Independência de quem e de quê? Taurino Araújo advogado, professor de Direito e Antropologia Jurídica [email protected] A Independência do Brasil é considerada a data mais importante da civilização brasileira. A comemoração se consolidou em 1922, por ocasião do denominado centenário da Independência, marcado por desfiles e outras manifestações, inclusive, com a instituição do Hino Nacional. Em 1920, Oswald de Andrade profetizara que, no ano do centenário da Independência (1922), os intelectuais deveriam concretizar a independência não somente política, mas, acima de tudo, mental e moral da civilização brasileira. A necessidade desse tipo de independência continua, até hoje, para que todos possam pronunciar um não rotundo ao noticiário manchado por violência, miséria, corrupção materializando os ideais republicanos de ordem, amor e progresso. Na época do centenário, o plano econômico era revelador de sucessivas crises, que deslocavam o prestígio do mundo rural para o mundo urbano; da agricultura para a indústria. Nas cidades, a urbanização promovia maior mobilidade social e os novos industriais brigavam pela hegemonia, conquanto o segmento agrário controlasse o poder público. Agora, a globalização impõe nova pauta num contexto multilateral de conquista e manutenção de novos mercados; do atendimento de necessidades individuais e coletivas, de total reengenharia da condição humana, de ética na política e em todas as relações. Segundo Cecília Sales Oliveira, a associação entre independência e separação é simplificação de diversas circunstâncias históricas do século XIX, referindo-se, muitas vezes, a situações diferentes. Independência pode ser entendida como liberdade e autonomia (mesmo integrando um reino) enquanto separação é quando dois corpos se distanciam e isso não pode dar a medida da conotação política emprestada à data, pois ganhava repercussão à época a possibilidade de declarar-se Independência do Brasil sem que houvesse separação de Portugal. Quase duzentos anos depois, a história continua marcada por avanços, percalços e retrocessos, e também pela força dos discursos, da política e da ordem econômica. Entre avanços e retrocessos, importa compreender que em 1815 o Brasil foi elevado à condição de Reino Unido a Portugal e Algarves e esse fato acenava perspectiva nova para o país. Assim, o ano de 1822, teria sido etapa natural do processo de separação. Em outra perspectiva, a data não é propriamente um marco de alterações políticas, econômicas e sociais sem qualquer participação do povo. Por isso, não podem ficar esquecidos o recrudescimento da escravidão e a posterior Abolição da Escravatura em 1888, nem a importância do dia 2 de julho de 1823, data da Independência na Bahia, que, na verdade, representa muito mais que consolidação da independência brasileira, desse Brasil nascido e criado na Bahia. Levando-se em conta o ponto de partida na celebração do Centenário da Independência e os apontados reflexos da Semana de Arte Moderna, meses antes, em 1922, com a proposta de uma independência não somente política, mas, acima de tudo, mental e moral da civilização brasileira, percebe-se que a verdadeira Independência é mais que separar corpos ou afirmar discursos: é usufruto concreto de liberdade responsável; é projeto em constante construção.