O QUE O DINHEIRO NÃO COMPRA: OS LIMITES
MORAIS DO MERCADO
What Money doesn´t Buy: the Moral Limits of the Market
José Neivaldo de Souza.1
SANDEL, Michael J. O que o dinheiro não compra: os limites
morais do mercado. 1ª. ed. Tradução do original em inglês de
2012 por Clovis Marques. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2012. 238 páginas.
Em poucas palavras, a orelha do livro apresenta a biografia
de Sandel, um dos filósofos mais importantes na atualidade.
Professor visitante da Sorbonne, passou a ser conhecido por
suas conferências sobre ética e justiça na Universidade de
Harvard. Sua obra mais conhecida é Justiça: o que é fazer a coisa
certa, tradução publicada pela Civilização Brasileira em 2011. A
nova obra, O que o dinheiro não compra, tem boa aceitação entre
filósofos, economistas, sociólogos, cientistas políticos e teólogos,
e é necessária a todo leitor esperançoso por uma sociedade onde
os valores éticos são a essência da vida.
Em cinco capítulos, o autor aponta a realidade do mercado e
nos leva a perguntar sobre o nosso futuro, caso não adotemos uma
ética cujos princípios reajam a toda forma de injustiça. Se tudo
está sujeito ao mercado e à venda, o que o dinheiro não compra? Sem
1 Doutor em Teologia e mestre em Psicologia clinica e Filosofia. Professor
da Faculdade Teológica Batista do Paraná (FTBP) e Faculdade Evangélica do
Paraná (FEPAR). Membro da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião.
E-mail: [email protected].
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entrar em pormenores históricos, ele expõe o contexto neoliberal,
o triunfo do mercado e a globalização da ideologia capitalista,
como o campo fértil da festa mercadológica e questiona se esta é
a melhor forma de existir.
O primeiro capítulo abre a discussão tratando de um
hábito equânime: a fila. Para ele, a fila tem a função de manter
a igualdade, por isso imparcial, porém, num sistema onde tudo
é colocado à venda, a prioridade não é de quem chega primeiro,
mas de quem paga mais. O mercado tem suas “vantagens” e furar
a fila é uma delas. Isso acontece em todas as áreas, desde a entrada
em parques de diversões, até consultórios médicos. A Universal
Studios Hollywood, segundo Sandel, é um exemplo. Se alguém
não quer aguardar na fila, por atrações mais concorridas, é só
pagar o dobro do preço e poderá furar a fila.
A atitude de furar a fila se encontra também em clínicas
e hospitais públicos onde se formam longas filas à espera de
conseguir uma senha para consulta. Muitos pacientes recorrem a
cambistas que fazem esse serviço pagando alguém para enfrentar a
fila. A ação dos cambistas de furar a fila transparece em atitudes de
muitos médicos, chamados de “médicos de boutique”. Segundo a
pesquisa de Sandel, eles criam um fichário com três mil ou mais
nomes de pacientes, contando com uma frequência de 25 ou 30
pacientes diários. À disposição, 24 horas por dia, eles garantem
ao paciente um atendimento VIP por uma taxa anual que varia
de US$ 1.500 a US$ 2.500. Segundo nosso autor, “Os médicos
filiados à MDVIP embolsam dois terços da taxa anual (um terço
vai para a empresa), o que significa que uma clínica com seiscentos
pacientes tem um rendimento anual de US$ 600.000 apenas com
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as taxas, sem contar os reembolsos dos planos de saúde”.
Essas atitudes podem ser julgadas moralmente? Cambistas e
“médicos de boutique” têm algo em comum: além de permitir aos
abastados furarem a fila, condenam os demais, os desprovidos ou
os que não compactuam com esse sistema, a uma espera injusta.
No segundo capítulo, o autor ressalta a política de
“incentivo”, através do dinheiro, para resolver problemas
sociais como: pagar para esterilizar mulheres viciadas a fim de
submetê-las ao controle de natalidade; pagar aos alunos para
lerem um livro; pagar pelo direito de poluir; pagar para caçar
animais com a argumentação de que o dinheiro será revertido
para a preservação ambiental.
Muitos críticos reiteram que esse tipo de incentivo nada mais
é do que suborno, pois consiste em pagar por algo que não pode
ser vendido. Além de privilegiar alguns e prejudicar a maioria,
aponta para uma contradição: pagar a uma mulher viciada em
drogas para que fique estéril, parece não resolver a questão, pois
o dinheiro recebido pode ser utilizado na compra de mais drogas.
No terceiro capítulo, há perguntas norteadoras sobre o
que pode e não pode ser comprado. É possível comprar amigos?
É possível comprar um Oscar? É possível pagar pelo perdão de
alguém? É possível presentear com dinheiro sem levar em conta
interesses próprios? É possível comprar órgãos e sangue humanos?
Até recentemente, observa Sandel, era possível contratar
“amigos” de boa aparência ou famosos e incluí-los no facebook.
Nos EUA pagava-se até US$ 0,99 ao mês, por amigo. Esta prática
de comprar amigos se expressa também no ato de presentear
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alguém com dinheiro e de pagar alguém para pedir desculpas em
seu lugar. Não só pagar por amigos, mas pagar por uma estatueta
de Oscar ou por órgãos e sangue humanos parece algo que,
do ponto de vista moral, está sujeito à corrupção e à injustiça.
Amizade não pode ser comprada; uma estatueta do Oscar, ainda
que possa ser comprada, perde o seu poder simbólico; pagar
uma empresa para pedir perdão a alguém em seu lugar jamais
vai reparar o dano; presentear alguém com dinheiro ou comprar
órgãos e sangue humanos pode corromper o sentimento de
fraternidade e solidariedade.
O quarto capítulo apresenta a ideia de que a morte, para
o mercado, vale mais que a vida. Muitas empresas fazem seguros
de vida em nome de seus diretores executivos e dirigentes a fim
de compensar possíveis perdas. Na década de 80 e 90, segundo
Sandel, nos EUA, a maioria dos estados sucumbiu à proposta das
Companhias de seguros permitindo às empresas adquirir seguros
em nome de seus empregados, do maior ao menor escalão: o
seguro de vida deixou de ser um beneficio à família do segurado
morto para se tornar um grande negócio.
Mas jogar com a vida alheia não é algo moralmente
reprovável, independente de onde vem a apólice?
No último capítulo, o autor nos apresenta o mercado da bola
e a geração de lucros que se dá em torno dele. Não são poucos os
jogadores que recebem uma quantia exorbitante para representar
empresas e deixar sua marca em nossa diversão nacional. Também
o negócio dos souvenires; nos EUA, os jogadores famosos do
beisebol começaram a cobrar para dar autógrafos, pois eram
importunados em restaurantes, hotéis e em suas residências.
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Segundo Sandel, “Em 1992, Mickey Mantle teria ganhado
US$ 2,75 milhões para autografar vinte mil bolas de beisebol
e participar pessoalmente de apresentações, o que representava
mais dinheiro do que havia ganhado em toda a sua carreira com
os Yankees”. Para o autor, o caráter dos bens é transformado pelo
mercado, por isso é importante questionar os limites do dinheiro,
o que ele pode e o que não pode comprar.
Para terminar, o autor observa que o mercado se consolida
num contexto de esvaziamento do discurso público em relação
aos valores morais e espirituais. De fato, concordamos com ele,
por isso é importante saber os limites do mercado e reivindicar
maior debate sobre o que de fato dá sentido à vida: perguntar se
queremos uma sociedade onde tudo se submete à lei da compra
e venda; questionar se os bens mercadológicos são de fato bens
que nos conduzem a uma vida mais fraterna e solidária, eis os
questionamentos que unem escritor, leitor e a obra.
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08 – O que o dinheiro não compra: os limites morais do mercado