Cadernos
de Saúde
NÚMERO
E S P E C I A L
Infecção Associada
à Prática de
Cuidados de Saúde
VOLUME 3, 2010
Publicação Semestral
Índice
Editorial
7
Fernando Mena Ferreira Martins
Etiologia y resistencia antibiótica en neumonía asociada a cuidados de salud
13
Health-care associated pneumonia (HCAP): Aetiology and antimicrobial resistances
José Prieto; M. J. Giménez; L. Aguilar
Infecção em cuidados de saúde – Perspectiva actual
17
Health care infection – an overview
Henrique Lecour
Epidemiologia da infecção hospitalar
25
Epidemiology of healthcare-associated infection
Luís Marques Lito
Introdução à Mesa-Redonda sobre Prevenção e controlo das infecções associadas à prestação de cuidados de saúde
33
Prevention and control of health care associated infections
António Sarmento
Infecção do aparelho urinário
35
Urinary infection associated to health-care
Alexandre Carvalho
Introdução à Mesa-Redonda sobre Ambiente, condicionantes sociais e infecção
Environment, social conditions and infection
Torcato de Freitas
39
O ambiente na transmissão da infecção
41
The role of environment in the transmission of infection
Manuela Pintado
Alterações climáticas e patologia infecciosa
47
Climate change and infectious diseases
Rosas Vieira
Infecções em cuidados continuados – Saúde Mental
53
Infections in integrated continuous care units – mental health
Álvaro Ferreira da Silva
Transmissão da infecção em infantários e jardins-de-infância
59
Infectious diseases transmission in nurseries
José Carlos Cidrais Rodrigues
Introdução à Mesa-Redonda sobre Infecção em cuidados de saúde
61
Health-care Infections
Rui Sarmento
Tuberculose – epidemiologia e estratégias de prevenção
63
Tuberculosis – epidemiology and prevention strategies
Ana Horta
Feridas crónicas – Fisiopatologia e tratamento
69
Chronic wounds – physiopathology and management
Aníbal Justiniano
Metodologia das comissões de controlo da infecção
77
Infection control commissions methodologies
Rui Bastos
Introdução à Mesa-Redonda sobre Resistência aos antibacterianos e infecção associada aos cuidados de saúde
85
Antimicrobial resistance and healthcare associated infections
Professor Melo Cristino
Resistência em bactérias de Gram-positivo
87
Antimicrobial resistance in gram-positive bacteria
Mário Ramirez
Resistência em bactérias de Gram-negativo
93
Gram-negative antibiotic resistance
Helena Ramos
Profilaxia antibiótica
Antibiotic prophylaxis
Carlos de Vasconcelos; António José Polónia
101
Bacteriófagos no tratamento de feridas
107
Bacteriophages for wound treatment
Joana Flores, Pilar Baylina, Victor Balcão, Paul A. Gibbs e Aníbal Justiniano
Controlo de surto por pseudomonas aeruginosa num serviço de neonatologia
109
Outbreak of Pseudomonas aeruginosa in the Intensive Care Neonatal and Pediatric Unit
of Santo António Hospital Carlos Vasconcelos, Ernestina Aires e Alexandra Fernandes
Tiragem molecular de pseudomonas aeruginosa pelo Sistema Diversilab
113
P. aeruginosa molecular typing using DiversiLab™ System
Sandra João Fernandes, Ana Constança Mendes, Cláudia Santos, Ana Cristina Braga e Helena Ramos
Agentes etiológicos em infecções do tracto urinário e sua susceptibilidade aos antimicrobianos
Etiologic agents of urinary tract infections and its antimicrobial susceptibility
Carlos Correia; Elísio Costa
117
Editorial
Fernando Mena Ferreira Martins
do Instituto de
Medicina Dentária da Faculdade de Medicina
Ciências da Saúde da Universidade Católica
Dentária de Viseu; a segunda dedicada à Língua
Portuguesa foram criados em 2008 com o
Gestual, com os procedimentos da conferência
objectivo de divulgar investigação original em
internacional “Sign Languages Around the
todas as áreas das Ciências da Saúde e da
World” realizada em Lisboa em 2009.
Os Cadernos de Saúde
Vida, realizada não só na Universidade Católica
Neste terceiro número especial editamos as
Portuguesa, mas também pela Comunidade
conferências, mesas-redondas e as melhores
Científica Nacional e Internacional.
comunicações apresentadas na reunião sobre
Mas como como não só investigando se
“Infecção Associada à Prática de Cuidados de
ensina e se aprende – missões primordiais da
Saúde”, organizada em conjunto pelo Instituto
Universidadade – convidámos os mais desta-
de Ciências de Saúde e pelo Hospital da Pre-
cados elementos da Comunidade Científica
lada, no Porto, em 2009.
para colaborar connosco, quer através de
Pensamos que a importância e actualidade
artigos de opinião, quer através de Revisões
dos temas debatidos, a sua qualidade intrínseca,
/ Estado da Arte sobre assuntos porventura
e o sentido pedagógico que enformou a sua
mais importantes ou polémicos, de interesse
apresentação, resultado de um empenhamento
para os nossos leitores.
sem reservas de autores de referência, justificam
Considerámos também a possibillidade de
plenamente a aposta do Instituto de Ciências
publicar Números / Edições Especiais, sempre
da Saúde nesta Edição Especial dos Cadernos
que a relevância dos temas, a qualidade dos
de Saúde.
textos e dos autores e dimensão do público
alvo o justificasse.
Assim, publicámos já duas edições especiais:
a primeira em 2008, relatando o Congresso de
Gostaríamos que fosse também essa a opinião
dos nossos leitores.
Programa do Congresso
Infecção Associada à Prática dos Cuidados de Saúde
CONFERÊNCIAS
I – Etiologia y resistencia antibiótica en neumonía asociada a cuidados de salud.
Health-care associated pneumonia (HCAP): Aetiology and antimicrobial resistances
Professor José Prieto – Universidade Complutense, Madrid
II – Infecção em cuidados de saúde – Perspectiva actual
Health-care infection – an overview
Professor Henrique Lecour – Instituto de Ciências da Saúde, Porto
III – Epidemiologia da infecção hospitalar
Epidemiology health-care-associated infection
Dr. Luís Marques Lito – Hospital de Santa Maria, Lisboa
MESAS REDONDAS
I – Prevenção e controlo das infecções associadas à prestação de cuidados de saúde
Prevention and control of health-care associated infections
Moderador: Professor António Sarmento – Hospital de São João
1. Pneumonia associada ao ventilador
Professor Jorge Pimentel – Hospitais da Universidade de Coimbra
2. Infecção associada a cateteres vasculares
Dr. Edgar Lopes – Hospital da Prelada
3. Infecção do aparelho urinário
Urinary infection associated to health-care
Dr. Alexandre Carvalho – Hospital de São Marcos
4. Infecção associada a artoplastia
Dr. Rosmaninho Seabra – Hospital da Prelada
10
Cad e r n o s d e S a ú d e  Vo l. 3  N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e
II – Ambiente, condicionantes sociais e infecção
Environment, social conditions and infection
Moderador: Dr. Torcato de Freitas – Hospital da Prelada
1. O ambiente na transmissão da infecção
The role of environment in the transmission of infection
Professora Manuela Pintado – Escola Superior de Biotecnologia. Universidade Católica Portuguesa
2. Alterações climáticas e patologia infecciosa
Climate change and infectious diseases
Dr. Rosas Vieira – Hospital Santos Silva
3. Infecções em cuidados continuados – Saúde Mental
Infections in integrated continuous care units – mental health
Dr. Álvaro Ferreira da Silva – Santa Casa da Misericórdia do Porto
4. Transmissão da infecção em infantários e jardins-de-infância
Infectious diseases transmission in nurseries
Dr. José Carlos Cidrais Rodrigues – Hospital de Pedro Hispano
III – Infecção em cuidados de saúde
Health-care Infections
Moderador: Professor Rui Sarmento – Hospital de Joaquim Urbano
1. Tuberculose – epidemiologia e estratégias de prevenção
Tuberculosis – epidemiology and prevention strategies
Drª Ana Horta – Hospital de Joaquim Urbano
2. Feridas crónicas – Fisiopatologia e tratamento
Chronic wounds – physiopathology and management
Dr. Aníbal Justiniano – Instituto de Ciências da Saúde, Porto. Universidade Católica Portuguesa
3. Metodologia para a avaliação de custos da infecção nosocomial
Dr. Luís Castanheira – Hospital da Prelada
4. Metodologia das comissões de controlo da infecção
Infection control commissions methodologies
Enfermeiro Rui Bastos – Hospital da Prelada
IV – Resistência aos antibacterianos e infecção associada aos cuidados de saúde
Antimicrobial resistance and health-care associated infections
Moderador: Professor Melo Cristino – Faculdade de Medicina de Lisboa
1. Resistência em bactérias de Gram-positivo
Antimicrobial resistance in gram positive bacteria
Professor Mário Ramirez – Faculdade de Medicina de Lisboa
2. Resistência em bactérias de Gram-negativo
Gram-negative antibiotic resistance
Professora Helena Ramos – Hospital de Santo António
Programa do Congresso
3. Profilaxia antibiótica
Antibiotic prophylaxis
Professor Carlos de Vasconcelos – Hospital de Santo António
4. Como prescrever antibacterianos empiricamente
Professor Saraiva da Cunha – Hospitais da Universidade de Coimbra
COMUNICAÇÕES APRESENTADAS EM FORMA DE CARTAZ
Bacteriófagos no tratamento de feridas
Bacteriophages for wound treatment
Drs. Joana Flores, Pilar Baylina, Victor Balcão, Paul A. Gibbs e Aníbal Justiniano
InnoPhage, Lda; Escola Superior de Tecnologia da Saúde do Porto, Instituto Politécnico do Porto;
Universidade Fernando Pessoa; Instituto para a Biotecnologia e a Bioengenharia, Universidade do Minho;
Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Católica Portuguesa; Escola Superior de Biotecnologia,
Universidade Católica Portuguesa
Controlo de surto por pseudomonas aeruginosa num serviço de neonatologia
Outbreak of Pseudomonas aeruginosa in the Intensive Care Neonatal and Pediatric Unit
of Santo António Hospital
Drs. Carlos Vasconcelos, Ernestina Aires e Alexandra Fernandes
Centro Hospitalar do Porto – Hospital de Santo António
Tiragem molecular de pseudomonas aeruginosa pelo Sistema DiversiLab
P. aeruginosa molecular typing using DiversiLab™ System
Drs. Sandra João Fernandes, Ana Constança Mendes, Cláudia Santos, Ana Cristina Braga e Helena Ramos
Centro Hospitalar do Porto – Hospital de Santo António; Centro Hospitalar do Porto – Maternidade Júlio Dinis.
Agentes etiológicos em infecções do tracto urinário e sua susceptibilidade aos antimicrobianos
Etiologic agents of urinary tract infections and its antimicrobial susceptibility
Drs. Carlos Correia, Elisa Nobre, Elisabete Diegues, Graça Pombo e Elísio Costa
CESAM & Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro;
Serviço de Patologia Clínica do Centro Hospitalar do Nordeste, Unidade Hospitalar de Bragança;
Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa.
11
Etiologia y resistencia antibiótica en neumonía
asociada a cuidados de salud
Health-care associated pneumonia (HCAP): Aetiology and
antimicrobial resistances
J. Prieto, M. J. Giménez, L. Aguilar*
Departamento de Microbiología – Facultad de Medicina – Universidad Complutense
Resumen
Abstract
Con el envejecimiento de la población aumenta la prevalencia
de la neumonía asociada a cuidados de salud (HCAP), y dentro
de ella, la neumonía adquirida en residencias sanitarias. La
magnitud del problema viene reflejada por el dato de que en
los próximos 30 años hasta un total del 40% de los adultos
residirá en los últimos años de su vida en estas residencias
sanitarias. Actualmente ya es un problema ya que el 10-18%
de los pacientes que ingresan con neumonía en el hospital
proceden de residencias sanitarias. Desde el punto de vista
clínico y de pronóstico se sitúa entre la neumonía adquirida
en la comunidad y la neumonía nosocomial, pero con una
duración de estancia hospitalaria superior a ambas. El principal problema para su tratamiento reside en los fenotipos de
resistencia presentes en los gram-positivos y gram-negativos
responsables de su etiología, presentando una prevalencia
de multirresistencia superior a la de la neumonía adquirida en
la comunidad.
The prevalence of Health-care associated pneumonia (HCAP),
and within this entity the prevalence of Nursing-home acquired
pneumonia (N-HAP), increases in parallel to the aging of the
human population. The magnitude of the problem is reflected
by the fact that in the foreseen 30 years, up to 40% adults
will live their last years in nursing homes. HCAP is currently
a problem since 10-18% patients admitted to hospitals due
to pneumonia come from nursing homes. From the clinical
and prognosis points of view, HCAP can be placed between
the community acquired pneumonia and the nosocomial
pneumonia, but with longer hospital stay than both. The main
problem for its treatment is based on the antibiotic resistant
phenotypes present in gram-positives and gram-negatives
microorganisms responsible of its etiology, showing a prevalence
of multiresistance higher than that of the community acquired
pneumonia. 
Palabras clave: Neumonía asociada a cuidados de
salud, Neumonía adquirida en residencias sanitarias, multirresistencia 
Introducción
En el devenir del tiempo las definiciones de neumonía desde el punto de vista clínico-epidemiológico
han variado, existiendo en la actualidad una auténtica
“sopa de letras” en este campo. Así se puede distinguir la Neumonía adquirida en la comunidad (NAC),
la neumonía adquirida en el hospital o neumonía
nosocomial (NN), la neumonía asociada a ventilación
mecánica (NAVM), y finalmente como último término
aceptado, la neumonía asociada a cuidados de salud
(o en inglés “Health-care associated pneumonia”
– HCAP).
Usando una definición excluyente podemos
definir la CAP como la neumonía que no cumple
los criterios de NN, NAVM o HCAP, definiendo
NN como neumonía desarrollada tras al menos 48
horas de ingreso en el hospital en un paciente no
intubado y NAVM como aquella que ocurre en el
mismo plazo de tiempo en el paciente ingresado e
intubado (1). Finalmente el último término acuñado
es el de HCAP que se define como la neumonía
que ocurre en (1):
1) Pacientes que han sufrido hospitalización
durante al menos 2 días en los 90 días anteriores al inicio de la neumonía,
2) pacientes sometidos a hemodiálisis,
3) pacientes sometidos a tratamiento intravenoso,
antibiótico o inmunosupresor o a cuidados de
* e-mail: [email protected]
Cadernos de Saúde  Vol. 3  Número especial Infecção Associada à Prática de Cuidados de Saúde – pp. 13-16
14
Cad e r n o s d e S a ú d e  Vo l. 3  N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e
herida en los 30 días anteriores al inicio de
la neumonía, o
4) pacientes residentes en residencias sanitarias
(ancianos, casas de salud…).
Características de la HCAP (Figura 1)
Como se ve en la definición de HCAP pueden
distinguirse dos grandes grupos dentro de la misma:
la HCAP asociada a los tres primeros puntos en la
definición anterior (fundamentalmente la asociada
a hemodiálisis y/o terapia intravenosa domiciliaria
y/o cuidados de heridas crónicas) por una parte,
y la denominada Neumonía adquirida en residencias sanitarias (N-HAP o “Nursing-home acquired
pneumonia”). La importancia de esta última reside
en el hecho de que actualmente representa el 50%
de las HCAP y en que la neumonía es la segunda
infección más frecuente en residencias sanitarias y la
primera causa de muerte y traslado al hospital (2,3).
Mientras la incidencia anual de NAC es de 12/1.000
habitantes, y la de NAC en mayores de 75 años es
de 34/1000 habitantes, la de HCAP es de 365/1.000
habitantes (3). La edad y la comorbilidad (inmunodepresión, diabetes, insuficiencia renal crónica y
enfermedad cardiovascular) de la HCAP son superiores a la de la NAC, la mortalidad es también
superior a la de la NAC, similar a la de la NN y
menor que la de la NAVM. Por último la duración
de la estancia hospitalaria de la HCAP es superior
a la de las otras tres (NAC, NN y NAVM) (1).
Etiología de la HCAP (Figura 2)
En las HCAP, además de Streptococcus pneumoniae
y Legionella pneumophila como en toda neumonía
grave que requiere ingreso hospitalario, hay que
sospechar distintos agentes etiológicos dependiendo
del tipo de HCAP. Así en las N-HAP (la adquirida en
residencias sanitarias) han de tenerse en cuenta los
bacilos gram-negativos y Staphylococcus aureus, en
las asociadas a inmunodepresión los bacilos gram-negativos (en este caso incluyendo Pseudomonas
aeruginosa) y hongos, en la asociada a hemodiálisis
los bacilos gram-negativos (incluyendo P. aeruginosa), y por último en la neumonía asociada a
tratamiento intravenoso y/o cuidados domiciliarios
S. aureus (con sus fenotipos de resistencia específicos) (4). Cade resaltar que en el caso de las HCAP
asociadas a hemodiálisis, a pesar de las altas tasas
de colonización por S. aureus resistente a meticilina
(SARM) en estos pacientes, este microorganismo es
causa infrecuente de HCAP.
Resistencia a los antimicrobianos en HCAP
La HCAP, junto con tratamiento antibiótico en
los 90 días previos, la hospitalización durante más
de cinco días, la frecuencia de resistencia en la
comunidad o la unidad hospitalaria y la inmunodepresión, son factores de riesgo para la presencia
de organismos multirresistentes en la neumonía (5).
Así la prevalencia de cepas multirresistentes sigue
un gradiente creciente desde la NAC, pasando por
HCAP y NN, alcanzándose el máximo en NAVM (6).
Dentro de la HCAP el riesgo de la multirresistencia
viene dado por (2):
1 – La prevalencia de la multirresistencia en la
comunidad
2 – El consumo de antibióticos en la comunidad,
y el uso en el propio paciente como selectores
de resistencia
3 – El traslado temprano de los pacientes desde
los servicios de salud institucionales (hospitalarios) a los servicios comunitarios
4 – La utilización de técnicas médicas invasivas
en residencias sanitarias en la comunidad
Etiologia y resistencia antibiótica en neumonía asociada a cuidados de salud
Considerando el punto 1 en este listado, los datos
de prevalencia de resistencia a los antimicrobianos
en los agentes etiológicos que se han asociado a
la HCAP proporciona una idea de la problemática
de multirresistencia en esta entidad.
1 – Problemática de los microorganismos gram-positivos
En S. pneumoniae, aunque la resistencia a
la penicilina está disminuyendo en España, en
el grupo de aislados resistentes a la penicilina
son muy altas las tasas de no susceptibilidad a
aminopenicilinas (36,9%) y macrólidos (56%) y
crecientes, aunque aún bajas, a las nuevas quinolonas como levofloxacino (<8% que se indicaba
a ciprofloxacino en el estudio SAUCE) (7). Las
bacteriemias por S. pneumoniae que ocurren tras
el ingreso suelen ocurrir después de un periodo
relativamente prolongado de hospitalización, habiéndose descrito un 45% de no susceptibilidad a la
penicilina y un 9% de resistencia a cefotaxima en
los aislamientos obtenidos en un estudio realizado
en dos hospitales españoles (8).
En S. aureus, la resistencia a la meticilina está
presente en alrededor el 30% de los aislados
(SARM) (9) y está estabilizada desde el año 2002
al 2006 según datos del Grupo Español para el
estudio de estafilococos (10). La resistencia a la
meticilina en los estafilococos coagulasa negativo
se sitúa alrededor del 65% (10). En este estudio
realizado en España no se detectaron aislamientos
con susceptibilidad disminuida a glucopéptidos,
aunque se conocen distintos fenotipos de sensibilidad disminuida a la vancomicina aparecidos
probablemente debido al incremento en la utilización de este antibiótico en los años 90 por
la diseminación de los SARM. De acuerdo con
publicaciones de otros países, la prevalencia de
heterorresistencia intermedia (h-VISA) varía entre
el 0% y más del 50% (11), sugiriéndose incluso en
cepas sensibles a vancomicina con CMIs cercanas
al límite de sensibilidad como explicación de la
menor respuesta clínica a este antibiótico (12).
Además la tolerancia (definida como CMB/CMI ≥
16) está presente en el 75% de los h-VISA y en el
15% de los SARM sensibles a vancomicina (13).
2 – Problemática de los microorganismos gram-negativos
La multirresistencia es un problema creciente en
gram-negativos debido a la presencia de enzimas
inactivantes de antibióticos como mecanismo de
15
reasistencia fundamental de difusión creciente,
a veces en combinación con bombas de eflujo
y déficit de porinas. La multirresistencia incluye
resistencia a carbapenámicos, ceftazidima y aminoglucósidos en aproximadamente el 15%, 15% y
25%, respectivamente, de P. aeruginosa, mientras
que la resistencia a las cefalosporinas de tercera
generación y aminoglucósidos en enterobacterias
se sitúa entre el 10% y el 20% de los aislados (14).
Con respecto a las enzimas inactivantes
de β-lactámicos cabe distinguir tres grupos:
β-lactamasas de espectro extendido (BLEEs),
AmpC y metalobetalactamasas (MBLs). Las BLEEs
se encuentran en alrededor del 25% de los aislados europeos y de EEUU de Klebsiella spp. y
Escherichia coli (15) y confieren resistencia a
penicilinas, cefalosporinas de 1ª, 2ª y 3ª generación
y aztreonam (pero no a carbapenámicos). La presencia de las β-lactamasas cromosómicas inducibles
AmpC debe presuponerse en todos los aislados
de los géneros Enterobacter, Citrobacter, Serratia,
Morganella y Providencia. A pesar de la aparente
susceptibilidad de los aislados a cefalosporinas
de 3ª generación, cuando éstas se utilizan en la
clínica se induce la producción de la enzima,
pudiéndose seleccionar mutantes desreprimidas,
con el consiguiente fracaso clínico (16). Por último
las carbapenemasas se presentan, aunque todavía
no de manera muy prevalente, en aislados de
Pseudomonas y Acinetobacter, coexistiendo con
otros determinantes de resistencia.
Características diferenciales de NAC y
HCAP: Descripción de un estudio de
campo en neumonía grave
En un estudio retrospectivo caso-control recientemente publicado (17) por el grupo SCAPE (Severe
Community Acquired Pneumonia with Ertapenem)
en el que se evaluó la utilización hospitalaria de
ertapenem versus otros antibióticos parenterales
en el tratamiento de la NAC grave que requería
hospitalización en siete hospitales españoles, se
analizó el subgrupo de pacientes procedentes de
residencias sanitarias. El estudio incluyó un total
de 202 pacientes con una edad media de 80.5 ±
11.8 años (el 75% de los pacientes presentaba más
de 75 años) de los que un 35.1% (71 pacientes)
procedía de residencias sanitarias. Los antibióticos
parenterales controles fueron cefalosporinas de 3ª
generación, fluoroquinolonas, amoxicilina/clavulánico y macrólidos solos o en combinación.
Analizando la severidad de los pacientes mediante
el “Pneumonia Severity Index (PSI)”, ésta fue sig-
16
Cad e r n o s d e S a ú d e  Vo l. 3  N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e
nificativamente mayor (p<0.0001) en los pacientes
procedentes de residencias: PSI V en el 77.5% de
los pacientes procedentes de residencias versus
en 16.8% de los que no procedían de residencias.
La evolución en los pacientes con HCAP fue peor
que en los pacientes con NAC, aunque la diferencia en la respuesta clínica (74.6% en los pacientes
procedentes de residencias versus 84.7% en los
pacientes no procedentes de residencias) no fue
estadísticamente significativa (p= 0.08). Sin embargo
cuando se analizó el subgrupo de pacientes tratados
con el carbapenámico (vs. antibióticos parenterales
controles), mientras no se encontraron diferencias
entre los pacientes que no provenían de residencias
(85.4% con ertapenem vs. 84.5% con controles),
sí se encontraron diferencias significativas en el
subgrupo de pacientes residentes en residencias
sanitarias (95.8% con ertapenem vs. 63.8% con controles; p= 0.0034; OR= 13.03; IC95%= 1.61-105.23),
probablemente ligado a la mayor cobertura con
el carbapenámico de los fenotipos de resistencia
presentes en los microorganismos gram-negativos
responsables de la HCAP, y a la ausencia de resistencia a carbapenámicos en S. pneumoniae.
Conclusión
La HCAP es un término relativamente reciente. Su
importancia reside en el creciente número de pacientes que presentan este cuadro ligado a los cuidados
de salud y como consecuencia del envejecimiento
de la población. Sus características clínicas (edad,
comorbilidad, duración de la estancia hospitalaria y
mortalidad) la sitúan entre la NAC y la NN. Su etiología es dependiente del cuidado de salud recibido,
por lo que han de considerarse los fenotipos de
resistencia no sólo de S. pneumoniae sino también
los de bacilos gram-negativos y, en el caso específico
de tratamiento intravenoso y cuidado domiciliario,
de S. aureus. La HCAP es un factor de riesgo de
multirresistencia y todos estos agentes etiológicos
pueden presentarla. Esto unido al envejecimiento
de la población sitúa a la HCAP como un problema
cada vez más prevalente, agravado como ha sugerido
Urban y colaboradores por el hecho de que “El
control de los patógenos multirresistentes emergentes
puede resultar complicado en residencias sanitarias
debido a la ausencia en las mismas de laboratorios
de microbiología, especialistas en enfermedades
infecciosas, farmacéuticos y limitada conciencia del
problema por parte de los responsables del control
de infecciones” (18).
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Infecção em cuidados de saúde – Perspectiva
actual
Health care infection – an overview
Henrique Lecour*
Instituto de Ciências da Saúde, Centro Regional do Porto da Universidade Católica Portuguesa
Resumo
Abstract
Após uma breve resenha sobre a história da infecção nosocomial e sobre seu conceito actual, é chamada atenção para a
relevância que a infecção associada à prestação de cuidados
de saúde actualmente assume, mostrando-se a sua prevalência
em países ocidentais, de elevado nível de desenvolvimento,
onde a infecção nosocomial mostra valores preocupantes, com
graves consequências sociais e económicas, pelo aumento da
morbilidade e da mortalidade que condiciona, e naturalmente
maior sofrimento humano. A instituição de normas de prevenção
adequadas e o seu cumprimento estrito podem reduzir a taxa
de infecção nosocomial, cujo âmbito é hoje mais vasto, pois
abrange toda a infecção que resulte da prestação de cuidados
de saúde, qualquer que seja o local em que sejam praticados.
Referem-se o tipo de infecções mais comuns, bem como os
factores que podem propiciar a sua ocorrência. De igual modo
se realça a crescente eclosão das resistências microbianas e
as normas que devem ser seguidas na prescrição de antibióticos. É chamada a atenção para a importância das funções
que competem às Comissões de Controlo da Infecção, pilar
fulcral nessa luta. A situação vivida em Portugal e a análise
dos vários inquéritos realizados pela Direcção Geral da Saúde
são também focadas.
After a short review on the history of nosocomial infection
and its current concept, the relevance assumed nowadays
by healthcare-associated infections is enhanced. Worrying
nosocomial infection rates are registered in developed Western
Countries, with serious socio-economics repercussions, as
a consequence of the increase in morbidity and mortality
rates. Programmes for the prevention of nosocomial infection
and their strict compliance can reduce its rate. The scope
of nosocomial infection is greater nowadays, as it covers all
healthcare-associated infections independently of the location
where the healthcare is rendered, including health centres
and nursing homes. The more common nosocomial infections
and their etiologic agents, as well as the conditions which
can favour their occurrence are pointed out. The increase of
antimicrobial resistance and the need of guidelines for a correct
use of antibiotics are also enhanced. The fundamental role of
the Health Services for Infection Control is noted.. Finally, the
Portuguese situation and the national surveys on nosocomial
infection prevalence, carried out by the Directorate-General of
Health, are also analyzed.
Key words: nosocomial infection; hospital-acquired infection;
healthcare associated infection 
Palavras-chave: infecção nosocomial; infecção hospitalar;
infecção associada a cuidados de saúde 
Os avanços registados na prestação dos cuidados
de saúde registados a partir da segunda metade
do século passado, aliados à melhoria das condições de vida das populações, levaram a que nos
países desenvolvidos, com um padrão económico
elevado, a esperança de vida e o nível de saúde
alcançassem valores nunca anteriormente atingidos.
Mas simultaneamente a essa evolução verificou-se
a ocorrência de uma taxa de infecções associadas
à prestação de cuidados de saúde cada vez mais
comum, levantando por isso novas e sérias preocupações entre os prestadores desses cuidados, já
que isso era razão de taxas de morbilidade e de
mortalidade crescentes, além de sofrimento humano
e de custos económicos elevados.
A prescrição inadequada e exagerada de medicação antibiótica, a utilização cada vez mais comum
de fármacos depressores da imunidade e de técnicas
* [email protected]
Cadernos de Saúde  Vol. 3  Número especial Infecção Associada à Prática de Cuidados de Saúde – pp. 17-23
18
Cad e r n o s d e S a ú d e  Vo l. 3  N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e
invasivas de diagnóstico e tratamento, aliados ao
envelhecimento da população, constituem no seu
todo os principais factores contribuintes para o incremento dessas situações, ao possibilitarem a criação
de condições para que muitos agentes microbianos
assumissem um papel patogénico, sendo por isso
denominados de agentes oportunistas.
Desde tempos imemoriais era conhecido que a
arte de cuidar doentes poderia ser causa de outras
doenças, conceito já mencionado, quer na literatura
médica oriental, quer posteriormente, nos tratados
escritos por Hipócrates e por Galeno. Mas foi com
Semmweiss, médico húngaro e professor da Escola
Médica de Viena, que em meados do século XIX, foi
pela primeira vez demonstrado o risco de infecção
em cuidados de saúde. Semmweiss notou que as
parturientes internadas na 1ª Clínica Obstétrica do
Hospital Geral de Viena tinham uma taxa de mortalidade por infecção puerperal muito superior à das
parturientes internadas na 2ª Clínica Obstétrica, onde
apenas se fazia o ensino das parteiras, enquanto
na 1ª Clínica se fazia o ensino médico, facto que o
levou a atribuir à circunstância de os médicos e os
alunos de Medicina virem para a enfermaria após
procederem a autópsias sem cuidados de assepsia.
Ordenou então que antes de iniciarem o seu trabalho
na enfermaria, os médicos e os alunos teriam de
lavar as suas mãos com uma solução clorada, o
que teve como consequência uma baixa notória da
taxa de mortalidade por infecção puerperal. Embora
essa medida de higiene hospitalar tomada em 1847
se revestisse de um evidente benefício, ela não foi
bem aceite pelos médicos da sua Escola, só anos
mais tarde sendo divulgada por discípulos seus em
outros centro europeus.
Florence Nightingale, figura maior da Enfermagem,
no seu livro “Notes on Hospitals”, publicado em 1860,
deu conta de maior mortalidade nos doentes tratados
nos hospitais, em comparação com a mortalidade
pelo mesmo tipo de doenças registada nos doentes
tratados fora dos hospitais, fruto das condições aí
existentes. As suas conclusões foram evidenciadas
com a representação gráfica dos dados obtidos,
sendo pois pioneira na utilização da estatística para
demonstração dos resultados, fruto do interesse que
sempre teve pela matemática. A importância das
medidas sanitárias a implementar nos hospitais era
assim evidenciada.
Pasteur, um dos grandes nomes da história da
Bacteriologia, provou a importância da esterilização
pelo calor. Uma sua afirmação, proferida em Abril
de 1873, na Academia Francesa de Medicina, merece
ser citada pelo que revela de conhecimento. Dizia
Pasteur “… se tivesse o privilégio de ser cirurgião
apenas usaria instrumentos limpos, lavaria as minhas
mãos, usaria só esponjas esterilizadas por calor e
teria em atenção os germes em suspensão e em
redor do leito do doente”, afirmação que revela
bem o conhecimento da infecção na época resultar
frequentemente de práticas cirúrgicas sem cuidados
de assepsia.
Joseph Lister, médico britânico, marcado pelos
trabalhos de Pasteur, descobriu em 1865 que o fenol
(ácido carbólico) era um potente antisséptico, dois
anos depois realizando a primeira cirurgia asséptica
com o uso de formol. Embora poucos anos mais
tarde a antissepsia fosse substituída pela assepsia,
Lister é considerado o pai da moderna cirurgia.
Foram diversos os passos que se seguiram para
tornar a cirurgia mais “limpa” e reduzir o risco de
infecções contraídas no meio hospitalar. Assim,
Gustav Neubar, em 1883, inroduziu o uso do avental
cirúrgico, Mikulicz a máscara de gaze e Halsted, o
grande cirurgião americano da viragem do século
XIX, é também referência por ter adoptado o uso
de luvas de borracha.
Carl Flugge, médico e higienista alemão, mostrou a
importância da transmissão aérea de muitos agentes
infecciosos. No entanto, é de salientar que só a partir
do 2º quartel do século XX se dedicou particular
atenção à concepção das salas de operação e à
necessidade da sua ventilação em condições de
assepsia.
A infecção associada à prestação de cuidados
de saúde é vulgarmente designada como infecção
associada a cuidados de saúde. A denominação de
infecção nosocomial, palavra derivada do grego
nosokomeion – nosos (doença) + komeon (cuidar de)
– é muito aplicada no sentido de infecção hospitalar,
mas o seu âmbito é hoje muito mais lato, abrangendo
qualquer infecção não só contraída num hospital,
qualquer que seja o seu campo de acção – hospital
de agudos, de cuidados continuados, de cuidados
paliativos ou outro –, mas também em qualquer
outro local em que sejam prestados cuidados de
saúde, sejam centros de saúde, lares de idosos e
de incapacitados, infantários ou quaisquer outras
instituições, desde que a infecção resulte da prestação
desses cuidados, não estando portanto presente ou
em incubação no momento da admissão, e inclui
também as situações que surgem já após a alta do
estabelecimento de saúde, desde que aí tenham sido
contraídas. Um outro ponto que interessa sublinhar
é que o conceito abrange também a sua ocorrência
Infecção em cuidados de saúde – Perspectiva actual
no pessoal encarregado da prestação dos cuidados,
sempre que resulte do exercício da sua actividade
profissional. Esta alteração ao conceito tradicional de
infecção hospitalar permite cobrir um leque alargado
de situações que anteriormente não era considerado
neste âmbito, embora na realidade resultassem da
prestação desses cuidados.
A título de exemplo da importância que este
problema assume, refira-se um estudo da Organização Mundial da Saúde, que abrangeu 55 hospitais
de catorze países, pertencentes a quatro das seis
regiões da OMS, que mostrou uma incidência média
de infecção nosocomial de 8,7 %. Particularizando
a relevância destas infecções, diga-se que nos Estados Unidos da América, se estima que 1 em cada
10 doentes hospitalizados contrai uma infecção
nosocomial durante o seu internamento por outras
causas, o que corresponde anualmente a cerca
de dois milhões de doentes; a gravidade desse
facto pode ser evidenciada pelo conhecimento da
infecção nosocomial ser uma das principais causas
de morte. Um outro estudo, incidindo em 27 países
europeus revelou uma prevalência de média de
7,7 %, correspondendo a três milhões de casos de
infecção nosocomial e a 50 mil óbitos.
A relevar essa importância, refiram-se os valores
registadas em alguns dos países da Europa Ocidental em que nos inserimos. Assim, em França,
a prevalência da infecção hospitalar foi de 6,7 %
em 1990 e de 5,0 % em 2006, em Itália de 6,7 %
em 2000, o que corresponde a um total entre 450
mil e 700 mil casos e a um número de mortes
estimado entre 4500 e 7000, na Suíça, em 2004, a
taxa de infecção hospitalar foi de 7,2 %, enquanto
em Espanha essa taxa de infecção foi de 6,8 % em
2005. Na Inglaterra, onde em 2006 essa taxa foi de
8,2 %, os doentes com infecção nosocomial têm em
média mais 11 dias de hospitalização, o que acarreta
um custo cerca de 2,8 vezes superior ao dos doentes
sem infecção. Deve contudo, sublinhar-se que a
não uniformidade dos critérios de definição e de
avaliação da infecção hospitalar a que obedeceram
os inquéritos realizados nesses países, cria alguma
dificuldade na comparação das taxas, facto a ter em
atenção na sua apreciação e interpretação.
Interessa ainda referir que se estima que cerca
de um terço das infecções nosocomiais, cujo custo
orça entre 3 e 8 mil milhões de euros, poderia ser
evitado com o cumprimento estrito de medidas de
controlo e com programas de vigilância. De frisar a
propósito, a importância da mera lavagem de mãos
na prevenção da infecção hospitalar.
19
Todos estes números revelam bem o impacto
crescente deste flagelo, que embora mundialmente
espalhado, tem naturalmente maior incidência nos
países em desenvolvimento, onde as condições
sanitárias são deficientes.
A infecção nosocomial condiciona implicações
diversas, pois não só diminui a qualidade de vida
dos doentes por ela afectados, ao ser responsável
por maior morbilidade e mortalidade, e por isso
mesmo causa de sofrimento humano, como ainda,
questão não menos importante, se repercute de
modo notório sob o ponto de vista económico, pois
acresce os custos directos da saúde, já que é causa
de prolongamento do internamento e de recurso
a sofisticados meios de diagnóstico e à prescrição
de antibióticos e de outros fármacos dispendiosos,
para além de implicar maiores custos indirectos pela
incapacidade que origina.
A agravar estas consequências, junta-se ainda a
eclosão cada vez mais disseminada das resistências
microbianas, desafio terapêutico que hoje se põe
no quotidiano dos serviços hospitalares.
Na realidade, o hospital é um local em que são
internados doentes com as situações mais diversas,
muitos deles com imunidade deprimida e por isso
mais susceptíveis à infecção, quer porque sofrem
de patologias que favorecem essa depressão, como
a diabetes, quer por pertencerem a escalões etários
extremos, em que a imunidade é deficitária ou por
estarem desnutridos, quer ainda, por estarem sujeitos a terapêuticas imunossupressoras ou a técnicas
invasivas de diagnóstico e tratamento, que desde
logo rompem as barreiras anatómicas de defesa.
A mobilidade dos profissionais que prestam os
seus cuidados, movendo-se de doente para doente,
muitas vezes sem os adequados cuidados, desde logo
relevando-se a importância da mera lavagem das
mãos, deficiente higiene hospitalar, uso excessivo
de injectáveis e de fluidos, por vezes contaminados,
bem como um processamento inadequado de sangue e de hemoderivados, e ainda, o uso abusivo
de terapêutica antibiótica, propiciando a eclosão
das resistências microbianas, constituem no seu
todo factores propiciadores da infecção nosocomial.
Refira-se a propósito que a importância assumida
pela eclosão das resistências microbianas foi razão
bastante para esse fenómeno ter sido considerado
nos finais do século passado uma das patologias
infecciosas emergentes com que a Humanidade se
defronta.
A infecção nosocomial tem muitas vezes origem
endógena, ou seja, causada pela própria população
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Cad e r n o s d e S a ú d e  Vo l. 3  N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e
microbiana do doente, outras vezes a causa é exógena, quer oriunda de outro doente, quer mesmo
com origem no pessoal prestador dos cuidados,
sendo então denominada de infecção cruzada,
ocorrendo a contaminação por contacto directo,
ou através do ar (poeiras, partículas), ou mesmo
com origem afastada, mas transmitida por alimentos,
pela água ou pelos equipamentos existentes no meio
que rodeia o doente.
Importa, contudo, valorizar-se a destrinça entre a
infecção e a mera colonização, em que a presença
de agentes microbianos não traduz doença, mas
apenas colonização local, situação particularmente
observada na pele, nas mucosas, nas secreções e
nas feridas abertas, pese embora o facto de muitas
vezes os agentes saprófitas poderem ser causa de
doença.
Muitos dos agentes patogénicos, frequentemente
resistentes aos quimioterápicos, colonizam doentes
ou pessoal prestador dos cuidados de saúde, de
que são exemplos, Staphylococcus aureus, que
coloniza a pele e fossas nasais, Pseudomonas spp.,
que coloniza cateteres e canulas, Legionella spp.,
presente nos dispositivos de ar condicionado e
em depósitos de água, Enterococcus vancomicina
resistente, Escherichia coli, Clostridium difficile
e bacilo da tuberculose, multirresistente e extra-multirresistente. Mas não são apenas os agentes
bacterianos causadores deste tipo de infecção, já que
também vírus, como o da hepatite C, o citomegálico,
os norovírus, os adenovírus, o sincicial respiratório
e o rotavírus, estes últimos com especial incidência
em prematuros e crianças de baixa idade, e fungos,
agentes com relevância particular em doentes com
grave depressão da imunidade ou submetidos a
técnicas de tratamento invasivas, são igualmente
causa frequente de infecção associada à prestação
de cuidados de saúde. Refira-se ainda, a possível
ocorrência de surtos de infecção hospitalar causados
por parasitas externos, como é o caso da sarna, em
resultado de deficiente higiene hospitalar.
As condições locais de hospitalização, o tipo de
patologias e de doentes internados, condicionam
diferentes riscos de aquisição de infecção. Assim,
as Unidades de Cuidados Intensivos, em que a
pneumonia associada à ventilação mecânica invasiva
é talvez o exemplo mais marcante, o Bloco Operatório, as Unidades de Oncologia, de Queimados e
de Prematuros, são consideradas locais em que o
risco é muito elevado, em contraste com as unidades
gerais de internamento, em que o risco é naturalmente menor. Naturalmente que um internamento
mais longo é igualmente um factor propiciador de
aquisição de infecção
Por isso mesmo, as normas de planeamento e
construção hospitalar ou de outras instalações de
saúde, têm que atender também à necessidade de
prevenir e obstar à transmissão da infecção, quer
na planificação e arquitectura das instalações, quer
na sua construção, quer ainda na sua climatização
e ventilação, instalação de lavatórios em número
suficiente, criação de barreiras sanitárias, áreas de
isolamento, sistemas de tratamento dos lixos, circulação de pessoas e bens, áreas de descontaminação
e de esterilização, entre tantas outras condicionantes
a atender.
Se o problema da infecção associada aos cuidados
de saúde se põe com maior acuidade no meio
hospitalar, a sua ocorrência tem cada vez mais uma
expressão mais alargada, fruto dos cuidados de saúde
serem também prestados noutros locais, de que o
melhor exemplo são a cirurgia em ambulatório e
os cuidados prestados nos Centros de Saúde, sem
esquecer a prestação desses cuidados nas residências de idosos e de deficientes, e em infantários e
creches. A circunstância da população a que essas
instituições prestam apoio requerer muitas vezes
cuidados de saúde que implicam repetidos internamentos hospitalares, retornando à instituição em que
decorre a sua vida quando o seu estado de saúde
recupera, faz com que a população microbiana tenda
a uniformizar-se pela consequente disseminação
na comunidade das espécies predominantemente
hospitalares e das suas resistências, desse modo se
apagando progressivamente o fosso entre o meio
hospitalar e a população microbiana dominante
nessas instituições inseridas na comunidade. Este
conhecimento deve ser tido em atenção quando
da prescrição do tratamento de uma infecção que
surja nos doentes tratados em meio extra-hospitalar,
de que a pneumonia adquirida em lares de idosos
(NHAP acrónimo de “Nursing Acquired Associated
Pneumonia”) é um bom exemplo.
As infecções mais comuns resultantes da prestação
de cuidados de saúde são as infecções urinárias, a
que se seguem as infecções respiratórias do tracto
inferior, incluindo a pneumonia, as infecções do
local cirúrgico, infecções da corrente sanguínea,
as infecções da pele e tecidos moles, as infecções
gastro-intestinais, e como expoente de maior gravidade, a sepsis. Esta ordenação europeia é similar
à registada pelo National Nosocomial Infections
Surveillance System (NNIS) dos Centers for Disease
Control (CDC)
Infecção em cuidados de saúde – Perspectiva actual
A decisão de instituir uma terapêutica antibiótica não deve apoiar-se apenas na informação
do antibiograma, conquanto este seja um dado
fundamental que deve sempre ser solicitado, pois
devem conhecer-se os padrões de resistência microbiana existentes na instituição em que ocorreu a
infecção ou na comunidade quando for caso disso,
bem como atender-se também à farmacocinética e
à farmacodinamia do antibiótico, aos seus efeitos
adversos e toxicidade, à comodidade de administração e ao seu custo, importando ainda, considerar
o local e natureza da infecção, a idade do doente
(particularmente se recém-nascido, criança ou idoso)
e à eventual coexistência de outras patologias que
possam interferir com a metabolização do antibiótico.
São múltiplas as razões do fracasso da terapêutica
antibiótica, desde logo o atraso no diagnóstico ou
na terapêutica instituída, o erro no diagnóstico, em
face de uma situação de etiologia vírica ou fúngica,
ou mesmo não infecciosa, ou ainda, o desconhecimento do padrão de sensibilidade antibiótica, além
de factores locais, como sejam uma insuficiente
concentração local do antibiótico, ou a existência
no local da infecção de uma colecção purulenta,
de tecido necrosado ou de um corpo estranho,
condições que na maioria das vezes obrigam ao
recurso a uma actuação cirúrgica de drenagem ou
de desbridamento e limpeza. Obviamente que a
existência de uma depressão imunitária ou de uma
super-infecção de diferente etiologia são, também,
factores que podem ser razão desse fracasso.
A estratégia de controlo das resistências microbianas, factor de grande relevância no tema das
infecções nosocomiais, implica uma vigilância laboratorial permanente e atenta, quer da rede pública,
quer da rede privada, que possibilite o fornecimento
à instituição que centralize a informação recebida
um conhecimento atempado e periódico sobre as
espécies microbianas prevalentes em meio hospitalar
e na comunidade, bem como os seus padrões de
resistência.
Um controlo estrito neste campo implica, ainda, a
monitorização do consumo de antibióticos, restrições
ao uso de certos antibióticos, sua rotação, e recomendações terapêuticas periodicamente actualizadas,
com o propósito de uma boa prática na prescrição
desses fármacos. Naturalmente que deve atender-se
também, à formação do pessoal sanitário e à própria
educação dos doentes e da comunidade, sublinhando
a importância dos antibióticos, as suas indicações
e limitações.
21
Embora as resistências bacterianas sejam as que
mais atenção despertam, há igualmente que atender às resistências víricas, de que o exemplo mais
evidente seja talvez a situação que hoje se vive no
tratamento da infecção por vírus da imunodeficiência humana, em que a eclosão de resistências é o
maior obstáculo à eficácia da terapêutica, bem como
ao aparecimento de resistências aos antifúngicos,
criando-se assim, um enorme óbice ao tratamento
desse tipo de infecções, que na sua feição sistémica
ocorrem fundamentalmente em doentes vulneráveis
e em situações de grande gravidade.
Desnecessário, por evidente, será realçar a
importância das Comissões de Controlo da Infecção
Nosocomial, cujo papel é crucial na detecção e na
imediata contenção de qualquer surto, assim como
na sua prevenção e na formação e informação dos
profissionais de saúde. Para o exercício cabal das
suas funções as Comissões deverão ter autonomia
plena e apoio dos Órgãos de Gestão, bem como
competências bem definidas, composição adequada,
infra-estruturas de apoio e instalações próprias. Longe
vai o tempo em que esse trabalho era desempenhado
como um complemento de outras funções e sem
competências atribuídas, apoiado fundamentalmente
no seu empenhamento e entusiasmo.
A prevenção da infecção associada aos cuidados
de saúde implica, ainda, a instituição de programas
internacionais e nacionais, a par obviamente de
programas locais.
Naturalmente que é necessária uma articulação
íntima entre o hospital e as instituições prestadoras
de serviços de saúde que com ele se interligam.
A detecção das infecções que surgem nesses locais
é também um ponto a considerar, até porque muitas
vezes a infecção contraída em meio hospitalar só
vai ocorrer após a alta.
Refira-se, ainda, a necessidade de investigação de
novos antibióticos com diferentes mecanismos de
actuação, bem como a investigação dos mecanismos
de resistência microbiana. Um outro ponto que
neste capítulo merece também uma chamada de
atenção é a interdição do emprego de antibióticos
na agropecuária, quer com objectivo profilático, quer
como promotores de crescimento, bem como o seu
uso na aquacultura e na hortifruticultura, interdição
já assumida pela União Europeia, dado o risco de
favorecer a eclosão de resistências bacterianas.
A prevenção da maioria das infecções nosocomiais
pode ser conseguida através de estratégias de baixo
custo, desde logo o cumprimento estrito das mais
simples práticas de higiene, tais como a lavagem
22
Cad e r n o s d e S a ú d e  Vo l. 3  N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e
de mãos, o uso de luvas e de roupas de protecção.
Outras medidas impõem o processamento adequado
da lavagem, descontaminação e esterilização ou
desinfecção dos instrumentos utilizados, assim como,
a melhoria das condições de segurança nas salas
operatórias e nos locais de maior risco. Obviamente
que os objectivos da prevenção só podem ser atingidos com o cumprimento de elevados padrões
de qualidade dos cuidados prestados, só possíveis
de serem alcançados com formação e informação
adequadas dos profissionais, e com normas instituídas por programas nacionais, regionais e de cada
instituição
Em Portugal, foi em 1930 que a Direcção de
Saúde pela primeira vez chamou a atenção para
a importância da infecção hospitalar, mas só cerca
de 40 anos depois, em 1979, a então existente
Direcção Geral dos Hospitais, voltou a abordar o
tema. Passaram-se mais de 27 anos em que o tema
da infecção hospitalar apenas foi alvo de medidas
avulsas ao nível dos hospitais de maior dimensão,
muito resultantes do empenhamento de profissionais com maior sensibilidade para o problema. Em
1996, foram instituídas as Comissões de Controlo da
Infecção (CCI), sob a égide da Direcção-Geral da
Saúde (DGS). Na viragem do milénio – em 1999 – a
DGS instituiu o Programa Nacional Contra a Infecção
(PNCI), anos mais tarde inserido no Plano Nacional
de Saúde para 2004-2010
Em 2006 foi fundada a Associação Portuguesa de
Infecção Hospitalar, sociedade científica de cariz
privado que, através de reuniões anuais realizadas
em vários hospitais do País, tem vindo a debater o
tema na procura de propostas que permitam minorar
a sua importância.
A situação vivida no País pode ser avaliada pela
leitura dos inquéritos nacionais realizados nos últimos
vinte anos, em que participou um número crescente
de hospitais, predominantemente, mas não exclusivamente, da rede pública, e que abrangeram um
número cada vez maior de doentes hospitalizados:
10 117 em 1988, em evidente contraste com os
21 459 doentes sobre os quais incidiu o inquérito
em 2009 (Quadro).
A prevalência de infecção hospitalar foi de 9,8 %
em 2009, valor na mesma ordem de grandeza das
taxas registadas nos inquéritos anteriores, que
oscilaram entre 9,3 % em 1994, e 10,0 % em 1988.
O último inquérito permitiu, ainda, conhecer a
prevalência da patologia infecciosa hospitalizada, mas
adquirida na comunidade, o predomínio etário da
infecção nosocomial, bem como a sua distribuição
por áreas de internamento e por agente bacteriano.
Os inquéritos efectuados não abrangeram obviamente a infecção nosocomial que ocorre na prática
ambulatória, nem nas instituições não hospitalares
prestadoras de cuidados de saúde, áreas que interessa
também avaliar pese embora as dificuldades que o
seu conhecimento implica.
O conhecimento de surtos de infecção hospitalar,
com morte de doentes, que se verificaram nos
últimos anos em vários hospitais do País, criou na
população um sentimento de insegurança, já que
foram largamente noticiados pela comunicação social.
O primeiro deles, ocorrido em 2003 no Serviço de
Pediatria do Hospital de Guimarães, causado por
um adenovírus, foi responsável pela morte de três
lactentes e levou ao encerramento temporário do
serviço. Um outro surto, da responsabilidade de
Acinetobacter baumannii, causou a morte de quatro
idosos no Hospital de Pombal. Já no corrente ano,
no passado mês de Maio, um surto causado por
Clostridium difficile levou à morte de nove doentes
no Hospital de Faro. Outros surtos de infecção
nosocomial, embora menos divulgados, têm por
todo o País obrigado ao encerramento temporário
de Unidades de Cuidados Intensivos e de outros
serviços hospitalares.
A DGS reformulou recentemente o PNCI, com
objectivo de conhecer atempadamente a realidade
nacional sobre as infecções em cuidados de saúde,
através da sistematização do registo, análise,
Quadro – Inquéritos sobre taxas de infecção nosocomial em Portugal
1988
(SIGS)
1994
(IGIF)
2003
(PNCI/INSA)
2009
(PNCI/INSA)
Total de hospitais
71
65
76
114
Total de doentes
10 117
9 331
16 579
21 459
Taxa de infecção
10,0 %
9,3 %
9,9 %
9,8 %
Nota: o inquérito efectuado em 25 de Março só foi divulgado em Março de 2010
SIGS – Sistema de Informação para a Gestão de Serviços de Saúde
IGIF – Instituto de Gestão Informática e Financeira
PNCI/INSA – Plano Nacional Contra a Infecção/Instituto Nacional de Saúde
Infecção em cuidados de saúde – Perspectiva actual
interpretação e informação de retorno, com objectivo
de a longo prazo reduzir a nível nacional a incidência
destas infecções, para o que devem ser instituídas
normas essenciais sobre a sua prevenção e controlo,
bem como organizar as Comissões de Controlo da
Infecção, que devem ter forte apoio institucional.
Estas medidas deverão permitir a criação de uma
Rede Nacional de Registo de IACS e a participação
activa e fiável na Rede Europeia de Vigilância
Epidemiológica no âmbito do European Center for
Disease Control (ECDC). A participação portuguesa
no Projecto HELICS (Hospitals in Europe Link for
Infection Control through Surveillance) é já um
passo para essa integração, que de resto tende a
uniformizar os critérios seguidos nos seus inquéritos,
para que seja possível a comparação fiável dos
resultados obtidos.
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Epidemiology of healthcare-associated infection
Luís Marques Lito *
Serviço de Patologia Clinica; Comissão de Controlo de Infecção do Centro Hospitalar Lisboa Norte
Resumo
Abstract
A Infecção Associada aos Cuidados de Saúde (IACS) é
uma afecção que decorre como consequência de uma intervenção médica no doente, seja ela diagnóstica, terapêutica
ou profiláctica. Para o seu estudo, os conceitos que nos são
facultados pela epidemiologia são essenciais para descrever a
sua história natural, desde a sua detecção, ao conhecimento
da sua etiologia, à compreensão da sua distribuição e à determinação dos métodos para a sua prevenção ou controlo. Na
cadeia epidemiológica, as variáveis da infecção a considerar
são os microrganismos e os seus reservatórios e/ou fontes,
o hospedeiro e as vias de transmissão. Com o conhecimento
e estudo destas variáveis é possível implementar programas
de vigilância epidemiológica que têm como principal objectivo
conhecer a cada momento a realidade no que respeita às
IACS, com implicações directas à definição das medidas de
prevenção, quer seja primária, secundária ou terciária.
Palavras-chave: Infecção associada aos cuidados de
saúde (IACS), epidemiologia, vigilância epidemiológica das
IACS, “bundle”, prevenção das IACS. 
A Infecção Associada aos Cuidados de Saúde
(IACS) é actualmente reconhecida como uma entidade que deve merecer atenção particular por parte
de todos os profissionais que prestam cuidados
de saúde. A IACS é considerada um indicador da
qualidade dos cuidados prestados aos doentes nas
unidades de saúde. Todos se devem empenhar
na implementação dos comportamentos necessários para prevenir e controlar a infecção. É assim
reconhecida a necessidade de promover acções
de formação sobre as medidas de prevenção e
controlo das IACS, dirigida a todos os grupos de
profissionais que desempenham actividades na
The Health Care Associated Infection (HCAI) is a consequence
of a medical intervention on the patient, whether diagnostic,
therapeutic or prophylactic. For its study, the epidemiological
concepts are essentials to describe its natural history, since the
detection, to the knowledge of the etiology, to the comprehension
of its distribution and to the determination of the methods to
its prevention or control. On the epidemiological chain, the
infection variables to consider are the microorganisms and its
reservoirs and/or sources, the host and the route of transfer
of microorganism or route of infection. With the knowledge
and study of these variables it is possible to implement
epidemiological surveillance programs with the main objective
of knowing in each moment the reality concerning the HCAI,
with direct implications on the definition of preventive measures,
whether primary, secondary or tertiary.
Keywords: Healthcare-associated infection (HAI),
epidemiology, HAI surveillance, bundle care, HAI prevention. 
prestação de cuidados de saúde ou que desempenhem qualquer outra actividade realizada nas áreas
onde se encontrem doentes, como por exemplo,
as equipas de limpeza.
O Controlo da Infecção é uma disciplina que
aplica os princípios científicos da epidemiologia
e análise estatística com a finalidade de evitar a
infecção ou diminuir a sua frequência. Dentro da
Epidemiologia das Afecções Hospitalares, o Controlo
de Infecção é pois, um dos componentes-chave. Está
provado que a institucionalização de programas de
controlo de infecção é capaz de reduzir as taxas de
IACS e o esforço financeiro para a sua aplicação
* [email protected]
Cadernos de Saúde  Vol. 3  Número especial Infecção Associada à Prática de Cuidados de Saúde – pp. 25-31
26
Cad e r n o s d e S a ú d e  Vo l. 3  N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e
nas instituições que prestam cuidados de saúde é,
a médio e longo prazo, rentável. (1)
Epidemiologia
Se considerarmos a etimologia da palavra, “Epi”
(sobre), “demos” (povo) e “logos” (estudo de), a epidemiologia é “o estudo do que acontece às pessoas”.
Definimos epidemiologia como o estudo dinâmico
das determinantes, ocorrência e distribuição da saúde
e doença numa população. (2)
Assim, a actividade epidemiológica procura
observar e enumerar as variáveis implicadas num
determinado acontecimento, anotar as relações entre
as variáveis observadas e tirar conclusões da sua
natureza, e determinar as implicações das relações
identificadas. Tem como seus objectivos compreender
as causas da doença, explicar as características do seu
aparecimento e distribuição, descrever a sua história
natural e estudar os métodos para a sua prevenção
ou controlo. Estes objectivos poderemos sintetizá-los
no seguinte conceito: – “O conhecimento da história
natural de uma doença aponta o caminho para a
reduzir ou erradicar”.
A história é rica em autores que investigaram
situações infecciosas, estudaram as variáveis
envolvidas, analisaram as relações entre estas e
apontaram medidas para o seu controlo. Desde
as civilizações mais antigas, do Egipto à China, há
referências sobre a importância das medidas de
higiene como factor de prevenção das doenças. Na
Biblia há várias descrições e até leis, que apontam
para medidas de saúde pública, para além da
necessidade de medidas de higiene individual,
determina cuidados na alimentação, a necessidade
de criar locais para colocação de resíduos ou
o isolamento de doentes com doenças que se
detectaram ser transmissíveis, como, por exemplo, a
lepra. O que não deixa de ser interessante observar
é que os microrganismos só foram descobertos
com a construção do primeiro microscópio por
Leewenhoeck (1667) e que a relação dos animálculos, tal como então foram denominados os
microrganismos, como agentes responsáveis por
infecções só foi determinada por Louis Pasteur
(1861) e por Robert Kock (1884). Ainda antes
destes cientistas terem descoberto esta relação,
já Semmelweis, obstetra em Viena, verificando a
grande incidência de infecção puerperal, realizou
um minucioso estudo epidemiológico que o levou
a demonstrar a importância das mãos como veículo
de transmissão desta infecção para as parturientes
e demonstrou a importância da higiene das mãos
no controlo destas infecções (1847). (3)
A Infecção Associada aos Cuidados de Saúde é,
por definição, aquela que ocorre como consequência
de qualquer acto de prestação de cuidados de saúde,
quer seja diagnóstico, terapêutico ou profiláctico.
Desta definição podemos dizer que a IACS é sempre
uma afecção iatrogénica.
As IACS assumem uma importância crescente, principalmente porque é reconhecida a sua interferência
significativa na morbilidade e na mortalidade, mas
também pelos custos directos e indirectos associados.
Os meios de tratamento cada vez mais eficazes,
como o suporte de vida em situações nosológicas
muito graves, encerram em si também maior risco
de IACS. Também se encontra, com alguma frequência, dificuldade em controlar a emergência e a
propagação de infecções causadas por agentes de
difícil erradicação. Concomitantemente os microrganismos alteram a sua estrutura podendo modificar
os seus mecanismos de virulência, a sua estrutura
antigénica ou a susceptibilidade aos antimicrobianos.
Particularmente a resistência aos antimicrobianos
assume hoje uma preocupação crescente por parte
dos responsáveis pelas políticas de saúde.
A terapêutica antimicrobiana é uma variável a ter
em conta, pois tem implicações, quer no agente na
medida em que pode estimular a emergência de
resistências, quer no hospedeiro ao alterar a sua
ecologia microbiana habitual – a flora indígena –,
alterando-lhe um dos seus mecanismos de defesa
mais importantes – a resistência à colonização.
Para que seja possível o aparecimento de infecção.
é requerido que estejam presentes as seguintes
condições:
1. Número adequado de agentes patogénicos
(inoculo microbiano), variável consoante a
espécie e o estado imunitário do hospedeiro
2. Existência de um reservatório ou fonte onde o
microrganismo sobreviva e possa multiplicar-se
3. Via de transmissão do agente para o hospedeiro
4. Porta de entrada do hospedeiro específica para
o agente patogénico (há especificidade entre
microrganismos e capacidade de desencadear
doença em orgãos ou sistemas específicos do
hospedeiro)
5. Que o hospedeiro seja susceptível ao agente
microbiano, isto é, que não tenha imunidade
ao agente.
À ocorrência destes sucessivos acontecimentos
denominamos “Cadeia da Infecção”. As estratégias de
Epidemiologia da infecção hospitalar
controlo de infecção eficiente e eficaz têm que ter
em conta esta sequência, prevenindo a transferência
dos agentes pela interrupção de uma ou mais das
ligações desta “Cadeia de Infecção”. (4)
Para determinar a abordagem epidemiológica é
conveniente ter presente o tipo de história natural
das doenças, pois equaciona medidas diferentes de
prevenção e controlo:
–D
oença de evolução aguda, rapidamente fatal
– Doença de evolução aguda mas de rápida
recuperação
– Doença de evolução subclínica (sem sintomas
nem sinais clínicos – só com repercussão imunológica)
– Doença de evolução crónica (que pode evoluir
até à morte se não for tratada ou quando não
existe tratamento eficaz)
– Doença de evolução crónica com períodos
assintomáticos alternados com exacerbações
clínicas
O espectro de ocorrência de infecção é também
um dado epidemiológico na estratégia a implementar
para a prevenção e controlo. Temos de considerar
neste contexto que a infecção pode ocorrer de
forma esporádica, sem um padrão definido, de
forma endémica, isto é com uma frequência mais
ou menos regular em períodos de tempo definidos
e ainda de forma epidémica, também denominada
por surtos, em que surge com aumento significativo
de casos em relação ao habitual num período de
tempo determinado. (5)
São três os elementos clássicos da cadeia epidemiológica e também na epidemiologia da infecção:
o agente, o hospedeiro e o ambiente. (5, 6)
Quando transportamos estes elementos para a
epidemiologia das situações infecciosas podemos
substituir a variável ambiente pelas vias de transmissão, pois a influência do ambiente inanimado
reflecte o comportamento do ambiente animado, isto
é, na patogenia da infecção, os agentes microbianos
existentes nos reservatórios ambientais com os quais
o doente não contacta, só assumem importância
quando existe um veículo “animado” que os transfere desse habitat habitual (reservatório ou fonte)
para o hospedeiro susceptível. Este veículo tanto
pode ser um elemento humano, como é qualquer
profissional que preste cuidados aos doentes, ou um
equipamento contaminado que entre em contacto
com o hospedeiro. (6)
27
Microrganismos, reservatório e fonte
Os microrganismos estão contidos habitualmente
num reservatório que se define como o local onde
residem, têm a sua actividade metabólica habitual
e se multiplicam (habitat natural). Em múltiplas
situações, estes agentes infecciosos são transferidos
deste reservatório para um outro local denominado
fonte, do qual são transferidos depois para o hospedeiro. Deste modo o reservatório e a fonte de um
agente responsável por uma infecção podem ser os
mesmos ou não. Do ponto de vista epidemiológico
o conhecimento deste facto é importante.
A fonte dos microrganismos pode ser exógena,
portanto exterior ao hospedeiro, endógena, proveniente da flora indígena do próprio hospedeiro
ou ainda secundariamente endógena, conceito que
não é aceite por muitos autores e que se refere aos
agentes que provêm do exterior e que colonizam
pele, mucosas ou outro local anatómico do hospedeiro, posteriormente tornar-se agente de infecção
quando atinge um órgão específico para o qual
tenha capacidade de desencadear infecção.
Alguns exemplos de infecções exógenas são
aqueles em que o agente é transportado a partir
de líquidos contaminados, através da formação de
aerossóis (p.ex. aspiração de secreções) ou a partir
de pessoa colonizada ou infectada que pode emitir
gotículas ou contaminar ambientes que entrem em
contacto com outros possíveis hospedeiros susceptíveis (p. ex. transmissão do vírus da gripe). No
caso das infecções endógenas, o reservatório e a
fonte são geralmente coincidentes. Por exemplo, a
pneumonia associada à ventilação é causada por
agentes da orofaringe do doente ou a infecção
associada ao cateter vascular é mais frequentemente
causada pela flora cutânea ou, ainda, os agentes da
infecção urinária residem geralmente no intestino
ou no períneo do próprio doente.
Vias de Transmissão
Qualquer mecanismo pelo qual um agente infeccioso se propaga e difunde pelo meio ambiente e
atinge hospedeiros susceptíveis constitui a via de
transmissão. Esta propagação ou transmissão do
reservatório ou fonte, pode ser directa ou indirecta.
Na transmissão directa há o contacto imediato entre
uma porta de entrada receptiva do hospedeiro e
o reservatório. Na transmissão indirecta o agente
atinge a porta de entrada no hospedeiro através de
um veículo intermediário, por contacto físico com
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um veículo inanimado, por exemplo equipamento
contaminado, ou com um veículo animado, como
as mãos, ou por gotículas, partículas líquidas com
diâmetro superior a 5 mm que devido ao seu peso se
depositam rapidamente e geralmente a uma distância
não superior a um metro. A transmissão indirecta
também se pode realizar por via aerogénea, através
de aerossóis, de esporos microbianos, de poeiras
contaminadas, entre outros. (5)
A nível dos cuidados de saúde assume particular
importância a produção de aerossóis que são partículas com diâmetro inferior a 5 mm (droplet nuclei)
que no seu interior podem conter microrganismos
viáveis, mantêm-se no ar durante muito tempo,
podem ser transportadas à distância e, pela sua
dimensão, podem ser inaladas por um hospedeiro
susceptível e atingir com facilidade o pulmão, ultrapassando as barreiras mecânicas de defesa das vias
aéreas. Os aerossóis podem ser produzidos pela
tosse, espirro, canto ou fala, por humidificadores,
nebulizadores, máscaras de oxigénio, aspiração de
secreções ou ainda por chuveiros ou torneiras abertas
intempestivamente, entre outros. A via aérea não é a
principal via de transmissão de agentes microbianos
nos locais onde se prestam cuidados de saúde em
regime de internamento. No entanto, é necessário
ter presente que há microrganismos infecciosos que
se transmitem obrigatoriamente através de aerossóis
contaminados, como é o caso da transmissão do
Micobacterium tuberculosis e da Legionella pneumophila. Há outros agentes que se transmitem de forma
preferencial por esta via, como os vírus do sarampo
e da varicela ou ainda nalgumas circunstâncias de
forma oportunista, como é a transmissão do vírus
da gripe (Virus Influenza). (6)
Nas unidades de prestação de cuidados de saúde
a via de contacto é, seguramente, a mais frequentemente implicada na génese das IACS. É aceite por
toda a comunidade científica que as mãos são o
principal veículo de transmissão. Como referido, as
gotículas constituem uma forma particular de transmissão por contacto, pois, quando há proximidade
excessiva (inferior a um metro), estas partículas
podem atingir directamente uma porta de entrada
dum hospedeiro receptor e também ao depositarem-se no ambiente a curta distância do emissor, são
indirectamente transferidas para o receptor através
de um veículo animado, o principal sendo as mãos
dos profissionais prestadores de cuidados de saúde
ou dos próprios doentes.
Hospedeiro
Outro dos elementos da cadeia epidemiológica da
infecção é o hospedeiro. Para que ocorra infecção
é necessário que o agente entre em contacto com
uma porta de entrada específica no hospedeiro,
para a qual o agente tenha afinidade e capacidade
de nesse local poder manifestar os seus mecanismos
de infecciosidade, desencadeando o processo
infeccioso. Mas para que o microrganismo tenha
a possibilidade de manifestar esta capacidade é
necessário que os mecanismos de defesa específicos
(p. ex. a imunidade) e não específicos (p. ex.
resposta inflamatória, barreiras mecânicas, presença
de flora indígena) sejam ultrapassados pelo agente
infeccioso.
Com efeito, a resistência individual à infecção é
muito variável, dependendo da idade, do estado
imunitário, da presença de doenças subjacentes
ou ainda da prestação de cuidados de saúde que
podem interferir com os mecanismos de defesa do
hospedeiro, como são os procedimentos cirúrgicos,
procedimentos invasivos de diagnóstico ou terapêuticos, utilização de agentes terapêuticos como
os antimicrobianos ou quimioterapia para doenças
neoplásicas, entre outros. Em síntese, para que seja
possível surgir um quadro infeccioso, o microrganismo tem que ter acesso a uma porta de entrada
que lhe seja favorável, que tenha afinidade para o
tecido em causa e que o inoculo seja suficiente para
desencadear a infecção. Para que ocorra a infecção
é necessário que exista um desequilíbrio entre o
inoculo e virulência do microrganismo e as defesas
do hospedeiro. (6)
Vigilância epidemiológica
Decorrente do conhecimento dos conceitos
epidemiológicos, ao conhecer os mecanismos da
doença, as variáveis envolvidas e as consequências
da sua interacção importa aplicá-los com o objectivo
de procurar interferir com as consequências dessa
relação, prevenindo os potenciais efeitos deletérios
ou implementar mecanismos para controlar a sua propagação. Para atingir este objectivo, implementam-se
mecanismos de vigilância epidemiológica (VE). Com
Hughes poderemos definir vigilância epidemiológica como sendo a observação contínua, activa e
sistemática da ocorrência e distribuição de doença
numa população, com análise dos resultados e
respectiva divulgação, que permita tomar as medidas
apropriadas para o seu controlo. (7)
Epidemiologia da infecção hospitalar
A vigilância epidemiológica das IACS é uma actividade fundamental para a instituição de medidas
de prevenção e controlo. Os objectivos da VE das
IACS são a avaliação de forma contínua ou periódica,
mas sistemática, das taxas de infecção estratificadas
por níveis de risco, com a finalidade de, ao monitorizar a evolução destas taxas, definir níveis de
incidência mínimos das infecções nas unidades de
saúde, encorajar ao cumprimento de boas práticas,
detectar procedimentos menos correctos e corrigi-los
e detectar precocemente o aparecimento de situações
de surtos de infecção.
Com este objectivo têm de existir programas de
procura activa no sentido de detectar precocemente
casos de infecção, implementando metodologias de
VE selectiva de acordo com os níveis de risco, isto
é, incidindo especialmente a atenção nas infecções
mais frequentes, nas de custos mais elevados e
ainda nas que são passíveis de medidas de prevenção mais eficazes. Não se justifica actualmente,
dada a variedade e complexidade dos cuidados
de saúde que é actualmente possível prestar aos
doentes, procurar obter taxas de incidência total
das IACS.
Os resultados obtidos com a VE procurando obter
as taxas de incidência de todas as IACS é um método
consumidor de tempo, de difícil obtenção com rigor
e de difícil, se não impossível, obtenção de dados
que permitam detectar factores de risco e atingir
o objectivo fundamental de qualquer programa de
VE, sua prevenção e controlo. Deste modo, a VE
das IACS deve incidir nos doentes de maior risco,
nas infecções mais graves, nas infecções evitáveis
ou noutra variável específica que encerre em si a
potencialidade de desencadear um quadro infeccioso,
como por exemplo, as infecções relacionadas com
os procedimentos endoscópicos ou as infecções do
local cirúrgico.
Qualquer programa de VE tem de considerar
algumas características para que se consigam obter
os objectivos a que se propõe. Deve ser prospectiva, activa, contínua ou periódica, consoante as
situações em estudo, deve ser adaptada a cada
instituição, deve ser acompanhada de formação e
informação, os seus resultados devem ser avaliados
criticamente no sentido de se obterem conclusões.
Condição sine qua non num programa de VE, é a
existência obrigatória de feedback da informação
obtida para os respectivos profissionais que executam
os procedimentos sujeitos a VE e, inerente a esta
actividade, a obrigatoriedade da confidencialidade
dos dados obtidos.
29
Para que seja possível um programa de VE
das IACS com qualidade, são necessários alguns
requisitos de que se destacam a existência de um
laboratório de microbiologia e a correcta utilização
deste, solicitando-se os exames que estão indicados
para que seja possível fazer o diagnóstico etiológico
das infecções, a capacidade da comissão de controlo
de infecção estudar os dados recolhidos e ter os
meios necessários para esta tarefa, nomeadamente o
tratamento informático dos dados destes programas,
e ainda por uma correcta gestão do controlo da
transmissão de estirpes multiresistentes quer na
instituição quer após a alta hospitalar, isto é, criar
interacção entre os serviços de saúde com internamento e os serviços de prestação de cuidados
primários.
Um programa de VE nas unidades de saúde
deve incluir também auditorias periódicas quer às
estruturas que podem ter implicações directas na
emergência ou transmissão de agentes microbianos
potencialmente patogénicos (p. ex. estruturas para
a higienização das mãos) ou de práticas de risco
(p. ex. procedimentos de colocação e manutenção
de cateteres venosos centrais).
A monitorização das infecções deve, como já
referido, seguir um programa com características que
o permitam ser eficaz. Para obter este desiderato, os
dados deverão ser de simples colheita, devem ser
padronizados sempre que possível a nível nacional
ou internacional, nomeadamente tem que existir
uma definição clara dos termos utilizados, devem
fornecer medidas específicas e quantitativas, devem
ainda permitir implementar e reavaliar intervenções,
e ter a possibilidade de monitorizar os resultados de
acordo com o número e o tempo de exposição a
dispositivos invasivos, pois o maior risco de infecção
prende-se com a utilização destes dispositivos e,
frequentemente, as infecções evitáveis estão estritamente relacionadas com estes.
Destes conceitos decorre que na análise dos dados
obtidos, para serem comparáveis, ter-se-á sempre
que determinar denominadores fiáveis. Por exemplo,
para determinar a taxa de incidência das infecções
da corrente sanguínea decorrente do internamento,
esta deve ser expressa por 1000 doentes admitidos
no período de tempo do estudo. Outro exemplo
que se prende com a exposição a factores de risco
é o das infecções relacionadas com a utilização de
cateteres venosos centrais em que o numerador é o
número de infecções durante o período em estudo
e o denominador o número de dias de utilização
de cateter central, em todos os doentes sujeitos a
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este procedimento durante esse mesmo período de
estudo (nº de infecções / 1000 dias de exposição). (5)
Muitos são os trabalhos publicados que demonstram a importância de programas de VE na prevenção
das IACS. Como exemplo, um importante estudo de
vigilância epidemiológica das infecções relacionadas
com cateteres venosos centrais (CVC) realizado nos
EUA (em vários hospitais de Michigan, incluindo
Jonh Hopkins Hospital), demonstra com a realização
de um estudo prospectivo, como a importância de
uma activa intervenção no cumprimento das regras
de colocação e manutenção destes dispositivos,
conseguiu reduzir a incidência destas infecções de
11,3/1000 dias de CVC para uma incidência nula
(0/1000 dias de CVC). (5, 6)
Decorrente das observações epidemiológicas, The
Institute for Healthcare Improvement desenvolveu o
conceito de “bundles” para ajudar os prestadores
de cuidados de saúde a melhorar a capacidade e
qualidade dos procedimentos em cuidados de saúde.
Este conceito engloba um conjunto de actos que
individualmente são considerados como eficazes
para a qualidade de um determinado cuidado de
saúde e que, quando utilizados e monitorizados
em conjunto (bundle), o resultado é potenciado
em comparação com a avaliação da implementação
de cada acto per si. Para que haja consistência
nestas práticas, isto é para que seja satisfeito este
critério de avaliação conjunta dos actos envolvidos
em determinado processo (bundle), cada conjunto
de acções deve ser realizado por toda a equipa de
prestação de cuidados, em todos os momentos e
em todos os doentes. (10) No exemplo citado da
prevenção da infecção relacionada com os cateteres
venosos centrais (CVC), foi criado e monitorizado
um conjunto de acções que, com a sua aplicação,
permitiu a eficaz prevenção das infecções relacionadas com este procedimento.
Estas acções monitorizadas em conjunto, incluíram desinfecção das mãos, utilização de barreiras
de protecção máximas, que abrangeu a correcta
utilização dos equipamentos de protecção individual
(batas, máscaras, luvas e outros), desinfecção da
pele no local de inserção com soluto alcoólico de
clorohexidina, evitar o acesso femoral sempre que
existisse outra localização alternativa e retirada do
CVC tão depressa fosse possível, minimizando assim,
a acção do factor de risco. (8, 9)
Este conceito de vigilância epidemiológica através
da monitorização destes conjuntos de acções associadas a um procedimento específico de cuidado de
saúde, é uma forma que não se aplica a todos os
tipos de cuidados, mas é, seguramente, uma importante metodologia a adoptar em muitas situações.
Existem actualmente estudos sobre a utilização desta
metodologia aplicada à prevenção da pneumonia
associada à ventilação assistida e à prevenção da
sépsis, entre outros. (10)
Prevenção da Infecção
Corolário de todos os conceitos epidemiológicos,
o objectivo essencial da aplicação destes conceitos
é prevenir e controlar a infecção. Neste contexto,
existem três níveis de prevenção que é necessário
implementar: prevenção primária que visa evitar o
aparecimento da infecção através de acções que
evitem que os agentes microbianos possam desencadear doença no hospedeiro, prevenção secundária
que procura fazer o diagnóstico rápido das infecções e promover o seu tratamento minimizando
as consequências desta afecção para o doente, e
prevenção terciária que tem como objectivo conter
os microrganismos na fonte, nomeadamente quando
esta são doentes que se constituem como reservatório
e/ou fonte de agentes potencialmente infectantes
para outros hospedeiros susceptíveis.
Em síntese
Pode dizer-se que a epidemiologia é uma ciência
essencial para conhecer as Infecções Associadas aos
Cuidados de Saúde, nomeadamente determinar em
cada tipo de infecção qual a importância relativa das
variáveis da cadeia epidemiológica – agente, hospedeiro e ambiente ou a via de transmissão – e, através
da aplicação dos conceitos epidemiológicos, elaborar
de programas de vigilância epidemiológica. Este é
um processo dinâmico que necessita de adaptação
de acordo com os acontecimentos que vão sendo
detectados e concomitantemente permite a detecção
precoce de problemas emergentes neste âmbito,
nomeadamente a detecção de surtos de infecção
ou a vigilãnca do aparecimento de resistências, só
para referir dois importantes exemplos que nos são
dados pelo estudo epidemiológico destas situações
nosológicas. As medidas de prevenção e controlo da
infecção são o fim principal que decorre do estudo
epidemiológico deste tipo de infecções.
Epidemiologia da infecção hospitalar
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31
Introdução à Mesa-Redonda sobre Prevenção e
controlo das infecções associadas à prestação de
cuidados de saúde
Prevention and control of health care associated
infections
António Sarmento*
Serviço de Doenças Infecciosas do Hospital de São João; Faculdade de Medicina do Porto, Hospital de São João
Introdução
A pneumonia associada ao ventilador é a segunda
infecção nosocomial mais frequente, mas a que causa
maior mortalidade. A designação de pneumonia
associada ao ventilador, não parece, para muitos
autores, uma designação muito correcta, uma vez que
aquilo que predispõe a esta infecção não é tanto o
ventilador, mas principalmente o tubo traqueal. Este
deverá, sempre que possível, ser introduzido por
via oral e não por via nasal, pois esta última é mais
traumática e é mais vezes associada a infecção. De
acordo com algumas séries, a mortalidade atribuível
à pneumonia associada ao ventilador é de cerca
de 25 %. Nos casos em que é classificada como
tardia, ou seja, quando surge após os primeiros 4
dias de internamento, o risco de ser causada por
microrganismos multirresistentes é significativamente
maior do que quando surge precocemente.
A infecção associada a cateteres venosos centrais é, nalgumas instituições, a terceira infecção
nosocomial mais frequente. Das três localizações,
jugular interna, sub-clávia ou femoral, é esta última
a que se acompanha de maior risco de infecção.
* Moderador da Mesa-redonda I
antó[email protected]
A desinfecção do local de inserção com antissépticos
à base de clorohexidina, bem como a utilização
de cateteres impregnados com antissépticos e/ou
antibióticos parecem ser medidas úteis na prevenção
da infecção. A substituição programada dos cateteres
sem que haja sinais de infecção, não parece ter
qualquer interesse, associando-se a um acréscimo
de complicações.
A infecção urinária parece ser a infecção nosocomial mais frequente, embora, embora seja difícil
de quantificar porque, nem sempre a bacteriúria
num doente algaliado significa infecção. Os sistemas
de drenagem fechados e o cumprimento rigoroso
das medidas de assepsia na colocação de drenos
vesicais, bem como a subsequente manipulação dos
mesmos, podem reduzir marcadamente a incidência
este tipo de infecção.
A infecção associada à artroplastia é de diagnóstico
muitas vezes difícil e as suas consequências podem
ser dramáticas. Estas infecções ocorrem com maior
frequência na artroplastia do joelho e da anca.
É na prevenção que se deve investir grande parte
do esforço, pois uma vez surgida a infecção, as possibilidades de tratamento conservador são remotas.
Infecção do aparelho urinário
Urinary infection associated to health-care
Alexandre Carvalho*
Comissão de Controlo de Infecção – Hospital São Marcos, Braga
Resumo
Abstract
O uso de algália ou cateter urinário constitui hoje uma
componente essencial dos cuidados de saúde. A infecção do
trato urinário associada à cateterização vesical é a infecção
nosocomial mais comum e representa cerca de 40 % do total
das infecções associadas aos cuidados de saúde. A frequência
com que os doentes são algaliados e o tempo da permanência
da algália determinam o risco de infecção.
É, por isso, fundamental questionar sempre a indicação para
inserção do cateter e rever diariamente a necessidade da sua
manutenção. Como é fundamental também estar atento às
complicações decorrentes da cateterização urinária.
Uma forma de prevenir e minimizar o impacto dessas complicações é utilizar protocolos e práticas adequadas quer para
a inserção quer para a manutenção dos cateteres urinários
(as bundles), nunca esquecendo que a melhor maneira de o
fazer é cuidar das algálias de forma individualizada e retirá-las
logo que possível.
The urinary catheter use constitutes an essential practice in
healthcare today. The vesical catheterization associated urinary
tract infection is the most common nosocomial infection and
represents about 40% of all healthcare associated infections.
Infection risk is determined by urinary catheterization frequency
and length of stay. It is fundamental to always question urinary
catheterization indication and to review this indication on a daily
basis. It is also fundamental to be conscientious about current
complications of the urinary catheterization. A form of prevention
and minimization of the impact of those complications is to
use protocols and appropriate practices for both insertion and
maintenance of the urinary catheters (called bundles). We must
always keep in mind that the best way of achieving these goals
is to take care of the urinary catheters in an individualized way
and to remove them as soon as possible.
Keywords: Nosocomial, urinary tract infection, healthcare
associated infections, urinary catheterization 
Palavras-chave: Nosocomial, infecção urinária, cuidados
de saúde, algaliação 
Um caso verídico
O Sr. Alberto, um homem de 67 anos, foi submetido a uma prostatectomia transuretral programada
por causa da sua neoplasia da próstata. Foi algaliado
com uma sonda de Foley nº 16.Três dias depois
iniciou queixas de dor suprapúbica. Tinha febre
(37.8 oC) e piúria, demonstrada num sedimento
urinário. Iniciou antibioterapia empírica com ciprofloxacina após colher para urocultura.
Dois dias passados, o Sr. Alberto fica hipotenso,
entra em choque e acaba por falecer. Nessa mesma
tarde, o Laboratório de Microbiologia telefona para
o Serviço a avisar que está em crescimento na
urocultura colhida ao Sr. Alberto um bacilo de Gram
negativo.
Posteriormente, é emitido o relatório final: tratava-se de uma Klebsiella pneumoniae, produtora de
metalo-proteases, sensível apenas aos aminoglicosídeos.
Alguns lugares comuns
Este caso dramático da vida real pretende introduzir o tema das infecções urinárias associadas aos
cuidados de saúde, ao mesmo tempo que alerta
para as suas potenciais consequências. Os números
da literatura internacional (os de Portugal serão
* [email protected]
Cadernos de Saúde  Vol. 3  Número especial Infecção Associada à Prática de Cuidados de Saúde – pp. 35-38
36
Cad e r n o s d e S a ú d e  Vo l. 3  N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e
ligeiramente diferentes, com maior incidência de
infecções respiratórias) dizem-nos o seguinte (Fig 1):
As infecções urinárias representam cerca de
38 % das infecções adquiridas nos hospitais (1)
A maior parte destas infecções urinárias estão
relacionadas com a algaliação (2)
A algaliação facilita a infecção: elimina um
mecanismo de defesa que é a micção (flushing
dos micróbios) e proporciona um meio de
penetração na bexiga (não esquecer que a
urina é um óptimo meio de cultura)
25 % dos doentes internados são algaliados (3)
No Hospital de S. Marcos, em alguns serviços,
descobrimos taxas até 40 % – e fora do ambiente
de cuidados intensivos!

Estas infecções implicam maior morbilidade e
aumentam os custos.
Figura 1 – Distribuição das infecções associadas aos cuidados de
saúde por localização anatómica
A inserção e manutenção de cateteres urinários
é uma técnica que se aprende e aperfeiçoa, e esta
manobra está reservada a profissionais diferenciados
e experientes.
Então, o grande ponto a melhorar é sem dúvida
este: assegurar-se de que a algália é necessária!
Avaliar criticamente a indicação da algaliação.
Diariamente rever essa indicação e imediatamente
suspender a algaliação se ela deixar de se verificar.
É que não há assim tantas indicações para algaliar
doentes. Podemos rever as mais consensuais:
Retenção urinária
Feridas sagradas
Monitorização do débito
Algumas cirurgias
Conforto do doente
Mas no último inquérito de prevalência no hospital
de S. Marcos (2007, envolvendo serviços de Medicina
Interna e Neurologia), a causa mais frequentemente
invocada foi o registo de diurese, seguida de “outras”
e em terceiro lugar “desconhecida”.
O registo de diurese será sempre tão rigoroso
que justifique uma algaliação?
Este gráfico (Fig. 2) já antigo mostra a inadequação da indicação original para a algaliação. Esta
inadequação aumenta com o passar do tempo,
demonstrando a necessidade de rever criticamente
a necessidade de algaliação numa base diária.
Figura 2 – Inadequação da indicação original para algaliação
A Prevenção
A prevenção é a atitude-chave, nesta e em qualquer
outra intercorrência nosocomial. No caso concreto da
infecção urinária associada aos cuidados de saúde,
e partindo da noção que a cateterização vesical é
a condição predisponente major, salientam-se as
seguintes medidas preventivas:
1) Utilizar sistema fechado de algaliação e técnica
adequada de inserção e manutenção.
2) Questionar sempre e permanentemente a necessidade da algaliação.
3) Desalgaliar!
Onde será mais proveitoso o investimento na
prevenção?
Queremos crer que o sistema fechado está amplamente difundido e que é cumprido na esmagadora
maioria das situações.
Adaptado de Jain P & al., 1995
orque é que as algálias são tão comuns
P
em meio hospitalar?
Talvez os médicos se “esqueçam” que os doentes
estão algaliados…
Neste estudo para determinar até que ponto os
médicos se apercebem de que os seus doentes
estão algaliados foram questionadas 56 equipas
Infecção do aparelho urinário
médicas em 4 hospitais; 256 clínicos completaram o
questionário (taxa de resposta = 89 %). O quadro I
mostra que o grau de desconhecimento é demasiado
elevado e que vai aumentando com a diferenciação
do profissional questionado (4).
Quadro I – Taxa de desconhecimento quanto à algaliação dos
doentes
Nível profissional
Desconhecimento
95% IC
Estudantes de Medicina
18 %
8-32 %
Internos
22 %
13-34 %
Assistentes
28 %
20-38 %
Chefes de equipa
38 %
26-45 %
Adaptado de Saint S & al, 2000
Complicações
Revendo as potenciais complicações de uma cateterização urinária e o modo como elas se podem
encadear e levar às consequências trágicas do caso
que nos serviu de intróito:
Após a inserção de uma algália, 3 a 6 % dos
doentes adquirem bacteriúria a cada dia que
passa (risco acumulativo) (5)
Aos dez dias, cerca de metade dos doentes
algaliados têm bacteriúria
Esta é normalmente assintomática e desaparece
com a retirada da algália, mas…
Em 20 a 30 % dos casos originará uma infecção
urinária
1 a 4 % dos doentes com infecção urinária relacionada com a algália desenvolvem bacteriemia
(6)
13 % destes vêm a falecer por esse motivo (6).
Fazendo as contas…
Taxa de mortalidade da algaliação: 8/10000
Concluindo, trata-se de um procedimento de risco
não despiciendo. Tanto que há quem considere pertinente ser necessário obter consentimento informado
do doente. Provavelmente, essa atitude representa
um exagero, um excesso de zelo, no sentido em
que poderia levar à abstenção de técnicas úteis em
determinadas circunstâncias e sobretudo porque
seria mais um contributo para o minar da relação
médico-doente, enaltecida unanimemente mas nem
sempre acautelada.
37
Haverá soluções?
Bundles
Uma “bundle” é uma maneira estruturada de
melhorar os cuidados de saúde prestados.
É um conjunto pequeno de procedimentos (3 a
5) fáceis de efectuar que, colectiva, sistemática e
continuamente executados, provaram melhorar os
cuidados de saúde e minorar a morbilidade dos
doentes.
Os resultados das avaliações (frequentes) devem
ser transmitidos aos envolvidos no processo e resultam em melhoramentos e diminuem as más práticas.
A bundle deve ser tão simples e prática que
qualquer profissional a possa utilizar. As comissões
de controlo de infecção devem proporcionar formação e prestar esclarecimentos, bem como todo
o tipo de apoio necessário à implementação e aos
mecanismos de recolha e tratamento de dados,
análise de informação e feedback.
Há duas bundles preparadas para prevenção da
infecção urinária:
1 – Para a inserção do cateter urinário
Revisão da necessidade e avaliação de alternativas
Higiene do meato urinário
Sistema de drenagem fechado e estéril
Técnica asséptica
2 – Para a manutenção do cateter urinário
Revisão diária da indicação
Manutenção do sistema fechado
Higiene do meato urinário
Drenagem do saco colector
Higiene das mãos e uso de luvas
Em ambos os casos, a prática sistemática dos
conjuntos de procedimentos acima descritos tem a
capacidade de minimizar o risco de infecção urinária
associada à cateterização urinária.
O modo de implementar estas bundles varia com
a instituição em questão. Caberá a cada uma decidir
pelo melhor desenho da estratégia a utilizar. Pode
usá-la como um ponto de partida, mas pode modificar-se o modo de operacionalização localmente:
quando é feito, como é feito, quem faz e como se
recolhem os dados. Enquanto os critérios forem
sendo satisfeitos, os dados forem sendo recolhidos
e relatados então a bundle está sendo cumprida.
38
Cad e r n o s d e S a ú d e  Vo l. 3  N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e
Outras propostas a ponderar para aumentar a
eficácia:
1) Lembrete no processo, recordando o facto de
o doente estar algaliado.
2) Envolver os próprios doentes, levando-os a
questionar a indicação da algaliação junto dos
profissionais de saúde.
É importante salientar a ausência de espírito persecutório e punitivo e a necessidade de honestidade
e integridade.
O tempo e a dedicação serão os maiores problemas – o feedback pode ser fundamental para a
motivação dos profissionais.
Toda a gente gosta de ver resultados positivos
como corolário das suas acções e certamente que
para um médico ou para um enfermeiro não há
nada de mais gratificante que o bem-estar de um
doente pelo qual são responsáveis.
Conclusão
Retire as algálias logo que possível, cuide das
algálias individualmente.
Referências Bibliográficas
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Klevens, RM Estimating Health Care-Associated Infections and Deaths
in U.S. Hospitals, 2002, Public Health Reports, March-April 2007, Vol.
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Jain P; Parada J; David A; Smith L. Overuse of the Indwelling Urinary Tract
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Can We? How? Arch Intern Med. 1999; 159: 800-08
6.
Maki D, Tambyah P. Engineering out the risk infection with urinary
catheters, in CDC emerging Infectious Diseases (7) 2, 2001, guideline 19
Introdução à Mesa-Redonda sobre o Ambiente,
condicionantes sociais e infecção
Environment, social conditions and infection
Torcato de Freitas*
Comissão de Contolo da Infecção do Hospital da Prelada
Introdução
Na génese e desenvolvimento do processo infeccioso, nomeadamente no de natureza nosocomial,
múltiplos factores intervêm, interagindo de forma
a que as defesas do hospedeiro sejam danificadas
e a infecção se concretize.
O ambiente desempenha papel de relativa importância quando são constituídos “reservatórios”de
agentes patogénicos potencialmente causadores
de doença; O desenvolvimento socioeconómico
das populações, com a melhoria das condições
higiénico-sanitárias entre outros aspectos, contribui
para a redução desse risco, mas simultaneamente
promoveu a emergência de estirpes multirresistentes
(desinfectantes, antibioterapia, veterinária, tecnologia
médica invasiva).
As imensas possibilidades criadas pelo desenvolvimento dos meios de transporte, permitindo
ao Homem estar hoje num continente e amanhã,
com relativa facilidade, noutro, também contribuem
para uma rápida transmissão de doenças, outrora
referidas a determinadas regiões e na actualidade
com distribuição quase universal. A ameaça de
pandemia de gripe A, rapidamente presente num
número crescente de países e continentes é, com
extrema actualidade, um bom exemplo da forma
como a propagação da doença infecciosa acontece.
As alterações climáticas que afectam de forma
ameaçadora o nosso planeta, nomeadamente o
* Moderador da Mesa-redonda II
[email protected]
superaquecimento global/efeito estufa, provocando alterações de temperatura e o degelo,
afectando a alternância dos regimes de chuvas e
de secas, aumentando assim, as áreas desérticas,
têm contribuído para modificações das áreas
endémicas de múltiplas doenças, como a malária
ou o dengue.
A existência de instituições de carácter social,
como creches, lares da 3ª idade e também unidades
de cuidados continuados, surgidas pela forma como
as sociedades modernas evoluíram, representam,
dado o número e a proximidade dos seus utentes, novas oportunidades para a emergência de
infecções, muitas delas com origem nosocomial,
quando os seus portadores têm alta hospitalar e
encontram nas referidas instituições um terreno
fácil de transmissão.
Na mesa-redonda “Ambiente, Condicionantes
Sociais e Infecção” serão por certo abordados, de
forma necessariamente sintética mas objectiva, estes
e outros aspectos relacionados com a “Infecção
Associada à Prestação de Cuidados de Saúde. A
Prof.ª Maria Manuela Pintado apresentará o tema
“O ambiente na transmissão da infecção” e o Dr.
Rosas Vieira abordará as “Alterações climáticas e
patologia infecciosa”. A “Transmissão da infecção
em infantários e jardins-de-infância” e a “Infecção
em cuidados continuados” serão objecto de reflexão
pelos Drs. Cidrais Rodrigues e Ferreira da Silva,
respectivamente.
O ambiente na transmissão da infecção
The role of environment in the transmission of infection
Maria Manuela Estevez Pintado
Escola Superior de Biotecnologia. Centro Regional do Porto, Universidade Católica Portuguesa
Resumo
Abstract
As infecções nosocomiais são uma das principais causas
de morbilidade e mortalidade entre pacientes hospitalizados.
O ambiente pode servir como um reservatório de patogénicos
causadores de infecções nosocomiais, mas constitui um factor
menos relevante que outros como a contaminação transitória
nas mãos do pessoal de saúde, a formação de biofilmes
em dispositivos médicos, ou a invasão da flora endógena
presente no paciente. A controvérsia sobre a importância
relativa de patogénicos recuperados do ambiente hospitalar,
como importante fonte de infecção, existe há décadas. No
entanto, o aparecimento de estirpes mais virulentas, tais como
a Clostridium difficile, e a persistência dos já conhecidos, como
os Staphylococcus aureus meticilina-resistentes e enterococos
resistentes à vancomicina, fizeram renascer as preocupações
sobre o controle de infecção ambiental. Assim, existe uma
necessidade contínua de focalizar-se nas intervenções de
higiene, não só do pessoal e das superfícies inanimadas, mas
também, como novas evidências sugerem, do paciente. Este
artigo revê sumariamente a importância do meio ambiente,
entre outros factores, como reservatórios de patogénicos
causadores de infecção hospitalar.
Palavras-chave: Infecção nosocomial, contaminação
ambiental, controlo de Infecção 
A infecção nosocomial ou associada aos cuidados
de saúde constitui um dos efeitos adversos mais
frequentes e amplamente estudados da hospitalização
e um dos principais problemas de saúde pública
em países desenvolvidos, devido à morbilidade
e mortalidade que a ela se associam. Durante a
hospitalização, 5-10 % dos pacientes admitidos
adquirem infecções nosocomiais, que nas Unidades
de Cuidados Intensivos podem atingir 25-50 % dos
Nosocomial infections are a leading cause of morbidity and
mortality among hospitalized patients. The environment can
serve as a reservoir of pathogens causing nosocomial infections,
but is most likely less of a contributing factor than contaminants
transiently on hands of health care personnel, biofilms that
form on indwelling devices, or invasion of endogenous flora
present on the patient. Controversy over the relative importance
of pathogens recovered from the hospital environment as
a significant source of nosocomial infection has existed for
decades; however the emergence of more virulent strains of
pathogens, such as Clostridium difficile, and the persistence
of familiar ones, such as methicillin-resistant Staphylococcus
aureus and vancomycin-resistant enterococci, have prompted
a return to concerns about environmental infection control.
Therefore, there is a continued need to focus hygiene-based
interventions, not only on personnel and inanimate surfaces,
but also, as new evidence suggests, for the patient as well.
This paper reviews summarily the importance of environment,
among other factors, as important reservoirs of pathogens
causing nosocomial infection.
Keywords: Nosocomial infection, environment contamination,
infection control 
doentes aí internados, mais de dois terços delas
sendo causadas por microrganismos multirresistentes
aos antibióticos.
A etiologia da infecção nosocomial varia de
acordo com o local da infecção, a idade e as condições subjacentes dos pacientes, bem como a sua
exposição a procedimentos médicos, dispositivos e
antimicrobianos. Globalmente, as infecções do tracto
urinário e das áreas submetidas a procedimentos
* [email protected]
Cadernos de Saúde  Vol. 3  Número especial Infecção Associada à Prática de Cuidados de Saúde – pp. 41-45
42
Cad e r n o s d e S a ú d e  Vo l. 3  N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e
cirúrgicos são as mais frequentes, seguidas pelas
infecções respiratórias e sanguíneas. O espectro
de patogénicos hospitalares mudou ao longo das
últimas décadas. Os cocos Gram-positivo, tais como
o estafilococo e o enterococo têm gradualmente
dominado as bactérias Gram-negativo, e os fungos
ganharam maior importância, particularmente nos
doentes imunocomprometidos. As principais estirpes
multirresistentes incluem Staphylococcus epidermidis
e S. aureus meticilino-resistentes (MRSA), e mais
recentemente os vancomicina-resistantes (VRSA),
Enterococcus faecium vancomicina-resistentes (VRE),
e o Enterobacter aerogenes, Pseudomonas aeruginosa e Acinetobacter baumannii multirresistentes
(Struelens et al., 2004).
Muitas infecções são inevitáveis, embora outras
possam ser evitadas. Programas de vigilância e
controlo têm demonstrado reduzir a incidência de
infecção desde os anos 80. Os avanços tecnológicos,
em particular através das ferramentas de biologia
molecular, têm expandido o papel do laboratório de
microbiologia clínica no apoio à gestão e controlo
da infecção nosocomial, permitindo o estudo da
transmissão de patogénicos hospitalares e o acompanhamento dos padrões de resistência aos antimicrobianos. Adicionalmente, a investigação renovada
sobre desinfectantes por nebulização, métodos para
melhorar a higiene ambiental, selecção de materiais de superfície, e aplicação de antimicrobianos
em superfícies no ambiente hospitalar, permitirão
encontrar soluções mais eficazes de prevenção e
controlo destas infecções.
Para controlar rapidamente os surtos de infecção
nosocomial, é prática comum accionar simultaneamente várias intervenções, pelo que é difícil
avaliar a contribuição específica do ambiente para
suster os surtos. Um dos aspectos mais críticos na
interpretação é a identificação de sequência, ou seja:
foi o patogénico já presente no ambiente a causa
exógena da infecção no paciente, ou foi o ambiente
apenas o repositório de um patogénico endógeno,
com origem num doente colonizado/infectado?
Por outro lado, estudos publicados evidenciam
que o ambiente de cuidados desempenha um papel
na transmissão cruzada. Foi demonstrado que os
pacientes integrados num quarto em unidades de
cuidado intensivo, cujo prévio ocupante foi positivo para MRSA e/ou para VRE, estavam em risco
aumentado de aquisição destes organismos, embora
o risco atribuível a partir deste ambiente entre a
população exposta global fosse baixa (2 %) (Bartley
& Olmsted, 2008). Além disso, a proximidade com
outros pacientes também parece ser um importante
modificador de risco. A ocupação individual de
quartos não só melhora a segurança do paciente,
como também reduz o risco de aquisição de MRSA,
de Pseudomonas aeruginosa, e de Candida spp.
Superfícies ambientais, frequentemente tocadas por
profissionais de saúde, são facilmente contaminadas
em quartos de pacientes colonizados/infectados por
MRSA e/ou por VRE. Uma revisão de um número
elevado de estudos (Boyce, 2007) documenta que
os profissionais de saúde podem contaminar as
suas mãos ou luvas ao tocar superfícies ambientais
contaminadas, nas quais permanecem inúmeros
microrganismos susceptíveis de provocar a transmissão aos pacientes. Os patogénicos podem também ser
transferidos directamente de superfícies contaminadas
para pacientes susceptíveis.
O aparecimento de surtos nosocomiais e o
encerramento de unidades hospitalares foi revisto
por Hansen et al. (2007), que analisou 1561 surtos
publicados em 40 anos. Os resultados mostram que
a maior frequência de surtos ocorre nas unidades
de cirurgia geral e de neonatologia, mas a maior
percentagem de encerramento por surtos nosocomiais ocorre em unidades de cuidados geriátricos.
Os três agentes mais frequentes dos surtos foram
S. aureus, vírus da hepatite e Pseudomonas spp.,
mas os responsáveis por maior encerramento de
unidades foram Norovírus (44,1 %) e vírus influenza/
parainfluenza (38,5 %). A bacteriemia, consecutiva
às infecções gastrointestinais e a pneumonias, foi
o tipo de infecções mais comuns, mas as infecções
do SNC foram as mais frequentemente associadas
com o encerramento de unidades (24,2 %). Quanto
à origem, a maior frequência ocorreu sempre que os
pacientes foram a fonte do surto (16,7 %), seguido
do ambiente e de dispositivos médicos (Tabela 1).
Tabela 1 – Taxas de encerramento de unidades hospitalares estratificadas pela fonte de surto (n=1561).
Fontes
Doente
Ambiente
Dispositivos médicos
Pessoal
Drogas
Alimento
Equipamento para
cuidados de saúde
Desconhecida
Total
Total
Surtos com
Taxa de
de Surtos encerramento encerramento
395
66
16,7
194
24
12,4
172
12
7,0
154
17
11,0
73
3
4,1
50
1
2,0
35
5
14,3
Adaptado de Hansen et al. 2007.
518
1561
80
194
13,8
12,4
O ambiente na transmissão da infecção
43
A infecção por substâncias contaminadas constitui
água das UCI (Trautmann et al., 2005). O estudo
também uma causa frequente da infecção nosocosugere fortemente que as torneiras são o último
mial, com elevado índice de mortalidade. Vonberg
reservatório para uma proporção substancial dos
& Gastmeier (2007) analisaram um total de 2250
casos colonizados/infectados por P. aeruginosa,
pacientes infectados com substâncias contaminadas
alojando-se sobretudo nos arejadores corroídos,
e relatados em 128 artigos publicados, e mostraram
que criam um meio para a formação de biofilmes e
que nesses casos a septicemia é a infecção mais
seu crescimento. Medidas preventivas fundamentais
comum e os agentes mais relatados são o vírus da
para reduzir transmissões água-paciente incluem a
hepatite A, Yersinia enterocolitica, Serratia spp., para
instalação de filtros de utilização única em saídas
preparados de sangue, e Burkholderia cepacia e
de água nas UCI.
Enterobacter spp. para outros produtos. A ocorrência
O ambiente inanimado é um reservatório de patodestas infecções esteve relacionada na sua maioria
génicos, onde as superfícies contaminadas aumentam
com o não cumprimento de medidas básicas de
a transmissão cruzada. Em particular, a simples
higiene e em 64 dos surtos foram usados vials
presença de um microrganismo numa superfície
multidose sem cumprimento das recomendações
ambiental não o confirma como a causa de infecção
dos fabricantes, pelo que uma grande proporção
do paciente, mesmo se o mesmo microrganismo
das infecções poderia ter sido evitada pelo uso de
tenha sido recuperado de ambos. Assim, as medidas
vials unidose.
necessárias envolvidas na “cadeia de transmissãoAo determinar a susceptibilidade à infecção hos-Figura-cruzada”
devem ser preenchidas, conforme ilustrado
1 - Modos de transmissão comum de superfícies inanimadas para
pitalar, os dispositivos invasivos são mais relevantes
na Figura 1.
do que as doenças subjacentes. Os dispositivospacientes susceptíveis. (adaptado de Bartley & Olmsted, 2008).
Figura 1 – Modos de transmissão comum de superfícies inanimadas
intravasculares são decisivos na transmissão da
para pacientes susceptíveis (adaptado de Bartley & Olmsted, 2008).
infecção, estimando-se que pelo menos 80 % das
bacteriemias/viremias estão associadas com cateteres
Superfície
Paciente
(Eggimann, Sax & Pittet, 2004). A contaminação
Susceptível
inanimada
contaminada
da superfície do cateter envolve a colonização da
pele no ponto de inserção. De forma a evitar a
contaminação, devem assegurar-se medidas gerais,
como a estrita observação das regras básicas de
Mãos dos
higiene e medidas específicas, que incluem: (i)
profissionais de
Higiene das mãos
saúde
assegurar barreiras estéreis durante a inserção, (ii)
respeitada – 50%
inserção com adequada preparação do local, (iii)
orientações detalhadas para a substituição do cateter
Está demonstrado que o equipamento de cuidae (iv) definição de situações nas quais podem ser
dos de saúde é uma fonte significativa de infecção
utilizados cateteres com revestimento antisséptico/
nosocomial. Uma revisão de estudos (Schabrun &
/antibiótico.
Chipchase, 2006) mostra que altos níveis de conA água constitui também um reservatório
taminação estão presentes em uma vasta gama de
de patogénicos nosocomiais. Organismos como
equipamentos de saúde, onde 86,8 % de todos os
Pseudomonas aeruginosa, Serratia marcescens e
equipamentos incluídos na amostra estavam contaAcinetobacter calcoaceticus podem replicar-se em
minados No entanto, a maioria das contaminações e,
água potável. Vários estudos indicam transmissão e
portanto, qualquer risco de adquirir uma infecção,
desenvolvimento de infecção hospitalar através de
pode ser reduzida substancialmente com a limpeza
água contaminada. Foi já estabelecida a relação entre
regular dos equipamentos com álcool a 70 %.
a presença de P.aeruginosa na água de torneiras e
Recentemente, tem-se demonstrado que os disinfecções em pacientes em Unidades de Cuidados
positivos de comunicação móvel são potenciais
Intensivos (UCI) e em Unidades de Queimados.
reservatórios de patogénicos hospitalares. Um estudo
Uma revisão de estudos prospectivos publicados
de revisão (Brady et al., 2009) demonstra que 9-25 %
entre 1998 e 2005, mostra que entre 9,7 % e 68,1 %
dos dispositivos móveis estão contaminados com
da água da torneira de diferentes tipos de UCI
bactérias patogénicas, sendo as bactérias mais freforam positivos para a P. aeruginosa, e entre 14,2 %
quentemente isoladas S. aureus, tanto MSSA como
e 50 % de episódios de infecção/colonização em
MRSA. Na origem da contaminação dos dispositivos
doentes foram devidos a genótipos encontrados na
14
44
Cad e r n o s d e S a ú d e  Vo l. 3  N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e
estão principalmente as mãos do usuário, implicando o transporte transitório e permanente de
vários agentes patogénicos. Assim, a identidade de
microrganismos contaminantes num dado momento
também é transitória e variável. A principal causa
deve-se a um número elevado do pessoal que nunca
limpa os seus dispositivos móveis (80 a 92 %), pelo
que um controlo eficaz com redução de risco de
transmissão, para além da higiene das mãos antes
e após o uso do dispositivo, e descontaminação
adequada do mesmo, deve passar também pela educação do pessoal com orientações compreensíveis.
Algumas unidades hospitalares têm padrões
de transmissão particulares, como por exemplo
a unidade pediátrica. Nesta unidade as taxas de
infecção são mais elevadas e a duração de libertação
do microrganismo é maior. Os factores de risco
mais relevantes de transmissão de infecção nesta
unidade são o leite materno e a manipulação de
brinquedos (Posfay-Barbe et al., 2008). No caso da
transmissão através do leite, as infecções bacterianas
e por vírus citomegálico são as mais frequentes,
recomendando-se métodos higiénicos de recolha de
leite, e limpeza e desinfecção eficazes das bombas
de recolha. Os brinquedos em unidades pediátricas
demonstram uma elevada contaminação por coliformes, em particular os peluches, recomendando-se
por isso como medida de prevenção a divulgação
de orientações para assegurar limpeza e desinfecção
dos brinquedos eficazes.
A prevalência de S. aureus meticilino-resistentes
(MRSA) em unidades hospitalares e em particular
em unidades de emergência, é demonstrada pela
elevada taxa de colonização em trabalhadores dessas
unidades, comparando com os indivíduos na comunidade (Bisaga et al., 2008). Os Centers for Disease
Control and Prevention (CDC) aconselham rotina
na vigilância de MRSA nasal nos trabalhadores de
saúde, bem como nas instituições de cuidados de
saúde, recomendando descolonização dos profissionais da saúde apenas em situações que tenham
sido epidemiologicamente implicados em surtos de
MRSA. A incidência de infecção por C. difficile está
também em crescimento, tendo estudos recentes,
abrangendo 648 hospitais americanos e 110.550
pacientes internados, mostrado que 1443 desses
doentes estavam colonizados/infectados por essa
bactéria, ou seja uma taxa de prevalência 13,1 por
1000 (Jarvis et al. 2009).
A aspergilose nosocomial representa igualmente
uma séria ameaça para pacientes imunocomprometidos e inúmeros surtos de aspergilose têm sido
descritos. Um estudo de revisão que analisa 53
estudos com um total de 458 doentes, mostra que
o tracto respiratório foi o principal local primário
de infecção por Aspergillus, sendo as espécies mais
relevantes A. fumigatus (n=154) e A. flavus (n=101).
A rotina de amostragem do ar demonstrou não ser
um meio eficaz de prevenção dessas infecções,
devendo ser usados outros métodos de controlo
ambiental para impedir a propagação dos esporos
fúngicos. Uma das medidas mais eficazes passa
por assegurar a manutenção de alta eficiência de
filtração do ar do exterior.
Os estudos provam que uma ampla gama de
patogénicos não estão presentes apenas no ambiente
de cuidados em torno do paciente, mas também
sobrevivem por dias ou até meses (Bartley & Olmsted, 2008). A sobrevivência do microrganismo está
relacionada com diversas variáveis, tais como temperatura ambiente, humidade relativa, concentração
inicial de inoculo e substrato da superfície. O período
de sobrevivência de alguns agentes patogénicos no
ambiente mostra como o ambiente das unidades pode
servir como reservatório de transmissão da infecção.
Alguns estudos (Gastmeier et al., 2006) revelam
que agentes com maior tempo de sobrevivência
são agentes comuns de infecção nosocomial, sendo
demonstrado que, para além de Clostridium difficile,
que pode permanecer vários meses, o E. faecium
sobrevive por períodos mais longos (T.médio=60
dias), seguido de E. faecalis (T.médio=31 dias),
Enterobacter spp (T.médio=17,5 dias) e S. aureus
(T.médio=12 dias). Isto mostra a necessidade de
identificar e incluir os pontos realmente cruciais
para a transmissão no conceito do controlo das
infecções. Além disso, alerta para a importância
dos procedimentos de limpeza e desinfecção para
impedir a propagação dos patogénicos nosocomiais.
Assim, precisamos de um compromisso renovado
para ajudar a garantir a segurança dos nossos pacientes. Para tal é necessário continuar a prevenir, através
da educação e treino dos profissionais de saúde,
estabelecendo continuamente pontos específicos
para o controlo de infecção.
O ambiente na transmissão da infecção
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45
Alterações climáticas e patologia infecciosa
Climate change and infectious diseases
F. Rosas Vieira*
Centro Hospitalar de Gaia / Espinho
Resumo
Abstract
O autor aborda aspectos ligados à problemática das alterações climáticas e à sua influência sobre a emergência e
re-emergência de doenças infecciosas, com particular destaque
para as zoonoses. O aquecimento global e o efeito estufa,
consequência da industrialização e aumento de gases com
efeito estufa emitidos para a atmosfera, assim como o efeito
das alterações climáticas sobre as pessoas, sobre os vectores
transmissores de doença e sobre os microrganismos são
também realçados.
Palavras-chave: doenças infecciosas, clima; poluição;
efeito estufa 
The author discusses aspects of the problem of climate
change and its influence on the emergence and re – emergence
of infectious diseases, with particular emphasis on zoonoses.
Global warming and the greenhouse effect, a consequence
of industrialization and increase of greenhouse gases emitted
into the atmosphere, as well as the effect of climate change
on people, on the disease-transmitting vectors and on the
microorganisms are also highlighted.
Keywords: infectious diseases, climate, pollution, greenhouse
effect 
“One can think of the middle of the twentieth century as
one of the most important social revolutions in History, the
virtual elimination of infectious diseases as a significant
factor in social life”
Sir MacFarlane Burnett, 1962, Nobel Awarded
A importância deste tema é tal que no ano de
2008, a OMS dedicou o dia 7 de Abril, Dia Mundial
da Saúde às alterações climáticas e à sua repercussão
na saúde humana.
Em meados do século XX, MacFarlene especulava
que a eliminação das doenças infecciosas teria um
enorme impacto na vida das sociedades, e que seria
a maior revolução social da história. Anos antes, o
início da terapêutica antibiótica fazia acreditar que
isto era possível.
De forma esquemática, o planeta pode ser dividido
em zonas climáticas (Fig.1).
É assim reconhecida uma zona quente entre os
trópicos, duas zonas temperadas (norte e sul), e
duas zonas frias, correspondentes ao Círculo Polar
* [email protected]
Cadernos de Saúde  Vol. 3  Número especial Infecção Associada à Prática de Cuidados de Saúde – pp. 47-52
48
Cad e r n o s d e S a ú d e  Vo l. 3  N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e
Árctico e ao Círculo Polar Antárctico. Foi isto que
nós aprendemos na nossa escola primária mas infelizmente as coisas já não estão assim.
O clima está a mudar e todos nós temos esta
sensação e percepção, e perguntamos porque é que
isto está a acontecer. Felizmente que temos resposta
e a resposta é ouvida todos os dias na comunicação
social e é o designado efeito estufa que causa no
planeta um aquecimento global.
O princípio subjacente à vulgar estufa tão utilizada
na agricultura, e que consiste na existência de um
espaço fechado onde são criadas condições de
humidade e de temperatura que permitem que se
consiga recriar um ambiente para o desenvolvimento
de determinadas plantas. Numa estufa com cobertura
transparente ou translúcida, esta deixa passar a
luz do Sol (radiação solar) mas devolve parte do
“calor” (e radiação infravermelha) para o interior da
estufa. O nosso planeta, por razões que vamos ver
mais adiante, é uma enorme estufa a vaguear pelo
espaço. Assim, a radiação solar recebida na Terra
ultrapassa a atmosfera sendo uma parte importante
reflectida para o espaço. Apenas uma pequena parte
Gás de
efeito Concentração
estufa
seria de novo reflectida pela atmosfera para a Terra.
Acontece que as alterações estruturais da atmosfera
pelo desequilíbrio na sua constituição gasosa leva
a que o calor reflectido para a Terra tenha vindo a
aumentar de forma significativa, criando assim um
efeito estufa (Figura 2).
Mas o que é que desequilibrou todo este processo
mantido durante milhões de anos? A explicação
Tempo de
vida médio
Fontes Antrópicas
Potencial de Contribuição
Aquecimento para o efeito
Global
estufa
H2O
Variável
1-3%
alguns dias
todas relacionas abaixo
não se aplica
não se aplica
CO2
370 ppm
aumento de
1,5 ppm/ano
variável
200-450 anos
combustível fossil (75%)
desmatamento (24%)
1
52,5%
12 ± 3 anos
extração combustível (20%)
reservatórios e represas
(20%)
digestão animais (18%)
plantações arroz (17%)
lixões e aterros (10%)
excrementos animais (7%)
23
17,3%
310
5,4%
CH1
1750 ppb
N2O
312 ppb
120 anos
solo (70%)
transporte (14%)
indústria (7%)
CFCs
(ex.
CFC-12)
533 ppt
102 anos
gás refrigerantes,
fabricação espuma
6.500
SF6
4.7 ppt
3.200 anos
produção Mg indústria electricidade
23.900
O3 troposfera
25/26 ppb
semanas
indirecto, via processos industriais, veículos
n/a
12,2%
12,5%
(valor incerto)
Alterações climáticas e patologia infecciosa
está na emissão para a atmosfera dos chamados
gases com efeito estufa (Figura 3). Mais uma vez
por detrás de tudo isto está a mão do Homem.
A emissão destes gases tem a ver com a actividade
humana do dia-a-dia. Assim, substâncias como os
clorofluorocarbonetos (CFC), utilizados em sistemas
de refrigeração, climatização, fabrico de espumas
ou solventes, aerossóis e extintores de incêndios,
os hidrocarbonetos halogenados (halons) utilizados
também na extinção de incêndios, o tetracloreto
de carbono, utilizado para usos laboratoriais, o
tricloroetano utilizado como solvente, o brometo de
metilo usado na fumigação para controlo de pragas, e finalmente os hidrofluorocarbonetos (HCFC),
utilizados no fabrico de espumas e usados também
em sistemas de refrigeração, são responsáveis por
uma parte importante dessas emissões. Contudo
no seu conjunto representam apenas metade das
emissões. O principal responsável é o CO2 (dióxido
de carbono), que contribui em mais de 50 % para
o efeito estufa (Figura 3).
Foi com o inicio da era de industrialização que
começaram os problemas. A industrialização, com
a consequente motorização dos transportes e urbanização crescente, levou a que desde os anos 70
do século XIX se passasse duma concentração de
290 ppm de CO2 para 370 ppm no início dos anos
2000. O aumento da concentração atmosférica de
CO2 é exponencial. Portanto, todos nós contribuímos
para este fenómeno. Esta “lesão” da camada de
ozono para além da contribuição para o aumento
das temperaturas, contribui para outros efeitos sobre
a nossa saúde, na medida em que a filtragem dos
raios solares, nomeadamente os raios ultravioletas,
deixa de ser feita de forma eficaz. O aquecimento
global afecta o planeta, na sua estrutura física, mas
também a vida quer animal, quer vegetal.
Os efeitos são múltiplos e podemos integrá-los em
três grandes grupos: efeitos geológicos, hidrológicos
e sobre os seres vivos.
No que respeita às consequências físicas motivadas
pelas alterações climáticas, podemos sequenciá-las
da seguinte forma: elevação da temperatura (2 oC
em 2100), subida do nível da água do mar (49 cm
em 2100), alteração dos ciclos hidrológicos, com
consequente maior vulnerabilidade dos países em
desenvolvimento. Verificamos que as previsões de
aquecimento global apontam para um aumento da
temperatura em quase todo o planeta, com particular
destaque para o norte da América do Sul e região
do Árctico, aqui com consequências importantes no
degelo que se vai verificando.
49
No século XX, o nível das águas do mar subiu
cerca de 20 cm, e se nos lembramos que mais de
75% da população mundial vive até 160 km da
costa marítima, que cidades bastante populosas
estão construídas abaixo do nível do mar, como
por exemplo, Amesterdão, Nova Orleães ou Miami,
um aumento nos próximos anos semelhante ao
que ocorreu no século XX, poderá ter resultados
catastróficos.
As alterações ambientais mais evidentes, para além
do aquecimento global, e não podemos deixar de
referir as consequências das políticas de desflorestação e reflorestação, condicionantes também de
alterações nos ecossistemas, explicam o aumento
da ocorrência de inundações e outras catástrofes,
surgindo com maior impetuosidade em regiões
previsíveis, mas surgindo também em regiões onde
esses acontecimentos eram incomuns. Cabe aqui
uma referência ao fenómeno “El Niño”, em que se
observa a ocorrência de inundações ou períodos de
seca em áreas onde normalmente isto não ocorria.
Até agora abordamos as questões relacionadas com o
impacto no Planeta, em termos actuais e futuros, mas
haverá algum impacto sobre o homem enquanto ser
vivo? A resposta naturalmente é sim e vamos tentar
demonstrá-lo a seguir. Se o fenómeno El Niño tem
sido considerado consequência visível das alterações
climáticas e do efeito estufa não é menos verdade
que também intervém no perfil epidemiológico das
doenças infecciosas.
O ressurgimento de doenças e a emergência
de outras doenças em regiões onde não existiam,
devido à criação de condições de sobrevivência dos
vectores com particular destaque para os mosquitos,
é um conhecimento adquirido. O ressurgimento da
malária e o aparecimento de infecções ou infestações
típicas de climas mais quentes e húmidas são uma
realidade e são exemplos a ocorrência de dengue e
da febre do Nilo Ocidental em regiões dos Estados
Unidos e sul da Europa. Assim nos últimos 30 anos
foram identificadas 50 novas doenças ou agentes
infecciosos, dos quais mais de 75 % são de origem
zoonótica.
Os factores que interferem com a patologia infecciosa dividem-se em intrínsecos e extrínsecos, e de
entre os primeiros referimos o agente, o vector, as
características do hospedeiro, os reservatórios, grau
de virulência do agente, imunidade do hospedeiro e
via de transmissão. De entre os factores extrínsecos,
para além do meio ambiente, dos habitats, dos
ecossistemas, da urbanização desordenada, é de
realçar o clima, e a inter-relação entre esses factores.
50
Cad e r n o s d e S a ú d e  Vo l. 3  N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e
Os impactos do meio ambiente na saúde humana
são bem conhecidos, sabendo-se que as alterações
da temperatura e a poluição atmosférica aumentam a
incidência de doenças respiratórias e cardiovasculares
e do cancro. A contaminação da água e alimentos condiciona o aparecimento de toxi-infecções
entéricas e das hepatites A e E, e são facilitadas
as infecções veiculadas por vectores (mosquitos,
carraças e outros vectores de doenças zoonóticas).
A relação entre alterações climáticas e doenças
infecciosas é expressa no aumento da incidência
e das áreas endémicas de doenças como a febre-amarela, dengue, febre do Nilo Ocidental, infecções
por vírus Hantaan, malária, leptospirose, leishmanioses, entre outras.
Depois do que foi dito, vamos exemplificar com
algumas situações infecciosas que melhor demonstram o que acabamos de dizer.
Malária
A malária constitui um problema importante de
saúde pública pela eclosão de resistência aos antimaláricos e insecticidas, numa doença de carácter
endémico em certas áreas, mas com ocorrência de
casos em áreas não endémicas, e um total anual
estimado de 247 milhões de casos, de 3,3 mil milhões
de pessoas em risco, causando anualmente cerca de 1
milhão de mortes (World Malaria Report 2008 – The
Partnership for Maternal, Newborn & Child Health).
A Figura 4 mostra as áreas endémicas de transmissão da malária e a criação de condições de
sobrevivência do vector e do parasita, colocando-se
o sul da Europa em risco futuro de ocorrência do
ressurgimento da doença.
Dengue
Doença originária de África, provocada por
um Flavivirus e transmitida pelo mosquito Aedes
aegypty, é mais frequente no Verão. O mosquito
pica durante o dia, podendo ser também vector
da febre-amarela. É uma doença endémica em 100
países, anualmente causadora de 50 a 100 milhões
de casos da forma febril, e de 250 000 a 500 000
casos da forma hemorrágica, grave e com maior
mortalidade. Prevê-se uma expansão da endemia face
à urbanização descontrolada. Em 1927-1928 houve na
Europa uma epidemia de dengue hemorrágico que
afectou a Grécia e provocou cerca de 1200 óbitos.
A distribuição mundial do dengue, segundo dados
publicados pela OMS em 2001, é semelhante à da
malária, pelo que o que se disse se aplica também
ao dengue.
Febre do Nilo Ocidental
Entidade descrita pela primeira vez em 1937,
na província do Nilo Ocidental, no Uganda, a sua
ocorrência na Europa foi registada em 1996, quando
uma epidemia na Roménia levou à hospitalização
500 casos, com uma mortalidade de 5 %. No Verão
de 1999 observou-se um surto em Nova Iorque, com
62 casos de encefalite e 7 óbitos. Em 2002 foram
notificados nos EUA 2942 casos de meningoencefalite
e 276 óbitos (NEJM 351: 370, 2004). Em 2003, também
nos EUA foram notificados 9858 casos e 262 óbitos.
69 % dos casos correspondiam a síndrome febril e
29 % a meningoencefalite.
O vector são mosquitos, particularmente das
espécies Aedes, Culex e Anopheles e mais de 150
espécies de aves são o reservatório natural. (Fig. 5)
A transmissão faz-se por picada do vector, tendo
contudo, de ser também considerada a possibilidade
da sua transmissão ocorrer por via sanguínea, por
transplante de órgãos ou por via materno-fetal. 70 %
dos casos correspondem a infecções assintomáticas,
enquanto 20 % se traduzem por um síndrome febril
benigno, facilmente confundido com outras situações
comuns, apenas em menos de 1 % dos casos se
verificam situações mais graves, sob a forma de
meningoencefalite ou de paralisia flácida.
Febre por virus Chikungunya
Doença endémica na África Oriental, ilhas do
Índico, Índia e Sudeste asiático, com evolução
benigna, mas lenta, caracteriza-se clinicamente por
febre, artralgias e exantema. O agente responsável
é um togavírus do género alfavírus, sendo o seu
vector o mosquito Aedes albopictus. Foram descritas
epidemias desde 2005, nas Ilhas Seychelles, Maurícias, Comores e da Reunião, ilha onde se registaram
mais de 270 000 casos, com uma mortalidade de
11 %. Foram então descritos casos em França (783
casos em 2006), na Alemanha, Bélgica, Reino Unido,
Itália, Suíça, Noruega, República Checa, Espanha e
Guiana Francesa.
No Verão de 2007 ocorreram 197 casos autóctones
na província de Ravena, em Itália, com registo de
um óbito. A infestação na região de Aedes albopictus e a identificação de um doente portador do
vírus, vindo da Índia, explicaram esse surto que foi
rapidamente contido.
Alterações climáticas e patologia infecciosa
Vírus Toscânia
O vírus Toscânia é um arbovírus neurotrópico,
pertencente ao género Flebovirus, tendo como vector
e reservatório o Phlebotomus perniciosus, espécie
amplamente distribuída em Portugal. O vírus é causa
frequente de meningite asséptica no Verão, sendo
endémico na área mediterrânica – Itália, Espanha,
França, Grécia, Eslovénia, Turquia, Egipto e Algéria.
Entre 2002-2005 foram contudo, registados 6 casos
de meningite aguda na área metropolitana do Porto,
o que corresponde a 5.6 %, dos casos de meningite
vírica observados nesse período.
Encefalite por picada da carraça
A carraça (Ixodes ricinus), entre nós classicamente
responsabilizada por transmitir a febre escaro-
51
nodular, pode ser também vector da transmissão
de um arbovírus da família Bunyaviridae, causador
de encefalite. O clima restringe a distribuição e
actividade do vector, e influencia a incidência e
sazonalidade da doença. A ocorrência na Suécia de
Invernos mais suaves e de Primaveras mais precoces,
na década de 90, levou então a um aumento dos
casos de doença (Lindgren & Gustafson, 2001).
O ressurgimento da malária, a emergência de
casos de dengue, de febre do Nilo Ocidental e
o aumento do número de casos de doença de
Lyme, de febre escaronodular e de leishmaniose,
são situações cuja prevalência pode aumentar na
Península Ibérica com o aquecimento global que
previsivelmente vai ocorrer.
De tudo o que foi escrito não temos dúvidas em
afirmar que um Mundo mais quente será seguramente
um Mundo mais doente e que a ameaça de novos
52
Cad e r n o s d e S a ú d e  Vo l. 3  N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e
agentes ou de novas epidemias requer uma vigilância
epidemiológica permanente e activa, a nível nacional
e internacional. O mundo microscópico com que
convivemos há milhões de anos, continua a encerrar
“segredos”, que a nossa capacidade e conhecimentos
estão longe de descobrir. Em patologia infecciosa
há pois, sempre, que esperar o inesperado, qual
“caixa de Pandora” com risco de ser aberta em
qualquer momento. A destruição do Planeta e a
forma como lidamos com o ambiente são uma das
muitas “chaves” dessa abertura.
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– Saúde Mental
Infections in integrated continuous care units – mental
health
Álvaro Ferreira da Silva*
Unidade de Cuidados Continuados João Paulo II; Centro Hospitalar Conde Ferreira. Santa Casa da Misericórdia do Porto
Resumo
Abstract
Inseridas na RNCCI, as UCCs constituem-se como um
novo modelo organizacional entre as instituições públicas e
privadas. Prestam cuidados continuados de saúde e de apoio
social, e representam uma concepção humanista dos cuidados
de saúde ao se situarem entre o hospital e a família. A SCMP
em protocolo firmado com a ARS Norte abriu em Dezembro
2008 no Centro Hospitalar Conde de Ferreira uma UCC, em projecto piloto para utentes com patologia mental crónica,
denominada João Paulo II, e com a tipologia de unidade de
longa duração e manutenção. Segundo o PNPCI associado aos
cuidados de saúde, os dados disponíveis sobre as infecções
provocadas por agentes resistentes demonstram que: 30-40 %
são resultado da colonização e infecção cruzada, tendo como
veículo principal as mãos dos profissionais de saúde; 20-25 %
resultam da terapêutica antibiótica sucessiva e prolongada;
20-25% são consequência do contacto com microrganismos
adquiridos na comunidade e 20% têm origem desconhecida.
Nesse sentido considerou-se como prioritário na UCC João
Paulo II a prevenção das IACS, pelo que se estabeleceu um
programa de Acção de Formação aos seus profissionais. Na
UCC João Paulo II, de entre as infecções ocorridas nos 5
meses de actividade, 37 % foram infecções de tracto urinário,
30 % respiratórias, 11 % conjuntivites, 7 % infecções de boca
e dentes, 7 % otites e 4 % Infecções vaginais e cutâneas. Para
o tratamento das infecções diagnosticadas e passíveis de
serem tratadas na UCC, recorremos ao Prontuário Terapêutico
recomendado pela RNCCI, de forma a racionalizar o uso
de antibioterapia nos vários tipos de estabelecimentos do
SNS (Centros de Saúde, Hospitais, Unidades de Cuidados
Continuados, Domicílios e Lares).
Palavras-chave: cuidados continuados; saúde mental 
Glossário
ARS – Administração Regional de Saúde
IACS – Infecção Associada aos Cuidados de Saúde
PNPCI – Programa Nacional de Prevenção e Controlo da Infecção
RNCCI – Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados
SCMP – Santa Casa da Misericórdia do Porto
UCC. – Unidade de Cuidados Continuados
SNS – Serviço Nacional de Saúde
Integrated in the NNICC, the ICCUs constitute a new
organisational model between the public and private institutions.
Providing continuum of care and social support and represent a
humanist conception of health care to be located between the
hospital and the family. The SCMP, in a protocol signed with the
ARS North, created in December 2008, in Hospital Conde de
Ferreira, in Oporto, an ICCU in the pilot project for patients with
chronic mental condition, called John Paul II. According NPPIC
data, associated health care infections caused by resistant
agents show that: 30-40% are the result of colonization and
cross infection, being hands of health professionals the main
vehicle, 20-25% result of successive and prolonged antibiotic
therapies, 20-25% result from contact with community-acquired
pathogens, and 20% are of unknown origin. The prevention of
HCAI was considered a priority in the UCC John Paul II, so it
was established a program for the professional training. In the
ICCU John Paul II, among the infections that occurred within
5 months of operation, 37% of infections were urinary tract
infections, 30% respiratory infections, 11% were conjunctivitis,
7% mouth and teeth infections, 7% were otitis, and 4 % were
vaginal and skin infections. For the treatment of these infections
treated at ICCU the guidelines of RNCC were followed, in order
to rationalize the use of antibiotics in various types of NHS
establishments: Health Centers, Hospitals, Continuing Care
Unit and Residential Homes.
Keywords: integrated continuous care; mental health 
Glossary
ARS – Regional Health Administration
HCAIs – Health Care associated infection
ICCU. – Integrated Continuous Care Unit
NHS – National Health Service
NNICC – National Network for Integrated Continuous Care
NPPIC – National Program for Prevention and Infection Control
SCMP – Santa Casa da Misericórdia do Porto
* [email protected]
Cadernos de Saúde  Vol. 3  Número especial Infecção Associada à Prática de Cuidados de Saúde – pp. 53-58
54
Cad e r n o s d e S a ú d e  Vo l. 3  N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e
No ano 2002 a Organização Mundial de Saúde
definiu Cuidados Paliativos. Assim, pelo Decreto-lei
nº 101/2006 foi criada a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, que “representam uma
concepção humanista dos cuidados de saúde, e que
se situam entre o hospital e a família.” Constitui-se
assim um novo modelo organizacional criado pelos
Ministérios do Trabalho e da Solidariedade Social, e
da Saúde. Formadas por um conjunto de instituições
públicas e privadas, que prestam cuidados continuados de saúde e de apoio social, define-se assim
Cuidados Continuados Integrados como o conjunto
de intervenções sequenciais de saúde e ou de apoio
social, decorrente de avaliação conjunta, centrados
na recuperação global entendida como o processo
terapêutico e de apoio social, activo e contínuo, e
que visam promover a autonomia, melhorando a funcionalidade da pessoa em situação de dependência,
através da sua reabilitação, readaptação e reinserção
familiar e Social. Tem como objectivo geral a RNCCI:
• a prestação de cuidados continuados integrados
a pessoas que, independentemente da idade,
se encontrem em situação de dependência e
com perda de autonomia;
• a manutenção das pessoas com perda de funcionalidade ou em risco de a perder, no domicilio,
sempre que mediante o apoio domiciliário
possam ser garantidos os cuidados terapêuticos e o apoio social necessários à provisão e
manutenção de conforto e qualidade de vida;
•o apoio, o acompanhamento e o internamento
tecnicamente adequados à respectiva situação;
•a melhoria contínua da qualidade na prestação
de cuidados continuados de saúde e de apoio
social;
• o apoio aos familiares ou prestadores informais,
na respectiva qualificação e na prestação dos
cuidados;
•a articulação e coordenação em rede dos cuidados em diferentes serviços, sectores e níveis
de diferenciação.
Fundamentam-se numa gestão de caso, onde
são identificados os problemas mais complexos
dos utentes com o objectivo de proporcionar os
cuidados adequados a cada situação. A caracterização
na RNCCI das acções e cuidados a prestar são de
natureza preventiva, curativa, reabilitação e paliativa
integrando ou articulando, designadamente:
– Apoio na satisfação das necessidades básicas,
tais como: alimentação, higiene pessoal e habitacional e tratamento de roupas;
– Cuidados de saúde, com particular relevância
para a reabilitação e/ou promoção da autonomia
e do bem-estar aos cidadãos em situação de
dependência;
– Apoio psicológico e social;
– Ajuda na interacção utente/família, promovendo
a colaboração do próprio e de outros conviventes ou voluntários organizados;
– Ajuda para aquisição de capacidades e competências dos utentes e suas famílias, promovendo
a máxima autonomia possível e o autocuidado.
A composição da RNCCI é constituída por unidades
e equipas de cuidados continuados de saúde, e/ou
apoio social, e de cuidados e acções paliativas, com
origem nos serviços comunitários de proximidade
abrangendo os hospitais, os centros de saúde, os
serviços distritais e locais da segurança social, a
rede solidária e as autarquias locais A prestação de
cuidados continuados integrados é assegurada por:
Unidade de convalescença
Unidade de internamento, independente, integrada
num hospital de agudos ou noutra instituição,
se articulada com um hospital de agudos, para
prestar tratamento e supervisão clínica, continuada
e intensiva, e para cuidados clínicos de reabilitação,
na sequência de internamento hospitalar originado
por situação clínica aguda, recorrência ou descompensação de processo crónico. Tem por finalidade
a estabilização clínica e funcional, a avaliação e a
reabilitação integral da pessoa com perda transitória
de autonomia potencialmente recuperável e que
não necessita de cuidados hospitalares de agudos.
Destina-se a internamentos com previsibilidade até 30
dias consecutivos por cada admissão. Pode coexistir
simultaneamente com a unidade de média duração e
reabilitação. Sob a direcção de um médico, assegura:
cuidados médicos permanentes; cuidados de enfermagem permanentes; exames complementares de
diagnóstico, laboratoriais e radiológicos, próprios ou
contratados; prescrição e administração de fármacos;
cuidados de fisioterapia; apoio psicossocial; higiene,
conforto e alimentação; convívio e lazer.
Unidade de média duração e reabilitação
Unidade de internamento, com espaço físico
próprio, articulada com o hospital de agudos para
a prestação de cuidados clínicos, de reabilitação e
de apoio psicossocial, por situação clínica decorrente
Infecções em cuidados continuados – Saúde Mental
da recuperação de um processo agudo ou descompensação de processo patológico crónico, a pessoas
com perda transitória de autonomia potencialmente
recuperável. Tem por finalidade a estabilização
clínica, a avaliação e a reabilitação integral da pessoa
que se encontre na situação prevista no número
anterior. Tem como período de internamento uma
previsibilidade superior a 30 e inferior a 90 dias
consecutivos, por cada admissão. Pode coexistir com
a unidade de convalescença ou com a unidade de
longa duração. Pode diferenciar-se na prestação de
cuidados clínicos, de reabilitação e sociais a pessoas
com patologias específicas, sob a gestão de técnico
da área de saúde ou da área psicossocial e assegura,
designadamente: cuidados médicos diários; cuidados
de enfermagem permanentes; cuidados de fisioterapia
e de terapia ocupacional; prescrição e administração
de fármacos; apoio psicossocial; higiene, conforto
e alimentação; convívio e lazer.
Unidade de cuidados paliativos
Unidade de internamento, com espaço físico próprio, preferentemente localizada num hospital, para
acompanhamento, tratamento e supervisão clínica a
utentes em situação clínica complexa e de sofrimento,
decorrentes de doença severa e/ou avançada, incurável e progressiva, nos termos do consignado no
Programa Nacional de Cuidados Paliativos do Plano
Nacional de Saúde. Podem diferenciar-se segundo as
diferentes patologias dos utentes internados, sob a
gestão de um médico e assegura, designadamente:
cuidados médicos diários; cuidados de enfermagem
permanentes; exames complementares de diagnóstico
laboratoriais e radiológicos, próprios ou contratados;
prescrição e administração de fármacos; cuidados
de fisioterapia; consulta, acompanhamento e avaliação de utentes internados em outros serviços ou
unidades; acompanhamento e apoio psicossocial
e espiritual; actividades de manutenção; higiene,
conforto e alimentação; convívio e lazer.
Unidade de longa duração e manutenção
Unidade de internamento, de carácter temporário
ou permanente, com espaço físico próprio, para prestar apoio social e cuidados de saúde de manutenção
a pessoas com doenças ou processos crónicos, com
diferentes níveis de dependência e que não reúnam
condições para serem cuidadas no domicílio. Tem
por finalidade proporcionar cuidados que previnam e
retardem o agravamento da situação de dependência,
55
favorecendo o conforto e a qualidade de vida, por
um período de internamento superior a 90 dias
consecutivos. Pode proporcionar o internamento, por
período inferior ao previsto no número anterior, em
situações temporárias, decorrentes de dificuldades
de apoio familiar ou necessidade de descanso do
principal cuidador, até 90 dias. Sob a gestão de um
técnico da área de saúde ou da área psicossocial,
assegura, designadamente: actividades de manutenção e de estimulação; cuidados de enfermagem
diários; cuidados médicos; prescrição e administração
de fármacos; apoio psicossocial; controlo fisiátrico
periódico; cuidados de fisioterapia e de terapia ocupacional; animação sociocultural; higiene, conforto e
alimentação; apoio no desempenho das actividades
da vida diária; apoio nas actividades instrumentais
da vida diária.
Em Dezembro de 2008 a Santa Casa da Misericórdia do Porto, em protocolo firmado com a
Administração Regional de Saúde do Norte abriu a
Unidade de Cuidados Continuados João Paulo II,
projecto-piloto para doentes com patologia mental
crónica, em tipologia de Unidade de longa duração e manutenção, instalada no Centro Hospitalar
Conde de Ferreira. De acordo com o articulado legal,
dispõe de médicos de clínica geral, de medicina
física e reabilitação, e de psiquiatria, bem como
de enfermagem permanente, auxiliares de acção
médica, assistentes sociais, psicólogo, nutricionista,
terapeuta ocupacional, fisioterapeuta e administrativo;
não dispõe de laboratório de análises clínicas, nem
de gabinete de imagiologia próprios. A capacidade
da Unidade é de 37 doentes, alojados em quartos
de 3 e de 2 camas, e de 1 cama, apresentando
equidade de população feminina e masculina. A
idade média dos doentes é de 71 anos, tendo 90
anos o mais idoso e 42 anos o mais jovem, valor
próximo da média nacional entre todas as Unidades
da RNCCI, onde a idade média é de 72 anos, e em
que as idades mais frequentes dos doentes internados
(41 %) estão compreendidas entre 76-84 anos.
As patologias psiquiátricas dominantes são a
esquizofrenia, demências, doença bipolar, oligofrenia
e debilidade mental. Entre outras patologias mais
comuns, 35 % são do foro cardio-cerebro-vascular,
22 % fracturas ósseas, 14 % doença respiratória
crónica, 12 % diabetes, 6 % senilidade, 4 % neoplasias; outras patologias estão contudo presentes,
como hipertensão arterial, dislipidemia, obesidade,
subnutrição, cirrose hepática, insuficiência renal,
gastrite, esofagite, hipertrofia prostática, litíase
vesicular, litíase renal, anemia, trombocitopenia,
56
Cad e r n o s d e S a ú d e  Vo l. 3  N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e
doença vascular periférica, alterações de deglutição,
incontinência de esfincteres, hipoacusia, hipovisão,
cegueira, insuficiência venosa, dermatose, cistotomia,
Sida, hepatites B e C, e sifílis.
Na avaliação de actividades de vida diárias (A.V.D.)
foram analisados à data de entrada na Unidade os
parâmetros da Escala Modificada de Barthel, quanto
à higiene pessoal, banho, alimentação, toalete, subir
escadas, vestuário, controlo de micção, controlo de
dejecções, deambulação, cadeira de rodas, transferência cadeira/cama. Constatou-se que 75 % dos
doentes apresentavam um total de pontuação com
critérios de dependência total ou de grave dependência. Na avaliação de risco de úlceras de pressão,
segundo a Escala de Braden: foram determinados
os parâmetros de percepção sensorial, humidade,
actividade, mobilidade, nutrição, fricção/forças de
deslizamento, situando-se 75 % dos doentes no
escalão de risco elevado (pontuação <12).
A avaliação antropométrica, efectuada à data da
entrada na Unidade, revelou que 50 % dos doentes
apresentavam peso normal, 32 % obesidade grau I e
II, e 18 % baixo peso. Segundo o Programa Nacional
de Prevenção e Controlo da Infecção Associada aos
Cuidados de Saúde, os dados disponíveis sobre
infecções provocadas por agentes resistentes demonstram que 30-40 % são resultado da colonização e
infecção cruzada, tendo como veículo principal as
mãos dos profissionais de saúde; 20-25 % resultam
de terapêutica antibiótica sucessiva e prolongada;
20-25 % do contacto com microrganismos adquiridos
na comunidade e 20 % têm origem desconhecida.
Nesse sentido considerou-se como prioritária na
Unidade de Cuidados Continuados João Paulo II a
prevenção das infecções associadas aos cuidados
de saúde, pelo que se estabeleceu um programa
de acção de formação aos seus profissionais e que
versou essencialmente os parâmetros:
Higienização das mãos
Após o contacto directo com o sangue, fluidos
corporais, secreções, excreções e itens contaminados; imediatamente antes da colocação das luvas e
depois da remoção destas; antes de contacto com o
utente, entre utentes ou no mesmo paciente, entre
procedimentos para impedir a contaminação cruzada entre locais diferentes, antes de procedimentos
assépticos, após o contacto com o doente; tempo
de lavagem; produtos a utilizar/protecção da pele;
equipamentos; uso de adornos/unhas artificiais; uso
de luvas; protecção de feridas; tipos de lavagem de
mãos (lavagem higiénica ou social/lavagem asséptica
ou desinfecção higiénica/desinfecção alcoólica).
tilização de equipamentos de protecção
U
individual
Protecção das mãos com luvas, antes do contacto
com sangue, fluidos corporais, secreções, excreções e
itens contaminados; antes do contacto com mucosas
ou descontinuidades da pele; remoção logo após
a sua utilização antes de tocar em objectos ou
superfícies não contaminados; protecção da pele
e roupa com batas/aventais; protecção da boca e
nariz com máscaras e respiradores; protecção dos
olhos com óculos, viseira, escudo facial, protegendo
as membranas mucosas dos olhos, nariz e boca
durante procedimentos e actividades de prestação
de cuidados, em que possam existir salpicos de
sangue, fluidos corporais, secreções e excreções.
Prevenção de acidentes por picada
Protecção dos objectos cortantes-perfurantes, práticas de trabalho que aumentem o risco de ocorrência
de picada, evitar reencapsulamento de agulhas;
colocação de agulhas em contentores adequados,
de paredes rígidas, nunca usar qualquer técnica
que envolva o apontar da agulha na direcção de
qualquer parte do corpo, utilizar o tabuleiro para
transporte de seringas e do contentor destinado aos
resíduos corto-perfurantes.
Prevenção de complicações respiratórias
Promover o ortostatismo e as variações de decúbito no doente acamado, estimular uma adequada
dinâmica vertebro-costal e abdomino-diafragmática,
promover o ensino de posições de repouso e relaxamento, quando necessárias; promover as condições
necessárias a uma eficaz drenagem de secreções,
aplicando se necessário técnicas de desobstrução
e de tosse assistida; garantir um bom estado de
hidratação. Boa prática em espirrar ou tossir, tapando
a boca e nariz com um lenço de papel, rejeitando-o de seguida em local próprio (lixo de produtos
biológicos), colocação do antebraço (e não a mão)
à frente da boca e do nariz, depois de tossir ou
espirrar lavando as mãos ou desinfectando-se com
uma solução à base de álcool.
Efectuar o controlo ambiental, descontaminando equipamentos e instrumentos envolvidos na
prestação de cuidados – a limpeza precede sempre
Infecções em cuidados continuados – Saúde Mental
a desinfecção/esterilização –, a unidade do utente
(grades e estrutura da cama; mesa de cabeceira),
utilizar equipamentos de protecção individual de
acordo com a possibilidade de contaminação ao
manipular equipamentos/instrumentos, respeitar normas na manipulação da roupa, limpar com frequência
superfícies susceptíveis de estarem contaminadas
com microrganismos potencialmente patogénicos,
fazer uma correcta triagem e acondicionamento dos
resíduos. Localizar bem o doente, atendendo aos
seus factores de risco para a transmissão de agentes, factores de risco para acontecimentos adversos
relacionados com a IACS dos outros doentes; via
da transmissão do agente infeccioso suspeito ou
confirmado; disponibilidade de quartos.
Promover a vacinação/imunização dos profissionais de saúde: vacinas da gripe, hepatite B,
tétano, aplicação de profilaxia pós-exposicional;
dos doentes: vacinas do tétano, da gripe e antipneumocócica (Pneumo 23).
Prevenção da infecção do tracto urinário –
avaliação da necessidade de algaliação, selecção
do tipo de algália, inserção e manutenção asséptica
da algália e sistema; remoção correcta da algália,
tipos de algaliação (< 7-10 dias, de borracha; < 2/3
semanas, de látex; < 3 meses, de silicone); inserir a
algália com técnica asséptica e equipamento estéril,
fixar correctamente o cateter, manter o circuito estéril
fechado, colher urina usando técnica asséptica,
manter o fluxo de urina desobstruído, atentar a
lavagem das mãos e a lavagem da área genital,
escolher a algália de calibre mais adequado à uretra
para que permita uma drenagem eficaz.
Efectuar ensinamento às visitas – alertando-as
para tapar a boca e o nariz com um lenço de
papel, rejeitando-o de seguida, e se não tiver um
lenço colocar o antebraço (e não a mão) à frente
da boca e do nariz, assim como depois de tossir
ou espirrar, lavar as mãos/alcoolizar com dispensadores colocados nos quartos, sala de visita, portas,
casas de banho, desinfectar telefones, campainhas,
computadores e outros equipamentos.
Na UCC João Paulo II, entre a patologia infecciosa
relacionada com a prestação de cuidados de saúde
registada nos seus cinco meses de actividade, 37 %
foram infecções do tracto urinário, 30 % infecções
respiratórias, 11 % conjuntivites, 7 % infecções de
boca e dentes, 7 % otites e 4 % infecções vaginais e
cutâneas. Para o tratamento das infecções diagnos-
57
ticadas e passíveis de serem tratadas na Unidade,
recorreu-se ao Prontuário Terapêutico recomendado
pela RNCCI, de forma a racionalizar o uso da antibioterapia nos vários tipos de estabelecimentos de
saúde do SNS (Centros de Saúde, Domicílios e Lares,
Hospitais, Unidades de Cuidados Continuados).
Os fármacos anti-infecciosos em geral e os antimicrobianos em particular têm demonstrado uma eficácia inquestionável no tratamento das infecções, sendo
a sua utilidade terapêutica indiscutível. Contudo,
após a sua introdução na prática clínica, rapidamente
se verificou que diferentes microrganismos eram
susceptíveis de adquirir resistência a fármacos aos
quais eram inicialmente sensíveis, sendo o exemplo
dos estafilococos produtores de β- lactamases o mais
conhecido. A emergência de estirpes resistentes,
como resultado da pressão selectiva, é hoje em dia
uma realidade preocupante.
A utilização, generalizada e precoce, de uma
terapêutica antimicrobiana de largo espectro favorece o crescimento e a selecção de microrganismos
resistentes, ao eliminar as estirpes sensíveis. Os princípios gerais da terapêutica antimicrobiana deverão,
assim, estar sempre presentes quando da instituição
de uma antibioterapia. O tratamento deverá ser
individualizado, tendo em consideração o perfil do
utente, o local da infecção e a etiologia da doença.
A selecção do antimicrobiano deverá basear-se
na sua eficácia e segurança, e ainda num custo
aceitável. Ao avaliar a eficácia e segurança de um
antimicrobiano é importante considerar os efeitos
resultantes de uma terapêutica de largo espectro na
ecologia bacteriana – aumento do risco de infecção
devida a microrganismos resistentes para o próprio
utente e emergência de estirpes bacterianas com
novos padrões de resistência no próprio meio, quer
hospitalar, quer na comunidade. O antimicrobiano
eficaz de menor espectro de actividade deverá ser
sempre o fármaco de primeira escolha, devendo
os clínicos adoptar uma atitude restritiva dentre os
vários grupos de antimicrobianos eficazes (um ou
dois fármacos de cada grupo).
Os novos antimicrobianos deverão ser sempre
avaliados, tendo como referência os já existentes e
prescritos apenas quando claramente superiores. As
associações de antimicrobianos justificam-se apenas
em situações particulares, a maioria ocorrendo em
meio hospitalar, e têm por objectivo o tratamento
de infecções polimicrobianas, em que um único fármaco não é susceptível de cobrir os microrganismos
isolados, obter um efeito sinérgico – sem dúvida
de grande relevância no tratamento de infecções
58
Cad e r n o s d e S a ú d e  Vo l. 3  N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e
devidas a determinadas estirpes bacterianas, como é
o caso da endocardite devida a Streptococcus ou das
infecções por Pseudomonas – ou ainda minimizar o
desenvolvimento de estirpes resistentes, como é o
caso do tratamento da tuberculose ou das infecções
por Pseudomonas.
Uma terapêutica empírica deverá ser instituída
com um antibiótico ou associação de antibióticos
cujo espectro de actividade inclua apenas o ou os
microrganismos que se suspeita serem causadores da
infecção e não todos os possíveis; uma terapêutica
de largo espectro justifica-se quando for necessário assegurar um controlo precoce da situação
clínica do utente e evitar complicações. O perfil
do utente, a gravidade da situação e a existência
de co-morbilidade são factores importantes a considerar, bem como o local da infecção e o padrão
de susceptibilidade aos antimicrobianos do ou dos
agentes etiológicos mais provavelmente responsáveis
pela infecção em causa.
Das reacções adversas induzidas pelos antimicrobianos em geral, as reacções alérgicas – febre e
erupções cutâneas – são as mais frequentes. A nefro
e a ototoxicidade, bem como a mielo-supressão são
específicas de fármacos e estão bem documentadas.
A utilização de regimes posológicos adequados é
determinante da resposta terapêutica. A eficácia do
tratamento dependerá do rigor do diagnóstico e de
uma terapêutica antimicrobiana apropriada.
Bibliografia
1.
Programa Nacional de Prevenção e Controlo da Infecção Associada aos
Cuidados de Saúde
2.
Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados
3.
Prontuário Terapêutico – Infarmed
4.
Decreto-Lei n.º 101/2006
Transmissão da infecção em infantários e
jardins-de-infância
Infectious diseases transmission in nurseries
José Carlos Cidrais Rodrigues*
Serviço de Pediatria; Hospital Pedro Hispano / U.L.S. Matosinhos
Resumo
Abstract
Pese a sua utilidade social, a presença em infantário constitui
um sério risco de transmissão de doenças infecciosas para as
crianças que os frequentam, sobretudo as mais pequenas. O
melhor conhecimento da legislação aplicável pelos cuidadores e
a adopção de medidas de higiene muito simples contribuiriam
em grande medida para minorar o problema.
Notwithstanding their social significance, kindergartens
represent a serious risk for transmission of infectious diseases.
Public awareness of legislation, as well as simple hygiene
precautions, would go a long way towards ameliorating this
problem.
Keywords: infectious diseases, nurseries. 
Palavras-chave: infecções, infantário. 
Embora a presença de crianças em infantários
constitua um indubitável factor de risco para a
transmissão de doenças infecciosas, sobretudo antes
dos 3 anos de idade, não podemos esquecer que
estas instituições desempenham um papel social e
económico relevante na sociedade actual ao permitirem que pais que trabalham possam confiar
os seus filhos a entidades que deles cuidem com
qualidade e segurança.
Do mesmo modo, não são desprezíveis as vantagens para os filhos, pois a integração precoce
em comunidades apropriadas contribuem para um
desenvolvimento harmonioso, para a aquisição
precoce de novas capacidades cognitivas e para a
aquisição de defesas imunitárias que lhes serão úteis
para toda a vida, pois por muito que tal conceito
seja dificilmente interiorizável, crescer e amadurecer
implica contactar com a doença, e por vezes mesmo
adoecer.
São variadas as causas da maior susceptibilidade
infecciosa nos primeiros anos de vida, mas entre
elas avultam:
1.Factores físicos, como a menor eficácia da pele
e mucosas como barreira adequada.
2.Factores do desenvolvimento: regurgitações
alimentares frequentes, incontinência de esfincteres com maior exposição a líquidos orgânicos
e maior dependência de terceiros para higiene
e alimentação
3.Factores imunológicos, pois a imaturidade do
sistema imunitário própria do escalão etário
e a existência de um plano de vacinas ainda
incompleto em muito contribuem para a maior
susceptibilidade a infecções.
Na realidade, todos os órgãos e sistemas podem
ser atingidos, mas as infecções mais frequentemente
implicadas são:
1.Respiratórias (por vírus sincicial respiratório,
influenza, adenovírus e metapneumovírus, e
bacterianas – estreptocócicas e pneumocócicas).
2.Gastrintestinais (por rotavírus, enterovírus, vírus
da hepatite A, parasitoses).
3.Cutâneas e das faneras (impétigo, moluscum
contagioso, tinha, pediculose).
4.Meningites/sépsis (bacterianas e víricas).
Naturalmente, a possibilidade da transmissão de
infecção depende essencialmente da possibilidade
da excreção do agente infectante, da capacidade de
transferência para outro indivíduo e da existência
de uma porta de inoculação.
Os reservatórios do agente infectante podem
naturalmente ser variados:
* [email protected]
Cadernos de Saúde  Vol. 3  Número especial Infecção Associada à Prática de Cuidados de Saúde – pp. 59-60
60
Cad e r n o s d e S a ú d e  Vo l. 3  N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e
1.Humanos: pais, pessoal, outras crianças, visitantes.
2.Animais: cães, gatos, pássaros, outros.
3.Meio ambiente: água, solo, móveis, brinquedos,
equipamentos.
Também as vias de transmissão podem ser diversas, variando sobretudo em função do tipo de agente:
1.Fecal-oral: enterovírus, rotavírus, Giardia lamblia.
2.Contacto: rotavírus, escabiose, influenza,
sarampo, rubéola, parotidite, impétigo, pediculose.
3.Inalatória: H. pertussis, H. inluenzae tipo B,
estreptococo grupo A, pneumococo, meningococo.
4.Contacto e inalatória: vírus sincicial respiratório,
influenza, adenovírus.
5.Via aérea: tuberculose, varicela, sarampo.
6.Fontes exógenas: leite materno, preparados
lácteos, alimentos.
Infelizmente, a informação sobre estes factores,
de que depende a possibilidade de se evitar a
transmissão infecciosa, parece ser muito escassa entre
o pessoal responsável por estas instituições, do que
resulta uma enorme confusão sobre os sintomas e
patologias que possam justificar a evicção da criança.
Do mesmo modo, o conhecimento da legislação
aplicável parece em larga medida ignorado por estes
profissionais. Um inquérito efectuado por Ana Paula
Silva e Manuel Salgado entre educadores infantis
de um concelho perto de Coimbra, mostrou que
67 % ignorava a sua existência, 28 % sabiam da sua
existência mas não a conheciam, e apenas 5 % a
conheciam e aplicavam.
Desta ignorância resulta a constante exigência de
declarações médicas inúteis e de duvidoso valor legal.
As doenças que impedem a frequência de infantários encontram-se bem definidas no Dec.-Reg.
3/95 (Quadro 1)
As medidas destinadas a dificultar a transmissão de
doenças infecciosas em infantários são, no entanto,
muito simples e da sua aplicação sistemática pode
resultar um claro benefício para as crianças e para
a comunidade. Essencialmente consistem em:
1. Lavar frequentemente as mãos ou, quando
impossível, proceder à sua higienização com
solução antisséptica de base alcoólica (a evitar
nas crianças).
2. Vacinar, quer cumprindo escrupulosamente
o Programa Nacional de Vacinação, quer
considerando de modo casuístico a utilização
criteriosa de outras vacinações disponíveis
(como hepatite A, influenza, varicela, rotavírus,
pneumocóccica).
3. Compartimentar tarefas, por exemplo impedindo que quem manipule fraldas possa mexer
em alimentos.
4. Proceder à lavagem e desinfecção repetida de
materiais e equipamentos – incluindo brinquedos, superfícies de trabalho, maçanetas
de portas, livros, teclados de computador,
telefones.
5. Exclusão de brinquedos de peluche, que são
verdadeiros depósitos de vírus e bactérias.
6. Implementar o uso de material de protecção,
de lenços de papel descartáveis e de outras
medidas destinadas e evitar a propagação de
infecções.
7. Proceder ao afastamento de crianças e profissionais com doenças transmissíveis, definidas
na legislação.
8. Respeitar as normas definidas para a existência
de espaços mínimos entre as instalações de
repouso das crianças.
9. Promover o adequado arejamento dos espaços
interiores
10.Instituir acções de formação ao pessoal prestador sobre os períodos de afastamento que o
risco de contágio implica para cada patologia.
Bibliografia
Quadro 1 – Doenças que implicam a evicção de infantário. (Dec.Reg. 3/95)
Difteria
Tuberculose pulmonar
Tétano
Parotidite epidémica
Tosse convulsa
Tinha
Infecções estreptocócicas por
Streptococcus do grupo A
Infecções estafilocócicas
cutâneas
Sarampo
Varicela
Rubéola
Hepatite A e B
Febre tifóide e paratifóide
Meningite meningocócica
Poliomielite
Sépsis meningocócica
1.
1. Decreto Regulamentar 3/95 – Diário da República, 27 de Janeiro de 2005
2.
2. Direcção Geral de Saúde – Plano de contingência para Creches, Jardins
de Infância, Escolas e outros estabelecimentos de ensino, 2009
3.
3. Hayes, Sara – Guidelines for the exclusion of pupils with infectious
diseases from colleges, schools, nurseries, playgroups, and childminders.
Mid & West Wales Region – Swansea Office, 2006
4.
4. Silva, Ana Paula; Salgado, Manuel – Evicção escolar e dos infantários
- Curso de Pediatria Comunitária, Mealhada, 2007.
Introdução à Mesa-Redonda sobre Infecção em
cuidados de saúde
Health-care Infections
Rui Sarmento*
Hospital de Joaquim Urbano. Escola Superior de Ciências da Saúde, Universidade do Minho
Introdução
Nesta mesa-redonda são apresentados temas
de relevo centrados em aspectos diversificados
da Infecciologia, como a tuberculose, as feridas
crónicas, a relação custo-benefício da terapêutica
antimicrobiana e metodologias das Comissões de
Controlo da Infecção.
A tuberculose continua a ser, em Portugal, um
importante problema de Saúde Pública. Apesar de
uma redução acentuada observada na última década,
foram notificados em 2009 cerca de 30 casos por
100 000 habitantes e o distrito do Porto continuou a
ser aquele em que se registou uma maior prevalência.
Apesar de, na maioria dos casos, a tuberculose ser
causada por estirpes sensíveis aos antituberculosos,
continuam a ser observados casos de tuberculose
causada por estirpes multirresistentes e alguns, felizmente poucos, provocados por Mt extensivamente
resistente. Estes casos constituem uma ameaça
relevante para a comunidade pela dificuldade do
seu tratamento e pela morbilidade e mortalidade
que acarretam.
Uma redução ainda maior da tuberculose tem por
base a prevenção da disseminação do bacilo, quer
pela vigilância dos contactos e pela detecção dos
casos de tuberculose latente, quer pela detecção e
tratamento rápido dos casos activos, preferencialmente em regime de tratamento sob observação
directa.
Têm melhorado as medidas de prevenção da
disseminação da tuberculose em meio hospitalar.
Para além das medidas de protecção preconizadas e
* Moderador da Mesa-redonda III
[email protected]
implementadas pelas CCI, a instalação progressiva de
quartos de isolamento e, sobretudo, de quartos com
pressão negativa, tem contribuído para a redução
dos casos de infecção nosocomial.
Alguns estudos indicam que se regista maior
incidência de feridas crónicas em doentes com idade
superior a 60 anos. De facto, a maior longevidade que
hoje se verifica está, em geral, associada a alterações
metabólicas, vasculares, imunológicas e nutricionais
ou mesmo a doenças crónicas, como a diabetes,
que se acompanham, com frequência, de úlceras
da pele. Também as neoplasias, os traumatismos e
quedas são mais frequentes à medida que a idade
avança. Por isso a prevalência de feridas crónicas,
no nosso País e um pouco por todo o Mundo, tem
vindo a aumentar, impondo melhores cuidados e
maiores custos.
O tratamento da lesão crónica, definida como
ferida que não cicatriza em seis semanas apesar
do tratamento correcto, deve, por isso, obrigar ao
estudo da etiologia da ferida crónica e à utilização
de medidas sistémicas visando a correcção ou o
equilíbrio das patologias subjacentes.
Conhecimentos recentes àcerca da fisiopatologia
das feridas crónicas e da constituição e organização dos biofilmes no leito da úlcera, introduziram
ensinamentos importantes quanto ao tratamento
sistémico e local destas lesões crónicas.
O tratamento local da ferida envolve fases diferentes como a lavagem da ferida, o seu desbridamento,
o controlo do exsudato e a erradicação dos agentes
microbianos. Conhecimentos técnicos apropriados
são importantes para o sucesso do tratamento.
62
Cad e r n o s d e S a ú d e  Vo l. 3  N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e
Nas últimas décadas foram enormes os progressos realizados nas diferentes áreas da Medicina.
Conhecemos melhor aspectos gerais e particulares
da ciência básica, introduzimos técnicas laboratoriais apuradas e mais eficazes, melhoramos a
rapidez e a precisão do diagnóstico, usamos novos
fármacos menos tóxicos e mais eficazes. Em suma,
aumentamos significativamente a sobrevivência e
melhoramos a qualidade de vida das populações.
Mas estes avanços foram conseguidos com aumentos
exponenciais dos custos em Saúde que ameaçam
as economias mundiais.
Se é certo que o balanço global é positivo, também
tem de dizer-se que, particularmente na investigação
de fármacos ou de novas técnicas e tecnologias,
muitos projectos foram abandonados e muitas drogas
descontinuadas por má avaliação inicial, conduzindo
a um enorme esbanjamento de recursos.
A falta de avaliação credível da relação custo-benefício de projectos de investigação ou da introdução de novos medicamentos, tem conduzido à
interrupção do uso de certas técnicas ou de alguns
fármacos. A avaliação do custo-benefício exige análise complexa e tempo, mas é, cada vez mais, uma
medida importante na contenção do desperdício
e na redução dos efeitos adversos da terapêutica.
Foi, particularmente, a partir de meados do século
XIX que se começou a perceber a importância de
algumas medidas básicas de higiene no tratamento
de doentes hospitalizados.
Longe vão os tempos em que a mortalidade intra-hospitalar resultava, muitas das vezes, da ausência
de medidas de profilaxia das infecções.
Grandes avanços foram registados no nosso País
com a implementação de Comissões de Controlo da
Infecção, que, embora tardiamente introduzidas, são
hoje obrigatórias em todos os hospitais portugueses.
O seu papel na redução das chamadas infecções associadas aos cuidados de saúde, que se
registam principalmente nos doentes internados,
mas também nos profissionais e nas visitas, tem
sido muito importante. O registo e a vigilância das
infecções nosocomiais e dos agentes que as causam,
constituem um elemento de primordial importância
na profilaxia e no planeamento de uma política de
uso de antibióticos em cada unidade hospitalar.
As Comissões têm-se destacado na introdução e
divulgação de medidas de qualidade e boas práticas
em todos os hospitais.
Apesar de todos os ganhos, registam-se ainda, no
nosso País, taxas elevadas de infecções associadas aos
cuidados de saúde e sabe-se que novas ameaças vão
surgindo, sobretudo relacionadas com a emergência
de estirpes bacterianas multirresistentes. As medidas
preconizadas pelo Plano Nacional de Controlo da
Infecção seguramente que, a médio prazo, darão
os seus frutos.
Tuberculose – epidemiologia e estratégias de
prevenção
Tuberculosis – epidemiology and prevention strategies
Ana Aboim Horta*
Hospital Joaquim Urbano, Porto; Escola Superior de Ciências da Saúde. Universidade do Minho
Resumo
Abstract
Apesar de todos os avanços técnicos e científicos, a tuberculose (TB) permanece actualmente, um importante problema
de Saúde Pública. A TB é uma doença provocada pelo Mycobacterium tuberculosis (Mt), transmitido por via inalatória, e
os indivíduos que mais provavelmente desenvolverão doença
serão aqueles que sendo mais susceptíveis, se encontram
mais expostos.
Numa Instituição onde se prestam cuidados de saúde, tem
sido reconhecido o risco da transmissão do Mt, de doentes
com TB activa para outros doentes e para os profissionais
de saúde (PS).
Na tentativa de se prevenir a transmissão nosocomial da
TB devem ser definidos três níveis de controlo: o estrutural, o
ambiental e o controlo de protecção respiratória. Estas medidas
devem ser aplicadas ao doente, ao PS e à Instituição.
Palavras-chave: Tuberculose nosocomial, infecção latente,
profissional de saúde 
Apesar de todos os avanços técnicos e científicos,
a Tuberculose (TB) permanece actualmente, um
importante problema de Saúde Pública. A incidência mundial da doença tem diminuído, apesar
do aumento do número total de novos casos em
termos absolutos, facto justificado pelo crescimento
da população. De facto, tem sido verificada uma
ligeira tendência decrescente das taxas de incidência (menos de 1 % por ano), de prevalência
e de mortalidade global. No entanto, os números
continuam intimidantes.
Estima-se que um terço da população mundial,
aproximadamente dois mil milhões, esteja infectado
pelo agente desta doença, e que nove milhões
de pessoas desenvolvam a doença em cada ano.
Estudos estatísticos apontaram para 9,27 milhões
Despite all technological and scientific progress, Tuberculosis
(TB) remains nowadays as a major Public Health problem.
TB is a disease caused by Mycobacterium tuberculosis (Mt).
It is spread by one person inhaling the bacterium in droplets
coughed or sneezed out by someone with infectious TB. Those
who can get ill easier are those that are more susceptible and
are more exposed to Mt.
The risk that Mt can be transmitted from patients with
active TB to other patients and healthcare workers has been
recognised for many years.
TB transmission control measures in a health unit can be
hierarchized into three levels: structural, engineering, and
individual protection. These measures must be implemented
to the patient, the healthcare worker and the unit care.
Keywords: Nosocomial tuberculosis, latent infection,
healthcare workers 
de novos casos de TB em todo o mundo, em
2007(1), com uma incidência global anual de 139
novos casos por 100 000 habitantes. A incidência
anual mais alta foi verificada em África com 363
novos casos por 105 habitantes. A TB terá em 2007,
provocado em todo o Mundo, a morte a 1 milhão
e 770 mil pessoas.
A resistência simultânea à Isoniazida e à Rifampicina ou multiresistência (MDR-TB) foi diagnosticada
em 500 000 casos, e têm sido descritos de modo
crescente em diversos países (no final de 2008, 55
países registavam pelo menos um caso) casos de TB
extensivamente resistente (XDR-TB), ou seja, com
resistência simultânea à Isoniazida, à Rifampicina, às
fluoroquinolonas, e pelo menos a um dos seguintes
fármacos: amicacina, canamicina ou capreomicina.
* [email protected]
Cadernos de Saúde  Vol. 3  Número especial Infecção Associada à Prática de Cuidados de Saúde – pp. 63-67
64
Cad e r n o s d e S a ú d e  Vo l. 3  N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e
Em Portugal, apesar de se manter a tendência
decrescente da taxa de incidência das últimas décadas
(menos 7,2 %/ano), ela mantém-se elevada, tendo
sido diagnosticados em 2008, 2686 novos casos,
ou seja uma incidência de 25,3 por 105 habitantes,
cerca de duas vezes superior à da média da União
Europeia(2). Os distritos mais afectados foram o
Porto, Viana do Castelo e Lisboa, com taxas de
incidência de respectivamente 36; 35,4 e 34 novos
casos por 105 habitantes. A multirresistência foi
registada em 2 % do total de casos de 2008 (1,6 %
nos novos casos e 7,3 % nos retratamentos). Em
Dezembro de 2008, o total de casos de MDR-TB
multirresistente era de 74 casos, 34 % dos quais com
critérios de XDR-TB.
Como se sabe, a TB é uma doença provocada por
Mycobacterium tuberculosis (Mt), transmitido por via
inalatória e do qual o Homem é o único reservatório
natural. Um indivíduo com TB activa liberta gotículas infecciosas (contendo dois a três bacilos por
gotícula) quando fala, tosse, espirra ou expectora.
Estas gotículas, que podem permanecer viáveis
no ar por longos períodos de tempo, ao serem
inaladas por um outro indivíduo, poderão levar ao
desenvolvimento de doença. Num indivíduo sem
contacto prévio com TB, o bacilo inalado atinge o
alvéolo pulmonar onde, encontrando as condições
óptimas para a sua multiplicação (elevada pressão
de oxigénio) e um sistema imune não activado
(macrófagos alveolares permissivos), se vai multiplicar ao longo de algumas semanas.
Apenas findo este período o sistema imune se
encontra activado e pronto a reagir (macrófagos
capazes de fagocitar e destruir bacilos, estimulados
por interleucinas, citoquinas e interferão-γ produzidas
pelos linfócitos TCD4+ e TCD8+ activados), o que
se traduz na positividade ao teste tuberculínico. Três
situações podem então ocorrer: cura do processo
infeccioso com a morte de todos os bacilos, formação
de uma barreira defensiva em torno do processo, mas
com persistência de bacilos latentes no seu interior
(que poderão ser reactivados ao longo da vida em
10 % dos casos, verificando-se metade dos casos
de reactivação nos dois anos seguintes à infecção)
ou desenvolvimento de doença (propagação dos
bacilos pelo pulmão – TB pulmonar; propagação
dos bacilos pelos linfáticos – TB ganglionar intra
ou extra-torácica; e/ou propagação dos bacilos pela
corrente sanguínea – TB extra-pulmonar).
Os indivíduos que mais provavelmente desenvolverão doença serão aqueles que, sendo mais
susceptíveis, se encontram mais expostos.
As pessoas mais vulneráveis à doença são as
crianças, os idosos, os adolescentes e os adultos
jovens, os com menores recursos socioeconómicos,
tais como, os “sem abrigo”, as minorias raciais ou
étnicas, os alcoólicos e os toxicodependentes por via
endovenosa; os doentes que sofrem de silicose ou
de doença pulmonar crónica; e ainda, aqueles que,
devido a copatologias ou terapêuticas, apresentam
défice imunitário importante, sejam infectados por
VIH, insuficientes renais, gastrectomizados, diabéticos, com neoplasias ou que se encontrem sob
tratamento imunossupressor.
A magnitude da exposição depende da quantidade
e concentração de bacilos no ar (maior em pequenos
espaços não ventilados), da duração da exposição,
da proximidade a um doente com TB, da virulência
dos bacilos, da dimensão das partículas inaladas (as
partículas verdadeiramente infecciosas são as mais
pequenas, com cerca de 1-5 µm de diâmetro) e de
algumas características do indivíduo infectante (se
cumpre ou não tratamento, se se encontra ou não
bacilífero, se apresenta uma forma extensa de TB,
uma forma laríngea ou uma cavitação pulmonar,
e da intensidade da tosse).
A realização de broncoscopia, aplicação de terapêuticas em aerossóis, preparação de produtos para
exame bacteriológico ou a realização de autópsia de
doentes, são técnicas no decurso das quais podem
ser mais facilmente geradas partículas infectantes.
Pelo apontado será fácil de supor que numa
instituição onde se prestam cuidados de saúde,
tanto os doentes que lá se encontram internados
ou que lá acorrem, como os profissionais de saúde
(PS), que lá exerçam a sua actividade profissional,
poderão estar em risco de desenvolver TB.
O risco de um PS (médico ou enfermeiro, auxiliar
de acção médica, estudante de medicina ou de
enfermagem, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional,
radiologista ou técnico de radiologia, técnico de
laboratório ou outro) desenvolver TB está dependente quer da existência de patologia de base que
o torne mais susceptível, quer da função e do local
do trabalho que exerce. Um trabalho que torne a
exposição ao Mt frequente, intensa e duradoira,
representará um risco acrescido para quem o executa.
Os Centers for Disease Control (CDC) definiu
três níveis de risco na transmissão nosocomial da
TB(3): baixo risco (a exposição não é provável),
médio risco (a exposição pode ocorrer) e potencial
risco da transmissão ocorrer (evidência de transmissão pessoa-a-pessoa no último ano, ocorrência
de conversão no teste tuberculínico ou TB activa
Tuberculose – epidemiologia e estratégias de prevenção
em PS e comprovação da origem hospitalar dos
casos pela técnica de Restriction Fragment Lengt
Polymorphism (RFLP).
De acordo com os dados da Direcção-Geral da
Saúde, foram notificados em Portugal, entre 1997
e 2001, os seguintes casos de TB em PS: em 1997,
56 casos; em 1998, 55 casos; em 1999, 72 casos;
em 2000, 49 casos e em 2001, 30 casos. Os profissionais mais atingidos foram aqueles com maior
duração de exposição aos doentes, designadamente
os enfermeiros e os auxiliares de acção médica com
respectivamente, 89 e 57 casos, durante esse mesmo
período e a maior parte dos casos ocorreram em
PS trabalhando num Hospital (217 casos).
Em 1998, a incidência de TB nos PS foi de 73,7
casos por 105 habitantes enquanto na população
geral foi de 50,1 casos por 105 habitantes (risco
relativo de 1,5 para os PS). A incidência foi superior
nos PS, mesmo tendo em conta a distribuição etária
e particularmente ao se considerar o estrato socioeconómico destes grupos (4).
Na tentativa de se prevenir a transmissão nosocomial da TB devem ser definidos três níveis de
controlo: o organizacional (comissão de controlo
de infecção – ex. diagnóstico, isolamento e tratamento precoce dos doentes infecciosos, vigilância
e treino contínuo dos PS), ambiental (redução da
concentração de aerossóis infectantes baseada em
princípios tecnológicos de engenharia) e controlo de
protecção respiratória (através do uso de máscaras)
(3, 5). Estas medidas devem ser aplicadas ao doente,
ao PS e à Instituição.
Todo o doente deve ser ensinado a cobrir a
boca e o nariz quando tosse ou espirra, e deve ser
considerado como suspeito de TB se: apresentar
sintomas sugestivos da doença (sintomas gerais e/ou
respiratórios), se apresentar alterações sugestivas na
teleradiografia do tórax, se tiver história de contacto
com doente com TB (durante um período superior
a doze horas) e/ou tiver predisposição à doença
(imunossuprimido). Se um doente for suspeito de
TB, deve ser isolado, deve ser esclarecido quanto
à doença que se suspeita ter (o que é e como se
transmite), deve ausentar-se do seu quarto o menos
possível e usar uma máscara apropriada quando
o fizer.
Os PS e visitantes devem também usar máscaras
quando entrarem no quarto, devem ser evitados
tratamentos que envolvam a produção de aerossóis,
a confirmação do diagnóstico deve ser conseguida
o mais rápido possível, para que o tratamento sob
observação directa (DOC) seja iniciado de ime-
65
diato, o doente deverá ter alta o mais precocemente
possível, com orientação terapêutica e vigilância
pós-alta asseguradas e os seus contactos deverão
ser rastreados e tratados se necessário.
Um diagnóstico rápido poderá ser conseguido
pela integração dos dados provenientes da clínica
apresentada, da imagiologia, da prova tuberculínica,
da análise de todos os produtos possíveis e plausíveis
de serem analisados (expectoração, secreções bronquicas, líquido pleural, pleura, aspirado ganglionar ou
gânglio, líquor, aspirado medular, aspirado gástrico,
fragmento hepático, líquido ascítico, urina, outros)
e eventualmente de uma prova terapêutica.
A análise dos produtos pode ser realizada pela
coloração de Ziehl-Nielsen em exame directo –
fornece resultado num período inferior a 24 horas;
pela cultura em meios sólidos clássicos (meio de
Lowenstein-Jensen que fornece resultados em 15
– 60 dias) ou líquidos associados a sensores radiométricos (BACTEC), fluorescentes, colorimétricos
ou de pressão (permitem resultados num menor
período de tempo – 9 a 21 dias); por testes de
amplificação de ácidos nucleicos (utilizando sondas
genéticas ou Polymerase Chain Reaction – PCR)
com resultados em algumas horas apenas ou por
exames anátomo-patológicos de produtos obtidos
por biópsia ou aspirado. A todo o isolamento inicial
de Mt deve ser feito um teste de sensibilidade aos
tuberculostáticos que deverá ser repetido perante
uma falha do esquema terapêutico.
Um doente com TB confirmada poderá ter alta
do isolamento se, cumprindo terapêutica, que inclui
rifampicina com início pelo menos duas semanas
antes, apresenta melhoria clínica e três amostras
de expectoração negativas (pelo menos uma delas
colhida de manhã e com intervalo entre as colheitas
de, pelo menos, oito a 24 horas). Se o esquema
terapêutico não incluir Rifampicina, o doente com
TB confirmada poderá ter alta do isolamento apenas
se completou pelo menos quatro semanas de tratamento, apresenta melhoria clínica e tem três amostras
de expectoração negativas (com os requisitos acima
apontados). Os casos em que havia suspeita de TB
poderão ter alta do isolamento se apresentarem três
amostras de expectoração negativas.
Quando um profissional de saúde é admitido
numa instituição de saúde, deve ser sujeito a uma
consulta onde lhe é colhida uma história médica com
particular ênfase para a história vacinal, passado de
TB, resultados da prova tuberculínica, principalmente
se realizada nos últimos doze meses, eventual tratamento de TB infecção latente (TB-IL) realizado e
66
Cad e r n o s d e S a ú d e  Vo l. 3  N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e
história de patologia ou terapêutica imunodepressora.
O PS deverá, também nessa altura, ser submetido
a uma prova tuberculínica com reteste e/ou a um
teste de doseamento do interferão-γ (IGRA) (6, 7).
O reteste de um teste tuberculínico, ou seja, a realização de uma nova prova tuberculínica sete a dez
dias depois da primeira se essa prova for negativa
(inferior a 10 mm de diâmetro), pretende diminuir
a probabilidade de um booster ser interpretado
mais tarde, numa outra prova, como uma viragem
tuberculínica.
De facto, um indivíduo com hipersensibilidade
à tuberculina (por infecção por Mt remota, realização da vacina pelo bacilo Calmette-Guérin – BCG,
ou contacto com micobactérias ambientais não
tuberculosas) pode não responder a uma primeira
prova mas esta prova pode estimular a capacidade
de reagir a uma segunda prova realizada pouco
tempo depois. Se no reteste, a prova se mantiver
negativa, o PS é então definido como não possuindo
hipersensibilidade à tuberculina e como não tendo
tido contacto prévio com a Mt. Se nessa primeira
prova ou no reteste, essa prova for positiva (maior
que 10 mm de diâmetro), esse PS é definido como
tendo tido contacto prévio com o Mt e deverá ser
submetido a estudo para determinar se possui TB-IL
ou TB-doença e ser tratado de acordo.
Este cut-off de 10 mm é usado para os PS e para
os contactos recentes com doentes bacilíferos, sem
BCG recente. O cut-off de 5mm é usado para as
crianças sem vacinação pelo BCG e para os imunodeprimidos e o cut-off de 15 mm indica sempre
infecção pelo Mt qualquer que seja o estado vacinal
e de contacto. Os indivíduos com valores na prova
tuberculínica inferior a 5 mm são considerados não
reactivos.
O IGRA(7) é um teste em que se utiliza uma
amostra sanguínea do indivíduo que se põe em
contacto com antigénios específicos do Mt (ESAT-6 e
CFP 10). Estes antigénios irão estimular os linfócitos
sanguíneos do indivíduo que, se no passado já estiveram em contacto com estes antigénios, produzirão
de imediato interferão-γ que será detectado tornando
o teste positivo. Estes testes apresentam uma especificidade entre 89 e 100 % (superior à da prova
tuberculínica) e uma sensibilidade entre 58 e 89 %
(é mais baixa nos imunodeprimidos e é semelhante
à da prova tuberculínica). A vantagem deste teste
reside na menor percentagem de falsos positivos,
uma vez que a vacinação pelo BCG e a infecção
pela maioria das micobactérias não tuberculosas não
tornam positivo este teste. Um resultado positivo
a este teste indica, assim, o contacto prévio com
Mt, devendo ser feita a distinção entre TB-doença
e TB-IL, que devem ser especificamente tratadas.
Todos os dados colhidos nesta consulta de admissão deverão ser registados em local próprio. Após
a admissão e durante o período em que o PS se
encontra em funções, este deverá ser aconselhado
a conservar o seu estado imunitário, deverá ser
alvo de formação contínua (treino, conhecimento
e cumprimento das normas, protecção individual)
e reavaliado periodicamente (realização de teste
tuberculínico/IGRA, se na admissão estes eram
negativos e teleradiografia do torax, anualmente).
As máscaras a serem usadas pelos doentes com
suspeita ou TB confirmada, destinam-se a evitar
a exalação de aerossóis infectantes, e podem ser
máscaras cirúrgicas que não possuem qualquer
inscrição. As máscaras usadas pelos PS destinam-se
a prevenir a inalação de aerossóis infectantes (3,4)
e, são máscaras que apresentam uma inscrição: as
americanas têm a inscrição NIOSH TC-84A-0010 e
podem ser N95 ou PFF2(8, 9) e as europeias têm
a inscrição EN149-2001 e podem ser FFP1, FFP2
ou FFP3(10, 11).
Quando num PS se verificar um teste tuberculínico
positivo (superior a 10 mm de diâmetro), um IGRA
positivo, uma conversão tuberculínica (transformação de um resultado negativo em positivo) ou um
aumento do resultado de um teste tuberculínico em
10 mm em relação ao teste anterior no prazo máximo
de dois anos, deverá ser instituído um tratamento
de TB-IL após a exclusão de TB-doença. Vários
esquemas podem ser utilizados para tratamento da
TB-IL (2 meses de isoniazida, rifampicina e pirazinamida; 6, 9 ou 12 meses de isoniazida; 4 meses de
isoniazida e rifampicina; 2 meses de pirazinamida
e rifampicina ou ajustado caso se trate de contacto
com TB resistente).
Quando um PS apresentar sintomas sugestivos
de TB deve ser estudado para esclarecimento da
situação e tratado de acordo, devendo ausentar-se
do local de trabalho durante o estudo/tratamento.
Numa Instituição de Saúde, a comissão de controlo
da TB deve: conhecer as taxas de TB e TB resistente
nessa mesma instituição, identificar as áreas de risco,
instituir normas e vigiar o seu cumprimento, vigiar
os PS (avaliação na admissão, reavaliação periódica
e tratamento da TB-IL quando indicado), conhecer
a prevalência da TB-IL e da TB nos PS e avaliar os
programas instituídos.
Esta comissão deve conciliar as diversas áreas
da instituição: a área Clínica, as áreas da Saúde
Tuberculose – epidemiologia e estratégias de prevenção
Ocupacional e da Engenharia Hospitalar e a Administração. Devem ser conhecidas as áreas de risco
e os gabinetes de consultas e as respectivas salas
de espera devem ser separadas conforme a especialidade (por exemplo as consultas de Pediatria
devem ser afastadas da área das consultas de Pneumologia ou de Infecciologia). Os doentes devem
ser separados conforme as patologias (por exemplo
deve ser evitado marcar exames para um doente
em quimioterapia próximo do de um doente com
suspeita de TB). Devem ser usadas máscaras, quer
pelos doentes com TB ou suspeita, quer pelos
doentes imunossuprimidos e visitantes.
A nível institucional, vários mecanismos ou equipamentos deverão ser usados de acordo com as
taxas ou o risco local de TB3: exaustores (captam
e removem contaminantes suspensos no ar perto
da fonte), ventilação geral (será necessário um
número igual ou superior a seis-doze mudanças
completas de ar por hora para que a quantidade
de partículas infecciosas seja reduzida em 99 %).
O ar contaminado tem que ser direccionado para
uma determinada zona onde fica retido sem invadir
zonas não contaminadas.
O uso de pressão negativa nos quartos permite
que o ar contaminado fique retido numa zona do
quarto não invadindo zonas não contaminadas.
O ajuste do fluxo de ar no interior de um quarto
previne a estagnação do ar, o uso de filtros promove
a desinfecção do ar (filtros de ultravioletas ou “highefficiency particulate air filters” – HEPA – capazes
de remover 99,97 % das partículas com diâmetro
superior a 0,3 µm) e o uso de antecâmaras aumenta
a eficácia do isolamento tornando menos provável
o escape.
A vigilância aos PS pode proteger tanto o PS
como os doentes. A infecção activa ou latente num
PS pode alertar para a ocorrência de transmissão,
permitindo a identificação de lapsos e a sua pronta
correcção.
Embora a situação venha lentamente a ser modificada, a comparação entre o que é preconizado (3)
e a prática seguida nos serviços hospitalares levanta
ainda algumas preocupações.
67
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Feridas crónicas – Fisiopatologia e tratamento
Chronic wounds – physiopathology and management
Aníbal Justiniano*
Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Católica Portuguesa
Resumo
Abstract
Os estudos da biologia molecular e da histoquímica, trouxeram novos conhecimentos da fisiopatologia das feridas
crónicas. Também a microbiologia, ao mostrar a existência
de biofilmes no leito das feridas crónicas, conduziu a novas
orientações terapêuticas.
Efectivamente, o tratamento das feridas crónicas deve ser
diferente daquele que é realizado para as feridas agudas.
A European Wound Manegement Association (EWMA), tornou
consensual a adopção do esquema TIME para o tratamento
local das feridas crónicas.
O tratamento do doente com ferida crónica tem de ser
orientado após o conhecimento global do doente, da etiologia
da ferida e da avaliação desta, para que o tratamento sistémico
e local seja correctamente orientado.
Palavras-chave: feridas crónicas, fisiopatologia, biofilme,
tratamento. 
Introdução
A frequência cada vez maior de feridas crónicas
no Mundo conduziu a que a OMS, em Março de
2008, em Genebra, alertasse os vários países ali
repre­sentados:“As feridas crónicas são a epidemia
escondida que afecta grande parte da população
mundial”.
Os elevados custos, quer para a comunidade,
quer para os hospitais resultan­tes do tratamento
e da morbilidade, ocupam na Europa um papel
preocupante, à medida que os registos dos doentes
tratados por feridas vão sendo efectua­dos. (1)
Em Inglaterra, Franks et al. apontam que em 2005
se gastaram entre £168 milhões e £198 milhões para
The recent studies on molecular biology and histochemistry
bring new concepts about chronic wounds pathophysiology,
and also the microbiology about the existence of the chronic
wounds bed biofilmes. These new wound healing ad­vances
carry new concepts about therapeutic assessment.
Really, the orientation of the chronic wounds management
and treatment must be different of the acute wounds assessment
and therapy.
The European Wound Management Association (EWMA)
consensual scheme TIME brings new ways to chronic wounds
local management.
The chronic wounds management must be oriented after
global assessment of the patient, the wound aetiology and
chronic wound assessment. Only with these parameters we
can have a correct systemic and local wound manage­ment.
Keywords: chronic wounds, physiopathology, biofilm,
management 
tratar LU e £1,8 biliões a £2,6 biliões para prestar
assistência aos doentes com Úlceras Pressão (UP).
(2) Leaper chama a aten­ção para os custos estimados
para o tratamento de Feri­das Cirúrgicas Infecta­das,
apontando números de 1,47 biliões a 19,1 biliões
de €.(3)
Embora não haja ainda em Portugal dados de
avaliação de custos para o tra­tamento das Feridas,
o número destas está também a aumentar como
conse­quência do número de acidentes de viação,
conduzindo a um número elevado de doentes
paraplégicos e tetraplégicos (4), candidatos ao
aparecimento de UP.
No nosso País, o número de LUs por doença
arterial e/ou venosa aumentou, consequência do
* [email protected]
Cadernos de Saúde  Vol. 3  Número especial Infecção Associada à Prática de Cuidados de Saúde – pp. 69-75
70
Cad e r n o s d e S a ú d e  Vo l. 3  N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e
aumento do tempo de vida da população. Efecti­
vamente, quer a Patologia Arterial Arteriosclerótica,
quer a resultante da Dia­betes Mellitus de tipo II,
são uma consequência da maior lon­gevidade dos
por­tugueses. Também as LUs resultantes da Insufi­
ciência Venosa Crónica dos membros inferiores são
mais frequentes nas pes­soas mais idosas.
A cicatrização das feridas agudas
O processo de cicatrização de uma ferida aguda
é uma sequência de fenó­menos que envolvem todo
o organismo (Quadro 1).
Quadro 1 – Cronograma da cicatrização das feridas agudas
Sempre que há uma agressão ao organismo, seja
cirúrgica, traumática, isqué­mica, infecciosa, química,
auto-imune ou pelo calor, assiste-se a uma resposta
metabólica sistémica.
Todas as feridas agudas resultam de um processo
de agressão do orga­nismo. Daqui se conclui que a
cicatrização de uma ferida não pode ser encarada
como um mero processo de reparação local, mas
como uma sequência de fenóme­nos sis­témicos, a
par de fenómenos locais, que ocorrem paralela e
simultaneamente. (Quadro 2) Os dois fenó­menos,
Quadro 2 – Fases da evolução da cicatrização das feridas agudas
sistémicos e locais, têm como objectivo a reparação,
não só da ferida, mas da preservação da homeostasia
do orga­nismo. (5)
A sequência de fenómenos sistémicos, envolvidos
na cicatrização, po­de não ser aparente, dependendo
do tamanho, da profun­didade, da localiza­ção, do
grau de infecção da ferida e, necessaria­mente, do
estado fisiológico, nutricional e imunológico do
doente.
Uma ferida aguda, com terapêutica correctamente
orientada, normalmente cicatriza em 6 semanas,
através de dois processos, um de reparação, em que
os tecidos são substituídos por tecidos iguais, e outro
processo de fibrose ou fibroplasia, cuja finalidade
é a substituição do tecido conectivo.
No entanto, há factores que podem alterar a
reparação tecidular durante a cicatrização das feridas pela sua interferência na resposta habitual do
orga­nismo a uma agressão externa. Desenvolve-se,
então, uma resposta sistémica que altera a resposta
local da agressão e esta, por sua vez, provoca uma
resposta sistémica contínua, diferente daquela que,
nor­malmente, ocorre no processo de cicatriza­ção
duma ferida aguda.
Há comorbilidades, como as doenças cardiovasculares e respiratórias, condicio­nando hipoxia, a
anemia, as alterações congénitas ou adquiridas da
coagulação, a trombocitopenia idiopática ou medicamentosa, as doenças metabólicas, nomeadamente
a diabetes, a obesidade ou a desnutrição e, ainda,
outras resultantes de processos terapêuticos, como a
quimioterapia e a radiote­rapia ou por medicamentos,
nomeadamente imunossupressores, antinflamató­rios
e corticóides que afectam a resposta inflamatória e
que, por si só, são capazes de desencadear respostas
locais que alteram a cicatrização, aumen­tando o
risco de infecção das feridas.
Também existem factores locais, isto é, na própria
ferida, que interferem, isola­damente ou em conjunto,
na evo­lução da cicatrização. Efectivamente, a hipoxia
no leito da ferida, a desi­dratação, o excesso de exsudato, a presença de tecido necrótico ou de corpos
estranhos, a infecção local da ferida, bem como
aqueles que resultam da execução do tratamento
local da ferida. Interferem, também, na evolução da
cicatrização a diminuição da temperatura ambiente,
a utilização de solutos de limpeza frios inadequados
e/ou citotóxicos e, ainda, os trauma­tismos recorrentes
da ferida efectuados inadvertidamente pelo doente
ou pelo cuida­dor durante o tratamento.
Feridas crónicas – Fisiopatologia e tratamento
Feridas Crónicas
Qualquer ferida que não cicatrize em seis semanas,
com terapêutica correcta­mente orientada, deve ser
considerada uma ferida crónica.A complexidade
duma ferida crónica é difícil ser aceite pela maioria
dos pro­fissionais de saúde.Os mais recentes avanços
tecnológicos aplicados ao estudo da biologia mole­
cular das feridas permitiram uma melhor compreensão da fisiopatologia das feridas crónicas e, portanto,
orientar melhor o seu tratamento.
Infelizmente, continuam a repetir-se os mesmos
erros que Collier e Hollinworth apontam: “Todos
os cuidadores, de qualquer grupo profissional, têm
uma preo­cupação prática focada no tratamento da
ferida, sem encarar o doente como pessoa”.(6) Esta
afirmação encerra a necessidade de elaborar um
plano de tratamento que englobe a avaliação do
doente, a etiologia da ferida crónica e o tratamento
local desta.
Avaliação geral do doente com ferida
crónica
71
(MEC) e na expressão dos inibidores tecidulares
daquelas metaloproteinases (TIMPs). (7)
Analisar as causas da alteração do sono do doente
e procurar regularizá-lo é importante pelo papel
que desempenham na deterioração do estado geral
e das defesas imunológicas do doente.
Etiologia da ferida crónica
Encontrar a etiologia da ferida crónica é o passo
seguinte, para que o plano de tratamento possa
ser eficaz. As feridas crónicas podem ser úlceras
resultantes de doença arterial, venosa ou mistas,
necessitando de um diagnóstico diferencial para que
a terapêutica possa ser eficaz, como, por exemplo,
a terapêutica compressiva nas úlceras resultantes de
insuficiência venosa cró­nica dos membros inferiores.
A identifi­cação duma UP levará a que sejam defi­nidas
medidas gerais, não só para o tratamento da úlcera
existente, como também preventivas que impeçam
situa­ções semelhantes. (Fig. 1)
Figura 1 – Etiologia das feridas crónicas
A avaliação global ou holística do doente permite
introduzir as correc­ções no seu estado geral para
que o processo de cicatrização da ferida ou feridas
se realize regularmente. (Quadro 3)
Quadro 3 – Avaliação global do doente com ferida crónica
Os cui­dadores (médicos e enfermeiros) não podem
esquecer o nível socioeconómico do doente, uma
vez que este pode ser um factor predictivo da
evolução da cicatrização. O nível profis­sional mais
baixo associa-se sempre a pior cicatrização.
A ansiedade e a depressão provocam alterações
da função imunitária, bem como da regulação das
metaloproteinases (MMPs) da Matriz Extracelular
As feridas crónicas resultantes de doenças metabólicas, nomeadamente da diabetes e do hiperparatireoidismo, implicam medidas terapêuticas dirigidas
às alterações dismetabólicas.
Algumas doenças parasitárias, como a Filariose,
podem provocar o apareci­mento de úlceras que
não cedem à terapêutica se a doença causante não
for tratada.
As feridas crónicas traumáticas necessitam de
identificação do meca­nismo do traumatismo, para
que se possa evitar a infecção, quer da ferida, quer
sisté­mica.
72
Cad e r n o s d e S a ú d e  Vo l. 3  N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e
As feridas malignas, quando não podem ser ressecadas, exigem um trata­mento que dê ao doente
uma melhor qualidade de vida.
Há ainda outras feridas crónicas menos frequentes
para as quais é neces­sário encontrar a etiologia para
que o seu tratamento seja correctamente con­duzido.
Assim, identificada a etiologia, é possível estabelecer
agora o plano de trata­mento local da ferida crónica.
Exsudato das feridas crónicas
Após a avaliação do doente e da etiologia da
ferida crónica, para que possa ser definido o plano
de tratamento local, é necessário não esquecer que
as feridas crónicas têm a sua própria fisiopatologia,
isto é, o processo de tratamento das feridas crónicas
é dife­rente das feridas agudas.
As feridas crónicas, seja qual for a etiologia, resultam duma agressão contínua que provoca resposta
sistémica e local, também, contínuas.
Há, assim, uma resposta espontânea inflamatória
persistente que condiciona localmente alterações
histológicas e histoquímicas que, progressivamente,
vão sendo cada vez melhor conhecidas.
Histologicamente há, como em todos os estados
inflamatórios, uma infiltração por células mononucleares (macrófagos, linfócitos e plasmócitos). Mas,
este estado inflamatório persistente é acompanhado
de destruição tecidular, prolife­ração exagerada de
vasos sanguíneos e substituição perma­nente de tecido
conectivo e fibrose. Estes aspectos condicionam um
atraso na cicatrização.
Vicente Falanga define que nas feridas crónicas há
uma “carga necrótica” constante, com duas expressões, o tecido necrótico e o exsudato aumentado. (8)
A degradação da MEC que, normalmente, acontece durante a cicatrização de todas as feridas por
acção das MMPs produzidas pelos fibroblastos, pelos
macrófagos, pelos neutrófilos e pelas células sinoviais
e epiteliais, induzidas pelos Factores de Crescimento
(PDGF e FGF), pelo Factor de Necrose Tumo­ral
(TNF) e pela Interleucina-1 (IL-1), está aumentada,
prolongando-se o estado inflamatório. Efectivamente,
o número de fibroblastos senescentes é superior
a 15 % e há assim uma relação aumentada entre
fibroblastos senescentes e fibroblastos normais. Deste
modo, há um aumento da acção das MMPs, uma vez
que os seus inibidores estão diminuídos, assistindo-se a degradação da fibronectina e da vitronectina,
elementos chaves da MEC; a este processo associa-se
um bloqueio da acção dos Factores de Crescimento.
Como conse­quência, há aumento do Colagénio III,
estabecendo-se uma relação aumentada entre o
Colagénio III e o Colagénio I.
O exsudato das feridas crónicas tem, portanto,
uma composição bioquímica diferente do exsudato
das feridas agudas e a sua abundância nas feridas
cró­nicas conduz a um atraso da cicatrização e à
maceração da pele adjacente à ferida. A proliferação dos queratinócitos, controlada pela MMP-1
(colagenase intersticial) está diminuída, bem como
a formação de células endoteliais.
Biofilmes
A pele está normalmente colonizada por bactérias
não patogénicas ou comensais. A sua função principal é inibir a colonização da pele por bactérias
patogénicas.
Sempre que há uma solução de continuidade na
superfície cutânea há migração bacteriana para o
leito da ferida. Aqui, as bactérias envolvem-se por
uma camada protectora de exo-polissacarídeos (a
Substância Polimérica Extrace­lular) que lhes serve
de protecção não só das agressões exteriores, como
tam­bém das defesas do próprio hospedeiro. Forma-se
aquilo que é designado por biofilme. A maturação
destes biofilmes faz-se em duas a três semanas. As
bactérias mais externas, em contacto com agentes
agressivos, desenvolvem e libertam factores plasmídicos de resistência, ficando na espessura do
biofilme, formando-se novos factores de virulência
para manter a sobrevivência. Nos biofilmes há,
portanto, comunidades bacterianas muito organizadas
que per­mitem a interacção entre microrganismos
individuais, ao mesmo tempo que permitem a troca
de nutrientes e metabolitos. (9)
Feridas crónicas – Fisiopatologia e tratamento
73
e corrigir as anomalias que atrasam a cicatrização,
através de procedimentos terapêuticos locais.
De cada vez que se observa o leito de uma ferida
este esquema deve ser posto em prática: T significa
tecido não viável, isto é, é necessário identificar
todos os tecidos necróticos existentes no leito da
ferida e eliminá-los por desbridamento contínuo; I
representa que os focos de infecção e de inflamação
necessitam de tratamento local ou sistémico; M, o
meio ambiente do leito da ferida deve ser mantido
húmido; E a epiderme dos bordos da ferida necessita
de ser protegida e estimulada.
No leito das feridas crónicas os biofilmes conferem
protecção bacteriana contra os efeitos de agentes
agressivos, nomeadamente os agentes antimicrobianos, antibióticos e antissépticos, sendo difíceis
de erradicar. Há assim um estado de colonização
crítica bacteriana que pode facilitar a infecção do
hospedeiro, quando as bactérias encontram facilidade
de penetração celular no leito da ferida.
Tratamento das feridas crónicas
Uma vez que as feridas crónicas têm um comportamento diferente das feridas agudas, o seu
tratamento tem de ser orientado de modo distinto
destas, ainda que as linhas gerais de orientação
sejam comuns.
A avaliação geral do doente permitirá identificar e
tratar as suas morbilidades, optimizar o seu estado
nutricional e de hidratação, minimizar ou eliminar os
riscos de infecção, procurar outros locais de infecção
que possam intervir sob o ponto de vista sistémico
ou local na evolução da cicatrização da ferida.
A identificação da etiologia da ferida conduzirá à
definição das medidas tera­pêuticas que, aliadas ao
tratamento local, favoreçam a cura da ferida e possam
prevenir não só a sua recidiva mas a prevenção do
aparecimento de novas feridas semelhantes.
O tratamento local da ferida tem três objectivos
fundamentais decorrentes da sua fisiopatologia e
do seu comportamento: tratar a infecção, remover a
“carga necrótica” do leito da ferida, isto é, o tecido
necrótico, e o excesso de exsudato.
A European Wound Management Association
(EWMA) tem incentivado todos os cuidadores de feridas a utilizar o esquema TIME, baseado no trabalho
da International Wound Bed Preparation Advisory
Board. O objectivo é optimizar o leito da ferida,
diminuindo a inflamação, o exsudato, a infecção
Limpeza da ferida
A limpeza das feridas é sem dúvida o primeiro
degrau da escada do tratamento das feridas; ao serem
removidos os restos necróticos e os biofilmes reduz-se, também, o excesso de exsudato. A utilização de
solução fisiológica tépida ou até água de consumo
tépida corrente, é eficaz para este efeito, aplicada
direc­tamente ou com jactos realizados com uma
seringa. Para que seja eficaz deve ser feita com uma
pressão entre 4 PSI a 15 PSI, o que pode ser obtido
com o recurso a uma seringa de 20 ml com uma
agulha ou cateter de 18 gauge ou até de 21 gauge,
com as quais se obtém um jacto, respectivamente,
de 9.5 PSI ou de 12.5 PSI.
Em feridas infectadas é útil a lavagem inicial com
solução aquosa de iodopovi­dona a 10 % ou com
solução aquosa de undecilenamidopropil betaina
a 0,1 % e polihexanida a 0,1 %. A utilização de
qualquer destes solutos implica que, após a limpeza
inicial, permaneçam no leito da ferida durante um
período de 15 min, a que se seguirá a sua remoção
com solução fisiológica tépida.
Por vezes, pode ser útil a imersão da ferida em
água tépida durante algum tempo, sobretudo quando
se trata de feridas dos membros inferiores.
Desbridamento
O segundo degrau do plano de tratamento local
é o desbridamento. A presença contínua de tecidos
necrosados, impedindo a evolução normal da cicatrização, implica o desbridamento contínuo ou de
manutenção, excepto quando a ferida crónica resulta
de oclusão arterial, de atingimento de estruturas
neurovascula­res “major” ou se a ferida se localiza no
calcanhar de pessoas idosas ou, ainda, se é maligna.
O desbridamento cirúrgico é utilizado sobretudo
em feridas de maiores dimensões. Há cirurgiões que
74
Cad e r n o s d e S a ú d e  Vo l. 3  N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e
recorrem ao desbridamento hidrocirúrgico realizado
na sala de operações, com aparelho adequado para
a emissão de jactos de água a alta pressão.
O recurso ao desbridamento mecânico, quer por
fricção com compressas húmi­das, quer pelo método
húmido-seco, utiliza a aplicação de compressas
humedecidas que se colocam na ferida e se deixam
secar antes de serem reti­radas, arrastando os tecidos
desvitalizados ou ainda, a irrigação-aspiração de
solutos aplicados sobre as feridas. A hidroterapia em
tanques com água em turbilhão tem também sido
utilizada. Qualquer destes métodos pode despertar
dor e facilitar infecções cruzadas.
No desbridamento enzimático utilizam-se enzimas
proteolíticos que destroem e facilitam a libertação
dos tecidos desvitalizados sem agressão dos tecidos
viá­veis. O mais utilizado é a pomada de colagenase,
enzima obtido do Clostri­dium histollyticum, ainda
que o recurso à papaína, retirada de um fruto tropical,
a papaia, tivesse já sido utilizada, bem como a
tripsina. A colagenase actua destruindo as fibras de
colagénio, que mantêm o tecido necrótico aderente
ao leito da ferida, promovendo a formação de tecido
de granulação.
O desbridamento autolítico é, sem dúvida, o mais
utilizado no tratamento das feridas crónicas. Todos
os produtos utilizados promovem a hidratação do
leito da ferida, quer por fibrinólise, quer por acção
enzimática sobre os lipossomas e outros produtos
da flora bacteriana presente no leito da ferida, fazem
a eliminação dos tecidos necrosados. Utilizam-se
os hidrogeles, a maltodextrina e o poliacrilato com
solução de Ringer.
Mais recentemente surgiu o desbridamento biológico realizado com a aplicação de larvas da mosca
Lucília sericata no leito da ferida. Estas larvas apenas
se alimentam dos tecidos mortos, limpando o leito
da ferida sem comprometerem os restantes tecidos.
Controlo do Exsudato
O controlo do exsudato começa com a limpeza da
ferida e completa-se quando, após o desbridamento,
se aplicam pensos absorventes, hidrofibras, alginatos
de cálcio ou espumas de poliuretano, de acordo
com a quantidade de exsudato.
Controlo do ambiente microbiano
O último degrau na escada do tratamento das
feridas é, necessariamente, combater a infecção. A
infecção deve ser tratada com antibióticos aplicados
por via sistémica, após identificação microbiológica
e identificação do espectro antimicrobiano, sempre
que o estado do doente permita esperar por estes
resultados. O uso indiscriminado de antibióticos por
via sistémica ou local deve ser combatido.
Nas feridas as estirpes bacterianas mais frequentes são Staphylococcus aureus e a Pseudomonas
aeroginosa.
A aplicação de antibióticos locais condu­ziu ao
aparecimento de estirpes resistentes, tais como o
Staphylococcus aureus meticilino-resistente (MRSA).
Outras estirpes resistentes têm já sido identificadas,
criando dificuldades ao tratamento local das feridas
crónicas infectadas.
Há, contudo, a possibilidade de associar ao tratamento sistémico o tratamento local da infecção com
pensos com algumas substâncias antissépticas, para
as quais não são ainda conhecidas resistências. Os
pensos impregnados com prata são uma mais-valia
para este efeito, embora possam surgir nalguns
doente efeitos adversos (10) Também o cadexómero
de iodo, em pó ou em creme, é outro meio antimicrobiano para tratamento, apenas com a ressalva
das reacções alérgicas de alguns doentes, bem como
naqueles que, tendo patologia tireoideia, o seu uso
deve ser evitado. Os pensos impregnados com mel
aproveitam duas propriedades do mel, o seu efeito
desbridante e a sua acção bacteriostática. (11)
Mais recentemente surgiram pensos impregnados
com polihexametileno biguanida a 0,5 % (PHMB)
que vieram trazer um maior espectro de acção local
no tratamento das feridas crónicas (12).
Continuam a investigar-se novas técnicas nesta
área que, com certeza, trarão novas orientações no
tratamento das feridas crónicas.
Feridas crónicas – Fisiopatologia e tratamento
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Metodologia das comissões de controlo
da infecção
Infection control commissions’ methodology
Rui Fernando Teixeira Bastos*
Comissão de Controlo de Infecção do Hospital da Prelada
Resumo
Abstract
A discussão sobre a validação das metodologias adoptadas
pelos Programas de Prevenção em Controlo de Infecção,
bem como os critérios em que as Comissões de Controlo
de Infecção se baseiam para desenvolver as actividades de
vigilância epidemiológica, são alvo da maior atenção por parte
das autoridades nacionais e internacionais que regulam e
norteiam as estratégias de combate a esse problema de saúde
pública que são as Infecções Associadas aos Cuidados de
Saúde (IACS).
Segurança e confiabilidade são os desígnios que norteiam os
Planos de Operacionalização, Prevenção e Controlo de Infecção
(POPCI) da tutela nacional e das organizações de saúde de
referência internacional. O objectivo é proteger os doentes, os
profissionais e todos os que recorrem aos serviços de saúde.
A estratégia é educar, partilhar informação e promover uma
cultura de excelência adaptada à realidade social e preparada
para os desafios que um mundo em permanente e veloz
alteração, obriga a que todos os cidadãos sejam contribuintes
efectivos de uma vida melhor.
The discussion concerning the validation of the methodologies
adopted by the Infection Control Prevention Programs, as well
as the criteria in which the Infection Control Commissions rely
to develop the activities of epidemiological surveillance, are
at the centre of attention when it comes to the national and
international authorities that regulate and guide the fighting
strategies to that public health problem, i.e. Infections related
to Health Care.
Safety and reliability are the designs that guide the Plans
concerning Operationalization, Prevention and Infection Control,
which are under the tutelage of the state and of the worldlyrenowned health organizations. The goal is to protect the
sick, the professionals and those who need health services.
The strategy is to educate, share information and to promote
a culture able to excel, a culture that is adapted to the social
reality and ready for the challenges of a world in constant and
rapid change, making it mandatory that all citizens become
truly contributors to a better life. Keywords: Infection, health care 
Palavras-chave: Infecção, cuidados de saúde 
Introdução
Quando se pretende abordar um tema como
o da metodologia das Comissões de Controlo de
Infecção (CCI), duas questões se colocam desde
logo: a infecção enquanto problema e a metodologia
adequada à sua resolução. Subjacente ao tema está
a constatação de um problema incontornável de
saúde pública, comum a todas as sociedades, que
é o da Infecção Nosocomial.
Este conceito, cujo significado está contido na
origem etimológica do próprio termo “nosocomial”
– do grego “nosos” (doença) e “koneion” (hospital),
sofreu entretanto uma evolução, deixando a circunscrição da realidade hospitalar e passando a reflectir
toda e qualquer infecção adquirida em função de
um qualquer cuidado prestado por um profissional
de saúde, onde quer que seja.
Assim, a expressão universalmente adoptada nos
dias de hoje, “Infecção Associada aos Cuidados de
Saúde”, abrange não só a pessoa a quem é prestado
o cuidado assistencial, como o próprio profissional
nele envolvido, independentemente do contexto
em que acontece.
* [email protected]
Cadernos de Saúde  Vol. 3  Número especial Infecção Associada à Prática de Cuidados de Saúde – pp. 77-83
78
Cad e r n o s d e S a ú d e  Vo l. 3  N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e
A questão da metodologia invoca a necessidade
da escolha de “um caminho para chegar a um
fim” (met’hodos). Acontece que a capacidade de
escolha está intimamente relacionada com o nível
do conhecimento, sendo que este não é imutável. Se
é verdade que o pensamento científico moderno foi
influenciado pelo cepticismo metodológico cartesiano
(que duvida de tudo o que não pode ser provado)
e que teve grande expressão nos movimentos de
racionalismo iluminista do séc XVIII, ele é hoje
equilibrado por uma visão mais holística do mundo.
Quando se trata de pessoas não podemos, como
advoga António Damásio, separar o cérebro do resto.
O Homem é pois um ser emocional, sendo esta a
realidade que caracteriza a sua relação com tudo o
que o rodeia. Esta realidade será ainda sublinhada
pelas estratégias de mudança a que todos estão
sujeitos.
Ao falarmos então de opções, de pessoas e de
serviços relacionados com prestação de cuidados
de saúde, o primado é o da não maleficência.
A grande questão está, então, em descobrir o método
que garanta o princípio de primun non nocere.
Servir é uma realidade para a generalidade das
actividades sociais humanas. Isto também se aplica
aos profissionais de saúde. A estes não basta dominar
as técnicas, é necessário assumir a nobreza que há
em tornar a vida mais fácil ao outro. Só será bom
profissional quem for excelente a servir o outro.
Quando se trata de prestação de cuidados de
saúde, estamos a referir-nos a um serviço feito por
pessoas, para pessoas. Partir daqui para o conceito
de Qualidade do serviço prestado, implica falar de
comportamentos, atitudes e de desenvolvimento
pessoal. Falamos então de mudança no sentido da
procura de melhorias sensíveis, da circunscrição do
erro e da procura de níveis elevados de fiabilidade e
garantia do serviço. De facto, não é suposto que se
recorra a uma qualquer organização prestadora de
serviços de saúde, sem uma infecção e adquiri-la aí,
no local onde depositamos esperança e confiança.
É necessário, pois, que o sistema de trabalho
desenvolva os procedimentos e os instrumentos de
gestão que garantam um nível máximo de satisfação
do cliente. Este será um dos princípios fundadores
dos sistemas de gestão da qualidade, cuja matriz
traduza uma tolerância para o erro a tender para o
zero e a adopção de indicadores que monitorizem
o desempenho, orientando-o para o processo de
melhoria contínua.
Deming, Juran ou Crosby, foram alguns dos fundadores das metodologias aplicáveis aos sistemas
de gestão que transformaram a qualidade num
paradigma incontornável ao sucesso e sobrevivência das organizações (quem não se lembra da
roda da qualidade ou PDCA). A qualidade, hoje,
não se discute, não há segurança sem qualidade.
É inclusive factor determinante de competitividade
no mercado da prestação de serviços, pois significa
simplesmente, fazer bem.
A Qualidade
“Grau de satisfação de requisitos dado por um
conjunto de características intrínsecas” ISO 9000
Entre as metodologias experimentadas pelas
organizações prestadoras de cuidados de saúde,
relevam os sistemas de gestão de qualidade como
paradigma incontornável na garantia de elevados
padrões assistenciais.
Desde o aparecimento dos primeiros gurus da
qualidade, cujo trabalho inicial, nalguns casos, foi
apenas reconhecido fora dos seus países de origem,
que se multiplicaram as correntes metodológicas que
pretenderam assegurar o êxito das organizações:
“Gestão Total da Qualidade” (TQM); “Reengenharia”
ou, para o sector dos serviços de Saúde, o “Kings
Fund” europeu ou a “Joint Commission” americana.
Muitas vezes, a sua aplicação tornou-se perversa, uma
moda que nem sempre levou em linha de conta as
idiossincrasias (constrangimentos?) organizacionais e
os contextos sociais, destinatários da sua bondade.
É aqui que parece que outro conceito complementar se associa aos métodos de gestão de qualidade: a
Gestão Estratégica. A Gestão Estratégica incorpora os
princípios de gestão da qualidade, mas não esquece
que o processo de mudança não se faz contra
as pessoas, é feito por elas e para elas, origem e
destinatários dos processos da qualidade. É, pois,
imperioso adoptar o método à realidade sociocultural
das organizações, não esquecendo que a satisfação
das expectativas e necessidades do cliente têm uma
carga subjectiva difícil de mensurar.
No entanto são comuns alguns dos princípios que
a aplicação dos sistemas de gestão da qualidade
incorpora: a focalização no cliente; o envolvimento
das pessoas no processo da qualidade; a comunicação efectiva; a abordagem por processos (interligando
e simplificando as actividades); o paradigma da
melhoria contínua ou a tomada de decisões baseadas
em factos.
Comuns serão também os benefícios da sua
adequada adaptação ao contexto organizacional:
A satisfação dos clientes internos e externos;
Metodologia das comissões de controlo da infecção
a eliminação do desperdício; a diminuição da variabilidade; a diminuição do erro; a eliminação de
redundâncias; a simplificação e a promoção do
trabalho em equipa; a cultura da excelência e das
atitudes positivas. O que se pretende? Mais uma
vez, segurança e confiabilidade.
Esta visão estratégica que integra os valores dos
sistemas de gestão da qualidade com a cultura institucional é o que permite às organizações adaptarem-se
a um mundo que está em constante e cada vez mais
rápida mudança. Esse período entre o passado e o
futuro, a que chamamos presente, é por definição
transitório, dinâmico e traduz o estado evolutivo
das sociedades. Não podemos adivinhar o futuro,
dependente de forças externas à nossa vontade:
clima; revoluções; crises económicas; mudanças
tecnológicas; etc., mas podemos optar por agir ou
não agir.
Assim acontece com as organizações prestadoras
de cuidados de saúde que, para responder aos
desafios que a evolução socioeconómica colocou
ao longo dos tempos, reagiu através da inovação
e adaptação às realidades emergentes. Será pois da
mais elementar justiça homenagear alguns dos que,
de forma notável, influenciaram a forma como a
humanidade evoluiu nesse contexto – a prestação
dos cuidados de saúde.
O Passado
Os séculos XIX e XX concentraram algumas das
personagens e acontecimentos que influenciaram
de forma determinante a humanidade e os desafios
a que as sociedades contemporâneas tiveram que
responder.
A viagem ao passado que se propõe, não pretende
ser exaustiva e certamente injustiçará muitos dos que,
de forma mais ou menos reconhecida, marcaram com
o seu contributo, etapas do progresso civilizacional,
no que a esta matéria diz respeito.
Vários são os historiadores que afirmam que
para se compreender o presente, pouco mais será
necessário que conhecer os acontecimentos do
séc. XIX. Será então aí que se tentará enquadrar
o aparecimento das primeiras preocupações com
o controlo da infecção e, sobretudo, a origem das
Comissões de Controlo de Infecção.
1847 – “A partir de hoje, 15 de Maio de 1847, todo
o estudante ou médico, é obrigado, antes de entrar
nas salas da clínica obstétrica, a lavar as mãos com
ácido clórico, na bacia colocada na entrada. Esta
disposição vigorará para todos, sem excepção”.
79
Esta determinação foi escrita por Semmelweiss,
médico nascido em Budapeste, pertencente então
ao império austro-húngaro, quando trabalhava na
primeira clínica obstétrica da maternidade de Viena.
Esta clínica era conhecida na época pela elevada
taxa de mortalidade por febre puerperal (“Childbed fever”). Significativo era o facto desta unidade
assistencial apresentar uma taxa de mortalidade
até dez vezes superior à taxa de mortalidade da
segunda clínica obstétrica de Viena, onde os partos
eram efectuados não por médicos e estudantes de
medicina, mas por parteiras.
O espírito inquieto de Semmelweiss levou-o a estabelecer uma ligação entre a infecção pós-puerperal
e a manipulação prévia, pelos clínicos, de cadáveres
durante as autópsias.
Essa associação entre as mãos portadoras de
“partículas cadavéricas” e a infecção determinou
a orientação da higienização das mãos antes da
observação das parturientes. O sucesso desta medida
simples foi tal que, em poucos meses, a taxa de
mortalidade, da primeira clínica, baixou para níveis
inferiores aos da segunda clínica.
Este relato constitui a primeira descrição que evidencia a sensibilidade da taxa de infecção nosocomial
às medidas de prevenção e controlo da mesma e
fizeram com que muitos considerassem Semmelweiss
como o “pai” do Controlo da Infecção Hospitalar.
1846 – Florence Nigthingale. Esta extraordinária
senhora utilizou o poder que a sua condição social
privilegiada lhe dava, colocando-o ao serviço do bem
público. Dedicou-se aos cuidados de enfermagem,
não acreditava em micróbios, mas na higiene e
salubridade. Notabilizou-se na guerra da Crimeia
ao serviço do exército britânico e demonstrou que
a falta de higiene e as doenças dizimavam muitos
dos soldados feridos. Foi pioneira na utilização de
gráficos estatísticos e utilizou-os para comunicar
dados (taxa de mortalidade) de forma inteligível, aos
generais e no parlamento. As suas reformas baixaram
a taxa de mortalidade de 42,7 % para 2,2 %, no seu
hospital militar. Criou ainda a primeira Escola de
Enfermagem do mundo.
1860 – James Young Simpson – Médico escocês
e um dos mais proeminentes obstetras da modernidade, revolucionou os métodos de controlo da dor
através do estudo das propriedades do clorofórmio
na anestesia e introduziu o conceito de “hospitalismo”
associando-o aos incidentes adversos relacionados
com a prestação de cuidados de saúde, termo com
grande actualidade, ainda hoje.
80
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1876 – Joseph Lister – contemporâneo de James
Simpson, usou a teoria dos germes de Pasteur para
introduzir o conceito da antissepsia na prática cirúrgica. Ao demonstrar as propriedades antissépticas
de fenol (ácido carbólico), reduziu a infecção pós-operatória, tendo ainda utilizado desinfectantes para
as roupas cirúrgicas.
1928 – Alexander Fleming fez-nos sonhar com
um mundo livre de infecções, quando descobriu
a penicilina. Surgiu então uma nova era: a dos
antibióticos que permitiam tratar infecções até então
consideradas mortais.
Infelizmente para a humanidade este reinado foi
de pouca dura e em 1950 apareceram os primeiros
staphilococcus resistentes à penicilina. Nesta década
a infecção hospitalar começou a ser vista, em Inglaterra, como um problema de saúde pública, tendo
aqui aparecido a primeira Comissão de Infecção
Hospitalar.
Em 1958, nos EUA, face ao reconhecimento do
fenómeno da infecção nosocomial como um problema real, a American Hospital Association (AHA)
recomenda a vigilância epidemiológica generalizada
e a formação de Comissões de Controlo de Infecção
em todas as organizações hospitalares.
A década que se seguiu foi palco da utilização
maciça de antibióticos de largo espectro quer no
Homem quer em animais domésticos (aqui com
repercussões óbvias na cadeia alimentar humana).
Este fenómeno teve como consequência um aumento
exponencial das resistências de várias estirpes de
microrganismos e com particular acuidade para as
pseudomonas e enterobacteriáceas.
A sociedade, no entanto, começou a olhar para
os incidentes adversos decorrentes da prática de
cuidados de saúde, com um olhar crítico. Em 1965,
um jovem saudável é internado no Charleston
Community Memorial Hospital, nos EUA, com uma
fractura numa perna, de resolução aparentemente
simples. O jovem faleceu com uma infecção adquirida nesta unidade, dando origem a um processo
de litígio judicial – “Darlin v. Charleston” – de que
resultou a primeira descrição de indemnização de
um cliente hospitalar por danos provocados por
infecção nosocomial.
A criação dos “Committes on Infection” nos
EUA, deram origem ao aparecimento do Centers
for Disease Control and Prevention (CDC) e às
recomendações para a assumpção da Vigilância
Epidemiológica pelos Hospitais. Em 1969 é efectuado
um estudo multicêntrico – National Infections Study
(NNIS) e em 1970 o CDC recomenda: a função de
epidemiologista, como instrumento de controlo e
prevenção da infecção hospitalar; a implementação
do formato da informação de retorno; a nomeação
de um Enfermeiro de Controlo de Infecção (ECI) a
tempo inteiro para supervisão do Plano de Controlo
de Infecção e a inclusão de um microbiologista na
CCI.
Em 1974 acontece o SENIC (Study of the Efficacy of Nosocomial Infection Control). Algumas das
suas mais interessantes conclusões evidenciaram o
seguinte: – “A infecção hospitalar diminui, em média,
32 %, quando a organização possui uma Comissão
de Controlo de Infecção. Pelo contrário, aumenta
cerca de 9 %-31 % quando esta não existe”. Mas
disse mais, “Um terço das infecções nosocomiais
são preveníveis; um terço não é prevenível; um
terço talvez seja prevenível”.
Em 1976, a Joint Commission Accreditation of
Hospital impõe a existência de programas de controlo
de infecção como critério de licenciamento dos
hospitais.
Como consequência, em 1980, as Comissões de
Infecção passaram a integrar um Enfermeiro de
Controlo de Infecção por cada 250 camas hospitalares e em 1986 o CDC preconiza uma vigilância
epidemiológica global para as unidades de menor
dimensão ou, para as de maior dimensão, priorizando
as zonas de risco elevado como as Unidades de
Cuidados Intensivos (UCI); Serviços Cirúrgicos e
berçários de alto risco.
Em Portugal
Fala-se de Comissão de Infecção, pela primeira
vez em Portugal, em 1930, tendo-se recomendado a
adopção de vestuário protector e higiene das mãos.
Mas só em 1978 foi criada a primeira Comissão de
Higiene no Hospital de Torres Vedras.
No final de 1987 realiza-se a primeira conferência
Nacional sobre a luta contra a infecção hospitalar
e efectua-se um inquérito às comissões de higiene,
com a finalidade de identificar os constrangimentos
na área do Controlo de Infecção.
Entre 1988-1998, é desenvolvido um projecto
de controlo de infecção, no IGIF, liderado pela
Dra. Elaide Pina, cujas principais finalidades eram
as de adequar métodos de estudo das infecções
nosocomiais aos hospitais e ainda o de utilizar o
controlo de infecção como indicador de qualidade de
cuidados prestados. Este projecto esteve na origem
do despacho que obrigou à constituição obrigatória
de Comissões de Controlo de Infecção em todos os
Metodologia das comissões de controlo da infecção
hospitais públicos e privados, bem como os critérios
de acreditação para as CCI, o respectivo regulamento,
conteúdo funcional e níveis de responsabilidade
dos seus membros.
Em 1999, foi criado o Programa Nacional de
Controlo de Infecção (PNCI), por despacho do
director Geral da Saúde, com a missão de conhecer
a dimensão das infecções nosocomiais nas unidades
de saúde e a promoção de medidas preventivas.
O PNCI foi transferido para o INSA, em 2001, por
despacho do então secretário de Estado da Saúde
com o objectivo de coordenar e monitorizar o progresso da vigilância epidemiológica a nível nacional,
entre outros.
O PNCI é integrado no Plano Nacional de Saúde
2004-2010 e em 2006, por despacho de 10 de Outubro do então Ministro da Saúde, Correia de Campos,
foi transferido para a DGS onde foi reorganizado
o seu grupo coordenador, criando uma estrutura
central que foi incluída na Direcção de Serviços da
Qualidade Clínica da Direcção Geral de Saúde (DGS).
O Presente
Apesar dos avanços nos métodos de controlo e
prevenção das Infecções Associadas aos Cuidados
de Saúde (IACS); das inovações relacionadas com as
técnicas de assepsia, desinfecção e esterilização; da
modernização da arquitectura e estrutura hospitalar,
a verdade é que há mais IACS.
A verdade é que 10 % – 17 % dos doentes hospitalizados sofrem um evento adverso. As IACS estão
entre os três eventos adversos mais significativos nas
organizações hospitalares, a par dos relacionados
com o uso de medicamentos e das complicações
cirúrgicas. Diariamente 1,4 milhões de doentes
hospitalizados em todo o mundo adquirem uma
infecção associada aos cuidados de saúde.
Isto significa 8 %-12 % dos doentes internados
em hospitais de agudos, nos designados países
desenvolvidos (o risco sobe para os 15 %-40 % nas
Unidades de Cuidados Intensivos). A prevalência
das IACS é comum nestes países, com relevo para
as urinárias (28 %); as respiratórias (25 %); as do
local cirúrgico (17 %) e as da corrente sanguínea
(10 %). No Reino Unido, estima-se que as IACS
serão responsáveis por cerca de 5 % da taxa de
mortalidade hospitalar.
Considera-se hoje que 85 % dos eventos adversos são de processo e apenas 15 % imputáveis a
outras causas, inclusive as dos profissionais. Também
é consensual que uma boa parte destes eventos
81
adversos seriam evitáveis, bem como as importantes
consequências que acarretam: elevados custos de
hospitalização (maior tempo de internamento, em
média mais 5-10 dias; aumento do número de horas
de prestação de cuidados; aumento da taxa de
reinternamento; aumento exponencial de exames
laboratoriais; aumento da taxa de mortalidade; etc.)
e diminuição da confiança do cidadão nos serviços
saúde e nos avanços tecnológicos.
É sabido que nos primeiros cinco dias de internamento, o doente é contaminado por 70 % da
flora hospitalar e que ao fim dos primeiros 10 dias
está contaminado com 100 % dessa flora. Sabe-se
ainda que só a 50 % dos doentes é administrado
o fármaco profilático uma hora antes da cirurgia.
Torna-se assim mais arriscado ir ao hospital do que
andar de avião.
Estes são motivos suficientes para que a tutela e a
gestão das unidades de saúde vejam este problema
como uma prioridade a resolver.
A estratégia nacional reflecte as preocupações
da OMS nesta matéria e insere-se nos projectos
europeus de promoção de um ambiente assistencial
seguro, cujos objectivos centrais são os de conhecer
com rigor e de forma continuada a incidência e a
natureza das IACS, bem como a diminuição destas
nas unidades prestadoras de cuidados.
A criação de uma rede nacional de registo de
IACS, coordenada centralmente pela Divisão de
Segurança Clínica da Direcção Geral de Saúde (DGS)
e coadjuvada localmente pelos grupos coordenadores
regionais, é uma das estratégias entretanto lançadas
e que ambiciona a institucionalização de um registo
contínuo de análise da evolução das IACS e servirá de
apoio a um sistema de vigilância epidemiológica bem
estruturado. Outra das intervenções a desenvolver
tem a ver com a divulgação de recomendações
de boas práticas e a formação e informação de
profissionais e utentes.
Estas iniciativas, que datam de 2007 destinam-se
a abranger os Cuidados de Saúde Primários; os
Cuidados Hospitalares; os Cuidados Continuados;
as Unidades de Saúde Privadas e, de uma maneira
geral, todos os profissionais envolvidos na prestação
directa ou relevante dos cuidados de saúde.
Aos órgãos de gestão das organizações prestadoras
de cuidados de saúde cabe a responsabilidade directa
do cumprimento do PNCI e, portanto, pelo desenvolvimento de um Plano Operacional de Prevenção e
Controlo de Infecção (POPCI), adequado às unidades.
Têm ainda o dever de promoverem politicas de
racionalização da utilização dos antimicrobianos;
82
Cad e r n o s d e S a ú d e  Vo l. 3  N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e
informatizarem os laboratórios de microbiologia;
promoverem a centralização dos Serviços de Esterilização; adequarem as estruturas arquitectónicas;
activarem os processos de comunicação externa e
interna e fomentarem uma cultura institucional de
segurança.
É premente adequar os meios físicos, humanos
e financeiros ao funcionamento das Comissões de
Controlo de Infecção.
A Comissão de Controlo de Infecção é um órgão
consultivo de apoio à gestão, a quem deve assegurar-se autonomia técnica e executiva. A sua composição deve prever um núcleo executivo (no mínimo,
um Médico por cada 25 000 admissões/ ano e um
Enfermeiro por cada 5000 admissões/ ano e ainda
um administrativo); um núcleo dinamizador (um
médico e um enfermeiro por serviço) e um núcleo
consultivo (multidisciplinar). A este grupo deve ser
assegurada formação e carga horária adequadas à
dimensão de cada unidade.
A missão da Comissão de Controlo de Infecção
inclui a detecção, investigação e controlo de surtos
de infecção; a monitorização dos indicadores de
resultados estruturas e de processos; a construção e
divulgação de manuais de boas práticas; o desenvolvimento de politicas de antimicrobianos, antissépticos
e desinfectantes; a formação contínua; assegurar
um sistema contínuo de vigilância epidemiológica
adaptado à realidade da organização; garantir a
informação de retorno e promover o planeamento
da alta hospitalar.
A vigilância epidemiológica deve ser promovida de
forma prospectiva, baseada no doente, priorizando
as áreas de maior risco, sobretudo as áreas dos
cuidados intensivos, cirúrgicos, das unidades de
cuidados intensivos em neonatologia ou das unidades
de hemodiálise. Deve preocupar-se ainda com as
infecções nosocomiais da corrente sanguínea; com os
microorganismos epidemiologicamente significativos,
monitorizando o aparecimento das resistências aos
antimicrobianos e deve privilegiar os estudos de
incidência de infecção.
Integrar estas actividades com os programas de
vigilância nacionais e internacionais, como são
exemplos os projectos: “Hospitals in Europe Link
for Infection Control Through Surveillance” (Helics
UCI ou Helics Cirurgia); a Campanha de Higiene das
Mãos; o Programa Nacional de Prevenção das Resistências aos Antimicrobianos; o “Improving Patient
Safety in Europe” (IPSE). E aproveitar a participação
das organizações, prestadoras de cuidados de saúde,
nos processos de acreditação/certificação, devem ser
um desiderato e uma oportunidade para os responsáveis pela concepção e execução dos processos de
controlo de infecção. Estes programas afirmam-se
cada vez mais como iniciativas disponíveis mais
custo-efectivas e com menor custo-beneficio.
Desafios
São muitos e crescentes, os desafios que se colocam à modernidade. As alterações climáticas, que
provocam alterações sensíveis dos nichos ecológicos;
a mobilidade generalizada; o desenvolvimento económico e tecnológico; o aumento da esperança de vida;
a utilização de meios de diagnóstico e terapêutica
invasivos; o aparecimento de novas doenças (ébola;
hanta-vírus e novas doenças crónico-degenerativas)
ou o recrudescimento de outras (tuberculose pulmonar); o aparecimento de novas estirpes de microrganismos e o aumento das resistências de alguns aos
antimicrobianos; o aparecimento de novos doentes
de risco (prematuros, idosos), são apenas algumas
das ameaças que a permanente evolução dos tempos
coloca a todos quantos vivem em sociedade.
Essa sociedade, em que a velocidade com que a
informação é debitada, se transforma numa sociedade de aprendentes sempre alerta e em constante
adaptação às novas necessidades. Os objectivos dos
programas de prevenção e controlo de infecção
serão no entanto os de hoje: proteger o doente,
os profissionais, as visitas e todos os outros, nas
unidades de saúde. E fazê-lo de forma custo-efectiva
e eficiente.
O futuro mais próximo irá transformar as redes
Helics/IPSE numa rede do European Centers of
Disease Control (ECDC) e desenvolver, a nível
europeu, um estudo de validação comparativo das
metodologias de vigilância, procurando monitorizar
tendências, forças e fraquezas dos sistemas de vigilância epidemiológica, identificado assim os alvos
de intervenção. A promoção do uso racional dos
antimicrobianos está entre as principais preocupações
do ECDC.
Estes projectos europeus integram-se ainda nas
directivas da Organização Mundial de Saúde e do
seu grande desafio em prol da segurança. Através do
primeiro desafio “Word Aliance for Patient Safety” e,
para além das iniciativas já em curso como o projecto
“Clean care in safe care”, desenvolvem-se acções
de melhoria nas áreas das transfusões, injectáveis,
imunização, praticas clínicas, água, saneamento e
gestão de resíduos.
Metodologia das comissões de controlo da infecção
Finalmente a intervenção pedagógica com campanhas de educação dirigidas às crianças e famílias, de
que é exemplo o projecto e-Bug (protocolo entre os
Ministérios da Educação e Saúde), vai desempenhar
um papel importante na forma como todos percebem
a importância dos contributos individuais. É que em
última análise, a responsabilidade pela prevenção
e controlo da infecção é de todos nós.
Bibliografia
1.
Fernandes, Artur – “Qualidade de Serviço, Pela Gestão Estratégica”. Empresa
inteligente, p.11; 15; 88-92. 1.ª ed., Editora Pergaminho, 2000.
2.
Fragata, José ; Martins, Luís – “O Erro em Medicina”. P..29- 47; 61-65; 123-138;
215-225. Editora Almedina, 2005
3.
Hinrichen, Sylvia Lemos – “Biossegurança e Controlo de Infecção”. p.
249-262;289-304, Editora Medsi, 2004
4.
Pires, A. Ramos – “Qualidade, Sistemas de Gestão da Qualidade”.
p. 16; 18-34; 46-47; 147; 213. 3.ª ed. revista, corrigida e ampliada, Editora
Sílabo.2004.
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Wilson, Jennie – “Controlo de Infecção na Prática Clínica”. p. 175-203
2.ª ed., Editora Lusociência, 2003.
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www.enciclopedia.com
10. www.general-anestesia.com
11. www.hqs.org.uk
12. www.jointcommission.org
83
Introdução à Mesa-Redonda sobre Resistência
aos antibacterianos e infecção associada aos
cuidados de saúde
Antimicrobial resistance and healthcare associated
infections
Professor Melo Cristino
Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa; Serviço de Patologia Clínica do Centro Hospitalar Lisboa Norte
Introdução
A descoberta e utilização terapêutica dos agentes
antimicrobianos assinalou um dos maiores avanços
da medicina do século passado. As doenças infecciosas eram a principal causa de morte em todo o
mundo. A situação mudou radicalmente, pelo menos
nos países ditos desenvolvidos, com a introdução na
terapêutica destes poderosos fármacos, eficazes no
combate às infecções microbianas graves, sobretudo
as de etiologia bacteriana.
O início da era antibiótica proporcionou resultados
à data considerados miraculosos (Travis, J. Science
264:360, 1994), com a cura de doenças até então
responsáveis por elevada mortalidade como, por
exemplo, a tuberculose e as pneumonias.
Rapidamente se verificou que a descoberta de
novos antimicrobianos seria indispensável para a
terapêutica. Assistiu-se a um enorme investimento
na descoberta e purificação de novas moléculas
com propriedades antimicrobianas e espectros de
actividade cada vez mais alargados e em poucos
anos desenvolveram-se várias classes de antibióticos.
Contudo, uma euforia inicial considerando que o
tratamento das doenças infecciosas seria brevemente
controlado cedo começou a sofrer alguns revezes
porque, precocemente, se presenciaram insucessos
terapêuticos. Verificou-se que, à medida que novos
antibióticos iam sendo introduzidos, a eclosão de
resistências nos microrganismos inicialmente susceptíveis surgia de forma mais ou menos rápida.
* Moderador da Mesa-redonda IV
[email protected]
O homem menosprezou as capacidades de adaptação dos microrganismos a condições hostis. Eles
são os seres vivos que mais rapidamente adquirem
e transmitem novas propriedades entre si, através da
troca de material genético. Entre estas incluem-se,
naturalmente, as resistências aos antimicrobianos.
Quanto maior e mais diversificado o número
de antimicrobianos disponíveis, maior a facilidade
e a tentação para a sua utilização variada, tantas
vezes inadequada e incorrecta. Também o impacto
ecológico da sua utilização indiscriminada teve
consequências graves tanto na comunidade como
no hospital. Aqui concentram-se diversos factores
de risco para a rápida eclosão e disseminação de
resistências (grande diversidade de antimicrobianos
em uso constante, doentes mais susceptíveis, manobras semiológicas ou terapêuticas mais invasivas,
transmissão de microrganismos mais facilitada e
existência de microrganismos “hospitalares” adaptados, mantidos pela constante pressão selectiva e,
por isso, resistentes simultaneamente a múltiplos
antibióticos).
A emergência e a disseminação de microrganismos multirresistentes, tanto no hospital como, mais
recentemente, também na comunidade, não param
de aumentar. Contam-se entre os mais relevantes
na actualidade, nas bactérias de gram-positivo,
Staphylococcus aureus resistentes à meticilina
(MRSA), enterococos resistentes à vancomicina
(VRE) e Streptococcus pneumoniae resistentes à
penicilina e macrólidos. Nas de gram-negativo as
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enterobacteriacias produtoras de beta-lactamases de
espectro estendido (ESBL) (ou também resistentes
aos carbapenemos), Pseudomonas aeruginosa e
Acinetobacter spp. multirresistentes são hoje agentes
frequentes de infecção.
Na mesa-redonda que se seguirá, o Prof. Mário
Ramirez irá apresentar-nos a situação referente à
resistência em bactérias de Gram-positivo e a Profª.
Helena Ramos em bactérias de Gram-negativo.
A necessidade de prescrever correctamente terapêutica antimicrobiana empírica será abordada pelo
Prof. Saraiva da Cunha. Finalmente, a utilização
profiláctica de antimicrobianos e todos os seus
condicionalismos serão discutidos pelo Prof. Carlos
de Vasconcelos.
Resistência em bactérias de Gram-positivo
Antimicrobial resistance in gram positive bacteria
Mário Ramirez*
Instituto de Microbiologia, Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa
Resumo
Abstract
A resistência aos antimicrobianos em bactérias de Gram-
-positivo é um problema de importância crescente. As espécies Streptococcus pneumoniae, Staphylococcus aureus,
Staphylococcus epidermidis, Enterococcus faecium e Enterococcus faecalis apresentam-se cada vez mais resistentes aos
antimicrobianos de primeira linha no tratamento das infecções
em que são agentes etiológicos. Far-se-á uma revisão dos
principais mecanismos de resistência existentes em cada uma
das espécies e da sua disseminação na população bacteriana.
Será discutida a evolução da proporção de estirpes resistentes
em Portugal desde 1993 até 2008 e qual o seu enquadramento
no contexto europeu. Discutir-se-ão as alternativas terapêuticas
que mais recentemente chegaram ao mercado e qual a situação
actual de resistência a estes novos fármacos.
Antimicrobial resistance in Gram positive bacteria is
of increasing importance. Streptococcus pneumoniae,
Staphylococcus aureus, Staphylococcus epidermidis,
Enterococcus faecium and Enterococcus faecalis are species
in which resistance is escalating to the first line antimicrobials
for the treatment of infections in which these species are the
etiological agents. The mechanism underlying resistance in these
species and their dissemination in the bacterial population will
be reviewed. The data for Portugal regarding the evolution of
resistance in these species from 1993 to 2008 will be presented.
A discussion of these values in the European context will be
provided. The alternatives offered by the new antimicrobials
that just reached the market will be discussed and the data
on resistance to these agents will be reviewed.
Palavras-chave: Gram positivo, resistência aos antimicrobianos, Portugal. 
Keywords: Gram positive, antimicrobial resistance,
Portugal 
A introdução da penicilina no final dos anos 40
do século passado revolucionou o tratamento das
infecções causadas por bactérias de Gram positivo, em particular as causadas por estafilococos
e estreptococos. Nos mais de 60 anos que se lhe
seguiram, muitos mais fármacos foram desenvolvidos
para o tratamento destas infecções, sendo que as
populações bacterianas têm demonstrado a sua
enorme capacidade de adaptação ao desenvolver
resistência a todos os agentes com que têm sido
confrontadas. De entre os agentes patogénicos de
Gram positivo destacam-se Streptococcus pneumoniae, Staphylococcus aureus e, mais recentemente,
os Enterococcus faecium e Enterococcus faecalis por
apresentarem problemas significativos de resistência
aos agentes antimicrobianos, criando dificuldades
ao nível da saúde pública e aumentando os custos
dos cuidados de saúde.
Resistência aos macrólidos e à penicilina
em Streptococcus pneumoniae.
S. pneumoniae (pneumococo) é não só o agente
mais frequentemente responsável por pneumonia
adquirida na comunidade, mas também de pneumonia em indivíduos residentes em lares de idosos (5).
Apesar das várias armas terapêuticas disponíveis,
a infecção continua associada a uma morbilidade
e mortalidade elevadas. Em Portugal, desde 1999
que o Estudo Viriato tem vigiado a susceptibilidade
aos antimicrobianos de um conjunto de bactérias
responsáveis por infecções respiratórias adquiridas
na comunidade, incluindo S. pneumoniae (10-12).
A resistência à eritromicina nesta espécie era baixa
(2 a 4 %) segundo os dados dispersos existentes
antes do início do Estudo Viriato. Porém, logo em
1999, a proporção de estirpes resistentes a este
* [email protected]
Cadernos de Saúde  Vol. 3  Número especial Infecção Associada à Prática de Cuidados de Saúde – pp. 87-92
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antimicrobiano, analisadas no âmbito desse estudo,
era já 14 %. Este valor cresceu até aos 20 %, tendo-se mantido sensivelmente estável até 2008. Neste
contexto é ainda importante referir que aproximadamente 80 % das estirpes resistentes à eritromicina
apresentavam o fenótipo MLSB. Este fenótipo de
resistência, mediado pela presença de uma metilase
ribossomal, confere igualmente resistência à maioria
dos restantes macrólidos, incluindo a claritromicina
e a azitromicina, bem como a clindamicina.
No contexto europeu, os estudos do EARSS (http://
www.rivm.nl/earss/) mostram que os valores portugueses estão em linha com os encontrados em
Espanha, mas são inferiores a outros países mediterrânicos, como França e Itália, que apresentaram
em 2007 valores superiores a 30 % de resistência à
eritromicina. Ainda que no estudo EARSS apenas se
estudem estirpes invasivas, ou seja estirpes isoladas
de fluidos habitualmente estéreis, uma comparação
com os dados mais recentes de um mesmo conjunto
de estirpes em Portugal, demonstra que os valores de
cerca de 20 % de resistência à eritromicina verificado
no total das estirpes se mantêm se considerarmos
apenas estirpes invasivas (1).
A resistência à penicilina em Streptococcus pneumoniae é mediada pela presença de proteínas de
ligação à penicilina (PBPs) alteradas, sendo que a
maioria das estirpes de pneumococo resistentes à
penicilina antes de 2001 apresentavam um número
reduzido de tipos capsulares. Em 2001, foi introduzida em Portugal uma vacina conjugada sete valente
(PCV7) dirigida contra sete dos 92 tipos capsulares
expressos por S. pneumoniae. Os sete serotipos
representados na PCV7 incluíam os serotipos que
mais frequentemente apresentavam resistência à
penicilina, dos quais se destacam os serotipos 9V,
14 e 23F (14).
Com o advento da vacina, não só diminuíram as
infecções causadas por estes serotipos nas crianças
que são o grupo alvo da vacinação, mas também
se verificou uma diminuição das infecções por estes
serotipos em adultos (1). A vacinação teria por isso a
potencialidade de diminuir a proporção de infecções
causadas por estirpes resistentes à penicilina, uma
previsão que se veio a verificar nos Estados Unidos.
Em Portugal, a proporção de estirpes não susceptíveis à penicilina, considerando em conjunto as
estirpes classificadas como tendo susceptibilidade
intermédia (CIM 0,12-1µg/mL) e aquelas classificadas
como resistentes (CIM ≥2 µg/mL), segundo as normas
do “Clinical and Laboratory Standards Institute”
(CLSI), diminuiu do período de 1999-2002 (média
23,7 %, mínimo 23,0 %, máximo 25,1 %) quando
comparado com o período 2003-2007 (média 19,0 %,
mínimo 17,7 %, máximo 20,5 %). Se considerarmos
apenas as estirpes de resistência elevada (CIM ≥2
µg/mL) a queda foi proporcionalmente ainda maior,
de 7,5 % no período de 1999-2002 para 2,0 % no
período 2003-2007.
No entanto, talvez não se possa atribuir esta
diminuição exclusivamente à vacinação. Quando se
estudaram apenas as estirpes invasivas e se compararam os períodos pré e pós introdução da PCV7
(1), verificou-se que o decréscimo na proporção
de estirpes não susceptíveis à penicilina foi mais
marcado nas crianças (≤5 anos), de 45 % para 27 %
(p=0,013), do que nos adultos em que não atingiu significância. Aliás, neste último grupo etário,
verificou-se um aumento da proporção de estirpes
simultaneamente não susceptíveis à penicilina e
resistentes aos macrólidos, que passaram de 4 %
para 8 % (p=0,016).
Este comportamento deve-se em parte à expansão
de um clone multirresistente expressando o serotipo
19A (2), que já circulava antes da introdução da
PCV7. É de notar que não se verificou a emergência
de resistência em serotipos não vacinais (1). Todavia,
a introdução da PCV7 em Portugal não foi acompanhada do decréscimo de estirpes resistentes que se
verificou nos Estados Unidos. Na Europa, os estudos
do EARSS mostram que a proporção de estirpes não
susceptíveis em Portugal é semelhante à encontrada
em Espanha. Os países mediterrânicos apresentam
valores muito diferentes de não susceptibilidade à
penicilina, sendo que em França este valor é superior
a 25 % e em Itália é inferior a 10 %.
As normas do CLSI de 2008 vieram propor novas
concentrações críticas para o reconhecimento de
estirpes resistentes à penicilina (15). Até esta revisão,
as normas em vigor desde de cerca de 1970 foram
estabelecidas com o objectivo de assegurar o sucesso
terapêutico em caso de meningite. A recente alteração do CLSI partiu do reconhecimento de que era
possível, pela via parentérica, atingir concentrações
séricas de penicilina que eram superiores às CIMs das
estirpes “resistentes”, segundo as normas existentes
até 2007. Vários estudos demonstraram que era
possível tratar com sucesso, utilizando penicilina, as
pneumonias causadas por estirpes que tinham sido
classificadas como “resistentes” in vitro. As novas
concentrações críticas propostas em 2008 têm em
conta o tipo de infecção e a via de administração
do antibiótico.
Resistência em bactérias de Gram-positivo
Quadro 1 – Concentrações críticas preconizadas pelo “Clinical and
Laboratory Standards Institute” para a penicilina no tratamento de
infecções causadas por Streptococcus pneumoniae.
Período, infecção e via de
administração
CIM µg/mL, para cada categoria
Susceptível Intermédio Resistente
Antes de Janeiro de 2008,
qualquer infecção e via de
≤0,06
0,12 - 1
≥2
≤0,06
–
≥0,12
≤2
4
≥8
≤0,06
0,12 - 1
≥2
administração
Desde Janeiro de 2008
Meningite, via endovenosa
Excepto meningite
via endovenosa
via oral
Esta mudança de concentrações críticas irá influenciar a nossa percepção da resistência à penicilina em
S. pneumoniae, não só porque a CIM para classificar
uma estirpe como resistente à penicilina parentérica
foi aumentada para 8µg/mL, mas também porque
em caso de meningite pneumocócica a CIM para
considerar uma estirpe resistente baixou para 0,12
µg/mL. Para penicilina oral, que não se encontra
disponível no nosso país, as concentrações críticas
mantiveram-se inalteradas. A aplicação das novas
concentrações críticas para a penicilina parentérica
ao conjunto das estirpes, sem ter em conta aquelas
que foram isoladas de líquor, fará com que a proporção de não susceptibilidade baixe para valores
próximos de 1 % e com que as estirpes consideradas
resistentes desapareçam.
Resistência em Staphylococcus aureus e
Staphylococcus epidermidis.
Os estafilococos constituem importantes agentes
patogénicos de Gram positivo, sendo responsáveis
por uma grande variedade de infecções com origem na comunidade, mas também no contexto dos
cuidados de saúde. Apesar de a espécie S. aureus
permanecer a mais importante do ponto de vista
clínico dentro deste grupo, não podemos esquecer
os restantes estafilococos coagulase negativos. Do
ponto de vista da terapêutica antimicrobiana, este
último grupo apresenta problemas particulares, com
taxas elevadas de resistência a diferentes classes de
antimicrobianos, sendo frequente a multirresistência.
A resistência à penicilina em S. aureus apareceu
pouco depois da sua introdução na prática clínica.
Ao contrário dos pneumococos, a primeira forma de
resistência à penicilina encontrada em estafilococos
não era devida à alteração das PBPs, mas era mediada
pela presença de beta-lactamases codificadas em
89
plasmídio. Com a introdução da meticilina na prática
clínica em 1960, seguida de perto pelos primeiros
estudos que documentaram estirpes resistentes, este
cenário mudou com a emergência e disseminação de
um mecanismo de resistência que é eficaz contra a
quase totalidade dos beta-lactâmicos. Os S. aureus
resistentes à meticilina (MRSA) devem esta capacidade à presença de um elemento genético móvel,
o SCC-mec, que contém o gene mecA, codificando
uma PBP alternativa, a PBP2’ ou PBP2a. A presença
desta PBP permite a continuação da síntese do
peptidoglicano, mesmo quando a meticilina está a
impedir a acção das PBPs nativas.
Em Portugal, a proporção de estirpes MRSA
(avaliadas pela resistência à oxacilina, uma isoxazolilpenicilina) tem-se mantido constante nos últimos
15 anos e abaixo dos 50 % (7, 9, 13), valor que se
mantém quando analisamos os dados combinados
de 2008 dos Hospitais da Universidade de Coimbra,
Centro Hospitalar do Porto e Centro Hospitalar Lisboa
Norte. É de notar que há variações importantes
na proporção de MRSA dependendo do hospital
considerado. Por exemplo, em 2003, ainda que o
valor global fosse de 47,5 %, os valores encontrados
em cada hospital variaram entre 20 % e 66 % (9). Em
2008 e nos três hospitais referidos acima, a resistência
à ciprofloxacina foi de 98 % e à eritromicina de 57 %
(a maioria dos quais apresentava o fenótipo MLSB),
mas a resistência ao co-trimoxazol e à gentamicina
permanece inferior a 10 %. Esta susceptibilidade
aumentada a estes dois últimos antimicrobianos
contrasta com o verificado até 1997.
Um estudo realizado no Hospital Geral de Santo
António documentou uma situação que poderá
explicar este comportamento (3). Até ao ano 2000
havia a predominância do chamado “clone brasileiro” (ST239-III) que se caracteriza por um padrão
de multirresistência que inclui a resistência ao cotrimoxazol e à gentamicina. Porém, a partir do ano
2000, este clone foi gradualmente substituído pelo
clone EMRSA-15 (ST22-IV) que tem como uma das
suas características a susceptibilidade a estes dois
fármacos. É possível que esta substituição se tenha
dado a nível nacional, o que explicaria os padrões
de susceptibilidade observados.
No contexto europeu, os dados do EARSS de 2007
(http://www.rivm.nl/earss/), que se referem apenas
a estirpes isoladas de hemoculturas, revelam uma
marcada assimetria entre o norte da Europa e o
sul. No norte, a resistência à meticilina é inferior a
25 %, sendo nos países escandinavos e na Holanda
inferior a 5 %, enquanto nos países do sul da Europa
90
Cad e r n o s d e S a ú d e  Vo l. 3  N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e
a resistência situa-se nos 25-50 %. A excepção a
este quadro é o Reino Unido, que apresentava uma
proporção de MRSA de 36 %, mais de acordo com
os valores da Europa mediterrânica.
O tratamento das infecções graves por MRSA
tem tradicionalmente sido feito com recurso aos
glicopéptidos. Neste contexto, a detecção de MRSA
com susceptibilidade diminuída à vancomicina (CIM
8µg/mL), primeiro no Japão em 1997 e seguidamente
noutros países, suscitou enorme preocupação. Estas
estirpes, denominadas VISA ou GISA (S. aureus de
resistência intermédia à vancomicina ou aos glicopéptidos) apresentam alterações da composição da
parede acompanhado de um seu espessamento, que
se pensa serem responsáveis pela resistência. Julga-se
ainda que estas estirpes estarão em desvantagem
na competição com estirpes susceptíveis e por isso
a sua disseminação tem sido limitada.
Entre nós, a primeira estirpe VISA foi isolada
em 2006 no Hospital de S. Marcos, em Braga (4).
Esta estirpe apresentava um CIM de 4µg/mL à vancomicina e parece ter emergido a partir do clone
EMRSA-15 que, como referido anteriormente, estará
amplamente disseminado no nosso país. A estirpe
isolada em Portugal apresentava um perfil populacional de resistência homogénea, em contraste com
as estirpes VISA com o mesmo contexto genético
descritas anteriormente, o que parece sugerir tratar-se de uma estirpe local e não parte de um clone
com uma disseminação mais alargada. Tal como é
característico das estirpes VISA, a estirpe isolada em
Portugal também apresentava defeitos de crescimento
in vitro, o que poderá explicar o facto de este tipo
de estirpes não se ter disseminado para além do
caso descrito.
Já foram descritas estirpes de S. aureus resistentes
(CIM>128µg/ml) à vancomicina, denominadas VRSA,
identificadas pela primeira vez nos Estados Unidos
em 2002. Desde então, têm sido descritos isolamentos
esporádicos de estirpes VRSA, a maioria nesse país,
mas também na Índia e no Irão, tendo todas em
comum a presença do gene vanA que se supõe ter
sido adquirido de enterococos. Apesar do receio
que estas estirpes se viessem a disseminar rapidamente, tal não aconteceu, possivelmente devido à
instabilidade genética associada ao elemento que
contém o gene vanA. Entre nós ainda não foram
descritas estirpes VRSA.
De entre os estafilococos coagulase negativos
iremos abordar a evolução da resistência em Staphylococcus epidermidis, como exemplificativa deste
grupo de microrganismos. Os estudos publicados (6,
8, 9), revelam um aumento constante da resistência
à ciprofloxacina e à eritromicina em S. epidermidis,
o que se confirma com os dados de 2008 de apenas
três hospitais (Hospitais da Universidade de Coimbra,
Centro Hospitalar do Porto e Centro Hospitalar
Lisboa Norte).
A resistência à penicilina e aos glicopéptidos
(gentamicina) tem-se mantido constante, a primeira
acima dos 90 % e a segunda próximo dos 50 %. A
resistência à oxacilina subiu ligeiramente desde 1997
para 2003, de cerca de 71 % para 77 %. Este valor
é confirmado pelos dados mais limitados de 2008,
que revelam uma proporção de estirpes resistentes
de 76 %.
Resistência em Enterococcus faecalis e
Enterococcus faecium.
Ao contrário das espécies referidas anteriormente,
os enterococos não são agentes patogénicos primários, sendo parte da flora associada ao tubo digestivo
da maioria dos indivíduos saudáveis, com a excepção
de serem agentes ocasionais de infecção urinária.
Recentemente, as espécies do género Enterococcus
têm emergido como importantes agentes de infecção
no contexto dos cuidados de saúde. As características
de resistência aos antimicrobianos associadas ao
género diminuem as opções terapêuticas para o
tratamento destas infecções e podem ter contribuído
para a sua crescente importância.
Todos os enterococos são resistentes à maioria
das cefalosporinas e apresentam uma susceptibilidade diminuída aos aminoglicosídeos. Apresentam
também alguma resistência às penicilinas (comparativamente ao género Streptococcus com o qual
estão estreitamente relacionados), desenvolvendo
tolerância muito rapidamente quando expostos a
estes fármacos. A grande capacidade que este género
bacteriano apresenta para efectuar trocas genéticas facilita a disseminação de elementos genéticos
móveis que codificam factores que promovem a
resistência adquirida a outros antimicrobianos, o que
pode comprometer a eficácia das armas terapêuticas
disponíveis.
A maioria das infecções no Homem é causada por
E. faecalis, sendo que a espécie E. faecium apresenta
maior resistência aos antimicrobianos e, por isso,
inspira maiores cuidados do ponto de vista das
opções terapêuticas. A resistência às aminopenicilinas
em enterococos é frequentemente o resultado de
um aumento da produção de uma PBP (PBP5)
com baixa afinidade para os beta-lactâmicos. Já se
Resistência em bactérias de Gram-positivo
demonstrou a mobilização da PBP5 por transposões,
o que poderá contribuir para a disseminação da
resistência.
Em Portugal (6, 8, 9), à semelhança do que se
verifica a nível mundial, a resistência à ampicilina
é baixa em E. faecalis (1-2 % nos anos estudados),
mas bastante mais elevada em E. faecium. Nesta
última espécie, a resistência à amoxicilina aumentou
de cerca de 70 % anteriormente ao ano 2000, para
valores superiores a 80 % em 2003 (9) e superiores
a 90 % nos dados mais limitados de 2008.
A resistência à estreptomicina é semelhante em
ambas as espécies de enterococos e tem variado
entre 30 % e 50 %, com excepção do ano de 2003
(9) em que a proporção de estirpes resistentes em E
faecium foi de 53 %, tendo já diminuído para 44 %
em 2008. A resistência aos aminoglicosídeos em
enterococos é mediada pela presença de enzimas
modificadoras destes antimicrobianos, codificadas por
transposões que se podem localizar no cromossoma
ou em plasmídios, tal como em estafilococos.
Entre nós, em E. faecalis, a resistência à estreptomicina tem-se mantido sensivelmente constante
(32-36 %) até 2003 (6, 8, 9), sendo que os dados
de 2008 sugerem que possa ter havido um aumento
para 47 %. O caso de E. faecium é substancialmente
diferente. A proporção de estirpes resistentes à
estreptomicina manteve-se constante e próxima dos
60 % antes do ano 2000 (6, 8, 9), tendo-se verificado
uma diminuição para cerca de 30 % em 2003 (9).
Os dados de 2008 confirmam esta diminuição, ainda
que o valor tenha aumentado em relação a 2003
para 41 % de estirpes resistentes.
A resistência à vancomicina entre nós é também
bastante diferente nas duas espécies de enterococos.
Enquanto em E. faecalis esta se manteve próximo
de 1 % até 1997 tendo depois subido para 4 %, o
que se mantém em 2008 (3 %), em E. faecium a
resistência à vancomicina tem vindo a subir, de cerca
de 10 % em 1994 até 32 % em 2003, sendo que o
valor dos dados dos três hospitais acima referidos
em 2008 (29 %) parece sugerir que terá estabilizado.
Os dados do EARSS de 2007 (http://www.rivm.
nl/earss/) que se referem apenas a estirpes isoladas de hemoculturas, revelam que o problema da
resistência aos aminoglicosídeos em E. faecium é
comum à maioria dos países europeus, que apresentam proporções de estirpes resistentes superiores a
25 %, ou até a 50 % (Grécia e Alemanha). Quanto à
resistência aos glicopéptidos, esta é bastante menor
na maioria dos países europeus, sendo inferior a
91
10 %. Ainda assim, a Irlanda e a Grécia, tal como
Portugal, apresentam valores superiores a 25 %.
ovos antimicrobianos para o combate a
N
infecções por bactérias de Gram positivo.
A indústria farmacêutica respondeu à emergência
e disseminação da resistência em bactérias de Gram
positivo com o desenvolvimento de fármacos que
estão agora a chegar ao mercado com a premissa de
serem activos contra estirpes resistentes, tais como
os MRSA ou os VRE.
O linezolide apresenta excelente actividade contra
a maioria dos MRSA, apesar de já estarem descritas mutações no RNA ribossomal que reduzem a
susceptibilidade dos estafilococos. O mesmo se
passa com os enterococos, sobretudo associado a
terapêuticas prolongadas. Apesar de estas estirpes
ainda constituírem uma minoria, a sua disseminação
é um risco crescente.
A daptomicina é um lipopéptido com excelente
actividade contra S. aureus. Tem levantado alguma
preocupação a associação de uma resistência
diminuída a este agente entre as estirpes VISA, tal
como se verificou na estirpe isolada no Hospital
de S. Marcos (4). Este aumento da CIM não é,
contudo, suficiente para classificar estas estirpes
como resistentes. Mais preocupantes são os casos
que descrevem a emergência de estirpes resistentes
à daptomicina in vivo, levando a falência terapêutica em endocardites causadas por estirpes MRSA.
No caso dos enterococos, um caso de emergência
de resistência durante a terapêutica é ainda mais
preocupante, dado que o CIM da daptomicina da
estirpe subiu de 2 µg/mL para 32 µg/mL. Não se
conhece com precisão o mecanismo de acção da
daptomicina, nem os mecanismos utilizados pelas
estirpes resistentes.
A tigeciclina é a primeira glicilciclina a chegar
ao mercado. Relacionada com as tetraciclinas, os
mecanismos habituais de resistência a estas parecem
não conferir resistência cruzada contra a tigeciclina.
Entre nós, um estudo realizado no Instituto de Microbiologia da Faculdade de Medicina da Universidade
de Lisboa testou a actividade deste antimicrobiano
contra estirpes recolhidas em todo o país das espécies pertencentes aos géneros Staphylococcus e
Enterococcus mencionadas acima. Verificou-se que
a totalidade das estirpes MRSA, de estafilococos
coagulase negativos e de E. faecium e E. faecalis
testadas apresentavam sensibilidade a este agente.
92
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A susceptibilidade também foi total às oxazolidinonas (quinupristina-dalfopristina) em MRSA e em
estafilococos coagulase negativos. Nos enterococos, a maioria das estirpes de E. faecalis apresenta
resistência natural à quinupristina-dalfopristina,
enquanto a situação se inverteu em E. faecium,
sendo a quase totalidade das estirpes susceptíveis a
este antimicrobiano. Todavia, estudos mais alargados
já documentaram resistência à tigeciclina em MRSA
e estafilococos coagulase negativos, bem como a
emergência de resistência durante a terapêutica
numa estirpe de E. faecalis.
Considerações finais
As bactérias de Gram positivo têm respondido à
introdução de novos antimicrobianos desenvolvendo
resistência. As novas técnicas de biologia molecular
têm permitido seguir a expansão e disseminação
de clones resistentes, mas também documentar a
transferência horizontal de elementos genéticos que
conferem resistência. Ambos estes mecanismos têm
sido responsáveis pelo aumento e disseminação da
resistência verificada nas duas últimas décadas. A
introdução de novas vacinas e o reforço das medidas
de controlo de infecção poderão ajudar a controlar
este importante problema.
Agradecimentos
Agradeço à Professora Helena Ramos do Centro
Hospitalar do Porto e à Dra. Graça Ribeiro dos
Hospitais da Universidade de Coimbra o terem-me fornecido os dados referentes à resistência aos
antimicrobianos de S. aureus, S. epidermidis, E.
faecium e E. faecalis dos seus hospitais em 2008,
assim como ao Professor José Melo Cristino ter-me
permitido consultar dados não publicados do Estudo
Viriato, bem como ter-me facultado os dados da
resistência aos antimicrobianos em 2008 do Centro
Hospitalar Lisboa Norte.
Agradeço ainda, o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia, da Fundação Calouste Gulbenkian
e da União Europeia para os estudos realizados no
Instituto de Microbiologia da Faculdade de Medicina
da Universidade de Lisboa, bem como os apoios da
Glaxo SmithKline Portuguesa ao Projecto Viriato, e
da Wyeth Portuguesa ao projecto POR-TEST – estudo
da susceptibilidade à tigeciclina em Portugal.
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Resistência em bactérias de Gram-negativo
Gram – negative antibiotic resistance
Maria Helena da Silva Santos Ramos*
Serviço de Microbiologia do Centro Hospitalar do Porto
Resumo
Abstract
O aparecimento e a disseminação de microrganismos
resistentes é um problema global que se tem agravado nas
últimas duas décadas, sobretudo a nível hospitalar, comprometendo a eficácia da maioria dos antimicrobianos utilizados na
prática clínica. Será alvo de discussão o problema emergente,
resultante do aparecimento e da disseminação de estirpes
de E. coli e Klebsiella spp produtoras de β- lactamases de
espectro espandido (ESBLs), de Pseudomonas aeruginosa, de
Acinetobacter baumannii e de Klebsiella pneumoniae, produtoras
de carbapenemases, assim como, o crescente aumento da
resistência à ciprofloxacina em diversas espécies bacterianas.
A avaliação do impacto clínico e económico destas resistências,
e a apresentação de estratégias para o seu controlo é também
um dos objectivos do presente trabalho, que tem por base
dados relativos à evolução destas estirpes em alguns hospitais
portugueses desde 1994 até 2007.
The emergence and spread of resistant microorganisms is a
global problem which has worsened over the past two decades,
especially in hospital, compromising the effectiveness of most
antibiotics used in clinical practice. Will come under discussion
the prevalence of E. coli and Klebsiella species producing
extended-spectrum β - lactamases (ESBLs), Pseudomonas
aeruginosa, Acinetobacter baumannii, Klebsiella pneumoniae,
to possess a carbapenem- hidrolyzing β - lactamases, as well
as the growing increase in ciprofloxacin resistance in several
bacterial species. The evaluation of clinical and economic impact
of such resistance, and present strategies for their control is
also an objective of this work witch is based on data on the
evolution of these strains in some Portuguese hospitals from
1994 to 2007.
Keywords: Gram negative, antimicrobial resistance,
Portugal 
Palavras-chave: Gram-negativo, resistência aos antimicrobianos, Portugal 
Introdução
Os bacilos Gram-negativo constituem um grupo
de microrganismos formado por numerosas espécies,
as quais apresentam uma enorme diversidade de
padrões de sensibilidade aos antimicrobianos. Além
disso, estas bactérias dispõem não só de uma grande
capacidade de adquirir genes de resistência, mas
também de os transmitir, quer a elementos da mesma
espécie, quer a outros de espécies diferentes. Isto
acontece porque muitas destas resistências estão
localizadas em unidades móveis de DNA, como são
os plasmídeos, os transposões e os integrões. O
aparecimento e a disseminação de microrganismos
resistentes são um problema global que se tem
agravado nas últimas duas décadas, sobretudo a nível
hospitalar, pondo em causa a eficácia da maioria
dos antimicrobianos utilizados na prática clínica.
Apesar de não se poder estabelecer uma relação
causal entre o uso dos antimicrobianos e o aparecimento das resistências, existem certos factos
que sugerem uma clara associação entre ambos
os fenómenos (1). Tem sido demonstrado que a
probabilidade de aparecimento da resistência é
tanto maior quanto maior for a duração de exposição ao antibiótico. Por outro lado, os patogéneos
nosocomiais apresentam percentagens de resistência mais elevadas, e são mais prevalentes nos
serviços hospitalares, particularmente nas Unidades
de Cuidados Intensivos (UCI), onde a pressão de
* [email protected]
Cadernos de Saúde  Vol. 3  Número especial Infecção Associada à Prática de Cuidados de Saúde – pp. 93-99
94
Cad e r n o s d e S a ú d e  Vo l. 3  N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e
selecção é grande, em virtude da grande utilização
de antimicrobianos de amplo espectro.
Todos os grupos de antimicrobianos exercem uma
maior ou menor pressão de selecção, no entanto,
as quinolonas e as cefalosporinas de 3ª geração
são os antimicrobianos em que esta causa e efeito
estão melhor documentadas. O uso excessivo das
cefalosporinas de 3ª geração, para além de ocasionarem o aparecimento de vários mecanismos de
resistência por produção de β-lactamases, como é
o exemplo das β-lactamases de espectro estendido
(ESBLs) (2), das Amp. C desreprimidas e plasmídicas,
também, promovem reinfecções por estirpes de
Staphylococcus aureus meticilino- resistentes (SAMR)
e por Enterococcus spp resistentes à vancomicina
(VRE). Há autores que também as responsabilizam
pelo aparecimento de estirpes de Acinetobacter spp
multirresistentes. (3)
O uso excessivo das quinolonas também se encontra associado a inúmeras resistências emergentes,
algumas das quais com impacto directo na classe das
fluorquinolonas (resistência cruzada), uma vez que
são capazes de seleccionar mutantes, principalmente
nas bactérias Gram negativo, que produzem em
quantidades excessivas, uma ampla variedade de
bombas de efluxo, responsáveis por resistência a
praticamente todos os grupos de antimicrobianos (4).
Também tem sido descrito por alguns autores, que
o uso prévio de algumas fluorquinolonas estimula a
produção de factores de adesão do Staphylococcus
aureus meticilino-resistentes às células da mucosa
nasal, facilitando quer a colonização, quer a persistência do estado de portador, e consequentemente
a sua disseminação entre os doentes e no ambiente
hospitalar. (5)
O aparecimento e a disseminação destas estirpes
multirresistentes, principalmente em meio hospitalar,
têm suscitado problemas graves, quer do ponto de
vista terapêutico, quer epidemiológico, motivando
a implementação de programas de vigilância em
diversos países. Em Portugal existe um projecto de
vigilância desde 1993, coordenado por Melo Cristino,
no qual participam diversos hospitais de todo o País.
Este projecto tem como objectivo não só conhecer
o padrão actual da resistência aos antimicrobianos,
dos microrganismos mais prevalentes em meio
hospitalar, mas também proporcionar a análise das
tendências dessas mesmas resistências. As percentagens de resistências apresentadas referem-se ao
estudo realizado no ano de 2007 em Portugal, no
qual participaram 14 Instituições.
Factores de risco
Para além do aumento da pressão de selecção causada pelo uso dos antimicrobianos, principalmente
os de amplo espectro, existem outros factores de
grande relevância no aparecimento da resistência.
Alguns desses factores estão relacionados com
o hospedeiro, como: a idade avançada dos doentes, o aumento de patologias crónicas e agudas
graves, que são causa, não só de internamentos
mais prolongados, mas também de reinternamentos
sucessivos, o número cada vez maior de doentes
imunocomprometidos na população, que proporcionam o aparecimento de infecções por agentes
oportunistas emergentes, e ainda aqueles que estão
relacionados com os cuidados prestados aos doentes,
ou seja a utilização mais frequente de métodos de
diagnóstico/terapêutica mais invasivos, as deficiências
no cumprimento das normas de controlo de infecção
pelos profissionais de saúde, etc.
Todas estas situações têm sido apontadas como
factores de risco promotores do aparecimento de
resistências aos antimicrobianos. Enquanto em relação
aos primeiros pouco se pode fazer, em relação aos
segundos está documentado que a implementação de
critérios rigorosos da utilização dos antimicrobianos
e o pleno cumprimento das normas de controlo da
infecção acarretam uma diminuição da percentagem
de resistência.
Falar ou escrever sobre a resistência nos bacilos
Gram negativos não é, pois, uma tarefa fácil principalmente pela extensão do assunto. Assim, apenas
serão abordados os microrganismos, cuja resistência
constitui um problema emergente em expansão nos
nossos hospitais.
nterobacteriaceae produtoras de
E
β-lactamases de espectro estendido –
(ESBLs)
As Enterobactereaceae constituem a família maior
e mais heterogénea de bacilos Gram negativos.
Contém a maioria dos bacilos Gram negativo clinicamente importante. A maioria das espécies pertence
à flora comensal normal, e é responsável por infecções oportunistas, outros estão sempre associados
a doença. Estes microrganismos são responsáveis
por 30-35 % de todas as septicemias e por 70 % das
infecções do tracto urinário.Nas Enterobacteriaceae
um dos factos mais relevantes dos últimos anos foi o
aparecimento de estirpes produtoras de β-lactamases
de espectro estendido (ESBLs).
Resistência em bactérias de Gram-negativo
As ESBLs são um grupo heterogéneo de enzimas
bacterianas mediadas por plasmídeos, capazes de
inactivar as cefalosporinas de 1ª, 2ª, 3ª gerações,
monobactamos e as amino, carboxi e ureidopenicilinas (6). A maioria desta enzimas resulta de uma
ou mais mutações nos genes que codificam as já
conhecidas, TEM-1,Tem-2 e SHV-1, alteração essa que
lhes confere actividade sobre todos os β - lactâmicos
com excepção dos carbapenemos.
Foram detectadas pela primeira vez em 1983,
numa estirpe de Klebsiella pneumoniae, no entanto
têm sido detectadas em todas as regiões do mundo,
não só em estirpes de E. coli e de Klebsiella pneumoniae, onde são mais prevalentes, mas também
noutras espécies como Proteus mirabilis, Pseudomonas aeruginosa, Salmonella spp, e Serratia
marcescens.
A ampla disseminação dos bacilos Gram negativo produtores de ESBLs tem ocorrido de maneira
paralela ao aumento do consumo de cefalosporinas
de 3ª geração (7).
A prevalência destas estirpes é difícil de estimar,
pois para além de ser variável de região para região
(maior frequência em áreas urbanas) e de hospital
para hospital, também muitas destas enzimas não são
detectadas pelos métodos utilizados na rotina dos
laboratórios de microbiologia. O seu aparecimento
está relacionado com a existência de numerosos
factores de risco, como: internamentos prolongados,
principalmente nas UCI, uso prévio de antibióticos
e utilização de procedimentos invasivos.
As estirpes produtoras de ESBLs apresentam resistência cruzada a outros grupos de antimicrobianos,
como aminoglicosídeos, tetraciclinas, co-trimoxazol
e quinolonas, o que fazem dos carbapenemos a
única alternativa terapêutica para a resolução das
infecções graves causadas por estas estirpes. As
estirpes de E. coli produtoras de ESBLs são isoladas
com maior frequência em doentes provenientes
da comunidade, enquanto as estirpes de Klebsiella
pneumoniae ESBLs positiva, são mais frequentes
nos hospitais (UCI), onde são responsáveis muitas
vezes por surtos epidémicos.
Em Portugal a prevalência destas estirpes tem
sido variável como podem observar na Fig.1. A
maior prevalência foi observada nas estirpes de
Kl. Pneumoniae (26%). No entanto, verifica-se a
existência de pequenas oscilações ao longo dos
anos, que pode estar relacionada com a existência
ou não de surtos. Em 2007, 9 % das estirpes de E.
coli isoladas eram produtoras de ESBLs. É de salientar
que o isolamento destas estirpes tem vindo sempre
95
a aumentar, embora de forma gradual, desde 1997,
o que parece estar relacionado com a disseminação
nos hospitais de um genótipo CTX-M proveniente
da comunidade.
Figura 1 – Prevalência das ß- Lactamases de espectro expandido
( ESBLs) em Portugal.
Como era de prever, os vários hospitais apresentam
taxas de prevalência completamente distintas. De
maneira geral os hospitais da região centro apresentam prevalências elevadas com valores muito
próximos dos 50 %, enquanto os hospitais da região
sul apresentam valores de prevalência inferiores à
média nacional.
O comportamento destas estirpes em relação
aos outros antimicrobianos, pode ser observada no
Quadro 1. Nos últimos quinze anos, para além do
aumento da resistência às cefalosporinas de 3ª geração, é de salientar não só o aumento da percentagem
de resistência à ciprofloxacina e ao co-trimozaxol,
mas também o aparecimento de estirpes de Klebsiela
pneumonia resistentes aos carbapenemos.
seudomonas aeruginosa produtoras de
P
carbapenamases
As Pseudomonas aeruginosa são bactérias de
vida livre com grande predilecção pelos ambientes
húmidos. Podem ser encontradas na pele, orofaringe
e fezes dos indivíduos saudáveis. Sobrevivem em
numerosos reservatórios hospitalares (humidificadores, ventiladores, jarras de flores, entre outros).
São transmitidas de doente a doente através das
mãos dos profissionais de saúde, ou através de
contacto directo com os reservatórios hospitalares.
São reconhecidos numerosos factores que promovem
a colonização e infecção por estas bactérias. É um
microrganismo oportunista que pode causar infecções
nosocomiais graves, de difícil tratamento, uma vez
que estas estirpes possuem não só uma resistência
96
Cad e r n o s d e S a ú d e  Vo l. 3  N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e
intrínseca a numerosas famílias de antimicrobianos,
mas também uma extraordinária capacidade para
adquirir novos mecanismos de resistência.
Os carbapenemos são os antimicrobianos recomendados para o tratamento de infecções causados
por bactérias multirresistentes, em virtude não só da
sua elevada estabilidade à hidrólise da maioria das
β-lactamases, mas também pela sua facilidade de
difusão através dos canais de porina da membrana
externa. Contudo, a utilização excessiva destes
antimicrobianos causou a emergência de estirpes
de Pseudomonas aeruginosa resistentes aos carbapenemos. (8)
A resistência a estes antibióticos β-lactâmicos
pode ser devida a vários mecanismos, no entanto
a mais preocupante é a que resulta da acção das
carbapenemases.
Nos anos oitenta, aquando da utilização dos carbapenemos, passou a ser reportado o isolamento de
estirpes produtoras de carbapenemases da classe A,
mas só no início dos anos 90 é que foram isoladas
no Japão, em estirpes de Pseudomonas aeruginosa
e Serratia marcescens, as primeiras metalobetalactamases (MBLs),
Existem três tipos de carbapenemases: metalobetalactamases (MBLs), oxacilinases e penicilinases.
O grupo com maior significado clínico são as metalobetalactamases (MBLs), que necessitam do ião
zinco (Zn2+) para expressar a sua actividade. Não
são inibidas pelos inibidores das β-lactamases, mas
sim pelo ácido etilenodiaminotetracético (EDTA).
Pertencem ao grupo B da classificação de Ambler
e conferem resistência a todos os β-lactâmicos com
excepção dos monobactamos. Até ao momento
foram identificados 5 tipos de MBLs: IMP,VIM, SPM,
GIM,SIM. As famílias IMP e VIM e as suas variantes
têm sido reportadas mundialmente, principalmente
em estirpes de Pseudomonas aeruginosas e de
Acinetobacter spp.
As carbapenemases tipo OXA são mais frequentes
nas estirpes de Acinetobacter spp e estão relacionadas
com fenómenos de heteroresistência. Têm sido
descritas 147 variantes diferentes, constituindo dois
“clusters “ distintos, um dos quais inclui OXA-23, 25,
26 e 40 predominantes em Espanha e Portugal, onde
têm sido isolados em múltiplos locais, principalmente
em Acinetobacter spp (9). Estas enzimas apresentam
in vitro uma lenta capacidade de hidrólise, o que
dificulta a sua detecção a nível laboratorial.
As carbapenemases plasmídicas da classe A de
Ambler (KPC 1-3 e GES) são menos frequentes,
sendo anuladas pelos inibidores das β–lactamases
(ácido clavulânico e tazobac), e só expressam a sua
actividade quando associadas a outros mecanismos
de resistência. Nos últimos anos tem sido reportado
o isolamento de estirpes de Klebsiella pneumoniae,
com o genótipo KPC em vários locais do EUA, na
Europa, na China, e noutros países.
A grande maioria dos genes que codifica estas
enzimas encontra-se em cassetes inseridas em integrões classe 1- 3 ou em plasmídeos, o que facilita a
sua disseminação. A resistência aos carbapenemos
disseminou-se rapidamente, em especial em Ps.
Aeruginosa, Acinetobacter spp e mais raramente
na família das Enterobacteriaceae. Estas enzimas
conferem resistência cruzada a outros grupos de
antimicrobianos, contudo a resistência cruzada
dentro dos carbapenemos não é absoluta. A detecção laboratorial deste tipo de resistência também
é difícil a nível laboratorial. Em Portugal, de 8334
estirpes estudadas em 2007, 22 % eram resistentes
aos carbapenemos. O isolamento destas estirpes tem
vindo a aumentar gradualmente nos últimos anos,
sendo perfeitamente distinto e variável o número
de isolamento destas estirpes nos diversos hospitais.
Existem hospitais em que estas estirpes são pouco
prevalentes, noutros porém a sua prevalência ronda
os 50 %. (Figura 2).
Figura 2 – Prevalência da resistência aos carbapenemos em alguns
hospitais portugueses em bacilos Gram negativo não fermentadores
em 2007.
Para além da resistência aos carbapenemos,
verificada em 2007, é de salientar o aumento da
resistência à ceftazidima (33 %). As ureidopenicilinas
e os aminoglicosideos continuam a ser uma boa
alternativa terapêutica uma vez que a média global
de resistência foi de 18 e 16 % respectivamente
(Quadro 1).
97
Resistência em bactérias de Gram-negativo
Quadro 1 – Evolução da resistência nos bacilos Gram negativo em Portugal.
Estirpes
Anos
2003
E. coli
Kl. pneumoniae
Ps. aeruginosa
Acinetobacter spp
Antimicrobianos
AMP
AK
57
CAZ
CIP
CTX
GN
IMI
PIP/T
SXT
6
23
6
10
0
34
2007
58
9
28
9
12
0
34
2003
100
24
18
24
16
0
37
2007
100
26
31
26
19
1
34
1994
13
9
30
35
18
19
2007
16
33
35
31
26
18
1994
30
40
45
61
2
70
2007
44
87
87
83
84
86
Acinetobacter spp. multiresistentes ( MDR)
O Acinetobacter spp. é um patogéneo nosocomial
emergente responsável por um número cada vez
maior de infecções nosocomiais graves. Este facto
é devido não só à sua extraordinária capacidade de
desenvolver resistências aos antimicrobianos, mas
também pela sua sobrevivência no meio ambiente
inanimado. A epidemiologia desta bactéria é perfeitamente conhecida: o doente colonizado/infectado
é o reservatório principal, as mãos do pessoal de
saúde constituem o mecanismo de transmissão
mais importante, funcionando o meio ambiente
como reservatório intermediário entre as mãos dos
profissionais de saúde e os doentes.
A ausência ou a ineficácia dos sistemas de vigilância da infecção nosocomial impede o reconhecimento
precoce dos surtos, facilitando assim a disseminação
destas estirpes, quer entre os doentes, quer no meio
ambiental (colonização), dando origem a uma situação endémica caracterizada pela policlonidade de
estirpes. A maioria destas estirpes é multirresistente, e
origina surtos, principalmente nas UCI, uma vez que
estas unidades constituem um reservatório ambiental
por excelência. O isolamento destas estirpes mesmo
que correspondam a simples colonizações, só por
si significa a existência de problemas agravados em
infecções futuras, quer a nível do seu prognóstico,
quer mesmo do ponto de vista terapêutico, uma
vez que restam poucas alternativas terapêuticas,
após a detecção da existência de carbapenemases.
A maioria destas carbapenemases pertence ao grupo
das oxacilinases (10)
Em 2007, verificamos que em Portugal estas estirpes são endémicas nos vários hospitais, com taxas de
endemia muito variáveis como pode ser observado
no Figura 2. A sensibilidade dos Acinetobacteres
spp aos antimicrobianos tem diminuído conside-
ravelmente nas últimas décadas, em relação aos
diversos antimicrobianos como pode ser observado
no Quadro 1.
esistência às fluorquinolonas nos Gram
R
negativo
As fluorquinolonas foram introduzidas nos anos
oitenta para tratamento das infecções por bactérias
Gram negativo. Após a sua introdução verificou-se
um rápido aparecimento de estirpes resistentes,
colocando por terra as expectativas criadas aquando
da sua introdução no formulário terapêutico. Existem
numerosos factores que promovem quer o seu
aparecimento, quer mesmo o grau de resistência
expressa, como: a espécie de microrganismo, a
densidade do inóculo bacteriano, o antimicrobiano e
a dose utilizada, o local de infecção e a integridade
dos mecanismos de defesa do hospedeiro.
Existem vários mecanismos de resistência às fluorquinolonas. O mecanismo mais importante é o
da mutação na enzima alvo. As mutações no gene
gyrA, o gene que codifica a subunidade A da girase
de DNA, são o mecanismo mais frequente nos Gram
negativo. As mutações ocorrem no QRDR (região
determinante da resistência às quinolonas). Também
têm sido descritas resistências de baixo nível por
alterações das porinas (OmpF) da membrana externa
da parede ou por mecanismos de efluxo. Vários tipos
de resistência podem coexistir na mesma estirpe.
Uma das características desta resistência é ser uma
resistência cruzada a todos os membros do grupo,
assim como uma co-resistência para outros grupos
de antimicrobianos.
Está demonstrado existir uma razão inversa entre
as concentrações baixas das fluorquinolonas e a
selecção de mutantes de resistência (11). Actualmente a resistência às fluorquinolonas constitui um
98
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problema emergente, principalmente em alguns
países onde o consumo destes fármacos é excessivo,
como é o caso de Portugal.
No Quadro 1 podem ser observadas as percentagens de resistência verificadas em várias espécies
durante o ano de 2007, em Portugal. Apesar de ser
mais prevalente nos bacilos não fermentadores, esta
resistência tem permanecido estável nos últimos 15
anos. Já em relação às Enterobactereaceae, verifica-se um aumento das percentagens de resistência,
com particular relevo nas estirpes de Klebsiella
pneumoniae.
Nos diferentes hospitais o panorama da resistência
é perfeitamente distinto como era de esperar, uma
vez que a utilização das fluorquinolonas não está
uniformemente implantada nas diversas Instituições. Os valores mais elevados de resistência foram
encontrados em estirpes de Acinetobacter spp com
valores de resistência que oscilam entre os 50 e
100 %. Os valores mais baixos de maneira global
foram encontrados nas Enterobacter spp, variando
entre 4 e 28 %. (Figura 3)
Impacto clínico e económico da resistência
O principal impacto clínico da resistência aos
antimicrobianos está relacionado com a ineficácia
das terapêuticas instituídas, principalmente das
terapêuticas empíricas, conduzindo a um pior
prognóstico, com aumento da morbilidade e da
mortalidade. Além disso, o isolamento destas
estirpes cada vez mais frequentes tem aumentado
substancialmente os custos globais dos cuidados de
saúde. Este aumento dos custos é resultado não só
dos custos imediatos resultantes da assistência aos
doentes, como internamentos prolongados, custo
das terapêuticas alternativas instituídas, necessidade
de medidas invasivas de suporte, entre tantos outros
factores, mas também dos custos associados à
vigilância e implementação de medidas de controlo
de infecção. Associados a estes custos existem
ainda os custos potenciais relacionados com a
perda prolongada de produtividade dos doentes,
o aparecimento de infecções de difícil tratamento
ou mesmo intratáveis, a que ainda acrescem os
gastos dispendidos com programas de formação
educacionais e outros
Estratégias de controlo
Várias estratégias têm sido propostas no sentido
de prevenir a resistência aos antimicrobianos. Grande
parte das estratégias tem como objectivo promover
o uso racional dos antimicrobianos, e a implementação e cumprimento das normas do controlo da
infecção hospitalar. Dados actuais sugerem que
estas estratégias de intervenção devem contemplar uma abordagem multifactorial e devem incluir
Figura 3 – Prevalência da resistência às fluorquinolonas em diversos hospitais portugueses em 2007
Resistência em bactérias de Gram-negativo
medidas reguladoras e de controlo, informativas e
educacionais.
Em relação às medidas reguladoras e de controlo é imprescindível não só que existam, mas que
sejam cumpridas; no que diz respeito às medidas
educacionais e informativas, apenas devem ser
efectuadas aquelas que demonstrem ser eficazes
na prática clínicas. Devem ser dirigidas não só aos
profissionais de saúde, mas também à população
em geral. Enquanto nos hospitais existe toda uma
organização vocacionada e com responsabilidade
nesta área (Comissão de Farmácia e Terapêutica
e Comissão da Infecção Associada à Prestação de
Cuidados de Saúde), a nível do ambulatório é mais
complicada a implementação de estratégias.
É muito importante, para o sucesso das estratégias,
que todos os intervenientes tenham um papel activo,
que estas se desenvolvam de forma rigorosa, que
se proceda à avaliação da sua eficácia e que haja
divulgação dos resultados obtidos.
Em Portugal, existe uma preocupação e sensibilização das Direcções Centrais e Regionais de Saúde
para a resolução deste problema. Desde 2005 existe
legislação sobre o uso dos fármacos que visa a
utilização racional do medicamento, o Plano Nacional
de Saúde 2004/2010 prevê um programa nacional
de prevenção das resistências aos antimicrobianos,
assim como têm sido efectuadas campanhas de
informação e educação, quer pelo Infarmed, quer
pela Direcção Geral de Saúde com o intuito de sensibilizar a população para uma utilização adequada
dos antimicrobianos, quer mesmo implementando
programas educacionais para crianças e jovens como
o “e.Bug”.
Porém, este problema só será resolvido com o
empenho e cooperação entre os profissionais de
saúde, administradores hospitalares, legisladores
e a indústria farmacêutica, no sentido de serem
encontradas soluções que levem no futuro não só
a prevenir aumentos da resistência, mas também a
limitar os custos que lhes estão associados.
99
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Profilaxia antibiótica
Antibiotic prophylaxis
Carlos Vasconcelos1* e António José Polónia2
Comissão de Controlo de Infecção (CCI) do Hospital de Santo António / Centro Hospitalar do Porto (HSA / CHP).
1
Instituto de Ciências Biomédicas (ICBAS/UP)
HSA/CHP, CCI do HSA / CHP
2
Resumo
Abstract
A antibioterapia profiláctica tem como objectivo a prevenção
da infecção através da administração de antimicrobianos. Há
benefícios e prejuízos potenciais nesta atitude médica pelo que
é imperiosa uma análise dos custos-benefícios envolvidos, que
deve ter em conta factores como a gravidade da doença a
prevenir, espectro de actividade do agente microbiano, indução
de resistências, toxicidade, etc.
Nesta exposição vamos debruçar-nos sobre a antibioterapia
profiláctica da endocardite e em cirurgia relatando a experiência
do Hospital de Santo António (HSA). Na endocardite as recomendações internacionais para administração de antibióticos
tornaram-se mais selectivas tendo em conta que a bacteriemia
resultante das actividades diárias tem maior probabilidade de
causar endocardite infecciosa que a bacteriemia associada a
procedimentos odontológicos e que apenas um número escasso
de casos poderia ser prevenida pela profilaxia antibiótica mesmo
que a profilaxia seja 100 % efectiva.
Quanto à infecção do local cirúrgico (ILC) trata-se de um
problema importante, ocupando no HSA o terceiro lugar das
infecções nosocomiais, a seguir à ITU e infecções respiratórias.
Numa série de 15 000 intervenções registadas, a taxa de ILC
registada até à data da alta hospitalar é de 3,36 %, sendo
altamente provável a existência de subnotificação. O tipo de
ILC mais frequente é superficial e os agentes microbianos mais
comuns foram Staphylococus aureus meticilina resistente e
Escherichia coli. A apendicectomia e o desbridamento de feridas
/ abcessos foram os actos cirúrgicos que mais contribuíram
para a ILC.
A estratégia seguida, em 1995, pelo HSA para antibioprofilaxia cirúrgica foi a de seguir as Recomendações da “Surgical
Wound Task Force Guidelines for Prevention of Surgical Wound
Infeccion” e do “Center Disease Control”, numa iniciativa do
grupo de antimicrobianos da Comissão de Farmácia e Terapêutica, com o apoio da Administração e o envolvimento de
vários especialistas.
Numa avaliação global da adesão às recomendações publicadas constatamos que ultrapassou os 60 % a sua utilização
Antibiotic prophylaxis takes the prevention of the infection
as an objective, through the administration of antimicrobians.
There are benefits and potential damages in this medical attitude
obligating to a cost - benefits analysis, which must take into
account factors as the gravity of the disease to prevent, activity
of the microbial agent, induction of resistances, toxicity, etc.
This text is about antibiotic prophylaxis in endocarditis and
in surgery procedures reporting the experience of the Hospital
Santo António (HSA). The international recommendations for
antibiotics administration in endocarditis made it more selective,
taking into account that the bacteriemia resultant of the daily
activities has bigger probability of causing infectious endocarditis
than the bacteriemia associated to odontologic proceedings
and that, only a scarce number of cases might be prevented
even that the antibiotic prophylaxis is 100 % effective.
Surgical site infection (SSI) it is an important problem,
occupying in the HSA the third place of the nosocomial infections
(NI), after UTI and respiratory infections. In a series of 15000
surgical procedures the rate of NI was 3,36 %, with a highly
probable subnotification. The most frequent type of SSI is
superficial incision and the commonest microbial agents were the
methicilin-resistant Staphylococus aureus and the Escherichia
coli. Appendicectomy and the wound desbridment / abscesses
were the surgical procedures that more contributed to SSI.
The strategy followed, in 1995, by the HSA for antibiotic
prophylaxis in surgery was based on the Recommendations of
“Surgical Wound Task Force Guidelines for the prevention of
Surgical Wound Infection” and of “Center for Disease Control”, in
an initiative of the group of antimicrobial - committee of pharmacy
and therapeutics, with the support of the Administration and
the involvement of several specialists.
In a global evaluation of the adhesion to the published
recommendations we note that the correct use exceeded 60
% in clean surgery without use of prothesis. Of the remainder,
nearly 30 % did not do prophylactic antibiotic and only 6 % did it
wrongly as therapeutic intention. This last percentage increases
* [email protected]
Cadernos de Saúde  Vol. 3  Número especial Infecção Associada à Prática de Cuidados de Saúde – pp. 101-106
102
Cad e r n o s d e S a ú d e  Vo l. 3  N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e
correcta, em cirurgia limpa sem uso de próteses. Dos restantes,
cerca de 30 % não fez antibiótico profiláctico e apenas 6 % o
fez inadequadamente sendo registada a intenção terapêutica.
Esta última percentagem aumenta para o dobro nas cirurgias
limpo-contaminadas, contaminadas e conspurcadas, assim
como na cirurgia de urgência. A experiência do HSA permite-nos
afirmar que o cumprimento de um protocolo de antibioprofilaxia
em cirurgia pode ser conseguido com o envolvimento desde o
início, no processo, das pessoas responsáveis e com medidas
de controlo eficazes e de fácil aplicação.
for the double in the clean-contaminated, contaminated and
dirty, as well as in the emergency surgery.
The experience of the HSA allows us to affirm that the
fulfillment of a protocol of antibiotic prophylaxis in surgery can
be got with the involvement from the beginning, in the process,
of the responsible persons and with efficient measures of control
and of easy application.
Keywords: antibioprophylaxis, surgical site infection,
bacteremia, endocarditis 
Palavras-chave: antibioprofilaxia, infecção do local operatório, bacteremia, endocardite 
Antibioterapia profiláctica corresponde à administração de um ou mais agentes antimicrobianos com
intenção de prevenir a infecção. A prevenção das
infecções é sempre preferível ao tratamento, devendo
ter-se em conta o risco-benefício e o custo-benefício.
Os factores que podem influenciar a eficácia da
profilaxia antibiótica dependem do agente patogénico, do agente profiláctico, do hospedeiro e da
doença a ser prevenida. Há que ter em conta se se
trata de um único ou múltiplos patogénios potenciais,
qual o tempo de exposição ao patogénio, qual a sua
origem, qual a gravidade da doença a ser prevenida,
quais os órgãos alvo que podem ser infectados, qual
o espectro de actividade do agente antimicrobiano,
a duração da quimioprofilaxia, assim como o seu
custo, toxicidade, efeitos laterais e aceitabilidade do
antibiótico proposto (1).
Quanto aos factores associados à sua ineficácia
podem-se listar a má utilização (excesso) de agentes
antimicrobianos, a promoção de microorganismos
resistentes, o desperdício económico e a toxicidade
iatrogénica. Nesta exposição vamos principalmente
debruçar-nos sobre a antibioterapia profiláctica em
cirurgia e sobre a experiência neste campo do HSA.
Na primeira parte falaremos também da profilaxia
antibiótica para a prevenção da endocardite.
As principais alterações nas orientações para o
uso de antibióticos na prevenção da endocardite
infecciosa são as seguintes (2):
a) A bacteriemia resultante das actividades diárias
tem maior probabilidade de causar endocardite
infecciosa (EI) do que a bacteriemia associada
a procedimentos odontológicos.
b)Apenas um número escasso de casos de EI
poderia ser prevenida pela profilaxia antibiótica,
mesmo que a profilaxia seja 100 % efectiva.
c) Antibioterapia profiláctica não é recomendada
com base exclusivamente no aumento de risco
ao longo da vida de aquisição de EI.
d)A antibioterapia profiláctica fica apenas recomendada para as situações referidas no Quadro
1 nomeadamente para as cardiopatias congénitas especificadas e não outras.
Quadro 1 – Doenças cardíacas associadas a risco mais elevado de
endocardite, para as quais é aconselhável a profilaxia.
•P
rótese valvular ou material prostético usado para reparar
válvula cardíaca,
• Prévia endocardite infecciosa
• Doença cardíaca congénita
– Cardiopatia cianótica não corrigida
–C
ardiopatia congénita corrigida, com prótese ou outro
material, durante os primeiros 6 meses após a intervenção
(endotelização do material)
–C
ardiopatia congénita corrigida com defeitos residuais
adjacentes ao material usado, impedindo a endotelização
• Transplantados cardíacos que desenvolvam doença valvular
e) O antibiótico profiláctico é adequado para todos
os procedimentos odontológicos que envolvem
a manipulação de tecidos gengivais ou região
periapical dos dentes ou ainda, perfuração da
mucosa oral apenas nos doentes com doenças
cardíacas associadas a maior risco de EI.
f) O antibiótico profiláctico é aconselhável para os
procedimentos no tracto respiratório ou na pele,
tecido subcutâneo e estruturas osteomusculares
infectadas apenas nos doentes com doenças
cardíacas associadas a maior risco de EI.
g) O antibiótico profiláctico apenas para a prevenção de EI não é recomendado para procedimentos envolvendo o aparelho gastrointestinal
ou génito-urinário.
Profilaxia antibiótica
Embora estas directrizes recomendem alterações
nas indicações para a profilaxia da EI no que diz
respeito a procedimentos dentários, o grupo de
peritos responsável pela sua elaboração reafirma
que os procedimentos médicos listados como não
exigindo profilaxia, nas orientações de 1997, permanecem inalterados, estendendo-se ao parto vaginal,
histerectomia e tatuagens. O grupo de peritos desaconselha ainda o body piercing, dada a possibilidade
de bacteriemia, embora reconheça a escassez de
informação publicada sobre o assunto.
Os procedimentos dentários em que o uso profiláctico de antibióticos pode ser indicado em doentes
seleccionados consistem naqueles (2) que envolvam
manipulação da gengiva ou da região periapical do
doente, ou perfuração da mucosa oral. Os seguintes procedimentos não necessitam de profilaxia
antibiótica: injecção de anestésico através de tecido
não infectado, radiografia dentária e aplicação de
próteses.
Os antibióticos para a profilaxia dentária têm
variado ao longo dos anos, tendo começado em
1955 com a penicilina, substituída em 1990 pela
amoxicilina, na dose de 2 gramas por via oral, uma
hora antes do procedimento (2).
103
o internamento prolongado, a infecção em local
remoto, a corticoterapia, a tricotomia, a duração da
cirurgia, a técnica cirúrgica, a presença de drenos
e o uso inapropriado de profilaxia antimicrobiana.
No Hospital de Santo António (HSA) a prevalência
da infecção hospitalar tem variado entre 11 e 25 %,
conforme mostra a Figura 1. A ILC tem ocupado
sistematicamente o terceiro lugar – (11,1 %) no último
inquérito, antecedida pela ITU (22,2 %) e pelas
infecções das vias respiratórias inferiores (32,1 %).
Figura 1 – Prevalência da Infecção Hospitalar no Hospital de Santo
António
Quadro 2 – Regime de profilaxia para procedimento dentário
Situação
Via oral
Antibiótico
Amoxicilina
Amoxicilina ou
Impossibilidade de
Cefazolina *
medicação oral
ou Ceftriaxone
Via oral, alérgicos
à pen/ ampicilina
Cefalexina ou
Clindamicina ou
Azitromicina ou
Claritromicina
Alérgicos à pen /
Cefazolina ou
Ampicilina e
Ceftriaxone ou
impossibilidade de
Clindamicina
medicação oral
Regime:
dose única 30-60 minutos
antes do procedimento
Adulto
Criança
2 g.
50 mg /Kg
2 g IM/IV
1g IM/IV
50mg/Kg
IM/IV
50mg/Kg
IM/IV
2g
600 mg
500 mg
50mg/Kg
20mg/Kg
15mg/Kg
1g IM ou
IV 600g IM
ou IV
50mg/Kg IM
ou IV
20mg/Kg IM
ou IV
Cefalosporinas não devem ser usadas em pessoas com história de anafilaxia,
angioedema ou urticária com penicilina ou ampicilina.
* ou outras cefalosporinas de primeira ou segunda geração, via oral
No que diz respeito aos doentes cirúrgicos, deve
começar por salientar-se que 30 a 50 % dos doentes hospitalizados consomem antibióticos e que
importante parte do orçamento hospitalar é gasto
na aquisição destes fármacos.
Os factores de risco para Infecção do local cirúrgico
são a idade, a obesidade, a diabetes, a malnutrição,
Na vigilância da IH, centrada no laboratório através
de uma ferramenta informática – Vigi@ct –, em
que a incidência da infecção tem variado entre os
5 e 6 %, a ILC ocupa igualmente o terceiro lugar,
correspondendo o primeiro às ITU.
Temos igualmente feito a vigilância da ILC, desde
meados da década de 90, nos Serviços de Cirurgia
Geral, de Cirurgia Vascular, de Ortopedia e de Obstetrícia (Fig. 2), estando neste momento registadas
mais de 15 000 intervenções.
A taxa de infecção de local cirúrgico registada até
à data da alta hospitalar é de 3,36 %, embora seja
de salientar a elevada percentagem de infecções
que nos não são comunicadas – a declaração é
feita voluntariamente e não há conhecimento das
ILC que ocorrem após a alta. O tipo de ILC mais
frequente é superficial e os agentes microbianos
mais comuns, no pouco mais de um terço em que
foram efectuados exames microbiológicos, foram
Staphylococus aureus meticilino resistente (23,5 %)
e Escherichia coli (17,6 %).
A apendicectomia (15,3 %) e o desbridamento de
feridas/abcessos (14,2 %) foram os actos cirúrgicos
104
Cad e r n o s d e S a ú d e  Vo l. 3  N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e
Figura 2 – Folha de registo de infecção do local cirúrgico
que mais contribuíram para a ILC, sendo o último
aquele em que ocorreu maior taxa de ILC (12,8 %).
A elaboração de um protocolo de antibioterapia
profiláctica em cirurgia é um passo fundamental
na racionalização e optimização do uso de antibióticos, tendo em atenção que a sua utilização é
factor reconhecido no aparecimento de resistências.
A escolha dos antibióticos a usar em profilaxia
assenta em critérios bem definidos e acima de tudo
é importante lembrar que a prevenção da infecção
do local cirúrgico não se esgota na antibioprofilaxia.
A estratégia seguida pelo Hospital de Santo António
(HSA) foi a de seguir as Recomendações da “Surgical Wound Task Force Guidelines for Prevention of
Surgical Wound Infection” (3) e do Centers Disease
Control (CDC) (4 e 5).
Quase 50 anos de investigação demonstraram
que a antibioterapia profiláctica reduz a incidência
de infecções do local cirúrgico, tendo os primeiros
ensaios randomizados sido publicados em 1969.
Múltiplas recomendações sobre o tema foram editadas desde 1980.
As principais recomendações consistem em:
a) Administrar agente antimicrobiano profiláctico
só se indicado, seleccionado com base na sua eficácia
contra os patogénicos mais comummente causadores
de ILC para uma intervenção específica (1A);
b) Administrar a dose inicial IV, com um intervalo
de tempo que permita uma concentração bactericida do antibiótico no sangue e tecidos na altura
da incisão. Manter níveis terapêuticos durante a
intervenção (1A);
c) Não usar por rotina vancomicina como antibiótico profilático (1B);
d) Preparar o cólon, antes de cirurgia electiva
colorectal, com enemas e agentes catárticos; administrar agentes antimicrobianos orais não absorvíveis,
em doses divididas no dia anterior à cirurgia, e
administrar antibiótico IV antes da intervenção (1A);
e) Nas cesarianas administrar o antimicrobiano
imediatamente após a “clampagem” do cordão (1A).
Que antibióticos usar? Deve ser um antibiótico
por via intravenosa, já que a absorção pela via
intramuscular não é segura. As quinolonas por via
oral só devem ser usadas na cirurgia urológica.
Para a maioria das intervenções limpas – risco de
infecções por estreptococos ou por estafilococos –
os antibióticos recomendados são a cefazolina ou
a cefuroxima.
Para intervenções abrangendo o tracto GI baixo
deve ser adicionada cobertura para anaeróbios, como
a cefoxitina ou a ampicilina / sulbactam.
Em 1995, numa iniciativa do Grupo de Antimicrobianos da Comissão de Farmácia e Terapêutica,
com o apoio da Administração e o envolvimento
de vários especialistas, foram elaboradas propostas
para a antibioprofilaxia cirúrgica no HSA, com uma
metodologia que envolveu grande número de profissionais dos diversos serviços cirúrgicos e geradora
de abrangente discussão, sendo a decisão final
tomada por um júri de consenso. Tais orientações
foram publicadas no Boletim do Hospital (Figura
3), ainda se mantendo em prática.
Foram identificados os mecanismos de controlo
para uma adequada implementação do programa,
que passam pela responsabilidade do cirurgião, a
intervenção do anestesista quanto ao “timing” de
administração, uma folha de prescrição própria, o
fornecimento de dose única e a existência no Bloco
Operatório apenas dos antibióticos aprovados para
profilaxia. Também no âmbito destes mecanismos, e
incluído no programa de vigilância epidemiológica
da infecção hospitalar, a folha de registo de infecção
do local cirúrgico (projecto HELICS), que contempla o registo da administração de antibióticos com
Profilaxia antibiótica
Figura 3 – Boletim do Hospital de Santo António
indicação do agente, dose, via de administração,
intenção (profilática ou terapêutica) e duração.
Numa avaliação global da adesão às recomendações publicadas, constatamos que ultrapassou
os 60 % a sua utilização correcta, em cirurgia limpa
sem uso de próteses. Dos restantes, cerca de 30 %
não fez antibiótico profiláctico e apenas 6 % o fez
inadequadamente, sendo registada a intenção terapêutica. Esta última percentagem aumenta para o
dobro nas cirurgias limpa-contaminada, contaminada
e conspurcada, assim como na cirurgia de urgência.
Na aplicação de próteses, o uso correcto de antibioprofilaxia ultrapassa os 80 %.
Quanto ao antibiótico a usar, por exemplo numa cirurgia limpa com prótese,
hérnia da parede abdominal com prótese, o antibiótico recomendado, a cefazolina, foi prescrita
em 87% dos casos, e somente em 5 % um outro
antibiótico (cefoxitina), em todos estes casos apenas
com intenção profiláctica. Na cirurgia de colocação
de prótese total da anca, a cefazolina foi usada
em todos os casos, mas em 20 % das situações foi
registada intenção terapêutica.
105
Na pontagem arterial dos membros inferiores com
prótese, foram prescritos, como é recomendado,
cefazolina em 83,3 % dos casos, e em situações específicas – suspeita de S.aureus meticilino-resistente,
que no HSA corresponde a cerca de 50 % de todos
os S.aureus –, a vancomicina em 16,7 %. Neste acto
cirúrgico o uso de antibiótico terapêutico ultrapassou
os 30 %.
Em cirurgia contaminada, cirurgia programada do
cólon e recto, praticamente todos os antibióticos
utilizados – neomicina + eritromicina / cefoxitina –
foram-no em intenção profiláctica.
Na cirurgia gastro-duodenal, cirurgia limpa-contaminada, em 95 % dos casos o antibiótico foi usado
profilacticamente e em cerca de 80 % o antibiótico
adequado – cefazolina ou cefoxitina.
Na apendicite aguda, cirurgia conspurcada, a
profilaxia não foi efectuada em 5 % dos doentes,
enquanto em 15 % foi usada com intenção terapêutica. A cefoxitina, antibiótico recomendado, foi
usada em 80 % das prescrições.
Nas cesarianas, exemplo de cirurgia limpa, a
profilaxia apenas não foi prescrita em 6 % das
mulheres, enquanto o antibiótico adequado, cefazolina foi em 98 %.
Em suma, o cumprimento das indicações para
antibioprofilaxia no HSA, de acordo com as recomendações publicadas, foi de 90 %, enquanto o uso
do antibiótico protocolado de forma correcta ocorreu
em 80 %. Constatou-se que existiu maior taxa de
cumprimento nas cirurgias sectorizadas.
Numa auditoria a 13 hospitais holandeses (6)
sobre a adesão às orientações para antibioterapia
profiláctica, entre Janeiro 2000 e Janeiro 2001, foram
revistos 1763 procedimentos, tendo-se constatado
uma concordância com as recomendações na escolha
de antibiótico em 92 % das situações.
A experiência do HSA permite-nos afirmar que o
cumprimento de um protocolo de antibioprofilaxia
em cirurgia pode ser conseguido com o envolvimento, desde o início do processo, das pessoas
responsáveis e com medidas de controlo eficazes
e de fácil aplicação.
106
Cad e r n o s d e S a ú d e  Vo l. 3  N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e
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Escola Superior de Tecnologia da Saúde do Porto – Instituto Politécnico do Porto
2
Universidade Fernando Pessoa
3
Instituto para a Biotecnologia e a Bioengenharia, Centro de Engenharia Biológica, Universidade do Minho
4
Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Católica Portuguesa
5
Innophage, Lda.
6
Resumo
Abstract
As infecções bacterianas, particularmente as causadas
por bactérias resistentes aos antibióticos, permanecem a
principal causa de morte entre pacientes hospitalizados com
queimaduras e feridas. Para além da terapêutica sistémica, um
elemento-chave na gestão de feridas infectadas é a aplicação
local de antimicrobianos eficazes. Os bacteriófagos (ou fagos)
têm demonstrado um elevado potencial de cura no tratamento
de feridas infectadas com estirpes bacterianas resistentes aos
antibióticos.
Palavras-chave: bacteriófagos, fagos, biofilme, feridas,
queimaduras 
Introdução
As infecções permanecem a principal causa de
morte entre pacientes hospitalizados com queimaduras e feridas. Para além da terapêutica sistémica,
um elemento-chave na gestão de feridas infectadas
é o tratamento antimicrobiano através da aplicação
local de fármacos eficazes (Greenhalgh, 2007). As
taxas de mortalidade por sepsis causada por feridas
de queimadura são elevadas, com a Pseudomonas
aeruginosa a ocupar um papel relevante como agente
etiológico dessas infecções severas (taxa de mortalidade de 50 %). A emergência de estirpes bacterianas
resistentes e a fraca penetração local dos antibióticos
nas feridas elevam a necessidade de opções seguras
e eficazes de tratamento antimicrobiano.
Quando as bactérias se ligam à superfície de
uma ferida e escapam às defesas do organismo,
Bacterial infections, particularly the ones caused by antibiotic
resistant bacteria, remain as the main cause of death among
hospitalized patients with burns and ulcers. Besides systemic
therapy, a key element on wound management is the local
application of effective antimicrobial agents. Bacteriophages
(or phages) have been shown as promising candidates (used
alone or as complementary to antibiotic therapy) to target
antibiotic-resistant bacteria on wound treatment.
Keywords: bacteriophages, phages, biofilm, wounds,
burns 
dividem-se e formam uma substância protectora
(denominada “substância polimérica extracelular”,
EPS) que as liga ainda mais à superfície, podendo
rapidamente formar um biofilme que a reveste. Este
biofilme é, na verdade, um organismo multicelular
com várias defesas bem reconhecidas, sinergias entre
diferentes tipos de bactérias e com a capacidade de
se autoregenerar muito rapidamente (Azeredo and
Sutherland, 2008).
As bactérias na arquitectura do biofilme são muito
diferentes daquelas na forma planctónica (bactérias
livremente flutuantes sem defesas de colónia, que
colonizam a superfície de uma ferida), com apenas
3 % das proteínas na membrana exterior a serem
homólogas entre os dois (Hughes et al., 1998). Estas
diferenças fenotípicas, somadas a diferenças metabólicas nas diferentes regiões do biofilme, tornam
muito difícil, se não impossível, erradicar o biofilme.
* [email protected]
Cadernos de Saúde  Vol. 3  Número especial Infecção Associada à Prática de Cuidados de Saúde – pp. 107-108
108
Cad e r n o s d e S a ú d e  Vo l. 3  N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e
A aplicação tópica de antibióticos, ou até de
antissépticos, nas feridas torna-se progressivamente
ineficaz pela capacidade de resposta e adaptação das
bactérias do biofilme, levando ao aparecimento de
estirpes resistentes. A terapia fágica compreende a
utilização de bacteriófagos (ou fagos) para combater
infecções bacterianas. Com o aumento da resistência aos antibióticos, o uso de bacteriófagos como
agentes antibacterianos está a ser reequacionado
para complementar o tratamento antimicrobiano
sistémico. As potenciais vantagens da utilização
de bacteriófagos resultam da sua especificidade e
capacidade de multiplicação.
Os fagos são um tipo de vírus que infecta unicamente bactérias. São metabolicamente inertes e
reproduzem-se, após infecção, utilizando a maquinaria celular, da bactéria-hospedeira. Podem ser
encontrados no solo, na água, nos efluentes, i.e.,
em todos os ambientes passíveis de colonização
bacteriana. Do ponto de vista ecológico, existem em
elevada variedade e apresentam a mesma versatilidade que as bactérias-hospedeiras. Dependendo das
espécies de bactérias e das condições do meio, cada
fago pode multiplicar-se 50 a 200 vezes em cada
ciclo lítico e o seu tempo de actuação pode variar
entre 10 a 40 minutos. Os fagos líticos apenas atacam
células bacterianas e não representam qualquer
tipo de efeito adverso nos seres humanos, animais
e meio ambiente.
A aplicação de bacteriófagos no tratamento de
feridas tem sido proposta como alternativa (ou complemento) aos antibióticos, permitindo a libertação
dos predadores naturais das bactérias directamente
sobre as feridas. A terapia fágica tem sido utilizada
para prevenir e tratar infecções bacterianas em vários
países da anterior União Soviética e até em algumas
clínicas nos E.U.A e no México. São, no entanto,
ainda necessários ensaios pré-clínicos e clínicos
adequados para a sua introdução no Ocidente.
Um cocktail fágico para o tratamento de feridas
deverá (i) incluir vários tipos de fagos estritamente
líticos para P. aeruginosa, Staphylococcus aureus,
Acinetobacter baumannii, Proteus spp. e Streptococcus, entre outros; (ii) ser não-tóxico quando
administrado topicamente, incluindo em feridas
com osso exposto.
Uma vantagem do tratamento com fagos, relativamente aos antimicrobianos de aplicação local,
reside no facto de se replicarem no local da infecção,
ficando disponíveis em abundância onde são mais
necessários.
Quando comparados com os antimicrobianos
de aplicação local, os fagos apresentam vantagens
relevantes: (i) forte permeabilidade tecidular; (ii)
concentração permanentemente elevada no foco
da infecção, aumentando mesmo com a presença
bacteriana; (iii) eliminação do foco da infecção,
apenas após erradicação da bactéria hospedeira;
(iv) compatibilidade total com os antibióticos; (v)
especificidade para a bactéria-alvo; (vi) capacidade
superior de penetração nos biofilmes bacterianos,
induzindo a produção de enzimas que hidrolizam
a matriz do biofilme; (vii) embora as bactérias possam desenvolver resistência aos fagos, isolar novos
fagos líticos é muito mais simples e barato do que
desenvolver um novo antibiótico; (viii) a fagoterapia é significativamente mais económica do que a
terapia antibiótica, tanto no desenvolvimento como
na produção em larga escala; e (ix) a fagoterapia
de infecções locais é, pois, altamente eficaz e mais
económica.
Bibliografia
1.
Azeredo, J., Sutherland, I. W. (2008). The use of phages for the removal
of infectious biofilms. Current Pharmaceutical Biotechnology 9: 261-266.
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biodegradable poly(ester amide)s and impregnated with bacteriophages
and an antibiotic shows promise in management of infected venous stasis
ulcers and other poorly healing wounds. Int J Dermatol 41 (7), 453-8.
Controlo de surto por pseudomonas aeruginosa
num serviço de neonatologia
Outbreak of Pseudomonas aeruginosa in the Intensive
Care Neonatal and Pediatric Unit of Santo António
Hospital
Aires E., Fernandes A., Vasconcelos C.
Comissão de Controlo da Infecção – Hospital de Santo António – Centro Hospitalar do Porto
Resumo
Abstract
As infecções associadas aos cuidados de saúde representam
uma sobrecarga económica e social significativa pelo que é
imperioso remover os reservatórios e fontes, bloquear as vias
de transmissão e proteger o hospedeiro susceptível. Identificar
a fonte, monitorizar a evolução e implementar coorte dos casos
e dos profissionais que os tratam é o modo mais eficaz de
controlar um surto. Identificaram-se 6 recém-nascidos infectados por Pseudomonas aeruginosa, agente idêntico ao isolado
em torneiras da Unidade. Com base nestes resultados foram
implementadas medidas de controlo em três áreas: estrutura,
processo e resultados, após as quais não se registaram novos
casos. Desde o 1.º caso até à alta de todos os envolvidos
decorreram onze semanas. Entretanto a análise molecular
revelou genótipos diferentes, embora com similaridade superior
a 95 % em dois pares de agentes microbianos. O surto aqui
documentado é exemplificativo das dificuldades nesta área
pois podemos ter um surto epidemiologicamente bem definido,
fenotipicamente atribuído ao mesmo agente, mas com a análise
molecular a revelar discrepâncias. É necessária uma discussão
entre a Comissão de Controlo de Infecção, o laboratório de
Microbiologia e a Unidade de Biologia Molecular para uma
correcta valorização das técnicas disponíveis e actuação clínica
adequada.
Palavras-chave: Surto, Controlo, Infecção, Pseudomonas 
Infections associated with health care represent a significant
economic and social burden and it is imperative to remove the
reservoir and sources, block the routes of transmission and
protect susceptible hosts. Identify the source, monitor evolution
and implement a cohort of patients and professionals that treat
them is the most effective way to control an outbreak. It were
identified 6 newborns infected by Pseudomonas aeruginosa,
agent like the one identified in faucets of the Unit. Based on
these results were implemented control measures in three
areas: structure, process and results, after which there were
no new cases reported. Since the first case to discharge of
all involved went eleven weeks. However molecular analysis
has revealed different genotypes, although with similarity over
95% in two pairs of microbial agents.
The outbreak here documented translates the difficulties in
this area because we can have an outbreak epidemiologically
well-defined and phenotypically attributed to the same agent, but
molecular analysis can show discrepancies between the isolated
agents. The new methodologies are essential in analysing
outbreaks, having always presented that the epidemiologic
definition will be determinant. The close collaboration with
Infection Control Committee, department of Microbiology and
Molecular Biology Unit is essential to identify cases in a timely
manner and adequate clinical actuation.
Keywords: Outbreak, Control, Infection, Pseudomonas 
* [email protected] / [email protected]
Cadernos de Saúde  Vol. 3  Número especial Infecção Associada à Prática de Cuidados de Saúde – pp. 109-111
110
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Introdução
As Infecções Associadas aos Cuidados de Saúde
representam uma sobrecarga económica e social
significativa. É objectivo de um programa de controlo
de infecção evitar as infecções e fazê-lo de uma
forma custo-benefício de acordo com estratégias
bem definidas: remover os reservatórios e fontes,
bloquear as vias de transmissão e proteger o hospedeiro susceptível. Isto requer estruturas apropriadas,
adopção de procedimentos correctos e monitorização
dos resultados para a identificação de problemas.
A formação é um meio facilitador da adesão de
todos os profissionais às metodologias de controlo
de infecção.
Objectivos
1 – Identificar a fonte/reservatório da Pseudomonas
aeruginosa no serviço de Cuidados Intensivos
Neonatais e Pediátricos;
2 – Monitorizar a evolução do surto;
3 – Implementar medidas correctivas apropriadas.
Metodologia
Identificação e coorte dos casos; Determinação da
curva de distribuição; Análise dos dados disponíveis
e formulação de hipóteses causais; Instituição de
medidas de controlo; Documentação da eficácia das
medidas implementadas; Elaboração do relatório
final.
Desenvolvimento/evolução
No serviço de Cuidados Intensivos Neonatais
Pediátricos do Hospital Geral de Santo António no
período de 21 de Agosto a 07 de Setembro de 2008
foram identificados 6 prematuros infectados por
Pseudomonas aeruginosa com o mesmo fenótipo
(semelhante perfil de resistência aos antimicrobianos). Foi analisada a situação em causa e efectuadas
colheitas aleatórias no ambiente – nomeadamente nas
torneiras dos lavatórios. Neste local foi isolada uma
estirpe de Pseudomonas aeruginosa com fenótipo
igual ao isolado nos recém-nascidos. Com base
nestes resultados foram implementadas medidas de
controlo em três áreas: estrutura, processo e resultados. Referente ao primeiro fizeram-se alterações
nos 2 lavatórios de modo a facilitar a limpeza e
a manutenção das torneiras dos mesmos. Quanto
à segunda medida analisaram-se as metodologias
de limpeza das torneiras e das incubadoras tendo
sido adquirido um produto específico e efectuada
formação nesta área. Deste modo estabeleceram-se
medidas de controlo: 1) coorte dos casos e dos
profissionais que os trataram; 2) individualização do
material e equipamentos; 3) limpeza geral do serviço.
Posteriormente todas as estirpes de Pseudomonas
aeruginosa foram estudadas genotipicamente na
Unidade de Biologia Molecular do Centro Hospitalar
do Porto.
Resultados
Após a implementação das medidas de controlo
mencionadas, não foram registados novos casos
desde a 2ª semana de Setembro. Após análise dos
resultados da tipagem molecular dos isolados conclui-se que o 3º e 4º casos estão relacionados entre si
com um perfil de similaridade superior a 99 % sendo,
portanto, considerados indistinguíveis, o mesmo se
constatou com os 5º e 6º casos sugerindo a existência
de dois grupos de isolados com transmissão cruzada.
Os isolados do ambiente (torneiras dos lavatórios)
apresentaram um perfil de similaridade entre si
de 76,4 % e quando comparados com os isolados
clínicos de 56 %, sendo por isso considerados diferentes, logo não relacionados geneticamente. Estes
dados permitem excluir a ocorrência de um surto
com origem nas torneiras.
Conclusão
Pode dizer-se que este “surto” teve a duração
de 11 semanas (1º caso ocorrido na 3ª semana
de Agosto até à alta do último dos prematuros
envolvidos, verificada na 3ª semana de Novembro) com evolução favorável de 5 dos prematuros
e morte de um dos recém-nascidos (causa não
relacionada com estas infecções). A vigilância de
surtos deve ser sistemática, o que obriga a uma
vigilância de isolamentos de bactérias nosocomiais
mais frequentes por serviço. Na investigação de
um surto, e só aqui, são importantes as colheitas
ambientais, que podem ser a chave do diagnóstico e
do sucesso no seu controlo. O surto aqui documentado é exemplificativo das dificuldades nesta área
pois podemos ter um surto epidemiologicamente
bem definido, fenotipicamente atribuído ao agente
isolado nas torneiras, contudo a análise molecular
revelou discrepâncias. As novas metodologias são
fundamentais na análise de surtos de IACS, tendo-se
presente que a definição epidemiológica será sempre
Controlo de surto por pseudomonas aeruginosa num serviço de neonatologia
da maior importância na avaliação de um surto,
é necessária uma discussão entre a Comissão de
Controlo de Infecção, o Laboratório de Microbiologia
e a Unidade de Biologia Molecular para uma correcta valorização das técnicas disponíveis. A estreita
colaboração entre todos os serviços envolvidos é
fundamental para identificação dos casos em tempo
oportuno. Sendo possível evitar grande parte das
IACS, mas não a sua totalidade, é fundamental que
cada profissional entenda o seu papel individual
na prática do controlo de infecção e integre essa
prática nas suas actividades em articulação com os
outros profissionais. Todos devemos estar atentos ao
menor sinal de suspeita da possibilidade de surto
e participar na identificação das suas causas, como
este caso exemplifica.
Bibliografia
1.
Azevedo, C. M., Azevedo, A. G. – Metodologia Científica: Contributos
Práticos para a Elaboração de Trabalhos Académicos, 8.ª edição. Porto,
2006
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da Infecção Associada aos Cuidados de Saúde. Março de 2007.http://
www.dgs.pt – obtido em 23 de Agosto de 2008
3.
Centro Hospitalar do Porto – Hospital de Santo António – Manual da
Comissão de Controlo de Infecção – actualizado em Janeiro de 2008
111
Tiragem molecular de pseudomonas aeruginosa
pelo Sistema DiversiLab
P. aeruginosa molecular typing using DiversiLab™ System
Sandra João Nogueira Fernandes1*, Ana Constança Pinheiro Mendes2, Ana Cláudia Santos3, Ana Cristina
Braga4, Maria Helena Ramos5
Serviço de Microbiologia, Unidade de Biologia Molecular. Hospital de Santo António – CHPorto;
1, 2
Serviço de Microbiologia. Hospital de Santo António – CHPorto;
3
Serviço de Pediatria, Maternidade Júlio Dinis – CHPorto;
4
Serviço de Microbiologia. Departamento de Patologia Laboratorial. Hospital de Santo António – CHP (Centro Hospitalar do Porto)
5
Resumo
Abstract
O isolamento de Pseudomonas aeruginosa na hemocultura de um recém-nascido, bem como na água de duas
das incubadoras da UCIN do Centro Hospitalar do Porto,
despoletou a necessidade de esclarecer a existência de um
surto. Foi efectuada a tipagem molecular dos três isolados
pelo sistema Diversilab, bioMérieux, que revelou elevado grau
de similaridade nos perfis genómicos. A resposta atempada
permitiu implementar medidas para evitar a disseminação
destas infecções.
The isolation of Pseudomonas aeruginosa in the blood of
a newborn, as well as in the water of two incubators of UCIN
of Oporto Hospitalar Centre, triggered the need to clarify
the existence of an outbreak. Molecular typing of the three
isolates was performed by Diversilab system, bioMérieux, which
revealed a high degree of similarity in genomic profiles. The
timely response allowed intervention measures to prevent the
spread of these infections.
Keywords: P. aeruginosa, outbreak, molecular typing 
Palavras-chave: P. aeruginosa , surto, tipagem molecular 
Introdução
As unidades de cuidados intensivos neo-natais
(UCIN) são particularmente vulneráveis à ocorrência
de surtos e incidentes esporádicos de infecções
associadas à prestação de cuidados de saúde (IACS).
(Zabel, Heeg et al. 2004) A antibioterapia e o recurso
a dispositivos médicos para tratamento, monitorização e suporte de vida de recém-nascidos imunocomprometidos contribuem para a elevada frequência
de infecções nestas unidades hospitalares e para o
consequente aumento das taxas de morbilidade e
mortalidade. (Haas and Trezza 2002)
As IACS por Pseudomonas aeruginosa estão amplamente descritas. A natureza ubiquitária, a elevada
afinidade para ambientes húmidos e a capacidade
de sobrevivência em condições adversas caracterizam
este microrganismo como um patogénio comum de
infecção hospitalar, sendo o 2º agente mais frequente
de pneumonia associada ao ventilador e o 3º ou 4º
agente de septicemia, infecções do tracto urinário
e infecções de feridas cirúrgicas. Até recentemente,
a transmissão horizontal das estirpes, resultante da
prestação de cuidados pelos profissionais de saúde
portadores, era considerada como a via de disseminação mais comum. No entanto, a Ps aeruginosa
é frequentemente isolada em diversos reservatórios
ambientais e estudos de tipagem molecular mostram
que mais de 50 % das infecções nosocomiais por
esta bactéria podem ter origem nos sistemas de
fornecimento e distribuição de água. (Reuter, Sigge
et al. 2002) (Trautmann, Halder et al. 2009)
O principal desafio das Comissões de Controlo
de Infecção (CCI) consiste na contenção da disseminação de microrganismos que possam ser
relevantes, na transmissão cruzada de infecções. A
vigilância epidemiológica rápida, activa e específica
é fundamental e tem por objectivos encorajar os
* [email protected] / [email protected]
Cadernos de Saúde  Vol. 3  Número especial Infecção Associada à Prática de Cuidados de Saúde – pp. 113-116
114
Cad e r n o s d e S a ú d e  Vo l. 3  N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e
profissionais que prestam cuidados, a cumprir as
recomendações de boa prática, corrigir ou melhorar
práticas específicas e avaliar de forma contínua
e sistemática as taxas de infecção, no sentido de
reduzir a sua incidência e detectar precocemente a
ocorrência de surtos. (PNCI-2008)
Para o controlo efectivo da disseminação é imprescindível a articulação das CCI com o Laboratório de
Microbiologia, permitindo identificar e diferenciar
infecções isoladas da ocorrência de surtos. Os estudos
fenotípicos identificam e caracterizam os isolados,
mas não estabelecem relações epidemiológicas entre
estes. As metodologias de tipagem molecular possibilitam, com rigor, distinguir a ocorrência de surtos
de infecção, de casos esporádicos e não relacionados entre si, constituindo deste modo, ferramentas
essenciais para a caracterização e acompanhamento
da expansão das estirpes, identificação das fontes
e vias de transmissão, para que rapidamente se
possam instituir medidas de controlo e perspectivar
estratégias eficazes na prevenção de novos casos.
Os métodos clássicos de tipagem molecular, capazes de relacionar geneticamente as estirpes, são
laboriosos, demorados e sujeitos à subjectividade
da sua interpretação, sendo de difícil utilização em
laboratórios clínicos. O investimento em metodologias de genotipagem devidamente optimizadas e
adaptadas à rotina laboratorial constitui uma mais-valia no controlo de infecção hospitalar com um
contributo indispensável na identificação de surtos.
(Doleans-Jordheim, Cournoyer et al. 2009)
Com este estudo pretendeu-se testar um método
comercial de tipagem molecular capaz de relacionar
estirpes de P. aeruginosa isoladas numa UCI neonatal.
Material e Métodos
Em Maio de 2008, na UCIN da Maternidade Júlio
Dinis do CHP, foi isolada uma estirpe de P. aeruginosa responsável por sépsis num recém-nascido
(RN). Neste contexto, foram analisadas as águas das
incubadoras da mesma Unidade, tendo sido isoladas
estirpes de P. aeruginosa em duas destas.
As três estirpes foram enviadas à Unidade de
Biologia Molecular do CHP para tipagem molecular
utilizando o sistema DiversiLab™ (bioMérieux Clinical
Diagnostics). A extracção de DNA bacteriano foi
efectuada a partir de colónias isoladas provenientes
de culturas puras, utilizando o UltraCleanTM Microbial
DNA Isolation Kit (MO BIO Lab Inc). Sequências
repetitivas de DNA não-codificante, intercaladas no
genoma bacteriano foram amplificadas por rep-PCR
e os fragmentos amplificados foram separados por
electroforese capilar – Agilent®, 2100 Bioanalyser.
A análise dos perfis electroforéticos foi efectuada
recorrendo ao software do sistema DiversiLab, que
calcula estatisticamente (correlação de Pearson)
o grau de similaridade entre as estirpes testadas,
caracterizando-as como: Indistinguíveis – nenhuma
banda de diferença; Similares – 1 banda de diferença; Diferentes – 2 ou mais bandas de diferença.
Tabela 1 – Similaridades entre estirpes
Estirpes
Similaridade
Sangue
Incubadora 1
97.4%
Sangue
Incubadora 2
99.3%
Incubadora 1
Incubadora 2
99.2%
Resultados
As estirpes isoladas e identificadas como P. aeruginosa apresentavam perfis fenotípicos semelhantes.
Na fig. 1 é possível observar o dendograma e
a matriz de similaridades gerados pelo sistema
DiversiLab™, com destaque para as estirpes isoladas na UCIN, provenientes da hemocultura do
recém-nascido, da água da incubadora onde este se
encontrava (Incubadora 1) e da água de uma incubadora vizinha (Incubadora 2). As percentagens de
similaridade obtidas entre as três estirpes encontram-se representadas na tabela 1. (As restantes estirpes
de P. aeruginosa correspondem a isolamentos não
relacionados com este estudo).
A estirpe isolada no sangue do recém-nascido
apresentou 97,4 % de similaridade com a estirpe
isolada na água da incubadora onde este se encontrava (incubadora 1). A similaridade entre as estirpes
isoladas no sangue do RN e na incubadora vizinha
(incubadora 2) foi de 99,3 % e entre as estirpes
isoladas na água das duas incubadoras obteve-se
uma similaridade de 99,2 %.
As matrizes de similaridade e os electroferogramas
permitem analisar e comparar os perfis genómicos
das estirpes estudadas e estabelecer a grandeza das
relações genéticas entre elas.
A fig. 2 sobrepõe os electroferogramas das
estirpes isoladas no sangue do RN e na água da
respectiva incubadora, observando-se uma única
banda de diferença entre elas, o que as classifica
como similares, logo, geneticamente relacionadas.
Tiragem molecular de pseudomonas aeruginosa pelo Sistema DiversiLab
115
Figura 1 – Matriz de similaridades
Figura 2 – Electroferogramas: Sangue/Incubadora 1
A fig. 4 representa um exemplo de estirpes não
relacionadas, com mais do que 2 bandas de diferença
entre elas, concluindo-se serem estirpes diferentes,
e portanto geneticamente não relacionadas.
Figura 4 – Electroferogramas de estirpes não relacionadas
A comparação dos perfis genómicos das estirpes
isoladas nas águas das incubadoras, cujos electroferogramas se encontram representados na fig.
3, mostrou não existir diferença no número de
bandas, o que permitiu classificar estas estirpes
como indistinguíveis.
Figura 3 – Electroferogramas: Incubadora 1/Incubadora 2
Conclusão
A conjugação do rep-PCR com o software de
análise de dados do sistema DiversiLab™, resulta
num método simples, estandardizado, reprodutível
e razoavelmente automatizado, capaz de estabelecer
relações genéticas entre isolados num curto espaço
de tempo (os resultados foram obtidos em aproximadamente 5 horas), permitindo a sua utilização
no laboratório clínico.
Este sistema de tipagem molecular possibilitou
relacionar os casos verificados da UCIN, permitindo
concluir que o episódio de sépsis do RN poderá
ter tido origem na água da incubadora.
116
Cad e r n o s d e S a ú d e  Vo l. 3  N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e
Na sequência da infecção descrita neste estudo,
as medidas de controlo instituídas foram tomadas
tendo por base os resultados do estudo fenotípico.
No entanto, em acontecimentos futuros, perante a
suspeita de ocorrência de um surto, a utilização do
sistema DiversiLab™ poderá ser a primeira forma
de estabelecer relações entre isolados, excluir casos
não relacionados e, rapidamente, identificar fontes
de contaminação, de forma a ser possível a sua
eliminação tão cedo quanto possível.
Bibliografia
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Doleans-Jordheim, A, Cournoyer, B. et al. “Reliability of Pseudomonas aeruginosa semi-automated rep-PCR genotyping in various epidemiological
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Operacionalização”, 2008.
Agentes etiológicos em infecções do
tracto urinário e sua susceptibilidade aos
antimicrobianos
Etiologic agents of urinary tract infections and its
antimicrobial susceptibility
Carlos Correia1, Elísio Costa2*
CESAM & Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro.
1
Instituto de Ciências da Saúde. Centro Regional do Porto da Universidade Católica Portuguesa.
2
Resumo
Abstract
Com o objectivo de conhecer os agentes etiológicos mais
comuns na infecção do tracto urinário (ITU) e comparar o seu
padrão de susceptibilidade aos antimicrobianos, para o mesmo
agente etiológico, quer em doentes internados, quer em regime
de ambulatório, foram analisados todos os exames bacteriológicos de urina que deram entrada no Serviço de Patologia
Clínica do Centro Hospitalar do Nordeste, EPE – Unidade
Hospitalar de Bragança, durante o período compreendido
entre Janeiro de 2004 a Dezembro de 2008. Este estudo
permite dispor de dados necessários para o conhecimento
dos diferentes agentes etiológicos mais importantes nas ITU
no distrito de Bragança e disponibilizar a informação sobre os
seus padrões de resistências, necessários para se iniciar um
tratamento empírico adequado e elaborar guias de tratamento.
With the objective of knowing the common etiological agents
in urinary infection and comparing its antimicrobial susceptibility
in nosocomial and community-acquired urinary infections, we
analysed all the urine bacteriological exams from the Serviço
de Patologia Clínica do Centro Hospitalar do Nordeste, ENE
- Unidade Hospitalar de Bragança, during a five-year period
(January 2004 to December 2008).
This work allowed to obtain and make available data on
etiologic urinary infection agents in Bragança Province, and
provides the information about their antimicrobials resistance
profiles, which essential to establish an adequate empirical
treatment and to elaborate treatment guides.
Keywords: Urinary tract infection. Etiology. Antimicrobial
susceptibility 
Palavras-chave: Infecção do tracto urinário. Etiologia.
Susceptibilidade aos antimicrobianos 
Introdução
As ITU (infecções do tracto urinário) são as
infecções bacterianas mais frequentes, depois das
infecções respiratórias, tanto no âmbito comunitário
como no nosocomial. (1)
A prevalência e a etiologia das ITU dependem
de múltiplos factores subjacentes, sejam de tipo
epidemiológico ou geográfico, sejam outros, como
a idade, o sexo, a existência de patologias de base,
de que é exemplo a diabetes, ou manobras instrumentais, como a cateterização urinária.(2)
Para além da importância de conhecer os dados
epidemiológicos associados com as ITU, é também
extremamente importante conhecer o padrão de
susceptibilidade dos agentes responsáveis por este
tipo de infecção. Nos últimos anos, tem-se detectado
uma progressiva diminuição na susceptibilidade
dos uropatógenos aos antimicrobianos utilizados
habitualmente no tratamento das ITU. Este é um
problema crescente, que afecta todas as populações,
sendo mais significativo em termos de cuidados
primários de saúde, onde a maioria das ITU são
tratadas empiricamente.(3,4)
O aparecimento e disseminação de resistências,
entre outros factores, contribuem para que o tratamento das ITU constitua, em alguns casos, um
importante problema terapêutico.(4) Assim, para se
* [email protected]
Cadernos de Saúde  Vol. 3  Número especial Infecção Associada à Prática de Cuidados de Saúde – pp. 117-120
118
Cad e r n o s d e S a ú d e  Vo l. 3  N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e
instaurar um tratamento empírico de forma correcta
e racional, é muito importante conhecer, entre outros
factores, quais são e como evoluem no tempo os
padrões de susceptibilidade aos antimicrobianos
mais frequentemente utilizados para o tratamento
das ITU, tanto comunitária como nosocomial, na
região em estudo.(4)
Este tipo de estudos poderá contribuir para uma
melhor orientação do médico na prescrição do(s)
antimicrobiano(s) mais adequado(s) para o tratamento empírico deste tipo de infecção, para além de
minimizar também o aparecimento e disseminação
de resistências bacterianas.
Material e Métodos
Neste estudo retrospectivo foram incluídos todos
os exames bacteriológicos de urina que deram
entrada no Serviço de Patologia Clínica do Centro
Hospitalar do Nordeste, Unidade Hospitalar de
Bragança, oriundos dos serviços de Internamento,
Urgência e Consulta Externa, durante o período
compreendido entre Janeiro de 2004 e Dezembro
de 2008. Em todos os casos registou-se: idade,
sexo, proveniência, resultado do exame cultural,
identificação da estirpe bacteriana e o padrão de
susceptibilidade aos antimicrobianos.
As sementeiras de urina, a identificação dos isolados bacterianos, assim como os respectivos testes
de susceptibilidade aos antimicrobianos foram efectuados segundo os protocolos de rotina no Serviço
de Patologia Clínica dessa Unidade Hospitalar.
A análise estatística efectuou-se com o programa
SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) para
Windows v. 16.0. Para a comparação das percentagens de susceptibilidade, entre doentes internados
versus doentes em regime de ambulatório, utilizou-se
a prova do Qui-quadrado (χ2). Quando os dados
não respeitavam os critérios de utilização do teste
do Qui-quadrado, utilizou-se o teste de Fisher. Para
verificar a tendência temporal da resistência bacteriana, no período de estudo, utilizou-se o teste de
regressão linear. O nível de significância estabelecido
foi de 0,05.
Resultados
Durante o período do estudo, deram entrada no
Serviço de Patologia Clínica 12 510 amostras de
urina para exame bacteriológico. Destas, o exame
cultural foi negativo em 10 442 (82,5 %), 2642 de
internamento e 7800 de regime ambulatório. Foi
encontrada positividade em 1869 amostras (14,9 %),
592 de internamento e 1277 de regime ambulatório.
A percentagem de exames contaminados foi de 1,6 %.
Na totalidade das uroculturas positivas, 65,0 %
eram provenientes de indivíduos do sexo feminino
e 35,0 % de indivíduos do sexo masculino. A idade
dos pacientes variou de 1 mês a 100 anos, com
uma média de idades de 70,9 anos, sendo que a
maioria destes tinha idade igual ou superior a 60
anos (59,3 %). Na tabela I estão representadas as frequências das principais espécies de microrganismos
isolados, em doentes oriundos do internamento ou
em regime ambulatório. O padrão global de susceptibilidades aos antimicrobianos está representado
no Tabela II e o padrão de susceptibilidades aos
antimicrobianos dos quatro agentes causais mais
frequentemente isolados, quer em doentes internados
quer em regime de ambulatório, está representado
na tabela III.
Quanto à evolução do padrão de resistências ao
longo dos anos do estudo, revelou uma tendência
de aumento das resistências aos antimicrobianos
avaliados em todas as espécies em estudo. Observou-se um aumento estatisticamente significativo
(p <0,05) nas taxas de resistência da P. aeruginosa
aos antimicrobianos ceftazidima, cotrimoxazol e
ciprofloxacina, com um crescimento anual de 3,75 %,
1,01 % e 6,82 %, respectivamente.
Tabela I – Frequência dos agentes causadores de ITU em doentes
internados e em regime de ambulatório.
Total de isolados (%)
Microrganismos
Internos (n=592)
Externos
(n=1277)
363 (61,3)
894 (70,0)
K. pneumoniae
41 (6,9)
58 (4,5)
P. aeruginosa
78 (13,2)
52 (4,2)
23 (3,9)
58 (4,5)
Enterococcus spp .
19 (3,2)
45 (3,5)
Outras espécies
68 (11,5)
170 (13,3)
E. coli
P. mirabilis
a
b
a – Enterococcus faecalis (42 amostras); E. faecium (22 amostras).
b – Staphylococcus aureus (38 amostras); S. epidermidis (18); K. oxytoca (17);
S. xylosus (13); K.ornithinolytica (12); S. simulans (12); Sphingomonas paucimobilis
(12); Morganella morganii (12); Aerococcus viridans (11); Enterobacter cloacae (11);
Stenotrophomonas maltophilia (10); Citrobacter freundii (10); C.koseri (9); Aeromonas
sóbria (9); S. chromogenes (8); Streptococcus viridans (8); S. lentus (7); Serratia marcescens
(7); C.amalonaticus (6); Xantomonas campophilis (5); Klebsiella terrigena (3).
Discussão
As ITU encontram-se entre as infecções mais
frequentes tratadas na prática clínica. A sua incidência
sofre variações em função das diferentes etapas
Agentes etiológicos em infecções do tracto urinário e sua susceptibilidade aos antimicrobianos
da vida. A maioria das ITU comunitárias é tratada
empiricamente. Este procedimento obriga a um
conhecimento dos padrões de susceptibilidade aos
antimicrobianos dos uropatógenos mais frequentemente isolados numa determinada região, de forma
a se instaurar um tratamento empírico correcto e
racional.
A distribuição percentual de microrganismos identificados neste estudo é similar com o registado por
outros autores, ou seja, E. coli foi o microrganismo
mais frequentemente isolado, seguido por P. aeruginosa e depois por outros pertencentes à família
das Enterobacteriaceae.(1-4) De realçar o facto da
P. aeruginosa ter surgido neste estudo com uma
percentagem de isolamentos na comunidade muito
semelhante à da Enterobactérias, K. pneumoniae
e P. mirabilis. Este dado é relevante porque a P.
aeruginosa é essencialmente um patógeno hospitalar,
e este dado está de acordo com o referido por
diversos autores, de que este microrganismo está
a tornar-se um protagonista emergente das ITU na
comunidade.(1,2)
A maioria dos guias de tratamento para as cistites
não complicadas aconselha o tratamento empírico
dos doentes sem realizar urocultura. Esta estratégia
baseia-se no facto de que, para uma determinada área
geográfica, os agentes etiológicos, bem como o seu
padrão de resistências aos antimicrobianos, são muito
previsíveis. Pelo contrário, as infecções urinárias
complicadas na mulher, assim como as infecções
no homem, requerem urocultura e antibiograma.
No entanto, enquanto se espera pelo resultado, o
doente inicia habitualmente tratamento empírico.
A selecção empírica de um antimicrobiano para
o tratamento da ITU depende de factores clínicos
e farmacológicos, devendo ser individualizada.
Para além destes factores essenciais na selecção
empírica de um antimicrobiano, é aconselhável
também seguir a recomendação da IDSA (Infectious
Disease Society of America) e da EAU (European
Association of Urology), que referem que para se
poder utilizar um antimicrobiano empiricamente, este
não deverá apresentar uma taxa de resistência local
superior a 20 %. Assim, neste estudo, observou-se
uma resistência elevada aos antimicrobianos mais
frequentemente usados na terapia empírica das ITU
(quinolonas, cotrimoxazol e cefalosporinas).
Comparando o padrão de susceptibilidade, para
o mesmo agente etiológico, em doentes internados
com doentes em regime de ambulatório, observou-se,
no geral, uma maior resistência aos antimicrobianos
em isolados hospitalares. Esta maior resistência em
119
isolados hospitalares é considerada “normal”, isto
porque a população bacteriana está submetida a
uma maior pressão antimicrobiana. Adicionalmente,
neste ambiente existem condições mais favoráveis
para a transferência de genes de resistência entre
as bactérias.(4) Relativamente aos antimicrobianos
testados frente à E. coli (ceftazidima, cotrimoxazol,
ciprofloxacina e cefalotina) e à P. mirabilis (ciprofloxacina) que mostraram diferenças significativas
entre doentes do ambulatório e hospitalares, estes
antimicrobianos, apesar das diferenças, não são
aconselháveis para o tratamento empírico da ITU,
quer para o tratamento da ITU nosocomial, quer
para o da ITU comunitária.
Estas diferenças apenas revelam que as resistências a estes antimicrobianos são mais acentuadas
no ambiente hospitalar, que desta forma apenas
poderão ser opções de tratamento após realização
e conhecimento do resultado do antibiograma.
As diferenças significativas encontradas nas taxas
de resistência para P. aeruginosa ao imipenemo,
entre doentes internados e em regime de ambulatório, reflecte o facto de este antimicrobiano ser
de uso exclusivo hospitalar e por isso ser limitado
na comunidade o aparecimento de resistências a
este antibiótico.
O facto de neste estudo as diferenças de susceptibilidade aos antimicrobianos entre doentes do
ambulatório e hospitalares, serem pouco significativas, pode sugerir o seu incorrecto emprego na
comunidade.
A evolução dos padrões de resistência aos
antimicrobianos mostrou uma tendência geral de
aumento dessas resistências ao longo do período
de estudo, em todos os microrganismos em análise,
nomeadamente na P. aeruginosa. O aumento significativo da resistência à ceftazidima que, sendo uma
cefalosporina de terceira geração, é caracterizada por
possuir boa actividade antipseudomonas,(5) revela
o desenvolvimento crescente de resistência por
parte da P. aeruginosa a este antimicrobiano. Esta
tendência de aumento das resistências bacterianas no
período de estudo é representativa da importância
do crescente aumento da resistência antimicrobiana
dos uropatógenos, quer a nível geral, quer a nível
regional.
120
Cad e r n o s d e S a ú d e  Vo l. 3  N ú m e ro e s p e c i a l I n f e cçã o A s s o c i a d a à Prá t i ca d e Cu i d a d o s d e S a ú d e
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