos dos cuidados de saúde. Resistência aos macrólidos e à penicilina em Streptococcus pneumoniae. S. pneumoniae (pneumococo) é não só o agente mais frequentemente responsável por pneumonia adquirida na comunidade, mas também de pneumonia em indivíduos residentes em lares de idosos (5). Apesar das várias armas terapêuticas disponíveis, a infecção continua associada a uma morbilidade e mortalidade elevadas. Em Portugal, desde 1999 que o Estudo Viriato tem vigiado a susceptibilidade aos antimicrobianos de um conjunto de bactérias responsáveis por infecções respiratórias adquiridas na comunidade, incluindo S. pneumoniae (10-12). A resistência à eritromicina nesta espécie era baixa (2 a 4 %) segundo os dados dispersos existentes antes do início do Estudo Viriato. Porém, logo em 1999, a proporção de estirpes resistentes a este * [email protected] Cadernos de Saúde Vol. 3 Número especial Infecção Associada à Prática de Cuidados de Saúde – pp. 87-92 88 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e antimicrobiano, analisadas no âmbito desse estudo, era já 14 %. Este valor cresceu até aos 20 %, tendo-se mantido sensivelmente estável até 2008. Neste contexto é ainda importante referir que aproximadamente 80 % das estirpes resistentes à eritromicina apresentavam o fenótipo MLSB. Este fenótipo de resistência, mediado pela presença de uma metilase ribossomal, confere igualmente resistência à maioria dos restantes macrólidos, incluindo a claritromicina e a azitromicina, bem como a clindamicina. No contexto europeu, os estudos do EARSS (http:// www.rivm.nl/earss/) mostram que os valores portugueses estão em linha com os encontrados em Espanha, mas são inferiores a outros países mediterrânicos, como França e Itália, que apresentaram em 2007 valores superiores a 30 % de resistência à eritromicina. Ainda que no estudo EARSS apenas se estudem estirpes invasivas, ou seja estirpes isoladas de fluidos habitualmente estéreis, uma comparação com os dados mais recentes de um mesmo conjunto de estirpes em Portugal, demonstra que os valores de cerca de 20 % de resistência à eritromicina verificado no total das estirpes se mantêm se considerarmos apenas estirpes invasivas (1). A resistência à penicilina em Streptococcus pneumoniae é mediada pela presença de proteínas de ligação à penicilina (PBPs) alteradas, sendo que a maioria das estirpes de pneumococo resistentes à penicilina antes de 2001 apresentavam um número reduzido de tipos capsulares. Em 2001, foi introduzida em Portugal uma vacina conjugada sete valente (PCV7) dirigida contra sete dos 92 tipos capsulares expressos por S. pneumoniae. Os sete serotipos representados na PCV7 incluíam os serotipos que mais frequentemente apresentavam resistência à penicilina, dos quais se destacam os serotipos 9V, 14 e 23F (14). Com o advento da vacina, não só diminuíram as infecções causadas por estes serotipos nas crianças que são o grupo alvo da vacinação, mas também se verificou uma diminuição das infecções por estes serotipos em adultos (1). A vacinação teria por isso a potencialidade de diminuir a proporção de infecções causadas por estirpes resistentes à penicilina, uma previsão que se veio a verificar nos Estados Unidos. Em Portugal, a proporção de estirpes não susceptíveis à penicilina, considerando em conjunto as estirpes classificadas como tendo susceptibilidade intermédia (CIM 0,12-1µg/mL) e aquelas classificadas como resistentes (CIM ≥2 µg/mL), segundo as normas do “Clinical and Laboratory Standards Institute” (CLSI), diminuiu do período de 1999-2002 (média 23,7 %, mínimo 23,0 %, máximo 25,1 %) quando comparado com o período 2003-2007 (média 19,0 %, mínimo 17,7 %, máximo 20,5 %). Se considerarmos apenas as estirpes de resistência elevada (CIM ≥2 µg/mL) a queda foi proporcionalmente ainda maior, de 7,5 % no período de 1999-2002 para 2,0 % no período 2003-2007. No entanto, talvez não se possa atribuir esta diminuição exclusivamente à vacinação. Quando se estudaram apenas as estirpes invasivas e se compararam os períodos pré e pós introdução da PCV7 (1), verificou-se que o decréscimo na proporção de estirpes não susceptíveis à penicilina foi mais marcado nas crianças (≤5 anos), de 45 % para 27 % (p=0,013), do que nos adultos em que não atingiu significância. Aliás, neste último grupo etário, verificou-se um aumento da proporção de estirpes simultaneamente não susceptíveis à penicilina e resistentes aos macrólidos, que passaram de 4 % para 8 % (p=0,016). Este comportamento deve-se em parte à expansão de um clone multirresistente expressando o serotipo 19A (2), que já circulava antes da introdução da PCV7. É de notar que não se verificou a emergência de resistência em serotipos não vacinais (1). Todavia, a introdução da PCV7 em Portugal não foi acompanhada do decréscimo de estirpes resistentes que se verificou nos Estados Unidos. Na Europa, os estudos do EARSS mostram que a proporção de estirpes não susceptíveis em Portugal é semelhante à encontrada em Espanha. Os países mediterrânicos apresentam valores muito diferentes de não susceptibilidade à penicilina, sendo que em França este valor é superior a 25 % e em Itália é inferior a 10 %. As normas do CLSI de 2008 vieram propor novas concentrações críticas para o reconhecimento de estirpes resistentes à penicilina (15). Até esta revisão, as normas em vigor desde de cerca de 1970 foram estabelecidas com o objectivo de assegurar o sucesso terapêutico em caso de meningite. A recente alteração do CLSI partiu do reconhecimento de que era possível, pela via parentérica, atingir concentrações séricas de penicilina que eram superiores às CIMs das estirpes “resistentes”, segundo as normas existentes até 2007. Vários estudos demonstraram que era possível tratar com sucesso, utilizando penicilina, as pneumonias causadas por estirpes que tinham sido classificadas como “resistentes” in vitro. As novas concentrações críticas propostas em 2008 têm em conta o tipo de infecção e a via de administração do antibiótico. Resistência em bactérias de Gram-positivo Quadro 1 – Concentrações críticas preconizadas pelo “Clinical and Laboratory Standards Institute” para a penicilina no tratamento de infecções causadas por Streptococcus pneumoniae. Período, infecção e via de administração CIM µg/mL, para cada categoria Susceptível Intermédio Resistente Antes de Janeiro de 2008, qualquer infecção e via de ≤0,06 0,12 - 1 ≥2 ≤0,06 – ≥0,12 ≤2 4 ≥8 ≤0,06 0,12 - 1 ≥2 administração Desde Janeiro de 2008 Meningite, via endovenosa Excepto meningite via endovenosa via oral Esta mudança de concentrações críticas irá influenciar a nossa percepção da resistência à penicilina em S. pneumoniae, não só porque a CIM para classificar uma estirpe como resistente à penicilina parentérica foi aumentada para 8µg/mL, mas também porque em caso de meningite pneumocócica a CIM para considerar uma estirpe resistente baixou para 0,12 µg/mL. Para penicilina oral, que não se encontra disponível no nosso país, as concentrações críticas mantiveram-se inalteradas. A aplicação das novas concentrações críticas para a penicilina parentérica ao conjunto das estirpes, sem ter em conta aquelas que foram isoladas de líquor, fará com que a proporção de não susceptibilidade baixe para valores próximos de 1 % e com que as estirpes consideradas resistentes desapareçam. Resistência em Staphylococcus aureus e Staphylococcus epidermidis. Os estafilococos constituem importantes agentes patogénicos de Gram positivo, sendo responsáveis por uma grande variedade de infecções com origem na comunidade, mas também no contexto dos cuidados de saúde. Apesar de a espécie S. aureus permanecer a mais importante do ponto de vista clínico dentro deste grupo, não podemos esquecer os restantes estafilococos coagulase negativos. Do ponto de vista da terapêutica antimicrobiana, este último grupo apresenta problemas particulares, com taxas elevadas de resistência a diferentes classes de antimicrobianos, sendo frequente a multirresistência. A resistência à penicilina em S. aureus apareceu pouco depois da sua introdução na prática clínica. Ao contrário dos pneumococos, a primeira forma de resistência à penicilina encontrada em estafilococos não era devida à alteração das PBPs, mas era mediada pela presença de beta-lactamases codificadas em 89 plasmídio. Com a introdução da meticilina na prática clínica em 1960, seguida de perto pelos primeiros estudos que documentaram estirpes resistentes, este cenário mudou com a emergência e disseminação de um mecanismo de resistência que é eficaz contra a quase totalidade dos beta-lactâmicos. Os S. aureus resistentes à meticilina (MRSA) devem esta capacidade à presença de um elemento genético móvel, o SCC-mec, que contém o gene mecA, codificando uma PBP alternativa, a PBP2’ ou PBP2a. A presença desta PBP permite a continuação da síntese do peptidoglicano, mesmo quando a meticilina está a impedir a acção das PBPs nativas. Em Portugal, a proporção de estirpes MRSA (avaliadas pela resistência à oxacilina, uma isoxazolilpenicilina) tem-se mantido constante nos últimos 15 anos e abaixo dos 50 % (7, 9, 13), valor que se mantém quando analisamos os dados combinados de 2008 dos Hospitais da Universidade de Coimbra, Centro Hospitalar do Porto e Centro Hospitalar Lisboa Norte. É de notar que há variações importantes na proporção de MRSA dependendo do hospital considerado. Por exemplo, em 2003, ainda que o valor global fosse de 47,5 %, os valores encontrados em cada hospital variaram entre 20 % e 66 % (9). Em 2008 e nos três hospitais referidos acima, a resistência à ciprofloxacina foi de 98 % e à eritromicina de 57 % (a maioria dos quais apresentava o fenótipo MLSB), mas a resistência ao co-trimoxazol e à gentamicina permanece inferior a 10 %. Esta susceptibilidade aumentada a estes dois últimos antimicrobianos contrasta com o verificado até 1997. Um estudo realizado no Hospital Geral de Santo António documentou uma situação que poderá explicar este comportamento (3). Até ao ano 2000 havia a predominância do chamado “clone brasileiro” (ST239-III) que se caracteriza por um padrão de multirresistência que inclui a resistência ao cotrimoxazol e à gentamicina. Porém, a partir do ano 2000, este clone foi gradualmente substituído pelo clone EMRSA-15 (ST22-IV) que tem como uma das suas características a susceptibilidade a estes dois fármacos. É possível que esta substituição se tenha dado a nível nacional, o que explicaria os padrões de susceptibilidade observados. No contexto europeu, os dados do EARSS de 2007 (http://www.rivm.nl/earss/), que se referem apenas a estirpes isoladas de hemoculturas, revelam uma marcada assimetria entre o norte da Europa e o sul. No norte, a resistência à meticilina é inferior a 25 %, sendo nos países escandinavos e na Holanda inferior a 5 %, enquanto nos países do sul da Europa 90 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e a resistência situa-se nos 25-50 %. A excepção a este quadro é o Reino Unido, que apresentava uma proporção de MRSA de 36 %, mais de acordo com os valores da Europa mediterrânica. O tratamento das infecções graves por MRSA tem tradicionalmente sido feito com recurso aos glicopéptidos. Neste contexto, a detecção de MRSA com susceptibilidade diminuída à vancomicina (CIM 8µg/mL), primeiro no Japão em 1997 e seguidamente noutros países, suscitou enorme preocupação. Estas estirpes, denominadas VISA ou GISA (S. aureus de resistência intermédia à vancomicina ou aos glicopéptidos) apresentam alterações da composição da parede acompanhado de um seu espessamento, que se pensa serem responsáveis pela resistência. Julga-se ainda que estas estirpes estarão em desvantagem na competição com estirpes susceptíveis e por isso a sua disseminação tem sido limitada. Entre nós, a primeira estirpe VISA foi isolada em 2006 no Hospital de S. Marcos, em Braga (4). Esta estirpe apresentava um CIM de 4µg/mL à vancomicina e parece ter emergido a partir do clone EMRSA-15 que, como referido anteriormente, estará amplamente disseminado no nosso país. A estirpe isolada em Portugal apresentava um perfil populacional de resistência homogénea, em contraste com as estirpes VISA com o mesmo contexto genético descritas anteriormente, o que parece sugerir tratar-se de uma estirpe local e não parte de um clone com uma disseminação mais alargada. Tal como é característico das estirpes VISA, a estirpe isolada em Portugal também apresentava defeitos de crescimento in vitro, o que poderá explicar o facto de este tipo de estirpes não se ter disseminado para além do caso descrito. Já foram descritas estirpes de S. aureus resistentes (CIM>128µg/ml) à vancomicina, denominadas VRSA, identificadas pela primeira vez nos Estados Unidos em 2002. Desde então, têm sido descritos isolamentos esporádicos de estirpes VRSA, a maioria nesse país, mas também na Índia e no Irão, tendo todas em comum a presença do gene vanA que se supõe ter sido adquirido de enterococos. Apesar do receio que estas estirpes se viessem a disseminar rapidamente, tal não aconteceu, possivelmente devido à instabilidade genética associada ao elemento que contém o gene vanA. Entre nós ainda não foram descritas estirpes VRSA. De entre os estafilococos coagulase negativos iremos abordar a evolução da resistência em Staphylococcus epidermidis, como exemplificativa deste grupo de microrganismos. Os estudos publicados (6, 8, 9), revelam um aumento constante da resistência à ciprofloxacina e à eritromicina em S. epidermidis, o que se confirma com os dados de 2008 de apenas três hospitais (Hospitais da Universidade de Coimbra, Centro Hospitalar do Porto e Centro Hospitalar Lisboa Norte). A resistência à penicilina e aos glicopéptidos (gentamicina) tem-se mantido constante, a primeira acima dos 90 % e a segunda próximo dos 50 %. A resistência à oxacilina subiu ligeiramente desde 1997 para 2003, de cerca de 71 % para 77 %. Este valor é confirmado pelos dados mais limitados de 2008, que revelam uma proporção de estirpes resistentes de 76 %. Resistência em Enterococcus faecalis e Enterococcus faecium. Ao contrário das espécies referidas anteriormente, os enterococos não são agentes patogénicos primários, sendo parte da flora associada ao tubo digestivo da maioria dos indivíduos saudáveis, com a excepção de serem agentes ocasionais de infecção urinária. Recentemente, as espécies do género Enterococcus têm emergido como importantes agentes de infecção no contexto dos cuidados de saúde. As características de resistência aos antimicrobianos associadas ao género diminuem as opções terapêuticas para o tratamento destas infecções e podem ter contribuído para a sua crescente importância. Todos os enterococos são resistentes à maioria das cefalosporinas e apresentam uma susceptibilidade diminuída aos aminoglicosídeos. Apresentam também alguma resistência às penicilinas (comparativamente ao género Streptococcus com o qual estão estreitamente relacionados), desenvolvendo tolerância muito rapidamente quando expostos a estes fármacos. A grande capacidade que este género bacteriano apresenta para efectuar trocas genéticas facilita a disseminação de elementos genéticos móveis que codificam factores que promovem a resistência adquirida a outros antimicrobianos, o que pode comprometer a eficácia das armas terapêuticas disponíveis. A maioria das infecções no Homem é causada por E. faecalis, sendo que a espécie E. faecium apresenta maior resistência aos antimicrobianos e, por isso, inspira maiores cuidados do ponto de vista das opções terapêuticas. A resistência às aminopenicilinas em enterococos é frequentemente o resultado de um aumento da produção de uma PBP (PBP5) com baixa afinidade para os beta-lactâmicos. Já se Resistência em bactérias de Gram-positivo demonstrou a mobilização da PBP5 por transposões, o que poderá contribuir para a disseminação da resistência. Em Portugal (6, 8, 9), à semelhança do que se verifica a nível mundial, a resistência à ampicilina é baixa em E. faecalis (1-2 % nos anos estudados), mas bastante mais elevada em E. faecium. Nesta última espécie, a resistência à amoxicilina aumentou de cerca de 70 % anteriormente ao ano 2000, para valores superiores a 80 % em 2003 (9) e superiores a 90 % nos dados mais limitados de 2008. A resistência à estreptomicina é semelhante em ambas as espécies de enterococos e tem variado entre 30 % e 50 %, com excepção do ano de 2003 (9) em que a proporção de estirpes resistentes em E faecium foi de 53 %, tendo já diminuído para 44 % em 2008. A resistência aos aminoglicosídeos em enterococos é mediada pela presença de enzimas modificadoras destes antimicrobianos, codificadas por transposões que se podem localizar no cromossoma ou em plasmídios, tal como em estafilococos. Entre nós, em E. faecalis, a resistência à estreptomicina tem-se mantido sensivelmente constante (32-36 %) até 2003 (6, 8, 9), sendo que os dados de 2008 sugerem que possa ter havido um aumento para 47 %. O caso de E. faecium é substancialmente diferente. A proporção de estirpes resistentes à estreptomicina manteve-se constante e próxima dos 60 % antes do ano 2000 (6, 8, 9), tendo-se verificado uma diminuição para cerca de 30 % em 2003 (9). Os dados de 2008 confirmam esta diminuição, ainda que o valor tenha aumentado em relação a 2003 para 41 % de estirpes resistentes. A resistência à vancomicina entre nós é também bastante diferente nas duas espécies de enterococos. Enquanto em E. faecalis esta se manteve próximo de 1 % até 1997 tendo depois subido para 4 %, o que se mantém em 2008 (3 %), em E. faecium a resistência à vancomicina tem vindo a subir, de cerca de 10 % em 1994 até 32 % em 2003, sendo que o valor dos dados dos três hospitais acima referidos em 2008 (29 %) parece sugerir que terá estabilizado. Os dados do EARSS de 2007 (http://www.rivm. nl/earss/) que se referem apenas a estirpes isoladas de hemoculturas, revelam que o problema da resistência aos aminoglicosídeos em E. faecium é comum à maioria dos países europeus, que apresentam proporções de estirpes resistentes superiores a 25 %, ou até a 50 % (Grécia e Alemanha). Quanto à resistência aos glicopéptidos, esta é bastante menor na maioria dos países europeus, sendo inferior a 91 10 %. Ainda assim, a Irlanda e a Grécia, tal como Portugal, apresentam valores superiores a 25 %. ovos antimicrobianos para o combate a N infecções por bactérias de Gram positivo. A indústria farmacêutica respondeu à emergência e disseminação da resistência em bactérias de Gram positivo com o desenvolvimento de fármacos que estão agora a chegar ao mercado com a premissa de serem activos contra estirpes resistentes, tais como os MRSA ou os VRE. O linezolide apresenta excelente actividade contra a maioria dos MRSA, apesar de já estarem descritas mutações no RNA ribossomal que reduzem a susceptibilidade dos estafilococos. O mesmo se passa com os enterococos, sobretudo associado a terapêuticas prolongadas. Apesar de estas estirpes ainda constituírem uma minoria, a sua disseminação é um risco crescente. A daptomicina é um lipopéptido com excelente actividade contra S. aureus. Tem levantado alguma preocupação a associação de uma resistência diminuída a este agente entre as estirpes VISA, tal como se verificou na estirpe isolada no Hospital de S. Marcos (4). Este aumento da CIM não é, contudo, suficiente para classificar estas estirpes como resistentes. Mais preocupantes são os casos que descrevem a emergência de estirpes resistentes à daptomicina in vivo, levando a falência terapêutica em endocardites causadas por estirpes MRSA. No caso dos enterococos, um caso de emergência de resistência durante a terapêutica é ainda mais preocupante, dado que o CIM da daptomicina da estirpe subiu de 2 µg/mL para 32 µg/mL. Não se conhece com precisão o mecanismo de acção da daptomicina, nem os mecanismos utilizados pelas estirpes resistentes. A tigeciclina é a primeira glicilciclina a chegar ao mercado. Relacionada com as tetraciclinas, os mecanismos habituais de resistência a estas parecem não conferir resistência cruzada contra a tigeciclina. Entre nós, um estudo realizado no Instituto de Microbiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa testou a actividade deste antimicrobiano contra estirpes recolhidas em todo o país das espécies pertencentes aos géneros Staphylococcus e Enterococcus mencionadas acima. Verificou-se que a totalidade das estirpes MRSA, de estafilococos coagulase negativos e de E. faecium e E. faecalis testadas apresentavam sensibilidade a este agente. 92 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e A susceptibilidade também foi total às oxazolidinonas (quinupristina-dalfopristina) em MRSA e em estafilococos coagulase negativos. Nos enterococos, a maioria das estirpes de E. faecalis apresenta resistência natural à quinupristina-dalfopristina, enquanto a situação se inverteu em E. faecium, sendo a quase totalidade das estirpes susceptíveis a este antimicrobiano. Todavia, estudos mais alargados já documentaram resistência à tigeciclina em MRSA e estafilococos coagulase negativos, bem como a emergência de resistência durante a terapêutica numa estirpe de E. faecalis. Considerações finais As bactérias de Gram positivo têm respondido à introdução de novos antimicrobianos desenvolvendo resistência. As novas técnicas de biologia molecular têm permitido seguir a expansão e disseminação de clones resistentes, mas também documentar a transferência horizontal de elementos genéticos que conferem resistência. Ambos estes mecanismos têm sido responsáveis pelo aumento e disseminação da resistência verificada nas duas últimas décadas. A introdução de novas vacinas e o reforço das medidas de controlo de infecção poderão ajudar a controlar este importante problema. Agradecimentos Agradeço à Professora Helena Ramos do Centro Hospitalar do Porto e à Dra. Graça Ribeiro dos Hospitais da Universidade de Coimbra o terem-me fornecido os dados referentes à resistência aos antimicrobianos de S. aureus, S. epidermidis, E. faecium e E. faecalis dos seus hospitais em 2008, assim como ao Professor José Melo Cristino ter-me permitido consultar dados não publicados do Estudo Viriato, bem como ter-me facultado os dados da resistência aos antimicrobianos em 2008 do Centro Hospitalar Lisboa Norte. Agradeço ainda, o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia, da Fundação Calouste Gulbenkian e da União Europeia para os estudos realizados no Instituto de Microbiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, bem como os apoios da Glaxo SmithKline Portuguesa ao Projecto Viriato, e da Wyeth Portuguesa ao projecto POR-TEST – estudo da susceptibilidade à tigeciclina em Portugal. Bibliografia 1. Aguiar S. I., I. Serrano, F. R. Pinto, et al. 2008. Changes in Streptococcus pneumoniae serotypes causing invasive disease with non-universal vaccination coverage of the seven-valent conjugate vaccine. Clinical Microbiology and Infection 14:835-843. 2. Aguiar S. I., F. R. Pinto, S. Nunes, et al. 2010. Increase of Denmark14-230 clone as a cause of pneumococcal infection in Portugal within a background of diverse serotype 19A lineages. Journal of Clinical Microbiology. In press 3. Amorim M. L., N. A. Faria, D. C. Oliveira, et al. 2007. Changes in the clonal nature and antibiotic resistance profiles of methicillin-resistant Staphylococcus aureus isolates associated with spread of the EMRSA-15 clone in a tertiary care Portuguese hospital. Journal of Clinical Microbiology 45:2881-2888. 4. Gardete S., M. Aires-de-Sousa, A. Faustino, et al. 2008. Identification of the first vancomycin intermediate-resistant Staphylococcus aureus (VISA) isolate from a hospital in Portugal. Microbial Drug Resistance 14:1-6. 5. Janssens J., and K. Krause. 2004. Pneumonia in the very old. Lancet Infectious Diseases 4:112-124. 6. Melo-Cristino J., E. Calado, I. M. Calheiros, et al. 1996. Estudo multicêntrico de microrganismos isolados e de resistência aos antimicrobianos em dez hospitais portugueses em 1994. Acta Médica Portuguesa 9:141-150. 7. Melo-Cristino J., M. L. Fernandes, N. Serrano, et al. 2001. Susceptibilidade aos antimicrobianos de Streptococcus pyogenes, Haemophilus influenzae, Streptococcus pneumoniae e Moraxella catarrhalis de infecções respiratórias adquiridas na comunidade em 2000. Acta Médica Portuguesa 14:459-468. 8. Melo-Cristino J., and POSGAR - Portuguese Study Group of Antimicrobial Resistance. 1998. Antimicrobial resistance in staphylococci and enterococci in 10 Portuguese hospitals in 1996 and 1997. Microbial Drug Resistance 4:319-324. 9. Melo-Cristino J., J. M. Amorim, J. Diogo, et al. 2006. Estudo multicêntrico de resistência aos antimicrobianos em nove hospitais portugueses - Comparação de resultados num intervalo de uma década. Revista Portuguesa de Doenças Infecciosas 34:6-14. 10. Melo-Cristino J., M. Ramirez, N. Serrano, et al. 2003. Macrolide resistance in Streptococcus pneumoniae isolated from patients with community-acquired lower respiratory tract infections in Portugal: results of a 3-year (1999-2001) multicenter surveillance study. Microbial Drug Resistance 9:73-80. 11. Melo-Cristino J., L. Santos, M. Ramirez. 2006. The Viriato Study: update of antimicrobial susceptibility data of bacterial pathogens from communityacquired respiratory tract infections in Portugal in 2003 and 2004. Revista Portuguesa de Pneumologia 12:9-30. 12. Melo-Cristino J., N. Serrano, Grupo de Estudo Português de Bactérias Patogénicas Respiratórias. 2003. The Viriato Study: update of antimicrobial susceptibility data of bacterial pathogens from community-acquired respiratory tract infections in Portugal in 2001 and 2002. Revista Portuguesa de Pneumologia 9:293-310. 13. Melo-Cristino J., A. F. Alves, E. Calado. 2004. Microrganismos isolados em laboratórios hospitalares portugueses - Experiência de sete hospitais centrais. Revista Portuguesa de Doenças Infecciosas 17:147-54. 14. Serrano I., J. Melo-Cristino, J. A. Carriço, et al. 2005. Characterization of the genetic lineages responsible for pneumococcal invasive disease in Portugal. Journal of Clinical Microbiology 43:1706-1715. 15. Weinstein M. P., K. P. Klugman, R. N. Jones. 2009. Rationale for revised penicillin susceptibility breakpoints versus Streptococcus pneumoniae: coping with antimicrobial susceptibility in an era of resistance. Clinical Infectious Diseases 48:1596-1600. Resistência em bactérias de Gram-negativo Gram – negative antibiotic resistance Maria Helena da Silva Santos Ramos* Serviço de Microbiologia do Centro Hospitalar do Porto Resumo Abstract O aparecimento e a disseminação de microrganismos resistentes é um problema global que se tem agravado nas últimas duas décadas, sobretudo a nível hospitalar, comprometendo a eficácia da maioria dos antimicrobianos utilizados na prática clínica. Será alvo de discussão o problema emergente, resultante do aparecimento e da disseminação de estirpes de E. coli e Klebsiella spp produtoras de β- lactamases de espectro espandido (ESBLs), de Pseudomonas aeruginosa, de Acinetobacter baumannii e de Klebsiella pneumoniae, produtoras de carbapenemases, assim como, o crescente aumento da resistência à ciprofloxacina em diversas espécies bacterianas. A avaliação do impacto clínico e económico destas resistências, e a apresentação de estratégias para o seu controlo é também um dos objectivos do presente trabalho, que tem por base dados relativos à evolução destas estirpes em alguns hospitais portugueses desde 1994 até 2007. The emergence and spread of resistant microorganisms is a global problem which has worsened over the past two decades, especially in hospital, compromising the effectiveness of most antibiotics used in clinical practice. Will come under discussion the prevalence of E. coli and Klebsiella species producing extended-spectrum β - lactamases (ESBLs), Pseudomonas aeruginosa, Acinetobacter baumannii, Klebsiella pneumoniae, to possess a carbapenem- hidrolyzing β - lactamases, as well as the growing increase in ciprofloxacin resistance in several bacterial species. The evaluation of clinical and economic impact of such resistance, and present strategies for their control is also an objective of this work witch is based on data on the evolution of these strains in some Portuguese hospitals from 1994 to 2007. Keywords: Gram negative, antimicrobial resistance, Portugal Palavras-chave: Gram-negativo, resistência aos antimicrobianos, Portugal Introdução Os bacilos Gram-negativo constituem um grupo de microrganismos formado por numerosas espécies, as quais apresentam uma enorme diversidade de padrões de sensibilidade aos antimicrobianos. Além disso, estas bactérias dispõem não só de uma grande capacidade de adquirir genes de resistência, mas também de os transmitir, quer a elementos da mesma espécie, quer a outros de espécies diferentes. Isto acontece porque muitas destas resistências estão localizadas em unidades móveis de DNA, como são os plasmídeos, os transposões e os integrões. O aparecimento e a disseminação de microrganismos resistentes são um problema global que se tem agravado nas últimas duas décadas, sobretudo a nível hospitalar, pondo em causa a eficácia da maioria dos antimicrobianos utilizados na prática clínica. Apesar de não se poder estabelecer uma relação causal entre o uso dos antimicrobianos e o aparecimento das resistências, existem certos factos que sugerem uma clara associação entre ambos os fenómenos (1). Tem sido demonstrado que a probabilidade de aparecimento da resistência é tanto maior quanto maior for a duração de exposição ao antibiótico. Por outro lado, os patogéneos nosocomiais apresentam percentagens de resistência mais elevadas, e são mais prevalentes nos serviços hospitalares, particularmente nas Unidades de Cuidados Intensivos (UCI), onde a pressão de * [email protected] Cadernos de Saúde Vol. 3 Número especial Infecção Associada à Prática de Cuidados de Saúde – pp. 93-99 94 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e selecção é grande, em virtude da grande utilização de antimicrobianos de amplo espectro. Todos os grupos de antimicrobianos exercem uma maior ou menor pressão de selecção, no entanto, as quinolonas e as cefalosporinas de 3ª geração são os antimicrobianos em que esta causa e efeito estão melhor documentadas. O uso excessivo das cefalosporinas de 3ª geração, para além de ocasionarem o aparecimento de vários mecanismos de resistência por produção de β-lactamases, como é o exemplo das β-lactamases de espectro estendido (ESBLs) (2), das Amp. C desreprimidas e plasmídicas, também, promovem reinfecções por estirpes de Staphylococcus aureus meticilino- resistentes (SAMR) e por Enterococcus spp resistentes à vancomicina (VRE). Há autores que também as responsabilizam pelo aparecimento de estirpes de Acinetobacter spp multirresistentes. (3) O uso excessivo das quinolonas também se encontra associado a inúmeras resistências emergentes, algumas das quais com impacto directo na classe das fluorquinolonas (resistência cruzada), uma vez que são capazes de seleccionar mutantes, principalmente nas bactérias Gram negativo, que produzem em quantidades excessivas, uma ampla variedade de bombas de efluxo, responsáveis por resistência a praticamente todos os grupos de antimicrobianos (4). Também tem sido descrito por alguns autores, que o uso prévio de algumas fluorquinolonas estimula a produção de factores de adesão do Staphylococcus aureus meticilino-resistentes às células da mucosa nasal, facilitando quer a colonização, quer a persistência do estado de portador, e consequentemente a sua disseminação entre os doentes e no ambiente hospitalar. (5) O aparecimento e a disseminação destas estirpes multirresistentes, principalmente em meio hospitalar, têm suscitado problemas graves, quer do ponto de vista terapêutico, quer epidemiológico, motivando a implementação de programas de vigilância em diversos países. Em Portugal existe um projecto de vigilância desde 1993, coordenado por Melo Cristino, no qual participam diversos hospitais de todo o País. Este projecto tem como objectivo não só conhecer o padrão actual da resistência aos antimicrobianos, dos microrganismos mais prevalentes em meio hospitalar, mas também proporcionar a análise das tendências dessas mesmas resistências. As percentagens de resistências apresentadas referem-se ao estudo realizado no ano de 2007 em Portugal, no qual participaram 14 Instituições. Factores de risco Para além do aumento da pressão de selecção causada pelo uso dos antimicrobianos, principalmente os de amplo espectro, existem outros factores de grande relevância no aparecimento da resistência. Alguns desses factores estão relacionados com o hospedeiro, como: a idade avançada dos doentes, o aumento de patologias crónicas e agudas graves, que são causa, não só de internamentos mais prolongados, mas também de reinternamentos sucessivos, o número cada vez maior de doentes imunocomprometidos na população, que proporcionam o aparecimento de infecções por agentes oportunistas emergentes, e ainda aqueles que estão relacionados com os cuidados prestados aos doentes, ou seja a utilização mais frequente de métodos de diagnóstico/terapêutica mais invasivos, as deficiências no cumprimento das normas de controlo de infecção pelos profissionais de saúde, etc. Todas estas situações têm sido apontadas como factores de risco promotores do aparecimento de resistências aos antimicrobianos. Enquanto em relação aos primeiros pouco se pode fazer, em relação aos segundos está documentado que a implementação de critérios rigorosos da utilização dos antimicrobianos e o pleno cumprimento das normas de controlo da infecção acarretam uma diminuição da percentagem de resistência. Falar ou escrever sobre a resistência nos bacilos Gram negativos não é, pois, uma tarefa fácil principalmente pela extensão do assunto. Assim, apenas serão abordados os microrganismos, cuja resistência constitui um problema emergente em expansão nos nossos hospitais. nterobacteriaceae produtoras de E β-lactamases de espectro estendido – (ESBLs) As Enterobactereaceae constituem a família maior e mais heterogénea de bacilos Gram negativos. Contém a maioria dos bacilos Gram negativo clinicamente importante. A maioria das espécies pertence à flora comensal normal, e é responsável por infecções oportunistas, outros estão sempre associados a doença. Estes microrganismos são responsáveis por 30-35 % de todas as septicemias e por 70 % das infecções do tracto urinário.Nas Enterobacteriaceae um dos factos mais relevantes dos últimos anos foi o aparecimento de estirpes produtoras de β-lactamases de espectro estendido (ESBLs). Resistência em bactérias de Gram-negativo As ESBLs são um grupo heterogéneo de enzimas bacterianas mediadas por plasmídeos, capazes de inactivar as cefalosporinas de 1ª, 2ª, 3ª gerações, monobactamos e as amino, carboxi e ureidopenicilinas (6). A maioria desta enzimas resulta de uma ou mais mutações nos genes que codificam as já conhecidas, TEM-1,Tem-2 e SHV-1, alteração essa que lhes confere actividade sobre todos os β - lactâmicos com excepção dos carbapenemos. Foram detectadas pela primeira vez em 1983, numa estirpe de Klebsiella pneumoniae, no entanto têm sido detectadas em todas as regiões do mundo, não só em estirpes de E. coli e de Klebsiella pneumoniae, onde são mais prevalentes, mas também noutras espécies como Proteus mirabilis, Pseudomonas aeruginosa, Salmonella spp, e Serratia marcescens. A ampla disseminação dos bacilos Gram negativo produtores de ESBLs tem ocorrido de maneira paralela ao aumento do consumo de cefalosporinas de 3ª geração (7). A prevalência destas estirpes é difícil de estimar, pois para além de ser variável de região para região (maior frequência em áreas urbanas) e de hospital para hospital, também muitas destas enzimas não são detectadas pelos métodos utilizados na rotina dos laboratórios de microbiologia. O seu aparecimento está relacionado com a existência de numerosos factores de risco, como: internamentos prolongados, principalmente nas UCI, uso prévio de antibióticos e utilização de procedimentos invasivos. As estirpes produtoras de ESBLs apresentam resistência cruzada a outros grupos de antimicrobianos, como aminoglicosídeos, tetraciclinas, co-trimoxazol e quinolonas, o que fazem dos carbapenemos a única alternativa terapêutica para a resolução das infecções graves causadas por estas estirpes. As estirpes de E. coli produtoras de ESBLs são isoladas com maior frequência em doentes provenientes da comunidade, enquanto as estirpes de Klebsiella pneumoniae ESBLs positiva, são mais frequentes nos hospitais (UCI), onde são responsáveis muitas vezes por surtos epidémicos. Em Portugal a prevalência destas estirpes tem sido variável como podem observar na Fig.1. A maior prevalência foi observada nas estirpes de Kl. Pneumoniae (26%). No entanto, verifica-se a existência de pequenas oscilações ao longo dos anos, que pode estar relacionada com a existência ou não de surtos. Em 2007, 9 % das estirpes de E. coli isoladas eram produtoras de ESBLs. É de salientar que o isolamento destas estirpes tem vindo sempre 95 a aumentar, embora de forma gradual, desde 1997, o que parece estar relacionado com a disseminação nos hospitais de um genótipo CTX-M proveniente da comunidade. Figura 1 – Prevalência das ß- Lactamases de espectro expandido ( ESBLs) em Portugal. Como era de prever, os vários hospitais apresentam taxas de prevalência completamente distintas. De maneira geral os hospitais da região centro apresentam prevalências elevadas com valores muito próximos dos 50 %, enquanto os hospitais da região sul apresentam valores de prevalência inferiores à média nacional. O comportamento destas estirpes em relação aos outros antimicrobianos, pode ser observada no Quadro 1. Nos últimos quinze anos, para além do aumento da resistência às cefalosporinas de 3ª geração, é de salientar não só o aumento da percentagem de resistência à ciprofloxacina e ao co-trimozaxol, mas também o aparecimento de estirpes de Klebsiela pneumonia resistentes aos carbapenemos. seudomonas aeruginosa produtoras de P carbapenamases As Pseudomonas aeruginosa são bactérias de vida livre com grande predilecção pelos ambientes húmidos. Podem ser encontradas na pele, orofaringe e fezes dos indivíduos saudáveis. Sobrevivem em numerosos reservatórios hospitalares (humidificadores, ventiladores, jarras de flores, entre outros). São transmitidas de doente a doente através das mãos dos profissionais de saúde, ou através de contacto directo com os reservatórios hospitalares. São reconhecidos numerosos factores que promovem a colonização e infecção por estas bactérias. É um microrganismo oportunista que pode causar infecções nosocomiais graves, de difícil tratamento, uma vez que estas estirpes possuem não só uma resistência 96 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e intrínseca a numerosas famílias de antimicrobianos, mas também uma extraordinária capacidade para adquirir novos mecanismos de resistência. Os carbapenemos são os antimicrobianos recomendados para o tratamento de infecções causados por bactérias multirresistentes, em virtude não só da sua elevada estabilidade à hidrólise da maioria das β-lactamases, mas também pela sua facilidade de difusão através dos canais de porina da membrana externa. Contudo, a utilização excessiva destes antimicrobianos causou a emergência de estirpes de Pseudomonas aeruginosa resistentes aos carbapenemos. (8) A resistência a estes antibióticos β-lactâmicos pode ser devida a vários mecanismos, no entanto a mais preocupante é a que resulta da acção das carbapenemases. Nos anos oitenta, aquando da utilização dos carbapenemos, passou a ser reportado o isolamento de estirpes produtoras de carbapenemases da classe A, mas só no início dos anos 90 é que foram isoladas no Japão, em estirpes de Pseudomonas aeruginosa e Serratia marcescens, as primeiras metalobetalactamases (MBLs), Existem três tipos de carbapenemases: metalobetalactamases (MBLs), oxacilinases e penicilinases. O grupo com maior significado clínico são as metalobetalactamases (MBLs), que necessitam do ião zinco (Zn2+) para expressar a sua actividade. Não são inibidas pelos inibidores das β-lactamases, mas sim pelo ácido etilenodiaminotetracético (EDTA). Pertencem ao grupo B da classificação de Ambler e conferem resistência a todos os β-lactâmicos com excepção dos monobactamos. Até ao momento foram identificados 5 tipos de MBLs: IMP,VIM, SPM, GIM,SIM. As famílias IMP e VIM e as suas variantes têm sido reportadas mundialmente, principalmente em estirpes de Pseudomonas aeruginosas e de Acinetobacter spp. As carbapenemases tipo OXA são mais frequentes nas estirpes de Acinetobacter spp e estão relacionadas com fenómenos de heteroresistência. Têm sido descritas 147 variantes diferentes, constituindo dois “clusters “ distintos, um dos quais inclui OXA-23, 25, 26 e 40 predominantes em Espanha e Portugal, onde têm sido isolados em múltiplos locais, principalmente em Acinetobacter spp (9). Estas enzimas apresentam in vitro uma lenta capacidade de hidrólise, o que dificulta a sua detecção a nível laboratorial. As carbapenemases plasmídicas da classe A de Ambler (KPC 1-3 e GES) são menos frequentes, sendo anuladas pelos inibidores das β–lactamases (ácido clavulânico e tazobac), e só expressam a sua actividade quando associadas a outros mecanismos de resistência. Nos últimos anos tem sido reportado o isolamento de estirpes de Klebsiella pneumoniae, com o genótipo KPC em vários locais do EUA, na Europa, na China, e noutros países. A grande maioria dos genes que codifica estas enzimas encontra-se em cassetes inseridas em integrões classe 1- 3 ou em plasmídeos, o que facilita a sua disseminação. A resistência aos carbapenemos disseminou-se rapidamente, em especial em Ps. Aeruginosa, Acinetobacter spp e mais raramente na família das Enterobacteriaceae. Estas enzimas conferem resistência cruzada a outros grupos de antimicrobianos, contudo a resistência cruzada dentro dos carbapenemos não é absoluta. A detecção laboratorial deste tipo de resistência também é difícil a nível laboratorial. Em Portugal, de 8334 estirpes estudadas em 2007, 22 % eram resistentes aos carbapenemos. O isolamento destas estirpes tem vindo a aumentar gradualmente nos últimos anos, sendo perfeitamente distinto e variável o número de isolamento destas estirpes nos diversos hospitais. Existem hospitais em que estas estirpes são pouco prevalentes, noutros porém a sua prevalência ronda os 50 %. (Figura 2). Figura 2 – Prevalência da resistência aos carbapenemos em alguns hospitais portugueses em bacilos Gram negativo não fermentadores em 2007. Para além da resistência aos carbapenemos, verificada em 2007, é de salientar o aumento da resistência à ceftazidima (33 %). As ureidopenicilinas e os aminoglicosideos continuam a ser uma boa alternativa terapêutica uma vez que a média global de resistência foi de 18 e 16 % respectivamente (Quadro 1). 97 Resistência em bactérias de Gram-negativo Quadro 1 – Evolução da resistência nos bacilos Gram negativo em Portugal. Estirpes Anos 2003 E. coli Kl. pneumoniae Ps. aeruginosa Acinetobacter spp Antimicrobianos AMP AK 57 CAZ CIP CTX GN IMI PIP/T SXT 6 23 6 10 0 34 2007 58 9 28 9 12 0 34 2003 100 24 18 24 16 0 37 2007 100 26 31 26 19 1 34 1994 13 9 30 35 18 19 2007 16 33 35 31 26 18 1994 30 40 45 61 2 70 2007 44 87 87 83 84 86 Acinetobacter spp. multiresistentes ( MDR) O Acinetobacter spp. é um patogéneo nosocomial emergente responsável por um número cada vez maior de infecções nosocomiais graves. Este facto é devido não só à sua extraordinária capacidade de desenvolver resistências aos antimicrobianos, mas também pela sua sobrevivência no meio ambiente inanimado. A epidemiologia desta bactéria é perfeitamente conhecida: o doente colonizado/infectado é o reservatório principal, as mãos do pessoal de saúde constituem o mecanismo de transmissão mais importante, funcionando o meio ambiente como reservatório intermediário entre as mãos dos profissionais de saúde e os doentes. A ausência ou a ineficácia dos sistemas de vigilância da infecção nosocomial impede o reconhecimento precoce dos surtos, facilitando assim a disseminação destas estirpes, quer entre os doentes, quer no meio ambiental (colonização), dando origem a uma situação endémica caracterizada pela policlonidade de estirpes. A maioria destas estirpes é multirresistente, e origina surtos, principalmente nas UCI, uma vez que estas unidades constituem um reservatório ambiental por excelência. O isolamento destas estirpes mesmo que correspondam a simples colonizações, só por si significa a existência de problemas agravados em infecções futuras, quer a nível do seu prognóstico, quer mesmo do ponto de vista terapêutico, uma vez que restam poucas alternativas terapêuticas, após a detecção da existência de carbapenemases. A maioria destas carbapenemases pertence ao grupo das oxacilinases (10) Em 2007, verificamos que em Portugal estas estirpes são endémicas nos vários hospitais, com taxas de endemia muito variáveis como pode ser observado no Figura 2. A sensibilidade dos Acinetobacteres spp aos antimicrobianos tem diminuído conside- ravelmente nas últimas décadas, em relação aos diversos antimicrobianos como pode ser observado no Quadro 1. esistência às fluorquinolonas nos Gram R negativo As fluorquinolonas foram introduzidas nos anos oitenta para tratamento das infecções por bactérias Gram negativo. Após a sua introdução verificou-se um rápido aparecimento de estirpes resistentes, colocando por terra as expectativas criadas aquando da sua introdução no formulário terapêutico. Existem numerosos factores que promovem quer o seu aparecimento, quer mesmo o grau de resistência expressa, como: a espécie de microrganismo, a densidade do inóculo bacteriano, o antimicrobiano e a dose utilizada, o local de infecção e a integridade dos mecanismos de defesa do hospedeiro. Existem vários mecanismos de resistência às fluorquinolonas. O mecanismo mais importante é o da mutação na enzima alvo. As mutações no gene gyrA, o gene que codifica a subunidade A da girase de DNA, são o mecanismo mais frequente nos Gram negativo. As mutações ocorrem no QRDR (região determinante da resistência às quinolonas). Também têm sido descritas resistências de baixo nível por alterações das porinas (OmpF) da membrana externa da parede ou por mecanismos de efluxo. Vários tipos de resistência podem coexistir na mesma estirpe. Uma das características desta resistência é ser uma resistência cruzada a todos os membros do grupo, assim como uma co-resistência para outros grupos de antimicrobianos. Está demonstrado existir uma razão inversa entre as concentrações baixas das fluorquinolonas e a selecção de mutantes de resistência (11). Actualmente a resistência às fluorquinolonas constitui um 98 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e problema emergente, principalmente em alguns países onde o consumo destes fármacos é excessivo, como é o caso de Portugal. No Quadro 1 podem ser observadas as percentagens de resistência verificadas em várias espécies durante o ano de 2007, em Portugal. Apesar de ser mais prevalente nos bacilos não fermentadores, esta resistência tem permanecido estável nos últimos 15 anos. Já em relação às Enterobactereaceae, verifica-se um aumento das percentagens de resistência, com particular relevo nas estirpes de Klebsiella pneumoniae. Nos diferentes hospitais o panorama da resistência é perfeitamente distinto como era de esperar, uma vez que a utilização das fluorquinolonas não está uniformemente implantada nas diversas Instituições. Os valores mais elevados de resistência foram encontrados em estirpes de Acinetobacter spp com valores de resistência que oscilam entre os 50 e 100 %. Os valores mais baixos de maneira global foram encontrados nas Enterobacter spp, variando entre 4 e 28 %. (Figura 3) Impacto clínico e económico da resistência O principal impacto clínico da resistência aos antimicrobianos está relacionado com a ineficácia das terapêuticas instituídas, principalmente das terapêuticas empíricas, conduzindo a um pior prognóstico, com aumento da morbilidade e da mortalidade. Além disso, o isolamento destas estirpes cada vez mais frequentes tem aumentado substancialmente os custos globais dos cuidados de saúde. Este aumento dos custos é resultado não só dos custos imediatos resultantes da assistência aos doentes, como internamentos prolongados, custo das terapêuticas alternativas instituídas, necessidade de medidas invasivas de suporte, entre tantos outros factores, mas também dos custos associados à vigilância e implementação de medidas de controlo de infecção. Associados a estes custos existem ainda os custos potenciais relacionados com a perda prolongada de produtividade dos doentes, o aparecimento de infecções de difícil tratamento ou mesmo intratáveis, a que ainda acrescem os gastos dispendidos com programas de formação educacionais e outros Estratégias de controlo Várias estratégias têm sido propostas no sentido de prevenir a resistência aos antimicrobianos. Grande parte das estratégias tem como objectivo promover o uso racional dos antimicrobianos, e a implementação e cumprimento das normas do controlo da infecção hospitalar. Dados actuais sugerem que estas estratégias de intervenção devem contemplar uma abordagem multifactorial e devem incluir Figura 3 – Prevalência da resistência às fluorquinolonas em diversos hospitais portugueses em 2007 Resistência em bactérias de Gram-negativo medidas reguladoras e de controlo, informativas e educacionais. Em relação às medidas reguladoras e de controlo é imprescindível não só que existam, mas que sejam cumpridas; no que diz respeito às medidas educacionais e informativas, apenas devem ser efectuadas aquelas que demonstrem ser eficazes na prática clínicas. Devem ser dirigidas não só aos profissionais de saúde, mas também à população em geral. Enquanto nos hospitais existe toda uma organização vocacionada e com responsabilidade nesta área (Comissão de Farmácia e Terapêutica e Comissão da Infecção Associada à Prestação de Cuidados de Saúde), a nível do ambulatório é mais complicada a implementação de estratégias. É muito importante, para o sucesso das estratégias, que todos os intervenientes tenham um papel activo, que estas se desenvolvam de forma rigorosa, que se proceda à avaliação da sua eficácia e que haja divulgação dos resultados obtidos. Em Portugal, existe uma preocupação e sensibilização das Direcções Centrais e Regionais de Saúde para a resolução deste problema. Desde 2005 existe legislação sobre o uso dos fármacos que visa a utilização racional do medicamento, o Plano Nacional de Saúde 2004/2010 prevê um programa nacional de prevenção das resistências aos antimicrobianos, assim como têm sido efectuadas campanhas de informação e educação, quer pelo Infarmed, quer pela Direcção Geral de Saúde com o intuito de sensibilizar a população para uma utilização adequada dos antimicrobianos, quer mesmo implementando programas educacionais para crianças e jovens como o “e.Bug”. Porém, este problema só será resolvido com o empenho e cooperação entre os profissionais de saúde, administradores hospitalares, legisladores e a indústria farmacêutica, no sentido de serem encontradas soluções que levem no futuro não só a prevenir aumentos da resistência, mas também a limitar os custos que lhes estão associados. 99 Bibliografia 1. McGowan JE et al. Is antimicrobial resistance in hospital microrganisms related to antibiotic use? Bull NY Acad. Med. 1987;63:253-68 2. Eveillard M, Schimit Jl et al. Antimicrobial use prior to the acquisition of multiresistant bacteria. Infect. Control Hosp. Epidemiol. 2002; 23:155-58 3. Lee SO,Kim NJ, Choi S-H et al.Risk factors for acquisition of imipenemresistant Acinetobacter baumannii a case control study. Antimicrob. Agents Chemother. 2004;48:224-28 4. Livermore DM. Bacterial resistance. Origins, epidemiology, and impact . Clinical Infect. Dis. 2003; 36 (Suppl1): S11-S23 5. Bisognano C,Vaudaux PE, Hooper DC. Increased expression of fibronectinbinding proteins by fluoroquinolone-resistant Staphylococcus aureus exposed to subinhibitory levels of ciprofloxacin. Antimicrob. Agents Chemother. 1997;41:906-13 6. Jacob GA, Carreras I et al. Activities of β-lactam antibiotics against Escherichia coli strains producing extended spectrum β- lactamases. Antimicrob. Agents Chemother. 1990:34:858-62 7. Blazquez J.,Morosini MI, Baquero F. Selection of naturally occuring extended spectrum TEM β- lactamases variants by fluctuating β-lactam pressure. Antimicrob. Agents Chemother. 2000;44: 2182- 84 8. Livermore DM. Multiple mechanisms of antimicrobial resistance in Pseudomonas aeruginosa: our worst night …Clin.Infect. Dis. 2002;34:634-40 9. G.J.Da Silva, S. Quinteira, M. Helena Ramos. “Long-term dissemination of OXA-40 carbapenemase, producing Acinetobacter baumannii clone in Iberian Peninsula”. Journal of Antimicrobial Chemotherapy, 2004; 54:255 –58. 10. Quinteira,S., Grosso,F. Ramos, H. Molecular Epidemiology of ImipenemResistant Acinetobacter haemolyticus and Acinetobacter baumannii Isolates Carrying Plasmid-Mediated OXA-40 from a Portuguese Hospital. Antimicrobial Agents and Chemotherapy, 2007; 51(9),3465-66 11. Thomas JK.Forest A et al. Pharmacodynamic evaluation of factors associated with the development of bacterial resistance in acutely ill patients during therapy. Antimicrob Agents Chemother 1998;42:521-27 Profilaxia antibiótica Antibiotic prophylaxis Carlos Vasconcelos1* e António José Polónia2 Comissão de Controlo de Infecção (CCI) do Hospital de Santo António / Centro Hospitalar do Porto (HSA / CHP). 1 Instituto de Ciências Biomédicas (ICBAS/UP) HSA/CHP, CCI do HSA / CHP 2 Resumo Abstract A antibioterapia profiláctica tem como objectivo a prevenção da infecção através da administração de antimicrobianos. Há benefícios e prejuízos potenciais nesta atitude médica pelo que é imperiosa uma análise dos custos-benefícios envolvidos, que deve ter em conta factores como a gravidade da doença a prevenir, espectro de actividade do agente microbiano, indução de resistências, toxicidade, etc. Nesta exposição vamos debruçar-nos sobre a antibioterapia profiláctica da endocardite e em cirurgia relatando a experiência do Hospital de Santo António (HSA). Na endocardite as recomendações internacionais para administração de antibióticos tornaram-se mais selectivas tendo em conta que a bacteriemia resultante das actividades diárias tem maior probabilidade de causar endocardite infecciosa que a bacteriemia associada a procedimentos odontológicos e que apenas um número escasso de casos poderia ser prevenida pela profilaxia antibiótica mesmo que a profilaxia seja 100 % efectiva. Quanto à infecção do local cirúrgico (ILC) trata-se de um problema importante, ocupando no HSA o terceiro lugar das infecções nosocomiais, a seguir à ITU e infecções respiratórias. Numa série de 15 000 intervenções registadas, a taxa de ILC registada até à data da alta hospitalar é de 3,36 %, sendo altamente provável a existência de subnotificação. O tipo de ILC mais frequente é superficial e os agentes microbianos mais comuns foram Staphylococus aureus meticilina resistente e Escherichia coli. A apendicectomia e o desbridamento de feridas / abcessos foram os actos cirúrgicos que mais contribuíram para a ILC. A estratégia seguida, em 1995, pelo HSA para antibioprofilaxia cirúrgica foi a de seguir as Recomendações da “Surgical Wound Task Force Guidelines for Prevention of Surgical Wound Infeccion” e do “Center Disease Control”, numa iniciativa do grupo de antimicrobianos da Comissão de Farmácia e Terapêutica, com o apoio da Administração e o envolvimento de vários especialistas. Numa avaliação global da adesão às recomendações publicadas constatamos que ultrapassou os 60 % a sua utilização Antibiotic prophylaxis takes the prevention of the infection as an objective, through the administration of antimicrobians. There are benefits and potential damages in this medical attitude obligating to a cost - benefits analysis, which must take into account factors as the gravity of the disease to prevent, activity of the microbial agent, induction of resistances, toxicity, etc. This text is about antibiotic prophylaxis in endocarditis and in surgery procedures reporting the experience of the Hospital Santo António (HSA). The international recommendations for antibiotics administration in endocarditis made it more selective, taking into account that the bacteriemia resultant of the daily activities has bigger probability of causing infectious endocarditis than the bacteriemia associated to odontologic proceedings and that, only a scarce number of cases might be prevented even that the antibiotic prophylaxis is 100 % effective. Surgical site infection (SSI) it is an important problem, occupying in the HSA the third place of the nosocomial infections (NI), after UTI and respiratory infections. In a series of 15000 surgical procedures the rate of NI was 3,36 %, with a highly probable subnotification. The most frequent type of SSI is superficial incision and the commonest microbial agents were the methicilin-resistant Staphylococus aureus and the Escherichia coli. Appendicectomy and the wound desbridment / abscesses were the surgical procedures that more contributed to SSI. The strategy followed, in 1995, by the HSA for antibiotic prophylaxis in surgery was based on the Recommendations of “Surgical Wound Task Force Guidelines for the prevention of Surgical Wound Infection” and of “Center for Disease Control”, in an initiative of the group of antimicrobial - committee of pharmacy and therapeutics, with the support of the Administration and the involvement of several specialists. In a global evaluation of the adhesion to the published recommendations we note that the correct use exceeded 60 % in clean surgery without use of prothesis. Of the remainder, nearly 30 % did not do prophylactic antibiotic and only 6 % did it wrongly as therapeutic intention. This last percentage increases * [email protected] Cadernos de Saúde Vol. 3 Número especial Infecção Associada à Prática de Cuidados de Saúde – pp. 101-106 102 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e correcta, em cirurgia limpa sem uso de próteses. Dos restantes, cerca de 30 % não fez antibiótico profiláctico e apenas 6 % o fez inadequadamente sendo registada a intenção terapêutica. Esta última percentagem aumenta para o dobro nas cirurgias limpo-contaminadas, contaminadas e conspurcadas, assim como na cirurgia de urgência. A experiência do HSA permite-nos afirmar que o cumprimento de um protocolo de antibioprofilaxia em cirurgia pode ser conseguido com o envolvimento desde o início, no processo, das pessoas responsáveis e com medidas de controlo eficazes e de fácil aplicação. for the double in the clean-contaminated, contaminated and dirty, as well as in the emergency surgery. The experience of the HSA allows us to affirm that the fulfillment of a protocol of antibiotic prophylaxis in surgery can be got with the involvement from the beginning, in the process, of the responsible persons and with efficient measures of control and of easy application. Keywords: antibioprophylaxis, surgical site infection, bacteremia, endocarditis Palavras-chave: antibioprofilaxia, infecção do local operatório, bacteremia, endocardite Antibioterapia profiláctica corresponde à administração de um ou mais agentes antimicrobianos com intenção de prevenir a infecção. A prevenção das infecções é sempre preferível ao tratamento, devendo ter-se em conta o risco-benefício e o custo-benefício. Os factores que podem influenciar a eficácia da profilaxia antibiótica dependem do agente patogénico, do agente profiláctico, do hospedeiro e da doença a ser prevenida. Há que ter em conta se se trata de um único ou múltiplos patogénios potenciais, qual o tempo de exposição ao patogénio, qual a sua origem, qual a gravidade da doença a ser prevenida, quais os órgãos alvo que podem ser infectados, qual o espectro de actividade do agente antimicrobiano, a duração da quimioprofilaxia, assim como o seu custo, toxicidade, efeitos laterais e aceitabilidade do antibiótico proposto (1). Quanto aos factores associados à sua ineficácia podem-se listar a má utilização (excesso) de agentes antimicrobianos, a promoção de microorganismos resistentes, o desperdício económico e a toxicidade iatrogénica. Nesta exposição vamos principalmente debruçar-nos sobre a antibioterapia profiláctica em cirurgia e sobre a experiência neste campo do HSA. Na primeira parte falaremos também da profilaxia antibiótica para a prevenção da endocardite. As principais alterações nas orientações para o uso de antibióticos na prevenção da endocardite infecciosa são as seguintes (2): a) A bacteriemia resultante das actividades diárias tem maior probabilidade de causar endocardite infecciosa (EI) do que a bacteriemia associada a procedimentos odontológicos. b)Apenas um número escasso de casos de EI poderia ser prevenida pela profilaxia antibiótica, mesmo que a profilaxia seja 100 % efectiva. c) Antibioterapia profiláctica não é recomendada com base exclusivamente no aumento de risco ao longo da vida de aquisição de EI. d)A antibioterapia profiláctica fica apenas recomendada para as situações referidas no Quadro 1 nomeadamente para as cardiopatias congénitas especificadas e não outras. Quadro 1 – Doenças cardíacas associadas a risco mais elevado de endocardite, para as quais é aconselhável a profilaxia. •P rótese valvular ou material prostético usado para reparar válvula cardíaca, • Prévia endocardite infecciosa • Doença cardíaca congénita – Cardiopatia cianótica não corrigida –C ardiopatia congénita corrigida, com prótese ou outro material, durante os primeiros 6 meses após a intervenção (endotelização do material) –C ardiopatia congénita corrigida com defeitos residuais adjacentes ao material usado, impedindo a endotelização • Transplantados cardíacos que desenvolvam doença valvular e) O antibiótico profiláctico é adequado para todos os procedimentos odontológicos que envolvem a manipulação de tecidos gengivais ou região periapical dos dentes ou ainda, perfuração da mucosa oral apenas nos doentes com doenças cardíacas associadas a maior risco de EI. f) O antibiótico profiláctico é aconselhável para os procedimentos no tracto respiratório ou na pele, tecido subcutâneo e estruturas osteomusculares infectadas apenas nos doentes com doenças cardíacas associadas a maior risco de EI. g) O antibiótico profiláctico apenas para a prevenção de EI não é recomendado para procedimentos envolvendo o aparelho gastrointestinal ou génito-urinário. Profilaxia antibiótica Embora estas directrizes recomendem alterações nas indicações para a profilaxia da EI no que diz respeito a procedimentos dentários, o grupo de peritos responsável pela sua elaboração reafirma que os procedimentos médicos listados como não exigindo profilaxia, nas orientações de 1997, permanecem inalterados, estendendo-se ao parto vaginal, histerectomia e tatuagens. O grupo de peritos desaconselha ainda o body piercing, dada a possibilidade de bacteriemia, embora reconheça a escassez de informação publicada sobre o assunto. Os procedimentos dentários em que o uso profiláctico de antibióticos pode ser indicado em doentes seleccionados consistem naqueles (2) que envolvam manipulação da gengiva ou da região periapical do doente, ou perfuração da mucosa oral. Os seguintes procedimentos não necessitam de profilaxia antibiótica: injecção de anestésico através de tecido não infectado, radiografia dentária e aplicação de próteses. Os antibióticos para a profilaxia dentária têm variado ao longo dos anos, tendo começado em 1955 com a penicilina, substituída em 1990 pela amoxicilina, na dose de 2 gramas por via oral, uma hora antes do procedimento (2). 103 o internamento prolongado, a infecção em local remoto, a corticoterapia, a tricotomia, a duração da cirurgia, a técnica cirúrgica, a presença de drenos e o uso inapropriado de profilaxia antimicrobiana. No Hospital de Santo António (HSA) a prevalência da infecção hospitalar tem variado entre 11 e 25 %, conforme mostra a Figura 1. A ILC tem ocupado sistematicamente o terceiro lugar – (11,1 %) no último inquérito, antecedida pela ITU (22,2 %) e pelas infecções das vias respiratórias inferiores (32,1 %). Figura 1 – Prevalência da Infecção Hospitalar no Hospital de Santo António Quadro 2 – Regime de profilaxia para procedimento dentário Situação Via oral Antibiótico Amoxicilina Amoxicilina ou Impossibilidade de Cefazolina * medicação oral ou Ceftriaxone Via oral, alérgicos à pen/ ampicilina Cefalexina ou Clindamicina ou Azitromicina ou Claritromicina Alérgicos à pen / Cefazolina ou Ampicilina e Ceftriaxone ou impossibilidade de Clindamicina medicação oral Regime: dose única 30-60 minutos antes do procedimento Adulto Criança 2 g. 50 mg /Kg 2 g IM/IV 1g IM/IV 50mg/Kg IM/IV 50mg/Kg IM/IV 2g 600 mg 500 mg 50mg/Kg 20mg/Kg 15mg/Kg 1g IM ou IV 600g IM ou IV 50mg/Kg IM ou IV 20mg/Kg IM ou IV Cefalosporinas não devem ser usadas em pessoas com história de anafilaxia, angioedema ou urticária com penicilina ou ampicilina. * ou outras cefalosporinas de primeira ou segunda geração, via oral No que diz respeito aos doentes cirúrgicos, deve começar por salientar-se que 30 a 50 % dos doentes hospitalizados consomem antibióticos e que importante parte do orçamento hospitalar é gasto na aquisição destes fármacos. Os factores de risco para Infecção do local cirúrgico são a idade, a obesidade, a diabetes, a malnutrição, Na vigilância da IH, centrada no laboratório através de uma ferramenta informática – Vigi@ct –, em que a incidência da infecção tem variado entre os 5 e 6 %, a ILC ocupa igualmente o terceiro lugar, correspondendo o primeiro às ITU. Temos igualmente feito a vigilância da ILC, desde meados da década de 90, nos Serviços de Cirurgia Geral, de Cirurgia Vascular, de Ortopedia e de Obstetrícia (Fig. 2), estando neste momento registadas mais de 15 000 intervenções. A taxa de infecção de local cirúrgico registada até à data da alta hospitalar é de 3,36 %, embora seja de salientar a elevada percentagem de infecções que nos não são comunicadas – a declaração é feita voluntariamente e não há conhecimento das ILC que ocorrem após a alta. O tipo de ILC mais frequente é superficial e os agentes microbianos mais comuns, no pouco mais de um terço em que foram efectuados exames microbiológicos, foram Staphylococus aureus meticilino resistente (23,5 %) e Escherichia coli (17,6 %). A apendicectomia (15,3 %) e o desbridamento de feridas/abcessos (14,2 %) foram os actos cirúrgicos 104 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e Figura 2 – Folha de registo de infecção do local cirúrgico que mais contribuíram para a ILC, sendo o último aquele em que ocorreu maior taxa de ILC (12,8 %). A elaboração de um protocolo de antibioterapia profiláctica em cirurgia é um passo fundamental na racionalização e optimização do uso de antibióticos, tendo em atenção que a sua utilização é factor reconhecido no aparecimento de resistências. A escolha dos antibióticos a usar em profilaxia assenta em critérios bem definidos e acima de tudo é importante lembrar que a prevenção da infecção do local cirúrgico não se esgota na antibioprofilaxia. A estratégia seguida pelo Hospital de Santo António (HSA) foi a de seguir as Recomendações da “Surgical Wound Task Force Guidelines for Prevention of Surgical Wound Infection” (3) e do Centers Disease Control (CDC) (4 e 5). Quase 50 anos de investigação demonstraram que a antibioterapia profiláctica reduz a incidência de infecções do local cirúrgico, tendo os primeiros ensaios randomizados sido publicados em 1969. Múltiplas recomendações sobre o tema foram editadas desde 1980. As principais recomendações consistem em: a) Administrar agente antimicrobiano profiláctico só se indicado, seleccionado com base na sua eficácia contra os patogénicos mais comummente causadores de ILC para uma intervenção específica (1A); b) Administrar a dose inicial IV, com um intervalo de tempo que permita uma concentração bactericida do antibiótico no sangue e tecidos na altura da incisão. Manter níveis terapêuticos durante a intervenção (1A); c) Não usar por rotina vancomicina como antibiótico profilático (1B); d) Preparar o cólon, antes de cirurgia electiva colorectal, com enemas e agentes catárticos; administrar agentes antimicrobianos orais não absorvíveis, em doses divididas no dia anterior à cirurgia, e administrar antibiótico IV antes da intervenção (1A); e) Nas cesarianas administrar o antimicrobiano imediatamente após a “clampagem” do cordão (1A). Que antibióticos usar? Deve ser um antibiótico por via intravenosa, já que a absorção pela via intramuscular não é segura. As quinolonas por via oral só devem ser usadas na cirurgia urológica. Para a maioria das intervenções limpas – risco de infecções por estreptococos ou por estafilococos – os antibióticos recomendados são a cefazolina ou a cefuroxima. Para intervenções abrangendo o tracto GI baixo deve ser adicionada cobertura para anaeróbios, como a cefoxitina ou a ampicilina / sulbactam. Em 1995, numa iniciativa do Grupo de Antimicrobianos da Comissão de Farmácia e Terapêutica, com o apoio da Administração e o envolvimento de vários especialistas, foram elaboradas propostas para a antibioprofilaxia cirúrgica no HSA, com uma metodologia que envolveu grande número de profissionais dos diversos serviços cirúrgicos e geradora de abrangente discussão, sendo a decisão final tomada por um júri de consenso. Tais orientações foram publicadas no Boletim do Hospital (Figura 3), ainda se mantendo em prática. Foram identificados os mecanismos de controlo para uma adequada implementação do programa, que passam pela responsabilidade do cirurgião, a intervenção do anestesista quanto ao “timing” de administração, uma folha de prescrição própria, o fornecimento de dose única e a existência no Bloco Operatório apenas dos antibióticos aprovados para profilaxia. Também no âmbito destes mecanismos, e incluído no programa de vigilância epidemiológica da infecção hospitalar, a folha de registo de infecção do local cirúrgico (projecto HELICS), que contempla o registo da administração de antibióticos com Profilaxia antibiótica Figura 3 – Boletim do Hospital de Santo António indicação do agente, dose, via de administração, intenção (profilática ou terapêutica) e duração. Numa avaliação global da adesão às recomendações publicadas, constatamos que ultrapassou os 60 % a sua utilização correcta, em cirurgia limpa sem uso de próteses. Dos restantes, cerca de 30 % não fez antibiótico profiláctico e apenas 6 % o fez inadequadamente, sendo registada a intenção terapêutica. Esta última percentagem aumenta para o dobro nas cirurgias limpa-contaminada, contaminada e conspurcada, assim como na cirurgia de urgência. Na aplicação de próteses, o uso correcto de antibioprofilaxia ultrapassa os 80 %. Quanto ao antibiótico a usar, por exemplo numa cirurgia limpa com prótese, hérnia da parede abdominal com prótese, o antibiótico recomendado, a cefazolina, foi prescrita em 87% dos casos, e somente em 5 % um outro antibiótico (cefoxitina), em todos estes casos apenas com intenção profiláctica. Na cirurgia de colocação de prótese total da anca, a cefazolina foi usada em todos os casos, mas em 20 % das situações foi registada intenção terapêutica. 105 Na pontagem arterial dos membros inferiores com prótese, foram prescritos, como é recomendado, cefazolina em 83,3 % dos casos, e em situações específicas – suspeita de S.aureus meticilino-resistente, que no HSA corresponde a cerca de 50 % de todos os S.aureus –, a vancomicina em 16,7 %. Neste acto cirúrgico o uso de antibiótico terapêutico ultrapassou os 30 %. Em cirurgia contaminada, cirurgia programada do cólon e recto, praticamente todos os antibióticos utilizados – neomicina + eritromicina / cefoxitina – foram-no em intenção profiláctica. Na cirurgia gastro-duodenal, cirurgia limpa-contaminada, em 95 % dos casos o antibiótico foi usado profilacticamente e em cerca de 80 % o antibiótico adequado – cefazolina ou cefoxitina. Na apendicite aguda, cirurgia conspurcada, a profilaxia não foi efectuada em 5 % dos doentes, enquanto em 15 % foi usada com intenção terapêutica. A cefoxitina, antibiótico recomendado, foi usada em 80 % das prescrições. Nas cesarianas, exemplo de cirurgia limpa, a profilaxia apenas não foi prescrita em 6 % das mulheres, enquanto o antibiótico adequado, cefazolina foi em 98 %. Em suma, o cumprimento das indicações para antibioprofilaxia no HSA, de acordo com as recomendações publicadas, foi de 90 %, enquanto o uso do antibiótico protocolado de forma correcta ocorreu em 80 %. Constatou-se que existiu maior taxa de cumprimento nas cirurgias sectorizadas. Numa auditoria a 13 hospitais holandeses (6) sobre a adesão às orientações para antibioterapia profiláctica, entre Janeiro 2000 e Janeiro 2001, foram revistos 1763 procedimentos, tendo-se constatado uma concordância com as recomendações na escolha de antibiótico em 92 % das situações. A experiência do HSA permite-nos afirmar que o cumprimento de um protocolo de antibioprofilaxia em cirurgia pode ser conseguido com o envolvimento, desde o início do processo, das pessoas responsáveis e com medidas de controlo eficazes e de fácil aplicação. 106 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e Bibliografia 1. Adnan S, Dajani A, Abuhammour W. Antimicrobial Prophylaxis, in Textbook of Pediatrics Infectious Diseases edited by Ralph D. Feigin, James D. Cherry, Gail J. Demmler and Sheldon L. Kaplan, 3029-40; 2004, 5th ed, Saunders 2. Wilson W, Taubert K, Gewitz M et al. Prevention of infective endocarditis: guidelines from the American Heart Association. J AM Dent Ass. 2008;139:3S-24S 3. Sheretz JR, Garibaldi RA, Marosk RD et al. Consensus paper on the surveillance of surgical wound infections. Am J Infect Control 1992; 20: 263-70 4. Garner JS. 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J Antimicrob Chemother 2003; 51(6):1389-96 Bacteriófagos no tratamento de feridas Bacteriophages for wound treatment Joana Flores1,6* Pilar Baylina1,2, Victor Balcão1,3,4, Aníbal Justiniano5, Paul Gibbs1,6 Escola Superior de Biotecnologia, Universidade Católica Portuguesa 1 Escola Superior de Tecnologia da Saúde do Porto – Instituto Politécnico do Porto 2 Universidade Fernando Pessoa 3 Instituto para a Biotecnologia e a Bioengenharia, Centro de Engenharia Biológica, Universidade do Minho 4 Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Católica Portuguesa 5 Innophage, Lda. 6 Resumo Abstract As infecções bacterianas, particularmente as causadas por bactérias resistentes aos antibióticos, permanecem a principal causa de morte entre pacientes hospitalizados com queimaduras e feridas. Para além da terapêutica sistémica, um elemento-chave na gestão de feridas infectadas é a aplicação local de antimicrobianos eficazes. Os bacteriófagos (ou fagos) têm demonstrado um elevado potencial de cura no tratamento de feridas infectadas com estirpes bacterianas resistentes aos antibióticos. Palavras-chave: bacteriófagos, fagos, biofilme, feridas, queimaduras Introdução As infecções permanecem a principal causa de morte entre pacientes hospitalizados com queimaduras e feridas. Para além da terapêutica sistémica, um elemento-chave na gestão de feridas infectadas é o tratamento antimicrobiano através da aplicação local de fármacos eficazes (Greenhalgh, 2007). As taxas de mortalidade por sepsis causada por feridas de queimadura são elevadas, com a Pseudomonas aeruginosa a ocupar um papel relevante como agente etiológico dessas infecções severas (taxa de mortalidade de 50 %). A emergência de estirpes bacterianas resistentes e a fraca penetração local dos antibióticos nas feridas elevam a necessidade de opções seguras e eficazes de tratamento antimicrobiano. Quando as bactérias se ligam à superfície de uma ferida e escapam às defesas do organismo, Bacterial infections, particularly the ones caused by antibiotic resistant bacteria, remain as the main cause of death among hospitalized patients with burns and ulcers. Besides systemic therapy, a key element on wound management is the local application of effective antimicrobial agents. Bacteriophages (or phages) have been shown as promising candidates (used alone or as complementary to antibiotic therapy) to target antibiotic-resistant bacteria on wound treatment. Keywords: bacteriophages, phages, biofilm, wounds, burns dividem-se e formam uma substância protectora (denominada “substância polimérica extracelular”, EPS) que as liga ainda mais à superfície, podendo rapidamente formar um biofilme que a reveste. Este biofilme é, na verdade, um organismo multicelular com várias defesas bem reconhecidas, sinergias entre diferentes tipos de bactérias e com a capacidade de se autoregenerar muito rapidamente (Azeredo and Sutherland, 2008). As bactérias na arquitectura do biofilme são muito diferentes daquelas na forma planctónica (bactérias livremente flutuantes sem defesas de colónia, que colonizam a superfície de uma ferida), com apenas 3 % das proteínas na membrana exterior a serem homólogas entre os dois (Hughes et al., 1998). Estas diferenças fenotípicas, somadas a diferenças metabólicas nas diferentes regiões do biofilme, tornam muito difícil, se não impossível, erradicar o biofilme. * [email protected] Cadernos de Saúde Vol. 3 Número especial Infecção Associada à Prática de Cuidados de Saúde – pp. 107-108 108 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e A aplicação tópica de antibióticos, ou até de antissépticos, nas feridas torna-se progressivamente ineficaz pela capacidade de resposta e adaptação das bactérias do biofilme, levando ao aparecimento de estirpes resistentes. A terapia fágica compreende a utilização de bacteriófagos (ou fagos) para combater infecções bacterianas. Com o aumento da resistência aos antibióticos, o uso de bacteriófagos como agentes antibacterianos está a ser reequacionado para complementar o tratamento antimicrobiano sistémico. As potenciais vantagens da utilização de bacteriófagos resultam da sua especificidade e capacidade de multiplicação. Os fagos são um tipo de vírus que infecta unicamente bactérias. São metabolicamente inertes e reproduzem-se, após infecção, utilizando a maquinaria celular, da bactéria-hospedeira. Podem ser encontrados no solo, na água, nos efluentes, i.e., em todos os ambientes passíveis de colonização bacteriana. Do ponto de vista ecológico, existem em elevada variedade e apresentam a mesma versatilidade que as bactérias-hospedeiras. Dependendo das espécies de bactérias e das condições do meio, cada fago pode multiplicar-se 50 a 200 vezes em cada ciclo lítico e o seu tempo de actuação pode variar entre 10 a 40 minutos. Os fagos líticos apenas atacam células bacterianas e não representam qualquer tipo de efeito adverso nos seres humanos, animais e meio ambiente. A aplicação de bacteriófagos no tratamento de feridas tem sido proposta como alternativa (ou complemento) aos antibióticos, permitindo a libertação dos predadores naturais das bactérias directamente sobre as feridas. A terapia fágica tem sido utilizada para prevenir e tratar infecções bacterianas em vários países da anterior União Soviética e até em algumas clínicas nos E.U.A e no México. São, no entanto, ainda necessários ensaios pré-clínicos e clínicos adequados para a sua introdução no Ocidente. Um cocktail fágico para o tratamento de feridas deverá (i) incluir vários tipos de fagos estritamente líticos para P. aeruginosa, Staphylococcus aureus, Acinetobacter baumannii, Proteus spp. e Streptococcus, entre outros; (ii) ser não-tóxico quando administrado topicamente, incluindo em feridas com osso exposto. Uma vantagem do tratamento com fagos, relativamente aos antimicrobianos de aplicação local, reside no facto de se replicarem no local da infecção, ficando disponíveis em abundância onde são mais necessários. Quando comparados com os antimicrobianos de aplicação local, os fagos apresentam vantagens relevantes: (i) forte permeabilidade tecidular; (ii) concentração permanentemente elevada no foco da infecção, aumentando mesmo com a presença bacteriana; (iii) eliminação do foco da infecção, apenas após erradicação da bactéria hospedeira; (iv) compatibilidade total com os antibióticos; (v) especificidade para a bactéria-alvo; (vi) capacidade superior de penetração nos biofilmes bacterianos, induzindo a produção de enzimas que hidrolizam a matriz do biofilme; (vii) embora as bactérias possam desenvolver resistência aos fagos, isolar novos fagos líticos é muito mais simples e barato do que desenvolver um novo antibiótico; (viii) a fagoterapia é significativamente mais económica do que a terapia antibiótica, tanto no desenvolvimento como na produção em larga escala; e (ix) a fagoterapia de infecções locais é, pois, altamente eficaz e mais económica. Bibliografia 1. Azeredo, J., Sutherland, I. W. (2008). The use of phages for the removal of infectious biofilms. Current Pharmaceutical Biotechnology 9: 261-266. 2. Greenhalgh, D.G. (2007). American Burn Association Consensus Conference to Define Sepsis and Infection in Burns. J Burn Care Res 28:776-790. 3. Hughes, K.A., Sutherland, I.W., Jones, M.V. (1998). Biofilm susceptibility to bacteriophage attack: the role of phage-borne polysaccharide depolymerase. Microbiology 144: 3039-3047. 4. Lu, T.K., Collins, J.J. (2007). Dispersing biofilms with engineered enzymatic bacteriophage. PNAS 104: 11197–11202. 5. Markoishvili, K. et al. (2002). A novel sustained-release matrix based on biodegradable poly(ester amide)s and impregnated with bacteriophages and an antibiotic shows promise in management of infected venous stasis ulcers and other poorly healing wounds. Int J Dermatol 41 (7), 453-8. Controlo de surto por pseudomonas aeruginosa num serviço de neonatologia Outbreak of Pseudomonas aeruginosa in the Intensive Care Neonatal and Pediatric Unit of Santo António Hospital Aires E., Fernandes A., Vasconcelos C. Comissão de Controlo da Infecção – Hospital de Santo António – Centro Hospitalar do Porto Resumo Abstract As infecções associadas aos cuidados de saúde representam uma sobrecarga económica e social significativa pelo que é imperioso remover os reservatórios e fontes, bloquear as vias de transmissão e proteger o hospedeiro susceptível. Identificar a fonte, monitorizar a evolução e implementar coorte dos casos e dos profissionais que os tratam é o modo mais eficaz de controlar um surto. Identificaram-se 6 recém-nascidos infectados por Pseudomonas aeruginosa, agente idêntico ao isolado em torneiras da Unidade. Com base nestes resultados foram implementadas medidas de controlo em três áreas: estrutura, processo e resultados, após as quais não se registaram novos casos. Desde o 1.º caso até à alta de todos os envolvidos decorreram onze semanas. Entretanto a análise molecular revelou genótipos diferentes, embora com similaridade superior a 95 % em dois pares de agentes microbianos. O surto aqui documentado é exemplificativo das dificuldades nesta área pois podemos ter um surto epidemiologicamente bem definido, fenotipicamente atribuído ao mesmo agente, mas com a análise molecular a revelar discrepâncias. É necessária uma discussão entre a Comissão de Controlo de Infecção, o laboratório de Microbiologia e a Unidade de Biologia Molecular para uma correcta valorização das técnicas disponíveis e actuação clínica adequada. Palavras-chave: Surto, Controlo, Infecção, Pseudomonas Infections associated with health care represent a significant economic and social burden and it is imperative to remove the reservoir and sources, block the routes of transmission and protect susceptible hosts. Identify the source, monitor evolution and implement a cohort of patients and professionals that treat them is the most effective way to control an outbreak. It were identified 6 newborns infected by Pseudomonas aeruginosa, agent like the one identified in faucets of the Unit. Based on these results were implemented control measures in three areas: structure, process and results, after which there were no new cases reported. Since the first case to discharge of all involved went eleven weeks. However molecular analysis has revealed different genotypes, although with similarity over 95% in two pairs of microbial agents. The outbreak here documented translates the difficulties in this area because we can have an outbreak epidemiologically well-defined and phenotypically attributed to the same agent, but molecular analysis can show discrepancies between the isolated agents. The new methodologies are essential in analysing outbreaks, having always presented that the epidemiologic definition will be determinant. The close collaboration with Infection Control Committee, department of Microbiology and Molecular Biology Unit is essential to identify cases in a timely manner and adequate clinical actuation. Keywords: Outbreak, Control, Infection, Pseudomonas * [email protected] / [email protected] Cadernos de Saúde Vol. 3 Número especial Infecção Associada à Prática de Cuidados de Saúde – pp. 109-111 110 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e Introdução As Infecções Associadas aos Cuidados de Saúde representam uma sobrecarga económica e social significativa. É objectivo de um programa de controlo de infecção evitar as infecções e fazê-lo de uma forma custo-benefício de acordo com estratégias bem definidas: remover os reservatórios e fontes, bloquear as vias de transmissão e proteger o hospedeiro susceptível. Isto requer estruturas apropriadas, adopção de procedimentos correctos e monitorização dos resultados para a identificação de problemas. A formação é um meio facilitador da adesão de todos os profissionais às metodologias de controlo de infecção. Objectivos 1 – Identificar a fonte/reservatório da Pseudomonas aeruginosa no serviço de Cuidados Intensivos Neonatais e Pediátricos; 2 – Monitorizar a evolução do surto; 3 – Implementar medidas correctivas apropriadas. Metodologia Identificação e coorte dos casos; Determinação da curva de distribuição; Análise dos dados disponíveis e formulação de hipóteses causais; Instituição de medidas de controlo; Documentação da eficácia das medidas implementadas; Elaboração do relatório final. Desenvolvimento/evolução No serviço de Cuidados Intensivos Neonatais Pediátricos do Hospital Geral de Santo António no período de 21 de Agosto a 07 de Setembro de 2008 foram identificados 6 prematuros infectados por Pseudomonas aeruginosa com o mesmo fenótipo (semelhante perfil de resistência aos antimicrobianos). Foi analisada a situação em causa e efectuadas colheitas aleatórias no ambiente – nomeadamente nas torneiras dos lavatórios. Neste local foi isolada uma estirpe de Pseudomonas aeruginosa com fenótipo igual ao isolado nos recém-nascidos. Com base nestes resultados foram implementadas medidas de controlo em três áreas: estrutura, processo e resultados. Referente ao primeiro fizeram-se alterações nos 2 lavatórios de modo a facilitar a limpeza e a manutenção das torneiras dos mesmos. Quanto à segunda medida analisaram-se as metodologias de limpeza das torneiras e das incubadoras tendo sido adquirido um produto específico e efectuada formação nesta área. Deste modo estabeleceram-se medidas de controlo: 1) coorte dos casos e dos profissionais que os trataram; 2) individualização do material e equipamentos; 3) limpeza geral do serviço. Posteriormente todas as estirpes de Pseudomonas aeruginosa foram estudadas genotipicamente na Unidade de Biologia Molecular do Centro Hospitalar do Porto. Resultados Após a implementação das medidas de controlo mencionadas, não foram registados novos casos desde a 2ª semana de Setembro. Após análise dos resultados da tipagem molecular dos isolados conclui-se que o 3º e 4º casos estão relacionados entre si com um perfil de similaridade superior a 99 % sendo, portanto, considerados indistinguíveis, o mesmo se constatou com os 5º e 6º casos sugerindo a existência de dois grupos de isolados com transmissão cruzada. Os isolados do ambiente (torneiras dos lavatórios) apresentaram um perfil de similaridade entre si de 76,4 % e quando comparados com os isolados clínicos de 56 %, sendo por isso considerados diferentes, logo não relacionados geneticamente. Estes dados permitem excluir a ocorrência de um surto com origem nas torneiras. Conclusão Pode dizer-se que este “surto” teve a duração de 11 semanas (1º caso ocorrido na 3ª semana de Agosto até à alta do último dos prematuros envolvidos, verificada na 3ª semana de Novembro) com evolução favorável de 5 dos prematuros e morte de um dos recém-nascidos (causa não relacionada com estas infecções). A vigilância de surtos deve ser sistemática, o que obriga a uma vigilância de isolamentos de bactérias nosocomiais mais frequentes por serviço. Na investigação de um surto, e só aqui, são importantes as colheitas ambientais, que podem ser a chave do diagnóstico e do sucesso no seu controlo. O surto aqui documentado é exemplificativo das dificuldades nesta área pois podemos ter um surto epidemiologicamente bem definido, fenotipicamente atribuído ao agente isolado nas torneiras, contudo a análise molecular revelou discrepâncias. As novas metodologias são fundamentais na análise de surtos de IACS, tendo-se presente que a definição epidemiológica será sempre Controlo de surto por pseudomonas aeruginosa num serviço de neonatologia da maior importância na avaliação de um surto, é necessária uma discussão entre a Comissão de Controlo de Infecção, o Laboratório de Microbiologia e a Unidade de Biologia Molecular para uma correcta valorização das técnicas disponíveis. A estreita colaboração entre todos os serviços envolvidos é fundamental para identificação dos casos em tempo oportuno. Sendo possível evitar grande parte das IACS, mas não a sua totalidade, é fundamental que cada profissional entenda o seu papel individual na prática do controlo de infecção e integre essa prática nas suas actividades em articulação com os outros profissionais. Todos devemos estar atentos ao menor sinal de suspeita da possibilidade de surto e participar na identificação das suas causas, como este caso exemplifica. Bibliografia 1. Azevedo, C. M., Azevedo, A. G. – Metodologia Científica: Contributos Práticos para a Elaboração de Trabalhos Académicos, 8.ª edição. Porto, 2006 2. Direcção Geral da Saúde – Programa Nacional de Prevenção e Controlo da Infecção Associada aos Cuidados de Saúde. Março de 2007.http:// www.dgs.pt – obtido em 23 de Agosto de 2008 3. Centro Hospitalar do Porto – Hospital de Santo António – Manual da Comissão de Controlo de Infecção – actualizado em Janeiro de 2008 111 Tiragem molecular de pseudomonas aeruginosa pelo Sistema DiversiLab P. aeruginosa molecular typing using DiversiLab™ System Sandra João Nogueira Fernandes1*, Ana Constança Pinheiro Mendes2, Ana Cláudia Santos3, Ana Cristina Braga4, Maria Helena Ramos5 Serviço de Microbiologia, Unidade de Biologia Molecular. Hospital de Santo António – CHPorto; 1, 2 Serviço de Microbiologia. Hospital de Santo António – CHPorto; 3 Serviço de Pediatria, Maternidade Júlio Dinis – CHPorto; 4 Serviço de Microbiologia. Departamento de Patologia Laboratorial. Hospital de Santo António – CHP (Centro Hospitalar do Porto) 5 Resumo Abstract O isolamento de Pseudomonas aeruginosa na hemocultura de um recém-nascido, bem como na água de duas das incubadoras da UCIN do Centro Hospitalar do Porto, despoletou a necessidade de esclarecer a existência de um surto. Foi efectuada a tipagem molecular dos três isolados pelo sistema Diversilab, bioMérieux, que revelou elevado grau de similaridade nos perfis genómicos. A resposta atempada permitiu implementar medidas para evitar a disseminação destas infecções. The isolation of Pseudomonas aeruginosa in the blood of a newborn, as well as in the water of two incubators of UCIN of Oporto Hospitalar Centre, triggered the need to clarify the existence of an outbreak. Molecular typing of the three isolates was performed by Diversilab system, bioMérieux, which revealed a high degree of similarity in genomic profiles. The timely response allowed intervention measures to prevent the spread of these infections. Keywords: P. aeruginosa, outbreak, molecular typing Palavras-chave: P. aeruginosa , surto, tipagem molecular Introdução As unidades de cuidados intensivos neo-natais (UCIN) são particularmente vulneráveis à ocorrência de surtos e incidentes esporádicos de infecções associadas à prestação de cuidados de saúde (IACS). (Zabel, Heeg et al. 2004) A antibioterapia e o recurso a dispositivos médicos para tratamento, monitorização e suporte de vida de recém-nascidos imunocomprometidos contribuem para a elevada frequência de infecções nestas unidades hospitalares e para o consequente aumento das taxas de morbilidade e mortalidade. (Haas and Trezza 2002) As IACS por Pseudomonas aeruginosa estão amplamente descritas. A natureza ubiquitária, a elevada afinidade para ambientes húmidos e a capacidade de sobrevivência em condições adversas caracterizam este microrganismo como um patogénio comum de infecção hospitalar, sendo o 2º agente mais frequente de pneumonia associada ao ventilador e o 3º ou 4º agente de septicemia, infecções do tracto urinário e infecções de feridas cirúrgicas. Até recentemente, a transmissão horizontal das estirpes, resultante da prestação de cuidados pelos profissionais de saúde portadores, era considerada como a via de disseminação mais comum. No entanto, a Ps aeruginosa é frequentemente isolada em diversos reservatórios ambientais e estudos de tipagem molecular mostram que mais de 50 % das infecções nosocomiais por esta bactéria podem ter origem nos sistemas de fornecimento e distribuição de água. (Reuter, Sigge et al. 2002) (Trautmann, Halder et al. 2009) O principal desafio das Comissões de Controlo de Infecção (CCI) consiste na contenção da disseminação de microrganismos que possam ser relevantes, na transmissão cruzada de infecções. A vigilância epidemiológica rápida, activa e específica é fundamental e tem por objectivos encorajar os * [email protected] / [email protected] Cadernos de Saúde Vol. 3 Número especial Infecção Associada à Prática de Cuidados de Saúde – pp. 113-116 114 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e profissionais que prestam cuidados, a cumprir as recomendações de boa prática, corrigir ou melhorar práticas específicas e avaliar de forma contínua e sistemática as taxas de infecção, no sentido de reduzir a sua incidência e detectar precocemente a ocorrência de surtos. (PNCI-2008) Para o controlo efectivo da disseminação é imprescindível a articulação das CCI com o Laboratório de Microbiologia, permitindo identificar e diferenciar infecções isoladas da ocorrência de surtos. Os estudos fenotípicos identificam e caracterizam os isolados, mas não estabelecem relações epidemiológicas entre estes. As metodologias de tipagem molecular possibilitam, com rigor, distinguir a ocorrência de surtos de infecção, de casos esporádicos e não relacionados entre si, constituindo deste modo, ferramentas essenciais para a caracterização e acompanhamento da expansão das estirpes, identificação das fontes e vias de transmissão, para que rapidamente se possam instituir medidas de controlo e perspectivar estratégias eficazes na prevenção de novos casos. Os métodos clássicos de tipagem molecular, capazes de relacionar geneticamente as estirpes, são laboriosos, demorados e sujeitos à subjectividade da sua interpretação, sendo de difícil utilização em laboratórios clínicos. O investimento em metodologias de genotipagem devidamente optimizadas e adaptadas à rotina laboratorial constitui uma mais-valia no controlo de infecção hospitalar com um contributo indispensável na identificação de surtos. (Doleans-Jordheim, Cournoyer et al. 2009) Com este estudo pretendeu-se testar um método comercial de tipagem molecular capaz de relacionar estirpes de P. aeruginosa isoladas numa UCI neonatal. Material e Métodos Em Maio de 2008, na UCIN da Maternidade Júlio Dinis do CHP, foi isolada uma estirpe de P. aeruginosa responsável por sépsis num recém-nascido (RN). Neste contexto, foram analisadas as águas das incubadoras da mesma Unidade, tendo sido isoladas estirpes de P. aeruginosa em duas destas. As três estirpes foram enviadas à Unidade de Biologia Molecular do CHP para tipagem molecular utilizando o sistema DiversiLab™ (bioMérieux Clinical Diagnostics). A extracção de DNA bacteriano foi efectuada a partir de colónias isoladas provenientes de culturas puras, utilizando o UltraCleanTM Microbial DNA Isolation Kit (MO BIO Lab Inc). Sequências repetitivas de DNA não-codificante, intercaladas no genoma bacteriano foram amplificadas por rep-PCR e os fragmentos amplificados foram separados por electroforese capilar – Agilent®, 2100 Bioanalyser. A análise dos perfis electroforéticos foi efectuada recorrendo ao software do sistema DiversiLab, que calcula estatisticamente (correlação de Pearson) o grau de similaridade entre as estirpes testadas, caracterizando-as como: Indistinguíveis – nenhuma banda de diferença; Similares – 1 banda de diferença; Diferentes – 2 ou mais bandas de diferença. Tabela 1 – Similaridades entre estirpes Estirpes Similaridade Sangue Incubadora 1 97.4% Sangue Incubadora 2 99.3% Incubadora 1 Incubadora 2 99.2% Resultados As estirpes isoladas e identificadas como P. aeruginosa apresentavam perfis fenotípicos semelhantes. Na fig. 1 é possível observar o dendograma e a matriz de similaridades gerados pelo sistema DiversiLab™, com destaque para as estirpes isoladas na UCIN, provenientes da hemocultura do recém-nascido, da água da incubadora onde este se encontrava (Incubadora 1) e da água de uma incubadora vizinha (Incubadora 2). As percentagens de similaridade obtidas entre as três estirpes encontram-se representadas na tabela 1. (As restantes estirpes de P. aeruginosa correspondem a isolamentos não relacionados com este estudo). A estirpe isolada no sangue do recém-nascido apresentou 97,4 % de similaridade com a estirpe isolada na água da incubadora onde este se encontrava (incubadora 1). A similaridade entre as estirpes isoladas no sangue do RN e na incubadora vizinha (incubadora 2) foi de 99,3 % e entre as estirpes isoladas na água das duas incubadoras obteve-se uma similaridade de 99,2 %. As matrizes de similaridade e os electroferogramas permitem analisar e comparar os perfis genómicos das estirpes estudadas e estabelecer a grandeza das relações genéticas entre elas. A fig. 2 sobrepõe os electroferogramas das estirpes isoladas no sangue do RN e na água da respectiva incubadora, observando-se uma única banda de diferença entre elas, o que as classifica como similares, logo, geneticamente relacionadas. Tiragem molecular de pseudomonas aeruginosa pelo Sistema DiversiLab 115 Figura 1 – Matriz de similaridades Figura 2 – Electroferogramas: Sangue/Incubadora 1 A fig. 4 representa um exemplo de estirpes não relacionadas, com mais do que 2 bandas de diferença entre elas, concluindo-se serem estirpes diferentes, e portanto geneticamente não relacionadas. Figura 4 – Electroferogramas de estirpes não relacionadas A comparação dos perfis genómicos das estirpes isoladas nas águas das incubadoras, cujos electroferogramas se encontram representados na fig. 3, mostrou não existir diferença no número de bandas, o que permitiu classificar estas estirpes como indistinguíveis. Figura 3 – Electroferogramas: Incubadora 1/Incubadora 2 Conclusão A conjugação do rep-PCR com o software de análise de dados do sistema DiversiLab™, resulta num método simples, estandardizado, reprodutível e razoavelmente automatizado, capaz de estabelecer relações genéticas entre isolados num curto espaço de tempo (os resultados foram obtidos em aproximadamente 5 horas), permitindo a sua utilização no laboratório clínico. Este sistema de tipagem molecular possibilitou relacionar os casos verificados da UCIN, permitindo concluir que o episódio de sépsis do RN poderá ter tido origem na água da incubadora. 116 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e Na sequência da infecção descrita neste estudo, as medidas de controlo instituídas foram tomadas tendo por base os resultados do estudo fenotípico. No entanto, em acontecimentos futuros, perante a suspeita de ocorrência de um surto, a utilização do sistema DiversiLab™ poderá ser a primeira forma de estabelecer relações entre isolados, excluir casos não relacionados e, rapidamente, identificar fontes de contaminação, de forma a ser possível a sua eliminação tão cedo quanto possível. Bibliografia 1. Doleans-Jordheim, A, Cournoyer, B. et al. “Reliability of Pseudomonas aeruginosa semi-automated rep-PCR genotyping in various epidemiological situations.” Eur J Clin Microbiol Infect Dis; 2009; 28(9): 1105-11. 2. Haas, J. P. and L. A. Trezza. “Outbreak investigation in a neonatal intensive care unit.” Semin Perinatol;2002; 26(5): 367-78. 3. Reuter, S., A. Sigge, et al. “Analysis of transmission pathways of Pseudomonas aeruginosa between patients and tap water outlets.” Crit Care Med; 2002; 30(10): 2222-28. 4. Trautmann M, Halder S, et al.”Reservoirs of Pseudomonas aeruginosa in the intensive care unit. The role of tap water as a source of infection.” Bundesgesundheitsblatt Gesundheitsforschung Gesundheitsschutz; 2009; 52(3): 339-44. 5. Zabel L. T., Heeg P.et al. “Surveillance of Pseudomonas aeruginosa-isolates in a neonatal intensive care unit over a one year-period.” Int J Hyg Environ Health; 2004; 207(3): 259-66. 6. Costa, A C, Silva M G, Noriega E, “Programa Nacional de Prevenção e Controlo de Infecção Associada aos Cuidados de Saúde – Manual de Operacionalização”, 2008. Agentes etiológicos em infecções do tracto urinário e sua susceptibilidade aos antimicrobianos Etiologic agents of urinary tract infections and its antimicrobial susceptibility Carlos Correia1, Elísio Costa2* CESAM & Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro. 1 Instituto de Ciências da Saúde. Centro Regional do Porto da Universidade Católica Portuguesa. 2 Resumo Abstract Com o objectivo de conhecer os agentes etiológicos mais comuns na infecção do tracto urinário (ITU) e comparar o seu padrão de susceptibilidade aos antimicrobianos, para o mesmo agente etiológico, quer em doentes internados, quer em regime de ambulatório, foram analisados todos os exames bacteriológicos de urina que deram entrada no Serviço de Patologia Clínica do Centro Hospitalar do Nordeste, EPE – Unidade Hospitalar de Bragança, durante o período compreendido entre Janeiro de 2004 a Dezembro de 2008. Este estudo permite dispor de dados necessários para o conhecimento dos diferentes agentes etiológicos mais importantes nas ITU no distrito de Bragança e disponibilizar a informação sobre os seus padrões de resistências, necessários para se iniciar um tratamento empírico adequado e elaborar guias de tratamento. With the objective of knowing the common etiological agents in urinary infection and comparing its antimicrobial susceptibility in nosocomial and community-acquired urinary infections, we analysed all the urine bacteriological exams from the Serviço de Patologia Clínica do Centro Hospitalar do Nordeste, ENE - Unidade Hospitalar de Bragança, during a five-year period (January 2004 to December 2008). This work allowed to obtain and make available data on etiologic urinary infection agents in Bragança Province, and provides the information about their antimicrobials resistance profiles, which essential to establish an adequate empirical treatment and to elaborate treatment guides. Keywords: Urinary tract infection. Etiology. Antimicrobial susceptibility Palavras-chave: Infecção do tracto urinário. Etiologia. Susceptibilidade aos antimicrobianos Introdução As ITU (infecções do tracto urinário) são as infecções bacterianas mais frequentes, depois das infecções respiratórias, tanto no âmbito comunitário como no nosocomial. (1) A prevalência e a etiologia das ITU dependem de múltiplos factores subjacentes, sejam de tipo epidemiológico ou geográfico, sejam outros, como a idade, o sexo, a existência de patologias de base, de que é exemplo a diabetes, ou manobras instrumentais, como a cateterização urinária.(2) Para além da importância de conhecer os dados epidemiológicos associados com as ITU, é também extremamente importante conhecer o padrão de susceptibilidade dos agentes responsáveis por este tipo de infecção. Nos últimos anos, tem-se detectado uma progressiva diminuição na susceptibilidade dos uropatógenos aos antimicrobianos utilizados habitualmente no tratamento das ITU. Este é um problema crescente, que afecta todas as populações, sendo mais significativo em termos de cuidados primários de saúde, onde a maioria das ITU são tratadas empiricamente.(3,4) O aparecimento e disseminação de resistências, entre outros factores, contribuem para que o tratamento das ITU constitua, em alguns casos, um importante problema terapêutico.(4) Assim, para se * [email protected] Cadernos de Saúde Vol. 3 Número especial Infecção Associada à Prática de Cuidados de Saúde – pp. 117-120 118 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e instaurar um tratamento empírico de forma correcta e racional, é muito importante conhecer, entre outros factores, quais são e como evoluem no tempo os padrões de susceptibilidade aos antimicrobianos mais frequentemente utilizados para o tratamento das ITU, tanto comunitária como nosocomial, na região em estudo.(4) Este tipo de estudos poderá contribuir para uma melhor orientação do médico na prescrição do(s) antimicrobiano(s) mais adequado(s) para o tratamento empírico deste tipo de infecção, para além de minimizar também o aparecimento e disseminação de resistências bacterianas. Material e Métodos Neste estudo retrospectivo foram incluídos todos os exames bacteriológicos de urina que deram entrada no Serviço de Patologia Clínica do Centro Hospitalar do Nordeste, Unidade Hospitalar de Bragança, oriundos dos serviços de Internamento, Urgência e Consulta Externa, durante o período compreendido entre Janeiro de 2004 e Dezembro de 2008. Em todos os casos registou-se: idade, sexo, proveniência, resultado do exame cultural, identificação da estirpe bacteriana e o padrão de susceptibilidade aos antimicrobianos. As sementeiras de urina, a identificação dos isolados bacterianos, assim como os respectivos testes de susceptibilidade aos antimicrobianos foram efectuados segundo os protocolos de rotina no Serviço de Patologia Clínica dessa Unidade Hospitalar. A análise estatística efectuou-se com o programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) para Windows v. 16.0. Para a comparação das percentagens de susceptibilidade, entre doentes internados versus doentes em regime de ambulatório, utilizou-se a prova do Qui-quadrado (χ2). Quando os dados não respeitavam os critérios de utilização do teste do Qui-quadrado, utilizou-se o teste de Fisher. Para verificar a tendência temporal da resistência bacteriana, no período de estudo, utilizou-se o teste de regressão linear. O nível de significância estabelecido foi de 0,05. Resultados Durante o período do estudo, deram entrada no Serviço de Patologia Clínica 12 510 amostras de urina para exame bacteriológico. Destas, o exame cultural foi negativo em 10 442 (82,5 %), 2642 de internamento e 7800 de regime ambulatório. Foi encontrada positividade em 1869 amostras (14,9 %), 592 de internamento e 1277 de regime ambulatório. A percentagem de exames contaminados foi de 1,6 %. Na totalidade das uroculturas positivas, 65,0 % eram provenientes de indivíduos do sexo feminino e 35,0 % de indivíduos do sexo masculino. A idade dos pacientes variou de 1 mês a 100 anos, com uma média de idades de 70,9 anos, sendo que a maioria destes tinha idade igual ou superior a 60 anos (59,3 %). Na tabela I estão representadas as frequências das principais espécies de microrganismos isolados, em doentes oriundos do internamento ou em regime ambulatório. O padrão global de susceptibilidades aos antimicrobianos está representado no Tabela II e o padrão de susceptibilidades aos antimicrobianos dos quatro agentes causais mais frequentemente isolados, quer em doentes internados quer em regime de ambulatório, está representado na tabela III. Quanto à evolução do padrão de resistências ao longo dos anos do estudo, revelou uma tendência de aumento das resistências aos antimicrobianos avaliados em todas as espécies em estudo. Observou-se um aumento estatisticamente significativo (p <0,05) nas taxas de resistência da P. aeruginosa aos antimicrobianos ceftazidima, cotrimoxazol e ciprofloxacina, com um crescimento anual de 3,75 %, 1,01 % e 6,82 %, respectivamente. Tabela I – Frequência dos agentes causadores de ITU em doentes internados e em regime de ambulatório. Total de isolados (%) Microrganismos Internos (n=592) Externos (n=1277) 363 (61,3) 894 (70,0) K. pneumoniae 41 (6,9) 58 (4,5) P. aeruginosa 78 (13,2) 52 (4,2) 23 (3,9) 58 (4,5) Enterococcus spp . 19 (3,2) 45 (3,5) Outras espécies 68 (11,5) 170 (13,3) E. coli P. mirabilis a b a – Enterococcus faecalis (42 amostras); E. faecium (22 amostras). b – Staphylococcus aureus (38 amostras); S. epidermidis (18); K. oxytoca (17); S. xylosus (13); K.ornithinolytica (12); S. simulans (12); Sphingomonas paucimobilis (12); Morganella morganii (12); Aerococcus viridans (11); Enterobacter cloacae (11); Stenotrophomonas maltophilia (10); Citrobacter freundii (10); C.koseri (9); Aeromonas sóbria (9); S. chromogenes (8); Streptococcus viridans (8); S. lentus (7); Serratia marcescens (7); C.amalonaticus (6); Xantomonas campophilis (5); Klebsiella terrigena (3). Discussão As ITU encontram-se entre as infecções mais frequentes tratadas na prática clínica. A sua incidência sofre variações em função das diferentes etapas Agentes etiológicos em infecções do tracto urinário e sua susceptibilidade aos antimicrobianos da vida. A maioria das ITU comunitárias é tratada empiricamente. Este procedimento obriga a um conhecimento dos padrões de susceptibilidade aos antimicrobianos dos uropatógenos mais frequentemente isolados numa determinada região, de forma a se instaurar um tratamento empírico correcto e racional. A distribuição percentual de microrganismos identificados neste estudo é similar com o registado por outros autores, ou seja, E. coli foi o microrganismo mais frequentemente isolado, seguido por P. aeruginosa e depois por outros pertencentes à família das Enterobacteriaceae.(1-4) De realçar o facto da P. aeruginosa ter surgido neste estudo com uma percentagem de isolamentos na comunidade muito semelhante à da Enterobactérias, K. pneumoniae e P. mirabilis. Este dado é relevante porque a P. aeruginosa é essencialmente um patógeno hospitalar, e este dado está de acordo com o referido por diversos autores, de que este microrganismo está a tornar-se um protagonista emergente das ITU na comunidade.(1,2) A maioria dos guias de tratamento para as cistites não complicadas aconselha o tratamento empírico dos doentes sem realizar urocultura. Esta estratégia baseia-se no facto de que, para uma determinada área geográfica, os agentes etiológicos, bem como o seu padrão de resistências aos antimicrobianos, são muito previsíveis. Pelo contrário, as infecções urinárias complicadas na mulher, assim como as infecções no homem, requerem urocultura e antibiograma. No entanto, enquanto se espera pelo resultado, o doente inicia habitualmente tratamento empírico. A selecção empírica de um antimicrobiano para o tratamento da ITU depende de factores clínicos e farmacológicos, devendo ser individualizada. Para além destes factores essenciais na selecção empírica de um antimicrobiano, é aconselhável também seguir a recomendação da IDSA (Infectious Disease Society of America) e da EAU (European Association of Urology), que referem que para se poder utilizar um antimicrobiano empiricamente, este não deverá apresentar uma taxa de resistência local superior a 20 %. Assim, neste estudo, observou-se uma resistência elevada aos antimicrobianos mais frequentemente usados na terapia empírica das ITU (quinolonas, cotrimoxazol e cefalosporinas). Comparando o padrão de susceptibilidade, para o mesmo agente etiológico, em doentes internados com doentes em regime de ambulatório, observou-se, no geral, uma maior resistência aos antimicrobianos em isolados hospitalares. Esta maior resistência em 119 isolados hospitalares é considerada “normal”, isto porque a população bacteriana está submetida a uma maior pressão antimicrobiana. Adicionalmente, neste ambiente existem condições mais favoráveis para a transferência de genes de resistência entre as bactérias.(4) Relativamente aos antimicrobianos testados frente à E. coli (ceftazidima, cotrimoxazol, ciprofloxacina e cefalotina) e à P. mirabilis (ciprofloxacina) que mostraram diferenças significativas entre doentes do ambulatório e hospitalares, estes antimicrobianos, apesar das diferenças, não são aconselháveis para o tratamento empírico da ITU, quer para o tratamento da ITU nosocomial, quer para o da ITU comunitária. Estas diferenças apenas revelam que as resistências a estes antimicrobianos são mais acentuadas no ambiente hospitalar, que desta forma apenas poderão ser opções de tratamento após realização e conhecimento do resultado do antibiograma. As diferenças significativas encontradas nas taxas de resistência para P. aeruginosa ao imipenemo, entre doentes internados e em regime de ambulatório, reflecte o facto de este antimicrobiano ser de uso exclusivo hospitalar e por isso ser limitado na comunidade o aparecimento de resistências a este antibiótico. O facto de neste estudo as diferenças de susceptibilidade aos antimicrobianos entre doentes do ambulatório e hospitalares, serem pouco significativas, pode sugerir o seu incorrecto emprego na comunidade. A evolução dos padrões de resistência aos antimicrobianos mostrou uma tendência geral de aumento dessas resistências ao longo do período de estudo, em todos os microrganismos em análise, nomeadamente na P. aeruginosa. O aumento significativo da resistência à ceftazidima que, sendo uma cefalosporina de terceira geração, é caracterizada por possuir boa actividade antipseudomonas,(5) revela o desenvolvimento crescente de resistência por parte da P. aeruginosa a este antimicrobiano. Esta tendência de aumento das resistências bacterianas no período de estudo é representativa da importância do crescente aumento da resistência antimicrobiana dos uropatógenos, quer a nível geral, quer a nível regional. 120 Cad e r n o s d e S a ú d e Vo l. 3 N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e Bibliografia 1. López FC, Alvarez F, Gordillo RM et al. Microorganismos aislados de muestras de orina procedentes de la comunidad y padrón de sensibilidad en un periodo de 12 años. Rev Esp Quimioterapia 2005; 18: 159-167. 2. Ochoa C, Bouza JM, Mendez C, Galiana L. 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