UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO CASO CIBELE DORSA: UMA MORTE ANUNCIADA EM 140 CARACTERES DANIELA SANTIAGO DE QUEIROZ Memorial apresentado ao Curso de Comunicação Organizacional da Faculdade de Comunicação, Universidade de Brasília, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social. Brasília 2014 2 DANIELA SANTIAGO DE QUEIROZ CASO CIBELE DORSA: UMA MORTE ANUNCIADA EM 140 CARACTERES Memorial apresentado Organizacional da ao Curso Faculdade de de Comunicação Comunicação, Universidade de Brasília, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social. 3 RESUMO Neste memorial reconstruímos o processo que deu origem e culminou no artigo de conclusão de curso, que destaca um exemplo de morte na mídia, o suicídio da atriz e escritora Cibele Dorsa. Por meio de uma linha temporal que detalha a feitura deste trabalho, justificamos a sua relevância para o campo da Comunicação. Detalhamos, também, a construção do recorte utilizado, da metodologia, das estratégias de pesquisa, e discorremos sobre o interesse da aluna em assuntos específicos que circundam a temática escolhida, como a cultura da visibilidade em tempos de redes sociais, o intento de pessoas comuns de se assemelharem a celebridades no ciberespaço e a fama enquanto elemento fabricado. Por fim, discorremos sobre a influência de disciplinas do Departamento de Comunicação no produto final do Trabalho de Conclusão de Curso. Palavras-chave: Comunicação. Webjornalismo. Redes Sociais. Suicídio. Cibele Dorsa. 4 1. Apresentação Minha trajetória acadêmica na comunicação se inicia em 2010, ano em que ingressei na Universidade de Brasília, na primeira turma de Comunicação Organizacional. E friso que este foi o começo da trajetória acadêmica, pois acredito que a minha trajetória em comunicação começou muito antes, ainda na escola, com meu interesse em aprimorar habilidades como a escrita e retórica, e aprendendo de forma autodidata, e sempre guiada pela curiosidade, fotografia e edição audiovisual. No ensino médio, não vivi grandes conflitos vocacionais, pois estava certa de que estudaria Comunicação, e na Universidade de Brasília, por sua excelência e pela formação multidisciplinar proposta por Darcy Ribeiro, na qual somos incentivados a descortinar a universidade, explorando além das paredes de nosso departamento. A única questão que me atravessava era a escolha de uma habilitação, e neste momento uma amiga me contou sobre o curso de comunicação organizacional que surgiria. Ao pesquisar sobre o novo curso, me agradou a proposta de empoderar os alunos com o conhecimento de diversas áreas e ferramentas de comunicação com o intuito de gerir questões organizacionais. Ao fim de meu terceiro ano de ensino médio, com 17 anos, fui aprovada para o curso de Comunicação Organizacional, na UnB. Ser da primeira turma foi desafiador, pois não possuíamos referenciais para embasar nossas expectativas, e honroso, pois muito do que o curso é hoje, se deu por demandas e sugestões apresentadas por nós, os primeiros estudantes. Outro tópico importante desta história é o estágio. Em 2013, fui selecionada para uma vaga de repórter estagiária nos Diários Associados. Aventurar-me no jornalismo foi importante para desconstruir algumas concepções acerca da profissão de repórter, com a qual não me adaptei bem, e perceber que era hora de considerar outras possibilidades. Neste estágio pude conhecer de forma efetiva o poder do jornalista enquanto formador de opinião, o impacto do jornalismo no consciente coletivo, e a responsabilidade tanto do repórter quanto do veículo diante daquilo que é publicado. 5 Esta percepção me influenciou mais tarde na feitura do trabalho de conclusão de curso, principalmente ao analisar o conteúdo jornalístico produzido sobre o Caso Cibele Dorsa. O estágio reafirmou meu interesse por veículos de comunicação, e meu fascínio pelo alcance e influência que possuem. E a partir de então, já não possuía a gana de trabalhar na mídia, e sim de estudá-la. Já neste memorial, resgato o processo que deu origem ao artigo acadêmico “Caso Cibele Dorsa: uma morte anunciada em 140 caracteres”. O trabalho de conclusão de curso teve sua pesquisa iniciada em 2012 em uma disciplina optativa do Departamento de Comunicação. Durante a disciplina “Oficina de Produção de Artigos Científicos”, em meu terceiro semestre de curso, deparei-me pela primeira vez com o caso Cibele Dorsa. A proposta da disciplina era que cada estudante realizasse em etapas uma pesquisa acadêmica de relevância para o campo da Comunicação. Todo o processo seria amparado pela orientação das duas professoras ministrantes da oficina, da escolha do tema até o produto final, um artigo científico que deveria ser entregue ao fim daquele semestre. Uma das professoras dessa disciplina foi a Mestre em Comunicação pela Universidade de São Paulo – USP e Doutora em Sociologia pela Universidade de Brasília – UnB, Elen Geraldes – minha orientadora nesse Trabalho de Conclusão de Curso. Nas aulas-orientação para escolha de tema para o artigo, Elen sugeriu que eu lesse sobre o Caso Cibele Dorsa. Ao me inteirar do assunto por meio de notícias sobre a história do suicídio de Cibele, notei que poderia se tratar de um bom case de Comunicação. Ainda não sabia sobre o quê especificamente poderia escrever, mas tinha a certeza que havia muito a ser dito. Deste modo, interessei-me por este caso e o escolhi como tema. Comecei a pesquisa realizando um clipping das notícias relacionadas ao caso, desde o ano do ocorrido, 2011, até o ano corrente, 2012. Por praticidade, optei por clippar as notícias digitais, tendo em vista que seria uma tarefa bastante árdua buscar todas as publicações impressas, entre revistas e jornais, que saíram no período. Além disso, buscar os impressos poderia limitar a pesquisa, devido à dificuldade de acesso a todo o material publicado na forma impressa. Assim, contando com o 6 dinamismo da internet, efetuei o clipping de matérias no âmbito nacional – afinal, meu interesse era em obter um panorama amplo do tema. O clipping incluiu as versões digitais de revistas e jornais. Alguns destes veículos contaram com matérias produzidas exclusivamente para o online, isto é, matérias de webjornalismo. Outros disponibilizaram em suas páginas textos produzidos para seus veículos impressos, prática conhecida como Jornalismo Digital. Dessa forma, colhi matérias dos jornais e portais de notícias “Folha de São Paulo”, “Jornal Grande Bahia”, “Extra Online”, “Portal Última hora”, “Estadão”, “G1”, “Portal Mídia News”, “Portal Vírgula”, “Correio do Povo”, “Yahoo Notícias”, “Jornal Ipanema”, “Portal do Grande ABC”, “Portal ClickPB”, “Diário Catarinense”, “Época Online”, “Jornal Cidade”, “Jornal O Dia”, e das revistas “Caras”, “Veja”, “Época”, “Istoé” e “Quem”. Com o objetivo de delinear o tema de forma que se tornasse mais pertinente para a área de Comunicação, decidi que, ao invés de analisar o caso em si, faria um estudo da cobertura midiática que este recebeu. Ampliei meu material de pesquisa e fiz um clipping, também via web, do que fora noticiado sobre Cibele Dorsa na televisão. Colhi vídeos dos programas “Manhã Maior”, “A Tarde é Sua” e “TV Fama” (RedeTV), e também do “Fala Brasil”, “Jornal da Record” e “Domingo Espetacular” (Rede Record), além de um especial de TV no formato documentário denominado “Cibele Dorsa em E! Histórias Reais”, do canal por assinatura “E! Entertainment”. Depois de pronto o clipping, iniciei uma pesquisa bibliográfica acerca de coberturas de mortes de personalidades. Planejava ter como base teórica autores e publicações acadêmicas que tratassem das temáticas-chave: morte midiática, suicídio, sensacionalismo, valor notícia e narrativas biográficas. Um dos autores que encontrei foi o antropólogo Gilberto Velho, que na obra “Memória, identidade e projeto” trata da construção da memória realizada de maneira estratégica, para atingir determinados públicos ou fins – como no caso da televisão, por exemplo, onde se tem o objetivo de causar comoção para atrair a atenção do telespectador por mais tempo e garantir pontos de Ibope (VELHO, 1988). O autor utiliza, neste caso, o conceito 7 de projeto. Assim, a memória não é construída de forma ocasional ou despretensiosa. De acordo com o autor, Se a memória permite uma visão retrospectiva mais ou menos organizada de uma trajetória e biografia, o projeto é a antecipação no futuro dessa trajetória e biografia, na medida em que busca, através do estabelecimento de objetivos e fins, a organização dos meios através dos quais esses poderão ser atingidos. (VELHO, Gilberto, 1988, p. 119) No universo midiático, a memória em torno das chamadas “pessoas públicas” costuma ser construída de uma determinada forma, criando uma imagem que atenda aos interesses editoriais de cada veículo, a fim de tornar a história destas mortes mais atrativas e vendáveis. Assim, fazem com que a memória destas personalidades renda não só matérias noticiosas, mas também narrativas biográficas e que se desdobrem em outros produtos, inclusive de entretenimento – como, por exemplo, um especial de TV. Neste campo do mercado das narrativas biográficas, utilizei-me da obra “Equilíbrio distante: fascínio pelo biográfico, descuido da crítica”, de Anamaria Filizola e Elizabeth Rondelli, para iniciar a discussão sobre até que ponto essas narrativas seriam construídas no plano da realidade, no conceito de Memória, e até que ponto seriam ficcionais, os chamados “projetos”, histórias criadas para vender, de acordo com Gilberto Velho (1988). O mercado editorial, por exemplo, tem se aproveitado de uma certa avidez do público pela leitura de biografias e autobiografias e lançado muitas obras no gênero – que, na maioria das vezes, permanecem nas listas de livros mais vendidos. Do mesmo modo, a televisão tem se exercitado na produção de documentários e entrevistas que vão ao encontro de tal curiosidade. Também o cinema tem oferecido filmes sobre algum personagem real, cuja trajetória de vida se presta à ficcionalização na tela. Para se confeccionar tais produtos, buscam-se ou criam-se heróis e outros que passam a ser ofertados como referências exemplares na construção de outras vidas que, no momento em que transcorrem, parecem não ser nem tão heroicas e nem tão dignas de servirem como exemplaridade. (Filizola & Rondelli, 1997, p. 209) No que tange à narrativa biográfica, a percepção de Luis Cáceres sobre o tema se fez necessária para o artigo. O autor trata da ideia de se trabalhar histórias de vida enquanto um gênero jornalístico, porém não desconsidera o leque de possibilidades inerentes a isso, e sua conseguinte subjetividade, tendo em vista o imaginário envolvido (CÁCERES, 1997). A história de vida de uma pessoa é uma viagem com bilhete aberto. Os pontos de chegada são muitos – alguns muito próximos, outros tão distantes que pareceriam impossíveis de se alcançar. Cada um ajusta as dimensões da viagem: para aqueles acompanhados as opções são maiores; em grupo, as possibilidades crescem ainda mais. A história de vida tem um potencial de liberação das energias internas, essas que não se expõem jamais. Qualquer pessoa que entre em contato com a força da interioridade saberá apreciar o que tem nas mãos. (CÁCERES, 1997: 66) 8 Além da questão da subjetividade, também utilizei “Mortes em derrapagem: Os casos Corona e Cazuza no discurso da Comunicação de Massa”, de Antônio Fausto Neto (1995), como pilar para o tópico das narrativas biográficas no âmbito mercadológico. A partir da morte – antecedentes e consequentes – de um star, são mobilizadas operações discursivas, no sentido de descrever as estratégias de construção do acontecimento, bem como são destacadas técnicas que tratam de operacionalizar, em termos metodológicos, o funcionamento e os esclarecimentos advindos de uma pesquisa voltada para tal natureza. (FAUSTO NETO, 1995, p.16). Entendendo tais intenções mercadológicas por trás da midiatização e massificação de mortes, pude encontrar explicação para as diferenças entre este tipo de discurso e aquele das redes sociais, em especial no Twitter, onde Cibele Dorsa tornou-se uma tendência – após sua morte ser noticiada, a atriz ganhou novos mil seguidores e se converteu em um viral. Pelo conteúdo dos usuários do Twitter e pelo fato dos tweets serem produzidos por pessoas comuns, sem as ambições comerciais dos grandes veículos de comunicação, o discurso era totalmente diferente. Fugia do politicamente correto, pontuava a baixa visibilidade da atriz, colocando-a como uma subcelebridade faminta por atenção e fama, e questionava, até mesmo, a importância de se falar nela. A tendência nesta rede social durante os meses que seguiram a morte de Cibele Dorsa era fazer piadas sobre a atriz e sobre a extensa cobertura que sua morte recebeu nos veículos tradicionais, como jornais e televisão, sempre destacando que em vida a atriz não possuíra nenhuma visibilidade deste porte. Assim, a partir do material levantado na pesquisa bibliográfica e nas matérias dos portais, escrevi o artigo ao fim daquele semestre. Como o material advindo da pesquisa era bastante numeroso, resultando em uma grande quantidade de dados, tratei de muitos tópicos diferentes, pois acreditava que havia muito a ser dito sobre este caso. Porém, logo percebi que o artigo tinha informação demais e que seu recorte não estava muito definido. Mesmo assim, guardei todo o material colhido na pesquisa e continuei pesquisando ocasionalmente, mas desta vez me ative principalmente ao Twitter, realizando um clipping de todos os tweets sobre o tema durante o período de 2011 a 2013, ano em que iniciei a disciplina Pré-TCC. 9 O Pré-TCC foi a oportunidade de redefinir o recorte. Segui com a metodologia de análise do conteúdo e decidi criar um comparativo entre a cobertura dos veículos tradicionais de comunicação e a cobertura do Twitter, produzida pelos usuários da rede social. Delimitei, ainda, o conteúdo para apenas matérias jornalísticas, excluindo conteúdo de entretenimento, como, por exemplo, programas de TV. O conteúdo jornalístico analisado foi o de portais de notícias. Assim, o trabalho se acondicionou no âmbito da internet, por ser o espaço onde o caso Cibele Dorsa teve maior repercussão. A bibliografia passou a contar também com estudos sobre webjornalismo, conteúdos produzidos para a internet, Comunicação mediada por computador e elementos que compõem a linguagem da web. Por fim, para o TCC, resolvi expandir o tema, considerando não só o que foi dito sobre o caso, mas também os efeitos dessas falas. Assim, analisei como estes discursos da imprensa sobre suicídio, muitas vezes perpetuadores de estigmas e tabus, reverberam na sociedade. 10 2. JUSTIFICATIVA (A IMPORTANCIA DO TEMA) Era para ser só mais uma notícia de internet, dentre tantas que leio diariamente. Mas desde que soube da morte de Cibele Dorsa, fiquei intrigada. E era de fato meio impossível não pensar no assunto, já que a notícia estava em todos os grandes portais, em revistas e até na TV. Além de toda a polêmica e controvérsia que ladeou este caso, acredito que a cobertura midiática fez dele algo ainda mais singular, pois Cibele ganhou em morte uma visibilidade que nunca teve em vida. Durante todo aquele ano, a imprensa – em especial, a do âmbito online –, falou do caso à exaustão. Mesmo quando o fato já se tornara uma pauta fria, os portais de notícia seguiam noticiando. Enquanto isso acontecia nas mídias tradicionais, no Twitter a atriz era alvo de piadas, torando-se até mesmo um viral. Ao mesmo tempo em que a mídia seguia um padrão de discurso comum à circunstância de suicídio, tratando o tema superficialmente e com extremo pudor, os usuários do Twitter, que, assim como todo o Brasil, souberam do ocorrido por meio das mídias tradicionais, não responderam de forma previsível ao discurso que estas tentavam vender. Fizeram sua própria interpretação dos fatos, criando uma imagem totalmente diferente daquela criada pelos jornalistas e profissionais da mídia e entretenimento. Embora a história da moça que planejou a divulgação de sua própria morte, tornando-a um evento midiático, já tenha sido suficientemente surpreendente, foi o contraste entre as duas vertentes de discurso sobre a notícia o que mais me chamou a atenção. O ímpeto de problematizar as motivações por trás do que era dito via imprensa online e via Twitter me motivou a pesquisar este caso mais a fundo. Para a minha surpresa, não encontrei nenhuma análise sobre o caso, tampouco sobre o que era dito acerca dele. Embora Cibele, enquanto personalidade, não tivesse por si só valor notícia, acredito que a história de seu suicídio possua essa característica. Não pela peculiaridade e extravagância dos atos da atriz, mas sim pela complexidade de suas intenções, e pelas pretensões midiáticas mesmo diante de uma decisão tão extrema como o suicídio. 11 O caso Cibele Dorsa é uma denúncia dos tempos em que vivemos, onde a sociedade valoriza e dissemina a cultura de celebridade, e essa lógica de visibilidade faz com que as pessoas ditas comuns ou anônimas utilizem-se de exposição voluntária para sentirem-se como celebridades. As redes sociais potencializam o exibicionismo e vouyerismo e nos fazem pensar que se não somos vistos, não existimos. Muito me intriga que não existam publicações ou trabalhos acadêmicos sobre o caso, e esta foi mais uma motivação para a realização desta pesquisa e Trabalho de Conclusão de Curso. Deste modo, decidi escrever um artigo com o objetivo de enviá-lo para publicação após a banca de conclusão de curso, quando o trabalho será finalizado com todas as considerações dos examinadores. Dentre as revistas às quais pretendo enviar o artigo para publicação estão a “Anagrama” e “Intercom”, publicações específicas de Comunicação. Por se tratar de um trabalho que envolve diversas temáticas da atualidade, como redes sociais, cibercultura e cultura da celebridade, me interessava que a publicação fosse bastante concisa e menos extensa que alguns outros gêneros acadêmicos, como a monografia, para torná-lo dinâmico e incentivar um número maior de leitores, por isso escolhi o formato de artigo acadêmico — publicação que, de acordo com o Manual da ABNT (2014), tem por finalidade apresentar publicamente os resultados originais de uma dada pesquisa primando pela objetividade. 12 3. LEITURAS E ELABORAÇÃO (O FAZER DO ARTIGO) A metodologia do artigo foi a revisão bibliográfica e pesquisa de matérias e reportagens relacionadas ao tema na internet. Assim, coletamos as matérias de portais de notícias durante o período de março de 2011 a dezembro de 2011. O período escolhido englobou o mês da morte da atriz até o fim daquele ano, a fim de destacar a longevidade da temática. Analisamos o conteúdo das matérias observando as seguintes categorias: perfil de Cibele – como foi retratada –, causas do suicídio identificadas pelos meios de comunicação e descrição de como a morte ocorreu. Também foram coletados tweets do mês da morte da atriz, março, até dezembro daquele ano, mesmo período das matérias jornalísticas, a fim de expor mais uma vez a longevidade desta pauta, bastante extensa para um viral. Dentre as leituras, três delas exerceram notória influência no artigo. A primeira foi “A troca simbólica e a morte”, de Jean Baudrillard (1996). Para o trabalho, a importância de Baudrillard (1996) se deu na análise das coberturas de mortes, tanto de celebridades quanto de pessoas anônimas, noticiadas num gênero específico de jornalismo que destaca tais acontecimentos pelo seu teor de violência. Ao mesmo tempo em que os indivíduos possuem amarras ao tratar da morte e do incômodo que o tema gera, Baudrillard traz uma explicação para o êxito de jornais e tablóides especializados em crimes, que detalham mortes ou crimes bárbaros terminados em morte (1996). De acordo com o autor, tais publicações vendem porque existe um prazer secreto em se saborear a destruição do outro (BAUDRILLARD, 1996). A teoria clareja o esforço da mídia em transformar a morte em espetáculo, inclusive nas coberturas de mortes de pessoas públicas, acrescentando-lhe toda a pompa – a morte vende revistas, jornais, marca pontos no Ibope, desdobra-se em vários produtos de cunho biográfico. A morte vende livros, a morte vende reputações, a morte cria ídolos, mártires e heróis póstumos (Ibidem). Mas houve uma outra obra emblemática e que tem me encorajado a futuramente seguir pesquisando a lógica da visibilidade e a cultura da celebridade. “Celebridade para todos: um antídoto contra a solidão”, de Paula Sibilia (2010), categoriza a sociedade atual dentro de um 13 viés narcisista. Por mais que nos identifiquemos com esse viés, é difícil assumi-lo (SIBILIA, 2010). Sibilia (2010) destaca a queda da privacidade e esta nova configuração de indivíduos audiovisuais, que valorizam a superexposição como uma forma de sentirem que realmente existem, e, acima de tudo, tecem seus dias através do olhar do outro. Dessa forma, medem seu valor por meio de comentários, curtidas, retweets, e outros mecanismos de aprovação nas redes sociais, em uma visível fuga da solidão (SIBILIA, 2010). Em tempos de redes sociais, dispositivos móveis e conectividade obrigatória, nos vemos cada vez mais dependentes da aprovação do outro. Nestas novas mídias, temos nossas vidas tão expostas que tentamos o tempo todo fazer com que pareçam mais atrativas do que as vidas dos outros. Por meio de nossas belas fotos de viagens, nossos relatos emocionados de acontecimentos de êxito, como uma mudança de emprego ou um novo relacionamento amoroso, acirramos diariamente a competição que determina quem tem a vida mais feliz. Mas esta é uma discussão para o próximo artigo. E por falar em futuro, pretendo seguir na comunicação, com foco no mercado de comunicação organizacional, mais especificamente em planejamento e consultoria de comunicação. Dentre os planos também estão o mestrado na Universidade de Brasília, onde pretendo aprofundar-me no estudo da mídia, e em questões abordadas no TCC, como a cultura da Celebridade e a lógica da visibilidade em tempos de redes sociais. Ao vislumbrar meu futuro, enxergo na profissão escolhida o caráter de desafio, devido a formação em um curso tão novo, e sei que tanto eu quanto meus colegas de comunicação organizacional teremos que desbravar espaços. No entanto por mais intimidador e desgastante que o desbravamento possa ser, algo que aprendi ao ser da primeira turma de um curso superior, e também ao escrever um trabalho de conclusão de curso cuja temática jamais fora explorada na academia, é a realização pessoal que o pioneirismo propicia. 14 Outro autor que deve ser resgatado nesta memória é Émile Durkheim. Em “O suicídio: estudo de sociologia” (1977), o sociólogo francês apresenta uma ruptura ao pensamento arcaico que acreditava que falar sobre suicídio encoraja potenciais suicidas e gera uma espécie de efeito dominó, propiciando, como se acreditou por muito tempo, suicídios em série. Com isso, se reforça a necessidade de combater-se o tabu e todas as convenções sociais que nos silenciam, e encarar o diálogo como medida preventiva. Sendo assim, a mídia, em vez de tratar de forma superficial e retratar o suicídio como ato meramente individual, poderia tratá-lo como a questão de saúde coletiva que é, trazendo, inclusive, alertas e informações de utilidade pública. E por falar em suicídio, tratar desta temática foi o mais árduo de toda esta experiência. Diante da complexidade do assunto e de todos os questionamentos que o circundam, fazer com que as ideias não duelassem com o gênero artigo, cuja principal característica é ser um texto enxuto, foi um grande exercício. O suicídio é teorizado por várias áreas acadêmicas, e a todo momento surgiam novos autores que poderiam dialogar com os já existentes no trabalho, complementando o que já fora dito ou apresentando visões distintas, contudo, não podíamos permitir que o texto se ramificasse em muitos tópicos e tivemos que nos ater a manter o artigo objetivo e tão sucinto quanto este gênero deve ser. Houve a preocupação de tratar o caso de suicídio retratado no trabalho com sensibilidade, mas sem dar margem à questionamentos morais ou juízos de valor, com isso, a escolha de cada palavra ou termo fora pensada e repensada. Além disso, trabalhar a temática do suicídio pode ser bastante incomodo, tendo em vista a carga emocional do assunto. Ler e debater o suicídio enquanto mazela individual, social e de saúde pública foi bastante estressante, em especial quando tratávamos de um caso específico, o de Cibele Dorsa. Por se tratar da história de alguém real, que de fato existiu, e que acima de tudo teve vida e morte tão conturbadas, o caso Cibele Dorsa foi bastante exaustivo de debater em nossas reuniões. Este é um caso que nos faz pensar não só na atriz Cibele, mas em todo o contexto em que sua história se deu, nesta sociedade em que vivemos, em que popularidade se tornou 15 profissão, e nas redes sociais, que evidenciam nossas carências afetivas mais profundas, enquanto nos digladiamos por atenção. Ter em mente que se está fazendo seu último projeto na universidade, e que nele contém a expectativa de sua aprovação já é esgotante, mas sustentar a temática em questão foi uma das dificuldades mais desconcertantes. Ao final do semestre, ambas estávamos bastante cansadas e abatidas, e enquanto aluna em seu primeiro trabalho de conclusão de curso, tive a certeza de ter enfrentado o momento mais difícil, enfastiante e até fisicamente doloroso da graduação, e quem sabe de minha vida até então. REFERÊNCIAS BAUDRILLARD, Jean. A troca simbólica e a morte. São Paulo: Loyola, 1996. CÁCERES, Luis Jesus Galindo. Sabor a ti – Metodologia cualitativa en invetigación social. Xalapa, México: Universidad Veracruzana, 1997. DUARTE, Vânia. Artigo Científico. Disponível em: http://monografias.brasilescola.com/regras-abnt/artigo-cientifico.htm. Acessado em 02/11/14, às 15:45. DURKHEIM, Émile. O suicídio: estudo de sociologia. São Paulo: M. Fontes, 1977. FAUSTO NETO, Antônio. Mortes em derrapagem: Os Casos Corona e Cazuza no discurso da Comunicação de Massa. Rio de Janeiro: Rio Fundo, 1995. FILIZOLA, Anamaria & RONDELLI, Elizabeth. Equilíbrio distante: fascínio pelo biográfico, descuido da crítica. In: Lugar-Comum, Estudos de Mídia, Cultura e Democracia. (2-3): 209-226, julho-novembro, 1997. SIBILIA, Paula. Celebridade para todos: Um antídoto contra a solidão. São Paulo: Ciência e Cultura, vol.62 nº 2, 2010. VELHO, Gilberto. Memória, identidade e projeto. In: Projeto e metamorfose. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1994.