Igreja do Rosário, Maceió. P o esia Poemas inéditos Lêdo Ivo Ocupante da Cadeira 10 na Academia Brasileira de Letras. Os sinos de Maceió Não escuto os sinos que sempre escutei quando era menino. Não escuto os sinos que anunciam a morte na cidade morta. Sinos dos pés juntos e das mãos cruzadas dos frios defuntos. Carrilhões que trazem o fedor da morte e as ressurreições. 157 Lêdo Ivo Não escuto os sinos que anunciam a vida pelas ruas tortas. Minha vida é pobre como a dos mendigos. Não escuto os sinos e nem mesmo os hinos que estavam comigo quando era menino. De manhã à noite os sinos tocavam nas velhas igrejas. Sinos do Rosário e do Livramento e da Catedral sinos da alegria da fé e tormento perdidos no vento sinos dos Martírios que se irradiavam pelo firmamento. E Deus era amor. Os homens pecavam e Deus perdoava. 158 Poemas inéditos No confessionário ou no Seu sacrário Deus era perdão. Livrava do inferno o ladrão de terras e o estelionatário. Também perdoava as belas adúlteras e o frio assassino. Ao toque dos sinos todos recebiam o perdão divino. O estado de graça bem pouco durava ao sol e ao mormaço. O arrependimento sumia no vento. Pecado nefando e coito danado pousavam de novo nos quartos fechados. Pecador relapso o homem tornava tornava a pecar. 159 Lêdo Ivo E Deus perdoava os corpos e as almas. Perdoava em vão o bicho insensato que jamais merece o menor perdão. A neve e o amor Neste dia de calor ardente, estou esperando a neve. Sempre estive à sua espera. Quando menino, li Recordações da Casa dos Mortos e vi a neve caindo na estepe siberiana e no casaco roto de Fédor Dostoievski. Amo a neve porque ela não separa o dia da noite nem afasta o céu das aflições da terra. Une o que está separado: os passos dos homens condenados ao gelo escurecido e os suspiros de amor que se perdem no ar. É necessário ter um ouvido muito afiado para ouvir a música da neve caindo, algo quase silencioso como o roçar da asa de um anjo, caso os anjos existissem, ou o estertor de um pássaro. Não se deve esperar a neve como se espera o amor. São coisas diferentes. Basta abrirmos os olhos para ver a neve cair no campo desolado. E ela cai em nós, a neve branca e fria que não queima como o fogo do amor. Para ver o amor os nossos olhos não bastam, nem os ouvidos, nem a boca, nem mesmo os nossos corações que batem na escuridão com o mesmo rumor 160 Poemas inéditos da neve caindo nas estepes e nos telhados das cabanas escuras e no casaco roto de Fédor Dostoievski. Para ver o amor, nada basta. E tanto o frio do inverno como o calor escaldante o afastam de nós, de nossos braços abertos e de nossos corações atormentados. Fiel à minha infância, prefiro ver a neve que une o céu e a terra, a noite e o dia, a ser a presa indefesa do amor, o amor que não é branco nem puro nem frio como a neve. Novo soneto de Paris Uma folha caída na avenida. É assim que se extingue um amanhã. Paris me diz que toda vida é vã, a branca estrela da estação perdida. A ti, folha de plátano caída no chão dourado da plúmbea manhã, um frio de outono que nenhuma lã vai proteger da morte prometida, a ti dedico os passos derradeiros que me afastam da vida quando passo sob as árvores da longa alameda. Entre a noite indolente e os sóis primeiros cai a folha do amor, e cai no espaço do dia breve. E a morte é muda e leda. 161