CANTANDO AS PARTES FIXAS DA MISSA A fonte de inspiração para as partes fixas da celebração, deve ser o Missal Romano, mas sem mudar seu sentido e sua proposta. Aí está a riqueza e a contribuição dos cantos, ou seja, se aproximar do Rito na sua simplicidade e colocar a música e a poesia para enriquecer ainda mais a Liturgia. Não é necessário que todo músico/cantor tenha conhecimento litúrgico-teológico. Mas é obrigação do músico/cantor procurar colocar a sua arte, verdadeiramente, a serviço da Igreja e não fazer aquilo que é mais cômodo, mais comovente, mais tocante ou mais comercial. O ATO PENITENCIAL O Ato Penitencial ou o “Kyrie” faz parte dos Ritos Iniciais que estão para dispor toda assembleia "Corpo Místico de Cristo" e introduzi-la no Mistério. Os Ritos Iniciais ressaltam o caráter comunitário de toda a celebração. Quando a comunidade reunida em assembléia reconhece o Senhor como Kyrios, ela é tratada no plural, no caso "nós". O Ato Penitencial ou o “Kyrie” é um canto suplicante que expressa o pedido de perdão da comunidade orante. É uma aclamação a Cristo Senhor: um reconhecimento da sua bondade e misericórdia e, ao mesmo tempo, da nossa fraqueza e limitação. É também um canto de confiança em que Deus acolhe os pecadores humilhados. A expressão grega "Kyrie eleison" é uma das mais antigas da liturgia cristã, usada tanto na Igreja do Oriente, quanto na Igreja do Ocidente. Este termo é muito rico em significado. Em português ele é traduzido por "Senhor, tende piedade de nós". Porém, a melhor tradução seria simplesmente: "Senhor, piedade". Ou seja, o foco está no Senhor que é Piedade e não no pecado ou na miséria do fiel. Desse modo, não se trata de um canto para fazer lamentação de pecados, mas simplesmente uma forma de se colocar diante do Mistério da Misericórdia de Deus na pessoa do Kyrios (o Senhor). No Missal Romano, as invocações do Ato Penitencial são tratadas na primeira pessoa do plural (nós), o que subtende-se que seja toda a assembleia que se coloca diante do Kyrios, suplicando sua misericórdia. Todas as referências são ao Senhor e não ao pecador, por exemplo: "Senhor, que viestes salvar os corações arrependidos, tende piedade de nós!", ou: "Senhor, que sois a plenitude da verdade e da graça, tende piedade de nós!". Desta forma, enfatiza-se mais ainda a nossa relação com o Kyrios, o Senhor. Da mesma forma, as palavras introdutórias ao rito penitencial (“Irmãos e irmãs, reconheçamos as nossas culpas para celebrarmos...; “Confessemos os nossos pecados”), e a oração conclusiva (Deus todo-poderoso tenha compaixão de nós...) etc..., ressaltam o caráter invocativo ao Mistério e o caráter comunitário. Muito acima de se ressaltar a grande culpa do pecador e a situação que levou ele a esse estado, o momento do Ato Penitencial tem seu caráter de ressaltar, cantar, trazer presente, se colocar diante da Misericórdia de Deus que se expressa no Kyrios (= o Senhor). Por isso não tem fundamento se colocar diante do Mistério falando dos pecados pessoais e ainda pedindo um perdão pessoal e moralista. O Ato penitencial é um momento para exaltar a Bondade de Deus, que nos ama apesar dos nossos pecados. O momento de olhar para si, seus pecados, suas inconstâncias e falta de fidelidade ao Mistério de Deus é próprio da celebração da reconciliação ("confissão") e não no ato penitencial da Missa. 6 Há cantos que poderiam ser muito bem entoados numa celebração da Misericórdia, numa procissão penitencial no tempo da Quaresma, mas na Missa eles se tornam inadequados. Não basta o canto ser belo! Ele deve antes conter a oração da Igreja, a oração da comunidade que exprime: Senhor, piedade... Não há necessidade de exemplificar pecados, situações, mas enaltecer Aquele que é maior que todo pecado! O GLÓRIA O “Glória”, ou Hino de Louvor, é um hino pascal que remonta aos primeiros séculos da era cristã. Na Instrução Geral do Missal Romano, lemos que o “Glória” é um “hino antiquíssimo e venerável, pelo qual a Igreja congregada no Espírito Santo glorifica e suplica a Deus Pai e ao Cordeiro... “(IGMR, 53). O “Glória” é um hino doxológico (de louvor/glorificação) que canta a glória do Pai e do Filho. Porém, o Filho se mantém no centro do louvor, da aclamação e da súplica. Movida pela ação do Espírito Santo, a assembléia entoa esse hino, que tem sua origem naquele canto dos anjos que resoou pela primeira vez nos ouvidos dos pastores de Belém, na noite do nascimento de Jesus (cf. Lc 2,14). Santo Agostinho define o que é um hino, num texto que se tornou clássico: “Sabem o que é um hino? É um canto com louvor a Deus. Se você louva a Deus e não canta, não diz um hino. Se você canta e não louva a Deus, não diz um hino. Se louva algo que não pertence ao louvor de Deus, ainda que louve cantando, não diz um hino. O hino, por conseguinte, consta de três coisas: do canto, do louvor e de que este seja dirigido a Deus. Portanto, denomina-se hino o louvor de Deus cantado”. O “Glória” é cantado aos domingos, nas solenidades e festas e, ainda em celebrações especiais mais solenes. É um hino próprio para ser cantado em tempo de Páscoa ou Natal, omitindo-se no tempo do Advento e na Quaresma, certamente pelo fato de um hino festivo não sintonizar com o caráter penitencial (da Quaresma) e de discreta sobriedade (do Advento). O “Glória” pode ser dividido em três partes: 1. O canto dos anjos na noite do nascimento de Cristo: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por ele amados”; 2. Os louvores a Deus Pai: “Senhor Deus, rei dos céus, Deus Pai todo-poderoso: nós vos louvamos, nós vos bendizemos, nós vos adoramos, nós vos glorificamos, nós vos damos graças por vossa imensa glória”; 3. Os louvores seguidos de súplicas e aclamações a Cristo: “Senhor Jesus Cristo, Filho Unigênito, Senhor Deus, Cordeiro de Deus, Filho de Deus Pai. Vós que tirais o pecado do mundo, tende piedade de nós. Vós que tirais o pecado do mundo, acolhei a nossa súplica. Vós que estais à direita do Pai, tende piedade de nós. Só vós sois o Santo, só vós o Senhor, só vós o Altíssimo Jesus Cristo”. O “Glória” termina com um final majestoso, incluindo o Espírito Santo. É importante lembrar que esta inclusão não constitui, em primeira instância, um louvor explícito à terceira pessoa da Santíssima Trindade. O Espírito Santo aparece relacionado com o Filho, pois é neste que se concentram os louvores e as súplicas. Em outras palavras: o Cristo se mantém no centro de todo o hino. Ele é o Kyrios, o Senhor que desde todos os tempos habita no seio da Trindade. Estas orientações certamente nos ajudam a discernir na escolha do “Glória” mais adequado para as celebrações eucarísticas. Sabemos do costume que temos de executar, no lugar do verdadeiro “Glória”, pequenas aclamações trinitárias, ou seja, simples aclamações dirigidas ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. Pudemos ver que o “Glória” é bem mais do que isso: nele está contido o louvor, a aclamação e a súplica. E mais: a pessoa de Jesus Cristo aparece no centro desta grande doxologia (louvor/glorificação). Para que o canto do “Glória” seja litúrgico, ele deve conter, obrigatoriamente, toda a letra do hino de louvor. Quanto mais próximo do texto original, mais corresponde à sua função litúrgica. Portanto, é falsa a ideia de que basta ter as invocações “Glória ao Pai”, “Glória ao Filho" e “Glória ao Espírito Santo”, para que o canto seja um verdadeiro hino de louvor. Atualmente muitos grupos de canto não cantam o “Glória” conforme o previsto pela liturgia. Normalmente tem se cantado “cânticos de glória” ou cânticos de louvor alegres e festivos. Com isso tem se esvaziado o que a liturgia da Igreja propõe para este momento e tem-se deixado de lado um belo texto, rico em conteúdo, dos primeiros séculos da Igreja. Também há grupos de canto que acham o texto oficial do “Glória” sem muita expressão e acabam por substituí-lo por outro texto ou paráfrase do mesmo, pela simples razão de querer “animar o canto”. Eis aí o grande risco, pois sem nenhum critério, acabam fazendo com que o texto do referido hino se distancie do original. Em se falando de cantos, uma paráfrase consiste em reescrever com outras palavras suas ideias centrais. No caso do “Glória”, por exemplo, uma paráfrase seria: “Este hino de louvor, que envolve o meu ser, é de gratidão. A bondade do Senhor é tão grande sem confim, veio até a mim. Glória ao Senhor, Glória ao Senhor, Deus criador”. O “Glória” não deve ser substituído por qualquer hino de louvor ou por paráfrases que o reduzem a simples aclamações às três pessoas da Santíssima Trindade. Nesse sentido, aos poucos, devemos ir abandonando aqueles “glorinhas” que pouco têm a ver com o “Glória” da mais genuína tradição da Igreja. Para facilitar o canto do “Glória”, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) adotou uma versão oficial. Essa versão não constitui uma paráfrase, pois o louvor, as invocações e as súplicas do texto original estão presentes na letra. A versão descarta a fórmula trinitária, comum a muitos “glórias”, de modo que o hino mantém a sua centralidade em Jesus Cristo, o Senhor, segundo a mais rica tradição litúrgica da Igreja. Montagem: Pe. Edson Luis Andretta Fonte: Instrução Geral do Missal Romano Guia Litúrgico-Pastoral-CNBB