AÇORIANO ORIENTAL
QUINTA-FEIRA, 24 DE MAIO DE 2012
Rumos Cruzados 17
AIPA COORDENAÇÃO PAULO MENDES | TEXTOS JOSEFINA CRUZ | www.aipa-azores.com
Cheiros de África
África:
Continente
de contradições
apaixonantes
Comemora-se, hoje, o Dia de África. Em várias
regiões do país, são muitas as atividades desenvolvidas pelas diferentes organizações da sociedade com o objetivo de celebrar a África, vivenciar a africanidade e, sobretudo, chamar atenção
para um novo olhar sobre África. É um olhar que
terá de ser feito pelos próprios africanos. Só assim podemos exigir que os “outros” possam ter
um olhar diferente sobre esse continente de contradições apaixonantes. Não existe uma África,
há várias Áfricas. Quase sempre caímos no erro
de tratar a África com uma realidade homogénea
e una. Sei que é muito difícil sair desta homogeneização de leitura sobre a realidade africana,
quando muitas das notícias que nos chegam são,
na sua maioria, negativas. Por isso, a AIPA quis
associar, uma vez mais, em parceria com o jornal
Açoriano Oriental, nesta celebração da África,
mesmo correndo o risco de sermos redutor nesta
abordagem. Todos dizem que a África tem um
cheiro. Neste suplemento ficou reforçada essa
convicção dos diferentes cheiros de África. Que
esse suplemento nos ajude, cada um à sua maneira, de construir um outro olhar sobre África
de, preferência, em convergência com os sonhos
de tantos e tantos Homens que idealizaram e lutaram por uma África plena. 18 Rumos Cruzados
AÇORIANO ORIENTAL
QUINTA-FEIRA, 24 DE MAIO DE 2012
AIPA
A África dentro
de nós
CARLOS
ARRUDA
MÉDICO E NATURAL
DOS AÇORES
Bo ca ta pensa nha cretcheu
Lua Nha Testemunha de Cesária
Évora
Há tantas Áfricas dentro de nós
que poderíamos escrever quase indefinidamente sobre elas, sem nunca nos cansarmos.
Escreveríamos sobre a sua luz, a
sua terra vermelha, as suas cores, os
seus cheiros, o som dos tambores, as
suas gentes e o pôr-do-sol.
Para quem não nasceu nesse continente especial e foi vivenciado desde sempre por todas aquelas coisas
que só lá fazem a ternura da vida,
torna-se difícil, para não dizer tarefa
impossível dizer algo consistente sobre África na perspetiva de um Europeu caucasiano que de mansinho
foi vendo, sonhando e vivendo com
as pessoas, a fauna e a flora.
Quando vemos África na idade da
inocência, como me aconteceu, é
uma curiosidade enorme e as imagens penetram bem até fundo e nunca mais saem.
Nessa altura, chitas, leões, hipopótamos, crocodilos, camaleões, pirilampos, pássaros, capim, bananeiras, mangas, etc., eram os amigos de
peito dos meus sonhos de criança,
altura em que recriava aquilo que
queria que fosse uma realidade de
brincadeiras, onde não faltavam as
pessoas, os tambores e os feiticeiros
com a suas vestes típicas que me entusiasmavam e eram seres de carne e
osso naqueles sonhos de criança.
Depois foi a guerra, na altura em
que temos a consciência do certo e do
errado e das violências com que vamos sendo confrontados em toda a
sua plenitude. Mesmo então, os animais, a fauna, os cheiros e as mulheres, as crianças e os homens são aquilo
que sempre foram, seres que amam e
sofrem nessa imensidão de liberdade
que é África. Mas aquele pôr-do-sol, o
cheiro tão característico das planuras
e ares africanos e a luz, aquela luz mágica que nos abraça, esteve sempre lá,
até naquelas horas que ninguém quer
ter! Há realmente uma mística nesse
continente que se apossa de nós e que
não “desconsigo” perceber.
Mas também é a África da cooperação, das solidariedades, das amizades, do amor, do abraço do tamanho do mundo, de forma
permanente, olhando e sentindo,
com ternura, com muita ternura,
como se fossemos uma grande família, que queremos continuar a ser.
África, com o seu fascínio, os seus
encantos, a sua mística deu-me sempre muito mais do que aquilo que fui
capaz de lhe oferecer. Visões de África
CLÁUDIA BASÍLIO
LICENCIADA
EM LÍNGUAS
E LITERATURAS
MODERNAS;
NATURAL
DE GUINÉ-BISSAU
Cada vez que saio pelas ruas de Bissau
ou Gabú, revejo a minha infância, passada no interior centro de Portugal.
Viajo do Moxico ao Namibe, das estórias do meu pai, ao fazer o percurso
para a Gâmbia. O AZUL do céu empoeirado de terra fina e VERMELHA,
telhado suportado por colunas de fumo
que sustêm a estrutura de um continente desestruturado. O fumo espalhase e mistura as cores e os sabores do
tchabeú, cafriela, mancarra, a fogueira
para os cozinhar e um lugar à volta da
tigela para dar de comer a quem acabou
de chegar. Há sempre lugar para mais
um, mesmo quando não se tem nada.
A grandeza do povo é simbolizada
pela grandeza do Poilão ou do Embondeiro, figuras firmes, retas, símbolos de
dignidade e valores do retalho étnico
que preenche o continente. São outras
gentes, outros valores, outro respeito, o
respeito pelo “velh@”, “kota “ ou “homem/mulher grande” que quanto mais
velh@ mais sábio por isso mais valioso.
Não falamos a mesma língua, mas
somos iguais. Reconhecem-me nas “tabankas” quando nos olhamos nos
olhos o orgulho e a história aproximam-nos. Não há espaço para autocomiseração, mas para hospitalidade, o
dom de receber bem, característica que
faz com que não se negue um copo de
água a ninguém, mesmo àqueles que
andam 10km para ir buscar água ao
rio. Outras gentes! Gentes que vivem o
conflito de dois mundos, o desenvolvido/moderno e o da tradição, da terra,
da família em primeiro lugar, da excisão, do casamento precoce, da mulher
como fonte de rendimento, do medo
do irã, do engano das promessas que
por nós são feitas e não cumpridas.
África é uma aprendizagem, é um retorno à verdadeira natureza do ser humano “civilizado”. Lá presencia-se, de
certa forma, um regresso à barbárie
por parte do Europeu devido ao sentimento de que quem tem o dinheiro,
tem o poder. Mote que legítima o sustento de ações questionáveis. O estar
longe de quem se conhece leva à prática de ações questionáveis que sustentam o subdesenvolvimento. Sim ! Nós
sustentamos o subdesenvolvimento
quando sustentamos a prostituição,
seja ela masculina ou feminina, mascarada (em forma de namoro) ou aberta.
Apesar de tudo o que parece negativo, os aspetos positivos predominam
não deixando dúvidas de que África é
o futuro. O futuro do regresso aos valores em crise no “velho continente”,
da amizade, vizinhança e tudo aquilo
que estamos a perder e que eu reencontrei na Guiné-Bissau. Desejo que
todos tenham a oportunidade de se relacionar com a “Mãe África” nem que
apenas de visita. Mamãe África
JEREMIAS
CABRAL
INVESTIGADOR EM
VULCANOLOGIA;
NATURAL
DE CABO VERDE
Não sei se posso falar daquilo que conheço mal;
Não sei se devo falar da minha terra
natal;
Não sei se digo que o meu país cheira
bem ou cheira mal;
Não sei se a minha dúvida é normal.
Porque cresci ouvindo dizer que nos
tempos antigos não era assim;
Agora vivo dizendo que na minha infância não era assim;
E que na minha terra não é assim;
E me pergunto porque é que reagimos assim?
Não sei se é o medo da mudança;
Ou se é não querer aceitar a diferença;
Ou simplesmente vontade de criticar;
No sentido de desvalorizar.
Estou triste e triste ficarei;
Pela África que vejo no telejornal;
Mais triste fiquei;
Porque não é a mesma África que é
vendida como destino turístico;
África
dos Sentidos
JORGE BRUNO
DIRETOR REGIONAL
DA CULTURA
África é cheiro, cor, densidade, sabor e
som.
África são os cheiros, cores, densidades, sabores e sons que penetram no
mais profundo da alma, vindos do vasto
território que é o seu corpo matérico.
África dos sentidos é a vasta e múltipla paisagem de experiências irrepetíveis que se revisitam com o vagar do
tempo quando corre lento e propício
aos sabores intensos.
África é tudo quanto se pode imaginar num pôr-do-sol ou num levantar do
dia para mais um tempo de luta pela sobrevivência e pela dignidade humana.
África é a promessa de um tempo melhor e mais justo a que o ser humano
tem direito.
África minha, África de todas as gentes que querem um mundo melhor.
África, o “Continente mãe”, que nos
toca fundo e nos dá tanto de prazer
como de angústia.
África, sempre África. E também no
Dia de África. Os meus
cheiros
de África
FERNANDO
HENRIQUES
ESTEVE NA GUINÉ
BISSAU
Os meus odores na minha ligação a
África já vem de há longos anos cerca de 40 - com passagem por diversos Países.
Vivi em paz e passei pela Guerra. A
última vez que visitei África fi-lo, no
passado mês de Abril, entrando pela
Guiné-Bissau que percorri em grande parte, para um “reencontro” com
o passado. Chamo, embora não
apropriadamente, “reencontro”, pois
fui não em busca do que deixara,
mas sim procurando rever-me naquilo que poderia vir a encontrar.
Contactei gentes amistosas que me
receberam como um Rei - um irmão
de pleno direito. Gratificante, pois
nem os estigmas de uma Guerra, injusta como todas as outras, apagaram o sentir fraterno que unia pessoas de diferentes credos e cor.
Os Cheiros de África, que não se limitam apenas a odores, impregnam
decisivamente os meus sentidos, o
meu Ser e, portanto, a minha Alma.
Agora senti o forte aroma dos cajueiros, pilhados de fruta madura, tal
como senti os aromas diversificados
que povoam as belas noites africanas. Como Químico e amante das
Ciências, descobri odores que provêm de algumas plantas que “camufladamente” também povoam os
Açores e que se denunciam em noites de temporal, em que o rigor do
vento espalha os seus “perfumes”.
Mas as Noites e os Cheiros de África são como que um estigma que
persegue aqueles que tiveram o privilégio de sentir o pulsar dos corações das suas Gentes!... e, porque
não, de ouvir a sua música … Rumos Cruzados 19
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QUINTA-FEIRA, 24 DE MAIO DE 2012
AIPA
(im)próprio de Maio
No 1.º de Maio da infância, púaproximava-se angustiadanhamo-nos a pé muito cedo.
mente do fim na Guiné-BisSe o sol nos apanhasse na
sau. As buganvílias floresciam
cama, entrava-nos no corpo e
sob uma intensa camada de
deixava-nos molengões, prepoeira alaranjada. E não havia
guiçosos, para o resto do ano.
cravos. À noite, o PAIGC lanEsse já não era o Maio de façou um ataque maciço de artiURBANO
BETTENCOURT
vas e giestas que deu a Vitorino
lharia contra Bissorã, cobranPROFESSOR
Nemésio o tom para a crónica
do-nos com juros altos o facto
UNIVERSITÁRIO
do Jornal do Observador
de ter sido através da sua rádio
(18.5.1972) em que as moças
oficial que, durante o dia 25 de
da Praia e a sua lembrança
Abril, fôramos sabendo notíconvivem, tu cá, tu lá, com a alta poesia
cias da revolução em Lisboa. O nosso 25
de Afonso X, o Sábio. E também não
de Abril só chegaria, aliás, a 13 de Juera ainda o “Maio social” que em 1976
nho. Neste dia, uma unidade de combalhe foi pretexto para o belíssimo poema
te do PAIGC apresentou-se na pista de
“Maio de Minha Mãe”, recolhido em Saaviação, sob um rigoroso aparato milipateia Açoriana e que um crítico listar que daria lugar ao convívio com a
boeta referiu como um dos grandes
população e com a tropa portuguesa e a
poemas portugueses da década de 70:
africana que combatia do lado portumestria poética e ironia sagaz subverguês. Era o reencontro de um povo contem planos temporais diferentes e os
sigo mesmo. E descobríamos, enfim,
signos de algum discurso político domique o inimigo, esse outro de cada um de
nós, tinha um rosto e um corpo tangínante e submetem tudo isso ao império
vel, era possível fitarmo-nos diretaavassalador da evocação lírica de uma
mente, sem o filtro do ódio e da raiva,
adolescência terceirense aí por 1918.
sem a mira interposta das Kalashes e
Em meados do século passado, o 1.º
das G3. Motivos de sobra para um curto
de Maio da infância não era nada disso.
poema que chegou a conhecer publicaFicava-se por um modesto Maio laboção.
rioso (nada operário, muito menos proNo 1.º de Maio de 2007, muitos anos
letário, que a tanto não chegava a sedepois da inocência, dou por mim ainda
mântica familiar), consciente apenas, e
a organizar as fotos desse tempo, tenjá não era pouco, do esforço associado
tando pôr um pouco de ordem nalguao labor de cada dia.
mas sombras interiores e afetos. EnNo 1.º de Maio de 1974, a época seca
quanto isso, vou ouvindo Adriano
Correia de Oliveira. O cantor é hoje vítima da amnésia militante desta democracia de plástico & esferovite, presumida e politicamente muito correta, em
que alguns abutres ( jagudis, em crioulo
guineense) nos espreitam de novo lá de
cima. Ouço a voz magoada de Adriano,
neste 25.º ano após a sua morte, percorrendo a música tradicional açoriana,
os poemas de Manuel da Fonseca e de
Rosalía de Castro. Mas detenho-me na
“Canção com Lágrimas”, de Manuel
Alegre: Eu canto para ti um mês de
giestas / Um mês de morte e crescimento
ó meu amigo / Como um cristal partindo-se plangente / No fundo da memória
perturbada.
Nesse dia 13, que não sei se terá sido
sexta-feira, Cabá Santiago (comandante de uma companhia de milícias pró
portuguesas) deixou-se fotografar ao
lado do seu homólogo do PAIGC e de
alguns combatentes. Deveria haver nesta foto mais alguns sorrisos, para lá de
um ou outro esboço que parece morto à
nascença e em contraste com as fotos
em que militares, combatentes e população se misturam em convivência? Talvez, mas este é o ponto de vista (o meu)
de quem, naquele momento, via a história a partir de um terceiro ângulo,
apesar de tudo já em distanciação. Afinal, esta pose que não disfarça algum
constrangimento era já um prenúncio
Agostos
Num Agosto assim talvez chovesse outrora
muito longe daqui. As nuvens vinham de leste
e abriam o seu ventre subalimentado sobre
as nossas cabeças: metralha e fogo e luz
e um homem deixou no adobe da parede
o seu retrato de cinza.
E no entanto havia corpos
prontos a dar-se entre o desejo mudo
e o inferno. Caíam as aves, não co’ a calma,
como dizia o outro, mas co’ as cargas
de napalm, que são o reverso
do verso lírico (e do épico também).
Vinham as chuvas e partiam
e não lavavam lodos nem apagavam
o fogo que ardia sem se ver
(e disto sabia ele, o poeta),
sobre uma esteira podia morrer-se de loucura
num corpo a corpo de vencidos,
desafiando a sombra da outra morte, a que vem
por trás e por diante, da direita e da esquerda,
e deixa os seus dentes de chumbo na carne destroçada.
Lembro-me destas coisas e de outras mais
ao cruzar-me com os pares que se devoram
em jardins de cimento, indiferentes
a quantos estudam o terreno em variadas línguas
sobre mapas que trocam os sinais da mata
e dos rios por números de autocarro, paragens
do metro, um ou outro museu, lugares a ver de fora e
[de longe,
mas nada nos dizem sobre o modo de evitar as
[emboscadas
de guerrilha urbana.
Não há chuvas neste Agosto. A calma
vibra nos telhados, as guerras trazem outros nomes,
outros donos. E talvez seja assim que tudo tem de ser.
E talvez seja este o melhor dos mundos. URBANO BETTENCOURT
do que estava para acontecer. O Cabá
seria assassinado após a independência, um dos muitos e muitos guineenses
que tiveram o mesmo destino, entre
eles o cozinheiro a quem devo uma parte da minha sobrevivência física. Tivesses-me envenenado, ó Zé Manjaco, e serias hoje herói nacional!
Lamentavelmente, não conseguirei
desescrever esse poema de 13 de Junho,
vindo do futuro em busca de um presente ainda por haver. 20 Rumos Cruzados
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AIPA
A nossa África
Nas últimas 4 décadas a maiotral tem condicionado em muiria das pessoas, à escala planeto a concretização de resultados
tária, testemunhou grandes memais satisfatórios.
lhorias nas suas vidas. Essa
Na área ambiental a luta é
melhoria não inviabiliza que reigualmente gigantesca para o
flitamos sobre os muitos e comcontinente africano, tanto na
plexos obstáculos que ainda
perspetiva de criação de lógicas
PAULO
MENDES
existem no sentido de sustentar
de ação nos diferentes países
PRESIDENTE
esta tendência de melhoramendo continente como nas conseDA AIPA
to. A resposta a este desafio,
quências que uma distribuição
apesar de que deverá estar ser
desigual da poluição ambiental
sustentada em várias ações e
poderá assumir no processo de
decisões políticas alicerça-se numa didesenvolvimento. Por exemplo, as emismensão essencial que é dar oportunidade
sões da Ásia Oriental e Pacifico são 10
de escolha. Neste contexto, o continente
vezes superiores às da África Subsariaafricano continua ainda muito longe de
na. Aliás, esta contribuiu com apenas
garantir esta liberdade de escolha dos
3% das emissões mundiais de dióxido
seus cidadãos, até porque o ponto de parde carbono.
tida em muitos destes aspetos é manifesO relatório chama a atenção para a estamente baixo.
cassez de água, com particulares reflexos
No índice de desigualdade de género,
junto dos países mais pobres, nomeadao relatório de 2011 coloca a África
mente, no processo de criação de oportuSubsariana como a região do planeta
nidades de desenvolvimento. A título
onde as mulheres ficam ainda muito
exemplificativo, prevê-se que a procura
atrás dos homens nos processos de tode água e a produção de alimentos duplimada de decisão. O mesmo relatório
que até 2050. Por outro lado, os padrões
chama a atenção para o facto de que são
regionais mostram-nos que as privações
nos países mais desenvolvidos onde
ambientais são mais profundas na África
prevalece um maior equilíbrio entre os
Subsariana, em que 99% dos pobres engéneros, nomeadamente, nos processos
frentam, pelo menos, uma privação amde decisão.
biental (ex: acesso a combustível para coNa área da saúde tem havido, clarazinhar e o acesso à agua). Vale a pena
mente, um ganho mesmo que modesto
ainda salientar que nos países com um
no continente africano. Porém, a prevabaixo Índice de Desenvolvimento Humalência de HIV, sobretudo, na África Ausno (IDH), 65% das pessoas têm proble-
mas no acesso à agua e 38% não têm saneamento.
Na área educacional, o Relatório de
2010 realça o enorme progresso que foi
feito na expansão do ensino primário.
Mesmo assim nos países mais pobres, 3
em cada 10 crianças em idade de escolaridade não estão matriculadas. Um dado
curioso.
No plano político o caminho tem sido
para um grupo de países africanos absolutamente difícil. A instabilidade política, a fragilidade das instituições, a
fraca qualidade da classe política concorrem para o funcionamento e vivência deficiente da democracia. Os exemplos mais recentes chegam do Mali e da
Guiné-Bissau.
Termino com uma boa. Na esfera da
desigualdade de rendimentos a África
Subsariana está em contraciclo com a generalidade de outras regiões do mundo.
Não podemos resfriar as expectativas e
a vontade de construir um mundo melhor, até porque existem alternativas à
desigualdade e à insustentabilidade. Para
promover a sustentabilidade e o desenvolvimento humano é necessário investir
nos aspetos que melhoram a equidade.
Alguns exemplos: no acesso a energias
renováveis, água e saneamento e nos cuidados de saúde reprodutiva.
Um outro eixo de ação que nos pode
ajudar a promover o desenvolvimento, é
a própria consolidação dos processos de-
mocráticos no continente africano que,
para além de privilegiar a credibilidade e
funcionamento das instituições, deverá
assentar em estratégias de gestão comunitária e de inclusão de grupos com menor poder de intervenção. A questão do
financiamento para o desenvolvimento é
também uma dimensão crucial. Não estou a falar de caridade para com os países
mais pobres mas sim de estratégias concertadas de apoio e que possam promover a mudança. Uma parte significativa
dos países mais ricos (países europeus e
os Estados Unidos da América) está a
atravessar uma situação económica débil
que exige uma forte concentração nos
problemas domésticos, relegando para
planos secundários uma atenção ao financiamento para o desenvolvimento e
na concretização dos objetivos do milénio. Ainda subsistem muitos problemas
mas não cansamos de repetir que a África
irá encontrar o seu espaço no panorama
mundial. Que a celebração do Dia de
África funcione com uma campainha de
alerta. tucional e recusar os princípios democráticos universais, e, a outro tempo, coartar
direitos e liberdades aos cidadãos e reduzir as sociedades civis organizadas.
Outro fator perverso é um certo modelo de ajuda pública ao desenvolvimento,
uma caridade internacional que, tendo
pouco de cristã e muito menos de solidária, serve às estratégias instrumentais
dos doadores.
A ajuda pública internacional, mal planeada, descoordenada e devotadamente
assistencialista, não tem contribuído
para o reforço das estruturas políticas
africanas, nem tem criado autonomias
socioeconómicas locais, na medida em
que ampliam os vínculos de dependência
entre os doadores e os doados, bem como
entre governantes e governados.
Exemplos existem de reconversão da
ajuda pública internacional, perspetivando-a como para o desenvolvimento e não
para a sobrevivência no círculo pernicioso da mais desumana miséria. Foi o caso
de Cabo Verde, uma honrosa exceção no
continente, País que à altura da Independência Nacional, em 1975, constava do
clube dos Menos Avançados e, hoje, mercê de uma visão crítica e descomplexada
do desenvolvimento, percorre, de forma
cada vez menos vulnerável, a estrada dos
Países do Rendimento Médio, tendo nessa trajetória atingido um dos três melho-
res Índices de Desenvolvimento Humano do Continente.
Quero crer que o segredo do “relativo
sucesso” de Cabo Verde tenha a ver, não
apenas com a promoção e a dinamização
de uma compreensiva agenda de transformação, ocorridas na última década,
mas também a fatores mais recuados, radicados nos primeiros quinze anos da Soberania, de encarar a assistência internacional como um instrumento de
promoção do desenvolvimento.
A África que se saúda, neste dia 25 de
Maio, é aquela do Bem-estar social, da
Paz, dos Direitos do Homem, da Solidariedade e da consolidação da Democracia. A outra deve ser posta em crítica e em
crise, numa resistência múltipla, intensiva e sistemática, ciente de que aos Africanos compete cumprir o “árduo caminho
da liberdade”, vaticinado por Nelson
Mandela. Texto elaborado com base
do relatório do Índice
de Desenvolvimento Humano, 2011.
África: Sem Trigretude
Talvez o leitor considere uma
para turvar esse charco de poheresia, mas sou um africano
breza, miséria, doença, genocíque não olha para a África com
dio, golpe de estado, traficante
exotismo e vitimização, nem
de droga, de armas e de seres
acredita que o peso histórico do
humanos, diamantes de sangue,
colonialismo, da escravatura e
petróleo maldito e cleptocratas
do imperialismo global, seja decom propriedades na Europa e
FILINTO
ELÍSIO
terminante para o reduzido esdivisas nos paraísos fiscais.
É POETA
tágio do desenvolvimento gloTais fatores, que não são neE NASCEU EM
bal do Continente Africano.
gligenciáveis, nem merecedores
CABO VERDE
A situação emergencial em
de sublimação, por raiarem a
África, algo que sem eufemisatentados seculares e sistemátimos chamaríamos de fome, atingindo
cos dos Direitos Humanos, não merecem
quase toda a África, é uma realidade.
ser erigidos aqui como os bloqueios dorQuem não viu o cenário televisivo de
sais dos problemas africanos, diante de
crianças esquálidas, com cabeças granuma elite africana globalmente voraz,
des e barrigas inchadas, na antecâmara
egoísta, violenta e corrupta, presentes e
da morte? Quem viu e não sentiu senão
prementes em muitos dos nossos países,
piedade e revolta, atire a primeira pedra?
em nada devendo aos tempos coloniais
A primeira pedra, no mínimo, já que a side tristíssima memória.
tuação demanda uma consequente resisOs fatores perversos do desenvolvitência e quiçá um novo surto de mudanmento africano têm a ver com essa elite
ças, mais profundas e radicais,
que, mascarada em partidos políticos,
suscetíveis de acertar a África no comcompra e vende eleições, pondo os Países
passo do desenvolvimento.
a saque diante do mercado globaliário, e
Nada de complacência, nem lamentos.
que, metamorfoseada em militares, dão
Muito menos exotismos políticos, de esgolpes de Estado e dirigem os destinos do
querda e de direita, entrados em ideoloPaís a partir dos quartéis.
gias eurocêntricas e desfasados das realiEm verdade, os fatores perversos que
dades africanas. Só me compraz citar
contribuem para a problemática situação
Wole Soyinka: o tigre não badala a sua
em África têm contribuído para, a um
trigretude, mas salta na presa para o detempo, fragilizar o processo histórico da
vorar. Por conseguinte, A primeira pedra
construção do Estado de Direito Consti-
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