AÇORIANO ORIENTAL QUINTA-FEIRA, 24 DE MAIO DE 2012 Rumos Cruzados 17 AIPA COORDENAÇÃO PAULO MENDES | TEXTOS JOSEFINA CRUZ | www.aipa-azores.com Cheiros de África África: Continente de contradições apaixonantes Comemora-se, hoje, o Dia de África. Em várias regiões do país, são muitas as atividades desenvolvidas pelas diferentes organizações da sociedade com o objetivo de celebrar a África, vivenciar a africanidade e, sobretudo, chamar atenção para um novo olhar sobre África. É um olhar que terá de ser feito pelos próprios africanos. Só assim podemos exigir que os “outros” possam ter um olhar diferente sobre esse continente de contradições apaixonantes. Não existe uma África, há várias Áfricas. Quase sempre caímos no erro de tratar a África com uma realidade homogénea e una. Sei que é muito difícil sair desta homogeneização de leitura sobre a realidade africana, quando muitas das notícias que nos chegam são, na sua maioria, negativas. Por isso, a AIPA quis associar, uma vez mais, em parceria com o jornal Açoriano Oriental, nesta celebração da África, mesmo correndo o risco de sermos redutor nesta abordagem. Todos dizem que a África tem um cheiro. Neste suplemento ficou reforçada essa convicção dos diferentes cheiros de África. Que esse suplemento nos ajude, cada um à sua maneira, de construir um outro olhar sobre África de, preferência, em convergência com os sonhos de tantos e tantos Homens que idealizaram e lutaram por uma África plena. 18 Rumos Cruzados AÇORIANO ORIENTAL QUINTA-FEIRA, 24 DE MAIO DE 2012 AIPA A África dentro de nós CARLOS ARRUDA MÉDICO E NATURAL DOS AÇORES Bo ca ta pensa nha cretcheu Lua Nha Testemunha de Cesária Évora Há tantas Áfricas dentro de nós que poderíamos escrever quase indefinidamente sobre elas, sem nunca nos cansarmos. Escreveríamos sobre a sua luz, a sua terra vermelha, as suas cores, os seus cheiros, o som dos tambores, as suas gentes e o pôr-do-sol. Para quem não nasceu nesse continente especial e foi vivenciado desde sempre por todas aquelas coisas que só lá fazem a ternura da vida, torna-se difícil, para não dizer tarefa impossível dizer algo consistente sobre África na perspetiva de um Europeu caucasiano que de mansinho foi vendo, sonhando e vivendo com as pessoas, a fauna e a flora. Quando vemos África na idade da inocência, como me aconteceu, é uma curiosidade enorme e as imagens penetram bem até fundo e nunca mais saem. Nessa altura, chitas, leões, hipopótamos, crocodilos, camaleões, pirilampos, pássaros, capim, bananeiras, mangas, etc., eram os amigos de peito dos meus sonhos de criança, altura em que recriava aquilo que queria que fosse uma realidade de brincadeiras, onde não faltavam as pessoas, os tambores e os feiticeiros com a suas vestes típicas que me entusiasmavam e eram seres de carne e osso naqueles sonhos de criança. Depois foi a guerra, na altura em que temos a consciência do certo e do errado e das violências com que vamos sendo confrontados em toda a sua plenitude. Mesmo então, os animais, a fauna, os cheiros e as mulheres, as crianças e os homens são aquilo que sempre foram, seres que amam e sofrem nessa imensidão de liberdade que é África. Mas aquele pôr-do-sol, o cheiro tão característico das planuras e ares africanos e a luz, aquela luz mágica que nos abraça, esteve sempre lá, até naquelas horas que ninguém quer ter! Há realmente uma mística nesse continente que se apossa de nós e que não “desconsigo” perceber. Mas também é a África da cooperação, das solidariedades, das amizades, do amor, do abraço do tamanho do mundo, de forma permanente, olhando e sentindo, com ternura, com muita ternura, como se fossemos uma grande família, que queremos continuar a ser. África, com o seu fascínio, os seus encantos, a sua mística deu-me sempre muito mais do que aquilo que fui capaz de lhe oferecer. Visões de África CLÁUDIA BASÍLIO LICENCIADA EM LÍNGUAS E LITERATURAS MODERNAS; NATURAL DE GUINÉ-BISSAU Cada vez que saio pelas ruas de Bissau ou Gabú, revejo a minha infância, passada no interior centro de Portugal. Viajo do Moxico ao Namibe, das estórias do meu pai, ao fazer o percurso para a Gâmbia. O AZUL do céu empoeirado de terra fina e VERMELHA, telhado suportado por colunas de fumo que sustêm a estrutura de um continente desestruturado. O fumo espalhase e mistura as cores e os sabores do tchabeú, cafriela, mancarra, a fogueira para os cozinhar e um lugar à volta da tigela para dar de comer a quem acabou de chegar. Há sempre lugar para mais um, mesmo quando não se tem nada. A grandeza do povo é simbolizada pela grandeza do Poilão ou do Embondeiro, figuras firmes, retas, símbolos de dignidade e valores do retalho étnico que preenche o continente. São outras gentes, outros valores, outro respeito, o respeito pelo “velh@”, “kota “ ou “homem/mulher grande” que quanto mais velh@ mais sábio por isso mais valioso. Não falamos a mesma língua, mas somos iguais. Reconhecem-me nas “tabankas” quando nos olhamos nos olhos o orgulho e a história aproximam-nos. Não há espaço para autocomiseração, mas para hospitalidade, o dom de receber bem, característica que faz com que não se negue um copo de água a ninguém, mesmo àqueles que andam 10km para ir buscar água ao rio. Outras gentes! Gentes que vivem o conflito de dois mundos, o desenvolvido/moderno e o da tradição, da terra, da família em primeiro lugar, da excisão, do casamento precoce, da mulher como fonte de rendimento, do medo do irã, do engano das promessas que por nós são feitas e não cumpridas. África é uma aprendizagem, é um retorno à verdadeira natureza do ser humano “civilizado”. Lá presencia-se, de certa forma, um regresso à barbárie por parte do Europeu devido ao sentimento de que quem tem o dinheiro, tem o poder. Mote que legítima o sustento de ações questionáveis. O estar longe de quem se conhece leva à prática de ações questionáveis que sustentam o subdesenvolvimento. Sim ! Nós sustentamos o subdesenvolvimento quando sustentamos a prostituição, seja ela masculina ou feminina, mascarada (em forma de namoro) ou aberta. Apesar de tudo o que parece negativo, os aspetos positivos predominam não deixando dúvidas de que África é o futuro. O futuro do regresso aos valores em crise no “velho continente”, da amizade, vizinhança e tudo aquilo que estamos a perder e que eu reencontrei na Guiné-Bissau. Desejo que todos tenham a oportunidade de se relacionar com a “Mãe África” nem que apenas de visita. Mamãe África JEREMIAS CABRAL INVESTIGADOR EM VULCANOLOGIA; NATURAL DE CABO VERDE Não sei se posso falar daquilo que conheço mal; Não sei se devo falar da minha terra natal; Não sei se digo que o meu país cheira bem ou cheira mal; Não sei se a minha dúvida é normal. Porque cresci ouvindo dizer que nos tempos antigos não era assim; Agora vivo dizendo que na minha infância não era assim; E que na minha terra não é assim; E me pergunto porque é que reagimos assim? Não sei se é o medo da mudança; Ou se é não querer aceitar a diferença; Ou simplesmente vontade de criticar; No sentido de desvalorizar. Estou triste e triste ficarei; Pela África que vejo no telejornal; Mais triste fiquei; Porque não é a mesma África que é vendida como destino turístico; África dos Sentidos JORGE BRUNO DIRETOR REGIONAL DA CULTURA África é cheiro, cor, densidade, sabor e som. África são os cheiros, cores, densidades, sabores e sons que penetram no mais profundo da alma, vindos do vasto território que é o seu corpo matérico. África dos sentidos é a vasta e múltipla paisagem de experiências irrepetíveis que se revisitam com o vagar do tempo quando corre lento e propício aos sabores intensos. África é tudo quanto se pode imaginar num pôr-do-sol ou num levantar do dia para mais um tempo de luta pela sobrevivência e pela dignidade humana. África é a promessa de um tempo melhor e mais justo a que o ser humano tem direito. África minha, África de todas as gentes que querem um mundo melhor. África, o “Continente mãe”, que nos toca fundo e nos dá tanto de prazer como de angústia. África, sempre África. E também no Dia de África. Os meus cheiros de África FERNANDO HENRIQUES ESTEVE NA GUINÉ BISSAU Os meus odores na minha ligação a África já vem de há longos anos cerca de 40 - com passagem por diversos Países. Vivi em paz e passei pela Guerra. A última vez que visitei África fi-lo, no passado mês de Abril, entrando pela Guiné-Bissau que percorri em grande parte, para um “reencontro” com o passado. Chamo, embora não apropriadamente, “reencontro”, pois fui não em busca do que deixara, mas sim procurando rever-me naquilo que poderia vir a encontrar. Contactei gentes amistosas que me receberam como um Rei - um irmão de pleno direito. Gratificante, pois nem os estigmas de uma Guerra, injusta como todas as outras, apagaram o sentir fraterno que unia pessoas de diferentes credos e cor. Os Cheiros de África, que não se limitam apenas a odores, impregnam decisivamente os meus sentidos, o meu Ser e, portanto, a minha Alma. Agora senti o forte aroma dos cajueiros, pilhados de fruta madura, tal como senti os aromas diversificados que povoam as belas noites africanas. Como Químico e amante das Ciências, descobri odores que provêm de algumas plantas que “camufladamente” também povoam os Açores e que se denunciam em noites de temporal, em que o rigor do vento espalha os seus “perfumes”. Mas as Noites e os Cheiros de África são como que um estigma que persegue aqueles que tiveram o privilégio de sentir o pulsar dos corações das suas Gentes!... e, porque não, de ouvir a sua música … Rumos Cruzados 19 AÇORIANO ORIENTAL QUINTA-FEIRA, 24 DE MAIO DE 2012 AIPA (im)próprio de Maio No 1.º de Maio da infância, púaproximava-se angustiadanhamo-nos a pé muito cedo. mente do fim na Guiné-BisSe o sol nos apanhasse na sau. As buganvílias floresciam cama, entrava-nos no corpo e sob uma intensa camada de deixava-nos molengões, prepoeira alaranjada. E não havia guiçosos, para o resto do ano. cravos. À noite, o PAIGC lanEsse já não era o Maio de façou um ataque maciço de artiURBANO BETTENCOURT vas e giestas que deu a Vitorino lharia contra Bissorã, cobranPROFESSOR Nemésio o tom para a crónica do-nos com juros altos o facto UNIVERSITÁRIO do Jornal do Observador de ter sido através da sua rádio (18.5.1972) em que as moças oficial que, durante o dia 25 de da Praia e a sua lembrança Abril, fôramos sabendo notíconvivem, tu cá, tu lá, com a alta poesia cias da revolução em Lisboa. O nosso 25 de Afonso X, o Sábio. E também não de Abril só chegaria, aliás, a 13 de Juera ainda o “Maio social” que em 1976 nho. Neste dia, uma unidade de combalhe foi pretexto para o belíssimo poema te do PAIGC apresentou-se na pista de “Maio de Minha Mãe”, recolhido em Saaviação, sob um rigoroso aparato milipateia Açoriana e que um crítico listar que daria lugar ao convívio com a boeta referiu como um dos grandes população e com a tropa portuguesa e a poemas portugueses da década de 70: africana que combatia do lado portumestria poética e ironia sagaz subverguês. Era o reencontro de um povo contem planos temporais diferentes e os sigo mesmo. E descobríamos, enfim, signos de algum discurso político domique o inimigo, esse outro de cada um de nós, tinha um rosto e um corpo tangínante e submetem tudo isso ao império vel, era possível fitarmo-nos diretaavassalador da evocação lírica de uma mente, sem o filtro do ódio e da raiva, adolescência terceirense aí por 1918. sem a mira interposta das Kalashes e Em meados do século passado, o 1.º das G3. Motivos de sobra para um curto de Maio da infância não era nada disso. poema que chegou a conhecer publicaFicava-se por um modesto Maio laboção. rioso (nada operário, muito menos proNo 1.º de Maio de 2007, muitos anos letário, que a tanto não chegava a sedepois da inocência, dou por mim ainda mântica familiar), consciente apenas, e a organizar as fotos desse tempo, tenjá não era pouco, do esforço associado tando pôr um pouco de ordem nalguao labor de cada dia. mas sombras interiores e afetos. EnNo 1.º de Maio de 1974, a época seca quanto isso, vou ouvindo Adriano Correia de Oliveira. O cantor é hoje vítima da amnésia militante desta democracia de plástico & esferovite, presumida e politicamente muito correta, em que alguns abutres ( jagudis, em crioulo guineense) nos espreitam de novo lá de cima. Ouço a voz magoada de Adriano, neste 25.º ano após a sua morte, percorrendo a música tradicional açoriana, os poemas de Manuel da Fonseca e de Rosalía de Castro. Mas detenho-me na “Canção com Lágrimas”, de Manuel Alegre: Eu canto para ti um mês de giestas / Um mês de morte e crescimento ó meu amigo / Como um cristal partindo-se plangente / No fundo da memória perturbada. Nesse dia 13, que não sei se terá sido sexta-feira, Cabá Santiago (comandante de uma companhia de milícias pró portuguesas) deixou-se fotografar ao lado do seu homólogo do PAIGC e de alguns combatentes. Deveria haver nesta foto mais alguns sorrisos, para lá de um ou outro esboço que parece morto à nascença e em contraste com as fotos em que militares, combatentes e população se misturam em convivência? Talvez, mas este é o ponto de vista (o meu) de quem, naquele momento, via a história a partir de um terceiro ângulo, apesar de tudo já em distanciação. Afinal, esta pose que não disfarça algum constrangimento era já um prenúncio Agostos Num Agosto assim talvez chovesse outrora muito longe daqui. As nuvens vinham de leste e abriam o seu ventre subalimentado sobre as nossas cabeças: metralha e fogo e luz e um homem deixou no adobe da parede o seu retrato de cinza. E no entanto havia corpos prontos a dar-se entre o desejo mudo e o inferno. Caíam as aves, não co’ a calma, como dizia o outro, mas co’ as cargas de napalm, que são o reverso do verso lírico (e do épico também). Vinham as chuvas e partiam e não lavavam lodos nem apagavam o fogo que ardia sem se ver (e disto sabia ele, o poeta), sobre uma esteira podia morrer-se de loucura num corpo a corpo de vencidos, desafiando a sombra da outra morte, a que vem por trás e por diante, da direita e da esquerda, e deixa os seus dentes de chumbo na carne destroçada. Lembro-me destas coisas e de outras mais ao cruzar-me com os pares que se devoram em jardins de cimento, indiferentes a quantos estudam o terreno em variadas línguas sobre mapas que trocam os sinais da mata e dos rios por números de autocarro, paragens do metro, um ou outro museu, lugares a ver de fora e [de longe, mas nada nos dizem sobre o modo de evitar as [emboscadas de guerrilha urbana. Não há chuvas neste Agosto. A calma vibra nos telhados, as guerras trazem outros nomes, outros donos. E talvez seja assim que tudo tem de ser. E talvez seja este o melhor dos mundos. URBANO BETTENCOURT do que estava para acontecer. O Cabá seria assassinado após a independência, um dos muitos e muitos guineenses que tiveram o mesmo destino, entre eles o cozinheiro a quem devo uma parte da minha sobrevivência física. Tivesses-me envenenado, ó Zé Manjaco, e serias hoje herói nacional! Lamentavelmente, não conseguirei desescrever esse poema de 13 de Junho, vindo do futuro em busca de um presente ainda por haver. 20 Rumos Cruzados AÇORIANO ORIENTAL QUINTA-FEIRA, 24 DE MAIO DE 2012 AIPA A nossa África Nas últimas 4 décadas a maiotral tem condicionado em muiria das pessoas, à escala planeto a concretização de resultados tária, testemunhou grandes memais satisfatórios. lhorias nas suas vidas. Essa Na área ambiental a luta é melhoria não inviabiliza que reigualmente gigantesca para o flitamos sobre os muitos e comcontinente africano, tanto na plexos obstáculos que ainda perspetiva de criação de lógicas PAULO MENDES existem no sentido de sustentar de ação nos diferentes países PRESIDENTE esta tendência de melhoramendo continente como nas conseDA AIPA to. A resposta a este desafio, quências que uma distribuição apesar de que deverá estar ser desigual da poluição ambiental sustentada em várias ações e poderá assumir no processo de decisões políticas alicerça-se numa didesenvolvimento. Por exemplo, as emismensão essencial que é dar oportunidade sões da Ásia Oriental e Pacifico são 10 de escolha. Neste contexto, o continente vezes superiores às da África Subsariaafricano continua ainda muito longe de na. Aliás, esta contribuiu com apenas garantir esta liberdade de escolha dos 3% das emissões mundiais de dióxido seus cidadãos, até porque o ponto de parde carbono. tida em muitos destes aspetos é manifesO relatório chama a atenção para a estamente baixo. cassez de água, com particulares reflexos No índice de desigualdade de género, junto dos países mais pobres, nomeadao relatório de 2011 coloca a África mente, no processo de criação de oportuSubsariana como a região do planeta nidades de desenvolvimento. A título onde as mulheres ficam ainda muito exemplificativo, prevê-se que a procura atrás dos homens nos processos de tode água e a produção de alimentos duplimada de decisão. O mesmo relatório que até 2050. Por outro lado, os padrões chama a atenção para o facto de que são regionais mostram-nos que as privações nos países mais desenvolvidos onde ambientais são mais profundas na África prevalece um maior equilíbrio entre os Subsariana, em que 99% dos pobres engéneros, nomeadamente, nos processos frentam, pelo menos, uma privação amde decisão. biental (ex: acesso a combustível para coNa área da saúde tem havido, clarazinhar e o acesso à agua). Vale a pena mente, um ganho mesmo que modesto ainda salientar que nos países com um no continente africano. Porém, a prevabaixo Índice de Desenvolvimento Humalência de HIV, sobretudo, na África Ausno (IDH), 65% das pessoas têm proble- mas no acesso à agua e 38% não têm saneamento. Na área educacional, o Relatório de 2010 realça o enorme progresso que foi feito na expansão do ensino primário. Mesmo assim nos países mais pobres, 3 em cada 10 crianças em idade de escolaridade não estão matriculadas. Um dado curioso. No plano político o caminho tem sido para um grupo de países africanos absolutamente difícil. A instabilidade política, a fragilidade das instituições, a fraca qualidade da classe política concorrem para o funcionamento e vivência deficiente da democracia. Os exemplos mais recentes chegam do Mali e da Guiné-Bissau. Termino com uma boa. Na esfera da desigualdade de rendimentos a África Subsariana está em contraciclo com a generalidade de outras regiões do mundo. Não podemos resfriar as expectativas e a vontade de construir um mundo melhor, até porque existem alternativas à desigualdade e à insustentabilidade. Para promover a sustentabilidade e o desenvolvimento humano é necessário investir nos aspetos que melhoram a equidade. Alguns exemplos: no acesso a energias renováveis, água e saneamento e nos cuidados de saúde reprodutiva. Um outro eixo de ação que nos pode ajudar a promover o desenvolvimento, é a própria consolidação dos processos de- mocráticos no continente africano que, para além de privilegiar a credibilidade e funcionamento das instituições, deverá assentar em estratégias de gestão comunitária e de inclusão de grupos com menor poder de intervenção. A questão do financiamento para o desenvolvimento é também uma dimensão crucial. Não estou a falar de caridade para com os países mais pobres mas sim de estratégias concertadas de apoio e que possam promover a mudança. Uma parte significativa dos países mais ricos (países europeus e os Estados Unidos da América) está a atravessar uma situação económica débil que exige uma forte concentração nos problemas domésticos, relegando para planos secundários uma atenção ao financiamento para o desenvolvimento e na concretização dos objetivos do milénio. Ainda subsistem muitos problemas mas não cansamos de repetir que a África irá encontrar o seu espaço no panorama mundial. Que a celebração do Dia de África funcione com uma campainha de alerta. tucional e recusar os princípios democráticos universais, e, a outro tempo, coartar direitos e liberdades aos cidadãos e reduzir as sociedades civis organizadas. Outro fator perverso é um certo modelo de ajuda pública ao desenvolvimento, uma caridade internacional que, tendo pouco de cristã e muito menos de solidária, serve às estratégias instrumentais dos doadores. A ajuda pública internacional, mal planeada, descoordenada e devotadamente assistencialista, não tem contribuído para o reforço das estruturas políticas africanas, nem tem criado autonomias socioeconómicas locais, na medida em que ampliam os vínculos de dependência entre os doadores e os doados, bem como entre governantes e governados. Exemplos existem de reconversão da ajuda pública internacional, perspetivando-a como para o desenvolvimento e não para a sobrevivência no círculo pernicioso da mais desumana miséria. Foi o caso de Cabo Verde, uma honrosa exceção no continente, País que à altura da Independência Nacional, em 1975, constava do clube dos Menos Avançados e, hoje, mercê de uma visão crítica e descomplexada do desenvolvimento, percorre, de forma cada vez menos vulnerável, a estrada dos Países do Rendimento Médio, tendo nessa trajetória atingido um dos três melho- res Índices de Desenvolvimento Humano do Continente. Quero crer que o segredo do “relativo sucesso” de Cabo Verde tenha a ver, não apenas com a promoção e a dinamização de uma compreensiva agenda de transformação, ocorridas na última década, mas também a fatores mais recuados, radicados nos primeiros quinze anos da Soberania, de encarar a assistência internacional como um instrumento de promoção do desenvolvimento. A África que se saúda, neste dia 25 de Maio, é aquela do Bem-estar social, da Paz, dos Direitos do Homem, da Solidariedade e da consolidação da Democracia. A outra deve ser posta em crítica e em crise, numa resistência múltipla, intensiva e sistemática, ciente de que aos Africanos compete cumprir o “árduo caminho da liberdade”, vaticinado por Nelson Mandela. Texto elaborado com base do relatório do Índice de Desenvolvimento Humano, 2011. África: Sem Trigretude Talvez o leitor considere uma para turvar esse charco de poheresia, mas sou um africano breza, miséria, doença, genocíque não olha para a África com dio, golpe de estado, traficante exotismo e vitimização, nem de droga, de armas e de seres acredita que o peso histórico do humanos, diamantes de sangue, colonialismo, da escravatura e petróleo maldito e cleptocratas do imperialismo global, seja decom propriedades na Europa e FILINTO ELÍSIO terminante para o reduzido esdivisas nos paraísos fiscais. É POETA tágio do desenvolvimento gloTais fatores, que não são neE NASCEU EM bal do Continente Africano. gligenciáveis, nem merecedores CABO VERDE A situação emergencial em de sublimação, por raiarem a África, algo que sem eufemisatentados seculares e sistemátimos chamaríamos de fome, atingindo cos dos Direitos Humanos, não merecem quase toda a África, é uma realidade. ser erigidos aqui como os bloqueios dorQuem não viu o cenário televisivo de sais dos problemas africanos, diante de crianças esquálidas, com cabeças granuma elite africana globalmente voraz, des e barrigas inchadas, na antecâmara egoísta, violenta e corrupta, presentes e da morte? Quem viu e não sentiu senão prementes em muitos dos nossos países, piedade e revolta, atire a primeira pedra? em nada devendo aos tempos coloniais A primeira pedra, no mínimo, já que a side tristíssima memória. tuação demanda uma consequente resisOs fatores perversos do desenvolvitência e quiçá um novo surto de mudanmento africano têm a ver com essa elite ças, mais profundas e radicais, que, mascarada em partidos políticos, suscetíveis de acertar a África no comcompra e vende eleições, pondo os Países passo do desenvolvimento. a saque diante do mercado globaliário, e Nada de complacência, nem lamentos. que, metamorfoseada em militares, dão Muito menos exotismos políticos, de esgolpes de Estado e dirigem os destinos do querda e de direita, entrados em ideoloPaís a partir dos quartéis. gias eurocêntricas e desfasados das realiEm verdade, os fatores perversos que dades africanas. Só me compraz citar contribuem para a problemática situação Wole Soyinka: o tigre não badala a sua em África têm contribuído para, a um trigretude, mas salta na presa para o detempo, fragilizar o processo histórico da vorar. Por conseguinte, A primeira pedra construção do Estado de Direito Consti-