GÊNESIS 1-2
LINGUAGEM E CIÊNCIA
Prof. João Leonel.
GÊNESIS 1-2
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Introdução
Comecemos com uma pergunta fundamental: este texto
pretende descrever cientificamente a criação do universo?
Se desejamos vê-lo dessa forma, temos algums problemas:
 Como explicar que exista luz (1.3), dia e noite (1.5), antes da
criação do sol (1.14-18)?;
 Como explicar que o cp. 1 afirme que no terceiro dia tenham sido
criados “relva, sementes e árvores” (1.11-13) e apenas no sexto dia
o ser humano (1.26,31), enquanto que no cp. 2 a ordem é
invertida, sendo o ser humano criado em primeiro lugar (v. 7),
quando “não havia ainda nenhuma planta do campo na terra” (v.
5)?
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 Ou, de modo mais básico, como explicar dois textos sobre a criação
com descrições diferentes (em 1.26 homem e mulher são criados ao
mesmo tempo, enquanto que no cp. 2 o homem é criado em
primeiro lugar – 2.7 e somente depois a mulher – 2.18-22)?
Devemos reconhecer que o texto não possui caráter “científico”.
Esse não é seu objetivo, como não é o objetivo da Bíblia.
A Confissão de Fé de Westminster (1643-1649) testemunha esse
fato no capítulo que trata das Escrituras:
 “Todo o conselho de Deus concernente a todas as coisas necessárias
para a glória dele e para a salvação, fé e vida do homem, ou é
expressamente declarado na Escritura ou pode ser lógica e claramente
deduzido dela” (Cp. I, pr. VI).
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 “Na Escritura não são todas as coisas igualmente claras em si, nem do
mesmo modo evidentes a todos; contudo, as coisas que precisam ser
obedecidas, cridas e observadas para a salvação, em um ou outro
passo da Escritura são tão claramente expostas e explicadas, que não
só os doutos, mas ainda os indoutos, no devido uso dos meios
ordinários, podem alcançar uma suficiente compreensão delas” (Cp. 1,
pr. VII).
Comentando Gênesis 1 (publicado em 1563), Calvino é de
igual opinião:
 Ao comentar o v. 14 ele afirma: “Devemos lembrar que Moisés não fala
sobre mistérios ocultos com a sutileza dos filósofos, mas relata aquelas
coisas que são observadas por todas as pessoas, mesmo pelos incultos,
e que fazem parte do senso comum” (CALVIN, Genesis, v. 1, p. 84).
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 Comentando o v. 15 ele diz: “É bom repetir novamente o que já disse,
que não estou desenvolvendo uma discussão filosófica sobre quão
grande é o sol e quão grande, ou quão pequena, é a lua; mas quanta
luz vem a nós a partir deles. Porque Moisés aqui se dirige aos nossos
sentidos” (p. 85).
 Defendendo Moisés de críticas de que ele não escrevia com exatidão
(como “cientista”), Calvino argumenta: “Como ele tornou-se um
teólogo, ele tinha mais respeito por nós do que pelas estrelas.
Embora ele não ignorasse o fato de que a lua não possui luz suficiente
para iluminar a terra, senão aquela emprestada do sol (cf. v. 17)” (p.
86).
Portanto, tanto pelo testemunho da C. de Fé quanto de
Calvino a Bíblia, e particularmente Gn 1-2, não se presta
para discussões científicas. Qual, então, o objetivo do
texto?
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A intenção é expressar “teologicamente” a criação do mundo e
integrá-la à vida do ser humano.
Estrutura literária do texto.
Gênesis 1 – criação vista como totalidade
1º. Dia - v. 3-5
Luz - trevas. Dia – noite. Sol – lua – estrelas.
4º. Dia - v. 14-19
2º. Dia - v. 6-8
Águas abaixo e acima do Pássaros – peixes.
firmamento (céus).
5º. Dia - v. 20-23
3º. Dia - v. 9-13
Terra seca, vegetação Animais terrestres – ser
humano
7º. Dia – Descanso divino – 2.2-3
6º. Dia - v. 24-31
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Observações:
 O capítulo não segue uma ordem cronológica, mas sim de pares
paralelos;
 No paralelismo há um caráter complementar. O segundo elemento do
paralelo completa o primeiro;
 O primeiro grupo de dias (1º. ao 3º.) apresenta estruturas de tempo (dia
e noite), espaço (céus, águas, terra) e alimentação (relva, ervas, árvores
frutíferas) fundamentais para que a vida possa existir (segundo grupo);
 Cada criação é finalizada com a expressão: “e viu Deus que isso era
bom” (v. 4, 10, 12, 18, 21, 25). Ao final, a conclusão: “eis que era muito
bom” (v. 31);
 A ênfase está no sétimo dia em que Deus descansa. Ele se torna o
modelo para a semana dos seres humanos (Ex 20. 8-12).
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Quanto a Gn 2, apenas duas observações:
 Diferentemente do cp. 1, este apresenta uma perspectiva particular,
focando a criação de homem e mulher;
 A visão é mais restrita, detendo-se no lugar onde o primeiro casal
deveria habitar e nas condições para tanto (jardim, árvores
comestíveis, água, relacionamento com os animais, e, acima de tudo,
a comunhão com Deus).
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Conclusões teológicas a partir de Gn 1:
 Somente Deus é capaz de dar forma e manter em ordem a criação,
antes caótica. Por que seria necessário afirmar esse dado no início do
livro? Talvez por que o ser humano aceitou a proposta da serpente de
buscar, por si próprio, conhecimento pleno que o tornaria senhor e
dispensaria a relação com Deus. Resultado? Desestruturação familiar
(Adão e Eva, Caim e Abel), violência (Lameque, 4.23-34), maldade
humana (6.5-6). A advertência é feita a todas as gerações que julgam
poderem ordenar o mundo sem a presença divina.
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 A criação expressa um padrão funcional e estético. Os elementos
existem para exercerem sua função e para dar um padrão de beleza à
vida. Nisso reside a conclusão divina de que “tudo era muito bom” (v.
31). Há uma relação orgânica e dinâmica na criação que deve ser
observada e considerada. O planeta é o espaço para que a vida se
desenvolva e os seus elementos devem ser respeitados enquanto tal.
Questões éticas e ecológicas decorrem dessa análise. Quando a
humanidade não respeita essa ordem, ela traz maldição sobre a
criação (3.17-18). Certamente a realidade em que vivia o escritor
estava bem distante daquela manifesta na criação.
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 Deus se manifesta como o único criador, inclusive de elementos que
eram deificados na Antigüidade, como sol e lua, bem como monstros
marinhos. Isso foi fundamental durante toda a história de Israel, uma
vez que conviveu com nações politeístas. Outro dado é que, como
criador do planeta, Deus é seu senhor, dominando sobre ele e
podendo, então, retirar Abrão de sua terra (12.1) e prometer dar-lhe
um lugar especial (13.14-15). Isso era incomum na Antigüidade, onde
os deuses exerciam seu senhorio sobre territórios específicos.
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 A responsabilidade do ser humano é destacada, visto que é o único
ser vivo criado à “imagem e semelhança” divina, entendido como
representante visível de Deus sobre a terra. Essa responsabilidade se
torna explícita com a ordem para que ele “tenha domínio” e
“submeta” (vs. 26-27) os demais seres. Isso indica não apenas o
cuidado com a criação, mas também a necessidade de desenvolvê-la.
Somos responsáveis em dominar a força da natureza e em usar seus
elementos para o bem-estar e desenvolvimento humanos. Até onde
isso é correto teológica e eticamente?
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 Essa responsabilidade humana é levada a cabo por homem e
mulher (v. 27). Ambos recebem a bênção e a incumbência divinas.
Não há, aqui, nenhum sinal de submissão ou domínio de um sobre o
outro. Obviamente a realidade dos destinatários do livro era outra.
Viviam as conseqüências de uma relação familiar perturbada pelo
pecado (3.16). As descrições de problemas familiares em Gênesis
decorrem desse desajuste trazido pelo pecado. Irônico é que esse
padrão caótico tornou-se, para muitos cristãos, o modelo de vida
exigido por Deus.
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 A semana divina se apresenta como padrão para o ser humano,
principalmente o descanso do sétimo dia, visto que Deus não
necessidade descansar. A humanidade deve continuar a missão
divina junto ao planeta. Esse descanso, antes de ser uma obrigação,
é um privilégio. Possivelmente algo que não era usufruído quando o
texto foi escrito. A vida do homem tornara-se dura e pesada (3.17),
e nesse contexto o descanso era uma necessidade. Ou, então, era
um lembrete para poderosos e gananciosos de que mesmo o TodoPoderoso descansou e que, portanto, eles deveriam manter
períodos de repouso, mesmo sob o risco de menor lucro. Tais
pessoas deveriam ter consciência de que estavam inseridas em um
padrão temporal que rege o universo.
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