ENTREVISTA COM PAULA SALDANHA, JORNALISTA POR SUELEN CANGUÇU UEPG (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA) 1. Antes do Globinho você trabalhava com jornalismo para adultos. Como foi o seu processo de adaptação ao público infantil? R: Por causa da publicação de meus livros para crianças e jovens, fui entrevistada como autora e convidada a trabalhar na TV Globo em 1974 como apresentadora do Fantástico, na linha de shows. Em 76 passei a apresentar minha sessão de literatura para jovens, no Jornal Hoje. Passei a ser Produtora de Assuntos infantis. Tinha feito várias publicações em revistas especializadas e obtive o registro profissional por tempo de serviço. Não existia Faculdade de Jornalismo na época e minha paixão sempre foi Educação. Trabalhei 10 anos com turmas de 1o e 2o graus, incluindo formação de professores. Embora tenha passado a fazer a apresentação do Jornal Hoje, minha especialização sempre foi literatura e educação de crianças e jovens. O Globinho surgiu como um maravilhoso laboratório para eu desenvolver tudo que aprendi e levar adiante minhas experiências de educadora – agora numa nova mídia: a televisão. 2. O Globinho foi o primeiro telejornal para crianças e jovens da televisão brasileira. Como foi a criação dele? A Rede Globo contou com o apoio técnico de outros profissionais (educadores, psicólogos, por exemplo) para a produção do programa? R: O Globinho já existia quando eu entrei para a equipe. Sérgio Chapelin era o locutor (em off) e Fernanda Marinha era a diretora. Em 1977, com a minha entrada, o Globinho passou a ter apresentadora, ao vivo, e conquistou um público mais abrangente. Não convidamos outros profissionais. Eu sou pedagoga (UFRJ), com formação em música (Pro Arte), artes plásticas (ENBA/UFRJ), ballet e com experiência em publicações na área ambiental. Fernanda Marinho é jornalista. Todas as sessões que criamos no telejornal – meio ambiente, música, literatura, artes plásticas – tinham um pouco de trabalho jornalístico e de minha experiência nessas áreas. Preparávamos a pauta e, inicialmente, eu fazia todas as reportagens, lutando por horário equipe/ equipamento, para colocar o jornal no ar diariamente. 3. No que ele se diferenciava em relação aos demais programas infantis? R: O Globinho se diferenciava, basicamente, pelo formato de telejornal, com notícias, atualidade, textos informativos. Como havia censura prévia para todos os telejornais na época, o Globinho colocava no ar muitos temas polêmicos. As reportagens com jovens eram questionadoras e o programa era assistido por muitos jovens e adultos também - um verdadeiro sucesso. 4. E em relação aos telejornais? R: O diferencial era dado pelos editoriais e pelas reportagens onde o foco era a criança, era o jovem – enfim, tudo era pensado para as novas gerações. A linguagem também era bem cuidada, mas nunca simplificada. Caso fosse usado um termo técnico, imediatamente era dada a explicação. Evitávamos muito bla bla blá. Utilizávamos o acervo do Centro de documentação para ilustrar as reportagens e os editoriais. O Globinho era bem rico e dinâmico – por isso mesmo, dava um trabalho muito grande para toda a equipe. 5. Quais os desafios do telejornalismo para crianças? R: Muita gente pensa que é mais fácil escrever script para crianças. Na verdade, dá o dobro do trabalho. Como apresentávamos os assuntos da atualidade (abordados nos outros telejornais) tínhamos que conhecer os temas a fundo para trocar em miúdos. Mas o Globinho ia além. Explicávamos, por exemplo, a indústria da seca no Nordeste, anistia política e a Declaração Universal dos Direitos Humanos – temas proibidos na época da ditadura militar. 6. As matérias do Globinho eram feitas por repórteres-mirins. Como funcionavam as equipes de reportagem? R: Não. O Globinho teve vários repórteres adultos, no Rio e nas outras praças (São Paulo, Brasília, Belo Horizonte e Recife). Só eventualmente colocávamos alguns grupos de crianças para fazer as reportagens ou perguntas, por exemplo, ao ministro da Educação. As reportagens eram pautadas também em áreas de subúrbio, mas a dificuldade de equipe e equipamento era enorme. Tínhamos que disputar com os outros telejornais. Na década de 70, era utilizado equipamento de cinema e película. A cota para os treinos de futebol era de 400 a 800 pés de filme por reportagem de futebol. Em algumas épocas, o Globinho tinha cota zero de filme. Era preciso conseguir pontas de película para fazer as reportagens. 7. O programa alcançava o gosto do “grande público”? Qual era o perfil da sua audiência? R: Segundo o IBOPE, 50% da audiência era de crianças e 50% de adultos – gente com mais de 18 anos. Um público bem diversificado em todo o país que dava ao Globinho recordes de audiência, sempre. Acredito que, em época de ditadura militar, o Globinho era o programa mais engajado do telejornalismo – exatamente porque não tinha censura prévia. 8. Quais os assuntos que mais despertavam o interesse dos telespectadores do Globinho? R: Para os adolescentes e adultos, o maior interesse era voltado para as reportagens e as matérias com temas polêmicos, mostrando o que estava errado no país, o que precisava ser feito. Para as crianças, o grande sucesso era a sessão de filmes de animação*. 9. Ao final de cada programa eram apresentados desenhos animados e filmes de animação. Como se dava essa mistura de informação com entretenimento? R: A sessão de filmes de animação e desenhos animados (de vanguarda) como o Mio e Mao, o Vermelho e Azul, a Areia, a Linha e o Barbapapa, eram um grand final de cada edição. Depois de muita informação, em formato jornalístico, era hora de um momento lúdico, mas também com qualidade e conteúdo. Os filmes não eram desenhos animados comerciais, de burrice e violência. Eram escolhidos a dedo, entre as melhores produções da Europa. Eu mesma viajei para selecionar séries de filmes produzidas por papas da animação – tchecos, italianos e poloneses. 10. Por que o programa saiu do ar? A Globo já estava se preparando para uma programação mais comercial. Nossa equipe foi chamada para algumas reuniões, onde a proposta era fazer sorteio de bolas, bonecas, com palhaços, etc. . Todos nós nos recusamos a descaracterizar o Globinho – único telejornal para crianças e jovens da televisão brasileira. Havia também muita dificuldade em produzir o Globinho dentro do Departamento de Jornalismo, de forma que ficamos sufocados, sem apoio ou condições de trabalho. O mais curioso é que o patrocinador nos informou que continuava interessado em apoiar o programa, mas a emissora simplesmente tirou o Globinho da grade de programação em 1983 e deixou uma lacuna que nunca mais foi preenchida. Várias gerações se ressentem de um telejornal para crianças e jovens na televisão brasileira de hoje. 11. Você tem conhecimento de algum outro telejornal produzido para/por crianças? R: Não tenho conhecimento de nenhum telejornal do gênero no Brasil.