Igreja do Rosário, Maceió.
P o esia
Poemas inéditos
Lêdo Ivo
Ocupante da
Cadeira 10
na Academia
Brasileira de
Letras.
Os sinos de Maceió
Não escuto os sinos
que sempre escutei
quando era menino.
Não escuto os sinos
que anunciam a morte
na cidade morta.
Sinos dos pés juntos
e das mãos cruzadas
dos frios defuntos.
Carrilhões que trazem
o fedor da morte
e as ressurreições.
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Lêdo Ivo
Não escuto os sinos
que anunciam a vida
pelas ruas tortas.
Minha vida é pobre
como a dos mendigos.
Não escuto os sinos
e nem mesmo os hinos
que estavam comigo
quando era menino.
De manhã à noite
os sinos tocavam
nas velhas igrejas.
Sinos do Rosário
e do Livramento
e da Catedral
sinos da alegria
da fé e tormento
perdidos no vento
sinos dos Martírios
que se irradiavam
pelo firmamento.
E Deus era amor.
Os homens pecavam
e Deus perdoava.
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Poemas inéditos
No confessionário
ou no Seu sacrário
Deus era perdão.
Livrava do inferno
o ladrão de terras
e o estelionatário.
Também perdoava
as belas adúlteras
e o frio assassino.
Ao toque dos sinos
todos recebiam
o perdão divino.
O estado de graça
bem pouco durava
ao sol e ao mormaço.
O arrependimento
sumia no vento.
Pecado nefando
e coito danado
pousavam de novo
nos quartos fechados.
Pecador relapso
o homem tornava
tornava a pecar.
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Lêdo Ivo
E Deus perdoava
os corpos e as almas.
Perdoava em vão
o bicho insensato
que jamais merece
o menor perdão.
A neve e o amor
Neste dia de calor ardente, estou esperando a neve.
Sempre estive à sua espera.
Quando menino, li Recordações da Casa dos Mortos
e vi a neve caindo na estepe siberiana
e no casaco roto de Fédor Dostoievski.
Amo a neve porque ela não separa o dia da noite
nem afasta o céu das aflições da terra.
Une o que está separado:
os passos dos homens condenados ao gelo escurecido
e os suspiros de amor que se perdem no ar.
É necessário ter um ouvido muito afiado
para ouvir a música da neve caindo, algo quase silencioso
como o roçar da asa de um anjo, caso os anjos existissem,
ou o estertor de um pássaro.
Não se deve esperar a neve como se espera o amor.
São coisas diferentes. Basta abrirmos os olhos para ver a neve
cair no campo desolado. E ela cai em nós, a neve branca e fria
que não queima como o fogo do amor.
Para ver o amor os nossos olhos não bastam,
nem os ouvidos, nem a boca, nem mesmo os nossos corações
que batem na escuridão com o mesmo rumor
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Poemas inéditos
da neve caindo nas estepes
e nos telhados das cabanas escuras
e no casaco roto de Fédor Dostoievski.
Para ver o amor, nada basta. E tanto o frio do inverno como o calor escaldante
o afastam de nós, de nossos braços abertos
e de nossos corações atormentados.
Fiel à minha infância, prefiro ver a neve
que une o céu e a terra, a noite e o dia,
a ser a presa indefesa do amor,
o amor que não é branco nem puro nem frio como a neve.
Novo soneto de Paris
Uma folha caída na avenida.
É assim que se extingue um amanhã.
Paris me diz que toda vida é vã,
a branca estrela da estação perdida.
A ti, folha de plátano caída
no chão dourado da plúmbea manhã,
um frio de outono que nenhuma lã
vai proteger da morte prometida,
a ti dedico os passos derradeiros
que me afastam da vida quando passo
sob as árvores da longa alameda.
Entre a noite indolente e os sóis primeiros
cai a folha do amor, e cai no espaço
do dia breve. E a morte é muda e leda.
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Poesia - Machado de Assis