Lista de Exercícios
Português
Eduardo Valladares e Rafael Cunha
24.04.2015
Gêneros Textuais: Narração
Apenas uma ponte
Chegara, enfim, o último dia de aula. Havia sido uma longa trajetória até ali. Mas, agora, o
professor observava com ternura os alunos à sua frente, cada um voltado para seu caderno,
fazendo a lição que colocaria ponto final no ano letivo. Então, agarrado à calmaria daquela hora,
ele se recordou do primeiro encontro com o grupo. Todos o miravam com curiosidade, ansiosos
por apanhar, como uma fruta, o conhecimento que imaginavam lhe pertencia. Nem tinham ideia
de que aprenderiam por si mesmos, e que ele, mestre, não era a árvore da sabedoria, mas
apenas uma ponte que os levaria à sua copa frondosa. Naquele dia, experimentara outra vez a
emoção de se deparar com uma nova turma, e o que o motivava a ensinar, com tanta
generosidade, era justamente o desafio de enfrentar esse mistério. Sim, uma ponte. Uma ponte
por onde transitassem os sonhos daquelas crianças, o movimento incessante de seus desejos, o
ir e vir de suas dúvidas, o vaivém do aprendizado em constante algaravia.
Lembrou-se da dificuldade da Julinha nas operações de multiplicar. O resultado correto era
um território que ela nem sempre conseguia atingir. Mas, agora, a garota estava lá, segura da
direção que deveria tomar. Ele fizera a ponte. O que dizer da distância entre o José e o Augusto
no início do ano, ambos se temendo em silêncio, deixando de desfrutar da aventura de uma
grande amizade? Com paciência, ele os unira. Desde então, não se desgrudavam. Podia vê-los
dali, de sua mesa, um ao lado do outro, concentrados em fazer a tarefa. Já a Maria Sílvia, dona
de uma letra redondinha, ainda há pouco lhe dera um sorriso. Antes, contudo, vivia irritada, a letra
sem apuro, só garranchos. Fizera a ponte para ela. Mateus, à sua frente, detestava Ciências e
fugia das aulas no laboratório. Talvez porque só via dificuldade na travessia e não as maravilhas
que o esperavam no outro extremo. O professor estendera-lhe a mão e o conduzira, até que,
subitamente, ele se tornara o melhor aluno naquela matéria. Tinha também a Alessandra, tão
silenciosa e tímida. Ia bem nos primeiros meses e, depois, o rendimento caíra. Ele descobrira que
os pais dela viviam em conflito. Alertara-os para que dessem mais afeto à filha, e eis que ela
florescera, voltando a ser uma boa aluna.
E lá estava, nas últimas fileiras, o Luís Fábio. Notara suas limitações e construíra uma
ponte especial para ele, mas o menino não conseguira atravessá-la. Era assim: para alguns,
bastavam uns passos; para outros, o percurso se encompridava. O professor suspirou. Fizera o
seu melhor. Lembrou-se das palavras de Guimarães Rosa: "Ensinar é, de repente, aprender".
Sim, aprendera muito com seus alunos. Inclusive aprendera sobre si mesmo. Aquelas crianças
haviam, igualmente, ligado pontos em sua vida. Agora, seguiriam novos rumos. Haveriam de
encontrar outras pontes para superar os abismos do caminho. Ele permaneceria ali, pronto para
levar uma nova classe até a outra margem. E o tempo, como um viaduto, haveria de conduzi-lo à
emoção desse novo mistério.
CARRASCOZA J. Apenas uma ponte. Disponível em: <http://novaescola.abril.uol.com.br.>
Acesso em: 14 de ago. 2003. Layout adaptado.
1. De acordo com a ordem em que surgem na narrativa, as ações desenvolvidas pelo professor
correspondem à seguinte sequência:
a) lembrança de acontecimentos, conclusão de tarefa e predisposição para novos desafios.
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Eduardo Valladares e Rafael Cunha
24.04.2015
b) lembrança de acontecimentos, predisposição para novos desafios e conclusão de tarefa.
c) conclusão de tarefa, predisposição para novos desafios e lembrança de acontecimentos.
d) conclusão de tarefa, lembrança de acontecimentos e predisposição para novos desafios.
2. A focalização do relato concretiza-se sob a perspectiva de um narrador
a) observador e centrado no registro das ações de todas as personagens.
b) observador e centrado no registro das ações exclusivas do professor.
c) onisciente e centrado no ponto de vista de todas as personagens.
d) onisciente e centrado no ponto de vista do professor.
3. Considere o trecho:
"Chegara, enfim, o último dia de aula. Havia sido uma longa trajetória até ali. Mas, agora, o
professor observava com ternura os alunos à sua frente, cada um voltado para seu caderno,
fazendo a lição que colocaria ponto final no ano letivo. Então, agarrado à calmaria daquela hora,
ele se recordou do primeiro encontro com o grupo. Todos o miravam com curiosidade [...]".
No que se refere às quatro formas verbais em destaque, é correto afirmar que
a) a terceira assinala narração e as demais assinalam descrição.
b) a primeira assinala narração e as demais assinalam descrição.
c) a primeira e a segunda assinalam descrição e as últimas assinalam narração.
d) a terceira e a quarta assinalam descrição e as primeiras assinalam narração.
Recordações do escrivão Isaías Caminha
A minha situação no Rio estava garantida. Obteria um emprego. Um dia pelos outros iria às aulas,
e todo o fim de ano, durante seis, faria os exames, ao fim dos quais seria doutor!
Ah! Seria doutor! Resgataria o pecado original do meu nascimento humilde, amaciaria o suplício
premente, cruciante e onímodo1 de minha cor.... Nas dobras do pergaminho da carta, traria presa
a consideração de toda a gente. Seguro do respeito à minha majestade de homem, andaria com
ela mais firme pela vida em fora. Não titubearia, não hesitaria, livremente poderia falar, dizer bem
alto os pensamentos que se estorciam2 no meu cérebro.
O flanco, que a minha pessoa, na batalha da vida, oferecia logo aos ataques dos bons e dos
maus, ficaria mascarado, disfarçado...
Ah! Doutor! Doutor! ... Era mágico o título, tinha poderes e alcances múltiplos, vários
polifórmicos... Era um "pallium3", era alguma cousa como clâmide4 sagrada, tecida com um fio
tênue e quase imponderável, mas a cujo encontro os elementos, os maus olhares, os exorcismos
se quebravam. De posse dela, as gotas da chuva afastar-se-iam transidas5 do meu corpo, não se
animariam a tocar-me nas roupas, no calçado sequer. O invisível distribuidor de raios solares
escolheria os mais meigos para me aquecer, e gastaria os fortes, os inexoráveis 6, com o comum
dos homens que não é doutor. Oh! Ser formado, de anel no dedo, sobrecasaca e cartola, inflado 7
e grosso, como um sapo-entanha antes de ferir a martelada à beira do brejo; andar assim pelas
ruas, pelas praças, pelas estradas, pelas salas, recebendo cumprimentos: Doutor, como passou?
Como está, doutor? Era sobre-humano! ...
(BARRETO, Lima. In: VASCONCELOS, Eliane (org.). Prosa seleta.
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2001.)
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Eduardo Valladares e Rafael Cunha
24.04.2015
1
de todos os modos, irrestrito
agitavam
3 manto, capa
4 manto
5 assustadas
6 inflexíveis
7 vaidoso
2
4. A realidade social compõe a obra literária sob diversas formas.
No texto de Lima Barreto, o ponto de vista do autor acerca dos efeitos da exclusão social revelase por meio do seguinte procedimento narrativo:
a) construção simbólica de problemas existenciais do personagem-narrador.
b) descrição pormenorizada das contradições do sistema de ensino pelo narrador.
c) representação caricatural das esperanças de um personagem de origem humilde.
d) referência metafórica às dificuldades de integração entre personagens de classes distintas.
5. O discurso do personagem-narrador manifesta uma ânsia de reconhecimento social expressa
em detalhes ou em pequenos objetos.
Um exemplo desse procedimento narrativo está em:
a) "faria os exames, ao fim dos quais seria doutor!"
b) "Nas dobras do pergaminho da carta, traria presa a consideração de toda a gente."
c) "Era mágico o título, tinha poderes e alcances múltiplos, vários polifórmicos..."
d) "era alguma cousa como clâmide sagrada,"
6. O entusiasmo do personagem com o sonho de obter o título de doutor é construído por um
discurso em primeira pessoa marcadamente emotivo.
Essa emotividade do discurso do personagem é realçada pelo uso de recursos, tais como:
a) estilo indireto e formas de negação.
b) registro informal e perguntas retóricas.
c) discurso repetitivo e inversões sintáticas.
d) pontuação exclamativa e expressões interjetivas.
7. A matéria narrada neste texto não é representada como um fato, mas como um projeto.
O recurso linguístico que caracteriza essa representação é o emprego de:
a) vocábulos cultos e raros
b) reticências na maioria dos parágrafos
c) formas verbais no futuro do pretérito
d) metáforas relativas ao objeto de desejo
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Eduardo Valladares e Rafael Cunha
24.04.2015
Gabarito
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
D
D
A
C
B
D
C
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