Cassia Bianca Lebrão Cavalari Ferreira
A RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL E O
DIREITO
Mestrado em Direito
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
São Paulo
2006
1
Cassia Bianca Lebrão Cavalari Ferreira
A RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL E O
DIREITO
Dissertação
apresentada
à
Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de MESTRE
em Direito das Relações Sociais, sub-área
de concentração em Direito Civil, sob a
orientação
do
Professor
Doutor
Rui
Geraldo Camargo Viana.
2
Banca Examinadora
______________________________
______________________________
______________________________
3
Aos meus queridos avós, com profunda
saudade, Antonio e Lourdes, que
dentre tantas coisas, ensinaram-se o
respeito ao ser humano; à minha mãe e
irmãs, Suely, Claudia, Cecília e
Cynthia, com imensa gratidão pelo
apoio de todas as horas; e, aos meus
amados Henrique e Sofia, pela
paciência e compreensão, dedico o
presente trabalho com todo o meu
coração.
4
Rendo especiais agradecimentos ao
meu mestre e orientador, Professor Rui
Geraldo Camargo Viana, que sagrou-me
com sua vivacidade na abordagem da
relação humana aqui tratada. Não
posso deixar de render tantos outros
agradecimentos aos mestres dos quais
pude embebedar-me de saber durante
minha jornada acadêmica, assim como,
ao estimulador de tantos debates,
Doutor Paulo Nicolellis Junior.
5
RESUMO
A responsabilidade social empresarial embora fundada na
ética, mereceu nesse trabalho uma leitura sob o prisma do Direito.
Para
constitucionais
da
função
tanto,
mister
social
e
da
se
fez
o
estudo
solidariedade.
A
dos
princípios
terminologia
de
responsabilidade também foi abarcada, sugerindo-se a sua substituição por
solidariedade.
O objetivo foi encontrar identidade da responsabilidade social
empresarial no ordenamento jurídico, haja vista que a qualificação dos institutos é
fundamental para a sua compreensão.
A partir de então, fez-se a análise da possibilidade ou não da
regulamentação do conteúdo da responsabilidade social. Apontou-se os benefícios
obtidos pelo comportamento socialmente responsável e o seu abuso.
Tratou-se ainda das hipóteses de responsabilização civil por
dano ocorrido nos projetos sociais.
6
ABSTRACT
The social liability of the companies although is based in ethics, on this
paper it will be seen under a legal view.
To accomplish it the study of the constitutional principles, of the social
liability, and solidarity is necessary. The terminology of liability was also treated,
suggesting the substitution of it to solidarity.
The focus was to find the identity of the social liability of the companies
in the legal system, due to the fact that the qualification of the institutes is
fundamental to its comprehension.
From this point, the possibility of regulation of the social liability has
been analyzed.
The benefits obtained by the social liability behavior and its
abuse were also pointed.
The hypothesis of civil labialization for an injury on social projects was
also considered on this paper.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................
C a p í t u l o I – ÉTICA, CIDADANIA E JUSTIÇA SOCIAL...................
1.1. A ciência da conduta.......................................................
1.2. Normas morais e normas jurídicas....................................
1.3. O exercício da cidadania.................................................
1.4. E a justiça social?...........................................................
1.5. A responsabilidade social empresarial..........................
C a p í t u l o I I – A ORDEM ECONÔMICA NA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL.............................................................
2.1. A ordem econômica constitucional e o desenvolvimento
social..........................................................................
2.2. Deveres positivos e deveres negativos..........................
2.3. A concreção dos princípio constitucionais e as normas
programáticas..............................................................
C a p í t u l o I I I – FUNÇÃO SOCIAL................................................
3.1. Aspectos históricos da função social.............................
3.2. Harmonização entre direitos individuais e função social.
3.3. Função social e lucro...................................................
3.4. Função social e segurança jurídica...............................
3.5. A função social da empresa no Código Civil..................
C a p í t u l o I V – SOLIDARIEDADE SOCIAL...................................
4.1. Solidariedade como valor.............................................
4.2. Princípio constitucional da solidariedade.......................
4.3. A imposição da solidariedade.......................................
C a p í t u l o V – RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL......
5.1. Terminologia de responsabilidade.................................
5 . 1 . 1 . O termo “responsabilidade”.................................
5 . 1 . 2 . “Responsabilidade” civil......................................
8
5 . 1 . 3 . Um novo termo: solidariedade social....................
5.2.
Fatores
históricos
da
Responsabilidade
Social
Empresarial.................................................................
5.3. Conteúdo da Responsabilidade Social Empresarial........
5.4. Quem são os responsáveis?.........................................
5.5. O papel do empresário.................................................
5.6. Empresa socialmente responsável................................
5.7. Identificação da Responsabilidade Social Empresarial
no ordenamento jurídico...............................................
5.7.1.
Função
Social
e
Responsabilidade
Social
Empresarial......................................................
5.7.2.
Solidariedade
e
Responsabilidade
Social
Empresarial......................................................
5.8.
Regulamentação
da
Responsabilidade
Social
Empresarial.............................................................
5 . 8 . 1 . Planejamento da atividade econômica..................
5.8.2.
Normalização
da
Responsabilidade
Social
Empresarial......................................................
5 . 8 . 3 . Casuística..........................................................
5.9. Projetos sociais...........................................................
5 . 9 . 1 . Os diversos públicos...........................................
5 . 9 . 2 . Os resultados.....................................................
5.10. Os benefícios da Responsabilidade Social Empresarial
e o seu abuso............................................................
5.11. Responsabilidade civil no comportamento positivo.......
CONCLUSÃO...........................................................................
BIBLIOGRAFIA........................................................................
9
“’Lutar com palavras é a luta mais vã’, escreveu
nosso grande poeta. E é a luta mais vã não
apenas porque ‘o inútil duelo jamais se resolve’.
Também porque, para os juristas, as palavras
constituem perigosos instrumentos de trabalho,
como os bisturis os são para o cirurgião, e a pá é
o meio que tem o pedreiro para cimentar
solidamente uma parede. Para nós, as palavras
são instrumentos de precisão. Se manejados
deficientemente, estes nossos bisturis produzem
danos, pelo menos os danos da incompreensão e
da qualificação. Porque qualificar é
compreender.” JUDITH MARTINS-COSTA1
INTRODUÇÃO
O presente trabalho integra a avaliação de curso de
mestrado em Direito das Relações Sociais, subárea de Direito Civil, e tem por
escopo trazer a lume o tema responsabilidade social empresarial para a
reflexão, sob o prisma do Direito, dos seus atores – empresários e sociedade
civil.
No fito de buscar o ponto de partida e o ponto de
chegada da responsabilidade social empresarial, em especial no que ela
interessa ao Direito, buscou-se analisar a motivação da adoção de uma
gestão voltada para o bem comum, o objeto desse comportamento, a sua
natureza jurídica e as conseqüências desse agir. Assim como, os benefícios
advindos dessa postura e a utilização adequada destes.
1
A Reconstrução do Direito Privado, p. 622.
10
A presente obra não abordou a análise jurídica de regras
de mercado (de capitais) que atrai investidores pela segurança – embora elas
importem para o empresário na medida em que a responsabilidade social
empresarial
também
tem
sido
instrumento
para
atrair
um
público
determinado de investidores –, nem as formas de administração de projetos
sociais e suas atribuições ou a crescente atividade do terceiro setor.
Tampouco se objetivou adentrar as regras do direito societário, mas sim,
buscar
na
gênese
dessa
responsabilidade,
suas
conseqüências,
repercussões, limites, posicionando-a no ordenamento jurídico.
Buscou-se
explorar
a
natureza
dessas
regras
pertencentes a uma ética empresarial que embora não cogentes produzem
efeito similar, quando impostas por determinados fundos, por exemplo, como
condição de investimento.
Inconteste
que
a
adoção
de
padrões
éticos
e
comportamentais por parte das empresas, ligados a princípios diferentes
daqueles que até então norteavam a atividade empresarial voltada para o
lucro, se reflete no campo jurídico, sobretudo, em razão da sociedade
contemporânea ser extremamente informada, o que a qualifica como
exigente.
Vislumbrando-se uma ação social por uma empresa,
alguns aspectos jurídicos se evidenciam, tais como: possibilidade de obter
benefícios
institucionais
pela
divulgação
dos
projetos
e
ações
de
responsabilidade social – marketing institucional, os parâmetros dessa
divulgação; benefícios fiscais/tributários; ônus decorrentes da verificação de
eventuais danos, decorrentes, inclusive, da interrupção dos projetos sociais;
11
e, ainda, os critérios de avaliação desse comportamento em cotejo com os
direitos da empresa.
Talvez seja essa a utilidade prática desse trabalho, ainda
que pretensiosamente, propiciar uma adequada qualificação jurídica da
responsabilidade social empresarial, a fim de corrigir distorções na sua
aplicação.
Para
tanto,
estudamos
a
ordem
econômica
constitucional, o princípio da função social da empresa, a solidariedade
social, o princípio constitucional da solidariedade tudo em vista da justiça
social,
além
de
questões
fora
do
Direito
Positivo
relacionadas
ao
comportamento humano, em especial a ética. Tratou-se também do instituto
da responsabilidade civil decorrente de eventuais danos advindos desse
comportamento.
Em suma, o trabalho aqui delineado tem por objetivo
enfrentar
de
forma
crítica
e
investigativa
os
aspetos
jurídicos
da
responsabilidade social empresarial supra mencionados.
Sem a pretensão de executar um trabalho científico, a
dissertação pretendida visa ser útil a toda a comunidade, permitindo, ao
menos, a correta identificação de ações e a qualificação da responsabilidade
social empresarial.
12
“(...) a disputa existente atualmente no Brasil
traduz-se no seguinte: quem deve ficar mais rico
e quem deve ficar mais pobre? Se nossa
perspectiva for individualista e conservadora a
resposta será: os de sempre. O seu de cada um
é o que hoje temos: aos pobres sua pobreza e
cada vez mais de sua pobreza; aos ricos sua
riqueza e cada vez mais de sua riqueza.” JOSÉ
REINALDO DE LIMA SOARES2
CAPÍTULO I
ÉTICA, CIDADANIA E JUSTIÇA SOCIAL
1.1. A Ciência da Conduta. 1.2. Normas morais e Normas jurídicas. 1.3. O
Exercício da Cidadania. 1.4. E a justiça social? 1.5. A Responsabilidade
Social Empresarial.
1.1.
A Ciência da Conduta.
Ética, em geral, pode ser definida como ciência da
conduta. Dessa ciência, em suas diversas concepções, nos interessa mais
aquela que a considera a ética como um móvel da conduta humana,
ocupando-se, ainda, da disciplina dessa conduta.3
2
Professor de História do Direito e de Sociologia Jurídica da Faculdade de Direito da Universidade de
São Paulo.
3
Nicola Abbagnano, Dicionário de Filosofia, p. 380.
Existem duas concepções fundamentais dessa ciência: 1ª a que considera como ciência fim para o
qual a conduta dos homens deve ser orientada e dos meios para atingir tal fim, deduzindo tanto o fim
quanto os meios da natureza do homem; 2ª a que considera como a ciência do móvel da conduta
humana e procura determinar tal móvel com vistas a dirigir ou disciplinar essa conduta.”
13
Parte
dessa
disciplina
do
comportamento
humano
encontra-se positivada e o seu conteúdo, em princípio, existe abstratamente,
sem que se exija concreção da conduta.
Sabe-se
que
a
filosofia
moderna
tem
buscado
compreender a moral – uma das categorias da ética – através da virtude, a
chamada Ética das Virtudes.
Para ALASDAIR MACINTYRE, “a virtude é uma qualidade
humana adquirida, cuja posse e exercício costuma nos capacitar a alcançar
aqueles bens internos às práticas e cuja ausência nos impede de alcançar tais
bens.”4
Inspirado pelo “homo economicus” dos economistas,
GIORGIO DEL VECCHIO5 disserta sobre as regras de conduta, asseverando que
pode-se construir várias figuras abstratas de “homens” determinados por um
só motivo, como por exemplo, um “homo moralis” ou um “homo juridicus”6.
Esses “homens” são figuras hipotéticas sendo um erro confundi-las com a
realidade, embora desempenhem uma certa função científica.
A par das vastas lições sobre os imperativos hipotéticos,
as várias espécies de normas técnicas e suas diversidades com as normas
morais e jurídicas, as normas do costume, nesse Capítulo o que nos
interessa é a parte final do trabalho, em que GIORGIO DEL VECCHIO traça um
paralelo entre o que denomina “as duas grandes categorias éticas”, a moral
4
Alasdair Macintyre. Depois da Virtude, p. 321.
O ‘Homo Juridicus’ e a insuficiência do direito como regra da vida, p. 177/212.
6
Como típico representante desse exemplo o autor utiliza o personagem Shylock da comédia de
Shakespeare – O mercador de Veneza -, colocando-o como “o homem que se decide a fazer valer o
seu direito até o último extremo, sem se deixar dominar nem prender por alguma outra regra diferente
da jurídica”. In: O “Homo Juridicus” e a insuficiência do direito como regra da vida, p. 180.
5
14
e o direito, chamando-as de “dois pontos de vista distintos no considerar de
uma mesma matéria”7.
O mencionado autor recorda que as normas jurídicas
sempre têm caráter imperativo (mesmo as permissivas), cujo caráter é de
bilateralidade, ou seja, gera uma obrigação entre sujeitos, enquanto que o
imperativo moral tem caráter unilateral. Ambas são formas de avaliação ética
imprescindíveis para o sistema regulador de conduta dos indivíduos, como já
sinalizado no título do trabalho.
Importante, além do caráter unilateral já destacado, é o
elenco das características das regras morais, trazido por DEL VECCHIO, que
ressalta que de acordo com o grau ou forma de civilização de um povo, as
normas morais têm diferenças, mas que existe um “núcleo duro”, ou seja
identidades profundas que se verificam nesta matéria.
Conclui
o
doutrinador
que,
embora
exista
uma
expectativa de que o dever moral seja cumprido, por força até de sujeitar o
indivíduo a uma opinião pública (juízos e apreciações do seus atos) que
inclusive geram determinadas reações8, carece essa norma moral de
exigibilidade que é própria do direito. Ressaltando por fim, que direito e
moral têm raiz comum – caráter deontológico que se afirma e que se
mantém, e que “nenhuma destas categorias pode prescindir da outra, nem
7
O “Homo Juridicus” e a insuficiência do direito como regra da vida, p. 210.
“Assim, por exemplo, aquele que, sendo rico, nega a caridade aos pobres, encontrará naturalmente
menor benevolência no dia em que, por ventura, cair êle próprio na pobreza; e inversamente na
hipótese oposta. Aquele que é cortês para com todos será geralmente tratado com igual cortesia. E
assim sucessivamente.” In: O “Homo Juridicus” e a insuficiência do direito como regra da vida, p. 204.
8
15
substituir-se-lhe, sem totalmente deformar a complexa e viva harmonia do agir
humano e social.”9
A sociedade atual clama que a atividade empresarial seja
ética sob suas duas categorias: moral e direito. A esse clamor pode-se
chamar responsabilidade social empresarial.
As obrigações que derivam de uma manifestação de
vontade, tal como a atividade empresarial, são regidas pelo direito, mas
antes dessa manifestação – constituição da empresa – só a moral é hábil a
resolver.
Assim como, alguns comportamentos que visem interesses
diversos do da atividade empresarial, somente à disciplina moral se
sujeitam.
A ofensa ao direito sempre implica na violação também
de uma norma moral. Mas a violação de uma norma moral nem sempre
implica numa ofensa ao direito. Daí dizer-se
que o direito representa o
minimum ético, estabelecido positivamente, naquilo que seja possível
harmonizar os diversos direitos e deveres.
A ética abarca também os deveres que temos para com a
humanidade.10 Tais deveres ora estão positivados, ora derivam de normas
morais exteriorizadas pela livre manifestação de vontade. As primeiras são
por natureza exigíveis, enquanto que as segundas são voluntárias.
9
O “Homo Juridicus” e a insuficiência do direito como regra da vida, p. 212.
“Preceito fundamental da Ética é que nós devemos, nos limites da nossa existência, cumprir
sempre os nossos deveres para comnosco, para com a família, para com a pátria, para com o género
humano, desenvolvendo a espiritualidade ínsita em nós, para atingir um maior bem universal. Neste
programa, certamente, entra também aquela forma sublime de actividade que consiste na luta contra
a injustiça.” In: O “Homo Juridicus” e a insuficiência do direito como regra da vida, p. 209.
10
16
A convenção entre seres humanos que vivem numa
sociedade estabelecendo o que deve ser tido como justo11 é chamada por
GOFFREDO TELLES JUNIOR, de contrato da ética social, que assim explica: “a
ética social se exprime por meio de normas, que são indicações e sinais da
normalidade vigente, para a necessária informação das pessoas, em sua vida
diária.”12
1.2. Normas Morais e Normas Jurídicas
As normas éticas podem se constituir em normas
religiosas, costumeiras, de civilidade, puramente morais e de direito ou
jurídicas, e se prestam a condicionar o comportamento humano em
sociedade. Originam-se de forma lógica e natural, obedecendo a intuição do
espírito humano com respeito ao conteúdo do “dever ser”.
Se as normas éticas também forem normas jurídicas,
quando violadas, autorizam os lesados a lançar mão dos meios que o Estado
dispõe para exigir o seu cumprimento das normas, a indenização do prejuízo
ou a imposição de pena aos infratores. Quando não jurídicas, as normas
éticas não viabilizam a exigência do seu cumprimento.
A ética, numa visão mais jurídica do que filosófica,
estuda os costumes e as formas de comportamento. “Ética é a ciência do
comportamento moral dos homens em sociedade. É uma ciência, pois tem
objeto próprio, leis próprias e método próprio. O objeto da Ética é a moral. A
11
Esse justo é o justo por convenção ou justo convencional, isto é, “aquilo que é justo por ser
conforme a lei, ou por ser conforme o contratado, ou por ser conforme a arbitragem, ou por ser
conforme o costume.” Goffredo da Silva Telles, Iniciação na Ciência do Direito, p. 362.
12
Ibidem, p. 361.
17
moral é um dos aspectos do comportamento humano. A expressão deriva da
palavra romana ‘mores’, com o sentido de costumes, conjunto de normas
adquiridas pelo hábito reiterado de sua prática.”13
Essa
diretriz
do
que
a
sociedade
entende
ser
o
comportamento desejável pode caracterizar-se em costume. O costume
embora seja uma fonte do direito14, “não se promulga: ele se cria, se forma,
se impõe sem que neste processo se possa localizar um ato sancionador.”15
Além da ausência do ato sancionador, ou seja, não se
verifica num preceito moral uma sanção, não se pode confundir “fonte de
direito” com “fonte de obrigação”. Ainda que o costume, tido como norma
jurídica, ou seja, possa ser utilizado na solução de um conflito de interesses,
aplicando-se algo que se entende que “deve ser feito, e deve sê-lo porque
sempre o foi”16, esse costume não é hábil a gerar deveres.
Embora, para TERCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR, normas
jurídicas
e
preceitos
morais
vinculem
e
estabeleçam
obrigações
subjetivamente17, assim, como na obrigação natural não se confere o direito
de exigir o seu cumprimento. Uma obrigação moral é cumprida pelo impulso
da consciência.
Diga-se, porém, que a obrigação natural não deve ser
confundida com os deveres de índole não jurídica, isso porque, obrigação
13
José Renato Naline, Ética geral e profissional, p. 36.
O artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil permite que o magistrado quando para a solução
de um caso não encontrar norma que lhe seja aplicável, utilize de fontes supletivas para preencher
essa lacuna ou defeito do sistema jurídico. Uma dessas fontes supletivas é o costume. Ver a esse
respeito: Maria Helena Diniz. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada, que assevera
que “o costume é uma fonte jurídica, porém em plano secundário.” p. 116.
15
A esse respeito ensina Tercio Sampaio Ferraz Jr. Introdução ao Estudo do Direito, p. 240. E
ressalta: “Por essa razão o costume, nos direitos positivados de nossos dias, tem, como fonte, uma
importância menor que teve no passado.”
16
Ibidem, p. 240.
17
Ibidem, p. 357.
14
18
implica na presença de credor e devedor, demandando uma relação préconstituída de crédito e débito.
Assim, “quem cumpre obrigação, mesmo natural, não faz
favor, porque dá ao credor o que lhe é devido, segundo um princípio geral do
direito. A diferença entre liberalidade e pagamento mostra-se, com clareza, no
confronto da esmola com a dívida de jogo. No primeiro caso, não existe dívida,
e o que inspira o indivíduo é a caridade, que se situa exclusivamente no
campo da moral. Vale dizer: não há vinculo algum do “devedor” com o
“credor”, ao passo que a dívida de jogo se apóia numa fonte civil – o contrato
de jogo (C.C., art. 1477)-, atende a um interesse preciso do ganhador, que
ficará insatisfeito se não houver o cumprimento da obrigação, pois sofrerá o
prejuízo de ter perdido inutilmente seu tempo.”18
Se há devedor com relação a prover o bem comum, esse
é o Estado, e subsidiariamente o empresário.
1.3. O Exercício da Cidadania.
O exercício pleno da cidadania, ainda que utopicamente,
encontra hoje algum respaldo na sociedade civil organizada.
Refletindo sobre o preâmbulo da Constituição Federal,
ROGÉRIO GESTA LEAL19, aponta a cidadania como o fundamento primeiro da
República brasileira, na forma de Estado Democrático de Direito, dando a
concepção de “um direito a ter direitos” e de tê-los assegurados e
concretizados.
18
19
Sergio Carlos Covello, A Obrigação Natural, p. 76.
Rogério Gesta Leal, A Função Social da Propriedade e da Cidade no Brasil, p. 101.
19
Dentre tais direitos, os quais deve-se garantir o gozo aos
indivíduos, estão os direitos sociais, cuja concreção deve ser exigida com
relação não mais só ao Estado, mas também em relação ao indivíduo,
fundado, para tanto, na ética, em especial, dos detentores do poder
econômico.
Para exercer a cidadania plena, mister se faz viabilizar ao
indivíduo o gozo dos direitos sociais. O motor para que a empresa exerça
essa tarefa é a postura ética invocada pela sociedade.
Os direitos sociais, ou chamados direitos de segunda
geração20, são os instrumentos para garantir ao indivíduo condições
materiais indispensáveis à busca dos fins particulares. A sua efetivação
confere ao indivíduo um dos requisitos da cidadania, que vai além do outro
formal – título de eleitor21 - para caracterizá-la. Infelizmente, mas
acertadamente,
conclui ROLF KUNTZ, que no Brasil poucos são os indivíduos
que preenchem esse duplo critério, porque a maioria deles, “da cidadania só
tem o título de eleitor, porque mal sabe ler, não ganha para alimentar a
família, não tem carteira assinada e só interessa à Justiça quando se
transforma em réu.”22
Essa exclusão social abre uma enorme vala entre as
classes sociais. O desenvolvimento econômico deve ser inversamente
proporcional ao desenvolvimento da desigualdade social. Ainda que pareça
discurso, é preciso conclamar que quanto mais desenvolvimento econômico,
20
Segundo os intitula José Celso de Mello.
Lembra ROLF KUNTZ que “o título de eleitor, porém, é só um dos papéis que vinculam o brasileiro ao
sistema dos direitos.”. A Descoberta da Igualdade como Condição de Justiça, p. 154.
22
Ibidem, p. 155.
21
20
menos
desigualdade
social.
Esse
equilíbrio
pode
ser
chamado
de
desenvolvimento sustentado.
Infelizmente essa relação não tem sido atendida, ao
contrário, cada vez mais, distanciam-se o desenvolvimento humano do
econômico. Visivelmente o Estado se mostra incapaz de promover o bemestar social, fazendo com que o exercício da cidadania plena demande ações
sociais dos particulares, movidos pela normas éticas que imprimem a busca
pela justiça23 social.
1.4. E a Justiça Social?
Justiça, de acordo com a história romana, consiste em
dar a cada um o que lhe pertence. Importante ressaltar que justiça não
significa caridade, nem essa pode se opor àquela. Elucida GOFFREDO TELLES
JUNIOR que “a justiça é mais urgente que a caridade.”24
Também vale dizer que a busca pela justiça, além de
requerer conceitos que não pertencem somente ao Direito, é relativa. Até
mesmo HANS KELSEN, no ensaio em que tenta responder “o que é justiça”,
satisfez-se com uma justiça que tivesse significado para ele, elegendo aquela
justiça sob cuja proteção a ciência do Direito pode prosperar, tomada como a
justiça da liberdade, da paz, da democracia, da tolerância.25
23
Ensina Tercio Sampaio Ferraz Júnior, que “a justiça, no seu aspecto formal, exige igualdade
proporcional e exclui a desigualdade desproporcionada”. Introdução ao Estudo do Direito, p. 355.
24
E completa: “Primeiro, a justiça: dê-se aos outros o que lhes pertence. Isto é fundamental. Depois,
se se quiser e se houver com quê, faça-se a caridade.” Iniciação na Ciência do Direito, p. 367.
25
Hans Kelsen. O que é justiça? p. 25.
21
Parece-nos que a sociedade tem eleito como justiça para
a comunidade, o atendimento, entre outros, dos direitos sociais abarcados
no texto constitucional. Mas nada impede que dentro do próprio grupo social
ou em outros grupos a concepção de justiça buscada seja diversa, por isso,
diz-se relativa.
As excessivas desigualdades sociais e econômicas são
contrárias a qualquer justiça. Essa ausência de justiça social, fere,
especialmente, a dignidade da pessoa humana, lembrando JOSÉ AFONSO
DA
SILVA26, que esta, “como fundamento do Estado Democrático de Direito27,
reclama condições mínimas de existência, existência digna conforme os
ditames da justiça social como fim da ordem econômica.”
E ilustra:
“É de lembrar que constitui um desrespeito à dignidade
da
pessoa
humana
desigualdades,
uma
um
ordem
sistema
de
econômica
profundas
em
que
inumeráveis homens e mulheres são torturados pela fome,
inúmeras crianças vivem na inanição, a ponto de milhares
delas morrerem em tenra idade. “Não é concebível uma
vida com dignidade entre a fome, a miséria e a incultura”,
pois, a “liberdade humana com freqüência se debilita
quando o homem cai na extrema necessidade”, pois, a
26
A dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia, p. 93.
Tercio Sampaio Ferraz Júnior aborda o Estado Democrático de Direito exaltando a proposta de
democratização da própria sociedade – “de um lado, nos tradicionais princípios do Estado de Direito
(exercício de direitos sociais e individuais, liberdade, segurança, igualdade etc.), mas, de outro, nas
exigências de democratização da própria sociedade (que há de ser fraterna, pluralista, sem
preconceitos, fundada na harmonia social etc.)” - que induz a passagem de uma Estado de Direito
para um Estado Social no qual é possível reconhecer-se um conteúdo positivo da liberdade como
participação. Solidariedade Social e Tributação, p. 208.
O autor aponta uma desformalização da constituição e da interpretação da constituição com a
sujeição das propostas jurídicas a critérios valorativos contidos na expressão social do Direito, desde
1930. Essa sujeição gera “um modelo constitucional de Estado com a função de legitimação das
aspirações sociais, que foi, formalmente, próprio das Constituições de 1934, 1937, 1946 e 1967/69.
Idem, p. 213.
27
22
“igualdade e dignidade da pessoa exigem que se chegue
a uma situação social mais humana e mais justa.”
Outra
dificuldade
para
atender
o
objetivo
de
transformação do Estado, contemplado na Constituição especialmente nos
artigos 1º e 3º, é apontada por TERCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR, e relaciona-se
com a concepção de Estado Democrático de Direito, destacando que a
medida em “que uma compatibilização do Estado de Direito com o Estado
Social traz dificuldades significativas. Seria preciso, de um lado, garantir em
cada caso uma situação de compromisso entre os grupos sociais que
assegurasse um mínimo de critérios comuns de valores que fossem admitidos
por todos. De outro lado, um quadro constitucional rigoroso sem o qual a
atuação do Estado, inevitavelmente sujeito a grupos de pressão e a interesses
estamentais e corporativistas da burocracia, pode ser tornar facilmente uma
espécie de exercício de arbitrariedade camuflado por supostos ditames de
princípios públicos relevantes.” Sendo que essa compatibilização se dá face a
dualidade apontada: um conceito formalmente jurídico – Estado de Direito; e
outro não – Estado Social.28
Em conclusão, o Professor invoca o sentido de justiça
social, destacando a necessidade de igualar os indivíduos pelas condições
de sobrevivência, com o imprescindível reconhecimento da cidadania para a
concretização dos objetivos da Constituição, que não deve ser ocupação
somente do Estado, mas também com relação aos particulares, asseverando
que “na relevância da sociedade civil deve-se ver o reconhecimento de que o
28
Ibidem, p. 210.
23
controle da legitimidade constitucional não é só a expressão de uma
fiscalização formalmente orgânica, mas também uma tarefa comum, que deve
fazer da Constituição uma prática e não somente um texto ao cuidado dos
juristas; a participação, não apenas do Legislativo, do Executivo, do
Judiciário, mas também do cidadão em geral, na concretização e na efetivação
dos direitos, uma peça primordial do seu contexto democrático-social
legítimo.”29
1.5. A Responsabilidade Social Empresarial
A responsabilidade social pode ser vista como uma forma
de atendimento aos direitos sociais previstos na Constituição Federal, cujo
comportamento do particular é impulsionado por padrões éticos que
conduzem à valores de interesse da sociedade - bem-estar social.
Demanda-se que tais padrões éticos formem, no mundo
empresarial, um “costume” apropriado, baseado na solidariedade, resultando
em benefícios para a coletividade como forma de contribuição para um
mundo melhor com a redução das desigualdades sociais.
A
formação
desse
“costume”
requer
também
a
observância da ordem jurídica e constitucional vigente, a fim de criar um
ambiente de segurança para as empresas, estimulando a sua contribuição
para com o bem-estar social.
Certificados
de
que
o
ponto
de
partida
da
responsabilidade social empresarial é mais amplo do que qualquer instituto
29
Ibidem, p. 221.
24
do direito positivado – o que será ratificado mais adiante quando tratarmos
da sua terminologia e histórico – passaremos a buscar no Direito, qual o
possível sustentáculo da responsabilidade social empresarial.
25
CAPÍTULO II
A ORDEM ECONÔMICA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
2.1. A Ordem Econômica Constitucional e o Desenvolvimento Social. 2.2.
Deveres Positivos e Deveres Negativos. 2.3. A concreção dos princípios
constitucionais e as normas programáticas.
2.1. A Ordem Econômica Constitucional e o Desenvolvimento social.
Os
princípios
do
sistema
capitalista
de
produção
contemplados na Constituição Federal estão vinculados aos ditames da
justiça social elencada como objetivo fundamental da República no inciso I,
do artigo 3º30, da Carta Magna.
A par da observância dos primados da ordem econômica
constitucional na realização dos institutos de Direito privado, aplica-se,
ainda, o princípio da solidariedade social, gerando comportamentos em que
um grande número de empresas atua em prol da coletividade, por
intermédio da consecução de “projetos sociais”.
A leitura e a efetividade da Constituição Federal de 1988
deve ser feita levando em conta que todo o seu texto foi elaborado visando
uma reestruturação do Estado brasileiro para superar o subdesenvolvimento
através de transformações sociais.
Assim, mesmo o Título VII – Da Ordem Econômica e
Financeira da Carta Política, está pautado nessas bases, incluindo nos
princípios gerais da atividade econômica, a função social da propriedade e a
30
Art. 3° Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; (...)
26
redução das desigualdades regionais e sociais, com o fim de assegurar a
todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social (art. 170),
embora esses temas não estejam restritos a este capítulo do texto
constitucional.31
Nos demais artigos sobre a ordem econômica, em
especial os do Capítulo I, do Título VII, estão expressas disposições
estruturais da atividade econômica, seguidos de dispositivos que tratam da
ordem econômica no espaço (política urbana, política agrícola e fundiária e
reforma agrária) e no tempo (sistema financeiro nacional).32
A inserção da disciplina da ordem econômica na
Constituição, a caracteriza como uma Constituição Econômica. Essa
disciplina rejeita “o mito da auto-regulação do mercado” e acaba por positivar
“tarefas e políticas a serem realizadas no domínio econômico e social para
atingir certos objetos”,
o que permite qualificarmos a Constituição de
programática ou dirigente.3334
Cumpre recordar que já a Constituição de 1934 previa
que a ordem econômica deveria ser organizada conforme os princípios da
justiça e as necessidades da vida nacional.
Nos ditames da Constituição atual (art. 170), a atividade
econômica tem a finalidade de assegurar a todos uma existência digna com
justiça social, observados princípios, tais como, a soberania nacional, a
31
Somente para ilustrar, no tocante ao direito comparado, vale lembrar de dispositivo da Constituição
Portuguesa que enumera entre os princípios da organização econômico-social o da “subordinação do
poder econômico ao poder político democrático” (art. 80, a).
32
Gilberto Bercovici, Constituição Econômica e Desenvolvimento – uma leitura a partir da
Constituição de 1988, p. 31.
33
Ibidem, p. 33.
34
Sobre Constituição dirigente e normas programáticas, ver Eros Roberto Grau. Constituição
Dirigente e Vinculação do Legislador. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, p. 358/373.
27
propriedade privada, a função social da propriedade, a livre concorrência, a
defesa do consumidor, do meio ambiente, redução das desigualdades
regionais e sociais, a busca do pleno emprego e tratamento favorecido para
as empresas de pequeno porte.
A atividade produtiva exercida pela empresa a insere na
ordem econômica, sujeitando-se ao princípio35 da função social, o que deriva
a função social da empresa.
Certo é que assim quis o constituinte, criando a noção
de “empresa social” ao condicionar o exercício da atividade econômica –
consistente na propriedade dos bens de produção – e a livre iniciativa, à
realização dos objetivos primários da ordem econômica: propiciar existência
digna a todos, segundo ditames da justiça social.
EROS ROBERTO GRAU, analisa a extensão da função social
para a empresa, distinguindo uma propriedade estática do dinamismo dos
bens de produção:
“O princípio da função social da propriedade, para logo se
vê, ganha sustentabilidade precisamente quando aplicado
à propriedade dos bens de produção, ou seja, na
disciplina jurídica de tais bens, implementada sob
compromisso com a sua destinação. A propriedade sobre
a qual em maior intensidade refletem os efeitos do
princípio é justamente a propriedade, dinâmica, dos bens
de produção. Na verdade, ao nos referirmos à função
35
Rogério Gesta Leal, clarifica que trata-se de um princípio informativo: “a função social da
propriedade é, como consta nas Constituições, um princípio informativo do direito de propriedade que
depende de melhor e constante explicitação (ampliativa e não limitativa) pelo legislador ordinário. A
idéia do conteúdo fica saliente na própria expressão, porém seus limites são indefinidos e permitem
interpretações não-coincidentes; neste sentido, devem-se buscar critérios de eleição da melhor
hermenêutica e significação ao termo, tendo em vista, necessariamente, os objetivos e finalidades
que se pretendem alcançar nesse país, matéria estampada no título primeiro da Carta Política de
1988.” A função Social da Propriedade e da Cidade no Brasil, p. 117/118.
28
social dos bens de produção em dinamismo, estamos a
aludir à função social da empresa.”36
O exercício do poder econômico será legitimo quando
não conflitar com os valores expressos nos incisos I a IX do artigo 170 da
Constituição Federal e com os objetivos sociais por ela visados – existência
digna, conforme os ditames da justiça social.
SERGIO VARELLA BRUNA37 ressalta que “o poder econômico
é tido como um dado da realidade, um fator estrutural, que faz parte de um
técnica de produção social, atribuindo-se a esse poder uma função (social), de
servir ao desenvolvimento e à justiça social. Na feliz expressão de Fábio
Konder Comparato, o poder econômico não só tem uma função social, mas é
uma função social, de serviço à comunidade.”
E conclui que,
“(...) o poder econômico não pode ser um empecilho ao
desenvolvimento social.
Mas o que se exige do titular do poder econômico não
é somente um comportamento negativo, uma abstenção de
fato, de não fazer mau uso de tal poder, mas sim um
comportamento positivo, de dar-lhe destino socialmente
útil. Há, portanto, não só o dever de não exercitar esse
poder
em
prejuízo
de
outrem,
mas
também,
e
principalmente, o dever de exercitá-lo em benefício dos
demais. Aqui, o poder econômico, enquanto função que é,
denota um poder que não se exerce por interesse próprio,
ou exclusivamente próprio, mas também por interesse de
outrem ou por um interesse objetivo. Se esse poder não é
passível de ser exercido por todos, deve se exercido em
benefício comum.”
36
37
Elementos de Direito Econômico, p. 128.
O Poder Econômico e a Conceituação do Abuso no seu exercício, p. 171/172.
29
2.2.
Deveres positivos e deveres negativos.
Verdade é que, antes de analisar o princípio da função
social, mister se faz investigar em que se traduzem ou deveriam traduzir-se,
os deveres sociais decorrentes da ordem econômica constitucional: em ações
positivas e ações negativas.
Na sua brilhante lógica, para deduzir o que é função
social, FABIO KONDER COMPARATO faz uma análise etimológica38, seguida da
análise institucional do direito, para concluir que, de forma abstrata, a
“função” para o direito pode ser entendida como a “atividade dirigida a um
fim e comportando, de parte do sujeito agente, um poder ou competência”,
ressaltando que esse “fim” é sempre alheio ao interesse do agente ou titular
desse poder e que o desenvolvimento da atividade não se dá só no sentido
negativo – de respeito aos limites legais – mas também na “acepção positiva,
de algo que deve ser feito ou cumprido.39
Assim, função social empresarial, pode ser entendida
como a competência conferida ao empresário de exercer a atividade
econômica em prol dos interesses da coletividade - pessoas indeterminadas.
Mas é possível vislumbrar o exercício da atividade
econômica concomitante com a consecução de deveres sociais positivos pelo
empresário com relação à sociedade?
38
“O substantivo functio, na língua matriz, é derivado do verbo depoente fungor (functus sum, fungi),
cujo significado primigênio é de cumprir algo, ou desempenhar-se de um dever ou uma tarefa.”
Estado, Empresa e Função Social, p. 40.
39
E exemplifica essa atividade com fim em interesse alheio, mas de pessoas determinadas, com a
invocação do poder familiar, a tutela, a curatela. Estado, Empresa e Função Social, p. 41.
30
Conforme
constata
EROS ROBERTO GRAU,
deveres
negativos, na forma de limites impostos pelos princípios constitucionais,
facilmente reconhecidos, sendo que o Professor, inclusive, os concebe como
análogos às manifestações de poder de polícia. A problemática, de fato, está
na sua concepção positiva.
“A questão torna-se complexa, no entanto, quando, em
sua concreção, a função social é tomada desde uma
concepção positiva, isto é, como princípio gerador da
imposição de comportamentos positivos ao proprietário. A
lei, então – âmbito no qual se opera a concreção do
princípio – impõe ao proprietário (titular de um direito,
portanto de um poder) o dever de exercitá-lo em benefício
de outrem, e não, apenas, de não exercitá-lo em prejuízo
de outrem.”40
Também o Professor COMPARATO busca desmistificar o
conteúdo do dever positivo, analisando os dispositivos sobre função social da
propriedade no direito comparado. Recorda que embora a Constituição de
Weimar de 1919 (art. 153, última alínea) e Lei Fundamental de Bonn, de
1949 (art. 14) prevejam o uso da propriedade privada a serviço do interesse
da coletividade, “nenhuma autoridade alemã conseguiu explicar em que
consistiriam os deveres sociais positivos do proprietário em relação à
coletividade”.41 Assevera que, a mesma inaplicabilidade se dá também em
outros países tal como a Itália42 e a Espanha4344 em que se inseriu na
40
Ibidem, p. 244.
Estado, Empresa e Função Social, p. 41.
42
Que aliás frustou os seus doutrinadores na tentativa de alcançar os deveres positivos em razão de
ter reduzido a função social à existência de certas restrições quanto ao uso dos bens, cabendo ao
legislador delimitar tais restrições (art. 42, segunda alínea, da Carta de 1947). Estado, Empresa e
Função Social, p. 42.
41
31
Constituição dispositivo sobre função social da propriedade, à exceção do
Brasil que, no próprio texto constitucional, elencou dois deveres positivos do
proprietário de imóvel urbano: um de atender ao plano diretor (art. 182,
caput) e outro de promover o adequado aproveitamento do imóvel na forma
da lei (art. 182, § 2º).
EROS Roberto Grau, exemplificando a concepção positiva
da função social, reconhece a disciplina dos deveres sociais positivos nos
artigos 42 e 44 da Constituição Italiana, “que funcionam como fonte geradora
da imposição de comportamentos positivos ao proprietário,” entretanto, não
traz exemplos do que concretamente sejam tais comportamentos.
O autor, no âmbito da atividade empresarial consegue
mencionar a aplicação do Código da Propriedade Industrial (art. 49), que
atribui à empresa titular de uma marca, o ônus de explorá-la, tal qual ocorre
em relação aos direitos de lavra. Em se reconhecendo nessa exploração a
finalidade social, o exemplo vale para um dever positivo social que atenda a
coletividade.
43
Também a Constituição espanhola de 1978 limitou-se a estabelecer restrições legais ao uso da
propriedade.
44
Os doutrinadores espanhóis denominam a contraposição entre o direito de propriedade e a função
social (dimensión individualista e dimensión social) de “duplicidad de caras”do regime jurídico de
propriedade, especialmente pela cotização da Constituição espanhola com o Código Civil espanhol.
Em análise da aplicação da função social contemplada no Código Civil espanhol, RAFAEL COLINA
GAREA, considera a influência da função social no exercício de direito de propriedade, apenas no
sentido negativo, na forma de limitações, senão vejamos:
“En el ambiente liberal en que nace el Código Civil español, la propriedad representa una esfera
intangible de libertad reservada al ciudadano y, em consecuencia, toda restricción al ejercicio de los
poderes dominicales del propietario, ya provenga de otros particulares o de los poderes públicos, es
considerada negativamente. Se entiende que los limites al derecho de propiedad contrastan con los
intereses privados de sus titulares, ya que potencialmente podrían constituir una vulneración de la
innata e ilimitada libertad civil tan proclamada por el individualismo jurídico. Por consiguiente, las
limitaciones son vistas como raras y aisladas excepciones al principio fundamental de libertad que se
reconoce al proprietario en el ejercicio de su derecho. Desde este punto de vista, se procede a uma
interpretación restrictiva del sentido de la expresión “sin más limitaciones que las estabelecidas en las
leyes”.” La Función Social de La Propiedad Privada em la Constitución Espanõla de 1978, p. 238.
32
Em ações sociais mais simples, ora nominadas de
filantropia - tais como projetos voltados para o acolhimento de menores,
educação, cultura, diversidade - é possível exigir essas ações (positivas)
invocando a função social da empresa ou outro princípio constitucional
voltado para o exercício pleno da cidadania? E para a propriedade de bens
de produção, em que consistiria o dever social positivo?
Também
desconhecemos
no
ordenamento
pátrio
instrumento e mesmo normas que abarquem tais deveres sociais positivos.
Obviamente tratamos de deveres positivos fora do elenco legal a que está
sujeito o empresário, tal como, de forma extrema exemplifica COMPARATO,
deixar de aumentar os preços dos produtos ou serviços de primeira
necessidade em prol do bem comum.
Para EROS ROBERTO GRAU há um comportamento positivo
integrado ao princípio da função social contemplado no próprio texto
constitucional, que é a busca do pleno emprego (art. 170, VIII, da CF).
“O princípio informa o conteúdo ativo do princípio da
função social da propriedade. A propriedade dotada de
função social obriga o proprietário ou o titular do poder de
controle sobre ela ao exercício desse direito-função (poderdever), até para que se esteja a realizar o pleno
emprego.”45
Assim como os princípios da defesa do consumidor, da
defesa do meio ambiente e a redução das desigualdades regionais e sociais, a
45
A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 253.
33
busca do pleno emprego é classificada por JOSÉ AFONSO
DA
SILVA46, como
princípio de integração, haja vista que estão dirigidos a resolver problemas da
marginalização social.
Os dois primeiros – defesa do consumidor e do meio
ambiente – porque disciplinados por leis infraconstitucionais gozam de
exigibilidade, sendo que tal disciplina, por vezes, contempla comportamento
ativo.
Segundo
JOSÉ AFONSO
DA
SILVA47 a expressão pleno
emprego de ser tomada na sua utilização mais abrangente,
devendo ser
considerada a busca tanto quantitativa como qualitativa. Se, o inciso VIII, do
art. 170, da Constituição Federal, deve ser visto “no sentido de propiciar
trabalho a todos quantos estejam em condições de exercer uma atividade
produtiva”, certo é, que assim como, na função social, há a expectativa de
um comportamento positivo de colocar à disposição dos cidadãos tantos
quantos postos de trabalho forem possível, motivado apenas pela regra
moral.
De fato, direito subjetivo e função/dever não são
incompatíveis, mas a ausência de cogência, inibe o comportamento ativo. O
exercício da atividade econômica ou a propriedade dos bens de produção é
direito subjetivo48. Também uma ação social motivada por valores éticos com
o fim de atingir o bem social constitui “regra ética subjetiva” que, a par da
46
Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 770.
Idem, p. 771.
48
Segundo Eros Roberto Grau, “ser titular de um direito subjetivo é estar autorizado pelo
ordenamento jurídico a praticar ou não praticar um ato – isto é, a transformar em ato a potência, ou
seja, a aptidão para a prática de tal ato,” sendo que “O Direito pode, coerentemente, introduzir como
elementos integrantes da autorização a alguém para o exercício de uma faculdade inúmeros
requisitos, inclusive criando obrigações e ônus para o titular do direito subjetivo.” A Ordem
Econômica na Constituição de 1988, p. 242.
47
34
eficácia imediata dos princípios constitucionais, não encontra na disciplina
infraconstitucional disposições impondo comportamentos positivos que
atendam ao interesse coletivo, razão pela qual à doutrina jurídica faltam
exemplos de tipificação de deveres positivos. Também, o direito subjetivo,
quando exercido, é hábil a gerar ônus e obrigações ao seu titular.
De fato, ao empresário atender aos deveres sociais
positivos, parece tão utópico e contrário ao objetivo empresarial – obter lucro
– que, por certo, nulifica o conceito de função social ou, ao menos, o limita
ao exercício de deveres negativos.
Ademais, certo é que a aplicação integral da função
social, incluída a execução de deveres positivos, acarretaria “sério risco de
servir como mero disfarce retórico para o abandono, pelo Estado, de toda
política social, em homenagem à estabilidade monetária e ao equilíbrio das
finanças públicas.”49
2.3.
A
concreção
dos
princípios
constitucionais
e
as
normas
programáticas.
A disciplina da ordem econômica é realizada por normas
denominadas programáticas, ou seja, “normas constitucionais através das
quais o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados
interesses, limitou-se a traçar-lhes os princípios para serem cumpridos pelos
seus órgãos (legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos), como
49
Fábio Konder Comparato, Estado, Empresa e Função Social, p. 46.
35
programas das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais
do Estado”.50
GILBERTO BERCOVICI menciona que a concepção das
normas programáticas teve grande importância, mas em forte crítica, conclui
que sua aplicação prática foi decepcionante.
“Norma programática passou a ser sinônimo de norma
que não tem qualquer valor concreto, contrariando as
intenções de seus divulgadores. Toda norma incômoda
passou
a
ser
classificada
como
‘programática’,
bloqueando, na prática, a efetividade da Constituição e,
especialmente, da Constituição Econômica e dos direitos
sociais.”51
A
adoção
extremada,
formal
e
teórica
do
texto
constitucional, implica num instrumentalismo no qual acredita-se que é
possível mudar a sociedade, transformar a realidade apenas com dispositivos
constitucionais.
Assim, a concretização dos direitos sociais ou, ainda, dos
princípios da ordem econômica dependem de ações do Estado, que muito
pouco realizam, escondidos no instrumentalismo de uma Constituição
dirigente.
A fixação no instrumentalismo constitucional, segundo
BERCOVICI, geram a ignorância do Estado e da política, asseverando que “a
Teoria da Constituição Dirigente é uma Teoria da Constituição sem Teoria do
50
José Afonso da Silva, Aplicabilidade das Normas Constitucionais, p. 138.
Gilberto Bercovici, Constituição Econômica e Desenvolvimento – uma leitura a partir da
Constituição de 1988, p. 40.
51
36
Estado e sem política. E é justamente por meio da política e do Estado que a
constituição vai ser concretizada.”52
Mesmo os doutrinadores quem vêem nos dispositivos
constitucionais
que
tratam
da
propriedade,
normas
programáticas,
reconhece, entretanto, que ao juiz e ao administrador é facultado realizar a
concreção dessa norma, no exercício do poder-dever de integrar a ordem
jurídica, produzindo para o caso concreto a norma faltante.
“É preciso lembrar que as normas programáticas não se
reduzem a traçar um programa de ação, mas têm força
jurídica vinculante
imediata.
Não
podem
servir
de
desculpa para o administrador ou para o juiz para deixar
de cumprir as imposições contidas na Constituição.”53
Para ilustrar o mencionado poder-dever, citamos como
exemplo, decisão proferida pela Terceira Turma do Tribunal Regional Federal
da 4ª Região, em julgamento de recurso de apelação em ação civil pública
movida pela Associação de Defesa e Orientação do Cidadão em face da União
Federal e do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, pleiteando
que os fabricantes de bebidas alcoólicas fossem obrigados a fazer constar
nos rótulos de seus produtos e em todas as publicidades por eles
patrocinadas, a advertência “O álcool pode causar dependência e em excesso
é prejudicial à saúde”. Uma vez não implementada a adequada política
pública na defesa do interesse à saúde, sentiu-se o judiciário gaúcho
52
Grifos nossos. Gilberto Bercovici, Constituição Econômica e Desenvolvimento – uma leitura a partir
da Constituição de 1988, p. 41.
53
João Bosco Leopoldino da Fonseca, Direito Econômico, p. 57.
37
legitimado
a
condenar
a
União
a
exigir
a
ação
pleiteada,
assim
argumentando:
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO DO CONSUMIDOR.
CORRETA
INFORMAÇÃO
ACERCA
DOS
RISCOS
E
POTENCIAIS DANOS QUE O CONSUMO DE BEBIDAS
ALCOÓLICAS CAUSA À SAÚDE. INSCRIÇÃO NECESSÁRIA
NOS RÓTULOS DE BEBIDAS ALCOÓLICAS.
1. É possível e exigível do Judiciário, impor determinada
conduta
ao
fornecedor,
sem
que
esta
esteja
expressamente prevista em lei, desde que afinada com as
políticas
públicas
diretamente
decorrentes
do
texto
constitucional e do princípio da plena informação ao
consumidor (art. 6º, II, III e IV, da Lei 8.078/90, pois
traduz-se em dever do Estado, do qual o Judiciário é
poder, de acordo com o art. 196 da Constituição.”
Também de forma individual, os direitos sociais são
exigidos. Existem instrumentos processuais para defesa de um direito social
e são perfeitamente concebíveis quando exercidos pelo indivíduo em relação
ao Estado.54 Exemplos são pleitos voltados para garantir vagas em escolas,
serviço hospitalar, fornecimento de medicamentos, etc..
Outra crítica repousa na questão relativa ao Judiciário,
como parte desse Estado Garantidor ou Estado Provedor, na medida em que
54
José Reinaldo de Lima Lopes, assim ensina:
“As garantias dos direitos sociais podem, por isso, ser efetivadas hoje por alguns caminhos que
variam em natureza: quando se falar em direito público subjetivo o cidadão está habilitado, creio, a
exigir do Estado seja a prestação direta, seja a indenização; quando se tratar de garantia real os
caminhos serão: por meio do Ministério Público (art. 129 da Constituição Federal), promover a
responsabilidade de autoridades que não estejam dando andamento a políticas e ações já definidas
em lei (orçamentárias e programas) e regulamentos ou atos administrativos; as leis orçamentárias,
incluídos os orçamentos da previdência social, poderão ser impugnadas por ação direta de
inconstitucionalidade (art. 102, I) toda vez que contrariarem dispositivos constitucionais, como o artigo
201, e seus parágrafos, ou o artigo 212, e sua respectiva hierarquia (lei complementar referida no art.
163 da Constituição Federal, plano plurianual, lei de diretrizes orçamentárias, orçamento anual);
responsabilização do Presidente da República especialmente no caso do artigo 85, VI, e do artigo
167, § 1º.”., Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça, p. 137.
38
está autorizado a efetivar os princípios constitucionais, em especial aqueles
que dizem respeito aos direitos sociais como um todo. Alguns fatores, como
uma certa hesitação do Judiciário diante de situações que não sejam
rotineiras e a inaptidão ou incapacidade do Judiciário para assegurar a
efetivação dos direitos sociais, segundo critica JOSÉ EDUARDO FARIA, gera, na
prática, uma conivência com a sua violação.55
55
Direitos Humanos, Direitos Sócias e Justiça, p. 99.
39
CAPÍTULO III
FUNÇÃO SOCIAL
3.1. Aspectos históricos da função social. 3.2. Harmonização entre direitos
individuais e função social. 3.3. Função social e lucro. 3.4. Função social e
segurança jurídica. 3.5. A função social da empresa no Código Civil.
3.1.
Aspectos históricos da função social.
Cabe, em primeiro, breve histórico da escalada da função
social no ordenamento jurídico com relação ao instituto “propriedade”.
Cogitou-se sobre função social da propriedade na
legislação
portuguesa
de
1375
que
obrigava
os
proprietários,
os
arrendatários, os foreiros e outros à lavrarem e semearem suas terras, sob
pena de que as terras fossem entregues a terceiros que as lavrassem e
semeassem por tempo determinado. O Código Civil português de 1867
consagrou a função social do direito real.
Já no Brasil, os resquícios da função social da
propriedade encontram-se desde a Lei nº 601, de 1850, Lei das Terras,
embora o seu objeto fosse a regularização de posses, que autorizava a Coroa
Portuguesa a arrecadar as terras que haviam sido dadas em concessão e não
tivessem sido aproveitadas.
Mas a propriedade, na própria Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão de 1789 é vista como um direito natural inviolável e
sagrado (art. 12). Tal conceito individualista da propriedade se viu refletido
no Código Civil francês, de 1804, nas Cartas brasileiras – Imperial de 1824 e
40
Republicana de 189156. Somente na Constituição de 193457 o exercício do
direito de propriedade foi condicionado a garantia de não afronta ao
interesse social ou coletivo (art. 113, § 17). Assim seguiu-se a Constituição
de 1946, ressalvando que “o uso da propriedade será condicionado ao bemestar social. A Lei poderá, com observância no disposto no art. 141, § 16,
promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para
todos”.
No
pós
Primeira
Grande
Guerra,
a
Constituição
mexicana de 1917 incluiu no seu texto inovações de caráter social, seguida a
pela Constituição de Weimar de 1919.
Na Constituição brasileira de 1967, a função social foi
disciplinada no art. 160, III, tendo sido concebida como princípio de ordem
econômica e social, adquirindo a ordem econômica e social uma valor
teleológico, tendo por finalidade o desenvolvimento nacional e a justiça
social.
56
Embora a questão social veio sendo sentida no Brasil desde a vigência da Constituição Federal de
1891, embora os reclamos da sociedade não tenham sido atendidos. Vê-se a presença da questão
social, a partir dos comentários à Constituição feitos por Rui Barbosa e transcritos por João Bosco
Leopoldino da Fonseca:
“Trouxeram ao Brasil, criaram no Brasil a questão social. Ela urge conosco por medidas, que
com seriedade atendam aos seus mais imperiosos reclamos. Mas como é que lhe atenderíamos nos
limites estritos do nosso direito constitucional?
Ante os nossos princípios constitucionais, a liberdade dos contratos é absoluta, o capitalista,
o industrial, o patrão estão ao abrigo de interferências da lei, a tal respeito. Onde iria ela buscar,
legitimamente, autoridade, para acudir a certas reclamações operárias, para, por exemplo, limitar
horas ao trabalho? Veja-se o que tem passado na América do Norte, onde leis adotadas para acudir a
tais reclamações têm ido esbarrar, por vezes, a título de inconstitucionalidade, em sentenças de
tribunais superiores.
Daí um dilema de caráter revolucionário e corolários nefastos: porque ora a opinião das
classes mais numerosas se insurge contra a jurisprudência dos tribunais, ora os tribunais transigem
com elas em prejuízo da legalidade constitucional. Num caso é a justiça que se impopulariza. No
outro, a Constituição que se desprestigia.” Direito Econômico, p. 69.
57
Destacando-se que no seu preâmbulo, a Assembléia Nacional Constituinte declarava que tinha a
intenção de organizar um regime democrático, que assegurasse à Nação a unidade, a liberdade, a
justiça e o bem-estar social e econômico.
41
Importante diferença no tratamento da função social na
Constituição Federal de 1967 com a atual, é que na Carta Política de 1988, a
função social tornou-se direito fundamental (art. 5º, inciso XXIII).
Não se pode deixar de mencionar os fatos sociais que
contribuíram para a formação de um constitucionalismo mais social, que
acolheu no texto constitucional valores perseguidos pela sociedade e
demandou do Estado um comprometimento com a justiça social. ROGÉRIO
GESTA LEAL58 ajuda-nos a fazer esse resgate histórico, partindo do
esfacelamento das economias européias com a Primeira Guerra Mundial
(1914 a 1918), seguido pelo Tratado de Versalhes, acarretando na formação
de um monopólio econômico e político dos Estados Unidos da América, da
França, da Itália e da Espanha. A resposta crítica dos trabalhadores ao
sistema
capitalista
com
economia
então
fragilizada,
traduzidas
em
movimentos operários deu azo a propostas de descentralização de produção
e participação dos trabalhadores nos lucros. O constitucionalismo clássico
foi sepultado então com a Declaração dos Direitos do Homem, incluídos ai os
direitos sociais.
3.2. Harmonização entre direitos individuais e função social.
58
Pág. 103.
42
Facilmente se discute, sob o prisma constitucional, a
concreção dos direitos fundamentais em face do poder público, também
chamadas de liberdades públicas.59
A fórmula genérica de função social esculpida no inciso
XXIII, do artigo 5º, da Constituição Federal de 1988, foi destacada como
princípio da ordem econômica (art. 170, III, CF), afastando de vez, a forma
individualista da propriedade, cedendo lugar a “propriedade-função”,
conferindo-lhe, ainda, alto grau de relativismo, no sentido de que, conforme
conclui KIYOSHI HARADA, “a propriedade privada só se justifica enquanto
cumpre a função social”.60
De qualquer forma o conteúdo essencial do direito de
propriedade continua a ser a possibilidade de sua utilização privada e o
poder de disposição pelo proprietário, que sob o prisma constitucional,
implica também numa limitação da esfera do Estado no campo econômico,
excepcionada somente na forma prevista na Constituição Federal. Ou seja,
as restrições ao direito de propriedade que a lei poderá trazer só serão
aquelas fundadas na própria Constituição.61
O
Professor
ARRUDA
ALVIM
defende
tal
limitação,
o
legislador
asseverando que:
“Onde
não
há
liberdade
para
infraconstitucional é em relação à área do direito
constitucional representativa do conteúdo essencial do
direito de propriedade, de tal forma que não é possível
59
Segundo Celso Ribeiro Bastos, “Dá-se o nome de liberdades públicas, de direitos humanos ou
individuais àquelas prerrogativas que tem o indivíduo em face do Estado.” Curso de direito
constitucional, p. 165.
60
Desapropriação – doutrina e prática, p. 23.
61
Curso de Direito Constitucional, p. 208.
43
que se suprima ex lege o direito de propriedade , como,
ainda, se se vier a vedar-se por lei o exercício do direito
de propriedade, ou se se vier a tornar inviável a
aquisição desse direito. Sobre a preservação desse núcleo
essencial
manifesta-se,
também,
pela
inconstitucionalidade da lei Robert Alexy.”62
Certo é que, mesmo sobre as liberdades públicas
incidem
limitações.
Limitações
essas
consistentes
em
“assegurar
a
coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia
pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos
direitos e garantias de terceiros.”
63
Analisando a hierarquização entre interesse público e
privado, GIORGIO OPPO64 chama à atenção para o fato de que a submissão do
direito privado ao direito público, pode resultar, como nos ensina a história,
não uma maior tutela, mas uma ameaça à própria existência dos mesmos.
O
autor
italiano
lembra
que
a
utilidade
social
preconizada na Constituição Federal – qualificada como interesse geral -,
quando relacionada ao direito privado dos bens (propriedade), assume um
papel de função, que, por sua vez, é garantida pela lei, assim como a
propriedade, chegando a ser denominada “usufruto geral de bens” por parte
da coletividade, e que atinge até mesmo a propriedade pública. E invoca a
necessidade de dosar o relacionamento entre a propriedade privada e o
reconhecimento de seu papel social acarreta uma polivalência da instituição
62
A função social do contrato no Novo Código Civil, p. 77.
Conforme relatado pelo Ministro Celso de Mello em julgamento de Mandado de Segurança nº
23.452-1 impetrado em face de ato do Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito.
64
Diritto Privato E Interessi Pubblici, p. 25.
63
44
privada no atendimento aos interesses individuais e de interesse geral. Nessa
dosagem, se não pudermos considerar a propriedade (bem) como essencial à
liberdade (direito) e necessária à sua própria garantia (utilidade econômica
do bem), ao menos podemos dizer que ela contribui para o exercício e o
desenvolvimento da liberdade dos associados e, portanto, age também no
interesse geral. Esta é a escolha constitucional.
Assim, conclui o doutrinador, que o interesse geral não é
limite do direito privado, mas sim meio de solução do conflito entre a
propriedade e a atividade, que deverá refletir uma escolha de interesse geral.
Especificamente quanto à atividade, na mesma obra, o
Professor italiano frisa, ainda que esta deve ser mais que apenas ser e
ganhar. Os instrumentos65 e as ações também devem ter relação com o
interesse geral, que se estabelece na noção de mérito, exigindo-se
conformidade com a ordem jurídica e a consciência social. Tanto atividade
como contrato das empresas (públicas ou privadas) devem inspirar-se na
responsabilidade de suas ações, adequando as exigência de mercado às
orientações comunitárias. Explica que contrato e empresa são instituições de
direito privado, mas não necessariamente privados com relação ao indivíduo,
sugerindo-se uma privatização dos meios e não dos fins.
O mencionado autor finaliza a importante abordagem em
busca da harmonização entre o privado e o público, sem pretender defender
o setor privado, concluindo que o interesse público pode usar o direito
privado, mas não pode pedir ao direito privado mais do que este pode
oferecer, e deve aceitar do direito privado, o que lhe é essencial.
65
Os instrumentos gerais de ordem privada para uma ação juridicamente relevante, são
essencialmente três; o contrato, a empresa e a sociedade.
45
3.3. Função Social e Lucro
O poder-dever de perseguir o bem-estar social, imposto
pela função social da empresa, vem sendo paulatinamente exercido pelas
companhias, mas saltam aos olhos, especialmente dos juristas, duas
complexidades66: compatibilização da função social com o lucro; e a (in)
segurança jurídica ante a cláusula geral – função social.
A primeira diz respeito a possibilidade de compatibilizar
a essa teoria da função social das empresas com o seu objeto, qual seja,
obtenção de lucro.
Antes de cotizar a função social com o lucro, vale
enfatizar que o objetivo da empresa é obter lucros. Ou seja, a idéia da busca
do lucro na atividade empresarial é tomada como conduta finalista, embora
alguns doutrinadores entendam que pode existir uma atividade empresarial
cujos objetivos primordiais não sejam o lucro imediato.
Nesse sentido, OSCAR BARRETO FILHO, defende que
“muitos autores caracterizam a empresa privada como
tendo por finalidade específica o lucro, o que não afigura
correto. Esta conceituação está superada, porque o lucro é
antes um resultado da atividade empresarial, e não uma
finalidade em si. Decorre o lucro da diferença entre
rendimento
auferido em determinado período e
as
despesas oriundas dos fatores produtivos na realização
66
Sem falar, como lembrou Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli, no temor de que venha “a teoria da
função social da empresa ficar adstrita apenas àqueles pequenos mais facilmente tangíveis e, ao
mesmo tempo, servir de discurso para os Estados descuidarem do trato dos assuntos sociais, como
se estes não fossem mais a razão de sua existência.” Temas Atuais de Direito Civil na Constituição
Federal, p. 239.
46
do processo econômico da criação de bens ou prestação
de serviços... O lucro constitui índice de vitalidade e
condição de eficiência e não uma característica inerente à
empresa. O espírito do lucro pode ser móvel psicológico do
empresário,
não
porém
a
finalidade
da
própria
empresa.”67
Outrossim, adotando-se a primeira posição, vê-se que
essa finalidade está contemplada em lei. Tomando como exemplo a sociedade
anônima, lembra o Professor COMPARATO que “a companhia não poderá,
jamais, renunciar à sua finalidade lucrativa (art. 2º), ainda que todos os
acionistas renunciem solenemente a receber dividendos e sejam movidos pelo
mais elevado intuito altruístico, ou pela intenção de participar de alguma
campanha pública de auxílio social”. Acrescenta, ainda, que o não
atendimento da finalidade lucrativa autoriza a dissolução judicial de uma
companhia (art. 206, II, b, da Lei nº 6.404).
68
Para CELSO RIBEIRO BASTOS, não existe incompatibilidade
entre a fruição individual da propriedade – no caso da empresa representada
pela busca do lucro – e o atingimento dos fins sociais.
Explica BASTOS que “o cerne do nosso sistema jurídicopolítico repousa no fato de que não há uma oposição irrefragável entre o social
e o individual ou mesmo de que o social avança na medida em que se sufocam
os direitos individuais. A feição ainda predominantemente liberal da nossa
Constituição acredita que há uma maximização do atingimento dos interesses
67
68
A dignidade do direito mercantil. p. 18.
Estado, Empresa e Função Social, p. 45.
47
sociais pelo exercício normal dos direitos individuais”69, concluindo que “há
uma perfeita sintonia entre a fruição individual do bem e o atingimento da sua
função social”.70
BASTOS, entretanto, vê a utilização personalista e egoísta
da propriedade pelo seu titular, como um abuso do direito de propriedade
que o sujeita as restrições desta propriedade na forma da Constituição. Esse
abuso ou deformidade é coibido pela ordem jurídica, pela função social.
Assim, “a chamada função social da propriedade nada mais é do que o
conjunto de normas da Constituição que visa, por vezes até com medidas de
grande gravidade jurídica, a recolocar a propriedade na sua trilha normal.”71
No mesmo sentido, para BRUNA, o exercício da atividade
econômica contrário à sua finalidade social é caracterizado quando há um
abuso nesse exercício.
SÉRGIO VARELLA BRUNA72 através dos institutos do
“abuso de direito” e do “desvio de finalidade” ou “desvio de poder” chega ao
conceito de “abuso do poder econômico”. Nesse trabalho o citado autor
mostra a controvérsia de alguns doutrinadores com relação ao direito de
possuir
uma
finalidade
social,
que
quando
não
observada
e
em
desconformidade com o equilíbrio dos interesses juridicamente protegidos,
deixa o ato de ser lícito, tornando-o reprovável. A manutenção desse
equilíbrio compete ao Estado.
69
Observa-se aqui, que o mencionado doutrinador, refere-se a exercício normal do direito individual.
No presente caso, o direito de propriedade dos bens de produção teria seu exercício normal com a
produção suficiente para atender ao seu mercado. Celso Bastos, assim justifica:
“Sem produção abundante não há bem-estar social, mesmo porque todos os planos que interessam
mais diretamente à qualidade de vida do cidadão dependem de grandes somas de dinheiro para
implementação: desenvolvimento da educação, da saúde, da habitação, da ecologia...” Curso de
Direito Constitucional, p. 212.
70
Ibidem, p. 209/210.
71
Ibidem, pág. 210.
72
O Poder Econômico e a Conceituação do abuso no seu exercício.
48
Ao contrário, JOSÉ AFONSO
DA
SILVA não acredita na
possibilidade de conciliar o modelo capitalista com o objetivo social,
asseverando que “a história mostra que a injustiça é inerente ao modo de
produção capitalista, mormente do capitalismo periférico”73. O sistema
econômico da propriedade privada dos meios de produção é basicamente
capitalista, “que a vigente Constituição tenta civilizar, buscando criar, no
mínimo, um capitalismo social, se é que isso seja possível, por meio da
estruturação de um ordem social intensamente preocupada com a justiça
social e a dignidade da pessoa humana.”74
SERGIO VARELLA BRUNA faz forte crítica ao exercício da
atividade econômica com vistas ao lucro, denominando tal agir de usurpação
da renda social.
“Seu
exercício,
portanto,
não
deve
ser
pautado
exclusivamente por interesses de cunho egoísta, já que,
como visto, a maximização de lucros a que tais interesses
conduzem é forma de usurpação da renda social,
verdadeiro obstáculo à consecução do ideal de justiça
social, que somente se realiza mediante distribuição
eqüitativa de riqueza.”75
3.4. Função Social e Segurança Jurídica.
73
Tal conclusão é emanada ao tratar do fim da ordem econômica, qual seja, assegurar a todos
existência digna, conforme os ditames da justiça social. Explica que tal declaração da finalidade não
se efetiva por si só, bem como, que o sistema econômico, de base capitalista, é essencialmente
individualista, no qual, a acumulação ou concentração do capital e da renda, “que resulta da
apropriação privada dos meios de produção, não propicia efetiva justiça social, porque nele sempre
se manifesta grande diversidade de classe social, com amplas camadas de população carente ao
lado de minoria afortunada.” Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 763.
74
Ibidem, p. 787.
75
O Poder Econômico e a Conceituação do abuso no seu exercício, p. 172.
49
Essa segunda questão a ser compatibilizada com a
função social, e para a qual o Direito mais se interessa, diz respeito à
mitigação da segurança jurídica.
Embora a função social se apresente, na Constituição
Federal, como verdadeira norma jurídica nem sempre presente no mundo do
ser, está dotada de vigência, validez e obrigatoriedade.76
A cláusula geral - função social da empresa77, como as
demais cláusulas gerais e os conceitos legais indeterminados78, é geral e
extremamente vaga. O reconhecimento do segundo encontra na norma
determinada conseqüência, já para o primeiro – cláusula geral – não há
previsão da conseqüência na norma, propiciando “ao juiz a oportunidade de
criar a solução”79, exercendo papel de suma importância em razão dos
poderes que lhe são conferidos por essa função instrumentalizadora das
cláusulas gerais.
76
Rogério Gesta Leal, assim qualifica os direitos e garantias fundamentais. A Função Social da
Propriedade e da Cidade no Brasil: aspectos jurídicos e políticos, p. 105.
77
“4. Sistema do Código Civil. Cláusulas gerais. O sistema do CC permeia-se por uma profusão
de cláusulas gerais. No que interessa ao Direito de Empresa, as principais cláusulas gerais que
informam seu regime jurídico são a da dignidade da pessoa humana (CF 1º III), da livre concorrência,
da função social da propriedade, do direito do consumidor e do meio ambiente, da função social da
empresa (CF 170 caput), da função social do contrato (CC 421 e 2035 par. ún.). Nelson Nery Junior e
Rosa Maria de Andrade Nery, Novo Código Civil e legislação extravagante anotados, p. 342.
78
“13. Conceitos legais indeterminados. Definição. Conceitos legais indeterminados são palavras ou
expressões indicadas na lei, de conteúdo e extensão altamente vagos, imprecisos e genéricos, e por
isso mesmo esse conceito é abstrato e lacunoso. Sempre se relacionam com a hipótese de fato posta
em causa. Cabe ao juiz, no momento de fazer a subsunção do fato à norma, preencher os claros e
dizer se a norma atua ou não no caso concreto. Preenchido o conceito legal indeterminado
(unbestimmte Gesetzbegriffe), a solução já está preestabelecida na própria norma legal, competindo
ao juiz apenas aplicar a norma, sem exercer nenhuma função criadora. Distinguem-se das cláusulas
gerais pela finalidade e eficácia. A lei enuncia o conceito indeterminado e dás as conseqüências dele
advindas.” Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, Novo Código Civil e legislação
extravagante anotados, p. 5.
79
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, Novo Código Civil e legislação extravagante
anotados, p. 7.
50
Explica CLÓVIS
DO
COUTO
E
SILVA80, que com a edição
desses conceitos abertos, “a ordem jurídica atribui ao juiz a tarefa de adequar
a aplicação judicial às modificações sociais, uma vez que os limites dos fatos
previstos pelas aludidas cláusulas gerais são fugidios, móveis; de nenhum
modo fixos.”
Alguns doutrinadores espanhóis, ao interpretarem a
aplicação da função social esculpida no Código Civil espanhol, têm afastado
a interpretação que possa levar ao conceito aberto, entendendo que os
limites da sua aplicação no direito de propriedade devem estar descritos na
lei.
“Esta
solución
interpretativa
podría
aumentar
la
discreccionalidad judicial, poniendo em peligro la mínima
certeza
del
Derecho
que,
em
todo
caso,
resulta
aconsejable. Amparándose en la realidad social, el Juez
gozaria de un amplio margen de apreciación que,
posiblemente, podría suponer una lesión de la garantia de
la seguridad jurídica. Por esta y otras razones, se suele
indicar que es conveniente que las condiciones sociales a
tener en consideración encuentren reconocimiento – al
menos indirecto o en gérmen – em la ley.”81
Certo é também que, na prática, como ressalva já feita
anteriormente, os Juízes não têm conseguido dar efetividade às cláusulas
abertas, em especial quando se referem aos direitos humanos e sociais. Em
longa análise da atuação do Judiciário com relação a concretude dos
princípios constitucionais, GILBERTO BERCOVICI ressalta que “considerada a
80
Estudos de Direito Civil Brasileiro e Português: I Jornada Luso-Brasileira de Direito Civil, p. 50.
Rafael Colina Garea, La Función Social de La Propiedad Privada em la Constitución Espanõla de
1978, p. 233.
81
51
partir de seu ethos cultural, corporativo e profissional, a magistratura
brasileira tem desprezado o desafio de preencher o fosso entre o sistema
jurídico vigente e as condições reais da sociedade, em nome da ‘segurança
jurídica’ e de uma visão por vezes ingênua do equilíbrio entre os poderes
autônomos. Apenas a base da magistratura brasileira, por meio de alguns
poucos – porém expressivos – juízes de primeira instância, é que tem tentado
promover certas mudanças.”82
Para o operador do Direito sempre foi difícil lidar, dentro
das
teorias
das
fontes,
com
aquilo
que
pudesse
ser
considerado
metajurídico, como por exemplo, os princípios83. Ou seja, tudo aquilo, como
a exemplo das cláusulas gerais, que permite o ingresso no ordenamento
jurídico
“de
princípios
valorativos,
expressos
ou
ainda
inexpressos
legislativamente, de standards, máximas de conduta, arquétipos exemplares
de comportamento, das normativas constitucionais e de diretivas econômicas,
sociais e políticas, viabilizando a sua sistematização no ordenamento
positivo”, não proporcionam conforto aos operadores.
Se, de um lado, a cláusula geral tem a vantagem da
maior mobilidade, abrandando a rigidez da norma casuística, propiciando ao
sistema atualização e longa aplicabilidade dos institutos jurídicos, assusta, o
novo papel conferido ao juiz pelo novo Código Civil, em razão do grau de
incerteza no preenchimento das cláusulas gerais com valores metajurídicos,
gerando insegurança jurídica.
82
Gilberto Bercovici, Constituição Econômica e Desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituição
de 1988, p. 111.
83
Vale lembrar que “cláusula geral não é princípio, tampouco regra de interpretação; é norma jurídica,
isto é, fonte criadora de direitos e de obrigações” Judith Martins-Costa apud Nelson Nery Junior e
Rosa Maria de Andrade Nery, Novo Código Civil e legislação extravagante anotados, p. 6.
52
Ocorre, entretanto, que o relacionamento do Direito com
o “todo social”, em razão da demanda da própria sociedade moderna,
começou, como ressalta JUDITH MARTINS-COSTA, “a se movimentar em torno de
outro paradigma, o de sistema aberto, ou sistema de auto-referência
relativa”84, afastando-se do “mundo da segurança” com regras claras e
seguras, e em conseqüência, estáticas.
A formação de uma nova ordem jurídica constitucional,
na qual os institutos jurídicos85 migraram do direito privado, em especial o
Código Civil, para o texto constitucional, propiciaram a criação de cláusulas
abertas para os disciplinarem. MARCOS ALBERTO SANT’ANNA BITELLI faz um
curioso paralelo entre a operacionalização dessa nova ordem jurídica com a
evolução do sistema de informática do MS-DOS – limitado – para o windows,
apontando também como conseqüência dessa mudança, a insegurança
jurídica, arrematando que:
“Não foi só a derrubada da summa divisio que ocorreu (já
após muito custo reconhecida pelos juristas), mas sim a
ruptura de todos os cercadinhos que isolavam de forma
segura (pelo menos para o usuário do sistema jurídico) os
diversos institutos jurídicos.” 86
3.5. A Função Social da Empresa no Código Civil
84
A Boa-Fé no Direito Privado, p. 275.
Institutos tais como a propriedade, a família e a empresa são tutelados hoje na Constituição
Federal.
86
Temas atuais do direito civil na Constituição Federal, p. 231.
85
53
A propriedade está disciplinada no Código Civil, no artigo
1228, in verbis:
Art. 1228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar
e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de
quem quer que injustamente a possua ou detenha.
§ 1º. O direito de propriedade deve ser exercido em
consonância com as suas finalidades econômicas e
sociais
e
de
modo
que
sejam
preservados,
de
conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora,
a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o
patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a
poluição do ar e das águas.
§ 2º. São defesos os atos que não trazem ao proprietário
qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados
pela intenção de prejudicar outrem.
O artigo transcrito condiciona o exercício do direito
subjetivo de propriedade ao atendimento das finalidades econômicas e
sociais (§ 1º), sendo que essa função não está sujeita a derrogação por
vontade das partes, conforme lecionam NELSON NERYJUNIOR e ROSA MARIA
DE
ANDRADE NERY:
“Função social da propriedade. Natureza jurídica. É
princípio de ordem pública, que não pode ser derrogado
por vontade das partes. O CC 2035 par. ún. é expresso
nesse sentido, ao dizer que nenhuma convenção pode
prevalecer se contrariar preceitos de ordem pública, como
54
é o caso da função social da propriedade e dos contratos
(CC 421).”87
O legislador optou por não dar o conceito legal de
empresa, limitando-se a arrolam fatos que a qualificam. Entretanto,
conceitua-se empresário no artigo 966, in verbis:
Art.
966.
Considera-se
empresário
quem
exerce
profissionalmente atividade econômica organizada para a
produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Parágrafo único. Não se considera empresário quem
exerce profissão intelectual, de natureza científica,
literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares
ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão
constituir elemento de empresa.
O art. 1142 do Novo Código Civil permite concluir que
empresa é a atividade exercida do empresário ou da sociedade empresária.
Unindo os arts. 966 e
1142, chega-se ao seguinte conceito de empresa:
empresa constitui o exercício profissional da atividade econômica organizada
para a produção ou circulação de bens e de serviços.
Da
definição
supra,
deduz-se
três
elementos:
economicidade (criação de riquezas, lucro), organização (fatores da produção:
capital, trabalho e natureza) e profissionalidade (exercício habitual e
sistemático).
87
Novo Código Civil e legislação extravagante anotados, p. 418.
55
Alguns outras importantes alterações na ordem então
vigente sobre empresa, veiculadas no Novo Código Civil são: (a) transposição
do fenômeno socioeconômico da empresa para o plano jurídico; (b)
manutenção de responsabilidade e proteção, através da obrigatoriedade de
registro, mantença de livros e escrituração, normas de concorrência e
outras; (c) exclui a profissão intelectual, os empresários rurais e pequenos
empresários; (d) estrutura das sociedades – simples e empresárias.
Acrescidas das leis específicas: sociedade anônima, comandita por ações e
sociedades cooperativas, sociedade limitada; (e) distingue a pessoa jurídica
de fins não econômicos (associações e fundações) e as de escopo econômico
(sociedade simples e sociedade empresária); (f) adota a possibilidade de
responsabilização pessoal do empresário, se usar maliciosamente a pessoa
jurídica para auferir lucro indevido em prejuízo de terceiro.
No tocante à disciplina legal da empresa, o Novo Código
Civil também sofre a interferência da ordem constitucional.
O diploma civilista manteve o princípio da autonomia de
vontade como elemento fundamental que possibilita a celebração livre de
negócios jurídicos, desde que não atentem contra manifestos interesses da
coletividade.
Os princípios fundamentais gerais esculpidos no Novo
Código Civil são: socialidade; eticidade; e concretude. Por serem gerais
devem guiar o intérprete. Assim, a não inserção pelo Novo Código Civil da
função social com referência ao empresário não sofre prejuízo, porque
socialidade e concreção condicionam todas as disposições civis à observância
da função social.
56
Esse condicionamento é reforçado pelo fato de que o
Novo Código Civil vincula o empresário ao direito obrigacional unificado
(direito das obrigações das pessoas privadas) e não mais ao estatuto de
classe (Código Comercial).
Ora, nós que somos fortes, devemos suportar as
debilidades dos fracos, e não agradar-nos a nós
mesmos. Portanto cada um de nós agrade ao
próximo no que é bom para a edificação. Rm
15:1.2
CAPÍTULO IV
SOLIDARIEDADE SOCIAL
4.1. Solidariedade como valor. 4.2. Princípio constitucional da solidariedade.
4.3. A imposição da solidariedade.
4.1. Solidariedade como Valor.
Observando-se as diversas situações a que se depara
hoje, o homem, fixa-se, mais uma vez, a atenção à dignidade humana,
devendo ser destacado que o interesse geral do ser humano não requer
apenas respeito e isenção, como também requer ação – conforme o dever
constitucional de solidariedade – cuja aplicação direta é o dever de socorro,
sancionado também penalmente.
57
Em trabalho sobre os Direitos Humanos e as Relações
Jurídicas Privadas, GUSTAVO TEPEDINO recorda diversos casos de conflito
entre a cláusula geral da tutela da dignidade da pessoa humana e a
atividade econômica asseverando que é possível “aduzir que as pressões do
mercado, especialmente intensas na atividade econômica privada, podem
favorecer
uma
conspícua
violação
à
dignidade
da
pessoa
humana,
reclamando por isso mesmo um controle social com fundamento nos valores
constitucionais.”88
A solidariedade sempre esteve presente em contextos
históricos em que de tentou explicar a relação entre Estado e o indivíduo,
ganhando
diversas
conotações
até
chegar
ao
status
de
princípio
constitucional.
Segundo
a
doutrina
de
FRANCESCO LUCARELLI89,
a
solidariedade deveria constituir campo experimental para um juízo de
responsabilidade subjetiva e social, qualificando os deveres do indivíduo
para com a sociedade e, correlativamente, as obrigações do Estado no
confronto dos componentes do núcleo organizado.
RICARDO LOBO TORRES90, chama a atenção para que a
solidariedade por ser visualizada ao mesmo tempo como valor ético e jurídico
e como princípio positivado, mas é sobretudo uma obrigação moral ou um
dever jurídico.
88
Temas de Direito Civil, p. 66. E justifica o reclamo:
“A Constituição da República, ponto de equilíbrio entre as diversas forças políticas nacionais,
oferece parâmetros para o exercício do necessário controle da atividade econômica privada. Seja por
seu caráter compromissório, seja pela maior estabilidade do processo legislativo necessário à sua
revisão, seja por sua posição hierárquica no ordenamento jurídico, deve ser utilizada sem qualquer
cerimônia pelo operador, aproveitando-se da opção do constituinte pela intervenção nos institutos do
direito civil, como propriedade, família, atividade empresarial, relações de consumo.”
89
Solidarietá e Autonomia Privata, Napoli, Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene, 1970.
90
Solidariedade Social e Tributação, p. 198-199.
58
O citado autor, recorda que a solidariedade é valor
fundante do Estado de Direito, sendo que “a reaproximação entre ética e
Direito nas últimas décadas trouxe, entre as suas inúmeras conseqüências, a
recuperação da idéia de solidariedade, que o liberalismo do século XIX e de
boa parte do século XX abandonara.”91
Essa retomada da idéia de solidariedade ganha vulto
com a afirmação da então qualificada pelo Professor português JOSÉ CASALTA
NABAIS de “quarta geração de direitos fundamentais, constituída justamente
pelos
designados
‘direitos
ecológicos’
ou
‘direitos
de
solidariedade’”,
considerado esse último em sentido amplo que cobre também direitos da
terceira geração ou direitos sociais.92
Em
elucidativo
trabalho,
o
doutrinador
português,
traduz em que consiste a cidadania – na medida em que lhe são ou não
conferidos os direitos sociais – a fim de incluí-la nos deveres que a
solidariedade deve suportar.
Para tanto, em apertada síntese, podemos dizer que o
Professor,
para
a
compreensão
do
sentido
e
alcance
da
idéia
de
solidariedade, refere-se às seguintes distinções93: (a) solidariedade dos
antigos e solidariedade dos modernos, a primeira tida como virtude
indispensável na relação com os outros e a segunda como um “princípio
jurídico e político cuja realização passa quer pela comunidade estadual, seja
enquanto comunidade política, seja enquanto comunidade social, quer pela
91
Idem, p. 198.
Solidariedade Social e Tributação, p. 111.
93
A diversidade a que trata o Professor português pode ser vista na obra cit., p. 112-117.
92
59
sociedade civil ou comunidade cívica”94; (b) solidariedade mutualista e
solidariedade altruísta, sendo essa última aquela em que “a ação solidária se
apresenta como uma dádiva, segundo uma regra de gratuidade, isto é, sem
esperar qualquer contrapartida da parte dos beneficiários da atividade
solidária”95 diferente daquela que era sustentada pela intenção de criar
riqueza comum; e, (c) solidariedade vertical e solidariedade horizontal, sendo
que na primeira a responsabilidade é do Estado de garantir aos membros da
comunidade um adequado nível de realização dos direitos sociais, enquanto
que na horizontal se caracteriza pelo voluntariado social “em que o Estado
convoca a colaboração economicamente desinteressada dos indivíduos e
grupos sociais, mobilizando-a para a realização daqueles direitos sociais ou
dos direitos sociais daqueles destinatários relativamente aos quais a atuação
estatal, ou mais amplamente a atuação de carácter institucional, não está em
condições de satisfazer”96, como no nosso contexto vislumbramos o
Programa Fome Zero, v.g..
O autor em questão coroa essa parte do seu trabalho,
destacando com respeito à cidadania, com os fenômenos da sobrecidadania e
da subcidadania, além das múltiplas e variadas formas de descidadania
configurada pela insuficiência ou ausência da capacidade de exercício da
cidadania, e que concebe como formas de exclusão social.
Nesse brilhante estudo de solidariedade e cidadania, o
autor conclui pela existência de importantes relações entre a solidariedade
social e a cidadania, a que condensa em cidadania solidária “em que o
94
Ibidem, p. 113.
Ibidem, p. 114.
96
Ibidem, p. 117.
95
60
cidadão assume um novo papel, tomando consciência de que o seu
protagonismo ativo na vida pública já se não basta com o controle do exercício
dos
poderes.
Antes
também
passa
pela
assunção
de
encargos,
responsabilidades e deveres que derivam dessa mesma vida pública e que
não podem ser encarados como tarefa exclusivamente estadual”.97
Válida é, ainda, a transcrição da análise do termo
solidariedade feita por MARCIANO SEABRA
DE
GODOI, que também distingue
solidariedade de fraternidade98, embora afins, na medida em que essa última
possa envolver uma dose maior de afeto, de pessoalidade ou de comunhão.
“O termo solidariedade, apesar de plurívoco, aponta
sempre para a idéia de união, de ligação entre as partes
de um todo. Etimologicamente, solidariedade remonta a
termos latinos que indicam a condição de sólido, inteiro,
pleno. A solidariedade une ou integra duas ou mais
pessoas no seio de uma mesma obrigação jurídica (donde
devedores ou credores solidários), no seio de uma mesma
condição ou grupo social (por exemplo, a solidariedade
entre os trabalhadores, entre os empresários, entre os
acometidos pela mesma enfermidade), ou no seio de um
mesmo sentimento ou estado anímico (por exemplo, o
indivíduo que se solidariza com o semelhante que
sofre).”99
MARCO AURÉLIO GRECO melhor explica a distinção entre
fraternidade e solidariedade, conforme se vê:
97
Ibidem, p. 125.
Vale recordar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, em seu preâmbulo,
concebe todas as pessoas como membros da família humana, e no art. 1º determina que todos
devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.
99
Solidariedade Social e Tributação, p. 142.
98
61
“Fraternidade e solidariedade não são sinônimos,
mas conceitos que se completam, pois, enquanto a
segunda se exprime nos múltiplos modos de auxílio ao
semelhante e de agir ‘junto com o próximo’, a primeira
abrange, além disso, a tolerância, o amor e o respeito ao
outro, bem como outras formas de agir ‘em benefício do
próximo’, o que inclui, por exemplo, a filantropia.”100
4.2. Princípio constitucional da solidariedade.
Todos os ramos do direito tem seus fundamentos no
texto constitucional. Uma das áreas a primeiro de preocupar com o princípio
da solidariedade foi a tributária e financeira101, na medida em que a
tributação sujeita o proprietário a contribuir com o bem estar geral. Ou seja,
a solidariedade social é fundamento do tributo que reverte-se para suprir as
despesas púbicas destinadas a custear bens e serviços que devem ser
colocados a disposição de todos.
GRECO aponta a presença da solidariedade social no
debate tributário, em três momentos distintos: (a) na justificação da
exigência, ora como fundamento ora como objetivo, na medida em que o
Poder Público deve justificar os dispêndios estatais; (b) nos critérios de
congruência, que norteiam a atividade legislativa tributária; e, (c) no critério
100
Idem, p. 174.
Ver a respeito: Marco Aurélio Greco e Marciano Seabra de Godoi (coord.), Solidariedade Social e
Tributação.
101
62
de interpretação
quando em debate normas positivas condicionadas aos
princípios constitucionais.102
Na forma de princípio, a solidariedade está contemplada
na Constituição Italiana, no artigo 2º segundo o qual
“A República reconhece e garante os direitos invioláveis
do homem, seja como indivíduo, seja nas formas pelas
quais se desenvolve a sua personalidade e exige o
cumprimento de deveres inderrogáveis de solidariedade
política, econômica e social.”
Também encontramos o princípio da solidariedade no
preâmbulo da Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia, entre os
valores em que se funda a União. Segundo a Carta Constitucional aprovada
em Roma, em 2004, os valores da União Européia são os “(...) da dignidade
humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de direito e
do respeito aos direitos humanos. Estes valores são comuns aos Estadosmembros numa sociedade fundada no pluralismo, na tolerância, na justiça, na
solidariedade e na não-discriminação.”
A Constituição portuguesa de 1976, por sua vez, no art.
1º, declara o empenho da República em construir uma “sociedade livre, justa
e solidária”.
A
solidariedade
está
reconhecida
na
Constituição
espanhola de 1978, que em seu artigo 2º determina para fazer efetivo o
princípio da solidariedade entre as regiões era constituído um Fundo de
Compensação destinado a promover investimentos regionais (art. 158.2). Ao
102
Idem, p. 168-169.
63
regular a política econômica e social, a Constituição espanhola, ainda, apóia
a proteção da qualidade de vida e do meio ambiente na indispensável
solidariedade coletiva (art. 45.2).
No
texto
constitucional
Brasileiro,
o
princípio
da
solidariedade está expresso no inciso I, do artigo 3º, da Carta Política, in
verbis:
Art.
3º.
Constituem
objetivos
fundamentais
da
República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
Segundo DOUGLAS YAMASHITA, a Constituição de 1988
sintetiza em seu artigo 3º, I, os mesmos princípios da Revolução Francesa:
liberte, egalité, fraternité.
“Trata-se de um compromisso do reequilíbrio harmônico
destes direitos fundamentais como reação ao privilégio da
liberdade em detrimento da igualdade material e da
fraternidade ou solidariedade durante o Estado liberal
burguês.”103
Alguns
doutrinadores
identificam
a
influência
do
princípio da solidariedade, em nível infraconstitucional, especificamente no
Código Civil, na prevalência neste texto legal de valores sociais, como o
princípio da sociabilidade e a função social, nesse último, tal como a função
social do contrato (artigo 421) a limitar a própria autonomia de vontade v.g..
4.3. A imposição da solidariedade.
103
Solidariedade Social e Tributação, p. 53.
64
Apesar da a vagueza semântica da expressão “sociedade
solidária”, JUDITH MARTINS-COSTA entende que as regras constitucionais que
primam pela solidariedade e valoração do bem-estar do indivíduo e impõem
fins a serem perseguidos, se constituem em “norma-objeto” e “não se
confundem com as chamadas “normas programáticas”, porque obedecem a
diverso critério classificatório: enquanto essas obedecem ao critério da
eficácia, as normas-objetivo são assim classificadas em vista do critério do
conteúdo.”104
A Professora lembra que “ao estatuir como objetivo
fundamental da República a construção de uma sociedade livre, justa e
solidária, a Constituição conformou um modelo de mercado assentado, de um
lado, na liberdade de iniciativa econômica, de outro, na valorização do
trabalho e na defesa do consumidor, princípios conducentes, todavia, à
consecução de um preciso fim – a construção de uma sociedade solidária –
livre, justa e solidária, como afirma o art. 3º.”105
Como ensina Judith Martins-Costa, política, normaobjetivo, policy, é programa de ação, que na esfera privada implica também
em
deveres
–
contidos
em
uma
pauta
-,
em
razão
da
sua
constitucionalização. Representam o instrumento de concretização das
normas constitucionais. Assim, a diretriz do artigo 3º da Constituição
Federal “configura ‘critério indiciário d(os) fins’, que devem ser implementados
104
Assim resume Judith Martins-Costa, a aplicação da expressão “norma-objetivo” por Eros Roberto
Grau. E, apresenta, ainda, a expressão em inglês – policy – aplicada por Ronald Dworkin para indicar
as pautas que estabelecem objetivos a serem alcançados, em regra referidos a aspectos
econômicos, políticos ou sociais, e assim distinta dos princípios, porque estes têm conteúdo
axiológico, voltando-se funcionalmente ao atingimento de imperativos de justiça, de honestidade ou
de outras dimensões da moral.” A reconstrução do Direito Privado, p. 621.
105
A Reconstrução do Direito Privado. p. 620.
65
pelas
normas
de
conduta,
nesta
medida
corolários
imperativos,
e
necessariamente incidentes nas relações de mercado, da diretriz que busca a
construção de uma sociedade solidária.”106
A autora ressalta esses imperativos, em especial na
atividade do intérprete do Direito, senão vejamos:
“Por certo, a existência de deveres decorrentes da
solidariedade
Constituição,
social
à
impõe-se
medida
que
ao
não
intérprete
seria
da
admissível
considerar as suas normas como vazias de significado e
eficácia verdadeiramente normativos, devendo-se, por
isso mesmo, buscar sua concreção.”
Tais deveres instrumentais – que têm por escopo
permitir a implementação do objetivo posto no artigo 3º da Constituição
Federal – de fato, não estão restritos ao Estado, mas estendem-se também
para os detentores do poder econômico ou social. Deve-se então determinar
como que esses deveres passam do plano abstrato à concreta realidade das
relações intersubjetivas.
De certo parece-nos que somente via normas de conduta
de mercado107 ou de preceitos éticos108 é que é possível a concreção dos
direitos sociais, consubstanciado em responsabilidade social empresarial
que melhor veremos adiante.
106
Ibidem, p. 622.
Conforme já se transcreveu a assertiva de Judith Martins-Costa.
108
Segundo Eduardo Teixeira Farah, A Reconstrução do Direito Privado, p. 690.
“Para que a empresa possa justificar seus lucros em face da diretriz constitucional da
solidariedade social, é curial que atenda a inúmeros preceitos éticos, tanto no âmbito interno como
externo.”
Ver a esse respeito e na seqüência, o autor analisa alguns dos deveres de cada um dos âmbitos. p.
690-709.
107
66
Com respeito ao princípio constitucional aqui tratado,
para JUDITH MARTINS-COSTA, além do auxílio da lei para inserir a diretriz da
solidariedade social nas condutas reguladas pelo Direito, pode-se também
ensejar a sua construção por via da atividade judicial – por se tratar de
cláusulas gerais.
Para o princípio da solidariedade, assim como para o
princípio da função social, como já vimos, fácil é a aplicação do dever
negativo que o princípio gera, ou seja, a legislação não poderá nunca conter
preceito que conflite com o objetivo da construção de uma sociedade
solidária,
bem
como
o
princípio
deve
informar
as
interpretações
especialmente do Judiciário.
Mas como se verifica o dever de prover o mínimo dos
direitos ao cidadão para o particular – empresário -, na forma positiva? Ou
seja,
a
solidariedade
quando
vista
entre
particulares
tem
ou
não
fala
em
coercibilidade?
Segundo
RAQUEL
SZTAJN,
“quando
se
solidariedade apela-se para um dever que não se impõe, especialmente de
forma coercitiva, mas em que se espera alguma cooperação entre pessoas
visando a aumentar o bem-estar coletivo.”109
NABAIS,
em um primeiro momento também tende a
concordar que há incompatibilidade entre a solidariedade e a imposição –
cogência -, destacando que impor deveres exigíveis através da coação, em
109
E complementa: “Essa idéia de solidariedade é antiga, seja por resultar de práticas religiosas, seja
pela sensação de que há dever de auxiliar os menos afortunados, de forma a restringir algumas das
desigualdades sociais; o ‘novo’ é que chegue às atividades econômicas não voltadas à filantropia, a
caridade.” A Responsabilidade Social das Companhias.
67
última instância, seria negar a própria idéia de solidariedade. Salienta,
também, que se viável ao Estado impor deveres para a concretização da
cidadania, ante a sua incapacidade ou impossibilidade em realizar alguns
dos aspectos da cidadania, dispensável seria esse tipo de solidariedade.
Mas, reconhece que o Estado (legislador) pode atuar por
outras vias, a da promoção ou do incentivo110, nos mesmos moldes em que,
como veremos adiante, no direito pátrio, trata EROS ROBERTO GRAU
das
normas de indução.
110
José Casalta Nabais, Solidariedade Social e Tributação, p. 125.
68
CAPÍTULO V
RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL
5.1. Terminologia de Responsabilidade. 5.1. O termo “responsabilidade”.
5.1.2. “Responsabilidade” Civil. 5.1.3. Um novo termo: solidariedade social.
5.2. Fatores históricos da Responsabilidade Social Empresarial. 5.3.
Conteúdo da Responsabilidade Social Empresarial. 5.4. Quem são os
responsáveis? 5.5. O papel do empresário. 5.6. Empresa socialmente
responsável. 5.7. Identificação da Responsabilidade Social Empresarial no
ordenamento jurídico. 5.7.1. Função Social e Responsabilidade Social
Empresarial. 5.7.2. Solidariedade e Responsabilidade Social Empresarial.
5.8. Regulamentação da Responsabilidade Social Empresarial. 5.8.1.
Planejamento da Atividade Econômica. 5.8.2. Normalização da
Responsabilidade Social Empresarial. 5.8.3. Casuística. 5.9. Projetos Sociais.
5.9.1. Os diversos públicos. 5.9.2. Os resultados. 5.10. Os benefícios da
Responsabilidade Social Empresarial e o seu abuso. 5.11. Responsabilidade
Civil no comportamento positivo.
5.1. Terminologia de Responsabilidade.
5.1.1. O termo “responsabilidade”.
A palavra responsabilidade não á unívoca111.
111
E sim equívoca, vez que significa várias coisas, comportando vários conceitos.
69
Como
ressalta
PATRÍCIA
ALMEIDA
ASHLEY,
a
“responsabilidade social significa algo, mas nem sempre a mesma coisa para
todos. Para alguns, ela representa a idéia de responsabilidade ou obrigação
legal; para outros, significa um comportamento responsável no sentido ético;
para outros, ainda, o significado transmitido é o de ‘responsável por’, num
modo causal. Muitos, simplesmente, equiparam-na a uma contribuição
caridosa; outros tomam-na pelo sentido de socialmente consciente.”112
Numa
primeira
conotação
–
a
filosófica
–
o
comportamento humano responsável, pressupõe a “possibilidade de prever
os efeitos do próprio comportamento e de corrigi-lo com base em tal previsão”.
Responsabilidade, sob esse prisma, é diferente de imputabilidade, “que
significa a atribuição de uma ação a um agente, considerado seu
causador”113.
A
par
dessa
distinção
–
responsabilidade
e
imputabilidade, que exploraremos a seguir, mister se faz a transcrição de
grande parte do conteúdo filosófico de responsabilidade, chamando-se a
atenção para a “noção de escolha”:
“O
primeiro
expressões
significado
como
do
“governo
termo
foi
responsável”
político,
ou
“R.
em
do
governo”, indicativas do caráter do governo constitucional
que age sob controle dos cidadãos e em função desse
controle. Em filosofia, o termo foi usado nas controvérsias
sobre a liberdade e acabou sendo útil principalmente aos
empiristas
ingleses,
que
quiseram
mostrar
a
incompatibilidade do juízo moral com a liberdade e a
necessidade absolutas (cf. Hume, Inq. Conc. Underst.,
112
Responsabilidade social e ética nos negócios, p. 7.
Conforme Nicola Abbagnano, Dicionário de Filosofia, p. 855.
113
70
VIII; Stuart Mill, nota a Analysis of the Phenomena of the
Human Mind de J. Mill, 1869, II, p. 325). Na verdade, a
noção de R. baseia-se na de escolha, e a noção de escolha
é
essencial
ao
conceito
de
liberdade
ilimitada (v.
Liberdade). Está claro que, no caso da necessidade, a
previsão dos efeitos não poderia influir na ação, e que tal
previsão não poderia influir na ação no caso da liberdade
absoluta, que tornaria o sujeito indiferente à previsão.
Portanto, o conceito de R. inscreve-se em determinado
conceito de liberdade, e mesmo na linguagem comum
chama-se alguém de ”responsável” ou elogia-se seu
“senso de R.” quando se pretende dizer que a pessoa em
questão inclui nos motivos de seu comportamento a
previsão de possíveis efeitos dele decorrentes.”
A noção de escolha contida no conceito filosófica de
responsabilidade encontra respaldo no Direito, na
autonomia de vontade
que se sujeita a atividade empresarial, representando o espaço de liberdade
do empresário que se faz necessário.
Assim, no contexto filosófico, pode-se, então concluir que
responsabilidade social se consubstancia na inclusão pelo empresário,
dentre os seus critérios de escolha no exercício da atividade empresarial –
expressados pela autonomia de vontade – , dos efeitos que tais escolhas
podem gerar para a coletividade. Consciência prévia do seu comportamento
tendo em vista o social114.
Dentro desse conceito se encaixa a definição de RACHEL
SZTAJN em que a responsabilidade social “consiste na tomada de decisões
114
Social. Que pertence à sociedade ou tem em vista suas estruturas ou condições. Neste sentido,
fala-se em “ação S.”, “movimento S.”, “questão S.”, etc. Nicola Abbagnano, Dicionário de Filosofia, p.
912.
71
administrativas que levem em conta valores éticos, o respeito às pessoas, à
comunidade, o cumprimento das normas legais, o cuidado com o meio
ambiente. Quer dizer, responsabilidade social implica em administrar a
sociedade de forma a atender ou superar os anseios éticos, jurídicos e
negociais do público, tendo em vista as atividades exercidas.”115
5.1.2. “Responsabilidade” Civil
Por tratar-se de palavra equívoca e em razão da sua
utilização no Direito estar ligada a idéia de imputabilidade – civil e penal – e,
sobretudo que sobre o mesmo fato – ação social v.g. – pode implicar
responsabilidade social e responsabilidade civil, trataremos do termo e do
instituto “responsabilidade” para o Direito.
Derivado do latim respondere (responder), afirma-se que
a noção de responsabilidade é nata a qualquer ser humano, tendo-se em
vista os juízos de justo e injusto, certo e errado.
Com respeito ao juízo de justo e a responsabilidade civil,
o famoso princípio da Lei de Talião, da retribuição do mal pelo mal – “olho
por olho” –, já conota uma forma de reparação do dano. Todavia, sob tal
princípio, o dano permanecia irreparado, haja vista que ao invés de reparar
danos ocorridos, novos eram perpetrados.
115
A Responsabilidade Social das Companhias, p. 35.
72
Bem por isso, o lesado passou a perceber que mais
interessante do que a represália é a composição com o lesador, através de
uma compensação econômica.
Cumpre
ressaltar
que
essa
reparação,
fixada
arbitrariamente pelo próprio lesado, acarretou abusos, caracterizando
verdadeiros locupletamentos indevidos, também condenáveis pelo Direito.
Por tal razão, a composição para a reparação do dano passou a ser
fracionada (tarifada) entre o poder público e o lesado, mas ainda executada
pelo lesado (Lei das XII Tábuas – séc. V a.C.).
Percebendo
que
alguns
atos
lesivos
-
embora
pertencentes à seara particular, perturbavam diretamente a ordem social
pretendida pelo Império Romano, a justiça até então punitiva, passa a ser
distributiva, distinguindo-se, assim os delitos públicos: nos quais o poder
público intervém para manter a ordem social; dos delitos particulares: nos
quais o poder público somente funcionava para fixar a composição e evitar
conflitos e abusos.
Com a Lex Aquilia, surge a moderna concepção de
responsabilidade extracontratual, bem como o conceito de culpa punível,
traduzida pela imprudência, negligência ou imperícia, ou pelo dolo.
A Escola do Direito Natural (a partir do século XVII)
ampliou o conceito da Lei Aquilia, tendo os juristas equacionado o
fundamento da responsabilidade civil, situando-o na quebra do equilíbrio
patrimonial provocado pelo dano. Assim, explica SÍLVIO DE SALVO VENOSA que
73
“transferiu-se
o
enfoque
da
culpa,
como
fenômeno
centralizador
da
indenização, para a noção de dano”.116
Fora no direito francês que os princípios românicos de
responsabilidade civil ganharam contorno moderno, abandonando-se a
enumeração de casos sujeitos à composição, esculpindo-se o princípio geral
da responsabilidade civil, fundado na culpa (teoria da responsabilidade
subjetiva), para depois, se verificar uma retomada do objetivismo, em virtude
da complexidade das relações sociais modernas.
A teoria da responsabilidade objetiva, por sua vez,
atravessou duas fases: doutrina do risco: responsabilidade sem culpa de
todos os utentes de coisas perigosas; e socialização do risco ou do dano:
buscando assegurar ao lesado indenização, ainda que desconhecido o autor
da lesão, ou que embora conhecido, careça de meios necessários para
assegurar a reparação do dano.
Responsabilidade civil é indenizar ou reparar dano com
vertente patrimonial, ainda que o bem atingido pela ação não tenha
expressão patrimonial (dano à dignidade da pessoa, v.g.). Implica em
obrigação legal de ressarcimento de um dano causado a outrem.
Já aqui o primeiro motivo para a inadequação da
expressão responsabilidade, vez que se pressupõe um dever imposto pela lei
ou pelo contrato, como consagrado na responsabilidade civil, enquanto que
na responsabilidade social deve preponderar a voluntariedade e não a
imposição legal, sob pena, como já dissemos de descaracterizar a
solidariedade que a fundamenta.
116
Direito Civil: Contratos em espécie e responsabilidade civil, p. 503.
74
Indenizar é substituir o bem lesado por pecúnia, quando
impossível a sua substituição por outro bem. Quando possível a substituição
ou reparação do bem, fala-se em reparação.
Mas a responsabilidade ai – civil de indenizar ou reparar,
além do nexo de causalidade, exige dano, que, por sua vez, é a diferença
entre situação patrimonial antes e depois da ocorrência do ato lesivo.
O
que
justifica
a
responsabilidade
civil
é
um
determinado comportamento humano contrário à ordem jurídica117 – ato
ilícito. A atividade empresarial não é contrária à ordem jurídica ou ilícita.
Ao contrário, assim como uma ação social, um projeto
social, espera-se que sempre resulte em saldo positivo entre a situação - não
necessariamente patrimonial - anterior do indivíduo e a pós comportamento
do empresário. Não havendo que se falar em indenização ou reparação.
De outro prisma, também uma atividade econômica lícita
e legal, por si só, não implica em decréscimo da situação patrimonial ou
social do individuo que demande a reparação ou indenização.
Aliás, em regra, toda a atividade econômica deve ser
vista como positiva para a sociedade, seja por criar empregos, desenvolver
produtos que facilitem a vida, promover o desenvolvimento econômico, etc..
Ao denominarmos a postura empresarial voltada para o
bem comum de “responsabilidade”, para o mundo jurídico, a conotação mais
117
Ao discorrer sobre os pressupostos essenciais da responsabilidade civil, Henrique Felipe Ferreira,
elenca o ato lesivo, destacando que “o elemento primitivo de todo ato ilícito é uma conduta humana e
voluntária do mundo exterior, não havendo responsabilidade civil sem determinado comportamento
humano contrário à ordem jurídica.” Fundamentos da responsabilidade civil. Dano injusto e ato ilícito,
p. 119.
75
forte implicaria na demonstração de prejuízo por aquela atividade econômica
para exigir-lhe uma compensação.
Vale lembrar que, muitos atores da responsabilidade
social partem desse pressuposto para discuti-la, ou seja, vêem a ação social
do empresário como uma forma de compensar o “prejuízo” ou o “mal” que
aquela atividade econômica provocou para a coletividade.
Se assim o for, estaremos limitando o comportamento
voltado para o bem-estar da sociedade àqueles empresários que de fato, em
razão de sua atividade, provocam dano – que muito já se vislumbrou com
respeito ao meio ambiente.
Desse modo, uma grande indústria de reciclagem de
papel, por exemplo, por, ao contrário, buscar minimizar qualquer eventual
dano, não seria demandada para atender ao interesse coletivo.
A responsabilidade social não pressupõe compensação
ou indenização, mas sim uma divisão de encargos com o ente público para a
construção de uma sociedade justa.
A
responsabilidade
civil
constitui-se,
ainda,
num
elemento de punição118 ou de exemplaridade, com efeito repressivo e até
pedagógico. Na responsabilidade social, ao contrário, visa-se um efeito
estimular a atividade econômica a tomar posturas cada vez mais ativas e no
mesmo sentido.
118
A recomposição do dano sofrido, através da indenização, segundo APARECIDA AMARANTE,
chamando a atenção para assertivas de ROBERTO BREBBIA, desempenha os seguintes papéis: (a)
compensação: quando o dano pode ser avaliado de forma aproximadamente exata; (b)satisfação:
quando a valoração do dano não é possível; e (c) punição: quando não se busca compensar o
prejudicado e sim impor penalidade pelo infração da norma legal. Responsabilidade Civil por dano à
honra.
76
5.1.3. Um novo termo.
Após essa análise da terminologia de “responsabilidade”,
tomamos a liberdade de sugerir outro termo para designar o comportamento
do empresário voltado para o bem-estar social.
Segundo Carlos Nomoto, Superintendente de educação e
desenvolvimento sustentável do Banco Real, uma possível denominação
seria sustentabilidade, que ao seu ver englobaria a preocupação das
empresas com três aspectos:
“(...) pessoas, planeta e lucro. Hoje, o desafio para as
empresas é definir como trabalhar essas três dimensões
ao mesmo tempo. Só o social, por exemplo, não é
sustentável economicamente; só meio ambiente não leva
em conta entidades privadas, e visar apenas ao lucro,
abrindo
mão
de
valores,
resulta
em
escândalos,
problemas éticos, danos ambientais, agressões contra a
sociedade”.119
Pela definição da Organização das Nações Unidas ONU,
em 1987, sustentabilidade é o atendimento das necessidades das gerações
atuais, sem comprometer a possibilidade de satisfação das necessidades das
gerações futuras.
Tendo em vista que não acreditamos que o foco da
responsabilidade social empresarial seja a satisfação das necessidades das
gerações futuras, mas sim as atuais e, que também essa necessidade deve
ser tida no seu aspecto mais amplo para atendimento da cidadania,
descartamos o termo sustentabilidade.
119
Revista do Consumidor Moderno, p. 20.
77
Anna Peliano, na palestra Compromisso social das
organizações: uma questão de solidariedade ou de sobrevivência”120, ensina
que, etimologicamente, filantropia121 significa “amor à humanidade” e aponta
as diferenças entre uma ação socialmente responsável e uma ação
filantrópica, destacando sete aspectos:
1.
Na
atuação
filantrópica
as
motivações
são
humanitárias, enquanto que no compromisso social o
sentimento é de responsabilidade. (...)
2.
Na filantropia, a participação é reativa: se recebe o
pedido, se atende fazendo doações. No compromisso
social as ações são mais pró-ativas: as empresas fazem
projetos, focam sua ação, fazem parcerias e definem
melhor
as
atividades.
Desenvolvem
projetos
mais
integrados e intersetorializados.
3.
Na filantropia a relação com o público-alvo é de
demandante/doador.
No
compromisso
social
é
de
parceria, e parceria não só entre empresas e órgãos
executoras mas, sobretudo, com os beneficiários.
4.
Na filantropia a ação social decorre de uma opção
pessoal dos dirigentes. No compromisso social a ação é
incorporada à cultura da empresa e envolve todos os
funcionários; é uma ação onde há maior interatividade
entre direção e casa.
5.
Na
filantropia
os
resultados
resumem-se
à
gratificação pessoal de ajudar. No compromisso social os
resultados são pré-estalecidos e há preocupação com o
cumprimentos dos objetivos propostos.
120
Publicada na revista Oficina Social, Centro de Tecnologia, Trabalho e Cidadania, 2002, p. 47-48.
O presidente do conselho de curadores da Fundação Instituto de Desenvolvimento Empresarial e
Social (FIDES), Peter Nadas, aponta como distorção da responsabilidade social a confusão feita com
filantropia – “Assim como lucro, não sou contra filantropia, que é fundamental num País que tem as
diferenças sociais que sabemos, mas responsabilidade social é muito maior que isso, não se resume
a uma ação pontual. A ética,a busca do bem comum, é a base para se caminhar para a
responsabilidade social”.
121
78
6.
Na filantropia não há preocupação em associar a
imagem da empresa à ação social. No compromisso social
busca-se dar transparência à ações realizadas. (...)
7.
com
Na filantropia não há preocupação em relacionar-se
o
Estado.
No
compromisso
social
busca-se
complementar o Estado numa relação de parceria e
controle. (...)”
Pelo
quadro
comparativo
supra,
em
especial
com
respeito às características de filantropia, tais como, reativa, o público alvo,
os resultados obtidos e o papel da empresa perante o Estado, talvez também
filantropia seja insuficiente para a designação da então responsabilidade
social.
Ante essas curtas considerações e sem querer excluir
qualquer outro signo que não abarcado aqui e pelas análises da diretriz da
solidariedade e da responsabilidade civil, no contexto do Direito, a
substituição do termo “responsabilidade” por “solidariedade” parece a mais
adequada, por descontextualizar-se da compensação e da derivação de dever
legal de reparar ou indenizar.
5.2. Fatores históricos da Responsabilidade Social Empresarial.
A responsabilidade social é resultado de diversos fatores,
desde
guerras
civis
até
o
fortalecimento
das
Organizações
não
Governamentais, passando pelas ameaças de destruição ambiental.
O debate acerca da noção de responsabilidade social da
empresa, se originou nos Estados Unidos da América, tendo tido importante
79
papel neste debate a guerra do Vietnã, a partir do questionamento do papel
das empresas. No Brasil, o debate surge na década de 70 com a criação da
Associação dos Dirigentes Cristãos de Empresa (ADCE).122
Para abarcar empresários de todas as crenças, em 1986
expandiu-se a temática, nascendo a Fundação Instituto de Desenvolvimento
Empresarial e Social (FIDES).
Fortalecendo a idéia de responsabilidade social, depois
vieram fatores tais como: a reorganização econômica, com o surgimento da
competitividade mundial, regional e local o que exigiu adaptação das
empresas; a degradação ambiental e a realização da ECO 92; o aumento da
pobreza; a Campanha contra a Fome do Betinho; o fortalecimento dos
movimentos sociais; a instabilidade das organizações empresariais, disputa
pela sobrevivência no mercado internacional e a conquista e manutenção de
consumidores; a insuficiência do Estado com ausência de políticas públicas
e a privatização dos serviços sociais; o crescimento da violência urbana, etc..
5.3. Conteúdo da Responsabilidade Social Empresarial.
Qual o conteúdo, o objeto da responsabilidade social
empresarial, sob o ponto de vista do Direito?
122
Em revistas da ACDE de 1973 já se encontravam artigos sobre o tema. Roberto Gonzalez Assessor para assuntos de responsabilidade social da presidência da Associação dos Analistas e
Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec) e diretor de estratégia social da
CorpGroup - lembra de uma discussão sobre o tema ocorrida em 1977: “Foi uma discussão teológica
porque os movimentos da responsabilidade social empresarial, da ética empresarial, dos fundos de
investimentos socialmente responsáveis, todos nasceram de uma vertente teológica, não só no Brasil.
O dirigente da empresa se questionava sobre esses princípios e os levava para dentro das
organizações.” –– Revista do Consumidor Moderno, p. 46.
80
Se o que se busca com o comportamento socialmente
responsável é garantir um padrão mínimo de qualidade de vida ao cidadão,
no ordenamento jurídico esse patamar mínimo vem delineado no artigo 6º da
Constituição Federal que contempla os direitos sociais, in verbis:
Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o
trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência
aos
desamparados,
na
forma
desta
Constituição.
O rol dos direitos sociais não é taxativo, o elenco do
artigo 6º é numeros aberto, até porque estes direitos se desdobram em
outros. O direito à saúde, por exemplo, engloba o direito ao meio ambiente
equilibrado (art. 225, CF). O direito à educação envolve o direito à cultura. E
os dispositivos se replicam no mesmo e nos demais capítulos da Carta
Magna.
Ainda que paire dúvidas quanto ao ponto de partida, os
direitos sociais representam, o mínimo que o Direito compreende como ponto
de chegada de uma postura socialmente responsável.
JOSÉ REINALDO
DE
LIMA LOPES divide os direitos sociais
em: (a) direitos à seguridade (saúde 6º, 196 a 200, CF, previdência social 6º,
201 e 202, CF assistência social) e (b) outros direitos (cultura, educação e
desporto 6º, 205 a 212, CF, ciência e tecnologia, comunicação social, meio
ambiente 225,
CF família, criança 6º e 226 a 231, 7º, CF adolescente e
idoso e índios 6º e 194, CF). Em seguida faz distinção entre os direitos
fundamentais (5º, CF) e os direitos sociais (6º, CF), destacando os caracteres
81
diversos. Os do artigo 5º representam mais “imunidade, não impedimento,
permissão para fazer algo ou não fazer” ou “limites constitucionais ao poder
do Estado (como Administração, Legislador ou Juiz) no que diz respeito à vida
privada dos cidadãos”123. Os do artigo 6º não tratam na sua maioria de
conservar uma situação de fato, mas sim de “situações que precisam ser
criadas.”124
Tais direitos sociais, contrariamente, ao que alguns
autores
possam
supor125,
gozam
de
interdependência
dos
direitos
humanos126, devendo como aqueles beneficiar-se de aplicação imediata. Ou
seja, não se pode esperar que os direitos sociais sejam realizados
progressivamente, sem se exigir do Estado a sua concretização.
RUI GERALDO CAMARGO VIANA chama a atenção para essa
imediata cogência dos direitos sociais, ao invocar a realização do direito de
moradia, mencionando para tanto, vários autores, dentre eles, no tocante
aos Tratados Internacionais, cita Flávia Piovesan:
“Ora, se as normas definidoras dos direitos e garantias
fundamentais demandam aplicação imediata e, se por
sua vez, os tratados internacionais de direitos humanos
têm por objeto justamente a definição de direitos e
123
Pág. 126.
Pág. 127.
125
Se nos restringíssemos apenas à redação do artigo 2º -1 do Pacto Internacional dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais poderíamos encarar os direitos sociais como norma programática a
ser implementada progressivamente.
“Art. 2º. – 1- Cada Estado-parte no presente Pacto compromete-se a adotar medidas, tanto por
esforço próprio quanto pela assistência e cooperação internacionais, principalmente nos campos
econômico e técnico, até o máximo de seus recursos disponíveis, que visem assegurar,
progressivamente, por todos os meios apropriados, o pleno exercício dos direitos reconhecidos no
presente Pacto, incluindo, em particular, a adoção de medidas legislativas.”
126
Sobre a interdependência dos direitos sociais e direitos humanos, veja Carlos Weis, O Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, p. 295-303.
124
82
garantias,
conclui-se
que
estas
normas
merecem
aplicação imediata.”127
Lembremos, ainda, que o artigo 5º, § 2º, da Constituição
Federal, previu a integração de normas do Direito Internacional dos Direitos
Humanos à legislação interna, permitindo que a lei reiterando os direitos
constitucionalmente assegurados, gere novos direitos.
Como
vimos,
o
texto
constitucional
contemplou
expressamente os direitos socais (art. 6º, da CF), cabendo então a análise da
eficácia e aplicabilidade não mais restrita ao tratado internacional, mas com
respeito a norma constitucional.
Reforçando a conclusão da cogência imediata trazida por
RUI GERALDO CAMARGO VIANA, ensina JOSÉ AFONSO
DA
SILVA que “cada norma
constitucional é sempre executável por si mesma até onde possa, até onde
seja suscetível de execução.”128
Até aqui falamos de um dever estatal de atender à
padrões mínimos de existência do cidadão. Certo é que ações positivas são
fundamentais para a concreção dos ditames da Constituição Federal, mas
como já vimos, ao particular não se concebe a cogência na forma ativa.
O particular quando divide a tarefa de prover o ebm
comum com o Estado, age em atenção a uma obrigação natural: quem
cumpre uma obrigação natural faz bem, quem não cumpre não sofre sanção
(art. 882 NCC e 970 do CC de 1916). Em conseqüência inexiste o direito de
127
128
Flávia Piovesan apud Rui Geraldo Camargo Viana, O Direito à Moradia, p. 11.
Aplicabilidade e eficácia das normas constitucionais, p. 66.
83
ação (conforme expressamente previsto no art. 75 do CC de 1916129, sem
dispositivo correspondente no CC de 2002). Daí a problemática de que os
direitos sociais, diferentemente dos direitos individuais, “não gozam,
aparentemente, da especificidade de proteção proposta no artigo 75 do Código
Civil: qual a ação, quem o seu titular, quem o devedor obrigado?”130
Os direitos sociais, conforme lembra JOSÉ REINALDO
DE
LIMA LOPES têm característica especial, na medida em que “não são fruíveis,
ou exeqüíveis individualmente. Não quer isto dizer que juridicamente não
possam, em determinadas circunstâncias, ser exigidos como se exigem
judicialmente outros direitos subjetivos. Mas, de regra, dependem para sua
eficácia, de atuação do Executivo e do Legislativo por terem caráter de
generalidade e publicidade.”131
Bem por isso, alguns conteúdos mínimos dos direitos
sociais estão contemplados em lei que geram deveres não só entre o Estado e
o cidadão, mas também entre os cidadãos, como por exemplo, as leis
ambientais.
5.4. Quem são os responsáveis?
Importante problemática está centrada no sujeito ativo
para a realização do bem-estar e da justiça social. O que se espera é que o
Estado assuma a política social. A empresa tem por tarefa primária produzir
129
Art. 75. A todo o direito corresponde uma ação, que o assegura.
José Reinaldo de Lima Lopes, Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça, p. 129.
131
Ibidem, p. 129.
130
84
e distribuir bens ou prestar serviços com máxima eficiência lucrativa, mas,
subsidiariamente, tem buscado suprir carências sociais.
Compete
ao Estado, por si mesmo, ou através
de
delegações ou mediante autorização, a realização e a consecução dos
direitos sociais.
Vale aqui destacar que, as ações de responsabilidade
social têm seu ponto de início delineado no artigo 6º, da Constituição
Federal, que descreve os direitos sociais, todavia, o rol não é taxativo.
Com
represente,
impõe
através das
efeito,
o
Estado,
ou
receitas que aufere
quem
mediante
aos cidadãos, recolhe recursos necessários
legitimamente
o
tributação que
para prover e
implementar os denominados direitos sociais.
Nos países menos desenvolvidos, como o Brasil, muitas
pessoas e, em especial, empresas, acabam colaborando com a concretização
de tais direitos, já que o Estado não consegue realizá-los de forma
satisfatória.
A força e o poder da empresa, aliados à ineficiência do
Estado enquanto realizador do bem comum, têm levado alguns empresários
a redefinir e repensar seu papel e missão na sociedade, reconhecendo-se a
necessidade de ampliar suas responsabilidades sociais, substituindo um
Estado ineficiente e desorganizado que não consegue desempenhar o papel
que lhe foi designado na sociedade.
O primeiro responsável pela efetivação dos direitos
sociais é o Estado. Que deveria atendê-los através de políticas públicas
adequadas. Sendo a comunidade credora de sistemas de saúde, previdência
85
social, geração de empregos, segurança pública, lazer, educação, assistência
aos desamparados, meio ambiente adequado, pode exigi-los a qualquer
momento.
Entretanto, a efetivação de políticas públicas passa
sobre a questão das finanças públicas. Além das legislações disciplinadoras
das atividades econômicas, cada vez mais freqüentes, o Estado deve
lembrar-se de que deve manejar adequadamente os gastos públicos, que
devem reverter-se para o bem estar social132, através de programas de
duração continuada (art. 165, § 1º, da CF).
BERCOVICI aponta outra questão a ser observada ainda,
para que o Estado venha a atender adequadamente aos direitos sociais, qual
seja, a falta de vontade política para implementar o planejamento estatal
previsto no artigo 174, caput, da CF, e assim afirma:
“Esta falta de vontade política em planejar é patente no
descumprimento
da
estabelecimento
de
determinação
uma
constitucional
legislação
sistemática
de
do
planejamento, conforme o art. 174, § 1º, que, até hoje, não
foi elaborada. Ou seja, desde 1979, com a revogação dos
atos institucionais e complementares, o Brasil não possui
nenhuma lei que regule o planejamento nacional.”
E complementa:
132
José Reinaldo de Lima Lopes, ensina que para compreender as finanças públicas “elas precisam
estar inseridas no direito que o Estado recebeu de planejar não apenas suas contas mas de planejar
o desenvolvimento nacional, que inclui e exige a efetivação de condições de exercício dos direitos
sociais pelos cidadãos brasileiros.” Direitos Humanos, direitos sociais e Justiça, p. 133.
86
“Aliados a essa falta de vontade política, poderíamos,
ainda,
elencar
três
obstáculos
estruturais
ao
planejamento na atual conjuntura histórica: a estrutura
administrativa brasileira, a redução do planejamento ao
orçamento e a reforma administrativa neoliberal.”133134
O Estado perdeu sua credibilidade mostrando-se inapto
para realizar suas funções, em especial a de promover o bem-estar social,
incapaz de criar políticas que garantam o pleno emprego e a seguridade
social.
O
poder
das
empresas
cresce,
elas
ganham
popularidade, passando a assumir o papel do Estado.
Mas não se pode perder de vista que a sociedade age de
forma supletiva para contribuir para melhorar a qualidade de vida da
população brasileira. Até porque o Estado Democrático de Direito, ao
comando estatal, não se restringe à condição de assegurador das regras
vigentes no mercado das relações sociais, econômicas e políticas, mas
estende-se à condição de garantidor de políticas públicas concretizadoras
dos princípios constitucionais.
Paralelamente,
surgem
Organizações
não
Governamentais chamando para si essa responsabilidade. Essas “misturas
feitas nas costas de palavras desgastadas como ‘responsabilidade social’”
133
Constituição Econômica e Desenvolvimento – uma leitura a partir da Constituição de 1988, p. 77.
Nesse último obstáculo estrutural – reforma administrativa neoliberal, Bercovici chama a atenção
para a separação de funções da administração pública com relação a formulação e planejamento de
políticas públicas e a regulação e fiscalização dos serviços públicos, entendendo que não pode haver
separação de políticas públicas e serviço público, sob pena de anular a concretização de tais
políticas. Constituição Econômica e Desenvolvimento – uma leitura a partir da Constituição de 1988,
p. 84.
134
87
são criticadas pelo jornalista PAULO SAAB135, Presidente do Instituto Brasileiro
de Desenvolvimento da Cidadania, que aponta as formas como a sociedade
vem sendo explorada e o temor de que o Estado regulamente as ações sociais
“para transformar isso tudo em novo braço auxiliar do Estado, com todos os
vícios”. Esse último temor debateremos adiante.
Quanto a ser explorada, o jornalista ressalta que além do
pagamento dos impostos que deveriam reverter em favor do desenvolvimento
humano da população brasileira, a sociedade também está sendo explorada
pela privatização dessa obrigação constitucional do Estado, tudo auxiliado
pela proliferação de ONGs com finalidades desvirtuadas.
Assim explica o jornalista:
“Inventaram, também, uma forma de o Estado
transferir a responsabilidade de suas ações para a
sociedade, sem abrir mão dos impostos arrecadados
para tal. Pior, transferindo as responsabilidades sem a
necessidade de licitação pública, numa forma clara de
explorar duplamente essa mesma sociedade e burlar a
legislação a respeito da contratação e/ou execução de
serviços próprios do Estado.
Estão privatizando a obrigação constitucional do
Estado
na
forma
de
concessão
sem
regras
concorrenciais, para entidades criadas para tal fim,
onde não há fiscalização dos órgãos como Tribunal de
Contas e Receita, além de manter a arrecadação fiscal.”
5.5. O papel do empresário.
135
Responsabilidade “social”. Diário do Comércio. São Paulo, 3-1-2006, Caderno Opinião, p. 7.
88
A busca incessante do lucro, por si só, não mais atende
às necessidades da sociedade. Na economia global, a empresa passa a ser
uma espécie de parceira do Estado na realização do bem comum.
“Indubitavelmente o principal dever da empresa, em face
da solidariedade social, é permanecer viva e operativa, ou
seja, manter-se econômica e financeiramente estável.
Para tanto, empenhar-se-á para gerar o maior superávit
possível, ao menos contábil, que de forma genérica se
denominaria como lucro justo ou justificável.”136
No mesmo sentido, mas indicando um “círculo vicioso”,
assevera NILSON LAUTENSCHLEGER JÚNIOR que “(...) os movimentos de
responsabilidade social têm sido colocados ainda sob a premissa da
maximização de lucros, pois que com a postura socialmente responsável o que
se procura, em realidade, também é uma promoção da empresa entre os
consumidores, em uma espécie de legitimação econômica, que determine um
aumento da lucratividade.”137
Ocorre que, a força e o poder da empresa, aliados à
ineficiência do Estado enquanto realizador do bem comum, têm levado
alguns empresários a redefinir e repensar seu papel e missão na sociedade.
As “responsabilidades” das empresas vão além do lucro
para os seus acionistas e das obrigações legais que lhes são impostas, incluise, agora, a promoção do bem-estar da comunidade e agregar valor a todos
os seus parceiros.
136
137
Eduardo Teixeira Farah, A reconstrução do direito privado, p. 689.
Os desafios propostos pela Governança Corporativa ao Direito Empresarial Brasileiro, p. 138.
89
Assim, a empresa não pode mais se considerada mera
produtora ou transformadora de bens. É antes de tudo um poder em
expansão na sociedade moderna. Dela depende a subsistência da maior
parte da população ativa do país, tendo em vista sua capacidade de gerar
empregos. É dela que o Estado obtém a maior parte de suas receitas fiscais.
Somente por isso, sem que a empresa dê concreção aos direitos sociais
voluntariamente, vê-se a importância desta para o bem comum.
Então o que leva a empresa a ir além do deveres legais
para agir positivamente perante a comunidade? Ao nosso ver, o principal
móvel são as regras de mercado.
ANTÔNIO
CARLOS
MARTINELLI,
diretor-presidente
do
Instituto C&A de Desenvolvimento Social, lembra as regras de mercado
geradoras de lucro e responsável pela sobrevivência das companhias,
indicando que “a receita para a empresa se distinguir na renhida batalha do
mercado globalizado continua a conter os ingredientes clássicos: qualidade
total, reengenharia, relação custo-benefício, compromisso com o cliente, etc.
Entretanto, será mais ‘palatável’ a empresa que incorporar uma boa dose de
cumplicidade com seu entorno, evidenciada num programa de atuação
comunitária.”138
O mencionado diretor-presidente reconhece que:
“De uns tempos para cá, tem-se notado em ritmo
promissor uma crescente consciência de que a empresa
pode e deve assumir dentro da sociedade um papel mais
amplo, transcendente ao de sua vocação básica de
geradora de riquezas.”
138
Empresa-cidadã: uma visão inovadora para uma ação transformadora, p. 81.
90
E mais adiante faz a elucidativa classificação das
empresas segundo as suas práticas voltadas para o interesse comum em três
estágios: (a) empresa somente como negócio; (b) empresa como organização
social; e, (c) empresa-cidadã139 – esse último mais elevado, dinâmico e que
“acaba por criar uma cadeia de eficácia, e o lucro nada mais é do que o prêmio
da eficácia.”140
Na empresa somente como negócio, busca-se “o lucro a
qualquer custo”. Clientes, funcionários, fornecedores são “usados” como
meio de aumentar os lucros. Tem uma atitude predatória, é exploradora do
bem comum. Na empresa como organização social busca-se a satisfação
total dos grupos de interesse – clientes, funcionários, governo, sociedade,
acionistas – cuidando para que todos participem do sucesso da operação e
tomando decisões que beneficiem a todos os grupos. A empresa assume um
papel
de
instrumento
do
desenvolvimento
social.
Tem
posição
de
neutralidade – recolhe impostos e remete ao governo a responsabilidade pela
eliminação das mazelas sociais.
Na empresa-cidadã,
na concepção de MARTINELLI, o
empresário opcionalmente pode agir através da criação de uma fundação ou
instituto, contribuindo para a elevação do meio social em que se insere.
Assume compromisso e define políticas em relação a cada um de seus
parceiros. Cultiva e pratica livremente um conjunto de valores. Implica na
139
“Neste estágio, a empresa passa a adquirir uma característica inédita. Opcionalmente pode agir
através da criação de uma fundação ou instituto, contribuindo de maneira transformadora para a
elevação do meio social em que se insere. Assume compromisso e define políticas em relação a cada
um de seus parceiros. Cultiva e pratica livremente um conjunto de valores, muitas vezes explicitados
num código de ética, que formata consensualmente a cultura interna, funcionando como referências
de ação para todos os seus dirigentes nas relações com os parceiros.” Idem, p. 83.
140
Ibidem, p. 83.
91
adoção da concepção estratégica e compromisso ético que redunda na
satisfação das expectativas e respeito aos direitos dos parceiros. Não se atem
só a resultados financeiros, mas avalia sua contribuição à sociedade através
do balanço social. Adota posição pro-ativa de querer contribuir para
encaminhar soluções para os problemas sociais.
Obviamente as macroempresas – especialmente as
multinacionais – assumem mais facilmente essa postura, atendendo melhor
às expectativas da sociedade, haja vista estarem melhor organizadas e serem
demandadas também pela globalização – a criação de um mercado único
mundial e a menor durabilidade dos produtos requer do empresário atitudes
que representem um diferencial na concorrência pelo mercado.
Reitere-se,
ainda
aqui,
que
esse
novo
papel
desempenhado pela empresa de prover o bem-estar social, é subsidiário ao
dever estatal.
Bem por isso, vale ratificar que, o artigo 3º ao trazer o
rumo para chegar-se ao Estado Democrático e Social não exime o Estado de
suas atribuições, como lembra COMPARATO ao ensinar que “quando a
Constituição define como objetivo fundamental de nossa República ‘construir
uma sociedade livre, justa e solidária’ (art. 3º, I), quando ela declara que a
ordem social tem por objetivo a realização do bem-estar e da justiça social (art.
193), ela não está certamente autorizando uma demissão do Estado, como
órgão encarregado de guiar e dirigir a nação em busca de tais finalidades.”141
5.6. Empresa socialmente responsável.
141
Estado, empresa e função social, p. 46.
92
Esse novo papel, que pode ser desenvolvido pela
empresa moderna, tenha por enfoque seus funcionários ou a comunidade,
tem suscitado inúmeros questionamentos.
Um dos principais, é a confusão com as obrigações legais
com “obrigações” sociais. O móvel de um comportamento social é essa
última.
A contribuição da empresa moderna para a efetivação
dos direitos sociais, há de ser voluntária, ainda que se valore positivamente
o comportamento consistente em cumprir a legislação.
Ao praticar a responsabilidade social, o empresário vai
além da responsabilidade legal, pois adota uma conduta comprometida com
o resgate da cidadania, assumindo uma posição de co-responsabilidade na
busca do bem-estar público, investindo parte de seus recursos na promoção
de políticas sociais fundamentais, visando a melhoria da saúde, meio
ambiente, educação, moradia, previdência social, assistência social e
segurança da comunidade em geral.
Vale ressaltar que a responsabilidade social não é um
instituto que pertence ao Direito – ao menos o positivado, tampouco dele
nasceu. A responsabilidade social reside, antes de mais nada, na moral do
empresário. Corresponde à obrigação de atender valores morais eleitos
sociedade. E a moral como é sabido carece de coerção.
Assim, fácil deduzir que não pode o ordenamento
jurídico contemplar regras que obriguem o empresário a tal agir. Se assim o
faz, adentramos à esfera do direito positivado, donde impera a imposição.
93
Responsabilidade social não pertence ao Direito, mas o
Direito faz parte da responsabilidade social, na mesma medida em que o
Direito participa da moral.
Desse modo, é de admitir-se que a sociedade demande
do empresário o cumprimento da legislação. Ou seja, atender às normas
legais pode ser um requisito da responsabilidade social. Nesse particular,
embora a questão será tratada adiante, em face aos benefícios advindos da
postura socialmente responsável há de se valorar distintamente uma ação
que restringe-se a cumprir a lei, daquela que, voluntariamente, leva a efeito
dos direitos sociais.
Isso porque, ao assumir voluntariamente o papel do
Estado, a empresa se compromete com a sociedade profundamente, de modo
que deve ser séria a sua intenção de contribuir com o desenvolvimento, bem
estar e a melhoria de qualidade de vida da população.
A responsabilidade social é muito mais profunda do que
a legal, pois requer uma atuação voluntária, organizada e eficiente da
empresa em prol da comunidade, não se atendo ao estrito cumprimento da
legislação em vigor. Daí, a valoração distinta que se pretende.
Recordamos o que dissemos no primeiro Capítulo, de
que “a responsabilidade social pode ser vista como uma forma de atendimento
aos direitos sociais previstos na Constituição Federal, cujo comportamento do
particular é impulsionado por padrões éticos que conduzem à valores de
interesse da sociedade - bem-estar social”
Nessa esteira, a responsabilidade social, na verdade,
implica
no
gesto
ou
no
ato,
não
imposto
por
lei,
destituído
de
94
obrigatoriedade ou compulsoriedade, cujo descumprimento não acarreta
sanção e que tem por finalidade colaborar com qualquer daqueles direitos
sociais mencionados no aludido artigo 6º da Constituição Federal.
Ocorre que os padrões éticos, por vezes, estão repetidos
na legislação – trabalhista, ambientalista, v.g. – o que inibe a voluntariedade
que pode ser elemento caracterizador da responsabilidade social, mas não
exclui a responsabilidade legal.
NILSON LAUTENSCHLEGER JÚNIOR, lembra que “algumas
preocupações estão incluídas, em forma de proteção mínima, em leis”, vendo-a
como instrumento da sociedade civil “capaz não só de viabilizar melhoria nos
padrões mínimos de proteção legal, como também incentivar o cumprimento
dos padrões mínimos.”
142
Por exemplo, a empresa que coloca à disposição das
funcionárias uma creche. Se a empresa contiver em seus quadros funcionais
o número de funcionárias suficientes para enquadrá-la na lei que a obriga a
tanto, a empresa atende a uma demanda da sociedade baseada também em
valores éticos, mas o faz também e acreditamos que prioritariamente movida
pelo dever legal.
Outro exemplo, a empresa que considera-se socialmente
responsável porque não utiliza de trabalho escravo. Ora, nenhum agir do
empresário poderá ferir os princípios e as disposições constitucionais, a fim
de manter-se a ordem jurídica. Tanto na análise da função social como da
diretriz da solidariedade destacamos essa premissa quanto a deveres
negativos. Não podemos valorar moralmente um ilícito legal. Para esse caso,
142
Os desafios propostos pela Governança Corporativa ao Direito Empresarial Brasileiro, p. 85/86.
95
somente se admitiria reconhecer uma postura socialmente responsável se,
além de não utilizar o trabalho escravo, o empresário contribuísse de algum
modo para que o trabalho forçado não ocorresse também fora do seu
negócio, da sua atividade empresarial.
Lembramos que mesmo a concepção filosófica do termo
responsabilidade, pressupõe escolha com relação ao comportamento a ser
seguido. Assim para que o empresário legitimamente se aposse do título de
responsável socialmente deve demonstrar que a escolha dessa postura, com
perdão da redundância, se deu voluntariamente.
Ocorre que, muitos estudiosos do tema e até mesmo
empresários têm alardeado que o cumprimento da legislação trabalhista, o
recolhimento dos tributos exigidos pelo fisco e, ainda, o respeito às normas
ambientais, constitui uma forma de realização da responsabilidade social.
A empresa que cumpre integralmente a legislação
trabalhista demonstra respeito e ética no trato com seus empregados. Ao
cumprir
uma
obrigação
legal,
sem
dúvida,
contribui
para
o
bom
desenvolvimento da sociedade e até dá efetividade à cidadania solidária, vez
que os tributos devem se reverter em despesas com os serviços e bens
públicos. Sem dúvida, sua atuação ética, dentro da lei, também contribui
para o progresso do país.
Igualmente, a empresa que, em seu processo de
produção, cumpre a lei utilizando meio eficiente para evitar a poluição do
ambiente, demonstra respeito ao cidadão. Contribui, assim, para o
desenvolvimento de uma sociedade mais saudável, mas, a rigor, nada mais
faz do que obedecer a rigorosa legislação ambiental existente em nosso país.
96
Denominar essa atuação de responsabilidade social ou
solidariedade social como sugerimos, por si só, não nos parece adequada, na
medida em que se constitui em estrito cumprimento da lei. Constitui, antes
de mais nada, uma obrigação legal.
A responsabilidade social é mais exigente, reclama um
comportamento positivo, voluntário, organizado e eficiente da empresa em
prol da comunidade, não se atendo ao estrito cumprimento da legislação em
vigor.
Não se trata de distinguir obrigação jurídica de obrigação
moral para concluir que somente à última sujeita-se a responsabilidade
social.
Se
quisermos
criar
essa
dualidade
para
fundamentarmos
a
responsabilidade social, esbarramos na problemática da efetividade das
normas
constitucionais
que
recepcionam
a
atividade
empresarial
–
solidariedade (art. 3º, I, CF) e função social (art. 170, III, CF), tratadas nos
itens anteriores.
Lembramos que a concreção dos direitos sociais, assim
como dos princípios da função social e da solidariedade tem efetividade
imediata e não se restringe ao Estado. A diferença entre o Estado e o
particular é que para esse último não existe, ao menos para o Direito,
coerção.
Assim, não conseguimos separar ética de Direito, porque
o primeiro contém o segundo, entretanto, podemos indicar a distinção entre
eles, a imposição.
Quando a empresa extravasar o campo da lei em seus
comportamentos, com ações sociais positivas voltadas para atender aos
97
direitos do artigo 6º da Carta Política, de fato há de se reconhecer um
comportamento socialmente responsável, não em razão do seu conteúdo,
mas sim em razão do seu móvel.
Conforme constatou RACHEL SZTAJN as relações das
companhias
com
o
público
externo
passaram
a
incluir
“’credores
involuntários’, ou seja, pessoas ou comunidades que sofrem os efeitos da
atividade, especialmente no que se refere a direitos de solidariedade, direitos
esses de ordem ética, moral, não legal, e que têm como contrapartida a
denominada responsabilidade social”.143
A empresa pode e deve ir além das obrigações legais144
promovendo ações que contribuam para o bem-estar social.
A
empresa
que
se
auto-denomina
socialmente
responsável porque, exclusivamente, cumpridora das obrigações legais, peca
por falta de ética. Assim, mesmo que a responsabilidade social inclua valores
éticos em seu gênero, admitindo-se as espécies moral e Direito, a empresa
que atende somente àqueles valores que lhe são impostos por lei e conclama
essa qualidade não age com ética, ou seja, não atua da forma solidária que
se espera.
Essa foi uma tentativa de dar os parâmetros do
empresariado socialmente responsável. Outra tarefa difícil é encontrar uma
definição jurídica adequado para responsabilidade social empresarial.
O conceito de responsabilidade social tem aparecido
como um apelo de natureza ética e para a responsabilidade empresarial foi
143
A Responsabilidade Social das Companhias, p. 34.
“Não está, porém, só no Direito Positivo mas, também, nas regras de bem-viver, um fundamento
para as ações sociais adotadas pelas sociedades, especialmente as grandes empresas.” Ibidem, p.
38.
144
98
lançado
no
Conselho
Empresarial
Mundial
para
o
Desenvolvimento
Sustentável em 1998, na Holanda, in verbis:
“Responsabilidade
social
corporativa
é
o
comprometimento permanente dos empresários de adotar
um
comprometimento
desenvolvimento
ético
econômico,
e
contribuir
para
simultaneamente,
o
a
qualidade de vida de seus empregados e de seus
familiares, da comunidade local e da sociedade como um
todo.”
As diversas definições têm sempre um núcleo comum –
forma de gestão com atribuição de valor às ações (ou melhor ao
comportamento) da empresa pela sociedade civil, tendo como fonte padrões
éticos ou a moral.
A ética145 é que estabelece os critérios de julgamento das
ações das empresas.
Esse núcleo comum se completa com o preenchimento
do valor objeto da “responsabilidade social” que é sempre o de promover o
bem-estar de todos, complementado o papel do Estado.
Algumas
definições
de
responsabilidade
social
empresarial, ainda incluem os diversos públicos envolvidos (acionistas,
funcionários, fornecedores, consumidores, comunidade, governo, etc) e o
elenco dos direitos alcançados, como por exemplo, a adotado pelo Instituto
Ethos, na qual a Responsabilidade Social das Empresas é entendida “como a
145
Destaca Patrícia Almeida Ashlev que “a responsabilidade social é resultado dos questionamentos
e das críticas que as empresas receberam, nas últimas décadas, no campo social, ético e econômico
por adotarem uma política baseada estritamente na economia de mercado.”“Responsabilidade social
e ética nos negócios, p. 7.
99
forma de gestão que se define pela relação ética e transparente da empresa
com todos os públicos com os quais ela se relaciona e pelo estabelecimento de
metas empresariais compatíveis com o desenvolvimento sustentável da
sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para as gerações
futuras,
respeitando
a
diversidade
e
promovendo
a
redução
das
desigualdades sociais.”146
Buscando
uma
definição
no
âmbito
do
Direito,
deparamo-nos com o trabalho da Comissão de Direito do Terceiro Setor da
Ordem dos Advogados de São Paulo, que distingue responsabilidade social
individual147 de responsabilidade social empresarial, definindo que esta
última deve ser vista como “o papel que cada organização/empresa na
construção de uma sociedade livre, justa e solidária”. O desempenho desse
papel vai depender do quanto a organização quer vivenciar aquilo que está
escrito na Constituição Federal.
Entendemos que para o Direito não é relevante constar
da definição de responsabilidade social empresarial a forma de gestão, já que
essa classificação interessa mais a outras ciências humanas, tal como a
administração, a economia. Assim, parece-nos suficiente a definição trazida
à lume pelo colegiado de causídicos, na medida em que contempla os valores
da liberdade, da solidariedade e da justiça, suficientes para a escolha do
empresário em atender aos interesses coletivos.
146
http://www.ethos.org.br
“Responsabilidade Social Individual: o papel de cada indivíduo, enquanto cidadão, na
construção de uma sociedade livre, justa e solidária.” Responsabilidade Social e o Papel do
Advogado. http://www.oabsp.org.br
147
100
5.7.
Identificação
da
Responsabilidade
Social
Empresarial
no
ordenamento jurídico.
As atitudes de escolha e conteúdo de comportamentos
socialmente responsáveis são regidas por regras morais. Isso não significa
que a responsabilidade social empresarial não encontre identidade ou
correspondência em normas positivadas.
Exemplo disso, é que a legislação societária prevê que a
adoção
de
postura
socialmente
responsável
é
uma
diretiva
de
comportamento da administração, conforme exalta NILSON LAUTENSCHLEGER
JÚNIOR:
“(...) a primeira e mais simples questão que surge para o
jurista, aplicável em certa medida a toda a problemática
da governança corporativa, é: a responsabilidade social é
(ou deve ser) uma obrigação ou simples diretiva de
comportamento da administração?
Para o caso brasileiro a resposta parece estar na
própria lei que prescreve que o ‘administrador deve
exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem
para lograr os fins e no interesse da companhia,
satisfeitas as exigências do bem público e da função
social da empresa’ (art. 154 LSA). Dispõe ainda a lei que o
‘conselho de administração ou a diretoria podem autorizar
a prática de atos gratuitos razoáveis em benefício dos
empregados ou da comunidade de que participe a
empresa, tendo em vista suas responsabilidades sociais’
(art. 154, § 4º, da LSA). Ora, mais clara não poderia ser a
lei brasileira. Ficam vedados, assim, como já o era à
época da legislação de 1940, os chamados atos de
101
liberalidade (a lógica da administração como mandatária
dos proprietários), salvo se em favor dos empregados
e/ou comunidade e em sintonia com os interesses da
companhia e sua função social.”148
A constitucionalização dos direitos humanos e sociais
somente atende a um movimento histórico e político. Os mesmos fatos
históricos também refletiram no comportamento da sociedade, que passou a
exigir novas atitudes, consubstanciando o que se pode chamar de interesse
público ou coletivo. Essas expectativas da sociedade são móveis, mutantes,
de acordo com o momento histórico-social.
ROGÉRIO
GESTA
LEAL
ilustra
esse
comportamento,
asseverando que “na medida em que as cidades vão crescendo, com elas
crescem também novos sujeitos sociais, que não se caracterizam pela
passividade ou aceitação do que lhes é imposto pelo ritmo de crescimento da
sociedade industrial estabelecida. Estes sujeitos criam um ethos diferenciado
e próprio da cultura oficial instituída, eis que procuram, cada vez mais,
cientificar-se dos direitos que possuem; e, mais, procuram e postulam o
estabelecimento de garantias mínimas às suas vidas. Diante dos interesses
privados da classe burguesa, sempre em ascensão, encontram-se outros
interesses que podem se chamar de públicos, pois pertencem à grande massa
de cidadãos-trabalhadores.”149
Como visto em capítulos anteriores, a empresa está
submetida aos princípios constitucionais da ordem econômica (art. 170 da
148
Os desafios propostos pela Governança Corporativa ao Direito Empresarial Brasileiro – ensaio de
uma reflexão crítica e comparada, p. 86/87.
149
Pág. 104.
102
CF), que por sua vez, devem estar em harmonia com as diretrizes da
dignidade da pessoa humana e da solidariedade social (arts. 1º e 3º da CF),
com vistas na construção de uma sociedade justa e solidária. E é nesse
último princípio que vemos que a responsabilidade social empresarial
encontra seu ponto de partida para o Direito.
Antes de adentrarmos na identificação anunciada, para
certificarmo-nos de que a relação social nominada de responsabilidade social
não teve sua gênese, nem seu fundamento no ordenamento jurídico – porque
a própria lei dispõe que tal comportamento será determinado pela
administração – faremos algumas considerações quanto as prováveis causas
de seu nascimento.
Fato é que a empresa como instrumento propulsor da
economia, vez que detentora dos fatores de produção – capital, trabalho e
recursos humanos -, é impulsionada por alguns agentes do processo
econômico, em especial, o consumidor, a realizar o seu poder de
contribuição e formação da sociedade.
A empresa age de acordo com as forças de mercado, que,
modernamente, até como num modismo, as leva a atentar para as diretrizes
constitucionais. O propulsor para tal comportamento é, em princípio, a
própria manutenção do consumo. Afinal, produz-se para quem?
Mantida a autonomia da empresa, o empresariado tem
se direcionado para uma empresarialidade responsável movido pelas
próprias leis de mercado. Ou seja, a disciplina constitucional da ordem
econômica nada mais é do que uma interpretação econômica do direito, onde
deve se preservar os recursos de produção, a mão de obra desta produção e
103
principalmente o consumidor dos produtos, sob pena de desaparecer a
própria empresa.
A esse propósito manifesta-se FARAH:
“Aliás, inexiste empresa que produza algo cujo consumo
não se dirija – direta ou indiretamente – ao homem,
portanto, pelo prisma antropocêntrico, é inconcebível que
sua
atividade
não
seja
balizada
pela diretriz
da
solidariedade social.”150
Trata-se de lógica muito simples: quanto mais homens
estiverem integrados no meio social, mais consumidores, e conseqüente
aumento na produção. Quanto mais conservar e utilizar de forma
sustentável os recursos naturais, mais produtos serão ofertados, em especial
para atender a demanda dos novos consumidores advindos do crescimento
populacional.
Atentar para os direitos sociais, visando a inclusão social
é atitude de auto-preservação que assegura a reprodução de relações
capitalistas151.
Em especial com relação aos recursos naturais que são
indispensáveis para a produção. Quantos produtos podemos citar que não
são obtidos a partir de recursos naturais? A utilização de recursos naturais,
sem
a
preocupação
com
a
conservação,
aliada
ao
crescimento
150
A reconstrução do Direito Privado.
Além do fato do empresário poder ser a própria vítima da exclusão social. Lembra Eros Roberto
Grau que “a exclusão social se dá sob múltiplas modalidades – são excluídos, afinal, tanto a vítima do
crime quanto ao criminoso.” Enfatiza que a insegurança fruto da ausência de condições mínimas de
dignidade do ser humano está presente no nosso cotidiano, “mais trágica e cruel do que jamais se
pudera imaginar, ela está às nossas portas; nas ruas e em nossas casas, onde já não vivemos mais
tranqüilos, em segurança, em paz; em cada sinal de trânsito, onde nos esperam nossas pobres
crianças assassinas.” A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 57-58.
151
104
populacional152 sinalizam pela sua extinção, em conseqüência, a extinção do
mercado, senão da humanidade.
A responsabilidade social, repita-se, é regida por regras
de mercado que exigem o atendimento de valores éticos eleitos pela
sociedade.
As ações sociais podem ser vistas como a forma de “um
equilíbrio substantivo” entre os partícipes das relações econômico-sociais na
economia
globalizada,
na
medida
em
que
buscam
minimizar
as
desigualdades sociais.
Diferentemente
dos
contratos
e
das
relações
consumeristas, aqui não se fala num desequilíbrio de uma relação jurídica
que necessariamente interessará ao Direito que cuidará de compensá-lo. O
que se tem é um desequilíbrio social, na qual não se identifica juridicamente
– tampouco se responsabiliza – o particular beneficiado, nem o prejudicado
com tal desequilíbrio. Também a atividade empresarial, por si só, não é uma
relação jurídica que entre seus atores se possa identificar um desequilíbrio –
porque se se verificar, o Direito também dele se ocupará. O desequilíbrio está
na sociedade para a qual o empresário deve atentar, tendo por motriz a
diretriz da solidariedade.
152
“Supõe-se que, dado o atual crescimento da população e sua distribuição no planeta, e levando
em conta as tendências atuais do consumo dos recursos naturais e a emissão de agentes poluidores
por parte dos países desenvolvidos, será impossível aos países subdesenvolvidos atingirem o nível
de progresso daqueles. Se os ¾ da humanidade que vive nos países subdesenvolvidos
desbaratarem seus recursos naturais, consumindo-os no mesmo ritmo (por habitante) que os EUA e
os países da Europa Ocidental, por exemplo, não restará oxigênio para todos, nem haverá metais
suficientes para a indústria, enquanto, por outro lado, haverá carbono, enxofre e dióxido de nitrogênio
em tal quantidade que provocarão a extinção da humanidade”. Miguel A. O. de Almeida, Luta contra a
poluição, p. 104.
105
Não há relação jurídica obrigacional entre o empresário e
a coletividade, pelo simples exercício da atividade empresarial, mas há uma
diretriz constitucional que proporciona ações éticas.
Podemos tratar de um novo princípio: o princípio ético
da empresarialidade responsável que tem por finalidade a educação efetiva
do empresário como criador de oportunidades voltadas para a coletividade e
não para seus próprios interesses.
Essa comutatividade entre os atores, necessária ao
mercado é a mesma para toda e qualquer relação social. Mencionando texto
religioso para ancorar a solidariedade, RACHEL invoca uma faceta da fé
judaico-cristão: “se eu não for por mim, quem será? E se for só por mim, quem
sou eu? Se não agora, quando?”
E em resposta exalta o quanto ser consciente das
necessidades sociais é importante também para quem não é o carecedor:
“Se eu for só por mim, se for egoísta, quem serei? Como
serei visto pela comunidade, quem será meu amigo, quem
se importará comigo? O egoísmo é nefasto para as
relações sociais, notadamente em sociedades em que a
colaboração pode ser a diferença entre a vida e a
morte.”153
5.7.1. Função Social e Responsabilidade Social Empresarial.
Para
clarificar
nosso
entendimento
de
que
a
responsabilidade social empresarial encontra melhor guarida no prncípio da
153
A responsabilidade social das companhias, p. 35.
106
solidariedade, mister se faz a cotização entre função social (da empresa) e
responsabilidade social empresarial, para a seguir, executarmos o mesmo
exercício
com
(princípio
da)
solidariedade
e
responsabilidade
social
empresarial.
Essa
cotização
não
objetiva
identificar
a
responsabilidade social empresarial com aqueles institutos de Direito, até
porque não se pode comparar ou obter subsunção de coisas diferentes, haja
vista, como já dito, a responsabilidade social empresarial é metajurídica e
interdisciplinar. O que buscamos é apontar os pontos de intersecção.
O que se tem constatado é um aumento vertiginoso do
anseio da sociedade pela “responsabilidade social empresarial”. Parece-nos
um
caminho
populacionais,
sem
volta.
Aumentam
mostrando-se
o
as
Estado
carências
cada
vez
e
desigualdades
mais
ineficiente,
demandando a sociedade ação dos detentores do poder econômico.
Essa relação humana, assim como as demais são
verificadas antes e o Direito para discipliná-la é criado depois. Certo é
também que entendemos que no caso da responsabilidade social, o Direito
não deva se ocupar de disciplinar o relacionamento socialmente responsável,
deixando-o a cargo dos próprios atores sociais que dispõem de mecanismos
até mais hábeis para tanto.
A gênese da responsabilidade social empresarial como
visto, tem escopo na demanda social, apoiada nas regras de mercado, - e
continua fora do mundo das normas – entretanto, encontra pontos de
intersecção com a função social das empresas, que por sua vez deriva da
107
função social da propriedade, haja vista, ser a empresa a forma
contemporânea do exercício das propriedades.154155
Função
social
e
responsabilidade
social
diferem.
Responsabilidade social limita-se ao processo decisório e à solução do
processo decisório dos administradores. Reside na escolha de execução de
ação positiva. Função social refere-se à questão da solução de conflitos
sociais através da organização empresarial – empresa como catalisador
social de conflitos. Pressupõe conflito de interesses, ação que fira direitos
sociais.
A
função
social
é
condicionante
–
princípio
-
constitucional para o exercício da atividade econômica (que continua tendo o
seu caráter de liberdade individual)156. Enquanto que, a responsabilidade
social é condicionante social (e até mercadológica) para o exercício da
atividade econômica.
Em conseqüência, sob o prima jurídico, fundamental
distinguir, que a função social – no caso do particular, em especial o dever
negativo - é cogente (uma vez que o detentor dos bens de produção resolve
desenvolver atividade econômica ele está obrigado a atender à função social).
154
Marcos Alberto SantÁnna Bitelli, Temas Atuais de Direito Civil na Constituição Federal, p. 235-237.
Até porque, como define Celso Ribeiro Bastos, Curso de Direito Constitucional, p. 207, sob o
ângulo do direito civil, a propriedade consiste em “assegurar a uma pessoa o monopólio da
exploração de um bem e de fazer valer essa faculdade contra todos que eventualmente queiram a ela
se opor.”
156
A ordem constitucional pressupõe uma utilidade social da liberdade de iniciativa empresarial.
Ensina José Afonso da Silva:
“a iniciativa econômica privada é amplamente condicionada no sistema da
constituição econômica brasileira. Se ela se implementa na atuação
empresarial, e esta se subordina ao princípio da função social, para realizar
ao mesmo tempo o desenvolvimento nacional, assegurada a existência digna
de todos, conforme ditames da justiça social, bem se vê que a liberdade de
iniciativa só se legitima quando voltada à efetiva consecução desses
fundamentos, fins e valores da ordem econômica.” Curso de Direito
Constitucional Positivo, p. 788.
155
108
Já a responsabilidade social não pode ser imposta, haja vista que o seu
exercício pelo detentor dos bens de produção se dá em atendimento a uma
demanda da sociedade, ou seja responsabilidade social goza de caráter
voluntário.
Não se faça confusão com a cogência do conteúdo da
responsabilidade social. É possível admitir-se que essa expectativa da
sociedade com relação à uma empresa inclua o cumprimento das leis, que se
prestam a veicular um padrão mínimo, mas aqui trata-se de sujeição à
legislação, e não implica em imposição do comportamento socialmente
responsável.
Responsabilidade
social
é
responder
à
sociedade,
atendendo às suas expectativas econômicas, legais, éticas e sociais num
determinado período de tempo.157 Enquanto que a função social não é
condicionante limitada a determinado período de tempo e de aplicação
imediata (art. 5º, § 1º, da CF). Enquanto durar a atividade econômica deverá
ser atendida a função social. No exercício da atividade empresarial o
empresário tem ou não tem comportamento socialmente responsável.
Façamos um parêntese com relação a “expectativa”. O
que venha a preencher essa expectativa é vago, depende dos valores
adotados pela sociedade. Na função social também está presente essa
vagueza que também poderá ser preenchida.
A concreção da função social pode ser exigida pelo
judiciário – até porque a função social é cláusula geral. Já o exercício da
157
Archie B. Carrol, apud Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli, define que “a responsabilidade social das
organizações toca às expectativas econômicas, legais, éticas e sociais que a sociedade espera que
as empresas atendam, num determinado período de tempo.” Temas Atuais de Direito Civil na
Constituição Federal, p. 269.
109
responsabilidade social somente tem por legitimado para cobrança da sua
observância, a sociedade de acordo com aquilo que ela entender como justo e
aceitável. Obviamente se estivermos tratando de uma expectativa legal dessa
sociedade outros poderão ser os agentes da coerção, inclusive o Estado.
Todavia, para a responsabilidade social, como já vimos não há “ação” que
reclame esse “direito”.
Uma fundamental cotização diz respeito aos resultados.
Embora fora do mundo das normas positivadas, a responsabilidade social
empresarial tem alcançado mais resultados concretos (efetivo atendimento
às necessidades sociais) do que a função social poderia alcançar. Isso porque
ações positivas (deveres positivos) têm sido realizadas não em atendimento à
função social, mas sim à expectativa da sociedade, como já dito, refletida
hoje em regras de mercado.
A função social, como estudado no Capítulo II, não tem
logrado êxito em exigir ações positivas das empresas, até porque estaria o
Estado
desse
modo
transferindo
sua
função
para
o
particular,
e
desonerando-se.
Embora, reitere-se, quando se fale em função social não
se está falando em limitações negativas do direito de propriedade, sendo
mais amplo, devendo (ou ao menos deveria) abarcar ações promocionais do
interesse coletivo158. “A função social é mais que limitação. (...) A função é o
poder de dar à propriedade determinado destino, de vinculá-la a um objetivo.
158
Nesse sentido são também as assertivas de Pietro Perlingieri:
“Em um sistema inspirado na solidariedade política, econômica e social e ao pleno desenvolvimento
da pessoa (art. 2 Const.) o conteúdo da função social assume um papel de tipo promocional, no
sentido de que a disciplina das formas de propriedade e as suas interpretações deveriam ser atuadas
para garantir e para promover os valores sobre os quais se funda o ordenamento.” Perfis do Direito
Civil, p.. 226.
110
O qualificativo “social” indica que esse objetivo corresponde ao interesse
coletivo, não ao interesse do proprietário.”159
Um dever não exclui o outro. Tanto a função social não
exclui o dever do Estado, como a responsabilidade social não exclui a função
social nem o dever do Estado.
Em
outro
parêntese,
vale
ressaltar
que
o
comportamento socialmente responsável não está sujeito às políticas
públicas. Obviamente, também não há impedimento de elegê-las, até mesmo
porque possibilita a união de forças com o Estado na sua execução. Todavia,
a política pública não pode servir de limitador do comportamento do
empresário no campo social.
Nesse sentido, NILSON LAUTENSCHLEGER JÚNIOR, assevera
que:
“Também é comum na doutrina brasileira haver confusão
entre função social e políticas públicas. Como elemento da
própria função social da empresa constituiriam, por
exemplo, políticas públicas relativas à obrigatoriedade de
creches ou médicos para os empregados e seus filhos,
posturas municipais de localização das empresas, entre
outras. Parece haver confusão entre atitude e resultado.
Tais posturas podem ser reflexos ou, até mesmo, admitese, conseqüência desta visão de função social da
empresa, porém não seu elemento constituinte. Se assim
fosse, não poderia a administração ir além das políticas
159
Gilberto Bercovici, Constituição Econômica e Desenvolvimento – uma leitura a partir da
Constituição de 1988, p. 147.
111
públicas – e não parece ser esta a intenção do
legislador.”160
5.7.2. Solidariedade e Responsabilidade Social Empresarial.
Como regra hermenêutica, poderia o sinal lingüístico161
do texto constitucional contido no artigo 3º, inciso I, revelar a norma
relativa à responsabilidade social?
A responsabilidade social se revela na moral, entretanto,
no ordenamento jurídico, ou seja, como norma positivada, ela está muito
mais próximo do princípio da solidariedade (art. 3º, I, da CF), do que da
função social da empresa (art. 170, III, da CF), até porque o último está
contido no primeiro.
Esse
entendimento
se
funda
no
fato
de
que
a
solidariedade, antes de ser princípio constitucional, já era concebida como
virtude indispensável nas relações sociais – considerada ai desde a sociedade
mais simples, a família -, traduzida pelo espírito de repartição, tolerância e
respeito ao próximo.
Quanto
à
gênese,
instrumento
condicionante
de
comportamento, imposição (em especial de deveres positivos), formas de
160
Os desafios propostos pela Governança Corporativa ao Direito Empresarial Brasileiro – ensaio de
uma reflexão crítica e comparada, p. 87.
161
A respeito da interpretação dos princípios constitucionais, Eros Roberto Grau, ensina que “opera a
mediação entre o caráter geral do texto normativo e sua aplicação particular; é um processo
intelectivo através do qual, partindo de fórmulas lingüísticas contidas nos textos, enunciados,
preceitos e disposições, alcançamos a determinação de conteúdo normativo. O intérprete desvencilha
a norma do seu invólucro (o texto); neste sentido, o intérprete produz a norma. Assim, texto é
diferente de norma: o texto é o sinal lingüístico; a norma é o que se revela, designa.” A ordem
econômica na Constituição de 1988, p. 134.
112
concreção do seu conteúdo e resultados, repita-se o quanto cotizado em
relação à função social.
Mais uma ressalva deve ser feita. Quando falamos em
condicionante constitucional,
tanto para a função social, como para a
solidariedade, salta aos olhos uma distinção quanto a responsabilidade
social que podemos dizer está relacionado a ser ou não um ato negocial do
empresário. Melhor dizendo, todo ato negocial, que diga respeito ao negócio,
ao objeto da atividade empresarial (relação com empregados, concorrência,
consumidor, meio ambiente) está sujeito antes de mais nada às diretrizes
constitucionais.
O
condicionante
social
implica
na
observação
de
comportamentos socialmente responsáveis com relação também a atos
distintos do negocial (comunidade, meio ambiente), especialmente por se
tratarem de comportamentos positivos voluntários, os quais, diferentemente
dos ligados ao ato negocial não demandam disciplina legal.
Em importante trabalho intitulado A disciplina da
empresa: reflexos da autonomia privada e da solidariedade social, GABRIELA
MEZZANOTTI, conclui que:
“A transformação que visa à Constituição Federal de
1988, só será obtida à medida que se reconheça, no artigo
3º, fundamento à reivindicação, pela sociedade, de direito
à realização de políticas públicas que possibilitarão o
fornecimento de prestações positivas à sociedade.”162
Essa premissa é verdadeira com respeito ao Estado, mas
acaba por não ser determinante ou suficiente com relação ao particular. O
162
. P. 33.
113
Estado pode criar políticas públicas – veiculadas por lei - a partir da diretriz
da solidariedade de que trata o inciso I, do artigo 3ª, da Carta Magna, mas
não tem o condão de exigir comportamentos positivos do setor privado, sob
pena, inclusive de estar transferindo a responsabilidade.
Por outro lado, se se reconhecer à solidariedade a
sujeição ao princípio da complementaridade ao qual está sujeito a lei
portuguesa do voluntariado163,
é possível admitir-se que a “identidade
jurídica” da responsabilidade social empresarial é a diretriz da solidariedade.
NABAIS
vislumbra
a
cidadania
solidária
como
instrumento do Direito Fiscal, e, embora admita que o Estado social na sua
modalidade de Estado de bem-estar está definitiva e irremediavelmente em
crise”, o que impõe a convocação da sociedade civil, ressalva que “a
solidariedade há de assumir uma função claramente complementar,”164 assim
argumentando:
“Por um lado, a cidadania não é abandonada à
sociedade civil, nem é remetida exclusivamente para a
estadualidade social. O que implica, quanto ao primeiro
aspecto, que a solidariedade não pode ser vista como um
sucedâneo, uma compensação, para o desmantelamento
do Estado social que, segundo um certo discurso e
sobretudo uma certa práxis atual, seria exigida pelo
mercado, o que há que rejeitar in limine. Por outras
palavras, a solidariedade não pode servir de argumento,
ou melhor de pretexto, no sentido de que a sua função
transitou, por exigências de mercado, para a sociedade
163
Segundo José Casalta Nabais, o princípio da complementaridade importa em que “o voluntariado
não deve substituir os recursos humanos considerados necessários à prossecução das atividades
das organizações promotoras estatutariamente definidas.” Solidariedade Social e Tributação, p. 126.
164
Solidariedade Social e Tributação, p. 126.
114
civil. Enfim, a solidariedade assim entendida, mais não
seria do que um ótimo instrumento de liquidação do
Estado (moderno) às mãos do mercado.”165
Colocada cada obrigação em seu lugar, sem a supressão
de
uma
em
razão
da
outra,
fica
mais
viável
a
identificação
da
responsabilidade social empresarial com o princípio da solidariedade.
“é razoável crer que mudar comportamentos por
lei é mais complexo e menos eficaz do que fazêlo por via de convencimento.”166
5.9. Regulamentação da Responsabilidade Social Empresarial.
Ilustres
doutrinadores,
como
EROS ROBERTO GRAU,
parece-nos que defendem que as forças econômicas não são suficientes para
concreção dos direitos sociais, devendo estas forças estarem sujeitas a um
165
166
Ibidem, p. 126.
Rachel Sztajn, A responsabilidade Social das Companhias, p. 49.
115
controle167 ou regulamentação, sob pena de colocar-se em risco a paz
social168.
O mencionado Professor ressalta a “contradição entre o
neoliberalismo – que exclui, marginaliza – e a democracia, que supõe o acesso
de um número cada vez maior de cidadãos aos bens sociais. Por isso dizemos
que a racionalidade econômica do neoliberalismo já elegeu seu principal
inimigo: o Estado Democrático de Direito.”169
Certo é que a ordem econômica, por si só, não garante a
concreção do bem-estar almejado na CF. Assim como a simples edição de
normas não propicia a ação. No dizer de JOSÉ AFONSO
DA
SILVA, “uma norma
pode ter eficácia jurídica sem ser socialmente eficaz”, ou seja, produzir
efeitos,
regulando
os
comportamentos
nela
elencados,
mas
sem,
efetivamente, atingir os fins perseguidos pelo legislador.
“Eficácia, então, implica realização efetiva dos resultados
buscados pela norma. Esses resultados – fins – aliás,
podem ser explicitados em outras normas, as normasobjetivo.”170
Lembremos
que,
quando
a
empresa
assume
responsabilidade sobre políticas sociais, essa deve ser entendida como uma
nova postura de gestão de seus negócios, em que o móvel da aplicação da
167
Controle esse que reconhece exercido na disciplina constitucional da ordem econômica, haja vista
a Constituição dirigente de 1988, embora reconheça que substituir a ordem social espontânea resulta
excluir o natural em benefício do artificial.
“Aqui, também, inúmeras vezes, uma nota de ressentimento ideológico. A ordem
jurídica liberal ratificaria e reforçaria uma ordem (social) espontânea, ao passo que a ordem jurídica
intervencionista pretenderia a substituição dessa ordem espontânea por outra: daí a perniciosidade
da ordem jurídica intervencionista, que estaria voltada à exclusão do natural, em benefício do
artificial.” Eros Roberto Grau, A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 65.
168
Ver a esse respeito: Eros Roberto Grau, A ordem econômica na Constituição de 1988, p.55-59.
169
Ibidem, p. 57.
170
Eros Roberto Grau, A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 324.
116
diretiva da solidariedade social são as leis de economia, fortificadas pelas
regras de mercado e concorrência.
Entretanto, sob o pretexto de estimular ou envolver cada
vez mais as empresas em projetos sociais, alguns agentes políticos alçam a
via legislativa. É fator preocupante transformar a responsabilidade social em
obrigação legal regulamentando as atividades nessa área. Segundo se
manifesta
GUILHERME AFIF DOMINGOS,
além
de
inibir
a
criatividade
empresarial, aumenta custos e alerta: “qualquer medida compulsória, que
implique novos custos, pode levar ao mais grave dos problemas sociais que é o
desemprego.”
RACHEL não vê razões para alterar a legislação com o fim
de que as companhias adotem políticas e programas de responsabilidade
social, em especial, com respeito ao “balanço social”, argüindo o importante
aspecto relativo a vinculação da utilização da norma com a sua utilidade.
“É fácil impor, por via de norma jurídica ou regulamentar,
o
dever/obrigação,
de
prestar
as
melhores,
mais
completas e amplas informações ao público em geral.
Mas será que o público em geral está tecnicamente
preparado para analisar as informações que vierem a ser
prestadas pelas companhias?”171
5.8.1. Planejamento da atividade econômica.
Importante lembrar que a intervenção do Estado na
economia, basicamente, ficou restrita a um agente normativo e regulador da
171
A Responsabilidade Social das Companhias, p. 49.
117
atividade
econômica,
exercendo
ainda
as
funções
de
incentivo
e
planejamento, sendo este determinante para o setor público, e indicativo
para o setor privado, nos termos dos arts. 170 e 174 da Constituição.
Ante essa disciplina constitucional é possível reconhecer
que o Estado-legislador pode exercer “o papel de agente indutor da justiça
social no plano das atividades do mercado como um todo”?172
No plano das atividades genericamente, pode e deve o
Estado, ao regulamentar determinada atividade econômica atender aos fins
de justiça social buscados pela Constituição, mas é vedado ao Estado
planejar a atividade econômica (art. 174, caput).
Ensina JOSÉ AFONSO DA SILVA que:
“O planejamento econômico consiste, assim, num processo
de intervenção estatal no domínio econômico com o fim de
organizar atividades econômicas para obter resultados
previamente colimados.”173
Mesmo reconhecendo ser o planejamento indicativo para
o setor privado, o Professor mencionado, justificando a mitigação da
imunidade de planejamento do setor privado, asseverando que:
172
Conforme assevera Eduardo Teixeira Farah, A Reconstrução do Direito Privado, p. 678. Na
construção dessa questionamento, o autor afirma que “toda e qualquer interpretação da ordem
econômica constitucional em relação à disciplina da empresa implica reconhecer a prevalência dos
valores assegurados na própria Constituição, entre os quais o da solidariedade social.” Com o qual
concordamos, porque nenhuma aplicação em caso concreto poderá deixar de levar em conta as
diretrizes constitucionais de Estado Democrático de Direito. E para justificar a legitimidade do Estado
intervir excepcionalmente no domínio econômico, o autor invoca o princípio da subsidiariedade,
chamando a atenção para as hipóteses autorizadas na Constituição, do “relevante interesse coletivo”
ou do “imperativo da segurança nacional”. Com o qual somos obrigados a discordar, haja vista que
tais hipóteses excepcionais, quando definidas em lei, autorizam o Estado a explorar diretamente a
atividade econômica (art. 173, caput, CF), mas não justificam a intervenção no planejamento da
atividade empresarial privada (art. 174, caput da CF). O autor, ainda, faz a indicação dos dispositivos
da ordem econômica que estão sujeitos à regulação por leis ordinárias, embora reconheça sua
eficácia, e das normas auto-aplicáveis (pág. 676 a 678).
173
Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 783.
118
“O constituinte não teve qualquer dúvida sobre a
compatibilidade
entre
planejamento
econômico
e
democracia, tanto que estruturou um Estado Democrático
de Direito com previsão de sua intervenção na ordem
econômica também por meio de planejamento econômico.
Aceitou aí a tese de que não haverá democracia real onde
não
exista
um
mínimo
de
organização
econômica
planejada pelo Poder Público, visando a realização dos
interesses populares.” 174
O
principal
limitador
do
planejamento
estatal
da
atividade econômica parece-nos ser o instituto da autonomia privada. Razão
pela qual daremos algumas pinceladas na questão.
Não se pode perder de vista que a constitucionalização
do direito civil gerou a relativização dos direitos privados pela função social.
Assim, a autonomia privada deixou de ser um valor em si, sendo que seu
estudo deve se dar sob seus aspectos privatísticos e publicísticos.
Destaca PIETRO PERLINGIERI que a atividade de gozo e de
disposição do proprietário não pode ser exercida em contraste com a
utilidade
social,
questionando,
inclusive,
a
inconstitucionalidade
da
imprescritibilidade do exercício do direito de propriedade pela sua falta
prolongada e injustificada. Não se esquecendo que o exercício de direito de
propriedade, para seu reconhecimento e garantia, tem por pressuposto a
atuação da função social.175
Quando
o
poder
de
auto-regulação
dos
próprios
interesses – autonomia privada – deve compatibilizar-se com os princípios
174
175
Ibidem, p. 784.
Pietro Perlingieri, Perfis do Direito Civil – Introdução ao Direito Civil Constitucional, p. 229.
119
previstos no ordenamento jurídico, há uma conexão da autonomia privada
com a liberdade de iniciativa, gerando uma relação de prevalência entre a
autonomia privada e interesse público.
O instituto do direito privado “livre iniciativa” ao ganhar
status na Constituição Federal revelou essa relação de prevalência, isso
porque não deve ser visto mais como expressão individualista, mas sim no
quanto expressa de socialmente valioso176, vez que está condicionado aos
princípios elencados nos incisos I a IX, do artigo 170, da Constituição
Federal.
Esse condicionamento se dá, não com o fim de afrontar a
liberdade econômica, mas sim, com a finalidade de impor-lhe limites
valorados numa escala jurídica, ética e social. Alertando para a necessidade
de compatibilização dos princípios informadores do Novo Código Civil e os
princípios constitucionais, MÁRIO LÚCIO QUINTÃO SOARES e LUCAS
DE
ABREU
BARROSO ressaltam que:
“Uma das projeções da livre iniciativa é a liberdade de
participação na economia, corroborando o capitalismo
enquanto modelo econômico adotado, que traz consigo
todas as mazelas e formas de exclusão que lhe são
inerentes, mas que deverá, antes de tudo, respeitar os
valores sociais do trabalho, juntamente com a livre
iniciativa na posição de fundamento do Estado e preceito
da ordem econômica, visando compatibilizar o regime de
produção escolhido (capital, lucro), a dignidade da pessoa
176
Eros Roberto Grau, A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 200.
120
humana
e
a
dimensão
econômico-produtiva
da
cidadania.”177
Ou seja, a atividade econômica, face a livre iniciativa,
não suscetível a ingerência do Estado, é tão-somente aquela atividade
exercida de acordo com os princípios da soberania nacional, da propriedade
privada, da função social da propriedade, da livre concorrência, da defesa do
consumidor, da defesa do meio ambiente, da redução das desigualdades
sociais e regionais, da busca do pleno emprego e do tratamento favorecido
para as empresas de pequeno porte.
Ou, em suma, somente merecerá
proteção, a livre iniciativa quando favorecer o desenvolvimento nacional e a
justiça social.
Para aprofundar essa conclusão, EROS ROBERTO GRAU
apresenta quadro indicando os vários sentidos para a livre iniciativa,
dividindo-a, basicamente, em duas vertentes: (a) liberdade pública (liberdade
de comércio e indústria sem a ingerência do Estado no domínio econômico),
e (b) liberdade privada (livre concorrência), concluindo que o preceito inscrito
no caput do artigo 170 da Constituição Federal, tem o sentido de liberdade
pública, precisamente ao expressar, no parágrafo único, a não sujeição a
qualquer restrição estatal senão em virtude de lei.178
Mas o Professor insiste, na seqüência, que a liberdade
(de iniciativa no sentido público) amplamente considerada “é atributo
inalienável do homem, desde que se o conceba inserido no todo social e não
177
Os princípios informadores do Novo Código Civil e os princípios constitucionais fundamentais:
lineamentos de um conflito hermenêutico no ordenamento jurídico brasileiro, p. 53.
178
“O que esse preceito pretende introduzir no plano constitucional é tão-somente a sujeição ao
princípio da legalidade em termos absolutos – e não, meramente, ao princípio da legalidade em
termos relativos (art. 5º, II) – da imposição, pelo Estado, de autorização para o exercício de qualquer
atividade econômica.” A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 205.
121
exclusivamente em sua individualidade (o homem social, associado aos
homens, e não o homem inimigo do homem).”
Assim, a liberdade de iniciativa que não atende ao social
(incisos I a IX do artigo 170, da CF) está sujeita a intervenção estatal. O
instrumento legal que previne e reprime atividades que não atendam aos
princípios da ordem econômica é a Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994.179
“As regras da Lei n. 8.884/94 conferem concreção aos
princípios
da
liberdade
de
iniciativa,
da
livre
concorrência, da função social da propriedade, da defesa
dos consumidores e da repressão ao abuso do poder
econômico,
tudo
em
coerência
com
a
ideologia
constitucional adotada pela Constituição de 1988. Esses
princípios
coexistem
harmonicamente
entre
si,
conformando-se, mutuamente, uns aos outros.”180
Outra importante lição do Professor EROS ROBERTO GRAU
é a distinção entre planejamento do desenvolvimento nacional (art. 174, § 1º,
da CF) de planejamento da economia ou planejamento da atividade
econômica (art. 174, caput, da CF).
Esse último planejamento do Estado com relação ao
setor privado não pode ser compulsório de acordo com a Carta Magna, sob
pena de constituir-se em intervenção.181
179
Dispõe o artigo 1º da Lei nº 8.884/94, que: “Esta lei dispõe sobre a prevenção e a repressão às
infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de
iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao
abuso de poder econômico”.
180
Eros Roberto Grau, A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 212.
181
Embora entenda Eros Roberto Grau que o planejamento “não configura modalidade de
intervenção – note-se que tanto intervenção no quanto intervenção sobre o domínio econômico
podem ser praticadas ad hoc ou, alternativamente, de modo planejado - mas, simplesmente, um
método a qualificá-la, por torná-la sistematizadamente racional.” A ordem Econômica na Constituição
de 1988, p. 151.
122
Novamente com respeito à intervenção, preciosas são as
lições do mestre GRAU, que demonstra as formas diversas de intervenção:
normas de intervenção por direção e normas de intervenção por indução.
“No caso das normas de intervenção por direção estamos
diante de comandos imperativos, dotados de cogência,
impositivos
de
certos
comportamentos
a
serem
necessariamente cumpridos pelos agentes que atuam no
campo da atividade econômica em sentido estrito –
inclusive
pelas
próprias
empresas
estatais
que
a
exploram. Norma típica de intervenção por direção é a
que instrumenta controle de preços, para tabelá-los ou
congelá-los.
No caso das normas de intervenção por indução
defrontamo-nos com preceitos que, embora prescritivos
(deônticos), não são dotados da mesma carga de cogência
que afeta as normas de intervenção por direção. Trata-se
de normas dispositivas. Não, contudo, no sentido de
suprir a vontade dos seus destinatários, porém, na dicção
de Modesto Carvalhosa, no que “levá-lo a uma opção
econômica de interesse coletivo e social que transcende os
limites
do
querer
tradicionalmente
individual”.
manifestada
Nelas,
como
a
sanção,
comando,
é
substituída pelo expediente do convite – ou, como averba
Washington Peluso Albino de Souza – de “incitações, dos
estímulos, dos incentivos, de toda ordem, oferecidos, pela
lei, a quem participe de determinada atividade de
interesse geral e patrocinada, ou não, pelo Estado”. Ao
destinatário da norma resta aberta a alternativa de não
se deixar por ela seduzir, deixando de aderir à prescrição
nela veiculada. Se adesão a ela manifestar, no entanto,
resultará juridicamente vinculado por prescrições que
correspondem aos benefícios usufruídos em decorrência
123
dessa adesão. Penetramos, aí, o universo do direito
premial.”182 (pág. 149-150)
Além da distinção – normas de intervenção por direção e
normas de intervenção por indução, e da perfeita elucidação dessa última,
GRAU segue apontando importante móvel para ação das empresas, que são
as condições de mercado, na qual, quem atende a uma norma de indução
pode ganhar destaque.
“A sedução à adesão ao comportamento sugerido é,
todavia, extremamente vigorosa, dado que os agentes
econômicos por ela não tangidos passam a ocupar posição
desprivilegiada nos mercados. Seus concorrentes gozam,
porque aderiram a esse comportamento, de uma situação
de donatário de determinado bem (redução ou isenção de
tributo, preferência à obtenção de crédito, subsídio, v.g.), o
que lhes confere melhores condições de participação
naqueles mesmos mercados.”183
Exemplos de normas de intervenção por indução que
impulsionam um comportamento social das empresas são as leis de
incentivo que permitem que as empresas invistam em iniciativas de
responsabilidade social, como projetos culturais v.g., sem ter gastos
adicionais com isso, já que o dinheiro aplicado pode ser abatido do Imposto
de Renda.
182
183
A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 149/150.
Ibidem, p. 150.
124
Nesse sentido multiplicam-se as normas. A Lei Rouanet
permite que as empresas invistam até 4% do lucro em iniciativas culturais
com abatimento integral do Imposto de Renda, exceto para aplicações em
projetos de música popular e cinema de ficção. Outra norma de impulso é a
Lei nº 9.249/95, pela qual os empresários podem injetar até 2% dos
rendimentos em OSCIPs (Organizações da Sociedade Civil) e ONGs
(Organizações não-governamentais) sem fins lucrativos e deduzir cerca de
35% do valor doado na base de cálculo do Imposto de Renda e na
Contribuição Social. Essa lei também autoriza a doação de 1,5% do lucro
bruto a entidades de ensino e pesquisa, escolas comunitárias, com
abatimento no Imposto de Renda. O próprio Estatuto da Criança de do
Adolescente permite que as empresas apliquem até 1% de seus rendimentos
em fundos estaduais e municipais para a Infância e a Adolescência com
desconto integral no Fisco.
Não se justifica, contudo, a transformação dessas ações
positivas em imposições legais. A partir do momento em que as medidas
livremente adotadas transformarem-se em normas legais, a responsabilidade
social deixará de ser um diferencial, desestimulando investimentos das
empresas.184
Por
descrevendo
o
outro
conteúdo
preocupação de alguns,
da
lado,
a
inexistência
atividade
de
empresarial
regras
claras
responsável,
é
vez que o direito de propriedade mantém seu
184
Segundo a Confederação Nacional das Indústrias a responsabilidade social é um movimento
voluntário que tem crescido espontaneamente por força do mercado, pois o comprometimento das
empresas tem se consolidado como importante diferencial competitivo. As empresas não querem
mais ser vistas como ausentes em questões sociais e sim como instituições que têm responsabilidade
e missão social.
125
caráter de direito subjetivo, sendo que o seu titular visa de forma imediata
satisfazer aos seus interesses e de forma mediata satisfazer o interesse
social, e, considerando-se, ainda que a empresa poderia carecer da tutela
jurídica em razão de não atender o seu papel social, a exigência de
cumprimento de qualquer “papel” requer conhecê-lo.
Ocorre, como visto, que a noção de função social é sem
conteúdo, o que não permite conhecer precisamente o que se deve cumprir,
entendendo alguns doutrinadores que, a função social nos diversos bens
deve ser definida por lei.185
Entende SÉRGIO VARELLA BRUNA que, o exercício da
liberdade de iniciativa empresarial extrapola o objetivo de lucro, que por sua
vez, “não se legitima por ser mera decorrência da propriedade dos meios de
produção, mas como prêmio ou incentivo ao regular desenvolvimento da
atividade empresária, segundo as finalidades sociais estabelecidas em lei.”186
Seguindo esse entendimento, em especial os deveres
positivos da função social necessitariam de disposição legal que os
determinasse, até porque o particular só está obrigado a fazer aquilo que a
lei determinar.
Ocorre que a partir de então, o tal dever previsto em lei
ganha mais um agente de coerção que não a sociedade. Ou seja, ganha
185
Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli, Temas atuais de direito civil na Constituição Federal, p. 248,
ilustra esse pensamento citando “o art. 838 do Código Civil italiano, que dispõe sobre a
desapropriação dos bens que interessam à produção nacional ou de predominante interesse público,
diz que: ‘Observadas as disposições das leis penais e de polícia e as disposições particulares
concernentes a determinados bens, quando o proprietário abandonar a conservação, o cultivo ou a
exploração de bens que interessam à exploração nacional, de modo a prejudicar gravemente as
exigências da produção mesma, poderá ser feita a desapropriação dos bens, por parte da autoridade
administrativa, precedida de uma justa indenização. As mesmas disposições se aplicam se o
abandono dos bens tiver por efeito prejudicar gravemente o bom aspecto das cidades, ou por motivos
de arte, de história ou de saúde pública.’”
186
O Poder Econômico e a Conceituação do abuso no seu exercício, p.141.
126
status de obrigação legal e não obrigação moral - embora o atendimento à lei
também seja uma expectativa da sociedade.
Esse
posicionamento
justifica-se
pela
insegurança
jurídica gerada, na medida em que se admite que se exija mais do que o
“exercício normal do direito individual de propriedade”, que no caso da
empresa seria o atingimento de lucro. Obviamente, se o proprietário não faz
uso da empresa para esse fim, justifica-se a intervenção estatal para exigir o
cumprimento dessa função. Para alguns esse exercício normal reflete a
maximização do atingimento dos interesses sociais.
Correr-se-ia o risco de ver restringida a propriedade por
não se atender a função social, na hipótese do controle dessas regras por
juízes tomados por essa expansão da responsabilidade social. Sem falar na
penalização (indireta) do mercado, como ocorre, por exemplo, com a fixação,
de forma equivocada, de
parâmetros - em índice da bolsa, concessão de
financiamentos, v.g..187
A questão da segurança jurídica é observada por NILSON
LAUTENSCHLEGER JÚNIOR, que defende que a extensão função social da
empresa, que envolve a discussão da responsabilidade social, “não deve ser
buscada em regras programáticas e aduzidas por interpretações lastreadas
187
Segundo Nilson Lautenschleger Júnior, Os desafios propostos pela Governança Corporativa ao
Direito Empresarial Brasileiro – ensaio de uma reflexão crítica e comparada, p. 190/191:
“Exemplos para ilustrar tais situações não faltam. O mencionado permissivo que o CMN emitiu com
relação aos fundos previdenciários brasileiros e o programa de investimentos do BNDES. Estes não
são os únicos exemplos. Poderíamos ainda citar regras como aquelas instituídas pelos entes
financeiros internacionais, como o International Finance Corporation (IFC) ou Kreditanstalt für die
Wiederaufbau (KfW) para concessão de financiamentos, que se dirigem especialmente às questões
ambientais e à responsabilidade ambiental. Também há fundos de investimento que passaram a
buscar no mercado sua diferenciação através da aplicação somente em empresas que respeitam
determinadas regras de governança corporativa, como o fundo americano CalPERS, ou até mesmo
regras de responsabilidade social, os chamados fundos éticos.
127
em preceitos constitucionais gerais, mas regulada de forma precisa e objetiva.
Não bastam lugares comuns, regras vazias, como o novo parágrafo único do
art. 140, LSA, e expressões de efeito. É necessário muito mais para garantir
um ambiente de certeza jurídica e democracia plena.”188
Sem
desprezar
as
preocupações
levantadas,
mas
considerando que o direito de propriedade deve manter seu núcleo essencial
de fruir, gozar e dispor livremente, sem ser atingido pela lei, sob pena de
inconstitucionalidade, bem como a limitação da intervenção estatal no
planejamento da atividade econômica, aliados a descaracterização da própria
solidariedade e a risco do Estado “demitir-se” de suas funções, admitimos
somente regras de impulso, repudiando outra de conteúdo ou finalidade
diversas da de estimular o particular a agir de modo socialmente
responsável.
Sem desprezar o legítimo clamo pela concreção dos
direitos sociais, da solidariedade, da justiça social, ilustramos com assertiva
do Ministro Marco Aurélio de Mello, que em recente entrevista, quando
questionado como o Brasil aperfeiçoa suas normas – se pela produção de
novas leis ou pela evolução da interpretação dos tribunais, ressaltou que
“mais importante que as leis em si, é a observância dessas leis. E a existência
de um mecanismo que as torne efetivas. Não precisamos de mais leis. Muito
menos de Constituinte, de uma nova Constituição. O que precisamos é de
homens, principalmente de homens públicos, que observem as leis existentes e
que se busque tirar dessas leis existentes a maior eficácia possível. A
188
Idem, p. 191.
128
interpretação é um ato de vontade, mas um ato de vontade direcionado a
buscar o que está na legislação.”189
5.8.2. Normalização190 da Responsabilidade Social Empresarial.
BITELLI sugere, até como forma de substituir a ação
intervencionista estatal, que uma das formas de regular o atingimento da
função social seja a disciplina das relações de mercado entre os agentes
econômicos e consumidores, dentro dos princípios da livre concorrência e da
livre iniciativa, buscando simultaneamente a eficiência econômica e o bemestar material da coletividade.191
Acresça-se a isso, o fato de que o Código de Defesa do
Consumidor contempla as normas técnicas como forma de regulação do
mercado.
Segundo THOMAZ MARCELLO D´AVILA as normas técnicas
originam-se da “necessidade do homem registrar seu aprendizado, de modo a
poder repetir e reproduzir suas ações, conseguindo os mesmos resultados,
189
VOZES do Supremo: A Constituição brasileira é pouquíssimo amada. Consultor Jurídico. São
Paulo, 23-3-2006, http://conjur.estadao.com.br/static/text/42904?display_mode=print.
190
Aqui usou-se a expressão “normalização” com o intuito de acompanhar a denominação utilizada
pelos autores citados nessa seção, bem como, o termo aplicado pelos órgãos responsáveis pela
efetividade das normas técnicas, como por exemplo, INMETRO - Instituto Nacional de Metrologia,
Normalização e Qualidade Industrial.
Conforme Dicionário Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, 1986, “normalizar” é submeter à norma ou
normas (como faz o INMETRO em testes de conformidade) e “normatizar” é estabelecer normas. p.
1199. De fato, nessa seção nos ocupamos das duas tarefas: estabelecer as normas técnicas e
submeter os interessados a ela.
191
Temas atuais de Direito Civil na Constituição Federal, p. 262.
129
assim como também da natural ‘lei do menor esforço’, que nos leva a otimizar
nossas forças físicas e mentais.” 192
Algumas normas técnicas são meramente facultativas,
quando são obrigatórias sujeitam o produto ou serviço, sob pena de
configurar práticas abusivas (art. 39, inciso VIII, do Código de Defesa do
Consumidor.
Características importantes das normas técnicas são
destacadas por ANTÔNIO HERMAN DE VASCONCELLOS E BENJAMIN, a saber:
“O mercado, pelo prisma da qualidade, é controlado
por duas técnicas principais: a regulamentação e a
normalização. Se os objetivos dos dois fenômenos são
idênticos, não implica dizer que também são idênticos os
seus conceitos, modos de operação e fundamentos.
De fato, estamos diante de noções distintas, apesar
de ambas terem a mesma ratio. A regulamentação é
produzida diretamente pelo Estado, provém de um “ato de
autoridade”, enquanto que a normalização advém de um
trabalho misto, cooperado, entre o Estado e entidades
privadas.
Além disso, ao contrário do que sucede com a
normalização, a regulamentação se impõe de pleno
direito, com um caráter de obrigatoriedade absoluta, a
todos os agentes econômicos. Diversamente, muitas das
normas permitem uma adesão voluntária, em particular
quando emanadas de organismos totalmente privados.”.
193
Nesse campo das normas técnicas, com relação à
responsabilidade social, já se dedicaram não somente órgãos especializados
192
193
A normalização técnica e o direito, p. 306.
Código de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p. 305.
130
em normalização (ABNT, INMETRO), como também organizações não
governamentais voltadas para a defesa do consumidor, meio ambiente,
cidadania e importantes instituições e referências financeiras.
Todos esses entes fazem uso de índices obtidos a partir
de critérios sobre o conteúdo da responsabilidade social empresarial ora
estipulados em normas técnicas, ora apenas componentes de regras de
mercado.
Em breve parêntese e sem adentrar a análise do Terceiro
Setor, ressaltamos que as empresas que adotam comportamento socialmente
responsável podem constituir fundações e institutos, que são “braços
sociais”194 e funcionam como instrumentos para otimizar e evitar a
pulverização dos recursos, inclusive financeiros, voltados para as ações e
projetos sociais da empresa.
Além
da
presença
cada
vez
maior
e
mais
profissionalizada, existem outras organizações que guiam essas entidades,
como o GIFE – Grupo de Institutos, Fundações e Empresas que tem por
objetivo contribuir para a promoção do desenvolvimento sustentável do
Brasil, através do fortalecimento político institucional e do apoio a atuação
estratégica de institutos e fundações de origem empresarial e de outras
entidades privadas que realizam investimento social voluntário e sistemático,
voltado para o interesse público (art. 3º do seu Estatuto Social).
194
Esses braços podem ser constituídos nas formas de associação ou fundação. Um marco legal que
abre espaço para a profissionalização dessas organizações é a Lei nº 9.790/99 que criou as OSCIP –
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público.
131
Outras entidades representativas da sociedade exercem,
ainda, o papel de fiscalizar e regular atividade empresarial socialmente
responsável pela atribuição de valor pautada na moral.
Assim,
surgiram
nos
últimos
tempos,
diversas
organizações legitimadas, revestidas de autoridade social para definir e criar
mecanismos de aferição de responsabilidade social, pautados no moralismo,
como as tratadas na seção em que se abordou a normalização.
Essas organizações dedicam grande parte de seus
recursos para criar mecanismos objetivos de aferição da responsabilidade
social.
Tais certificações constituem elemento importante para
que a empresa concorra no mercado globalizado.
Passamos a mencionar algumas entidades e critérios
técnicos e de mercado, limitando-nos a dar uma breve idéia do seu modus
operandi.
a) IPEA – Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicada.
Realizou pesquisa em 2004 (a anterior foi em 1999), intitulada “Ação Social
das Empresas”, na qual considerou ação social qualquer atividade de caráter
voluntário nas áreas de assistência social, alimentação, saúde e educação
para o atendimento de comunidades carentes. Na metodologia adotada, as
empresas foram contatadas por telefone e responderam questionário sobre
quais eram as ações realizadas e a quem elas beneficiavam, bem como, a
dimensão do gasto e a participação dos funcionários. Constatou-se que a
ação social passou a ser desenvolvida por até 75% das empresas de alguns
setores, como a construção civil.
132
b) Ibase – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e
Econômicas, fundado pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho. Instituiu o
Selo Ibase/Betinho, que certifica as ações de responsabilidade social das
empresas, atestando boas práticas e padrões éticos de relacionamento com
funcionários, clientes, fornecedores, comunidade, acionistas, poder público e
com o meio ambiente. O Ibase coleta informações das empresas, na forma de
balanço social e submete à análise de organizações da sociedade civil das
áreas de direitos trabalhistas, meio ambiente, defesa do consumidor,
diversidade de gênero e movimento negro.
c)
SA8000.
É
uma
norma
internacional
(Social
Accountability International) que especifica requisitos de Responsabilidade
Social a serem observados pela empresa. Ela visa aprimorar o bem-estar e as
boas condições de trabalho, bem como o desenvolvimento de um sistema de
verificação
que
garanta
a
contínua
conformidade
com
os
padrões
estabelecidos pela norma. Traz como requisitos de responsabilidade social, o
trabalho infantil, o trabalho forçado, a saúde e a segurança, a discriminação,
horário de trabalho, a remuneração, entre outros. Tem por objeto
primordialmente o público alvo, trabalhadores.
d) GRI – Global Reporting Iniciative. Modelo de relatório
anual de sustentabilidade Econômica, Social e Ambiental, utilizado como
referência
mundial,
que
garante
transparência
na
divulgação
das
informações comparativas sobre investimentos e atividades sociais das
empresas.
133
e) Red Puentes.195 Nasceu em 2001 como um esforço de
Organizações da Sociedade Civil da Argentina, Brasil, Chile, Holanda e
México, com o fim de contribuir para o fomento e o fortalecimento da
cultura, práticas e ferramentas de Responsabilidade Social Empresarial nos
países da América Latina. É importante suporte para e fonte de informações
sobre a responsabilidade social empresarial na América Latina, bem como as
ações desenvolvidas pelas empresas em cada país.
No Brasil é composta por quatro organizações Ceris,
Ibase, Idec e Observatório Social. Para Red Puentes, a Responsabilidade
Social Eempresarial é um modo de gestão validado ética, social e legalmente,
através do qual as empresas assumem que, entre elas e seus grupos de
interesse, como trabalhadores, fornecedores, distribuidores e consumidores,
existe uma relação permanente de interdependência, em benefício tanto das
empresas como destes grupos. Portanto, as empresas devem equilibrar e
harmonizar as dimensões de rentabilidade econômica, direitos humanos,
direitos laborais e de organizações sindicais, bem-estar social e proteção
ambiental na sua atividade, desempenhando um papel fundamental junto à
sociedade civil e ao Estado, no processo destinado à obtenção de uma
sociedade mais eqüitativa, justa e sustentável. Pontuam que não é função
das empresas que empregam a Responsabilidade Social Empresarial
substituir a função redistributiva do Estado, e sim assumir uma tarefa
conjunta com este e com a sociedade civil na resolução dos problemas
sociais e ambientais.
195
www.redpuentes.org
134
f) Escala Akatu de responsabilidade social empresarial.
Instituto Akatu pelo consumo consciente e Insituto Ethos. Objetiva apoiar o
consumidor no conhecimento e valorização da responsabilidade social das
empresas. Inclui nos seus temas e referências ações que já devem ser
atendidas por força da disciplinada legal correspondente. Pretende servir de
instrumento de organização e comparação das práticas de Responsabilidade
Social Empresarial das empresas.
g) BAWB – Business as an Agent of World Benefit
(Negócios como agentes para um mundo melhor). Tem por objetivo principal
disseminar experiências inovadoras, desenvolvidas por empresas lucrativas,
que promovem o desenvolvimento sustentável e trazem benefícios para a
sociedade. Em 2005, realizou a 3ª Conferência Internacional BAWB Brasil
em Curitiba onde foram apresentadas cinqüenta e três experiências de
empresas, associações e cooperativas.
h) ISO 26000. A ISO – International Organization for
Standardization está sediada em Genebra e presente em 153 países,
representada por órgãos de normalização nacionais. Foi criada em 1946 para
promover e desenvolver normas e atividades que facilitem o comércio
internacional e que desenvolvam cooperação nas esferas intelectual,
científica, tecnológica e econômica. No Brasil é representada pela ABNT.
Através
de
processo
participativo,
com
amplo
envolvimento dos países em desenvolvimento, está elaborando futura norma
internacional de Responsabilidade Social que apresentará diretrizes e não
terá propósito de certificação. Foram propostos seis grupos tarefa. Os três
primeiros
definitivos
(TG
1
–
Capacitação
de
Recursos/Fundos
e
135
Engajamento de Stakeholders, TG 2 – Comunicação e TG 3 – Procedimentos
operacionais) e os demais interinos para a primeira reunião.
i) ABNT NBR 16001.
A norma da ABNT pretende
introduzir metodologia séria para apurar e verificar a eficiência dos atos de
responsabilidade social, ou seja, tem como finalidade constatar se a empresa
possui um sistema de gestão de responsabilidade social sério e quais os
resultados que vem obtendo frente à comunidade.
Tal iniciativa se afigura válida, pois tem como objetivo
monitorar o sistema de responsabilidade social da empresa e torná-lo eficaz
através de procedimentos que conduzam a uma gestão organizada, tudo
visando otimizar os resultados obtidos nessa área social.
A ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas,
após circular em Consulta Nacional para análise e emissão de sugestões,
através do Grupo Tarefa de Responsabilidade Social, elaborou a NBR 16001,
que tem por objetivo estabelecer requisitos mínimos relativos a um sistema
da gestão da responsabilidade social, permitindo à organização formular e
implementar uma política e objetivos que levem em conta os requisitos legais
e os compromissos éticos com a promoção da cidadania, a promoção do
desenvolvimento sustentável196 e a transparência de suas atividades.
Entende por responsabilidade social, a forma de gestão que se define pela
relação ética e transparente da organização com todos os públicos com os
quais se relaciona e pelo estabelecimento de metas compatíveis com o
desenvolvimento sustentável da sociedade, preservando recursos ambientais
196
Desenvolvimento sustentável: Desenvolvimento que supre as necessidades do presente sem
comprometer a capacidade de geração futura de suprir suas necessidades.
136
e culturais para gerações futuras, respeitando a diversidade e promovendo a
redução das desigualdades sociais.
j) INMETRO – Comissão Técnica de Responsabilidade
Social (CTRS) tem por missão desenvolver um programa de avaliação da
conformidade, de acordo com a NBR 16001 (acreditação de organismos de
certificação).
Fazem
parte
da
Comissão
empresas
e
entidades
representativas, o próprio INMETRO, a Confederação Nacional do Comércio,
o Dieese, o IDEC, o Ipea, o Instituto Nacional de Tecnologia, universidades
federais e estaduais (UFF e UERJ), a ABNT, o Sebrae, Furnas, Eletrobrás,
CNI, MDS, OIT, além da Natura, Unilever, Petrobrás e Multibras.
k) Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) Bovespa.
Lançado em 1º de dezembro de 2005, com o apoio da International Finance
Corporation (IFC) – braço empresarial do Banco Mundial. Na metodologia
adotada, as empresas respondem a questionário, que foi submetido à
consulta pública e teve por base o conceito do triple bottom line, desenvolvido
pela consultoria inglesa SustainAbility e foi desenvolvida pelo Centro de
Estudos da Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas (FGVces).
O ISE é uma carteira formada por 34 ações de 28
empresas de diferentes setores que atendem a critérios de saúde financeira,
responsabilidade social, ambiental e governança corporativa.
Segundo o seu coordenador, Mazon, “o Conselho do ISE
decidiu não excluir nenhum setor da produção, como o de fumo e bebidas,
por exemplo, para ‘dar chances de todas as empresas provarem se são ou
não sustentáveis’”.
137
Os itens analisados têm pontuação diferente que não são
divulgadas. As empresas são informadas apenas da nota geral. A revisão do
ISE será anual.
São criticados, entre outros, por razões já tratadas, a
inclusão no questionário de perguntas sobre a natureza do produto.
l) “Guia de Responsabilidade Social para o Consumidor” IDEC. Apesar de ter por fim a conscientização do consumidor sobre
responsabilidade social, frisa que é preciso um longo diálogo sobre o
significado de responsabilidade social, antecipando quatro diferentes visões
sobre responsabilidade social empresarial.
“A primeira está relacionada à idéia de que os objetivos
primordiais de uma empresa resumem-se em gerar lucro a
seus investidores, pagar imposto e cumprir legislação. A
segunda
visão
incorpora
a
esses
objetivos
ações
filantrópicas, como ajuda financeira a creches, orfanatos e
programas sociais.
Outro modo de ver a RSE é como uma estratégia de
negócios, na qual as ações de responsabilidade são um
instrumento para conferir um diferencial para seus
produtos e serviços. Assim, a empresa conseguiria atrair e
manter melhores empregados, além de acrescentar valor
à sua imagem.
Por fim, na quarta visão a RSE é vista como parte da
cultura organizacional, de forma a produzir riquezas e
desenvolvimento que beneficiem a todos os envolvidos em
suas atividades – trabalhadores, consumidores, meio
ambiente e comunidade. Essa visão inclui a promoção,
pela empresa, dos seus valores éticos e responsáveis na
138
sua cadeia de fornecedores e nos mercados onde
atua.”197
O IDEC elege essa última.
m) Resolução CFC n° 1003/04. Estabelece procedimentos
para a apresentação dos dados referentes à participação e responsabilidade
social da empresa.
Abrange os aspectos de (a) interação com o meio
ambiente; (b) interação com o ambiente externo; (c) recursos humanos; e (d)
geração e distribuição de Riqueza.
n) Pacto Global ou The Global Compact. É uma iniciativa
do Secretário Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, propondo à comunidade
empresarial global o desafio de apoiar mundialmente a promoção de valores
fundamentais nas áreas de direitos humanos, direitos do trabalho, proteção
ambiental e combate à corrupção. Essa iniciativa é baseada em rede. No
centro desta rede está o escritório Global Compact, seu conselho e 5
agências da ONU (Office of the United Nations High Commissioner For
Human Rights – Alto Comissariado para Direitos Humanos; UNEP United
Nations Environment Programme – Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente;
ILO
International
Labour
Organization
–
Organização
Internacional do Trabalho; UNIDO United Nations Industrial Development
Organization – Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento
Industrial; e UNDP United Nations Development Programme – Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento). A mesma rede envolve todos os
atores relevantes: governos, empresas, trabalhadores, sociedade civil e as
197
“Guia de Responsabilidade Social para o Consumidor”, p. 14.
139
Nações Unidas. O Pacto tem mais de 1500 empresas como signatárias e
mais de 50 redes locais em países e regiões.
A ONU quer que as empresas signatárias do Pacto Global
prestem contas sobre o andamento de seus projetos – destacando que a
prática de ações sociais é definida como obrigatória no termo de adesão ao
pacto – tendo recentemente indicado quatro modelos de apresentação dos
resultados obtidos, dentre os quais está um desenvolvido no Brasil, pelo
Grupo Pão de Açúcar.
Os objetivos definidos para o Comitê Brasileiro do Pacto
Global são: massificação dos seus princípios no país; ampliação da adesão
de empresas e organizações brasileiras; apoio às empresas brasileiras para a
implantação
dos
princípios;
promoção
de
troca
de
experiências
e
aprendizado dos princípios do Pacto Global; exercício das funções de
articulador internacional com as demais redes do Pacto Global e com o
escritório em Nova Iorque; assessoramento do Presidente do Comitê
Brasileiro do Pacto Global; e, promoção do vínculo entre os princípios do
Pacto Global e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio198.
5.8.3. Casuística.
Sustentando
o
posicionamento
aqui
defendido,
elencamos algumas normas já existentes e projetos de lei em trâmite no
Congresso Nacional, com breves comentários.
198
Quanto
aos
Objetivos
de
Desenvolvimento
do
Milênio
ver
www.pnud.org.br/odm/odm_vermelho.php. São eles: (1) erradicar a extrema pobreza e a fome; (2)
atingir o ensino básico universal; (3) promover a igualdade entre os secos e a autonomia das
mulheres; (4) reduzir a mortalidade infantil; (5) melhorar a saúde materna; (6) combater o HIV/AIDS, a
malária e outras doenças; (7) garantir a sustentabilidade ambiental; e, (8) estabelecer uma Parceria
Mundial para o Desenvolvimento.
140
a) Lei nº 177/05 – Município de Apucarana, Paraná. Sem
querer analisar as regras licitatórias, mencionamos critério adotado pelo
Município de Apucarana, no Paraná, em determina que todas as licitações
deverão incluir entre os critérios de seleção os Objetivos do Milênio e os
princípios do Pacto Global, determinando que somente as empresas que
tiverem ações de responsabilidade corporativa e investimentos sociais ou
ambientais comprovados relacionados aos instrumentos internacionais
mencionados, poderão participar dos processos licitatórios.
Isso implica em que empresas que não tenham projetos
sociais estão descartadas do processo licitatório. Se responsabilidade social é
voluntária, opção de gestão do administrador, há tratamento desigual entre
as empresas.
São requisitos para a habilitação em licitações, a
habilitação jurídica (corresponde aos atos estatutários e representação legal
da empresa); a regularidade fiscal; a qualificação técnica (demonstração de
aptidão para o desempenho da atividade objeto da contratação púbica); a
qualificação econômico-financeira (demonstração da saúde financeira da
empresa, com apresentação de balanço patrimonial e outros documentos).
Quanto à qualificação econômico-financeira, os limites
das exigências estão definidos no art. 31, da Lei nº 8.666/93, dispondo o seu
§ 4º sobre a possível exigência da relação dos compromissos assumidos pelo
licitante que importem em diminuição da capacidade operativa ou absorção
de disponibilidade financeira.
141
O art. 3º ressalta que “a licitação destina-se a garantir a
observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta
mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada em estrita
conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da
moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da
vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhe
são correlatos.”
E mais o § 1º do mesmo artigo, veda aos agentes
públicos incluírem condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o
seu caráter competitivo ou estabeleçam preferências ou distinções em razão
de circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do
contrato.
b) Lei n° 12.234/06 – Estado de São Paulo. Faculta a
utilização de selo para empresas que se qualifiquem como contribuintes de
projetos nas áreas sociais, realizada pelo Estado de São Paulo, através da Lei
nº 12.234/06, instituindo o selo “Empresa Amiga de São Paulo”. O que de
fato se presta a incentivar a participação da sociedade em ações sociais.
c) Lei nº 9.608/98. Embora tenha por escopo evitar
problemas
trabalhistas,
disciplina
o
voluntariado
praticado
pelos
empregados, mas várias são as iniciativas de voluntariado empresarial em
que as empresas incentivam os funcionários a se solidarizarem a causas
sociais.199 Alguns chamam a atenção de que na verdade projetos internos
199
Podemos citar como exemplo, o Projeto Crescer da BASF, que amplia as oportunidades de
inserção no mercado de trabalho de jovens, na faixa etária de 16 aos 18 anos nos municípios de
Guaratinguetá e São Bernardo do Campo e está estruturado por funcionários participantes de outro
programa da BASF – Programa sou Voluntário.
142
como esses podem pressionar a participação do funcionário ao invés de
estimular o voluntariado.
d) Projeto de Lei n° 1.305/2003.
O equívoco na
conceituação da responsabilidade social acaba dando ensejo à elaboração de
projetos de lei absolutamente equivocados sobre essa matéria, distantes da
verdadeira essência da função social da empresa, tal como ocorre com o de
nº 1305/2003 do Deputado Bispo Rodrigues, que obriga o empresário a
praticar condutas socialmente responsáveis se em seus quadros tiver mais
de 500 empregados.
Repita-se mais uma vez: a premissa fundamental da
responsabilidade social é a ausência da obrigação legal ou de sanção
(cogência). Esse projeto, todavia, visa tornar obrigatória a prática de atos de
responsabilidade social pelo empresário.
Define Responsabilidade Social como sendo a conduta
ética e responsável da Sociedade Empresária e do Empresário junto ao seu
Público de Relacionamento.
Obriga as empresas com mais de 500 (quinhentos)
empregados a elaborarem anualmente Relatório de Gestão Social, como
instrumento de controle e transparência da Responsabilidade Social, cujo
não atendimento implica nas sanções administrativas consubstanciadas em
perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento oficiais de
créditos e proibição para contratar com a Administração Pública, pelo período
de 3 anos.
143
Conceitua Balanço Social como o instrumento de
controle e transparência da Responsabilidade Social das Sociedades
Empresárias e dos Empresários.
Também cria o Conselho Nacional de Responsabilidade
Social, órgão federal para controle da transparência da responsabilidade
social.
e) Projeto de Lei nº 1.351/2003200 - Dep. Ann Pontes
Estabelece normas para a qualificação de organizações
de responsabilidade socioambiental e dá outras providências.
Conceitua Responsabilidade Social como o exercício
comprovado, documentado e publicado em balanço social das práticas, ações
e iniciativas capazes de tornar efetivo o princípio da função social da
propriedade, inclusive mediante participação direta e incentivo à participação
dos
sócios,
acionistas,
administradores,
empregados,
fornecedores
e
consumidores em ações sociais tendentes a melhorar as condições de vida, a
qualidade de vida no trabalho e desenvolvimento humano.
Elenca os requisitos que as empresas deverão cumprir
para
qualificarssem-se
como
organizações
de
responsabilidade
socioambiental. Tal qualificação confere direito a expedição de certificado
assegurando às empresas, ainda: redução proporcional e progressiva das
contribuições para entidades de formação profissional, assistência social e
de apoio às micro e pequenas empresas, mediante abatimento das despesas
que realizarem com treinamento e assistência social;
200
celebração de
Parecer pela aprovação com emendas, na Comissão de Trabalho, de Administração e de Serviço Público. Na Comissão de
Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio, recebeu parecer pela rejeição – Dep. Júlio Redecker. Plenário apreciará o
projeto por ter recebido pareceres divergentes nas comissões de mérito.
144
contratos de trabalho avulso com entidades sindicais para a execução de
serviços e atividades descontínuas; redução proporcional e progressiva da
contribuição para a seguridade social à medida que melhorarem os índices
de Desenvolvimento Humano – IDH no Município e a microrregião
homogênea correspondente.
No parecer pela rejeição, a Comissão de aponta como
conseqüências negativas: (a) obter os certificados mencionados, implica,
necessariamente, no pagamento de royalties às instituições responsáveis
pela definição dos critérios; (b) se englobarmos o requisito de cumpridor da
legislação para premiar ou beneficiar as empresas. “Ora, cumprir a lei é
obrigação; a existência de empresas que não o fazem, assim como o
reconhecimento desta realidade, em princípio não deve levar o legislador a
fazer uma nova lei para beneficiar aqueles que cumprem a norma em vigor.” –
Art. 2º, V – cumprimento das leis de proteção e defesa do meio ambiente e do
consumidor, inclusive mediante convenções coletivas de consumo;
f) Projeto de Lei nº 873/2003 – Dep. Armando Monteiro201
Institui o Programa Nacional de Incentivo a Atividades
Educacionais, Sociais e de Combate à Pobreza – PAES, cuja implementação
depende da arrecadação de fundos do Orçamento Geral da União e
contribuições de empresas privadas, que terão benefícios fiscais. Às
empresas privadas que fizerem contribuição ao Paes será fornecido o
Certificado Nacional de Empresa-Cidadã, sendo-lhes reservado o direito de
divulgação do fato em suas propagandas institucionais.
201
Recebeu parecer pela aprovação na Comissão de Seguridade Social e Família.
145
Acaba por engajar a iniciativa privada nos programas e
atividades de apoio ao ensino, desenvolvimento cientifico e tecnológico,
saúde, ações de combate à pobreza, programas sociais e preservação do meio
ambiente. A contribuição no programa, na forma facultativa estabelecida na
proposta, não representa um ônus adicional do ponto de vista fiscal para o
contribuinte, já muito sacrificado pela pesada carga tributária em vigor.
Ademais, mobiliza recursos da sociedade de modo mais coordenado e
produtivo, constituindo-se em esforço financeiro para o suporte das ações
públicas direcionadas a finalidades inquestionavelmente meritórias, sob o
ângulo social.
g) Projeto de Lei n° 32, de 1999202 - Dep. Paulo Rocha
Cria o balanço social para as empresas que menciona e
dá outras providências. Obriga as empresas que, tendo auferido receita total
bruta superior a R$ 50.000.000,00 (cinqüenta milhões de reais), busquem
participar de licitações e contratos públicos ou beneficiar-se de incentivos
fiscais e programas de crédito. Elenca indicadores de desempenho social.
Define balanço social como o documento pelo qual a
empresa apresenta dados que permitam identificar o perfil da sua atuação
social, a qualidade de suas relações com os empregados, a participação
destes nos resultados econômicos da empresa e as possibilidades de seu
desenvolvimento pessoal, o cumprimento das cláusulas sociais e a interação
da empresa com a comunidade e sua relação com o meio ambiente.
202
Parecer da Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Social pela aprovação.
Parecer da Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio pela aprovação com substitutivo.
Aprovado requerimento para a realização de audiência pública.
146
Segundo
o
Conselho
Temático
Permanente
de
Responsabilidade Social – CORES da Confederação Nacional da Indústria –
CNI, o caráter impositivo do projeto desfigura a finalidade e o alcance do
balanço social. A complexidade das informações exigidas acrescenta um
custo burocrático à atividade empresarial, com prejuízo à produtividade e à
competitividade. Ademais, condicionar a concessão de benefícios fiscais e
financeiros
e
a
participação
em
licitações
e
contratos
públicos
à
apresentação, pelas empresas, do Balanço Social subverte a própria função
desse
instrumento,
qual
seja
a
de
estimular
naturalmente
a
responsabilidade social das empresas sem a interferência do Estado.
Essa prática desvirtuaria ainda o sentido da aplicação de
benefícios fiscais e a finalidade da legislação sobre licitações, que é a de
assegurar a probidade administrativa e a igualdade de todos no acesso aos
contratos com o Poder Público.
5.9. Projetos Sociais.
Indiscutível a importância desse tópico, sem o qual não
estaríamos executando o presente trabalho, tendo em vista a diferença
positiva e multiplicadora para uma gente carente que vê, nessas ações, o seu
renascer e o seu futuro com um mínimo de dignidade.
ANNA PELIANO, coordenadora de pesquisa do IPEA,
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, em palestra proferida no
Encontro Nacional do COEP, Rede Nacional de Mobilização Social, realizado
em 6 de maio de 2002, no Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, divulgou
147
pesquisa realizada pelo IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada,
nominada de “Ação Social das Empresas”, em 2001, com mais de nove mil
empresas privadas de todo o país, explorando, principalmente, a motivação
da participação das empresas em projetos sociais. A palestra intitulou-se
Compromisso social das organizações: uma questão de solidariedade ou de
sobrevivência” e está publicada na edição de 2002 da revista Oficina Social,
Centro de Tecnologia, Trabalho e Cidadania, e traz importante alerta:
(...) solidariedade sim, e sobrevivência, também. Mas é
importante ter claro que não será possível sobreviver às
custas de programas sociais se estes não forem realmente
efetivos, se não representarem um compromisso da
organização. Não basta fazer programas sócias, é preciso
que eles reflitam de fato esse compromisso e aí, sim,
teremos solidariedade e sobrevivência.”
Quanto aos destinatários e a forma de execução, a
pesquisa do IPEA de 2002 apurou que:
“O público alvo prioritário são as crianças e jovens, tanto
nas empresas públicas quanto nas privadas. Em geral,
predominam as doações para entidades do terceiro setor
ou para as próprias comunidades. No entanto, quase a
metade das grandes empresas já está se envolvendo
mais ativamente na execução dessas ações sociais,
“colocando a mão na massa”, mesmo que outra entidade
seja a responsável pela implementação dos projetos.”
5.9.1. Os diversos públicos.
148
As empresas que adotam uma forma de gestão voltada
para o social, desde logo elege os seus parceiros nessa empreitada que vai
além do lucro e da produtividade.
Esses parceiros são chamados stakeholders e podem ser
classificados, segundo quanto ao tipo de poder ou influência que exercem:
decisão, consulta, comportamento e opinião. O público de decisão é aquele
cuja autorização ou concordância é necessária a realização das atividades do
negócio, como o Governo. O público de consulta é aquele que costuma ser
sondado pela empresa quando ela pretende agir, como os acionistas e
sindicatos. O público de comportamento engloba indivíduos cuja atuação
pode frear ou favorecer a ação da empresa, como funcionários e clientes. Por
fim, o público de opinião, são os grandes formadores de opinião como líderes
comunitários, mídia, comunidade acadêmica, etc..
Stakeholders
são
parceiros
da
empresa.
Parte
interessada com quem a empresa se relaciona. Composto por diversos
grupos que podem afetar ou ser afetados pelas atividades da organização, de
uma maneira positiva ou negativa.
“A palavra stakeholder aparece em sentido muito largo,
incluindo não só eventuais fornecedores de recursos, bens
ou serviços, mas também as pessoas que possam ser
atingidas pelas ações administrativas.”203
As ações sociais de uma empresa têm por beneficiários
diversos públicos: interno (funcionários, sindicatos) e externo (fornecedores,
comunidade).
203
Rachel Sztjn, A responsabilidade social das companhias, p. 43.
149
À todos os públicos deve ser dispensado tratamento ético
e transparente. Trataremos um pouco de cada um deles.
Os
acionistas
esperam
da
empresa
socialmente
responsável correta distribuição dos resultados, equidade, prestação de
contas, etc..
Para esse público EDUARDO TEIXEIRA FARAH destaca o
dever de informar e o dever de lealdade, os mecanismos de repressão à
fraude e manipulações, além do dever do administrador de assegurar ao
investidor informações precisas sobre os negócios da companhia, colocandoo em condições de avaliar as oportunidades em relação a preço e validade
das ações ou outros título emitidos pela companhia.
“ao prestarem ao público investidor e aos acionistas
informações acerca dos atos negociais da sociedade,
pronta e acuradamente, num sistema de disclosure, os
administradores
dão
pleno
conhecimento
das
possibilidades de negócios com os valores mobiliários da
companhia.
Colocam
o
investidor
em
condição
de
autoproteger-se.”204
Os consumidores esperam que lhe seja disponibilizados
produtos e serviços seguros e confiáveis, lealdade na oferta (inclusive
publicitária) do produto, informação adequada sobre o produto ou serviço,
excelência no atendimento (SACs de qualidade).
Alguns desses anseios do consumidor – tido como a
coletividade – foram contemplados pela legislação infraconstitucional pátria,
o que como já vimos não a exclui do conceito de responsabilidade social,
204
A reconstrução do Direito Privado, p. 695.
150
mas que em razão da coerção da ordem jurídica, nesses aspectos, traduz
menor relevância para o comportamento positivo do empresário, haja vista
que o seu móvel é a sanção prevista na norma.
Assim, pode-se afirmar que para assegurar o princípio
da solidariedade, as empresas devem atender às disposições do Código de
Defesa do Consumidor.
A par disso, FARAH chama a atenção para uma questão
importante em qualquer relacionamento humano, o conhecimento e
compreensão do objeto dessa relação, sob pena de se incorrer no erro de
buscar suprir o suposto desequilíbrio nas relações de consumo atingindo o
direito de liberdade e dignidade do indivíduo.
“Muito embora as disposições do CDC visem ao equilíbrio
das relações de consumo, a solidariedade social será
plenamente
atingida
apenas
pela
educação
dos
consumidores. Pois quanto maior for o grau de exigência
dos consumidores maior será a responsabilidade e
comprometimento das empresas ao fornecerem produtos e
serviços à comunidade.”205
Os
concorrentes
esperam
que
não
se
verifique
concorrência desleal, práticas monopolistas, espionagem industrial, combate
ao comércio ilegal e ao contrabando, etc..
Embora se colocada a concorrência sob o prisma do
princípio da solidariedade social, a primeira impressão, é de estamos frente
um antagonismo inconciliável, a ordem econômica constitucional impõe o
princípio
205
da
livre
concorrência
como
forma
de
preservação
do
Ibidem, p. 708.
151
desenvolvimento206 econômico que repelindo os monopólios, estimula a
inovação de produtos, a redução dos preços, o investimento em tecnologia,
como forma de melhor atender aos consumidores.
Conforme destaca FARAH:
“A solidariedade social requer que exista um mercado de
livre concorrência pelo qual são respeitados os princípios
constitucionais da dignidade de pessoa humana e do
trabalho. Isso porque, em qualquer economia dominada
por oligopólios há preponderância dos interesses das
empresas
e
grupos
dominantes
em
prejuízo
dos
consumidores em geral.”207
A
comunidade
espera
respeito
à
cultura
local,
investimento na educação, minimizar impacto da atividade produtiva,
projetos comunitários (em especial, com o trabalho voluntário dos seus
funcionários).
Ponto importante tanto para a comunidade, como para
os consumidores, quando eles em regra não se confundem, é a gestão
ambiental, ou seja, conservação dos recursos naturais.
Quanto aos fornecedores, aguarda-se comungar o seu
código de conduta, transparência na cotação de preços, avaliar a existência
de trabalho infantil (em toda a cadeia produtiva), as condições do trabalho
terceirizado, etc..
206
“Os princípios constitucionais da ordem econômica analisados no item 4.1, combinados como
disposto no art. 219 da Carta Política atual, estabelecem que o mercado concorrencial é um processo
dinâmico de competitividade visando ao desenvolvimento nacional.” Ibidem, p. 704.
207
Ibidem, p. 704.
152
De fundamental importância o atendimento do público:
trabalhadores, haja vista que o trabalho é, por excelência, o principal
instrumento de inserção do homem no meio social.
Os funcionários esperam seleção de forma transparente
sem discriminação de qualquer forma (racial, religiosa, sexual ou por idade)
– respeito a diversidade -, local de trabalho seguro, políticas que preservem
vagas para deficientes físicos ou idosos, - embora, esse três primeiros sejam
obrigações legais que se não observadas afrontam a própria dignidade – além
de benefícios, estímulo à qualidade de vida, remuneração de salário ao
menos mínimo208, treinamento, atividades culturais, etc..
Sem falar em geração de postos de trabalho. Nesse
ponto, muito ainda se evidencia o desrespeito à diretriz da solidariedade.
Lembra FARAH que “Aliás, muitos administradores sustentam que é mais
econômico desempregar alguns homens e utilizar uma máquina, como
também estimulam a terceirização visando elidir os custos sociais do vínculo
empregatício.”209
Quanto à questão da remuneração mínima, o conceito
que se deveria adotar incluiria ações positivas da empresa que ultrapassam
as
exigências
legais,
tais
como
plano
de
participação
nos
lucros,
oferecimento de planos de saúde, auxílio transporte, treinamento, v.g..
Adequado aqui mencionar mais uma vez, o jurista
FARAH, com respeito ao conceito de salário:
208
Muito se noticia no Brasil da existência de trabalho escravo.
Criticando fortemente esse desrespeito à dignidade humana, Farah cita pensamento de Miguel
Unamuno, mencionando que, “quando a Inquisição mandava hereges para a fogueira reconhecia
neles, embora numa concepção errada, uma personalidade, uma dignidade e um valor último, que é
negado pelo homem de negócios ao seu próximo, quando o reduz à condição de instrumento dos
seus próprios lucros”. A reconstrução do Direito Privado, p. 696.
209
153
“O salário deveria expressar um valor que permitisse ao
assalariado não só o disposto no inciso IV do art. 7º, como
também constituir um pecúlio para fazer frente às
inevitáveis incertezas da vida, isto é, formar uma
poupança, até mesmo para sua própria previdência
individual.”210
Boas condições de trabalho podem gerar aumento na
produtividade,
diminuição
dos
produtos
defeituosos,
no
número
de
acidentes, aumento da assiduidade, etc., além de atrair e manter os
melhores profissionais.
5.9.2. Os resultados.
Não basta à empresa ser somente ética nas suas ações,
em especial naquelas ações as quais não há exigibilidade, demanda-se ainda
transparência, ou seja, os resultados de tais ações devem ser demonstrados.
Observe-se que essa exigência é moral e não jurídica.
Isso porque, não se pode exigir a demonstração da performance social da
empresa quando não se pode sequer exigir a realização dessas ações, que
como visto são primariamente responsabilidade do Estado.
Entretanto, até pelo impacto com a opinião pública –
efeito primário das regras morais -, algumas empresas que produzem
projetos
sociais
demonstram
seus
resultados
através
de
relatórios
corporativos das mais diversas formas, convencionando-se chamá-los de
“Balanço Social”.
210
Ibidem, p. 698.
154
O balanço social é instrumento para demonstrar quais
as ações foram desencadeadas pela empresa em prol da comunidade e pode
contemplar tanto as ações internas como as externas.
Segundo RACHEL:
“O balanço social prende-se a demonstração de que
aquela sociedade, a par de seu objeto, no exercício da
atividade, leva em conta outros interesses além dos
imediatos
de
seus
acionistas,
os
interesses
comunidade e, por vezes, da humanidade.”
São
pioneiros
na
teorização
e
da
211
aplicação
desse
instrumento de “contabilidade social”, a “accountability” empresarial vinda
de países europeus, países como a França, através da criação do “bilan
social” em 1972, e Reino Unido com o “Corporate Report” em 1975. A França
tornou obrigatória a prestação de contas dos investimentos sociais para
empresas com mais de 300 funcionários.
Os destinatários dos resultados não são exclusivamente
os acionistas, mas todos os públicos “stakeholders”.
Os balanços sociais têm um resultado prático muito
claro e inegável, marketing institucional.
Já que a empresa produz o balanço social com o fito de
manter a lisura e a ética, espera-se que a empresa o faça de forma fidedigna,
sem mascararem ou omitirem falhas.
Sabiamente a ONG Responsabilidade Social aponta duas
falhas no modelo denominado balanço social, implantado no Brasil. A
211
A responsabilidade social das companhias, p. 41.
155
primeira se refere a confusão instrumental gerada pela utilização da
terminologia “balanço” e a segunda diz respeito a “pobreza” do conteúdo.212
Na busca pela padronização das informações quanto a
ações voltadas para o bem-estar social, o modelo pioneiro de balanço social
foi o proposto para fundações americanas com base em relatórios de
auditoria de programas ambientais da ONU – Organização das Nações
Unidas. Esse modelo é de responsabilidade da Global Reporting Initiative
nominada de Sustainability Reporting Guidelines 2002, com categorias
organizadas sob três títulos – econômico, ambiental e social.
Quando o foco é atrair investimentos, a demonstração
dos resultados passa a ter enorme importância financeira – cabe então
questionar se seria suficiente o controle dos resultados por empresas de
classificação, como ISSO, ou se demandaria regulamentação dos órgãos de
controle da atividade financeira ou, ainda, a atividade legislativa.
Mas além da transparência, do marketing e das
informações que o balanço social contém, ele ainda permite “a continuação
do diálogo com a comunidade e o ajuste dos rumos”213, assim como,
“aperfeiçoa a qualidade de informação sobre as metas sociais da companhia
e, portanto, as relações com investidores e comunidade, aí incluídos
212
“A idéia de balanço foi tomada emprestada da ciência contábil e cria uma série de mal-entendidos,
como o pressuposto de que existe um “ativo” e um ”passivo” social, mas também a errônea
impressão que valores e produtos sócio-ambientais, de difícil definição e utilidade, são objetos de
mensuração contábil segura. A confusão instrumental criada é, portanto, evidente. A segunda reserva
ao modelo em voga no Brasil é de ordem de conteúdo.
Ainda que o modelo brasileiro contenha avanços notáveis – como a referência à questão racial no
Balanço Social – o caráter da informação é ainda excessivamente quantitativo, o que – se, por um
lado, permite a comparação temporal da performance da empresa e o detalhamento de despesas
sociais – por outro, peca pela falta de descrição narrativa de como estas verbas sociais forma
efetuadas e quais os resultados alcançados.” Balanço Social, http://www.responsabilidadesocial.com.
213
Rachel Syzjn, A responsabilidade social das companhias, p. 41.
156
organizações não governamentais e ativistas em geral, meios de comunicação
e autoridades.”214
5.10. Os benefícios da Responsabilidade Social Empresarial e o seu
abuso.
Diversos são os indicadores de que práticas sociais
aumentam o resultado financeiro da companhia, seja em razão do
aprimoramento do processo produtivo em especial com respeito a finalidade
dada aos resíduos poluentes215, seja em razão da contribuição para a boa
imagem organizacional.
MARTINELLI aponta os ganhos com a prática da cidadania
empresarial, esclarecendo que tendo por prioridade o social, alguns
programas podem ter por subprodutos dessa ação: (a) valor agregado à
imagem da empresa, capaz de influenciar comportamentos de fidelidade das
marcas – “a empresa transcendeu o interesse apenas pelo seu consumidor
para entrar em sintonia com as necessidades da própria sociedade”; (b) nova
fonte de motivação e escola de liderança para os funcionários – “estimuladas
214
Ibidem, p. 42.
Rachel elucida essa assertiva:
“Cuidados com proteção ambiental, impostos pela legislação ou voluntários, implica incorrer
custos aparentes, expressos, e implícitos, sem retorno garantido. Por que, então, optar por essas
práticas? A resposta é que há indícios de que, em muitas atividades, a redução voluntária na emissão
de poluentes aumenta o resultado financeiro.
Além disso, cuidados na redução de poluentes alterando o processo produtivo, tendem a
reduzir custos de armazenamento de lixo industrial e, se os consumidores forem conscientes, há
aumento da demanda por produtos “verdes” ou ecologicamente corretos. A confirmar-se tal tendência
é de supor que as empresas que mantenham tais práticas acabarão por granjear reputação que se
fará representar no aumento de vendas e lucros.
(...)
Em Santa Catarina, empresas que investiram em programas de conservação ambiental,
observaram economia no uso de água por produto fabricado. O sub-produto do programa ambiental
pode ser comprovado em outras empresas e diferentes atividades.”
215
157
em seu papel de cidadãs e engajadas em programas consistentes, as pessoas
apresentam um rendimento pessoal surpreendente, com reflexos favoráveis
para outros papéis, como o profissional, familiar e pessoal”; (c) consciência
coletiva interna (espírito de equipe); e, (d) mobilização de recursos
disponíveis
da
empresa,
sem
necessariamente
implicar
em
custos
adicionais.216
Para MARTINELLI deve haver uma linha divisória entre o
comercial e o social. Recursos mobilizados para causas sociais não devem
compor os custos dos produtos, e sim devem proceder da livre determinação
do acionista.
Práticas comerciais (marketing, promoção, publicidade)
são práticas que permitem o aumento das vendas e fixam a imagem. Os
custos dessas práticas são incorporados aos preços dos produtos e serviços.
Essa distinção, reforça MARTINELLI permite avaliar a real motivação de certas
iniciativas empresariais no campo social. Não pode haver uma inversão do
objetivo, fazendo uso do social com objetivo econômico. E por fim, alerta que
“as causas sociais tendem a se transformar em um ‘atraente mercado’.”
217
Esse benefício também é reconhecido por RACHEL:
“Os empresários descobriram a estreita ligação que há
entre demonstrar responsabilidade social e resultados
financeiros, entre atender a expectativas dos empregados,
comunidade local e lealdade ao empregador e aos
produtos
e
serviços
oferecidos
no
mercado.
Que
maximizar o retorno dos acionistas depende, agora, de
216
217
Terceiro Setor – Temas polêmicos, p. 81.
Ibidem, p. 81.
158
manter políticas que demonstrem a inserção real da
empresa na comunidade.”218
Também as entidades empresariais, tais como FIESP Federação das Indústrias do Estado de São Paulo e CNI – Confederação
Nacional da Indústria, conclamam a adoção da responsabilidade social como
ferramenta de gestão, apontando os benefícios gerados.
A FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São
Paulo, através do seu Conselho Superior de Responsabilidade Social
desenvolveu uma agenda intitulada Programa Sou Legal tendo em vista a
descoberta da necessidade de mostrar ao industrial paulista como aliar a
busca pela competitividade, inserção internacional, crescimento e lucro, à
construção do bem comum, contribuindo para o desenvolvimento social,
econômico e ambientalmente sustentável. A FIESP aponta as formas como a
empresa pode “obter lucro com a Responsabilidade Social Empresarial”.
Consta da apresentação do Programa Sou Legal:
“Adotando
uma
crescimento
e
estratégia
qualidade
de
de
vida
desenvolvimento,
para
os
seus
colaboradores e familiares, o industrial estará investindo
no ser humano, que responderá com motivação e
criatividade, resultando na melhora da qualidade de seus
produtos, diminuição dos tempos de fabricação, na
eliminação dos desperdícios e na criação de técnicas e
métodos inovadores. O retorno é rápido e garante o
aumento da produtividade e da competitividade. Porém, o
maior lucro auferido pelo exercício da Responsabilidade
Social Empresarial é a construção do patrimônio ético da
218
Rachel Stzjn, A responsabilidade social das companhias, p. 40.
159
industria,
que
confere
ao
industrial
credibilidade,
respeitabilidade, dentro e fora de sua comunidade. Influi
positivamente no fechamento de negócios, na obtenção de
financiamentos públicos e privados, no estabelecimento
de parcerias e granjeia influência junto ao Executivo e
Legislativo de seu município, Estado e até mesmo da
Federação, podendo ainda influenciar na adoção de
políticas públicas, nas áreas social e econômica.”219
No âmbito da CNI temos o CORES – Conselho Temático
Permanente de Responsabilidade Social, cujo papel e missão é velar pela
convergência entre o econômico e o social, como requisito básico e
imprescindível para o crescimento sustentado do país e para a construção de
uma autêntica democracia, segundo o seu presidente – Armando Monteiro
Neto.
Na concepção da CNI a responsabilidade social é de um
movimento voluntário que tem crescido espontaneamente por força do
mercado, pois o comprometimento das empresas tem se consolidado como
importante diferencial competitivo. As empresas não querem mais ser vistas
como ausentes em questões sociais e sim como instituições que têm
responsabilidade e missão social.
Conforme informa a consultora Sandra Guerra, também
os bancos melhoraram a avaliação do risco de crédito de empresas
219
Apresentação do Programa Sou Legal – FIESP. São Paulo. 2005, p. 5.
160
comprometidas com o meio ambiente, projetos sociais e gestão moderna do
trabalho.220
Numa das primeiras análises sobre o tema, se constata o
reflexo das ações sociais na imagem das empresas. RACHEL aponta que a
opinião pública tem se manifestado sobre ações empresariais relacionadas
com o bem-estar das pessoas, declarações essas que “encontram eco na
população que demonstra sinais de preferência pelas designadas “marcas do
bem”221, ou seja, busca privilegiar produtos cujos fabricantes possam, de
algum modo, ser ligados a ações no plano social.”222 (pág. 38).
Além de informar à comunidade a adoção pela empresa
de uma política de administração também dedicada ao bem-estar social, por
intermédio da associação da marca ou do produto com certa ação social, o
empresário pode informar que o processo produtivo adotado não agride o
meio ambiente, não utiliza trabalho escravo, etc.
“Marketing Social é uma ferramenta democrática e
eficiente, que aplica os princípios e instrumentos de
marketing, de modo a criar e outorgar um maior valor à
proposta
social.
O
marketing
social
redescobre
o
220
Em busca da eficiência social. Revista Indústria Brasileira. CNI. Ano 5. nº 59. janeiro 2006. p. 21.
Sobre a escolha da marca pelo consumidor guiado pela causa social, ver pesquisa elaborada por
Marina Costa Cruz Peixoto – Responsabilidade Social e Impacto no Comportamento do Consumidor:
Estudo de caso da Indústria de Refrigerantes. Incluída a análise de qual público e em que montante
estaria disposto a pagar mais por um produto por uma causa social. Também a demanda por
produtos “politicamente corretos” está tratada em matéria publicada na Revista Veja de 9 de
novembro de 2005, sob o título de O Salto do Comércio Justo.
222
E exemplifica: “Exemplo da idéia de marcar o produto com alguma ação voltada para a
comunidade é a informação encontrada em muitas áreas verdes da cidade que são conservadas por
uma certa sociedade; outra forma, eventual, é a propaganda do guaraná Antártica durante o mês de
dezembro de 1998, em que prometeu doar parte do preço de venda do refrigerante a uma instituição
mantenedora de crianças carentes. Outra, ainda, aquela da cadeia McDonald’s que, periodicamente,
transfere o resultado de um dia de vendas para alguma instituição que cuide de necessitados ou
enfermos.” Ibidem, p. 41.
221
161
consumidor por meio do diálogo interativo, o que gera
condições para que construa o processo de reflexão,
participação e mudança social.”223
Quando há um desvirtuamento da motivação para a
prática de ações socialmente responsável, ou quando o social passa a ter o
objetivo
puramente
econômico,
com
resultados
obtidos
através
das
ferramentas de marketing224 de retorno econômico para a imagem da
empresa, começamos a vislumbrar o abuso que deve ser coibido.
GUILHERME AFIF DOMINGOS225 reclama que:
“É
preciso,
porém,
que
não
se
transforme
a
“responsabilidade social da empresa” num modismo, em
estratégia de marketing destituída de conteúdo ou numa
atuação destinada a projetar seus dirigentes na mídia, o
que pode comprometer a sobrevivência da empresa.”
Um dos primeiros cuidados com o uso dessa ferramenta
deve se observar quando qualifica-se de responsabilidade social o que é uma
responsabilidade legal. O que pode-se admitir que o atendimento às leis seja
uma expectativa da sociedade, incorreto é a utilização única e tão somente
desse dever legal para promover “marketing social”.
223
Atucha apud Schiavo, M.. Conceito e Evolução do Marketing Social. Revista Conjuntura Social,
São Paulo, nº 1, p. 25-29, março/1999.
224
As empresas já vislumbram nesse ferramental, não só um modo de influenciar positivamente o
consumidor, como também um modo de neutralizar a opinião negativa quanto a empresa. Conforme
explica o Presidente do Conselho Nacional de Responsabilidade Social da CNI, “uma pessoa
sensibilizada pelo trabalho da responsabilidade social de uma empresa tem a capacidade de
influenciar a opinião de outros seis ou sete indivíduos. Mas a opinião negativa formada a partir de
práticas nocivas de uma empresa tem a capacidade de se difundir e influenciar outras 20 pessoas.”
Em busca da eficiência social. Revista Indústria Brasileira. CNI. Ano 5. nº 59. janeiro 2006, p. 21.
225
O Estado de S. Paulo. 22 de junho de 2005. Caderno Economia, B-2.
162
Essa expressão “marketing social”
é criticada por
ANTÔNIO CARLOS MARTINELLI, assim como a sua própria prática, entendendo
que a real motivação da prática social das empresas deve visar o bem
comum e não em interesse próprio.
O diretor-presidente do Instituto Akatu pelo Consumo
Consciente, Helio Mattar, ao detalhar pesquisa do Instituto Akatu que ouviu
os consumidores brasileiros em que se constatou como primeiro item
negativo na visão do consumidor, é a percepção de que a empresa faz
propaganda enganosa, ainda que a institucional, afirma que:
“Sem consistência ética, o consumidor perceberá que as
ações sociais são ’puro marketing’, isto é, têm apenas o
objetivo de mostrar o lado bom da empresa.” (...) “O
consumidor quer uma empresa socialmente responsável
para ‘fora’ e para ‘dentro’.”
226
A pesquisa citada tem por objeto os valores fixados pelos
parceiros da empresa, em especial os oriundos da moral.
Mas
mensurar
esses
benefícios
trazidos
pelo
investimento social também não é tarefa fácil. Essa questão importante na
avaliação do móvel das empresas para a ação social, já foi analisada por
RACHEL em 1999, quando muito bem explicitou a problemática em se saber
como avaliar o “preço” (custo) dos investimentos sociais, oportunidade em
que focou a conservação ambiental e sua influência nas escolhas das
empresas.
226
“O marketing Social das empresas”. Revista Consumidor Moderno nº 87, 2005, pág. 144.
163
“Claro que, das questões que se põem nesse tipo de
estratégia, voltadas não apenas para a avaliação atual
das empresas, mas também para o benefício que possa
garantir para as futuras gerações, está presa ao retorno
do investimento, portanto, a saber se o “preço” do
“investimento” é justo, pois parte dele poderá recair sobre
as futuras gerações que se visa tutelar.”227
A autora, chama a atenção ainda de que essa análise
econômica pode ser vista pelo Direito como uma imperfeição do mercado,
que ainda não abarcou um “mercado” no caso de bens ambientais, ou seja
não há valoração dos recursos ambientais que suporte o investimento
financeiro.
Em especial com questões ambientais concordamos com
a doutrinadora citada, destacando que pela ausência de valoração, o
empresário não amadureceu a problemática. Todavia, e novamente quanto
ao meio ambiente, os debates vêm se intensificando – vide as constantes
Conferências das partes signatárias de convenções internacionais sobre o
meio ambiente - e ao nosso ver ganhando novos contornos.
Outro item merece atenção quanto ao limite das ações de
marketing. Segundo ressalta a Comissão do Terceiro Setor, ações de
marketing não são investimentos sociais privados.
“investimento social privado é o repasse voluntário de
recursos privados de forma planejada, monitorada e
sistemática para projetos sociais, ambientais e culturais
227
E complementa a dificuldade: “A dúvida é saber se as gerações futuras, potenciais beneficiárias
das ações, avaliá-las-ão da mesma forma quanto aos esforços dispendidos, ou seja, se a alocação de
recursos de hoje será igualmente avaliada como Pareto eficiente ou Kaldor-Hicks desejável
futuramente.” A responsabilidade social das companhias, p. 39-40.
164
de interesse público. Incluem-se neste universo as ações
sociais
protagonizadas
por
empresas,
fundações
e
institutos de origem empresarial ou instituídos por
famílias ou indivíduos.”228
Ou seja, as empresas não podem ter motivador de um
investimento social, a utilização de estratégias de marketing que lhe
favoreçam, haja vista que quem deve ganhar com investimento social privado
é a comunidade e não o investidor – empresa. Reverter recursos destinados
às ações sociais para as ações de marketing implicam em investir em
interesses próprios.
“o investimento social está incluído na agenda da
responsabilidade
social
empresarial,
ou
seja,
o
investimento social diz respeito à relação da organização
empresarial com o stakeholder ‘comunidade’, envolvendo
o repasse de recursos privados para fins públicos, tendo
como beneficiário principal a comunidade em suas
diversas formas (conselhos comunitários, organizações
não
governamentais,
associações
comunitárias
etc).
Ressalte-se , que o investimento social privado também
beneficia a própria organização empresarial, uma vez que
ele
integra
a
agenda
da
responsabilidade
social
empresarial. Já com relação às práticas envolvendo os
outros stakeholders (os acionistas, os funcionários, os
prestadores
de
serviços,
os
fornecedores,
os
consumidores, o meio ambiente, o governo), a organização
empresarial utiliza recursos privados para fins privados,
sendo ela a beneficiária principal, uma vez que as
práticas de responsabilidade social objetivam contribuir
para
228
que
as
empresas
alcancem
excelência
e
www.oabsp.org.br.
165
sustentabilidade em seus negócios através da ética no
mercado.”229
Coibir o uso inadequado da ferramenta marketing social
é preciso, devendo, quando cabível aplicar-se o Código de Defesa do
Consumidor para obstar propagandas abusivas com respeito à imagem
institucional.
Por outro lado, o fato de que a empresa adotar diversas
ações voluntárias, mas ser fabricante de produtos “desaprovados” não pode
obstá-lo de beneficiar-se com as ações socialmente responsável, sob pena de,
além de ferir o princípio da isonomia, também desestimular ações
importantes.
Algumas entidades, ditas representativas da sociedade
civil,
se
voltaram
recentemente
contra
a
inclusão,
no
Índice
de
Sustentabilidade Empresarial (ISE) da Bolsa de Valores de São Paulo
(BOVESPA), de empresas como a Souza Cruz, Ambev e Taurus, por
entenderem que as mesmas “geram problemas para a sociedade”. Assim não
atendem a critérios de bem-estar social.230
Lamentável distorção. Ora, se tais empresas ou seus
produtos geram problemas para a sociedade devem ser fechadas. Se em
funcionamento é porque produzem produtos lícitos e de acordo com a
regulamentação técnica, respeitando as normas tributárias, ou seja, estão
sujeitas ao controle estatal e cumpridora de suas obrigações legais como
229
Rodrigo Mendes Pereira. In Responsabilidade Social: Uma Atitude a ser adotada pelos indivíduos
e pelas empresas. www.oabsp.org.br.
230
Conforme consta de matéria publicada na Revista do IDEC. Fevereiro de 2006. São Paulo, p.
40/41. Investimento (um pouco) mais responsável.
166
qualquer outra, ainda que esses produtos desagradem à parte da
sociedade231.
Se tais produtos ainda são ofertados – não que aqui
concordemos ou não com fumo, bebida alcoólica ou armas – é porque assim
deseja a maior parte da sociedade. Fato esse comprovado pelo recente
plebiscito sobre desarmamento. Por mais que se deva buscar a concreção de
princípios fundamentais da Constituição, tais como, função social ou
solidariedade, preserva-se ainda o princípio da liberdade dos indivíduos – o
que inclui a possibilidade de escolha. Ora, nesses casos as ações
socialmente responsáveis dizem respeito a algo fora do negócio – que não
tem nada de ilícito.
O princípio constitucional da liberdade está acolhido
também pelo princípio da dignidade humana que deve ser preservado antes
mesmo dos direitos sociais.
FRANCIS
DELPÉRÉE,
comenta
o
direito
de
decisão
contemplado pelo conceito de dignidade humana:
“O conceito de dignidade humana repousa na base de
todos os direitos fundamentais (civis, políticos ou sociais).
Consagra assim a Constituição em favor do homem, um
direito
de
resistência.
Cada
indivíduo
possui
uma
capacidade de liberdade. Ele está em condições de
orientar a sua própria vida. Ele é por si só depositário e
responsável do sentido de sua existência. Certamente, na
prática, ele suporta, como qualquer um, pressões e
influências. No entanto, nenhuma autoridade tem o direito
231
Felizmente o mesmo artigo noticia que Ricardo Nogueira – superintendente de operações da
Bovespa, “afirma que as empresas ‘nocivas’ podem ter atividades compensatórias, e não fala em
exclusão prévia.” P. 41.
167
de lhe impor, por meio de constrangimento, o sentido que
ele espera dar a sua existência. O respeito a si mesmo, ao
qual tem direito todo homem, implica que a vida que ele
leva dependa de uma decisão de sua consciência e não
uma
autoridade
exterior,
seja
ela
benevolente
e
paternalista.”232
Não se pode querer demonizar esse ou aquele setor em
razão da atividade produtiva lícita que exerce. Para a sustentabilidade social
é imprescindível a atividade produtiva. O que se busca é que essa atividade
produtiva possa gerar benefícios também para a coletividade.
5.11. Responsabilidade civil no comportamento positivo.
Segundo GIORGIO DEL VECCHIO é um erro “atribuir às
conseqüências jurídicas duma manifestação facultativa de vontade um caráter
igualmente facultativo.”233
Ao discutir o caráter imperativo hipotético, o autor
mencionado explica a assertiva, ilustrando:
“Na verdade, a estrutura da norma jurídica permanece
substancialmente a mesma,até nesta espécie de casos;
isto é, permanece imperativa e obrigatória , tendo embora
entre os seus pressupostos de facto uma manifestação de
vontade não obrigatória relativamente a uma norma
precedente.
232
Estudos em homenagem a Manoel Gonçalves Ferreira Filho, p. 160.
233
O “Homo Juridicus” e a insuficiência do direito como regra da vida, p. 182/183.
168
Êste conceito corresponde áquele já esculpido por
GRÓCIO na conhecida fórmula: “Quod initio est voluntatis,
postea fit necessitatis”. Livre é cada um, por ex., de não
contrair matrimónio; mas, contraindo-o, sabe-se que as
obrigações
jurídicas
que
daí
nascem
não
têm
já
certamente carácter facultativo. Assim, a liberdade dos
contratos e dos testamentos (liberdade, é claro, sempre
limitada pelo direito) não exclui também uma própria
virtus obligandi dêstes actos jurídicos, isto é, não exclui
que eles gerem por sua vez obrigações de carácter
indubitàvelmente imperativo.”234
Assim o comportamento socialmente responsável até a
sua realização é facultativo, mas uma vez realizado, as conseqüências
jurídicas não têm o mesmo caráter facultativo. A relação humana passa a
ser jurídica com as conseqüências, inclusive cogentes.
Projetos sociais, ou seja, comportamentos positivos, que
só podem ser pleiteados do empresário subsidiariamente ao Estado e que
não gozam de cogência, a partir de sua execução, geram, parafraseando os
processualistas, um fumus boni iuris, na relação entre “doador” ou promotor
do projeto e “donatários” ou destinatários do projeto social.
Relação essa que passa a ser regida pelo Direito. Se, por
exemplo, o projeto social envolve o fornecimento de educação básica para a
coletividade do entorno, esse serviço educacional deverá atender aos
preceitos legais pertinentes.
Bem por isso, o ato de doar recursos para um projeto
social, gera para o empresário o ônus de acompanhar a sua utilização.
234
O “Homo Juridicus” e a insuficiência do direito como regra da vida, p. 182/183.
169
Uma primeira problemática reside no fato de que alguns
projetos sociais se delongam no tempo, sendo que devem ser definidos o
alcance, a metodologia, o montante dos recursos, com base a garantir o
resultado. Caso o resultado não seja atingido, ainda que por vontade do
empresário que optou por não mais fazer uso de uma administração voltada
para o bem-estar da coletividade, entendemos que não há responsabilização
civil.
O presidente do conselho de curadores da Fundação
Instituto de Desenvolvimento Empresarial e Social (FIDES), Peter Nadas,
denuncia, dentre outras coisas, como distorção da responsabilidade social, a
questão tratada nesse capítulo:
“A outra abordagem, que é a pior de todas, é se aproveitar
de situações de miséria dizendo que está trabalhando
para diminuir os problemas de distribuição de renda, e
cria uma imagem de mercado para fazer marketing
dizendo que a empresa é socialmente responsável e joga
pesado nisso para aumentar o lucro. Mas quando surge
algo que dê mais lucro, abandona aquela ação.”235
Tal
distorção
deve
ser
resolvida
pelos
mesmos
fundamentos que originam o comportamento responsável, a ética. Isso
porque nosso ordenamento jurídico não baniu os direitos de usar, gozar e
dispor
livremente
do
bem
pelo
proprietário.
Razão
pela
qual
não
vislumbramos a possibilidade de compelir o empresário a não interromper a
ação social prestada, tampouco podemos falar em reparação de dano, haja
vista que não é devedor daquela prestação.
235
Revista Consumidor Moderno. Ano 10, nº 94. Editora Padrão - Julho de 2005, p. 44.
170
Vejamos por exemplo, a situação do colega de trabalho
que todos os dias transporta ida e volta um amigo, graciosamente. Não há
repartição de despesas com combustível, estacionamento, manutenção do
veículo e outros. O colega que cede carona vende seu veículo passando a
dirigir-se ao trabalho de ônibus. Poderá o outro colega exigir que ele
continue a prestar a carona ou indenizá-lo?
Ou ainda, uma pessoa não tem onde morar, outra
empresta em comodato um imóvel de sua propriedade com prazo
indeterminado. Quando denuncia o contrato porque necessita locá-lo ou
para ceder a outra pessoa v.g., poderá o que recebeu a casa em comodato,
invocando a função social, negar-se a devolver o imóvel?
Obviamente a resposta é negativa. O devedor dos direitos
sociais é o Estado. O particular somente está obrigado a fazer o que a lei
determinar. Ressalve-se a hipótese em que causar dano.
Outra
situação
passível
de
responsabilização
do
empresário socialmente responsável é a ocorrência de dano por ato ilícito
que vitime pessoas ou bens sob a sua responsabilidade.
Cabe
agora
abordarmos
as
características
da
responsabilidade civil, atentando especialmente para o dano:
a) Ato lesivo causado por ação ou omissão.
No tocante aos pressupostos, a responsabilidade civil
pode nascer também de uma conduta humana negativa (omissão), quanto
positiva (ação), podendo derivar de ato próprio ou de ato de terceiro que esteja
sob a sua guarda ou de coisas ou animais que lhe pertençam.
b) Culpa ou dolo.
171
Entretanto, deverá se verificar, ainda, se essa ação ou
omissão é culposa (culpa stricto sensu) ou dolosa.
Culpa como define ALVINO LIMA “é um erro de conduta,
moralmente imputável ao agente e que não seria cometido por uma pessoa
avisada, em iguais circunstâncias de fato”. Dolo, por sua vez, é vontade livre
e consciente de causar um dano.
c) Nexo causal.
Esculpida no verbo “causar” inserido no artigo 186 do
Código Civil Brasileiro, a existência de relação de causalidade entre o dano e
o ato lesivo, também é pressuposto da obrigação de indenizar. Assim sendo,
mesmo existindo o dano, mas a sua causa não estando relacionada com o
comportamento omissivo ou comissivo do agente, não há que se falar em
indenização.
d) Dano.
Entende-se como dano todo e qualquer prejuízo de
conteúdo material ou moral que repercuta na ordem do direito subjetivo da
vítima, causando-lhe efetiva minoração no patrimônio ou diminuição da autoestima, boa fama e outros valores anímicos.
Para a existência de um dano a reparar, ou seja, dano
indenizável, é imprescindível a ocorrência dos seguintes requisitos:
172
d.1) diminuição ou destruição de um bem jurídico
patrimonial ou moral, pertencente a uma pessoa. Isto é, para que o dano
seja possível de reparação civil, deverá acarretar lesões em interesses de
outrem, tutelados juridicamente, sejam eles econômicos ou não;
A
interrupção
de
um
projeto
social
não
causa
diminuição, nem destruição de um bem jurídico, nem frustra expectativa de
direito, por somente se aduziria direito contra o Estado.
d.2)
Efetividade ou certeza do dano, pois a lesão não
poderá ser hipotética. O dano deverá ser real e efetivo, sendo necessária sua
demonstração e evidência em face dos acontecimentos e sua repercussão
sobre a pessoa, ou patrimônio desta, salvo nos casos de dano presumido;
d.3)
Nexo de causalidade, uma vez que deverá haver
uma relação entre a falta e o prejuízo causado. Nesse ponto vale ressaltar
que em relação ao fato gerador, o dano poderá ser direto ou indireto, sendo
que ambos são indenizáveis;
d.4) Subsistência do dano no momento da reclamação do
lesado;
d.5) Legitimidade, pois a vítima, para que possa pleitear
a reparação, precisará ser titular do direito atingido; e, por fim
d.6)
Ausência
de
causas
excludentes
de
responsabilidade.
e) Pessoas obrigadas a reparar o dano.
O responsável pela reparação do dano é todo aquele que,
por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, haja causado
173
prejuízo a outrem (responsabilidade subjetiva) ou aquele que, mesmo sem
culpa, em razão da atividade de risco que exerce, causar dano a terceiro
(responsabilidade objetiva).
Essa
obrigação
pode
ser
responsabilidade
extracontratual solidária (art. 942 Código Civil, mais de um autor do dano).
Um exemplo dessa responsabilidade solidária pode ser vislumbrado na
situação em que uma empresa executa a manutenção de uma praça pública.
Uma árvore cai sobre um carro. Verificados dano e nexo causal, poderá a
empresa ser demandada a reparar o dano.
f) Pessoas que podem exigir a reparação.
Quanto às pessoas que podem exigir a reparação, só
poderão reclamá-la aqueles que sofreram a lesão, sendo que esta vítima
poderá ser direta ou indireta. O lesado direto é o titular do bem jurídico
imediatamente danificado, enquanto que o lesado indireto é aquele que sofre
lesão em seu interesse porque um bem jurídico alheio foi danificado.
g) Novo parêntese para abordar dano coletivo e Direito
social.
Entende LUIZ ANTONIO NUNES que
“Tanto o dano patrimonial quanto o
moral são passíveis de reparação, a diferença está em
que
no
dano
individual
a
reparabilidade
faz-se
evidentemente de molde a satisfazer o indivíduo, e no
dano difuso ou coletivo a indenização deverá satisfazer ou
174
recompor o bem indivisível que satisfaz a um número
indeterminado de pessoas ou titulares.” (g.n.)236
Teríamos um bem indivisível, por exemplo, no caso de
danos
ambientais,
independentemente
da
empresa
ter
ou
não
um
comportamento socialmente responsável.
O mesmo autor, enfrenta a questão do Direito Difuso e
Coletivo e o Direito Social (não é dano gerado pelo exercício do dever social –
comportamento positivo), entendendo que este último implica no “dever de
respeitar indistintamente aqueles bens que a todos satisfaz ao mesmo
tempo.”237 Ou seja não se trata de um direito de titularidade sobre um bem,
mas sim de um dever com relação a um bem, o que dificulta a conclusão
sobre que espécie de direito difuso ou coletivo, se enquadra o direito social.
Na hipótese de dano gerado por comportamento positivo
esse não será difuso – titularidade indeterminável e indivisibilidade do bem
da vida. Serão direitos individuais com determinação dos lesados. A queda
do telhado de uma escola mantida por uma empresa, v.g..
236
237
Atualidades Jurídicas, Maria Helena Diniz (coord.), p. 223.
Idem, p. 225.
175
CONCLUSÃO
Demanda-se
responsabilidade
social
que
empresarial,
o
Direito
também
porquanto
ainda
se
ocupe
que
da
àquela
transcenda essa merece a adequada aplicação nas relações com todos os
atores da sociedade, desde fornecedores até consumidores, passando pela
força de trabalho até as Ongs.
Mais ainda, porquanto nossa disciplina Constitucional
alçou os direitos sociais como padrões mínimos para a construção de uma
sociedade justa, livre e solidária.
A Constituição inseriu princípios que devem balizar
Estado e cidadão nesse sentido, entretanto, como apontamos, faltam a tais
princípios, ao menos na forma de dever positivo, poder de coerção com
relação ao particular.
Aproveitamos para sugerir nesse trabalho a substituição
do termo responsabilidade por solidariedade, haja vista que o último traduz
melhor o conteúdo do instituto e não se confunde com a “responsabilidade”
no sentido de imputabilidade.
Destacamos o caráter complementar da ação social do
empresário com relação ao Estado, e a compatibilização do atendimento aos
interesses da coletividade com o objetivo principal da empresa que é a
obtenção de lucro.
Cotizamos a obrigação legal com a responsabilidade
social, ainda que o cumprimento daquela componha esta, haja vista que
176
dentre as expectativas da sociedade, insere-se o anseio de que a empresa
cumpra a legislação.
Na
seqüência
importante
entendemos
apontar
os
benefícios obtidos com um comportamento socialmente responsável e a sua
adequada utilização.
Também
problemática
fundamental
enfrentada
diz
respeito a impossibilidade da lei determinar o conteúdo ou obrigatoriedade
do comportamento socialmente responsável, face o caráter indicativo do
planejamento pelo Estado para com o setor privado, exceto com respeito às
normas de indução. Nesse item, apontamos as várias opções encontradas
pela sociedade e pelo mercado, consubstanciadas na normalização.
Por
fim,
analisou-se
as
situações
de
possível
responsabilização civil do empresário socialmente responsável por dano
causado pela atividade social.
Responsabilidade social empresarial deve representar
uma conduta natural ética que envolve vários públicos, representada por
uma gestão que busque compatibilizar o objetivo de lucro com investimento
social, ou seja, voltada para o bem-estar social da coletividade e visando a
construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
Tal comportamento agrega valor ativo à imagem da
empresa refletindo no mercado investidor e no mercado de consumo. E essa
valoração há de ser devidamente reconhecida a fim de cada vez mais
estimular-se o comportamento socialmente responsável.
177
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