VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
PETER BURKE
BURKE, Peter. Variedades de história cultural. São Paulo - Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2000.
Peter Burke
DO AUTOR
Variedades de
Cultura POPular na Idade Moderna, São Paulo, Cia das Letras,
1989.
histOria cultural
Veneza e Amsterdã, Um estudo das elites no século XVII, São
Paulo, Brasiliense, 1991.
A escola dos Annales, São Pauto, Unesp, 1990.
A escrita da bistória, São Paulo, Unesp, 1992.
A fabricação do rei, Rio de janeiro, Jorge Zahar, 1994.
TRADUÇÃO DE
A arte da conversação, São Paulo, Unesp, 1995.
As fortunas do Cortesão, São Paulo, Unesp, 1997.
Alda Porto
Vico, São Paulo, Unesp, 1997.
CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA
Rio de janeiro
2000
COPYRIGHT DESTA COLETANEA by Peter Burke, 1997
Publicado originalmente por Polity Press em associação com
Blackwell Publishers Ltd., 1997
TíTULO ORIGINAL INGLÉS
Varieties of Cultural History
CAPA
Evelyn Grumach
PROJETO GRÁFICO
Evelyn Grumack e João de Souza Leite
PREFÁCIO 7
PREPARAÇÃO DE ORIGINAIS
Leny Cordeiro
EDITORAÇÃO ELETRÔNICA
Art Line
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, Rj
11973v Burke, Peter, 1937-
Variedades de história cultural 1 Peter Burke; tradução de
Alda Porto. - Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
Tradução de:Varieties of cultural history
1. Civilização - historiografia. 2. Civilização - história.
3. Cultura - historiografia. 1. Título. CDD - 909
99-1756
CDLI - 93
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, armazenamento Ou
transmissão de partes deste livro, através de quaisquer meios, sem prévia
autorização por escrito.
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PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTAL
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Impresso no Brasil
2000
Sumário
AGRADECIMENTOS 9
1. Origens da história cultural 11
2. A história cultural dos sonhos 39
3. História como memória social 67
4. A linguagem do gesto no início da Itália moderna 91
5. Fronteiras do cômico no início da Itália moderna 113
6. O discreto charme de Milão: viajantes ingleses
no século XVII 137
7. Esferas pública e privada na Gênova de fins do
Renascimento 159
8. Cultura erudita e cultura popular na Itália
renascentista 177
9. A cavalaria no Novo Mundo 195
10. A tradução da cultura: o Carnaval em dois
ou três mundos 213
11. Unidade e variedade na história cultural 231
BIBLIOGRAFIA 269
Índice 307
Agradecimentos
No decorrer da elaboração destes ensaios, aprendi muito nos diálogos que mantive ao longo
dos anos com Jim Amelang, Anton Blok, Jan Bremmer, Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke,
Roger Chartier, Bob Darnton, Natalie Davis, Rudolf Dekker, Florike Egmond, Carlo
Ginzburg, Eric Hobsbawm, Gdbor Klaniczay, Reinhart Koselleck, Giovanni Levi, Eva
Osterberg, Krzysztof Pomian, Jacques Revel, Peter Rietbergen, Herman Roodenburg, Joan
Pau Rubies i Mirabet, Bob Scribner e Keith Thomas. No estudo dos sonhos, muito
me ajudaram Alan Macfarlane, Norman Mackenzie, Anthony Ryle e Riccardo Steiner.
Gwyn Prins e Vincent Viaene facilitaram meu acesso à história africana. Pelo título
do Capítulo 6, meus agradecimentos a Aldo da Maddalena.
O Capítulo 1 é uma versão revista de "Reflections on the Origins
of Cultural History", in Interpretation in Cultural History, org. Joan Pittock e Andrew Wear
(1991), pp. 5-24, com a autorização da Macmillan Press.
O Capitulo 2 foi revisto a partir da versão em inglês de
"L'Histoire sociale des rêves", Annales. 12conomies, Sociétés, Civilisations, nº. 28 (1973),
pp. 329-42. Foi a primeira publicação em inglês.
O Capítulo 3 é uma versão revista de "History as Social
Memory", in Memory, org. Thomas Butler (1989): pp. 97-113, com autorização de
Blackwell Publishers.
O Capitulo 4 é uma versão revista de "The Language of Gesture
9
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
in Early Modern Italy", in A Cultural History of Gesture, org. Jan
Bremmer e Herman Roodenburg (1991), pp. 71-83. Copyright by
Peter Burke 1991, com autorização da Polity Press e Cornell
University Press.
O Capitulo 5 é uma versão revista de "Frontiers of the Comic in
Early Modern Italy", in A Cultural History of Humour, org. Jan
Bremmer e Herman Roodenburg (1997), pp. 61-75, com autorização
da Polity Press.
O Capítulo 9 é uma versão revisada de "Chivalry in the New
Origens da história
cultural
World", in Chivalry in the Renaissance, org. Sydney Anglo (1990), pp. 253-62, com
autorização da Boydell e Brewer Ltda.
Prefácio
O objetivo desta coletânea de ensaios é discutir e exemplificar
algumas das principais variedades de história cultural surgidas desde
o questionamento do que se poderia chamar de sua forma "clássica",
exemplificada na obra de Jacob Burckhardt e Johan Huizinga. Esse
modelo clássico não foi substituído por nenhuma ortodoxia nova,
apesar da importância das visões inspiradas pela antropologia social e
cultural.
A coletânea começa com um capítulo sobre as origens da história
cultural, que suscita questões gerais sobre a identidade do tema. Os
capítulos sobre sonhos e memória são substantivos, mas também
comparativos, além de tentar abordar problemas gerais na prática da
história cultural.
Seguem-se cinco estudos de caso detalhados do início da Itália
moderna, principal área de minha pesquisa, de meados da década de 1960 a meados da de
1980. Todos esses estudos se situam nas fronteiras da história cultural (no
sentido de constituírem áreas só recentemente examinadas) e também nas fronteiras
culturais - entre a cultura erudita e a cultura popular, as esferas pública e privada,
o sério e o cômico.
Seguem-se dois ensaios sobre o Novo Mundo, em especial o Brasil
(um mundo novo, que descobri há apenas uma década). Esses se concentram nos romances
de cavalaria e no Carnaval, mas sua
preocupação essencial é com a "tradução" cultural nos sentidos etimológico,
literal e metafórico do termo. Deu-se particular ênfase às conseqüên7
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
cias de encontros culturais, nas circunstâncias em que se podem descrevê-los em termos de
mistura, sincretismo ou síntese.
O volume termina com um artigo teórico que discute as variedades de história cultural
comparando e contrastando o estilo clássico com o "novo", ou "antropológico"
e tentando responder à questão de saber se a chamada "nova" história cultural está
condenada à fragmentação.
As idéias aqui apresentadas se desenvolveram a partir de uma espécie de diálogo entre
fontes dos séculos XVI e XVII, historiadores mais recentes (Jacob Burckhardt,
Aby Warburg, Marc Bloch, Johan Huizinga) e teóricos culturais modernos, de Sigmund
Freud, Norbert Elias e Mikhail Bakhtin a Michel Foucault, Michel de Certeau e
Pierre Bourdieu. Nos ensaios a seguir, tentarei evitar os perigos opostos do
"construtivismo" (a idéia da construção cultural ou discursiva da realidade) e do
"positivismo"
obsoleto (no sentido de empirismo confiante em que "os documentos" revelarão "os fatos").
Dedico este livro à minha amada mulher e colega historiadora, Maria Lúcia Garcia
Pallares-Burke.
8
1. Origens da história cultural
11
Não há concordância sobre o que constitui história cultural, menos ainda sobre o que
constitui cultura. Há mais de quarenta anos, dois estudiosos americanos começaram
a mapear as variações do emprego do termo em inglês, e reuniram mais de duzentas
definições concorrentes.1
Levando-se em conta outras línguas e as últimas quatro
décadas, seria fácil reunir muito mais. Portanto, na busca de nosso tema talvez fosse
adequado adaptar a definição de homem dos existencialistas e dizer que a história
cultural não tem essência. Só pode ser definida em termos de nossa própria história.
Como pode alguém escrever uma história de alguma coisa sem uma identidade
definida? É um tanto como tentar prender uma nuvem em uma rede de caçar borboletas.
Contudo, cada um à sua maneira muito diferente, Herbert Butterfield e Michel Foucault
demonstraram que todos os historiadores enfrentam esse problema. Butterfield
criticou o que chamou de "interpretação Whig da história", em outras palavras, o uso do
passado para identificar o presente, e Foucault enfatizou as "rupturas" epistemológicas.
Se quisermos evitar a atribuição anacrônica de nossas intenções, interesses e valores aos
mortos, não podemos escrever a história contínua de nada.2 De um lado,
enfrentamos o perigo da "intencionalidade presente" e do outro corremos o risco de ficar de
todo impossibilitados de escrever.
Talvez haja um meio-termo, uma abordagem do passado que faça perguntas motivadas
pelo presente, mas que se recuse a dar respostas
1 Kroeber e MuckhoIm (1952).
2Butterfield(1931);Foucault(1966).
11
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
motivadas pelo presente; que se relacione ao presente mas permita sua contínua
reinterpretação; e que observe a importância das conseqüências involuntárias tanto
na história da literatura histórica como na história dos acontecimentos políticos. Seguir esse
caminho é o objetivo deste capítulo, que trata da história cultural
antes do período "clássico", discutida no capítulo conclusivo; em outras palavras, antes de o
termo "cultura" entrar em uso generalizado.3
Nesse caso, as perguntas motivadas pelo presente são as seguintes: qual a idade da
história cultural, e como mudaram os conceitos de história cultural ao
longo do tempo? O obstáculo a se evitar é dar a essas perguntas respostas igualmente
motivadas pelo presente. O problema é escorregadio. Não somos o primeiro povo
no mundo a compreender que a cultura, como hoje a chamamos, tem uma história. O termo
"história cultural" remonta a fins do século XVIII, pelo menos na Alemanha.
Johan Christoph Adelung publicou um "Ensaio de uma história da cultura da raça humana",
Versuck einer Geschicke der Kulture des menschlichen GeschIechts (1782),
e Johan Gottfried Eichhorn uma "História geral da cultura", Alígemeine Geschichte der
Kultur (1796-51), apresentada como introdução às "histórias especiais" (Spezialgescbichte)
das diferentes artes e ciências.
A idéia de que a literatura, a filosofia e as artes têm histórias é muito mais antiga. Essa
tradição merece ser lembrada. A dificuldade é fazer isso sem
incorrer no erro de imaginar que o que definimos (e na verdade, em alguns lugares,
institucionalizamos) como "tema" ou "subdisciplina" existia nessa forma no passado.
Em alguns aspectos, a maneira mais historicamente motivada de tratar o problema
seria contar a história em sentido inverso, a partir dos dias de hoje, mostrando
como o conceito de história cultural de Huizinga difere do da década de 1990, como o de
Burckhardt diferia do de Huizinga, e assim por diante. Contudo, livrando-nos
das suposições de continuidade, essa narrativa invertida obscureceria os modos pelos quais
os objetivos e motivações práticas, parciais e a cur3Bruford(1962),cap.4.
12
ORIGENS DA HISTóRIA CULTURAL
to prazo (como o orgulho cívico e a busca de antecedentes) contribuíram para o
desenvolvimento a longo prazo de um estudo mais geral em seu próprio proveito. O melhor
a fazer talvez seja o autor partilhar as dificuldades com o leitor no decorrer da narrativa.
Em outras palavras, como alguns romancistas e críticos contemporâneos,
tentarei contar uma história e, simultaneamente, refletir sobre ela e mesmo, às vezes,
solapá-la.
Sempre que se começa uma história, pode-se dizer que teria sido melhor começar
antes. Este capítulo começa com os humanistas da Itália renascentista, de
Petrarca em diante, cujas tentativas de desfazer a obra do que eles foram os primeiros a
chamar de "Idade Média" e reviver a literatura e o saber da Antiguidade
clássica envolviam uma visão de três eras de cultura: antiga, medieval e moderna. De fato,
como bem sabiam os humanistas, alguns gregos e romanos antigos já haviam
afirmado que a linguagem tem uma história, a filosofia tem uma história, os gêneros
literários têm uma história e a vida humana vinha sendo mudada por uma sucessão
de invenções. É possível encontrar essas idéias na Poética de Aristóteles, por exemplo, no
tratado de Varro sobre a linguagem, na discussão de Cícero sobre a ascensão
e queda da oratória e na versão da primeira história do homem apresentada no poema de
Lucrécio sobre a natureza das coisas (tão importante para Vico, e outros, nos
séculos XVII e XVIII).4
HISTóRIA DA LíNGUA E DA LITERATURA
Contudo, os humanistas tinham uma história mais dramática para contar sobre a língua e a
literatura do que seus antigos modelos. Uma história de invasões bárbaras
e do conseqüente declínio e destruição do latim clássico, seguida por uma história de
renascimento, obra (claro) dos próprios humanistas. Em outras palavras, uma
era de luz
4 Edelstein(1967).
13
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
foi seguida de uma "Idade das Trevas" por sua vez seguida de outra era de luz. Essa é a
história que emerge de alguns textos italianos do início do século XV, por
exemplo, as vidas de Dante e Petrarca, de Leonardo Bruni, a história da literatura latina
escrita por Sicco Polenton, ou a introdução histórica à gramática latina,
de Lorenzo Valla, as Elegantiae.5 Essa interpretação da história da literatura fazia parte da
justificação do movimento humanista.
Nos séculos XV e XVI, debates em torno dos méritos relativos do latim e do italiano
como língua literária e qual a melhor forma do italiano a usar geraram
pesquisas sobre a história da língua, de Leonardo Bruni, Flávio Biondo e outros. Eles
discutiam, por exemplo, que línguas os antigos romanos falavam na verdade,
se latim ou italiano.6 No início do século XVI, o cardeal humanista Adriano Castellesi
apresentou uma história do latim, De sermone latino (1516), dividida em quatro
períodos - "muito antigo", "antigo", "perfeito" (a era de Cícero) e "imperfeito" (desde
então). Outro humanista e crítico, Pietro Bembo, que fez mais para imobilizar
o italiano em determinado ponto de seu desenvolvimento do que todos os demais, permitiu
a uma das personagens em seu famoso diálogo sobre o vernáculo, a Prose della
volgar lingua (1525), observar que a língua muda "como as modas das roupas, os modos da
guerra e todas as outras maneiras e costumes" (Livro 1, capítulo 17).
Os humanistas do norte, logo imitadores e adversários de seus antecessores italianos,
ampliaram a história chamando a atenção para as evoluções lingüísticas
em seus próprios países. Na França, por exemplo, dois advogados humanistas, Étienne
Pasquier em Rechercbes de la France (1566) e Claude Fauchet: em Origine de la
langue et poésie françoises (1581), narraram e festejaram as realizações de escritores
franceses desde o século XIII à era de Francisco I e a Pléiade.7 Na Inglaterra,
pode-se encontrar uma discussão sobre a poe5 Ferguson (1948),20ff.; McLaughlin (1988).
6 Grayson (1959).
7 Huppert (1970).
15
ORIGENS DA HISTóRIA CULTURAL
sia inglesa a partir de Chaucer num tratado intitulado The Arte of English Poesie, publicado
em 1589 e atribuído a George Puttenham. Também foi publicada em 1606
uma história do espanhol, Del origen y principio de la lengua castellana, de Bernardo
Aldrete, no mesmo ano que um estudo semelhante do português, Origem da língua
portuguesa, do bacharel Duarte Nunes de Leão. Os alemães tiveram de esperar até o século
XVII por uma história equivalente, assim como tiveram de esperar até o século
XVII por um equivalente dos poetas da Pléiade, mas a história, quando chegou, era mais
elaborada e comparativa. O polímata Daniel Morhof pôs a história da língua
e da poesia alemãs numa estrutura européia comparativa em Unterricht von der Teutscben
Sprache und Poesie (1682).8
Com base nesses fundamentos, muitos eruditos do século XVIII apresentaram
histórias em múltiplos volumes de literaturas nacionais, sobretudo as da França
(de uma equipe de pesquisa de monges beneditinos liderados por Rivet de ta Grange) e da
Itália (compiladas por Girolamo Tiraboschi sozinho, sem ajuda). A amplidão
da noção de "literatura" de Tiraboschi é digna de nota.9 Na Grã-Bretanha, surgiram
movimentos semelhantes. Alexander Pope publicou um "esquema da história da poesia
inglesa"; Thomas Gray aprimorou-a. Enquanto isso, a história era assegurada por Thomas
Warton, que jamais foi além do início do século XVII, embora sua inacabada
History of Englisb Poetry (4 vols., 1774-8) continue sendo impressionante.10
Também se escreveram monografias sobre a história de determinados gêneros
literários. O erudito protestante francês Isaac Casaubon publicou um estudo da
sátira grega em 1605, e John Dryde, seguindo-lhe o exemplo, escreveu um Discourse
Concerning the Original and Progress of Satire (1693), que discutia seu desenvolvimento
desde o que chamou de sátira extemporânea "tosca, não trabalhada",
8 Batts (1987).
9 Escarpit (1958); Goulernot (1986); Sapegno (1993).
10 Wellek (1941); Upking (1970), 352 f.; Pittock (1973), cap. 5.
16
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
da Roma antiga até as criações aperfeiçoadas de um período em que os romanos
"Começavam a ficar um tanto mais bem-educados, e a entrar, com a permissão da palavra,
nos rudimentos da conversa polida". Mais uma vez, o surgimento do romance nos séculos
XVII e XVIII veio acompanhado de pesquisas sobre suas origens orientais e medievais,
feitas pelo bispo polímata Pierre-Daniei Huet, em sua Lettre sur Porigine des romans
(1669), logo seguido por Thomas Warton, que inseriu em sua história da poesia
uma digressão "Sobre a origem da ficção romântica na Europa".
HISTóRIA DE ARTISTAS, ARTE E MúSICA
Não chega a ser uma surpresa o fato de se encontrarem homens de letras que dedicavam
atenção à história da literatura. A arte era um objeto menos óbvio para a atenção
do historiador, mesmo no Renascimento. Os eruditos nem sempre levaram os pintores a
sério, ao mesmo tempo que faltava aos pintores aquela preparação necessária à
pesquisa histórica. Quando, na Florença do século XV, o escultor Lorenzo Ghiberti
apresentou um esboço literário da história da arte, no autobiográfico Comentários,
fazia uma coisa meio incomum.11
Também não podemos dar por certo o caso de Vasari. Ele foi notável em sua época
porque tinha uma formação cultural dupla, não apenas o aprendizado no ateliê
de um pintor, mas também uma educação humanista subvencionada pelo cardeal
Passerini.12 Seu Vidas dos pintores, escultores e arquitetos, lançado em 1550, foi escrito,
diz-nos o autor, para que jovens pintores aprendessem com o exemplo de seus grandes
antecessores, e também (pode-se aqui ter razoável desconfiança) para a suprema
glória de sua adotada cidade, Florença,
11 Grinten (1952); Tanturli (1976).
12 Rubin (1995).
18
ORIGENS DA HISTóRIA CULTURAL
e seus patronos, os Médici (foi na verdade publicado pela gráfica do grão-duque).13
Contudo, o livro de Vasari é muito mais que uma obra de propaganda. Também é,
claro, muito mais que uma coletânea biográfica, Os prefácios às três partes
em que se divide a obra incluem uma história da ascensão da arte na Antiguidade, seu
declínio na Idade Média e seu reflorescimento, na Itália em três estágios, culminando
no mestre de Vasari, Michelangelo. Ernst Gombrich já mostrou que o esquema narrativo de
Vasari foi adaptado do relato de Cícero sobre a história da retórica. Sem
a dupla educação do autor, tal adaptação teria sido praticamente inconcebível, mesmo
levando-se em conta o fato de que Vasari foi ajudado por um círculo de eruditos,
entre eles Gianbattista Adriani, Cosimo Bartoli, Vincenzo Borghini e Paolo Giovio.14 A
maior preocupação de Vasari com a arte em detrimento dos artistas foi ainda
mais enfatizada na segunda edição (1568).
O livro de Vasari foi tratado como um desafio. Artistas e eruditos de outras partes da
Itália compilaram vidas de artistas locais para mostrar que Roma,
Veneza, Gênova e Bolonha eram concorrentes dignas de Florença. Contudo, prestaram
muito menos atenção ao que Vasari fizera para as tendências gerais na arte. O mesmo
se aplica às respostas a Vasari fora da Itália, de Karel van Mander, em Het Schilderbock
(1604), na Holanda, e de Joachim von Sandrart, em Deutsche Akademie (1675-9),
na Alemanha, argumentando que a era de Albrecht Dürer assinalou o deslocamento da
liderança cultural do sul para o norte da Europa. Só em meados do século XVIII
Anedoctes of Painting, de Horace Walpole, planejado como um Vasari da Inglaterra
(Waipole brincou sobre sua "condição vasariana"), encontrou espaço não apenas para
biografias, mas também para capítulos sobre a "situação da pintura14 em diferentes
períodos, o equivalente dos capítulos sobre história econômica, social e literária
a serem
13 Cf. Chastel (1961), 21 ff.
14 Cf, C S O1
rl
t
14 Gornbrich (1960a). 4 Gomb ch (
19
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
encontrados na contemporânea História da Inglaterra, de David Hume.15
O surgimento, do que convém chamar-se, em retrospecto, de história da arte, em
oposição às biografias de artistas, ocorrera antes em estudos da Antiguidade
clássica por uma razão bastante óbvia. Apesar das famosas historietas de artistas gregos
contadas por Plinio (e adaptadas por Vasari), pouco se sabia de Apeles,
Fídias
e o resto, o que dificultou a organização de um estudo da arte antiga como uma série de
biografias. O erudito florentino Gianbattista Adriani, que escreveu uma
breve história da arte antiga em forma de carta a Vasari (1567), para ajudá-lo em sua
segunda edição de Vidas, preferiu organizá-la em torno da idéia de progresso
artístico. Outros estudos da arte antiga foram feitos pelo humanista holandês Franciscus
junius, em De pictura veterum (1637), e por André Félibien (historiador
de prédios a serviço de Luís XIV, aparentemente a primeira ocupação instituída na história
da arte), em Origine de la peinture (1660).16
O ensaio de Félibien sobre a origem da pintura e o de Huet sobre a origem dos
romances foram escritos na França na mesma década, de 1660, como se expressassem
uma mudança mais geral na preferência historiográfica. De acordo com a tradição de
Félibien era a obra do pintor da corte, Monier, Histoire des arts (1698), escrita
a princípio como palestras para alunos da Real Academia de Pintura. A interpretação cíclica
de Monier começou com a ascensão da arte na Antiguidade e prosseguiu
até seu declínio na Idade Média e seu renascimento entre 1000 e 1600. A data relativamente
antecipada do reflorescimento permitiu a Monier dar um importante papel
a franceses como Pasquier e Fauchet: no domínio da literatura.
Deve-se considerar a destacada realização nessa área, History of the Ancient Art
(1764), de johan joachim Wincklemann, não como uma nova partida radical,
mas o apogeu de uma tendência, uma ten15 Lipking (1970), 127f.
16Lipking(1970),23ff.;Grinten(1952).
20
ORIGENS DA HISTóRIA CULTURAL
dência que era estimulada não apenas pelo exemplo de histórias da literatura, mas também
por várias novas práticas, entre elas o surgimento do colecionador de arte,
do mercado da arte e do conhecimento especializado em arte.17
Por outro lado, a história da música foi praticamente uma invenção do século XVIII.
Alguns estudiosos dos séculos XVI e XVII, como Vincenzo Galilei (pai
do cientista) e Girolamo Mei, haviam se conscientizado bastante das mudanças de estilo a
longo prazo e, na verdade, as tinham discutido em suas comparações de música
antiga e moderna publicadas, respectivamente, em 1581 e 1602, mas seu objetivo era
apenas atacar ou defender determinados estilos. No século XVIII, houve uma explosão
de interesse pela história da música. Na França, a família Bonnet-Bourdelot publicou em
1715 um importante estudo, Histoire de la musique, e outro foi escrito, embora
não publicado, por P. J. Caffiaux, um erudito beneditino que vinha adequadamente fazendo
pela música uma coisa meio parecida com o que seu colega Rivet fazia pela
literatura. Na Itália, Gianbattista Martini publicou um importante estudo da música da
Antiguidade, Storia della musica (1757). Na Suíça, outro beneditino, Martin
Gerbert, deu uma importante contribuição à história da música eclesiástica, em De cantu et
musica sacra (1774). Na Inglaterra, destacam-se os contemporâneos e rivais
Charles Burney e john Hawkins, este com General History of the Science and Practice of
Music (1766) e aquele com A General History of Music (1776-89). Na Alemanha,
J. N. Forkel, da Universidade de Gõttingen, resumiu a obra do século em Allgemeine
Geschichte der Musik (1788-1801).18
17 Grinten. (1952).
18 Verbete "Caffiaux", do dicionário Grove (1980); Heger (1932); Lipking
(1970), 229ff., 269ff.
21
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
A HISTóRIA DA DOUTRINA
As histórias da língua, da literatura e das artes parecem ter começado como efeitos
colaterais do Renascimento. A Reforma também teve seus subprodutos. Assim como
os humanistas definiram seu lugar na história ao dividir o passado em antigo, medieval e
moderno, também o fizeram os reformadores, ao remontar a antes da Idade
Média e reviver a Antiguidade cristã, ou "igreja primitiva" como a chamavam. As histórias
da Reforma começam com a própria Reforma. Entre as mais famosas, estão
os Commentaries, de Johann Steidan (1555), e os Acts and Monuments, de John Foxe
(1563). Tendiam a ser histórias dos fatos ou histórias das instituições, mas algumas
delas - como a História eclesiástica, do cristão antigo Eusébio de Cesaréia - encontraram
um espaço para a história das doutrinas. 19
Pode-se ver com clareza ainda maior a preocupação com as mudanças nas doutrinas
no século XVII. Do lado protestante, a Theologia historica (1664), de Heinrich
Alting, defendia uma "teologia histórica" com base em que a história da Igreja não era
apenas a dos fatos, mas também a dos dogmas (dogmatum narratio), da sua corrupção
(depravatio) e reforma (reparatio, restitutío, reformatio). Do lado católico, a aceitação da
idéia de mudança nas doutrinas foi mais difícil, apesar do exemplo do
jesuíta espanhol Rodriguez de Arriaga (m. em 1667), que elaborou o que se chamou de
"uma das mais extremas teorias de desenvolvimento já apresentadas por um conceituado
pensador católico". Professor em Praga, Arriaga ensinava que a proclamação da doutrina
pela Igreja "é tornar explícito o que não era explícito, e que também não
precisava ter sido ímplícito".20
Era mais fácil aceitar a mudança na história da heresia, como fizeram algumas
histórias católicas da Reforma, do século XVII: Florimond de Raemond, por exemplo,
em Histoire de la naissance,
19 Headley (1963); Dickens e Tonkin (1958). Sobre Eusébio, ver Momigliano (1963).
20 Chadwick (1957), 20, 45 -7.
22
ORIGENS DA HISTóRIA CULTURAL
progrès et décadence de Vhérésie de ce siècle (1623); Louis Maimbourg, em Histoire du
Calvinisme (1682); e, de todas a mais famosa, Histoires des variations des
églises protestantes (1688), de JacquesBénigne Bossuet.21
Estas três obras não eram exatamente exemplos de estudo do passado por seus
próprios méritos, mas muitíssimo polêmicas. Os livros de Maimbourg e Bossuet
foram escritos com finalidade política: apoiar a política antiprotestante de Luís XIV na
época da Revogação do Edito de Nantes. Contudo, sua idéia central de que
as doutrinas (pelo menos as falsas) têm uma história, uma idéia exposta mais completa,
brilhante e destrutivamente por Bossuet, teria considerável apelo fora do
contexto polêmico em que se desenvolvera originalmente. Por exemplo, um apologista da
não ortodoxia, Gottfried Arnold, desdobrou-a em Unpartheyische Kircbe- und
Ketzer-Historie (1699-1700). Para Arnold, a história da Igreja era pouco mais que a história
das heresias, algumas das quais endurecidas na doutrina oficial (como
fizera Lutero), apenas para serem contestadas por gerações posteriores.22
Em relação à história da doutrina religiosa, os equivalentes seculares parecem não ter
dado nenhum grande passo. Contudo, nessa área (ao contrário da história
da arte ou da história da literatura e da língua), parece ter havido poucos desmembramentos
antes do ano de 1600. Talvez a necessidade de avaliar as realizações
do passado fosse um subproduto da revolução científica do século XVII, em que a "nova"
filosofia mecânica, como muitas vezes a chamaram, se tornou um tema de debate.
De qualquer modo, o século XVII viu muitas histórias da filosofia, entre elas a Historiae
pbilosopbiae (1655), de Georg Horn, e History of Pbilosophy (1655), de
Thomas Stanley. No século XVIII, a tendência continuou com Histoire critique de la
philosophie (1735), de A. F. Boureau-Deslande, e Historiae critica philosophiae,
de George Horn (1767).23 Um certo Johannes Jonsonius che21 Chadwick (1957), 6-10.
22 Seeberg (1923); Meinhold (1967).
23 Rak (1971); Braun (1973); Del Torre (1976).
23
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
gou a apresentar uma história da história da filosofia, publicada em 1716.
O exemplo clássico da história da filosofia foi Vidas dos filósofos, escrita no século III
por Diógenes Laércio, modelo que Eusébio adaptou no século seguinte
para sua história das primeiras seitas cristãs, e que Vasari remodelou com radicalismo ainda
maior para seu Vidas dos pintores, escultores e arquitetos.24 Esse modelo
biográfico continuou sendo tentador. Contudo, também se fizeram tentativas para contar
uma história que fosse além da reunião de biografias, praticar o que Thomas
Burnet (quase três séculos antes de Foucault) chamou de "arqueologia filosófica" e escrever
a história intelectual não apenas dos gregos e romanos, mas também
dos "bárbaros", como no caso de Barbarica philosopbia (1600), de Otto Heurn, e
Philosophia barbarica (1660), de Christian Kortholt. Eruditos estudaram as idéias
dos caldeus, egípcios, persas, cartagineses, citas, indianos, japoneses e chineses (a história
da filosofia chinesa de Jacob Friedrich Reimann foi publicada em 1727).
Algumas dessas histórias foram escritas em consideração à sua própria história, outras
com intenção polêmica, por exemplo incentivar o ceticismo, enfatizando
as contradições entre um e outro filósofo. Elas modificaram a estrutura biográfica
tradicional ao discutir o desenvolvimento de escolas ou "seitas" filosóficas,
como em De philosophorum sectis (1657), do estudioso holandês Gerard Voss, ou
cotejando períodos, como fez Horn, que contrastou as eras "heróica", "teológica ou
mítica" e "filosófica" do pensamento grego.
Acredíta-se, de maneira generalizada, que a expressão "história das idéias" foi lançada
pelo filósofo americano Arthur Lovejov, quando fundou o Clube da
História das Idéias, na Universidade Johns Hopkins, na década de 1920. Na verdade, fora
empregada duzentos anos antes, por Jacob Brucker, que se referiu à história
de ideis, e por Giambattista Vico, pedindo em sua A ciência nova "una storía dell'umane
ídee"
24 Momigliano (1963)
24
ORIGENS DA HISTóRIA CULTURAL
A HISTóRIA DAS DISCIPLINAS
Da tradição história-da-filosofia, ramificaram-se vários estudos de disciplinas
específicas.25
No lado das artes, a história da retórica e a história da própria história merecem
menção. Um jesuíta francês, Louis de Cresolle, apresentou uma história
notável da retórica dos antigos sofistas, o Theatrum veterum rbetorum (1620), em que
discutia, entre outros assuntos, o treinamento dos sofistas, a competição entre
eles, seus rendimentos e as honrarias que recebiam.26 A primeira história da literatura
histórica foi apresentada pelo senhor feudal de La Popelinière, em L'Histoire
des histoires (1599), afirmando que a historiografia atravessou quatro estágios - poesia,
mito, anais e, por fim, uma "história perfeita" (histoire accomplie), que
era filosófica, além de exata.27
A história da disciplina graduada da lei também atraía considerável interesse.
Humanistas do século XV, como Lorenzo Valla e Angelo Poliziano, se interessavam
pela história da lei romana como parte do antigo mundo romano que tentavam ressuscitar,
criticando os advogados profissionais de sua própria epoca pela interpretação
errônea dos textos. Valla e Poliziano foram amadores nesse campo, mas seguidos no século
XVI por eruditos como Andrea Alcíato e Guillaume Budé, os dois especializados
em lei e estudo de humanídades. Um desses advogados humanistas, François Baudouin,
chegou a sugerir que os "historiadores melhor fariam se estudassem o desenvolvimento
das leis e instituições do que se dedicar à pesquisa sobre exércitos, à descrição dos campos
de guerra, à história das batalhas e à contagem de cadáveres", uma crítica
à história "marcial", do tipo que se tornaria lugar-comum no Século XVHI.28
25 Graham et al. (1983); Kelley e Popkin (1991)
26 Fumaroli (1980),299-326.
27 Butterfield (1955), 205-6; Kelley (1970),140-1; Hupert (1970),137-8.
28 Kelley (1970)
25
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
No caso da medicina, alguns médicos do século XVI (em particular Vesálio e Fernel)
dedicaram suficiente atenção à história para pôr sua própria obra no contexto
do reflorescimento, ou Renascimento no qual viviam. A primeira obra substancial da
história médica, contudo, foi publicada muito mais tarde, em fins do século XVII.
Essa história da medicina, de Daniel Leclerc (irmão do crítico Jean Leclerc), começa
pesquisando estudos anteriores e rejeita-os depois, para concentrar-se na biografia.
"Há uma grande diferença entre escrever história ou biografias de médicos", observa
Leclerc no prefácio, "( ... ) e escrever a história da medicina, estudando a
origem dessa arte e examinando seu progresso ao longo dos séculos e as mudanças em seus
sistemas e métodos ( ... ) que foi o que empreendi." A folha de rosto do
livro de Leclerc também enfatiza a preocupação com as "seitas" médicas, adotando a linha
de interesse pelas "seitas" da história da filosofia, em cujo modelo parece
ter se baseado.
Lamentavelmente, a história de Leclerc (como a da música de Martini) jamais passou
da Antiguidade clássica. Para a parte moderna, foi necessário esperar
até 1725 e o segundo volume de History of Physick, de Freind, que levanta a história dos
árabes até Linacre (interrompendo intencionalmente logo antes de Paracelso).
Como se vangloriava na folha de rosto, Freind se diferenciava de Leclerc por concentrar-se
na "prática". O segundo volume é tanto uma história das doenças (em particular
a febre epidêmica, a doença venérea e o escorbuto) quanto uma história da medicina. É
quase uma história do corpo.
Na historiografia da maioria das outras disciplinas, o século XVHI assinala um
momento decisivo. Por exemplo, embora Johan Kepler tenha oferecido uma breve
história do desenvolvimento da astronomia, esta foi muito ampliada por Johan Friedrich
Weidler (1740) e por Pierre Estève (1755).29 Estève criticou seus antecessores
por serem demasiado estreitos e tentou apresentar o que chamou de uma "histó29 jardine (1984).
26
ORIGENS DA HISTóRIA CULTURAL
ria geral" da astronomia, ligada a outras mudanças intelectuais, assim como a uma história
"particular", concentrada no detalhe. Em estilo voltairiano, declarou
que "a história das ciências é muito mais útil que a das revoluções de impérios".
Na história da matemática, aos estudos das vidas de matemáticos segundo o modelo de
Diógenes Laércio se seguiram, no século XVIII, empreendimentos mais ambiciosos.
Pierre Rémond de ???Montiriort pretendia escrever uma história da geometria segundo o
modelo das histórias existentes da pintura, música e assim por diante, mas
morreu
em 1719, antes de realizar seus planos. A Histoire des mathematiques (1758), de Jean
Étienne Montucla, membro do círculo de Diderot, criticou o método biográfico,
assim como Leclerc (discutido abaixo) já fizera com a medicina. Em vez disso, Montucla
visou dar uma contribuição à história do desenvolvimento da mente humana.
O mesmo fez o autor de Geschicbte der Chemie (1797-9), uma
história da química que fez um considerável esforço para enquadrar o desenvolvimento do
tema em seu contexto social, político e cultural. Essa monografia foi apresentada
pelo autor, J. F. Gmelin, homem de Gõttingen, como contribuição para uma série de
histórias da arte e ciências da época do seu "Renascimento" (Wiederberstellung)
em diante, projeto no qual uma sociedade de eruditos trabalhava na época. O ambiente da
Universidade de Gõttingen parece ter sido particularmente favorável à história
cultural. Forkel escrevia ali sua história da música, ao mesmo tempo que Gmelin trabalhava
na história da química.30
Com a história das disciplinas, podemos agrupar a história das invenções, que remonta
ao humanista italiano Polidoro Virgílio, no início do século XVI, e
seu De inventoribus (1500). O conceito de "invenção" de Polidoro era muito amplo pelos
padrões modernos. Por exemplo, segundo ele, o Parlamento inglês foi inventado
pelo rei Henrique III.31 Duas invenções caras aos estudiosos, a escrita e a tipo30 Böttenfield (1955), 39-50; Iggers (1982).
31 Hay (1952)(; Copenhayer (1978).
27
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
grafia tiveram monografias a elas dedicadas nos séculos XVII e XVIII. A escrita foi
estudada por Herman Hugo (1617) e Bernard Malinckrott (1638), e suas obras usadas
por Vico em suas hoje famosas reflexões sobre oralidade e alfabetização. A General History
of Printing (1732), de Samuel Palmer, foi obra de um tipógrafo erudito.
A HISTóRIA DOS MODOS DE PENSAMENTO
Outro desenvolvimento decorrente da história das disciplinas foi a história dos modos de
pensamento.32 Esse desenvolvimento tem uma impressionante semelhança, e
não de todo ilusória, com algumas das "novas direções" pregadas e praticadas hoje. Nesse
ponto, é preciso dançar em uma corda bamba intelectual para dar aos historiadores
das mentalidades do século XVIH o crédito devido sem transformá-los em clones dos
historiadores franceses associados ao diário Annales.
No século XVII, John Selden já recomendava aos ouvintes de sua conversa nas horas
das refeições o estudo do que "geralmente se acreditava em todas as eras",
acrescentando que, para descobrir isso, "o meio é consultar as liturgias, não qualquer texto
de alguém em particular". Em outras palavras, os rituais revelam as
mentalidades. John Locke tinha aguda consciência das diferenças entre os modos de
pensamento nas diferentes partes do mundo. "Tivéssemos tu ou eu", ele escreveu
em Concerning Human Understanding, "nascido na Baía de Saldanha, é possível que
nossos pensamentos e idéias não excedessem a rudeza dos hotentotes que ali habitam."
Este argumento relativista, alimentado por relatos recentes da África, dá óbvio apoio à
polêmica de Locke contra idéias inatas.
Não há uma distância tão grande assim entre o interesse pelas variações de
pensamento em diferentes lugares e o interesse por dife32 Crombie (1994), 1587-633.
28
ORIGENS DA HISTóRIA CULTURAL
rentes períodos. É bem possível que tenha sido a revolução do pensamento, associada ao
surgimento da "filosofia mecânica", que tornou alguns europeus conscientes
do "mundo intelectual que haviam perdido". De modo bastante curioso, o estudioso Richard
Hurd, do século XVIII, emprega uma frase semelhante quando se discutia a
ascensão da razão desde a época de Spenser. "Eu diria que o que adquirimos com essa
revolução foi muito bom senso. O que perdemos foi um mundo de excelentes
fabulações."33
Em todo caso, encontra-se essa consciência em Fontenelle, em Vico, em Montesquieu e em
outras partes no século XVIII, sobretudo no contexto das tentativas de entender
os aspectos estrangeiros da literatura e lei primitivas.
O ensaio de Fontenelle, De Porigine des fables (ou, como diríamos, a origem "dos
mitos"), publicado em 1724, mas escrito na década de 1690, afirmava que
em eras menos aperfeiçoadas (siMes grossiers) os sistemas de filosofia eram
necessariamente antropomórficos e mágicos. Vico chegou de modo independente a
conclusões
semelhantes, expressas com um tanto mais de afinidade pelo que chamou de "lógica
poética" do homem primitivo. Um estudioso dinamarquês chamado Jens Kraft publicou
em 1760 uma descrição geral da "mente selvagem", ou mais exatamente dos povos
selvagens (de Vilde Folk) e seu "modo de pensamento" Jaenke-Maade). Montesquieu usou
uma expressão, semelhante em seu De L'esprit des lois (1744), quando tentava reconstruir a
lógica da provação medieval, em outras palavras, o estabelecimento da
inocência
de alguém fazendo-o segurar um ferro em brasa sem se queimar e assim por diante (livro
28, capítulo 17). Montesquieu explicou esse costume com o que chamou de "a
maneira de pensar dos nossos ancestrais" ("La manière de penser de nos pères").
O mesmo tipo de preocupação com a mentalidade exótica encontra-se subjacente ao
interesse cada vez maior pela história da
33 Citado em Pirtock (1973), 85.
29
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
cavalaria, estudada pelo erudito francês Jean-Baptiste de La Curne de Sainte-Palaye, com
base em romances medievais e outras fontes.34 Mémoires sur Pancienne chevalerie
(1746-50), de Sainte-Palaye, foi estudado por muitos dos pensadores citados neste ensaio,
entre eles Voltaire, Herder, Horace Walpole e William Robertson. Em sua
famosa "visão do progresso da sociedade" prefixada para sua History of Charles V (1769),
Robertson afirmou que a "cavalaria ( ... ) embora considerada em geral uma
instituição primitiva, efeito de capricho, e origem da extravagância, surgiu naturalmente do
estado da sociedade naquele período, e exerceu uma influência muito
séria sobre o refinamento dos costumes das nações européias". Em Letters on Chivatry
(1762), Richard Hurd já discutira romances medievais (e mesmo a Faerie Queene)
como expressões do que chamou de "sistema gótico" de "maneiras heróicas".
O amigo de Hurd, Thomas Warton, tinha interesses semelhantes. Também teu SaintePalaye. Seu ensaio sobre o surgimento da "ficção romântica" dizia que ela
se originara "numa época em que um modo de pensamento novo e não-natural ocorria na
Europa, introduzido por nossa comunicação com o Oriente", em outras palavras,
as Cruzadas. Suas Observations on the Faerie Queene (1754) mostravam um pouco mais de
simpatia pelas mentalidades estrangeiras, na verdade empatia por elas, e suas
observações sobre o método nada perderam de sua importância hoje.
Ao ler as obras de um autor que viveu em uma era remota, é necessário que ( ... ) nos
coloquemos em sua situação e circunstancias; que possamos ficar mais capacitados
para julgar e discernir como foram influenciados seu pensamento e sua maneira de
escrever, e como foram impregnados por aparências muito familiares e reinantes,
mas inteiramente diferentes das que nos circundam no presente.
34 Gossman (1968).
30
ORIGENS DA HISTóRIA CULTURAL
A história das crenças não expressas e das representações continua sendo fundamental para
o empreendimento da história cultural, como argumentará o capítulo seguinte.
Alguns homens de letras se dedicaram ao estudo da história do que J. C. Adelung e J.
G. Herder, os dois escrevendo em fins do século XVIII, parecem ter sido
os primeiros a chamar de "cultura popular" (Kultur des; Volkes). Um grupo de jesuítas
eruditos, ao escrever vidas de santos, já havia (em 1757) cunhado a expressão
"pequenas tradições do povo" (populares traditiunculae), de modo muito semelhante à
"Pequena Tradição", para a qual o antropólogo Robert Recífield chamou a atenção
na década de 1930. Em 1800, era tão grande o interesse por canções, lendas e contos
folclóricos que parece razoável falar em "descoberta" da cultura popular pelos
intelectuais europeus.35
Dado o crescente número de histórias sobre artes e ciências no início do período
moderno, não é nenhuma surpresa descobrir que algumas pessoas tentaram colocá-las
juntas. Por exemplo, em seu polêmico tratado On the Causes of the Corruption of the Arts
(1531), o humanista espanhol Juan Luis Vives concebeu uma história do ensino
- planejada nos mesmos moldes que a história da linguagem de Valla - a serviço de uma
campanha pela reforma das universidades. Entre as causas da corrupção citadas
por este discípulo de Erasmo estavam "arrogância" e "guerra".
Contudo, o principal modelo de história cultural geral no início do período moderno
poderia ser descrito como o dos translatio studá, em outras palavras,
o sucessivo domínio ou de diferentes regiões do mundo ou de diferentes disciplinas. Em
seu admirável ensaio sobre história comparativa, Vicissitudes (1575), o humanista
francês Louis Le Roy afirmou que "todas as artes liberais e mecânicas floresceram juntas, e
depois decaíram" ("tous arts liberaux et mécaniques ont fleuri ensemble,
puis decbeu"), de modo que diferentes civilizações, grega, árabe, chinesa e assim por
diante, têm seus diferentes picos e quedas.
35 Burke (1978), cap. 1.
31
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
Um humanista menor, Rainer Reineck, em seu Method for Reading History (1583),
inspirado no famoso estudo de mesmo nome de Jean Bodin, discutiu o que chamou de
bistoria
scholastica, em outras palavras, a história da literatura, das artes e disciplinas intelectuais.
Francis Bacon tinha conhecimento da obra de Le Roy, assim como do tratado de
Vives, mas foi além, pelo menos em intenção, em seu famoso apelo no segundo
volume de Advancement of Learning (1605) a "uma história justa do saber, contendo as
antiguidades e origens do conhecimento e suas seitas, invenções, tradições,
diversas administrações e gerenciamentos, florescimentos, oposições, decadências, quedas,
esquecimentos e afastamentos, com as causas e ocasiões de tudo isso". A
referência, incomum para a época, às "administrações e gerenciamentos" do conhecimento
sem dúvida denuncia o homem de negócios. Esses negócios impediram Bacon de
apresentar essa história proposta, mas seu programa inspirou alguns escritores no século
seguinte.
O Ensaio sobre os costumes (1751) e A era de Luís XIV (1756), de Voltaire, foram
manifestos em favor de um novo tipo de história, que desse menos espaço
à guerra e à política, e mais ao "progresso da mente humana". Na prática, Voltaire deu mais
espaço às guerras de Luís XIV que ao patrocínio do rei às artes e ciências,
mas suas histórias têm de fato muito a dizer sobre o renascimento das letras e o refinamento
dos costumes. D'Alembert fez um relato semelhante do progresso intelectual,
em seu discurso preliminar à Encyclopédie (1751), redigindo algumas das histórias das
disciplinas (como fez Montucla na matemática), e afirmando que a história deveria
se interessar tanto pela cultura como pela política, pelos "grandes gênios" como pelas
"grandes nações", pelos homens de letras como pelos reis, pelos filósofos
como pelos conquistadores.
O declínio também chamava tanta atenção quanto o progresso, e houve considerável
debate sobre os motivos dos picos e quedas culturais. Alguns estudiosos
sugeriram que o despotismo leva ao declínio cultural - esta era a opinião do humanista
Leonardo Bruni, no início do século XV, assim como do conde de Shaftesbury
trezentos anos
32
ORIGENS DA HISTÓRIA CULTURAL
depois. Outros buscaram mais causas físicas que morais, sobretudo o clima, que Vasari
invocara como uma explicação para as realizações artísticas florentinas, e
foi discutida de uma maneira mais sistemática - junto com mecenato, riqueza, costumes e
outros fatores - nas Réfiexions critiques sur la poésie et la peinture (1719),
do abade JeanBaptiste Dubos. Também Wincklemann se interessou pela influência do clima
sobre a arte.
Em suma, houve um interesse pelas ligações entre o que chamamos de "cultura" e
"sociedade". O famoso Ensaio sobre os costumes, de Voltaire, estava longe
de ser o único nesse sentido. Uma suposição generalizada dos intelectuais do século XVIII
era que as diferenças entre costumes "rudes" e "requintados" estavam associadas
a diferentes modos de pensamento. Também se apresentaram estudos mais precisos sobre o
assunto nessa época.
Na Alemanha, por exemplo, o ensaio de Adelung, discutido no inicio deste capítulo,
tentou relacionar "Cultura espiritual" a "vida social" e "refinamento
dos costumes", sugerindo que cada etapa teve o nível de cultura que mereceu.36 Na GrãBretanha, as Anedoctes of Painting (1761), de Horace Walpole, indicaram várias
ligações entre a "situação da pintura inglesa" em determinados momentos e a situação da
sociedade. No segundo capítulo sobre fins da Idade Média, por exemplo, a
dominação de "uma nobreza orgulhosa, marcial e ignorante" foi responsável por obras
"magníficas sem luxo e pomposas sem elegância". O ensaio de David Hume sobre
o "refinamento nas artes" discutiu as relações entre arte, liberdade e luxo. É provável que a
história da literatura e filosofia planejada por Adam Smith no fim
da vida adotasse uma visão semelhante.
Também se pode encontrar no jesuíta italiano Saverio Bettinelli uma preocupação com
a relação entre o que ele chama de te cose Xingegno (coisas da inteligência)
e umani costumi (costumes humanos), em um admirável ensaio de 1775, que examina o
risorgimento ou "ressurgimento" da Itália após o ano 1000. Bettinelli estendeu-se
36 Garber (1983), 76-97.
33
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
da arte, literatura e música à cavalaria, comércio, luxo e festividades. A History of Great
Britain (1771-93), em seis volumes, de Robert Henry, foi ainda mais ambiciosa,
tentando o que mais tarde se chamaria de "história total" da Grã-Bretanha, desde a chegada
dos romanos até a morte de Henrique VIII, recorrendo às obras de Warton,
Brucker e Sainte-Palaye (entre outros) e levando em conta a religião, a instrução e as artes,
além da política, comércio e "costumes". Também se enfatizaram as ligações
entre mudanças na sociedade e mudanças nas artes, em Life of Lorenzo de' Medici (1795),
do banqueiro de Liverpool William Roscoe, e na Histoire des républiques italiennes
(1807-18), do historiador suíço J. C. L. S. de Sismondi, onde o tema central era a ascensão
e queda da liberdade.37
A idéia de que a cultura é uma totalidade, ou pelo menos que as ligações entre as
diferentes artes e disciplinas são extremamente importantes, também fundamenta
uma das maiores realizações dos primeiros estudiosos modernos - o desenvolvimento de
técnicas para detectar falsificações. Essas técnicas de detecção se basearam
em uma consciência do anacronismo que se tornara cada vez mais aguda. Da denúncia,
feita por Lorenzo Valla, da chamada Doação de Constantino, em meados do século
XV, à rejeição dos poemas de "Ossian" em fins do século XVIII, houve uma longa série de
debates sobre a autenticidade de determinados textos ou, mais raramente,
de artefatos como medalhas ou "Escudo do Doutor Woodward".38 Nesses debates, os
protagonistas se viram obrigados a formular seus critérios com precisão cada vez
maior.
Valla, por exemplo, percebeu anacronismos no estilo ou modo de expressão (stilus,
modus loquendi) da Doação. Richard Bentley, em Dissertation upon the Epistles
of Phalaris (1697), a famosa denúncia de um texto clássico falsificado, entrou muito mais
em detalhes sobre a história dos gregos, observando que o "idioma e o estilo"
das cartas "por todo seu encadeamento e aspecto se traem como sendo mil anos
37 Haskell (1993).
38 Levine (1977).
34
ORIGENS DA HISTóRIA CULTURAL
mais novas" que o governante a quem elas foram atribuídas. Thomas Warton discute seus
critérios de maneira ainda mais completa na denúncia dos poemas "medievais"
que Chatterton enviou a Horace Walpole, Authenticity of the Poems attributed to Tbomas
Rowley (1782). Warton usou seu conhecimento do que chamou de "progressão da
composição poética" para revelar a falsificação, notando anacronismos na linguagem
("óptica", por exemplo) e no estilo (cheio de abstrações e "sofisticações" impossíveis
no século XV).
A opinião de que uma cultura forma um todo, uma opinião implícita em
demonstrações como essas, foi aos poucos sendo formulada com clareza cada vez maior.
O estudioso francês Étienne Pasquier foi um dos primeiros a explicitar a questão, quando
observou, em suas Recherches de la France (1556, livro 4, capítulo 1), que
"qualquer homem inteligente" seria "virtualmente capaz de imaginar o humor de um povo
ao ler seus antigos estatutos e regulamentos" e, inversamente, prever as leis
de um povo com base em seu "estilo de vida" (maníère de vivre).
Pode-se documentar a disseminação dessa idéia a partir do uso cada vez mais comum
de termos como o "gênio", "humor" ou "espírito" de um período ou de um
povo. Em textos posteriores ingleses de fins do século XVII, por exemplo, encontramos
frases como "o humor e o gênio dos tempos" (Stillingfleet); "o gênio de todas
as eras" (Dryden); "a índole e humor gerais das eras" (Temple). Na França, no período de
Montesquieu e Voltaire, são freqüentes as referências às mudanças no esprit
général, ou esprit humain, ou génie. O mesmo ocorre com os escoceses na era de Hume e
Robertson: "o espírito da nação", "o espírito da indagação", "o humor da nação",
"o gênio reinante", "o gênio do governo" e assim por diante.
Quando o termo Kultur entrou em uso geral na Alemanha, na década de 1780, é
possível que, como o termo Geist, este assinalasse uma consciência mais aguda
das relações entre as mudanças na língua, na lei, na religião, nas artes e ciências, em
escritores como Johann Gottfried Herder e outros (como Adelung e Eichhorn)
que o empregaram. Ainda assim, essa consciência não era algo completamente novo.
35
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
Afinal, as famosas Ideas on the Pbilosophy of the History of Mankind (1784-91), de
Herder, fizeram considerável uso da obra de historiadores pioneiros das idéias
e das artes como Saint-Palaye e GogUet.39
Enquanto os alemães falavam em cultura, os franceses preferiam a expressão le
progrès de l'esprit humain. Empregada por Fontenelle, foi adotada na década
de 1750 por Voltaire, por Estève, em sua história da astronomia, e por Montucla, em sua
história da matemática. No fim do século, tornou-se o conceito organizador
de uma história do mundo, Esquisse d'un tableau historique des progrès de l'esprit humain
(1793), uma história do mundo dividida em períodos, segundo critérios tanto
culturais como econômicos, com a escrita, a tipografia e a filosofia de Descartes marcando
épocas.
Em outras palavras, não é muito correto afirmar - como fez Sir Ernst Gombrich em
uma famosa palestra - que a história cultural foi construída sobre os "alicerces
hegelianos", por mais influente que o conceito do Zeitgeist viesse a ser nos séculos XIX e
XX.40 A estrutura do próprio Hegel foi construída com base na obra da
geração anterior de intelectuais alemães, em particular Johann Gottfried Herder, e a deles
na dos franceses, e assim por diante. Esse regresso ao passado nos remete
a Aristóteles, que discutiu o desenvolvimento interno de gêneros literários como a tragédia,
na Arte poética, embora sua visão teológica pudesse lhe dar o direito
de ser chamado de primeiro historiador Whig de que se tem registro.
Ainda assim, convém terminar este ensaio sobre as origens da história cultural em
torno de 1800. Nessa época, a idéia de uma história geral da cultura e
sociedade já se havia estabelecido em alguns círculos intelectuais, pelo menos de
Edimburgo a Florença, de Paris a Gõttingen. Na geração seguinte, esse estilo de
história seria marginalizado pela ascensão de Leopold von Ranke, no início do século XIX,
e da história política, narrativa baseada em documentos associada a ele
e sua escola.
39 Bruford (1962), cap. 4.
40 Gombrich (1969).
36
ORIGENS DA HiSTóRIA CULTURAL
Não se quer dizer com isso que a história cultural desapareceu por completo no século
XIX. A concepção de Jules Michelet da história foi ampla o bastante
para incluir a cultura (em particular no volume sobre o Renascimento francês). O mesmo se
aplica, na verdade, à de Ranke. Sua History of England (1859-68), concentrada
no século XVII, abriu espaço para uma história da literatura da época. Entre os estudos
dedicados à cultura, incluem-se as palestras de François Guizot sobre a General
History of Civilisatíon in Europe (1828) e a History of Civilisation in France (1829-32),
que passaram por várias edições em francês e outras línguas. O estudo clássico
de Jacob Burckhardt, The Civilization of the Renaissance in Italy (1860), foi muito
apreciado em fins do século XIX, embora atraísse relativamente pouca atenção
na época da publicação. No mundo de língua alemã, a importância da história cultural e a
maneira como se devia escrever a história cultural continuaram sendo temas
de debate. Tem-se dito que, em fins do século XIX, a reafirmação da fidelidade à tradição
da história cultural era um meio de manifestar oposição ao regime pós1871.41
Contudo, o século XIX testemunhou uma extensa lacuna entre história cultural,
basicamente abandonada à história amadora e profissional, e história "positivista",
cada vez mais interessada em política, documentos e "fatos concretos". Apesar das
mudanças ocorridas na última geração, entre elas a elevação de "estudos culturais"
à respeitabilidade acadêmica, talvez ainda seja cedo demais para afirmar que essa lacuna foi
preenchida. Contribuir para a construção dessa ponte é uma das finalidades
dos ensaios a seguir.
41Schäfer (1891); cf. Elias (1989), 118, 127, 129.
37
A HISTÓRIA CULTURAL DOS SONHOS
39
Mais ou menos na última geração, muitas áreas da vida humana antes consideradas
inalteráveis foram reivindicadas como territórios do historiador. A loucura, por
exemplo, graças a Michel Foucault; a infância, graças a Philippe Ariès; os gestos (Capítulo
4); o humor (Capítulo 5); e mesmo os cheiros, estudados por Alain Corbin
e outros, foram incorporados à história.1 Nesse movimento de colonização, os historiadores
em geral - com notáveis exceções como Reinhart Koselleck e jacques
Le Goff - dedicaram relativamente pouca atenção aos sonhos.2 Este ensaio apresenta um
reconhecimento histórico do território onírico. Quase todos os indícios foram
extraídos do mundo de língua inglesa no século XVII, mas a verdadeira questão do ensaio é
defender a possibilidade de uma história cultural do sonhar. Não uma história
da interpretação dos sonhos, por mais interessante que possa ser.3 Uma história dos
próprios sonhos.
TEORIAS DOS SONHOS
A idéia de que os sonhos têm uma história é negada, pelo menos em termos implícitos, pelo
que se poderia chamar de teoria "clássica" dos
1 Foucault (1961); Ariès (1960); Corbin (1982).
2 Koselleck (1979); Le Goff (1971, 1983, 1984).
3 Price (1986); Kagan (1990), 36-43.
41
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
sonhos, apresentada por Freud e jung.4 Segundo eles, os sonhos têm dois níveis de
significado, o individual e o universal. No nível individual, Freud considerava
os sonhos como manifestações dos desejos inconscientes do sonhador (uma visão que ele
mais tarde modificou para explicar os sonhos traumáticos das vítimas de choques
causados por bombardeios). jung, por sua vez, afirmava que os sonhos desempenhavam
várias funções, como a de avisar ao que sonha dos perigos de sua maneira de viver
ou compensá-lo por suas atitudes conscientes. No nível universal, Freud dedicou especial
atenção a penetrar por baixo do conteúdo manifesto do sonho para chegar
a seu conteúdo latente. Sugeriu, por exemplo, que nos sonhos -todos os objetos alongados
( ... ) podem representar o órgão masculino", e todas as caixas o útero;
que reis e rainhas representam em geral os pais do sonhador; e assim por diante. Explicou o
conteúdo manifesto em termos de resíduos diários, mas essa questão continuou
a margem de sua principal preocupação.
já jung tinha maior interesse que Freud pelo conteúdo manifesto dos sonhos, mas
também ele tratou alguns símbolos oníricos como universais; o Velho Sábio,
por exemplo, e a Grande Mãe eram em sua opinião "arquétipos do inconsciente coletivo".
Os dois teóricos chamaram a atenção para a analogia entre sonho e mito, mas
Freud tendia a interpretar os mitos em termos de sonho, e jung em geral interpretava os
sonhos em termos de mito. Nem Freud nem jung trataram os símbolos oníricos
como fixos, embora tenham muitas vezes sido criticados por não o fazer. Estavam
preocupados demais com o nível individual para imobilizar os significados dessa maneira.
É na negligência da teoria clássica com um terceiro nível de significado dos sonhos,
intermediário entre o individual e o universal - o nível cultural ou social
-, que ela é mais criticada.
A defesa da atribuição de significados sociais ou culturais aos sonhos foi feita pela
primeira vez por antropólogos, em particular por
4 Freud (1899); Jung (1928, 1930, 1945).
42
A HISTóRIA CULTURAL DOS SONHOS
antropólogos psicólogos, formados nas duas disciplinas, além de trabalhar em duas
culturas. Em um estudo pioneiro, jackson Lincoln sugeriu que se podiam encontrar
dois tipos de sonho em culturas primítivas, ambos com significados sociais. O primeiro tipo
era o sonho espontâneo ou "individual", cujo conteúdo manifesto refletia
a cultura, enquanto o conteúdo latente era universal. O segundo tipo, Lincoln chamou-o de
sonho "padrão da cultura", que em cada tribo correspondia a um estereótipo
estabelecido por aquela cultura. Nesses casos, mesmo o conteúdo latente do sonho era
influenciado por sua cultura. Em suma, em uma determinada cultura, as pessoas
tendem a ter determinados tipos de sonho.5
São afirmações fortes, mas os indícios em sua defesa também são fortes. Os mais
famosos exemplos de sonho padrão da cultura vêm dos índios da América do
Norte e, em particular, dos Ojibwa, que viviam no que hoje são os estados de Michigan e
Ontario. Os sonhos desempenhavam um importante papel na cultura deles, pelo
menos antes de 1900, ou por volta disso. Os meninos não podiam atingir a maturidade sem
participar do que se chamava do "jejum de sonho". Eram mandados para a floresta
por uma semana ou dez dias, para esperar a chegada dos sonhos. Os Ojibwa acreditavam
que seres sobrenaturais se apiedariam dos meninos quando os vissem jejuando
e viriam em seu socorro, dando-lhes conselhos e tornando-se seus espiritos guardiães para
toda a vida. Esses seres sobrenaturais aparecem em forma de animal, inclusive
pássaro. O admirável é que os sonhos certos pareciam vir quando solicitados, pelo menos
após alguns dias de jejum, um estado claramente indutor de visões. Tomemos
um exemplo relatado pelo antropólogo americano Paul Radin:
Sonhei que estava as margens de um lago e não tivera nada para
comer durante algum tempo. Perambulava por ali em busca de comida
havia bastante tempo quando vi um pássaro. Ele se aproximou de
5. cf. D'Andrade (1961).
43
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
onde eu me encontrava e falou comigo, dizendo-me que eu estava perdido e um grupo saíra
à minha procura, mas na verdade pretendiam atirar em mim, em vez de me resgatar.
O pássaro então voou, mergulhou no lago e me trouxe um peixe para comer; disse que eu
teria sorte na caça e na pesca; que eu viveria até uma idade bem avançada;
e que eu jamais seria ferido por espingarda de caça nem rifle. Esse pássaro que me
abençoou era da espécie em que raras vezes se tem a chance de atirar. Daquele
dia em diante, o mergulhão-do-norte se tornou meu espírito guardião.
Neste caso, o informante não era um menino, mas um velho lembrando a infância, e talvez
em retrospecto tornasse o sonho mais claro do que fora originalmente. O elemento
de satisfação de um desejo no sonho é óbvio. A afirmação de "que na verdade pretendiam
atirar em mim" é interessante como manifestação de um sentimento agressivo
pelos adultos que o haviam mandado jejuar na floresta.
Supondo-se que essa versão de jejum de sonho, colhida na fonte original, seja
razoavelmente correta e característica, permanece o problema de explicar porque
ocorreu na verdade o sonho padrão da cultura. Sem a menor dúvida, o jejum ajudou, e
também a expectativa de que um sonho desse tipo fosse se apresentar. Um sonho
vago poderia ser bem assimilado pelo estereótipo e ao mesmo tempo relatado e lembrado
de uma maneira culturalmente adequada. É possível que os meninos sem sorte
suficiente para ter sequer um sonho do tipo certo recorressem à invenção, embora não fique
claro nas etnografias se conseguiam ou não descobrir de antemão que tipo
de sonho os adultos queriam ouvir. Às vezes ocorria o sonho errado e era rejeitado. Em
outra história relatada por Radin, "o pai do menino chegou e perguntou-lhe
com o que ele sonhara. O menino contou-lhe, mas não era o que o pai queria ouvir, e por
isso ele o mandou direto de volta ao jejUM".6 Mas cedo ou tarde o tipo certo
de sonho se apresentava, o que
6Radin(1936);cf.Haüowell(1966).
44
A HISTóRIA CULTURAL DOS SONHOS
não surpreende, pois o que os pais queriam ouvir era um sonho sobre os símbolos
essenciais da cultura.
Só alguns povos tinham o jejum de sonho entre suas práticas culturais, mas em outras
partes também os sonhos acompanham os estereótipos da cultura local.
Uma cobra-d'água desempenhava um importante papel nos sonhos dos índios Hopi,
estudados pela antropóloga Dorothy Eggan. Por exemplo: "Eu voltava para casa na aldeia
onde morava. As pessoas estavam assustadas. Crianças correram em minha direção e me
disseram que tinha uma cobra-d'água grande no lago, erguendo-se a mais de doze
metros acima da água e fazendo um barulho terrível."
Sonhos com cobras e serpentes não são incomuns em outras culturas, e Freud os
interpretou como símbolos do órgão genital masculino. Contudo, a cobra-d'água
desempenha um importante papel nos mitos dos Hopi, onde representa a autoridade. Esses
mitos eram ensinados às crianças Hopi, e sua visualização facilitada por meio
de rituais dramáticos. Por isso, não chega a surpreender que essa imagística sempre retorne
nos sonhos delas, embora não se exigisse de ninguém que tivesse sonhos
de determinado tipo. É razoável sugerir que a cobra-d'água tivesse o mesmo significado
tanto nos sonhos quanto nos mitos dos Hopi: autoridade.7
A hipótese de que os sonhos têm um significado cultural foi confirmada por dois
estudos sobre os zulus, dos aldeões de Raiastan, de negros em São Paulo e
de estudantes em Tóquio e Kentucky.8 Examinados juntos, esses estudos sugerem, como
faz a obra de J. S. Lincoln, que os sonhos são moldados de duas maneiras pela
cultura daquele que sonha.
Em primeiro lugar, os símbolos oníricos podem ter determinados significados em
determinada cultura, como no exemplo da cobra d'água entre os Hopi. Quando
uma pessoa sonha com um mito, não
7 Eggan (1966).
8 Carstairs (1957), 89ff.; Bastide (1966); Griffith et al. (1958).
45
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
devemos tomar por certo, como parecem fazer Jung e seguidores, que isso é uma recriação
espontânea do mito, um "arquétipo do inconsciente coletivo". Devemos começar
por perguntar se ela está ou não consciente do mito. Uma das objeções possíveis é que as
variações no conteúdo manifesto dos sonhos não é importante; a sociologia
dos sonhos fica superficial se levar apenas à conclusão de que os mesmos temas ou
problemas básicos são simbolizados de diferentes modos em diferentes sociedades.
Essa questão da importância relativa do conteúdo manifesto dos sonhos é uma das questões
polêmicas entre psicólogos, e na qual os historiadores não devem se intrometer.
Contudo, permite observar que, se pessoas de uma determinada cultura sonham os mitos
dessa cultura, seus sonhos por isso autenticam os mitos, sobretudo em culturas
em que o sonhar é interpretado como "ver" outro mundo. Os mitos modelam os sonhos,
mas os sonhos, por sua vez, autenticam os mitos, em um círculo que facilita a
reprodução ou continuidade cultural.
Em segundo lugar, pode-se argumentar que o conteúdo latente também é modelado em
parte pela cultura do sonhador. Uma breve justificação para essa hipótese,
ao mesmo tempo mais fundamental e controvertida que a anterior, pode ser apresentada da
seguinte forma: os sonhos se relacionam com tensões, ansiedades e conflitos
do sonhador. As tensões típicas ou recorrentes, as ansiedades e os conflitos variam de uma
cultura para outra. Um estudo comparativo de "sonhos típicos" que atravessam
culturas mostrou que a relativa freqüência de diferentes sonhos de ansiedade variava
consideravelmente. Os americanos, por exemplo, sonhavam mais vezes que chegavam
atrasados a encontros, compromissos e eram surpreendidos nus, enquanto os japoneses
sonhavam que estavam sendo atacados. O contraste sugere o que outro indício confirma:
os americanos são mais preocupados com pontualidade e com "vergonha do corpo", e os
japoneses mais ansiosos com a agressão.9
9 Griffith et al. (1958).
46
A HISTóRIA CULTURAL DOS SONHOS
OS SONHOS NA HISTóRIA
Que têm essas observações concludentes a ver com a história cultural? o fato de pessoas
terem sonhado no passado e às vezes registrado seus sonhos é uma condição
necessária, mas não suficiente para que os historiadores se interessem por eles. Se os
sonhos não têm significado, os historiadores não teriam por que se interessar
por eles. Se o significado universal dos sonhos fosse o único, eles se limitariam a anotar a
recorrência em sua época de sonhos com vôos, perseguições ou perdas
de dentes, e passar logo para outros tópicos.
Se, contudo, os sonhos nos dizem alguma coisa sobre o sonhador individual, os
historiadores têm de dedicar-lhes mais atenção. Tornam-se uma fonte potencial
a ser tratada, como outras, com cautela, como observou o próprio Freud na ocasião.10 Os
historiadores devem procurar ter em mente o tempo todo o fato de que não
têm acesso ao sonho em si, mas na melhor das hipóteses a um registro escrito modificado
pela mente pré-consciente ou consciente no decorrer da recordação e escrita
(sobre o problema da "memória", ver Capítulo 3). É provável, contudo, que essa
"elaboração secundária" revele a personalidade e os problemas do sonhador com tanta
clareza quanto o próprio sonho.
Os historiadores também precisam lembrar que, ao contrário dos psicanalistas, eles
não têm acesso às associações que o sonhador faz com os incidentes do
sonho, associações que permitem aos analistas evitar uma decodificação mecânica e os
ajudam a descobrir o que significam os símbolos do sonho para os próprios sonhadores.
Para o historiador, o melhor a fazer é trabalhar com uma serie de sonhos do mesmo
indivíduo e interpretar cada um em termos dos outros. Por exemplo, o teólogo sueco
Emmanuel Swedenborg registrou mais de 150 sonhos em um único ano, 1744.11 Em casos
favoráveis como este,
10 Freud (1929).
11 Freud (1929).
47
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
os sonhos fornecem aos biógrafos provas que não podem ser obtidas por nenhum outro
meio.
Se, como afirmamos acima, os sonhos têm uma camada de significado cultural, além
de uma pessoal e uma universal, abrem-se possibilidades ainda mais estimulantes
para os historiadores. Primeiro, o estudo de mudanças no conteúdo manifesto deve revelar
mudanças nos mitos e imagens psicologicamente reais na época (em oposição
aos mitos apenas em circulação). Segundo, os sonhos, como os chistes (Capítulo 5), tratam
de maneira oblíqua o que é inibido ou reprimido, e isso varia de período
para período. É muito mais provável que os desejos reprimidos, as ansiedades e os conflitos
encontrem expressão no conteúdo latente dos sonhos, que por isso têm
de mudar ao longo do tempo, e talvez ajudem os historiadores a reconstruir a história da
repressão.
Mesmo assim, até há muito pouco tempo era raro o historiador inclinado a considerar
seriamente os sonhos como indícios. Tome-se o caso do arcebispo Laud,
por exemplo, que registrou cerca de trinta sonhos em seu diário, entre 1623 e 1643. Um de
seus biógrafos, W. H. Hutton, referiu-se em 1895 ao "humor pitoresco" que
fez Laud relatar "as curiosas visões que lhe chegavam quando dormia", visões que "não se
lêem com seriedade". Em Strafford (1935), a biógrafa C. V. Wedwood foi
ainda mais menosprezadora, escrevendo que Laud "anotou no diário os sonhos mais tolos
como se tivessem profunda importância". Por outro lado, o biógrafo mais recente
de Laud usa os sonhos como prova do estado mental do arcebispo.12
Um historiador pioneiro nesse campo, como em outros, foi o estudioso clássico E. R.
Dodds, que escreveu sobre os sonhos de gregos antigos.13 Ele se preocupou
mais com a interpretação grega dos sonhos (Artemodoro, por exemplo) do que com os
próprios sonhos, mas discutiu os estereotipados em termos culturais e também a
práti12 Carlton (1987), 56, 144-5, 148-53.
13 Dodds (1951); cf. Dodds (1965) e Miller (1994).
48
A HISTóRIA CULTURAL DOS SONHOS
ca cultural de "incubação", em outras palavras, dormir em um lugar sagrado para ter um
sonho com um oráculo aconselhando ao sonhador o que fazer, prática não diferente
do jejum de sonho dos Ojibwa. Entre os historiadores da Idade Média, Jacques Le Goff
dedicou especial atenção ao sonhar.14 Os primeiros historiadores modernos passaram
a mover-se na mesma direção.15 Como também os dos séculos XIX e XX. Alain Besançon,
por exemplo, afirmou que os sonhos de uma cultura podem e devem ser interpretados
como os sonhos de um indivíduo, e fez algumas análises de sonhos na literatura russa,
como o de Grinev em A filha do capitão, de Puchkin, e o de Raskolnikov em Crime
e castigo. 16
Examinemos agora alguns dos primeiros exemplos modernos. Na Europa, nos séculos
XVI e XVII, como na Antiguidade e na Idade Média, os sonhos eram levados
a sério pelo que revelavam sobre o futuro. Proliferavam os manuais de interpretação de
sonhos, e existiam práticas equivalentes à incubação, em particular dormir
em cemitérios ou com a Bíblia debaixo do travesseiro.17 Os exemplos que se seguem
dividem-se em dois grupos, segundo a classificação de Lincoln. Primeiro, os sonhos
"individuais" e depois os sonhos "padrão da cultura".
SONHOS INDIVIDUAIS
A 11 de novembro de 1689, a Gazette de Paris ofereceu um prêmio de 20.000 luíses* para a
interpretação de um sonho de Luís XIV (não se sabe se algum bem-sucedido
José compareceu diante do Faraó). É
14 Le Goff (1983, 1984); cf. Dutton (1994).
15 Macfarlane (1970); Kagan (1990).
16 Besançon (1971); Koselleck (1979); neweleit (1977).
17 Cardano (1557), cap. 44.
* Antiga moeda francesa de ouro, cunhada sob Luís XIII, no século XVIII.
(N. da T.)
49
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
uma pena fugir a esse desafio, mas o perigo da interpretação errônea de sonhos isolados é
óbvio. É melhor que nos concentremos em sonhos sérios.
No século XVII, séries de sonho foram registradas por pelo menos três ingleses (Elias
Ashmole, Ralph Josselin e William Laud) e, do outro lado do Atlântico,
pelo natural da Nova Inglaterra Samuel Sewall.18 Ao todo, os quatro registraram 120
sonhos (Ashmole, 42, Josselin e Laud, 31 cada e Sewall, 16). Esta amostra é,
evidentemente,
de uma ridícula insignificância para a análise dos sonhos de toda uma cultura (ou melhor,
duas culturas relacionadas), mas talvez seja pelo menos suficiente para
esclarecer os principais problemas de método. Em um estudo dos significados culturais dos
sonhos, continua sendo necessário ter em mente que há outros níveis de
análise, e que os sonhos desses quatro homens se relacionavam com suas vidas e problemas
privados. Por isso, seguem-se alguns dados biográficos, em ordem. O mais
velho do grupo, William Laud (1573-1645), arcebispo de Cantuária, registrou a maioria de
seus sonhos nos anos 1623-8, quando tinha cinqüenta e poucos anos. Os contemporâneos
comentaram seu "orgulho arrogante" quando Laud se achava no poder, a insistência na
autoridade, obediência e disciplina na Igreja e no Estado. Como era um homem
de origem humilde e de baixa estatura, parece um caso clássico de complexo de
inferioridade. Embora filho de um próspero comerciante de tecidos, nos círculos que
passou a freqüentar essa origem humilde era muitas vezes alvo de escárnio dos adversários
políticos. O fato de Laud se sentir inseguro mesmo quando estava no poder
é sugerido por alguns de seus sonhos. Os inimigos
o julgavam íntimo do rei Carlos I, mas: "Sonhei cheio de espanto que
o rei se ofendera comigo, e ia me renegar, sem me dizer por quê." Ou de forma mais vívida:
"Levei-lhe bebida, mas não o agradou. Levei-lhe mais, porém numa taça
de
prata. Ao que Sua Majestade disse:
18 IN Ashmole (1966); Josselin (1976); Laud (1847-60); Sewall (1878).
50
A HISTÓRIA CULTURAL DOS SONHOS
Sabes que sempre bebo direto do copo." Elias Ashmole (1617-92), astrólogo profissional,
registrou sonhos entre 1645 e 1650, dos 28 aos trinta e poucos anos. De 1647
em diante, cortejava a mulher que se tornou sua segunda esposa em 1649, e vários sonhos
se referiam a esse relacionamento. Ralph Josselin (1617-83), pároco de Essex,
foi o único dos quatro cuja carreira não se projetou. Registrou a maioria dos sonhos na
década de 1650, entre trinta e tantos e quarenta e poucos anos. Samuel Sewall
(1652-1730), o mais jovem do grupo, assim como o único americano, era judeu. Os
dezesseis sonhos que registrou se estendem, dispersos, por um longo período, 1675-1719,
começando pouco antes de seu primeiro casamento.
Para analisar o conteúdo manifesto desses 120 sonhos, é necessário distinguir as
categorias ou temas. Em termos ideais, essas categorias não apenas são adequadas
aos sonhos analisados, mas também permitem comparações com os sonhos de outras
culturas. Não é fácil criá-las, porém. Uma análise de conteúdo de 10.000 sonhos
americanos
feita por Calvin Hall, em fins da década de 1940, agrupou os sonhos por (1) cenários, (2)
personagens, (3) ação, (4) interação das personagens e (5) emoção sentida
pelo sonhador. É excelente quando o analista pode usar um questionário, mas nossos quatro
sonhadores não fornecem com muita freqüência informações segundo todas
as cinco categorias.19
Em comparação, a análise de sonhos dos Hopi feita por Dorothy Eggan empregou
mais sete categorias, como se seguem: (1) segurança, (2) perseguição e conflito,
(3) risco físico, (4) elementos heterossexuais, (5) colheitas e armazenamento, (6) água e (7)
religião.20 Estas categorias também são muito úteis para o estudo dos
Hopi, mas "água" e "colheitas" não são temas recorrentes a serem examinados aqui. Até a
elaboração de um grupo de categorias que tratem de comparar duas ou mais
culturas, parece melhor trabalhar com as que se apliquem
19 Hall (1951).
20 Eggan (1952).
51
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
(como a de Eggan) pelo menos à cultura estudada, embora se pague o preço de tornar a
comparação mais difícil.
Em nossos casos do século XVII, os mais importantes temas recorrentes são: (1) morte
e enterro, (2) a igreja, (3) reis, (4) guerras, (5) política e (6) ferimento
ou alguma coisa associada com o sonhador. É forte o contraste destes temas com os temas
centrais encontrados por Halt nos sonhos americanos do século XX.
Entre os 120 sonhos de nosso exemplo, há dezenove com morte e enterro, embora
nove deles venham de um único sonhador, Elias Ashmole. Em três casos, o sonho
se refere à morte da mulher do sonhador; em três, à morte de outro parente próximo (mãe,
pai ou filhos); e em quatro a morte é do próprio sonhador. Tanto Josselin
quanto Sewall sonharam com seu julgamento e condenação à morte, enquanto Ashmole
sonhou que era de fato decapitado (e em outra ocasião envenenado). De modo bastante
curioso, o único dos quatro que não teve um sonho desse tipo, William Laud, também foi o
único a ser condenado e executado na vida real.
Também há cinco casos de referências a uma sepultura, um túmulo ou monumento e
um enterro. Em contraste com essa preocupação, o tema de morte e enterro
não foi importante o bastante na década de 1940 para ser mencionado na análise de Hall.
Parece que os ingleses do século XVII eram mais ansiosos em relação à morte
do que os americanos do século XX. Se as pessoas do século XVII sonhavam mais com
enterros e sepulturas que nós, isso sem dúvida se relaciona à maior ênfase dada
na vida cotidiana aos aspectos público e cerimonial da morte.
Passando para nossa segunda categoria (em ordem de freqüência), há catorze sonhos
com a igreja na amostra; seis localizados em uma igreja ou cemitério e
oito com clérigos e assuntos eclesiásticos. Na análise feita por Hall de sonhos do século
XX, o cenário de igreja é tão raro que ele o coloca (junto com bares) em
uma categoria "mista". O que faz um óbvio contraste entre os dois séculos. É necessário terse em mente que treze dos catorze sonhos com igreja são de
52
A HISTóRIA CULTURAL DOS SONHOS
nossos sonhadores clérigos - com exceção do sonho de Ashmole de que estava na catedral
de Litchfield - e então ter cautela ao tirar conclusões sobre as atitudes
gerais em relação à igreja. Pode-se, na verdade, pensar em igreja como o local de trabalho
do clero - mas, nos Estados Unidos da década de 1940, sonhar com o local
de trabalho de alguém era, em si mesmo, incomum, e então os contrastes entre os séculos
permanecem.
Quanto aos oito sonhos de Igreja como instituição, é importante observar que ambos
os clérigos anglicanos são atraídos por Roma em seus sonhos. Laud sonhou
que estava "reconciliado com a Igreja Católica" e, sentindo-se culpado a respeito disso no
Próprio sonho, foi pedir perdão à Igreja Anglicana. já Josselin sonhou
que era "íntimo do papa". Há evidentemente muitas maneiras de interpretar esses sonhos,
da simples desrepressão, o que não é implausível no caso de Laud, à compensação
para a hostilidade a Roma nas horas de vigília. É curioso perceber que tanto Laud quanto
Josselin lembram versões do que pode ser chamado de sonho clerical "clássico".
Laud sonhou que, quando celebrava um ofício religioso, não "conseguia ler nem entoar os
salmos", nem encontrar a Bíblia. Mais uma vez, Laud sonhou "que tirava toda
a minha veste branca [sobrepeliz] faltando apenas uma manga; e, quando tive de vesti-la de
novo, não a encontrava". Talvez fosse interessante tentar uma sociologia
dos sonhos de ansiedade desse tipo entre pessoas de diferentes ocupações. Além dos catorze
sonhos com a igreja, houve mais três relacionados com o sobrenatural.
Laud e Sewall sonharam com Jesus Cristo, e Sewall que subia ao céu.
Passando para a terceira categoria, encontramos oito sonhos com reis (um com Jaime
I, seis com Carlos I e um com Carlos II). Evidentemente, é comum que os
psicanalistas afirmem, seguindo Freud, que um rei no sonho simboliza o pai do sonhador.
Contudo, como historiador "literal", estou convencido de que pelo menos em
um nível da amostra, e em algumas ocasiões, "o rei" significa o rei mesmo. Afinal, Laud, o
que mais sonhou com o rei (quatro vezes), via e falava fre53
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
qüentemente com Carlos I. Ashmole sonhou com o rei três vezes entre 1645-6, em outras
palavras, no auge da Guerra Civil. Josselin, na distante América, foi o único
dos quatro a não sonhar com rei.
Essa questão do rei é um caso especial do contraste mais geral entre o século XVII e o
XX. Calvin Hall descobriu que apenas 1 por cento dos sonhos que reuniu
foram com o que ele chamou de "figuras públicas famosas ou proeminentes", embora
dezessete dos sonhos aqui estudados (cerca de 14 por cento) caiam nessa categoria.
Mais uma vez, seguem-se em ordem as distinções entre nossos sonhadores. Laud,
responsável por nove das dezessete figuras públicas, conhecia-as muito bem. O duque
de Buckingham, por exemplo, era seu amigo pessoal, e o bispo de Lincoln, inimigo pessoal.
Contudo, josselin, que não tinha amigos ou conhecidos célebres, sonhou
não apenas com Carlos II, mas também com o papa, Oliver Cromwell e o secretário Sr.
Thurlow. De maneira semelhante, o cientista e teólogo sueco Swedenborg sonhou
com o rei Carlos XII, o rei da Prússia, o rei da França, o rei da Polônia e o czar.21 Um
contraste também semelhante entre o século XVII e o XX surge dos oito sonhos
da quarta categoria, as guerras. Laud não registrou quaisquer sonhos desse tipo, mas
Ashmole sonhou com Carlos I batendo em retirada de Oxford, e com o rei sitiado;
Josselin, com a derrota dos escoceses, com um exército inglês na França e com a Guerra
Civil; Sewall, com os franceses (duas vezes) e uma vez com o que ele denominou
de "uma chama militar".
Outros oito sonhos se relacionavam a política. Laud sonhou uma vez com o
Parlamento, por exemplo, e josselin (que não era membro do Parlamento) sonhou duas
vezes com ele, Ashmole sonhou que fazia o voto de Negação, e Sewall que fora eleito
Lorde Prefeito. Em contraste com isso, Hall encontrou em sua amostra sonhos que
tinham "pouco ou nada a dizer sobre fatos atuais", embora um estudo de sonhos alemães
durante o período nazista chegasse a conclusões
21 Swedenborg (1744), 1-2 de abril, 19-20 de abril, 24-25 de abril, 16-17 de setembro,
6-7 de outubro, 20-21 de outubro.
54
A HISTóRIA CULTURAL DOS SONHOS
contrárias.22 Como se pode explicar esse contraste? Onze dos dezesseis sonhos
relacionados com guerra e política no século XVII datavarri de 1642 a 1655, um período
de guerra civil e outros conflitos, quando se poderia esperar que as pessoas estivessem mais
ansiosas que o normal com assuntos políticos. No entanto, Hall reuniu
sua amostra de americanos no momento em que se lançava a bomba atômica no Japão, sem
que isso causasse grande impacto nos sonhos deles. Sua conclusão foi de que
a preocupação política "não nos atinge em muita profundidade, nem é emocionalmente
pertinente para nós". Para o século XVII, a opinião exatamente oposta parece ser
a regra. A relativa freqüência de sonhos políticos indica que a preocupação política era
profunda e também - para empregar a útil expressão de Hall - emocionalmente
pertinente.
Certamente, é impossível se afirmar o grau exato de profundidade e pertinência.
Talvez esses sonhadores do século XVII usassem figuras e fatos políticos
para simbolizar ansiedades pessoais. Retornamos ao problema de diferenciar o conteúdo
manifesto do conteúdo latente, o problema de se "o rei" nos sonhos de Laud
significa na verdade Carlos I ou não. Contudo, se era provável que os sonhadores do século
XVII simbolizassem mais suas ansiedades pessoais com imagens políticas
do que os do século XX, este fato já nos diz alguma coisa sobre a pertinência emocional na
política no século XVII. Pode-se fazer uma afirmação semelhante sobre
religião. Embora um sonho com igreja ou Cristo tenha um sentido pessoal latente, continua
sendo indício da pertinência emocional do cristianismo.
A última de nossas seis categorias, sobrepondo-se à primeira, é a do ferimento do
sonhador, que ocorre em oito sonhos na amostra. Laud sonhou duas vezes
que seus dentes caíam. Os sonhos com perda de dentes são comuns em muitas culturas,
como testemunham os antropólogos e é confirmado na leitura de livros de sonhos,
de Artemi22 Beracit (1966).
55
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
doro em diante. Esses livros em geral dizem que o sonho com a perda de dentes pressagia a
perda de um parente. Por outro lado, Freud tratava os dentes como um símbolo
dos órgãos genitais, embora alguns psicanalistas mais recentes os interpretem como uma
expressão de desamparo contra a agressão. Nos dois casos, está envolvida uma
perda de força ou potência.
Quanto aos outros sonhos com ferimentos, Ashmole sonhou que ficava careca, a mão
apodrecera e caíra e a cabeça era decepada, enquanto Josselin e Sewall sonharam,
como já observamos, que haviam sido condenados à morte. Laud também sonhou com
danos no St. John College, Oxford, sua antiga faculdade, e que ele em parte reconstruíra.
A categoria de ferimento não ocorre em momento algum na análise de Hall, portanto a
única comparação possível é extremamente vaga: a proporção de sonhos agradáveis
e desagradáveis nas duas amostras. Hall afirmou que 64 por cento das emoções dos sonhos
em sua amostra eram desagradáveis, predominando apreensão, raiva e tristeza.
No caso da amostra do século XVII, foi difícil classificar metade dos sonhos tanto na
categoria de "agradável" quanto na de "desagradável". Das que restaram, cerca
de 70 por cento eram desagradáveis. Em vista da pequena dimensão da amostra, não se
deve levar muito a sério a diferença entre 70 por cento e 64 por cento. Em outras
palavras, não se podem usar os dados desses sonhos para mostrar que as pessoas eram mais
ou menos ansiosas que as modernas, embora os objetos de sua ansiedade também
pudessem ser diferentes.
SONHOS "PADRÃO DA CULTURA"
Os 120 sonhos discutidos abaixo pertencem à categoria de sonhos "individuais" concebida
por Lincoln, que extraem elementos da cultura do sonhador. Talvez também
seja possível identificar no início
56
A HISTóRIA CULTURAL DOS SONHOS
da Europa moderna o que Lincoln chamou de sonhos "padrão da cultura", como os
estereotipados sonhos dos garotos Ojibwa. Vários sonhos registrados se prestam a
interpretações
nesses termos. Por exemplo:
No ano de 1525, após a Semana de Pentecostes, na noite entre quarta e quinta-feira, tive
uma visão no meu sono, em que grandes águas despencavam do firmamento. E
a primeira atingiu a terra a cerca de sete quilômetros de mim com grande violência e
enorme barulho, e afundou toda a terra. De tão assustado, acordei antes que
as outras aguas caissem.
Albrecht Dürer, pois era ele, fez um desenho das "grandes águas" ao lado do texto.
Dificilmente surpreende encontrar um sonho de destruição ocorrendo na época da
Guerra dos Camponeses Alemães, nem, considerando-se a tradição cristã, é estranho ver o
sonhador simbolizar a destruição por um dilúvio, sobretudo em uma época de
pesadas chuvas. Na Alemanha circulavam então vários textos prevendo desastres desse
tipo.23
Um segundo exemplo vívido de sonho culturalmente estereotipado é oferecido por
outro pintor do século XVI, Benvenuto Cellini. Segundo sua autobiografia (parte
1, seção 89), quando ele caiu gravemente doente, sonhou que "um velho medonho aparecia
ao pé de minha cama e tentava me arrastar à força para dentro de seu barco
enorme". Cellini resistiu, e recuperou-se da doença. Um aspecto curioso da história é que o
narrador não diz o nome do velho - mas quem mais podia ser senão Charonte?
Não precisamos recorrer a uma teoria de arquétipos para explicar a aparição de Charonte a
um pintor italiano renascentista, íntimo de Dante (embora não de Luciano
e seus recentes imitadores) e tendo a figura de Charonte no Juizo final,
23 Dürer (1956), 214.
57
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
de Michelangelo (que vivia em 1550, quando ele escrevia, embora não na época da doença
sobre a qual escrevia).
Talvez também se possa afirmar que dois fenômenos muito bem documentados do
início do período moderno, mas que sempre intrigaram os historiadores, são explicáveis
em termos de sonhos culturalmente estereotipados; as visões religiosas e o sabá dos bruxos.
Historiadores realizaram algumas pesquisas fascinantes sobre visões desde a primeira
publicação deste ensaio.24 O mais pertinente para o presente capítulo
é o de David Blackbourn. Seu livro concentra-se em uma única história, a da aparição da
Virgem Maria a algumas crianças na aldeia de Marpingen, na epoca de Bismarck,
e as peregrinações à "Lourdes alemã" que se seguiram. Contudo, o autor situa a história em
um contexto muito mais amplo, o de uma "grande onda de visões" da Virgem
Maria ocorrida após 1789. Blackbourn explica a onda não apenas em termos religiosos (a
"marianização" popular do catolicismo), mas também com a guerra e a convulsão
social e política, incluindo a campanha de Bismarck contra a Igreja católica.
A afirmação de Blackbourn sobre a relação entre visões e convulsão política é
confirmada pelo que se poderia chamar de "epidemia" de visões na Silésia (na
época parte do reino da Boêmia), do início a meados do século XVII, período em que a
Guerra dos Trinta Anos assolava a região e a crença no iminente fim do mundo
se achava singularmente disseminada.25 Entre os visionários, estavam Mikulas Drabic,
Christoph Kotter, Christiana Pomatowska e Stephan Melisch.26 Os textos dessas
"revelações" foram publicados em várias línguas, embora o mais provável seja que tenham
alcançado circulação tão generalizada em conseqüência das traduções latinas
das visões de
24 Christian (1981); Dinzelbacher (1981); Gurevich (1984); Kagan (1990); Sallmann
(1992); Blackbourn (1993).
25 Haase (1933).
26 Benz (1969), 300ff., 460ff., 501ff. sobre Kotter e 113ff., 145ff., 171ff., 300ff.,
S99ff. sobre Poniatowska.
58
A HISTóRIA CULTURAL DOS SONHOS
Drabic e Kotter feitas pelo famoso erudito tchecoslovaco, Jan Amos Comenius. O que se
segue se concentrará em Melisch.
Um exemplo de suas revelações diz o seguinte:
Vi raposas vermelhas chegarem do teste, cada uma com um grande dente. E um leão
amarelo dourado erguido em um lugar verde, em volta do qual as raposas saltavam.
Um instante depois, chegou um homem incandescente, com uma espada preta de ferro igual
a um clarão de relâmpago. Travou-se entre eles tamanha luta que muitos
tombaram ali mesmo, e não restou quase ninguem senão muito poucos. No meio deles
levantou-se uma águia branca ( ... ) Vi que o homem brilhante como o sol cortara
a cabeça da águia branca, e aquela cabeça fora dada com a coroa ao Norte; mas o corpo da
águia fora dado a uma águia vermelha, e as asas ao Leste.27
Esta visão data de 1656, e não é muito difícil hoje identificar o tema, mesmo sem
fornecer as notas explicativas, como a invasão e divisão da Polônia pelas
forças russas, suecas e prussianas a partir de 1654, um episódio que os poloneses ainda
descrevem como o "Dilúvio". O tom da atmosfera geral da visão poderia ser
descrito como "apocalíptico", e muitas das visões de Melisch refletem de fato o Apocalipse.
Há referências à "besta babilônica"; ao Cordeiro, ao livro, aos selos;
e a tempo, tempos, e metade de tempo. As imagens que não vêm da Revelação são muitas
vezes animais heráldicos, como a águia polonesa e o leão sueco. Em outras palavras,
as visões de Melisch têm origens literárias e visuais, e o mesmo se aplica aos outros
visionários mencionados acima. O que se poderia chamar de "iconografia" de
visões merece outros estudos.28
Talvez pareça natural concluir que as visões são todas invenções conscientes, a serem
classificadas com um gênero literário famoso, no
27 Melisch (1659), nº XV; a tradução em suas Doze visões (1663), nº 4.
28 Cf.Benz(1969),311-410.
59
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
qual Suefios, de Francisco de Quevedo, e Somnium, de johan Kepler, se incluem como
exemplos célebres do século XVII. Em defesa dessa conclusão, há o fato de que
as visões, quando lidas uma após a outra, não dão a impressão de sonhos. São coerentes
demais. Não ficam mudando o tempo todo de tema ou cena como fazem muitas vezes
os sonhos, e seu significado político ou religioso é consistente e claro. Transmitem a
sensação de alegorias, e algumas chegam a usar o expediente literário do sonhador
pedindo a alguém que explique o significado da visão, e tendo tudo explicado.
Implícita nesse argumento, contudo, existe uma dicotomia aberta à crítica. A suposição
é de que um determinado texto deve ser ou uma transcrição correta
de um sonho ou uma efusão literária acomodada em forma de sonho. No entanto, a
descoberta do sonho padrão da cultura indica que essa dicotomia é falsa. Certamente
Melisch e os outros visionários estudaram com cuidado a Revelação, e ela significa muito
para eles. O calvinista francês Moíse Amyraut usou os estudos deles contra
eles mesmos, afirmando que as imagens das profecias bíblicas se achavam "pintadas em
suas mentes" (peintes dans Pesprit), convencendo-os de que haviam tido visões
verdadeiras, quando não as tiveram.29 O comentário é perspicaz, mas só se pode justificar
uma aguda distinção entre uma visão "verdadeira" e uma falsa em bases teológicas.
É provável que a leitura do Apocalipse de são João provoque sonhos apocalípticos em
algumas pessoas. Ralph Josselin e Emmanuel Swedenborg registraram sonhos
desse tipo em seus diários. josselin, por exemplo, sonhou com uma nuvem negra em forma
de veado, com um homem cavalgando-o. Sua mulher sonhou com luzes resplandecendo
no céu, "Chamas que excediam o terrível", e "três fumaças como pilares projetadas para
fora da terra". Ao acordar, pensou na Revelação 19: 3.30 De maneira semelhante.
Swedenborg certa vez so29 Arnyraut (1665).
30 josselin (1976).
60
A HISTÓRIA CULTURAL DOS SONHOS
nhou que atirava uma espada na mandíbula de um animal enorme, e relatou que "pensara
durante o dia na mulher e no dragão no Apocalipse".31 UM freudiano, sem a menor
dúvida, interpretaria o sonho de Swedenborg de modo muito diferente, e bem poderia estar
certo, mas isso não deve nos impedir de ver o componente cultural do sonho.
Como os Hopi e os Ojibwa, Swedenborg sonhava com um dos mitos essenciais de sua
cultura.
Essas analogias sugerem o que não pode, é claro, ser verificado ou falsificado, que as
"revelações" de Melisch e as outras foram experiências oníricas, estimuladas
por fontes literárias, interpretadas em termos de modos literários e por fim elaboradas e
tornadas mais coerentes para publicação. Traçar um paralelo com algumas
autobiografias do século XVII - por exemplo, Grace Abounding, de Bunyan pode ser
esclarecedor. já se mostrou que nessa obra há fontes literárias - são Paulo, por
exemplo - e segue um padrão de desenvolvimento do estado pecaminoso à conversão, que
pode ser encontrado em muitas autobiografias espirituais do período. Portanto,
seria insensato aceitá-la como uma história inteiramente correta da vida de Bunyan.
Contudo, seria do mesmo modo insensato menosprezar o texto como nada além de
ficção. O mais provável é que seja uma história de experiências genuínas percebidas e
ordenadas em termos de esquemas ou estereótipos culturais (cf. p. 77).32
Uma abordagem semelhante talvez nos ajude a entender uma famosa série de visões
menos ortodoxas, visões do "sabá das bruxas". Como se conhece bem, em muitos
julgamentos no início da Europa moderna as acusadas confessavam ir voando para danças e
banquetes noturnos, presididos pelo diabo. A interpretação dessas confissões
era e continua sendo controversa.33 Escritores de tratados sobre bruxaria discutiam com
eruditos detalhes se as famosas bruxas iam a seus sa31 Swedenborg (1744).
32 TindaU (1934).
33 Ginzburg (1990); Muchembled (1990).
61
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
bás "em corpo" ou "em espírito". Uma das sugestões era que as bruxas sonhavam ter ido. O
problema dessa sugestão, como observou o médico italiano Girolamo Cardano,
era a dedução de que diferentes pessoas tinham o mesmo sonho, o que parecia contrário à
experiência.34 Os antropólogos responderam à objeção de Cardano. O sonho
com o sabá, se for um sonho, não é mais estereotipado que o sonho da puberdade dos
Ojibwa. Se o notório ungüento que se acreditava que as bruxas usassem continha
narcóticos, como se sugeriu mais de uma vez, isso explicaria como as chamadas bruxas
sonhavam que estavam voando.35
Com certeza, é inteiramente possível, e mesmo provável, que as acusadas elaborassem
seus sonhos durante o interrogatório, ou os interpretassem da maneira
como queriam os inquisidores. É menos provável que inventassem toda a história do sabá
para satisfazê-los, porque, em alguns casos pelo menos, a história contrariava
as expectativas dos inquisidores. Os exemplos mais célebres de confissões que
desconcertaram os inquisidores são as discutidas no famoso estudo de Carlo Ginzburg
dos chamados "bons andantes" ou benandante, de Friuli.36 Quando interrogaram Piero
Gasparutto por suspeita de bruxaria em Cividale, Friuli, em 1580, ele caiu na
gargalhada. Como poderia ser um bruxo? Era, como explicou, um benandante, e isso queria
dizer que combatia bruxas. Ele e outros saíam determinadas noites do ano
para combatê-las, armados de varas de funcho, enquanto suas inimigas, as bruxas, portavam
varas de sorgo. "Se fôssemos vitoriosos" declarou outro benandante, "aquele
ano era de abundância, mas, se perdêssemos, haveria fome."
Essas batalhas noturnas imaginadas eram mais que um costume local. O próprio
Ginzburg traçou um paralelo com o fenômeno do bom lobisomem no século XVII,
Livonia, e um historiador húngaro
34 Cardano (1557).
35 Clark (1921); cf. Castaneda (1968), 43ff.
36 Ginzburg (1966).
62
A HISTóRIA CULTURAL DOS SONHOS
comparou o benandante com o táltos, ou xamã, húngaro.37 A referência a xamãs sugere
comparações com grande parte da Ásia e das Américas. Na África Oriental, também,
existe um paralelo com os benandanti. Entre os Nyakyusa de Tanganica (como era então),
em 1951, "acreditava-se que em toda aldeia havia defensores [abamanga] que
vêem bruxos em sonhos e os combatem e afugentam".38
O livro de Ginzburg atraiu muita atenção como uma contribuição aos estudos de
bruxaria. Contudo, também merece atenção como contribuição ao estudo dos sonhos
e visões. Na verdade, deve-se examinar a própria história da bruxaria, como se tem feito
nos últimos anos, da perspectiva da história da imaginação coletiva. As
atividades dos benandanti oferecem excelentes exemplos de sonhos culturalmente
estereotipados. É nesse contexto que devemos examinar duas afirmações feitas pelos
benandanti durante a explicação de suas atividades aos inquisidores. A primeira é que saíam
não em corpo, mas "em espírito", para que
se por acaso, enquanto estivéssemos fora, alguém chegasse com uma tocha e olhasse
durante um longo tempo o nosso corpo, o espírito jamais reentraria enquanto não
houvesse mais ninguém por perto para vê-lo naquela noite; e se o corpo, parecendo estar
morto, fosse enterrado, o espírito teria de vagar por todo o mundo até a
hora fixada para aquele corpo morrer.39
A segunda afirmação é a da sugestionabilidade dos novos recrutas, que testemunharam que
eram "convocados" para as batalhas noturnas e não tinham outra escolha senão
ir. Bastiano Menos, por exemplo, declarou que uma noite um certo Michele "me chamou
pelo nome e disse: 'Bastiano, você precisa ir comigo'", e ele foi.40 O para37 KIaniczay (1984).
38 Wilson (1951).
39 Ginzburg (1966), cap. 1, seção 11.
40 Ginzburg (1966), cap. 4, seção 13.
63
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
lelo com as sugestões mais indiretas feitas aos meninos Ojibwa que suportavam o jejum de
sonho, discutido acima, é bastante claro.
Este ensaio enfatizou analogias entre sonhos do século XVII e os de algumas
sociedades tribais. Entre os Ojibwa e os Hopi, como no início da Europa moderna,
os sonhos, como os mitos, muitas vezes se relacionavam, e os sonhadores faziam contato,
com seres sobrenaturais. Nos sonhos americanos do século XX, em contraposição,
os elementos sobrenaturais estão quase inteiramente ausentes. Em seu estudo dos sonhos de
puberdade dos Ojibwa, o antropólogo Paul Radin observou que, enquanto a
tradição cultural permanecia forte, os sonhos se relacionavam com os mitos. Quando a
cultura tradicional se desintegrou, por volta de 1900, os sonhos dos Ojibwa
passaram a ter um tema mais pesSoal.41 O mesmo processo de transição de símbolos
públicos para privados parece ter ocorrido no Ocidente, entre o século XVII e o
presente, como mostram não apenas os sonhos mas também a mudança dos temas em peças
e histórias.
No nível do conteúdo manifesto, portanto, parece possível uma interpretação cultural
dos sonhos. No nível mais interessante do conteúdo latente, é, com certeza,
mais difícil dar uma resposta segura. Uma hipótese atraente, impossível de verificar, é que
no início do período moderno a repressão se preocupava mais com as tentações
políticas e religiosas e menos com as sexuais, diferente do que acontece hoje. Não se quer
dizer com isso que o sexo não era importante no período, nem que não era
importante nos sonhos de então. Problemas sexuais estão explícitos em dois sonhos de
Ashmole (querendo fazer amor com duas senhoras e sendo frustrado). Laud sonhou
que o duque de Buckingham se metia em sua cama. Aos outros sonhos aqui discutidos por
seu conteúdo manifesto é possível dar interpretações sexuais, como o de Swedenborg
citado anteriormente.
Contudo, muitos outros sonhos se referem a problemas políticos, como a atração que
alguns protestantes sentiam pelo catolicismo. A
41 Radin (1936).
64
A HISTóRIA CULTURAL DOS SONHOS
alta proporção de temas públicos, sejam religiosos ou políticos, nos sonhos aqui
examinados deve fornecer aos historiadores assunto em que pensar. Parece plausível
sugerir que os ingleses do século XVII, pelo menos, eram mais ansiosos sobre questões
públicas do que indicam os americanos do século XX. Werner jaeger, estudioso
alemão dos clássicos, comentou certa vez a "consciência pública" dos gregos antigoS.42
Sua observação parece também válida para a Inglaterra do século XVII.
42 Jaeger (1933).
65
3
67
História como memória social
A visão tradicional da relação entre a história e a memória é relativamente simples. A
função do historiador é ser o guardião da memória dos acontecimentos públicos
quando escritos para proveito dos atores, para proporcionar-lhes fama, e também em
proveito da posteridade, para aprender com o exemplo deles. A história, como escreveu
Cícero em um trecho que se tem citado desde então (De oratore, ii. 36), é a "vida da
memória" (vita memóriae). Historiadores tão diversos quanto Heródoto, Froissart
e Lorde Clarendon afirmaram que escreviam para manter viva a memória de grandes feitos
e grandes fatos.
Dois historiadores bizantinos, em particular, se estenderam por completo sobre a
questão em seus prólogos, utilizando as tradicionais metáforas da época,
como o rio, e as ações como textos que podem ser obliterados. A princesa Anna Comnena
descreveu a história como um "baluarte" contra a "corrente do tempo", que tudo
transporta para as "profundezas do esquecimento" e Procópio declarou que escreveu sua
história das guerras góticas, persas e outras "com a finalidade de que o longo
curso do tempo não sobrepuje os feitos de importância singular por falta de registro, e
assim os abandone ao esquecimento e se esqueça inteiramente deles". Também
se pode ver a idéia de ações como textos no livro de memórias empregado por Dante e
Shakespeare, que escreveu: "manchar seu nome de livros de memória" (Henrique
VI, Parte 2, Ato 1, Cena 1).
Essa explicação tradicional da relação entre a memória e a história escrita, na qual a
memória reflete o que aconteceu na verdade e a
69
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
história reflete a memória,
parece hoje demasiado simples. Tanto a história quanto a memória passaram a revelar-se
cada vez mais problemáticas. Lembrar o passado e escrever sobre
ele não mais parecem as atividades inocentes que outrora se julgava que fossem. Nem as
memórias nem as histórias parecem mais ser objetivas. Nos dois casos, os historiadores
aprendem a levar em conta a seleção consciente ou inconsciente, a interpretação e a
distorção. Nos dois casos, passam a ver o processo de seleção, interpretação
e distorção como condicionado, ou pelo menos influenciado, por grupos sociais. Não é obra
de indivíduos isolados.
O primeiro pesquisador sério da "estrutura social da memória", como a chamou, foi, é
claro, o sociólogo ou antropólogo francês Maurice Halbwachs, na década
de 1920.1 Halbwachs afirmou que as memórias são construídas por grupos sociais. São os
indivíduos que lembram, no sentido literal, físico, mas são os grupos sociais
que determinam o que é "memorável", e também como será lembrado. Os indivíduos se
identificam com os acontecimentos públicos de importância para seu grupo. "Lembram"
muito o que não viveram diretamente. Um artigo de noticiário, por exemplo, às vezes se
torna parte da vida de uma pessoa. Daí, pode-se descrever a memória como uma
reconstrução do passado.
Como fiel discípulo de Émile Durkheim, Halbwachs assentou seus argumentos sobre a
sociologia da memória de uma forma sólida, embora não extrema. Ele não
afirma (como certa vez o acusou o psicólogo Frederick Bartlett) que os grupos sociais
recordam da mesma maneira literal que os indivíduos.2 Uma semelhante compreensão
errônea da posição de Durkheim foi mostrada pelos historiadores britânicos que dizem que
as "mentalidades coletivas" estudadas por seus colegas franceses estão mais
fora dos indivíduos do que são partilhadas por eles.
1 Halbwachs (1925); cf. Halbwachs (1941, 1950); Lowenthal (1985), 192ff. Hutton (1993),
73-90.
2 Bartlett (1932), 269ff.; Douglas (1980), 268.
70
HISTóRIA COMO MEMóRIA SOCIAL
Contudo, Halbwachs foi mais vulnerável às críticas mais precisas do grande
historiador francês Marc Bloch. Foi Bloch que salientou o perigo de tomar emprestado
termos da psicologia individual e apenas acrescentar o adjetivo "coletivo" (como nos casos
de représentations collectives, mentalitis collectives, conscience collective,
além de mémoire collective).3 Apesar dessa crítica, Bloch se prontificou a adotar
a expressão mémoire collective e a analisar costumes camponeses nesses termos
interdisciplinares, notando, por exemplo, a importância
dos avós na transmissão de tradições (um historiador posterior da escola dos Annales
criticou essa lei dos avós", no século XVII, porque os avos raras vezes sobreviviam
tempo suficiente para ensinar os
netos, mas ele não lança dúvida sobre a importância da transmissão social da tradição).4
Halbwachs fez uma incisiva distinção entre a memória coletiva,
que era uma construção social, e a história escrita, por ele considerada - à maneira
tradicional - objetiva. Contudo, muitos estudos recentes
da literatura histórica a tratam de modo semelhante ao que Halbwachs tratou a memória,
como produto de grupos sociais, como
os senadores romanos, os mandarins chineses, os monges beneditinos, os professores
universitários, e assim por diante. Tornou-se lugarcomum salientar que, em diferentes
lugares e épocas, os historiadores
consideraram os diferentes aspectos do passado como memoráveis (batalhas, política,
religião, economia e outros) e que apresentaram o passado de maneiras muito diferentes,
concentrando-se em fatos ou
estruturas, em grandes homens ou pessoas comuns, segundo o ponto de vista de seu grupo.
Foi por partilhar essa visão de história da história que Intitulei este capítulo de
"História como memória social". E escolhi o termo "memória social", estabelecido
na última década, como uma forma útil e simplificada que resume o complexo processo de
seleção e inter3 Bloch (1925); cf. Connerton (1989), 38.
4 Goubert (1982), 77.
71
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
pretação em uma fórmula simples, e enfatiza a homologia entre os meios pelos quais se
registra e se recorda o passado.5
A expressão suscita problemas que precisam
ser tratados de início. As analogias entre o pensamento individual e o de grupo são tão
ilusórias quanto fascinantes. Se usarmos termos como "memória social", nos
arriscaremos a tratar os conceitos, uma abstração, como tendo uma existência concreta,
material. Por outro lado, se nos recusarmos a usar esses termos, há o perigo
de não percebermos as diferentes maneiras pelas quais as idéias dos indivíduos são
influenciadas pelos grupos a que eles pertencem.
Outro problema sério é levantado pelo relativismo histórico implícito nesse
empreendimento. Não se trata de uma versão do passado ser melhor (confiável,
plausível, perspicaz e assim por diante) do que qualquer outra. Alguns pesquisadores
podem às vezes se revelar mais bem informados e imparciais do que outros. A
questão é que todos nós só temos acesso ao passado (como ao presente) via categorias e
esquemas - ou, como diria Durkheim, as "representações coletivas" - de nossa
própria cultura.
Os historiadores se interessam, ou de qualquer modo precisam se interessar, pela
memória a partir de dois pontos de vista. Em primeiro lugar, têm de estudar
a memória como uma fonte histórica, elaborar uma crítica da confiabilidade da
reminiscência no teor da crítica tradicional de documentos históricos. Esse empreendimento
já se acha de fato em movimento desde a década de 1960, quando historiadores do século
XX passaram a compreender a importância da "história oral".6 Mesmo os que
trabalham com períodos anteriores têm alguma coisa a aprender com o movimento da
história oral, pois precisam estar conscientes dos testemunhos e tradições orais
embutidos em muitos registros históricos.7
5 Connerton (1989); Fentress e Wickham (1992).
6 Thompson (1978).
7 Davis (1987).
72
HISTóRIA COMO MEMóRIA SOCIAL
Em segundo lugar, os historiadores se interessam pela memória como um fenômeno
histórico, pelo que se poderia chamar de história social do lembrar. Considerando-se
o fato de que a memória social, como a individual, é seletiva, precisamos identificar os
princípios de seleção e observar como eles variam de lugar para lugar, ou
de um grupo para outro, e como mudam com o passar do tempo. As memórias são
maleáveis, e é necessário compreender como são concretizadas, e por quem, assim como
os limites dessa maleabilidade.
Trata-se de tópicos que por algum motivo só atraíram a atenção de historiadores em
fins da década de 1970. Desde então, multiplicaram-se os livros, artigos
e conferências sobre eles, incluindo o levantamento, em múltiplos volumes, dos "domínios
da memória" editados por Pierre Nora, desenvolvendo as percepções de Halbwachs
na relação entre a memória e sua estrutura espacial, e oferecendo uma pesquisa da história
francesa desse ponto de vista.8
A história social do lembrar é uma tentativa de responder a três perguntas principais.
Quais os modos de transmissão de memórias públicas, e como esses modos
mudaram ao longo do tempo? De modo inverso, quais os usos do esquecimento? Estas
amplas questões serão examinadas aqui apenas do ponto de vista relativamente estreito
de um historiador do início da Europa moderna.
TRANSMISSÃO DA MEMóRIA SOCIAL
As memórias são influenciadas pela organização social de transmíssão e os diferentes
meios de comunicação empregados. Examinemos por um momento a simples variedade
desses meios, particularmente cinco.
8 Nora (1984-92); cf. Le Goff (1988); Hutton (1993), em particular 1-26; Samuel
(1994).
73
VARiEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
1) As tradições orais, discutidas do ponto de vista do historiador, em um famoso estudo de
Jan Vansina. As transformações desse estudo, entre sua publicação original
em francês em 1961 e a versão inglesa de 1985, muito revisada, empregam úteis
indicadores das mudanças ocorridas na disciplina da história, na última geração, em
particular o declínio da esperança de estabelecer os "fatos" objetivos e o surgimento do
interesse por aspectos simbólicos da narrativa.9
2) A tradicional esfera de ação do historiador, as memórias e outros "relatos" escritos (outro
termo relacionado a lembrar, ricordare em italiano). Precisamos, é
claro, nos lembrar de que esses relatos não são atos inocentes da memória, mas antes
tentativas de convencer, formar a memória de outrem. Também precisamos ter em
mente, como nem sempre fizeram os historiadores, o aviso de uma crítica literária
perspicaz: "Quando lemos narrativas de memórias, é fácil esquecer que não lemos
a própria memória, mas suas transformações através da escrita." 10 Contudo, pode-se fazer
semelhante observação sobre a tradição oral, que tem suas próprias formas
de estilização. Daí a dificuldade de justificar um contraste agudo, como o de Pierre Nora,
entre a "memória" espontânea de sociedades tradicionais e a "representação"
constrangida das modernas.11
3) As imagens, sejam pictóricas ou fotográficas, paradas ou em movimento. Os praticantes
da chamada "arte da memória", da Antiguidade clássica ao Renascimento, enfatizavam
o valor de associar o que se quisesse a imagens imponentes.12 Trata-se de imagens
imateriais, na verdade "imaginárias". Contudo, as
9 Vansina (1961).
10 Owen (1986), 114; cf. Fussell (1975).
11 Nora (1984-92), vol. 1, xvii-xIii.
12 Yates (1966); cf. Bartlett (1932), cap. 11.
74
HISTóRIA COMO MEMORIA SOCIAL
materiais há muito têm sido construídas para ajudar a retenção e transmissão de memórias "memóriais" como lápides, estátuas, medalhas e "suvenires" de vários tipos.
Historiadores dos séculos XIX e XX, em particular, vêm dedicando um interesse cada vez
maior aos monumentos públicos nos últimos anos, precisamente porque esses
monumentos ao mesmo tempo expressavam e formavam a memória nacional.13
4) As ações transmitem memórias ao transmitir aptidões, do mestre ao aprendiz, por
exemplo. Muitas delas não deixam traços para os historiadores posteriores estudarem,
mas muitas vezes se registram pelo menos as ações rituais de "comemoração": Dia do
Armistício na Grã-Bretanha, Memorial Day (dia em memória dos soldados mortos
na guerra) nos EUA, 14 de julho na França, 12 de julho na Irlanda do Norte, 7 de Setembro
no Brasil, e assim por diante. 14 Esses rituais são reencenações do passado,
atos de memória, mas também tentativas de impor interpretações do passado, formar a
memória, e assim construir a identidade social. São, em todos os sentidos, representações
coletivas.
5)
Uma das mais interessantes observações no estudo de Halbwachs sobre a estrutura
social da memória se referia à importância de um quinto meio de comunicação
na transmissão de memórias: o espaço.15 Ele tornou explícito um ponto implícito na arte da
memória clássica e renascentista, o valor de "pôr" imagens que desejamos
lembrar em locais imaginários impressionantes, como palácios ou teatros memoráveis,
explorando assim a associação de idéias. Um grupo de missionários católicos no
Brasil, os padres salesianos, parecia conhecer as ligações entre espaços e memórias. Uma
de suas estraté13 Nipperdey (1981); Ozouf (1984).
14 Warner (1959); Arnalvi (1984); Larsen (1982).
15 Hutton (1993), 75-84.
75
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
gias para a conversão dos índios bororos, como nos lembrou Claude Lévi-Strauss, foi
transferi-los de suas aldeias tradicionais, onde as ocas eram dispostas em círculo,
para outras, em que as casas eram dispostas em fileiras, limpando dessa maneira a lousa dos
índios e preparando-os para receber a mensagem cristã.16 Poderíamos nos
perguntar se o movimento de cercamento dos campos europeus não teve efeitos
semelhantes (embora não intencionais), abrindo terreno para a industrialização, sobretudo
na Suécia, onde o decreto de cercamento de 1803 foi seguido da destruição das aldeias
tradicionais e a dispersão de seus habitantes.17
Mas, em determinadas circunstâncias, um grupo social e parte de suas memórias às
vezes resistem à destruição de sua casa. Um exemplo extremo de desarraigamento
e transplantação é o caso dos escravos negros transportados para o Novo Mundo. Apesar
desse desarraigamento, eles conseguiram agarrar-se a parte de sua cultura,
a parte de suas memórias, e reconstruí-las no solo americano. Segundo o sociólogo francês
Roger Bastide, os rituais afro-americanos do candomblé, cuja prática ainda
é muito generalizada no Brasil, envolvem uma reconstrução do espaço africano, uma
espécie de compensação psicológica pela perda da pátria. Bastide usa deste modo
a prova das práticas religiosas afro-americanas para criticar e aprimorar as idéias de
Halbwachs. A perda de raízes locais era compensada, de certa maneira pelo
menos, por uma consciência africana mais geral.18
Do ponto de vista da transmissão de memórias, cada veículo tem suas próprias forças e
fraquezas. Gostaria de enfatizar mais um elemento comum a vários meios
de comunicação, que tem sido analisado por pesquisadores tão diferentes como o psicólogo
social Aby Warburg, o
16 Lévi-Strauss (1955), 220-1.
17 Pred (1986).
18 Bastide (1970).
76
HiSTóRIA COMO MEMóRIA SOCIAL
historiador da arte Ernst Gombrich e o eslavo Albert Lord, que estudou poesia oral na
Bósnia.19 Este aspecto comum é o "esquema". O esquema se associa à tendência
a representar - e às vezes a lembrar - um determinado fato ou pessoa em termos de outro.
Os esquemas desse tipo não se limitam às tradições orais, como talvez sugira a cadeia
de exemplos escritos a seguir. Em seu excelente estudo da Grande guerra
e memória moderna, o crítico americano Paul Fussell observou o que ele chama de
"dominação da Segunda Guerra pela Primeira" não apenas no nível dos generais, que
sempre se supõe tenham combatido na guerra anterior, mas também no nível dos
participantes comuns.20 Por sua vez, a Primeira Guerra Mundial foi examinada em termos
de esquemas, e Fussell nota a recorrência da imagistica de Pilgrims Progress, de Bunyan,
em especial o Lamaçal do Desânimo e o Vale da Sombra da Morte, em descrições
da vida nas trincheiras em memórias e diáriOS.21 Remontando a um pouco antes, a própria
literatura de Bunyan - incluindo sua autobiografia, Grace Abounding - também
utiliza esquemas (cf. p. 202). Por exemplo, a história de sua conversão é claramente
inspirada, de modo consciente ou inconsciente - é difícil de dizer qual dos
dois -, na conversão de são Pauto segundo a descrição nos Atos dos Apóstolos.22
No início da Europa moderna, muitas pessoas liam com tanta freqüência a Bíblia que o
livro se tornara parte delas e as histórias que liam organizavam suas
percepções, memórias e mesmo seus sonhos (Capítulo 2). Não seria difícil citar muitos
exemplos desse processo. Por exemplo, a comunidade protestante francesa via
as guerras religiosas do século XVI pelos óculos bíblicos, entre elas o Massacre dos
Inocentes. Nos séculos XIX e XX, eles "lembravam" as casas dos protestantes
como marcadas pela chacina dos católicos na época do Massacre de
19 Bartlett (1932), 204ff., Warburg (1932); Gombrich (1960b); Lord (1960).
20 Fussell (1975), 317ff.
21 Fussell (1975), 137ff.
22 Tindall (1934), 22ff.
77
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
São Bartolomeu, em 1572.23 Remontando ainda mais no passado, Johan Kessler foi um
pastor protestante suíço da primeira geração. Em suas memórias, conta a história
de como, segundo suas palavras, "Martinho Lutero me encontrou na estrada para
Wittenberg". Quando estudante, ele passou a noite junto com um companheiro na
estalagem
Urso Negro, em Jeria, onde dividiram uma mesa com um homem que, embora vestido
como cavaleiro, lia um livro, e que acabou revelando ser um saltério hebreu - e estava
ansioso por conversar sobre teologia. "Perguntamos: 'Senhor, pode nos dizer se o Dr.
Martinho Lutero está em Wittenberg neste momento, ou em que outro lugar ele
pode estar?' Ele respondeu: 'Sei, com toda a certeza, que ele não está em Wittenberg neste
momento'... 'Meus rapazes', ele perguntou, 'que pensam as pessoas na Suíça
sobre esse Lutero?'" Os estudantes continuaram não entendendo a questão até o dono da
estalagem fazer uma insinuação.24 Minha própria sugestão, contudo, é que, consciente
ou inconscientemente, Kessler estruturou sua história em um protótipo bíblico, neste caso
dos discípulos que encontraram Cristo em Emaús.
Pode-se estender a cadeia de exemplos a um passado ainda mais remoto, pois a própria
Bíblia está repleta de esquemas, e alguns dos acontecimentos nela narrados
são apresentados como reencenações de acontecimentos anteriores.25 Mas os exemplos já
dados talvez sejam suficientes para indicar alguns aspectos do processo pelo
qual o passado lembrado se transforma em mito. Devemos enfatizar que aqui se emprega o
escorregadio termo "mito" não no sentido positivista de "história imprecisa"
mas no sentido mais rico, positivo, de uma história com um significado simbólico que
envolve personagens em tamanho maior que o natural, sejam elas heróis ou vilõeS.26
Essas histórias são em geral criadas a partir de uma seqüência de incidentes estereotipados,
às vezes conhecidos como "temas".27
23 Joutard (1976).
24 Kessler (1540), 23ff.
25 Trompf (1979).
26 Burke (1996).
27 Lord (1960).
78
HISTóRIA COMO MEMóRIA SOCIAL
Há uma pergunta óbvia para um historiador fazer neste ponto. Por que os mitos se
vinculam a alguns indivíduos (vivos ou mortos) e não a outros? Apenas poucos
governantes europeus se tornaram heróis na memória popular, ou pelo menos continuaram
sendo heróis por um longo período: Henrique IV, na França, por exemplo, Frederico,
o Grande, na Prússia, Sebastião em Portugal, Guilherme III na Grã-Bretanha (sobretudo na
Irlanda do Norte) e Matias Corvino na Hungria, de quem se dizia: "Matias
morreu, a justiça pereceu." Mais uma vez, não é todo homem ou mulher que se torna santo,
oficial ou não. O que determina seu sucesso?
A existência de esquemas não explica por que estes passaram a vincular-se a
determinados indivíduos, por que algumas pessoas são mais, digamos assim, "mitogênicas"
que outras. Sequer é adequada a resposta de historiadores literais quando descrevem as
verdadeiras realizações dos governantes bem-sucedidos ou santos, por mais
consideraveis que sejam, pois o mito muitas vezes lhes atribui qualidades das quais não
existem quaisquer provas de que sequer as possuíram.28 Dificilmente se pode
explicar a transformação do frio e sem graça Guilherme III no popular ídolo protestante "rei
Billy" em termos apenas de sua personalidade.
Em minha opinião, o elemento central na explicação dessa mitogênese é a percepção
(consciente ou inconsciente) de "enquadramento", em algum aspecto ou aspectos,
de determinado indivíduo em um estereótipo vigente de herói ou vilão - governante, santo,
bandido, feiticeiro, ou seja lá o que for. Esse "enquadramento" impressiona
a imaginação das pessoas, e começam a circular histórias sobre o determinado indivíduo,
oralmente, a princípio. Ao longo dessa circulação oral, entram em atividade
os mecanismos comuns de distorção estudados por psicólogos sociais, como "nivelamento"
e "aguçamento".29 De modo mais especulativo, poder-se-ia sugerir que também
se
28 Burke (1982, 19 84).
29 Allport e Postman (1945).
79
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
devem encontrar processos como condensação e deslocamento, descritos por Freud em seu
Interpretação de sonhos, nos sonhos ou quase sonhos coletivos. Esses processos
ajudam a assimilação da vida do indivíduo em particular por um determinado estereótipo,
segundo o repertório presente na memória social em determinada cultura.30
Ocorre um processo do que se poderia chamar de "cristalização", em que as histórias de
livre flutuação são vinculadas ao novo herói.
Assim, bandidos (Jesse James, por exemplo) se transformam em Robin Hoods,
roubando os ricos para dar aos pobres. Vêem-se governantes (Harun al-Rachid, Henrique
IV da França, Henrique V da Inglaterra e outros) percorrendo disfarçados seus reinos para
conhecer a condição dos súditos. Pode-se lembrar a vida de um santo moderno
como uma reencenação da vida de um anterior: são Carlo Borromeo era visto como um
segundo Ambrósio e santa Rosa de Lima como uma segunda Catarina de Siena. De maneira
semelhante, considerava-se o imperador Carlos V um segundo Carlos Magno (o nome
ajudava no processo), Guilherme HI da Grã-Bretanha como um segundo Guilherme, o
Conquistador,
e Frederico, o Grande, como um novo "imperador Frederico".
As explicações do processo da feitura de herói em termos da mídia são, é claro,
insuficientes em si mesmos. É igualmente necessário levar em conta as funções
ou usos da memória social.
USOS DA MEMóRIA SOCIAL
Quais as funções da memória social? É difícil chegar a arrematar uma questão tão ampla
como essa. Um advogado bem poderia discutir a importância do costume e precedente,
a justificação sobre a legitima30Freud(1899);cf.Allport e Postman(1945).
80
HISTóRIA COMO MEMóRIA SOCIAL
ção de ações no presente com referência ao passado, o lugar das memórias de testemunhos
em julgamentos, o conceito de "tempo imemórial", em outras palavras, tempo
"de que a memória do homem ( ... ) não corra para o sentido inverso", e a mudança de
atitude para o indício da memória resultante na disseminação dos registros literários
e escritos. Na verdade, o costume foi discutido no artigo de Bloch sobre memória coletiva,
citado acima, e alguns medievalistas se dedicaram a levar adiante essas
questões.31
Os exemplos de governantes como heróis populares discutidos acima também ilustram
os usos das memórias coletivas. Nas histórias, os desastres acompanham
a morte ou desaparecimento do herói. Contudo, há uma circunstância para inverter isso e
afirmar que um governante cujo reino é seguido de desastres - da invasão
estrangeira ao exorbitante aumento de impostos - é um candidato com boas chances de
transformar-se em herói, pois as pessoas lembrarão o passado com nostalgia dos
bons tempos sob seu governo.
Por exemplo, a invasão otomana da Hungria, em 1526, uma geração após a morte de
Matias, e a conquista espanhola de Portugal, logo depois da morte de Sebastião,
foram boas para a reputação póstuma destes dois reis. De maneira semelhante, Henrique IV
talvez tenha parecido um herói para o povo francês, não apenas porque sucedeu
à desordem das guerras religiosas, mas também porque o reino de seu filho e sucessor Luís
XIII foi assinalado por um acentuado aumento de impostos. O apelo a memórias
desse tipo é um dos principais recursos ideológicos dos rebeldes, de qualquer modo, nas
sociedades tradicionais. Assim, os rebeldes espanhóis da década de 1920,
os comuneros, apelaram para a memória do antigo rei Ferdinando, e os normandos que se
rebelaram contra Luís XIII em 1639 manifestaram o desejo de retornar à "idade
de ouro" de Luís XII, de quem se dizia que chorava todas as vezes que tinha de tributar o
poVO.32
31 ???Gu6n&e (1976-7); Clanchy (1979); Wickham (1985).
32 Foisil (1970), 188-94; cf. Fentress e Wickham (1992), 109.
81
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
Outra maneira de abordar os usos da memória social é perguntar por que algumas
culturas parecem mais preocupadas que outras em lembrar seu Passado. É um
lugar-comum contrastar o tradicional interesse dos chineses por seu passado com a
tradicional indiferença dos indianos pelo deles. Na Europa, contrastes desse tipo
também são visíveis. Apesar da reverência pela tradição e preocupação com "a herança
nacional" a memória social dos ingleses é relativamente curta. A mesma afirmação
foi feita sobre os americanos, em particular por um perspicaz observador francês, Alexis de
Tocqueville.33
Por outro lado, os irlandeses e poloneses têm memórias sociais relativamente longas.
Na Irlanda do Norte, é possível ver retratos de Guilherme III a cavalo,
desenhados com giz em muros, com a inscrição: "Lembrem 1690".34 No sul da Irlanda,
pessoas ainda se ressentem do que os ingleses lhes fizeram na época de Cromwell
como se houvesse acontecido ontem.35 Como afirmou certa vez o bispo americano Fulton
Sheen: "Os ingleses jamais se lembram disso: os irlandeses jamais se esquecem."36
Na Polônia, o filme Cinzas e diamantes (1965), de Andrzej Wajda, traduzindo em termos
cinéticos um romance clássico de 1904 sobre a Legião Polonesa no exército de
Napoleão, provocou controvérsia nacional em relação ao que Wajda apresentou como
heroísmo fútil.37 Por outro lado, na Inglaterra, quase na mesma época, A carga da
brigada ligeira (1968), de Tony Richardson, era visto como pouco mais que um filme de
época. Os ingleses preferem esquecer. Sofrem, ou se regozijam, do que se chamou
de "amnésia estrutural".38 Como amnésia estrutural é o oposto complementar ao conceito
de "memória social", daqui em diante vou me referir a este termo como "amnésia
social".
33 Schudson (1992), 60.
34 Cf. Larsen (1982), 280.
35 Macdonagh (1983), cap. 1 .
36 Citou Levinson (1972), 129; cf. Buckley (1989).
37 Michalek (1973), cap. 11.
38 Barnes (1947), 52; Watt e Goody (1962-3).
82
HISTóRIA COMO MEMóRIA SOCIAL
Por que esse agudo contraste de atitudes para com o passado em diferentes culturas?
Diz-se muitas vezes que a história é escrita pelos vencedores. Eles podem
dar-se o luxo de esquecer, enquanto os perdedores não conseguem aceitar o que aconteceu e
são condenados a remoê-lo, revívê-lo, refletir sobre como poderia ter sido
diferente. Outra explicação para isso poderia ser em termos de raízes culturais. Quando se
têm essas raízes, pode-se considerá-las como certas, mas quem não as tem
sente necessidade de procurá-las. Os irlandeses e os poloneses foram desarraigados, seus
países divididos. Não surpreende que pareçam obcecados pelo passado. Voltamos
ao tema favorito de Halbwachs, a relação entre lugar e memória.
Os irlandeses e os poloneses oferecem, em particular, exemplos claros do uso do
passado, da memória social e dos mitos para definir a identidade. A finalidade
de lembrar 1690 (de uma maneira especial), reencenar o 12 de julho, explodir a Coluna de
Nelson em Dublin como fez o IRA em 1966 - ou reconstruir o antigo centro
de Varsóvia, depois de destruída por bombardeios dos alemães - como fizeram os poloneses
após 1945 -, a finalidade de tudo isso é, sem dúvida, dizer quem somos "nós",
e diferenciar o "nós" do eles. Poderíamos multiplicar esses exemplos. No caso da Europa, é
particularmente fácil encontrá-los no século XIX.
Eric Hobsbawm descreveu, de modo provocativo, o final do século XIX como a era da
"invenção da tradição".39 Foi sem dúvida uma época de busca de tradições
nacionais, em que se construíram monumentos nacionais e se conceberam rituais nacionais
(como o Dia da Bastilha), ao mesmo tempo que, como nunca antes ou desde então,
se dava à história um lugar mais importante nas escolas. Em essência, o objetivo disso foi
justificar ou legitimar" a existência do Estado-Nação; seja no caso de
novas nações como a Itália e a Alemanha, ou de mais antigas como a França, onde a
lealdade nacional ainda tinha de ser criada, e os camponeses se tornarem cidadãos
franceses.40
39 Hobsbawm e Ranger (1983).
40 Weber(1976),esp.336ff.
83
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
A própria sociologia de Émile Durkheim, com sua ênfase na comunidade, consenso e
coesão, traz a marca desse período. Seria insensato segui-lo, e a seu discípulo
Halbwachs, muito de perto nesse sentido, e discutir a função social da memória social como
se não existissem conflitos e dissensões. A Irlanda do Norte já se apresentou
várias vezes e a região oferece um exemplo clássico, embora longe de ser único, tanto de
memórias de conflitos quanto de conflitos de memórias. O cerco do Londonderry
("Derry") no século XVII e a batalha do rio Boyne são reencenados todos os anos pelos
protestantes que se identificam com os vitoriosos e empregam as expressões
do passado ("Não nos rendemos" por exemplo) para acontecimentos do presente.41 No sul
da Irlanda, a memória da insurreição de 1798 contra os britânicos continua
muito viva. Sobre um paralelo francês, poderíamos nos voltar para a França ocidental, em
particular Anjou, onde a memória da Vendéia, a insurreição camponesa da
década de 1790, continua viva e polêmica, a tal ponto que um historiador recente descreveu
a situação como uma "guerra pela memória".42
Em vista da multiplicidade de identidades sociais, e da coexistência de memórias
concorrentes, as memórias alternativas (memórias de família, locais, nacionais,
e assim por diante), é proveitoso pensar em termos pluralistas sobre os usos das memórias
por diferentes grupos sociais, que talvez também tenham diferentes visões
do que é importante ou "digno de memória".43 O crítico literário Stanley Fish cunhou a
expressão "comunidades interpretativas" para analisar os conflitos na interpretação
de textos. De maneira semelhante, talvez fosse útil pensar em termos de diferentes
"comunidades de memória" em uma determinada sociedade. É importante fazer a pergunta:
quem quer que quem lembre o quê e por quê? De quem é a
da ou preservada?
41 Larsen (1982); Bell (1986); Buckley (1989).
42 Martin (1987), cap. 9.
43 Wickham (1985); cf. Fentress e Wickham (1982), 87-143.
84
???versão registra-
HISTÓRIA COMO MEMóRIA SOCIAL
As disputas entre historiadores que apresentam visões concorrentes do passado às
vezes refletem conflitos sociais mais profundos. Um exemplo óbvio é o debate
comum sobre a importância da história vista de baixo, debate que remonta pelo menos ao
historiador e poeta Alexander Puchkin, que certa vez disse ao czar que queria
escrever sobre o líder camponês Pugachev. A resposta do czar foi brutal e simples: "Um
homem desses não tem história."
Memórias oficiais e não-oficiais do passado podem diferir de forma aguda, e as
memórias não-oficiais, que têm sido relativamente pouco estudadas, são às
vezes forças históricas por seus próprios méritos; o "Bom Decálogo" na Guerra Camponesa
de 1525, o "Jugo Normando" na Revolução Inglesa e outras. Sem recorrer a
memórias sociais desse tipo, seria difícil explicar a geografia da dissensão e protesto, o fato
de algumas aldeias calabresas, por exemplo, participarem de diferentes
movimentos de protesto século após século, e as vizinhas não.
Pode-se interpretar a destruição sistemática de documentos, que é uma característica
tão comum de revoltas - pensem nos camponeses ingleses em 1381, nos
camponeses alemães em 1525, nos camponeses franceses em 1789, e assim por diante como a expressão da crença em que os registros haviam falsificado a situação,
que eram preconcebidos em favor da classe governante, enquanto as pessoas comuns
lembravam o que de fato acontecera. Esses atos de destruição entram no último tema
deste capítulo, os usos do esquecimento ou amnésia social.
OS USOS DA AMNÉSIA SOCIAL
É sempre esclarecedor abordar problemas por trás, virá-los pelo avesso. Para entender os
mecanismos da memória social, talvez valha a
pena examinar a organização social do esquecer, as regras de exclusão,
supressão ou repressão e a questão de quem quer que quem esqueça o
85
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
quê e por quê. Em suma, a amnésia social. Amnésia se relaciona a "anistia", com o que se
chamava de "atos de esquecimento" a obliteração oficial de memórias em
conflito no interesse da coesão social.
A censura oficial do passado também é muito famosa, e pouca necessidade há de falar
sobre as várias revisões da Enciclopédia Soviética, com ou sem o verbete
sobre Trotski. Muitos regimes revolucionários e contra-revolucionários gostam de
simbolizar seu rompimento com o passado mudando os nomes de ruas, sobretudo quando
esses nomes se referem a datas de acontecimentos importantes. Quando visitei a Bulgária,
em meados da década de 1960, o único guia turístico que levava comigo era
um Guia Azul de 1938. Apesar dos úteis mapas de ruas que fornecia, às vezes eu me perdia,
e tinha de perguntar a transeuntes como encontrar a rua 12 de Novembro,
ou qualquer outra. Ninguém parecia surpreso, ninguém sorria, apenas me orientavam, mas,
quando eu chegava à rua 12 de Novembro, descobria que era a rua 1º de Maio,
e assim por diante. Pode-se considerar esse incidente como um lembrete da força das
memórias não-oficiais e da dificuldade de apagá-las, mesmo sob os chamados regimes
"totalitários" de nossos dias.
Na verdade, o que se poderia chamar de "síndrome da Enciclopédia Soviética" não foi
uma invenção do Partido Comunista da União Soviética. No início da Europa
moderna, também, fatos podiam se tornar não-fatos, pelo menos oficialmente. O rei Luís
XIV e seus conselheiros se preocupavam muito com o que se poderia chamar de
sua "imagem pública". Cunharam-se medalhas para comemorar os principais
acontecimentos do reino. Estas incluíam uma da destruição da cidade de Heidelberg em
1693,
completa, até com a inscrição HEIDELBERGA DELETA. Contudo, quando se compilaram
as moedas para formar uma "história metálica" do reino, esta medalha em particular
desapareceu do catálogo. Parece que Luís XIV passou a compreender que a destruição de
Heidelberg não enaltecera sua reputação, sua glória, e assim o fato foi oficialmente
suprimido, apagado do livro da memória.44
44 Burke (1992, 10-1.
86
HISTÓRIA COMO MEMÓRIA SOCIAL
A censura oficial de memórias incômodas, "esquecimento organizado" como já foi
chamada, é famosa.45 O que necessita de investigação
e sua supressão ou repressão não-oficial na Alemanha pós-nazista, na França pós-Vichy, na
Espanha pós-Franco etC.46 Este assunto suscita mais uma vez a embaraçosa
questão da analogia entre memória individual e coletiva. A famosa metáfora de Freud, do
"censor" dentro de cada indivíduo, derivou, é claro, da censura oficial do
Império Habsburgo. De maneira semelhante, um psicólogo social, Peter Berger, sugeriu que
todos nós reescrevemos nossas biografias o tempo todo, à maneira da Enciclopédia
Soviética.47 Mas entre esses dois censores, o público e o privado, há espaço para um
terceiro, coletivo, embora não oficial. Podem grupos, como indivíduos, suprimir
o que é inconveniente lembrar? Se for o caso, como fazem iSSO?48
Examinem a história a seguir, relatada pelo antropólogo Jack Goody. Dizia-se que a
origem das divisões territoriais de Gonja, no norte de Gana, foi ato do
fundador, Japka, que dividiu o reino entre seus filhos.
Quando os detalhes dessa história foram pela primeira vez registrados na virada do presente
século, na época em que os britânicos estendiam o controle sobre a área,
dizia-se que japka procriara sete filhos, correspondendo estes ao número de divisões (...)
Mas, na mesma época em que os britânicos chegaram, duas das sete divisões
haviam desaparecido (...) sessenta anos depois, quando mais uma vez se registraram os
mitos do Estado, atribuíram a Japka apenas cinco filhOS.49
Este é o exemplo clássico do passado sendo usado para legitimar o
45 Connerton (1989), 14.
46 Rousso (1987).
47 Cf. Erikson (1968), esp. 701ff.
48 Reik (1920).
49 Watt e Goody (1962-3), 310.
87
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
presente, do que o antropólogo Bronislaw Malinowski descreve como mito funcionando
como "carta" de instituições (tomando o termo "ccarta" dos historiadores da Idade
Média).
Desejo afirmar que só se deve encontrar esse ajuste do passado ao presente em
sociedades sem escrita. Na verdade, muitas vezes é fácil mostrar maiores discrepâncias
entre a imagem do passado partilhada por membros de um determinado grupo social e os
registros sobreviventes desse passado. Um mito recorrente (a ser encontrado
em muitas formas na nossa própria sociedade, hoje) é o dos "patriarcas"; a história de
Martinho Lutero fundando a Igreja protestante, de Émile Durkheim (ou Max
Weber) fundando a sociologia, e assim por diante. Em termos gerais, o que acontece no
caso desses mitos é que se eliminam as diferenças entre passado e presente,
e as conseqüências inesperadas se transformam em objetivos conscientes, como se o
principal propósito desses heróis do passado fosse originar o presente - nosso
presente.
A escrita e a imprensa não têm força suficiente para deter a disseminação desse tipo de
mitos. O que podem fazer, contudo, é preservar registros do passado
incompatíveis com os mitos, que os solapam um passado que as pessoas por um ou outro
motivo não desejam conhecer, embora talvez fosse melhor para elas se o fizessem.
Poderia, por exemplo, livrá-las da perigosa ilusão de que se pode ver o passado como uma
simples luta entre heróis e vilões, bem e mal, certo e errado. Os mitos
não devem ser desprezados, mas também não se recomenda sua leitura em termos literais.
Escrevê-los e imprimi-los, portanto, ajuda a resistência da memória à manipulação.50
Os historiadores também têm um papel a desempenhar no processo de resistência.
Heródoto os considerava guardiães da memória, a memória de feitos gloriosos.
Prefiro vê-los como guardiães dos segredos da memória social, as "anomalias", como as
denomina o histo50 Schudson (1992), 206.
88
HISTóRIA COMO MEMóRIA SOCIAL
riador da ciência Thomas Kuhn, que revelam fraquezas em teorias grandiosas e não tão
grandiosas.51 Houve outrora um funcionário chamado "Lembrete". O título na verdade
era um eufemismo para cobrador de dívidas. A tarefa oficial era lembrar às pessoas o que
elas gostariam de ter esquecido. Uma das mais importantes funções do historiador
é ser um lembrete.
51 Kuhn(1962),52-3.
89
4
A linguagem do gesto no
início da Italia moderna
91
O conhecimento dos gestos é necessário ao historiador.
BONIFACIO, VARTE DEI CENNI (1616)
Este capítulo discutirá, com referência especial à Itália, os problemas em se escrever a
história do gesto, ou melhor, integrar o gesto à história. Tratará do problema
da conceituação, distinguindo os gestos conscientes e inconscientes, ritualizados e
espontâneos, das origens (tanto visuais como literárias), das variações regionais
e sociais, e acima de tudo das mudanças com o passar do tempo, em particular a ênfase
cada vez maior na disciplina e autocontrole do corpo, recomendados em tratados
de autores tão diferentes quanto Baldassare Castiglione e Carlo Borromeo. Qual o
significado dessa nova ênfase? Que diferença isso provocou na vida cotidiana? Quem
se esperava que mostrasse esse controle, e em que situações? Que formas assumiu esta
disciplina? Que relação possível pode ela ter com o estereótipo por parte dos
viajantes estrangeiros dos italianos alucinadamente gesticuladores?
Na última geração, como se observou no Capítulo 2, o território do historiador
expandiu-se e incluiu muitos assuntos novos, como a história do corpo, incluindo
o gesto.1 Aqui, como em outras coisas, Jacques Le Goff esteve entre os pioneiros.2
Adversários dessa "nova história" como muitas vezes é chamada, afirmam que os
historiadores dessa escola banalizam o passado. Três respostas a essa acusação
1 Barasch (1987); Schmitt (1981, 1990); Bremmer e Roodenburg (1991).
2 Le Goff (1982, 1985).
93
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
parecem adequadas. A primeira é reconhecer o perigo bastante concreto de banalização
sempre que nos dedicamos a um desses tópicos por si mesmo, sem nenhuma tentativa
de ligá-lo à cultura que o cerca. Para um exemplo dessa abordagem, poder-se-ia citar o
dicionário histórico dos gestos brasileiros, de Câmara Cascudo, um livro erudito
e fascinante (e uma boa base para trabalho futuro), mas um estudo que junta informações
sem suscitar questões.3
Uma segunda resposta poderia ser afirmar a idéia de que as necessidades "triviais",
que deviam ser problematizadas e relativizadas, e de modo mais específico
que os gestos, não eram adotadas com muito bom grado no início da Europa moderna. Na
Inglaterra, os quacres se recusavam a observar o que chamavam de "honra do chapéu",
em outras palavras, o costume de erguer o chapéu para os superiores hierárquicos. Na
Rússia, a questão de saber se o ato de abençoar devia ser desempenhado com dois
ou três dedos foi um dos problemas que levou ao cisma na Igreja Ortodoxa em meados do
século XVII. Talvez faltem no início da Itália moderna debates sobre esse tipo
de gesto. Apesar disso, um patrício genovês, Andrea Spinola, pregador aficionado do ideal
em extinção de igualdade republicana (p. 172), reclamou que fora preso
injustamente por causa de seus gesti del corpo, como a maneira altiva de entrar na sala e a
recusa de precipitar-se diante do chanceler.4 O governo genovês encarou
esses gestos como uma forma de "insolência estúpida", uma expressão ainda vigente no
exército britânico e um lembrete de que, pelo menos em algumas esferas, as regras
do gesto continuam a ser levadas a sério.
A terceira resposta poderia fazer o mesmo que Sherlock Holmes, Sigmund Freud e
Giovanni Morelli - para não mencionar Carlo Ginzburg, que pela primeira vez
associou os três - e afirmar a importância do trivial, com base em que o trivial muitas vezes
fornece pistas para o que é mais significativo.5 Historiadores, como
antropólo3 Câmara Cascudo (c. 1974).
4 Spiriola (1981), 126.
5 Gimburg (1990), 96-125.
94
A LINGUAGEM DO GESTO NO INICIO DA ITÁLIA MODERNA
gos e psicólogos, podem estudar o gesto como um subsistema dentro do sistema maior de
comunicação que chamamos de "cultura". Esta suposição hoje é partilhada por
muitos historiadores sociais e culturais. É possível até que pareça óbvia. Portanto, talvez
seja útil lembrar ao leitor, neste momento, a existência de uma abordagem
"universalista" do gesto, reencarnada nos famosos livros de Desmond Morris - apesar da
tensão não resolvida em sua obra entre explicações zoológicas universalizadoras
dos gestos do "macaco nu" e das tentativas de mapear sua geografia cultural.6
Como um exemplo de análise mais rigorosa que indica a direção oposta, podemos citar
a famosa demonstração de Ray Birdwhisteli, de que mesmo gestos inconscientes,
como o modo de andar, não são naturais, mas aprendidos, e por isso variam de uma cultura
para outra. O mesmo comentário foi feito pelo antropólogo Marcel Mauss,
que afirmou ser capaz de detectar quais francesas haviam sido educadas em escolas de
convento, observando a posição das mãos delas quando andavam.7 É a esta abordagem
"culturalista" que nos dedicaremos aqui, no caso de uma sociedade em que - pelo menos
segundo seus visitantes do norte - a linguagem dos gestos era e é particularmente
eloqüente: a Itália.
Para seguir esse caminho até o fim, primeiro será necessário reconstruir o repertório
completo dos gestos existentes na cultura italiana, a "langue" da qual
os indivíduos escolhem suas "paroles", segundo suas personalidades ou papéis sociais. O
caminho então se abrirá para uma discussão geral da relação entre esse repertório
e outros aspectos da cultura, incluindo os contrastes locais entre comportamento público e
privado, sagrado e profano, decente e indecente, espontâneo e controlado,
decoro masculino e feminino, e assim por diante.
As fontes sobreviventes são, é inevitável, inadequadas para essas tarefas, embora tão
ricas quanto qualquer historiador do início da era moderna tem o direito
de esperar. Incluem enciclopédias contemporâ6 Morris (1977, 1979).
7 Birdwhistell (1970); cf. Mauss (1935).
95
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
neas dos gestos como A arte do gesto (1616), do advogado Giovanni Bonifacio e, no fim
deste período, A imitação dos antigos investigada nos gestos dos napolitanos
(1832), de Andrea di Jorio, que compara o indício de vasos e estátuas clássicos com o que
se podia ver nas ruas de Nápoles em sua própria época.8 Ainda mais ambicioso,
um livro de Scipione Chiaramonti, publicado em 1625, discutiu o gesto como parte de um
estudo geral de sinais, ou "semiótica", como os chamou. Chiaramonti também
dedicou algumas páginas às peculiaridades dos italianos.9
A essas compilações sistemáticas, talvez se possam acrescentar muitas observações de
viajantes estrangeiros, casuais embora vívidas e diretas. O católico
Montaigne, passando por Veneza, e o protestante Philip Skippon, passando por Pádua,
ficaram impressionados com a falta de reverência mostrada pelos italianos na
igreja, conversando durante a missa, não tirando o chapéu e dando as costas para o altar ou
"discursando e rindo uns para os outros".10 Em Veneza, John Evelyn registrou
pelo menos um gesto insultante que parece ter escapado aos dois lexicógrafos acima
mencionados: morder o próprio dedo (provavelmente como um símbolo do pênis do
adversário). Shakespeare já conhecia bem este insulto, ao qual deu um contexto italiano:
"Mordo meu polegar para eles; o que é uma vergonha para eles se o tolerarem"
(Romeu e Julieta, Ato 1, cena 1).
Os arquivos judiciais italianos são outra fonte importante. Os tribunais muitas vezes
observam os gestos que levam a casos de ataque e agressão, entre eles
encarar um adversário, bravando (pavoneando-se de maneira provocativa) e, é claro,
exibindo em público as partes íntimas etc. Entre outras coisas, os arquivos confirmam
a existência do gesto de morder o dedo mencionado por Evelyn, mittendosi Ia dita in
boca.11 Os arquivos da Inquisição são de particular valor, porque
8 Bonifacio (1616); Jorio (1832); cf. Knowlson (1965); Chastel (1986).
9 Chiaramonti (1625), 70ff.
10 Montaigne (1992), 64; Skippon (1732), 534.
11 Evelyn (1955), vol. 2,173; Roma, Archivo di Staro, Tribunale del Governatore,
Processi Criminali,'600, busta 50.
96
A LINGUAGEM DO GESTO NO INiCIO DA ITÁLIA MODERNA
os inquisidores e escreventes eram instruídos para observar e registrar com cuidado os
gestos dos acusados. 12 Foi, por exemplo, a Inquisição que registrou outro
gesto ausente tanto da obra de Bonifacio quanto da de Jorio: a negação do cristianismo
apontando o dedo indicador da mão direita para o CéU.13 Também se pode usar
a arte do período como uma fonte, apesar da dificuldade de medir a distância entre os
gestos pintados e seus equivalentes na vida diária. Alguns historiadores comentaram
a representação de gestos de respeito, submissão, saudação, oração, silêncio, admoestação,
desespero, orgulho, agressão e outros.14
A tarefa de reconstruir o repertório completo dos gestos italianos é evidentemente
ambiciosa demais para um capítulo curto. Tudo o que posso fazer de maneira
razoável é discutir o que parecem ser as principais mudanças no sistema entre 1500 e 1800.
Ao contrário de obras anteriores sobre o assunto, este capítulo se concentrará
mais na vida cotidiana que nos gestos ritualizados de beijar os pés do papa, caminhar em
procissão e assim por diante.15 Seguindo a parcialidade das fontes, será
difícil deixar de dedicar uma atenção desproporcional as classes mais altas e também aos
homens, pois uma das regras da cultura era que as mulheres respeitáveis
não gesticulavam, ou pelo menos não muito.
Podemos resumir as mudanças a serem aqui enfatizadas em três hipóteses. A primeira
é a de um crescente interesse pelos gestos neste período, não apenas na
Itália, mas de maneira mais generalizada na Europa. A segunda hipótese é de que essa
autoconsciência foi estimulada por um movimento pela "reforma" dos gestos que
ocorreu tanto na Europa católica quanto na protestante no período das Reformas. A terceira
e última hipótese tenta vincular essa reforma ao surgimento do estereótipo
nortista do italiano gesticulador.
12 Massini (1621), 157.
13 Bennassar e Bennassar (1989), 313.
14 Baxandall (1972), 56ff.; Heinz (1972); Chastel (1986); Barasch (1987); Spicer
(1991); Fermor (1993).
15 Trexter (1980), 87-94, 99-111 etc.; Muir (1981).
97
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
UM NOVO INTERESSE PELOS GESTOS
O historiador francês jean-Claude Schmitt observou um interesse cada vez maior pelos
gestos no século XX. Um comentário semelhante poderia ser feito sobre a Europa
Ocidental no início do período moderno, em particular no século XVII, como admite o
próprio Schmitt.16 No caso da Inglaterra, por exemplo, também se pode ver esse
interesse nos textos de Francis Bacon; no guia dos gestos de mão de John Bulwer, a
Chirologia (1644), que afirma que tais gestos "revelam o atual humor, estado de
espírito e disposição"; e nas observações de viajantes ao exterior, entre eles John Evelyn,
Thomas Coryate e Philip Skippon.
No caso da França, encontram-se análises perspicazes do gesto nos textos de
Montaigne, Pascal, La Bruyère, La Rochefoucauld e Saint-Simon, assim como na
teoria da arte de Charies Lebrun. A história do gesto e postura atraiu a atenção de
estudiosos e pintores como Nicolas Poussin, cuja última ceia revela sua consciência
do costume da Roma antiga de recostar-se para comer. Antoine Courtin, em Nouveau traité
de la civilité (1671), ofereceu um conselho mais prático, dizendo aos leitores
que não cruzassem as pernas nem fizessem "grandes gestos com as mãos" ao falar. A
postura de pernas cruzadas, a propósito, tinha vários sentidos. Em alguns contextos,
significava poder, mas em outros falta de dignidade. Proibia-se a postura as mulheres, mas
também nem sempre era permitida aos homens.17
O contraste entre a gravidade espanhola e a vivacidade francesa definido por
Baldassare Castiglione em seu Courtier (livro 2, capítulo 37) tornou-se um lugar-comum
no século XVII. Por exemplo, o tratado de 1617 de Carlos García sobre a "antipatia" entre
os franceses e os espanhóis chamou a atenção para as diferentes maneiras
como eles andavam, comiam ou usavam as mãos. Segundo García, o francês anda com a
mão no botão do punho da espada e o manto em um ombro, e o
16 Schmitt (1990), 362-3.
17 Barasch (1987), 180-1.
98
A LINGUAGEM DO GESTO NO INICIO DA ITÁLIA MODERNA
espanhol lança as pernas à frente como um galo e puxa o bigode. Quando os franceses
andam pelas ruas em grupo, riem, pulam e fazem tanto barulho que é possível
ouvi-los a uma légua de distância; os espanhóis, ao contrário, seguem direto em frente,
sisuda e friamente, sem falar ou entregar-se a alguma atividade imodesta
ou extravagante."18
A obra de García não é inadequada para a Itália. Na verdade, teve treze edições
italianas entre 1636 e 1702, além de ser traduzida para o inglês e o alemão.
Numa época em que a França e a Espanha lideravam as potências européias, o livro tinha
pertinêncía política. Vê-se a influência de Garcia, ou pelo menos dos lugares-comuns
que ele articulou com rara vivacidade e detalhes, em um manuscrito anônimo da República
Veneziana, escrito em fins do século XVII, Exame histórico político, que
dividiu
uma centena de líderes políticos entre os que tinham o sério "gênio espanhol" (genio
spagnuolo) e os de genio francese, mais animado.19 Houve um conflito semelhante
entre os franceses e os espanhóis na Roma de meados do século XVII. O arquiteto
Francesco Borromini, por exemplo, usava roupas espanholas (infelizmente não se
registraram
seus geStOS).20 Não surpreende, pois, que o inglês Richard Lassels descrevesse o "humor
italiano" como "um humor intermediário entre o excessivo demais dos franceses
e o comedido demais dos espanhóis".21
O indício lingüístico aponta nas mesmas direções. Primeiro, para um crescente
interesse pelos gestos, revelado pelo desenvolvimento de uma linguagem cada
vez mais rica e sutil para descrevê-los. Segundo, em direção ao modelo espanhol, para a
linguagem dos gestos desenvolvida no início da Itália moderna, que tomou
emprestado do espanhol termos como etichetta, complimento, crianza (boas maneiras),
disinvoltura (negligência) e sussiego (circunspeção ou calma).22
18 García (1617), cap. 14.
19 Veneza, Biblioteca Marciana, MS Gradenigo 15.
20 Wittkower (1967).
21 Lassels (1654), 150.
22 Beccaria (1968), 161-207.
99
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
A multiplicação de textos italianos que discutem o gesto do Renascimento em diante
(mais ou menos um século antes que em outros países) confirma a impressão
de crescente interesse pelo assunto. A literatura da moral e costumes contém muitas
observações pertinentes sobre os gestos adequados para mulheres e para homens.
Por exemplo, o anônimo Decor puellarum (1471), um texto vernáculo apesar do título em
latim, ensina meninas a manter os olhos baixos, comer e falar com circunspeção,
andar e ficar com a mão direita sobre a esquerda e manter os pés juntos, para não se
parecerem com as prostitutas de Veneza. O gesto de uma mão apertando a outra
era uma "fórmula de submissão" que se encontra, por exemplo, em algumas figuras
femininas de Giotto.23 O Courtier (1528) de Castiglione também comenta a postura
(lo stare) e os gestos (i movimenti) mais adequados para mulheres e homens, enfatizando a
necessidade de "suprema graça" nas mulheres e também uma espécie de timidez
que revele sua modéstia.24
O diálogo La Rafaella (1539), de Alessandro Piccolomini, segue os passos de
Castiglione, mas dedica-se exclusivamente à educação das mulheres, incluindo
seus movimentos e "porte" (portatura). Dizia-se às senhoras que andassem devagar, mas
também que "evitassem a afetação" e "mostrassem um certo desdém e um certo
não pensar muito" [mostrar un certo disprezo e un certo non molto pensare], um parente
próximo da famosa sprezzatura de Castiglione.25 O diálogo Delle belezze delle
donne (1541) trata tanto da graça quanto da beleza. Os interlocutores recomendam
"elegância" (leggiadria) definida em termos de modéstia, moderação e boas maneiras.
Também elogiam o "ar" e a "majestade" de uma mulher que "se senta com certa grandeza,
fala com circunspeção, sorri com modéstia e comporta-se como uma rainha". Galateo
(1558), de Giovanni Della Casa, e Civile conversatione (1574), de Stefano Guazzo, também
insistem na impor23 Barasch (1987), 42, 46.
24 Burke (1995), 29-30.
25 Piccolomini (1539), 56-7.
100
A LINGUAGEM DO GESTO NO INICIO DA ITÁLIA MODERNA
tância de muitos gestos adequados e na eloqüência do corpo. Assim como a literatura da
dança, em particular o tratado Il ballarino (1581), de Fabrizio Caroso, que
discute não apenas os vários tipos de passos, mas também diz aos cavalheiros como lidar
com a capa e a espada, como fazer uma reverência correta, como pegar a mão
de uma senhora e assim por diante.
No século XVII, como vimos, um advogado de Verona, Giovanni Bonifacio,
apresentou a primeira enciclopédia dos gestos. Bonifacio baseou-se sobretudo na Bíblia
e em autores clássicos, o que o torna menos útil do que poderia ter sido como fonte para a
história contemporânea italiana. Apesar disso, seu livro presta eloqüente
testemunho ao interesse contemporâneo pelo assunto, Assim como os livros sobre teatro
que começam a aparecer nesse período. A moderação cristã do Teatro (1625),
de G. D. Ottonelli, e A arte da representação (1699), de A. Perucci, se dedicaram ao que
chamam de "arte" ou "regras" do gesto. A relação entre acontecimentos dentro
e fora do palco não é simples mas, pelo menos para os visitantes estrangeiros, os atores
parecem estilizar e talvez exagerar os gestos comuns em sua cultura.
Às suas diferentes maneiras, os textos acima citados revelam considerável interesse
não apenas pela psicologia dos gestos, como os sinais externos de emoções
ocultas, mas também - e nisso reside a inovação - pelo que poderíamos chamar de
"sociologia". já se afirmou com frequência que os gestos formavam uma linguagem
universal,
mas a essa posição "universalista" se opunha uma "culturalista". Muitos autores se
preocupavam com a maneira como variavam, ou deviam variar, os gestos segundo o
que se poderia chamar os vários "domínios" dos gestos (a família, a corte, a igreja e assim
por diante) e também dos atores - jovens ou velhos, masculinos ou femininos,
respeitáveis ou despudorados, nobres ou comuns, leigos ou clericais. Portanto, poder-se-ia
dizer que os textos modernos oferecem testemunho de um interesse crescente
não apenas pelo vocabulário dos gestos, exemplificado no dicionário de Bonifacio, mas
também por sua "gramática", no sentido das regras de expressão correta, e
por fim por
101
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
seus vários "dialetos" (para usar o termo de Jorio) ou "socioletos", como diriam os
lingüistas modernos.26
Vale enfatizar as ligações entre esse interesse por gestos e as preocupações da época
com as variações sociais na língua e nos costumes, e mais em geral
com o estudo de homens e animais na chamada "era da observação". Para um exemplo do
valor prático desse conhecimento, podemos recorrer a um visitante na Itália,
Fynes Morison. Ele queria ver o cardeal Bellarmine em Roma e fazer-lhe uma visita,
"vestido como italiano e com o cuidado de não usar nenhum gesto estranho" que
o denunciasse como protestante inglêS.27
A REFORMA DOS GESTOS
Vinculou-se a consciência cada vez maior dos gestos às tentativas de algumas pessoas para
mudar os gestos de outras. Os protestantes se preocupavam com o comportamento,
do mesmo modo que com a crença, enquanto nos países católicos uma reforma dos gestos
fazia parte da disciplina moral da Contra-Reforma.28 Por exemplo, nas Constituições
que emitiu para sua diocese de Verona, por volta de 1527, Gianmatteo Giberti, que veio a
ser considerado um bispo modelo, ordenou a seu clero que mostrasse circunspeção
"nos gestos, no andar e no estilo do corpo" ("in gestu, incessu et habitu corporis"). O termo
"babitus" era, é claro, famoso nesse período graças às traduções latinas
de Aristóteles, muito antes de Marcel Mauss e Pierre Bourdieu fazerem as suas. São Carlo
Borromeo, outro bispo modelo, também recomendava gravitas e decoro ao clero
de sua diocese, "no andar, na postura, no sentar-se" e "no baixar os olhos". Dizia aos
pregadores que evitassem gestos "histriônicos", como estender os
26 Jorio (1832), xxii; cf. Bremmer e Roodenburg (1991, 36.
27 Citado em Mfczak (1978),191.
28 Knox (1990), 113-14.
102
A LINGUAGEM DO GESTO NO INíCIO DA ITÁLIA MODERNA
braços à maneira de um "gladiador", ou fazer movimentos indecorosos com os dedos.29
São Carlo não aprovava os pregadores descritos por Giraldi em seu discurso sobre
as comédias, cujos gestos se assemelhavam aos dos atores e charlatães.
Contudo, são Carlo também se preocupava com a laicidade, recomendando decoro,
dignidade e "moderação" (misura), e advertia os fiéis contra gargalhadas, gritos,
danças e comportamentos tumultuoSOS.30 Mais ou menos na mesma época, seu colega
episcopal em Tortona tratou do comportamento na igreja. "Que ninguém ouse passear
pela igreja ( ... ) ou encostar-se nos altares, pias ou fontes de água benta. Ou sentar-se de
modo irreverente de costas para o Santíssimo Sacramento" fazer "sinais
desonrosos" para uma mulher ou falar de assuntos seculares.31 Um pouco mais tarde, o
anônimo Discurso contra o Carnaval discutiu a necessidade de ordem, contenção,
prudência e sobriedade, enfatizando os perigos da pazzia, um termo que se poderia, nesse
contexto, traduzir não como "loucura" mas como "perda de autocontrole".32
Não se deve vincular de forma tão estreita a reforma dos gestos italianos à ContraReforma. Cícero já desestimulava o que chamou de movimentos "teatrais",
ou andar depressa demais (ou devagar demais), e do Renascimento em diante sua
autoridade era levada muito a sério tanto no domínio dos gestos quanto no da fala.33
No caso das mulheres, há uma longa tradição de textos aconselhando contenção. No século
XIV, recomendava-se às moças mostrar timidez e modéstia nos gestos. Deveriam
dar pequenos passos quando andassem. Não apoiar a cabeça com as mãos, não mostrar os
dentes quando sorrirem, nem chorar alto.34 O tratado do humanista Francesco
29 Borromeo (1758), 23, 87, 90.
30 Taviani (1969), 543; San Carlo (1986), 911, 926-7.
31 Citado pot Tacchella (1966), 75-6.
32 Taviani (1969), 67-81.
33 Bremmer e Roodenburg (1991), 28-9.
34 Lazard (1993).
103
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
Barbaro, Sobre o casamento (1416), mandava as esposas mostrar contenção "nos
movimentos dos olhos, no andar e no movimento do corpo; pois o vagar dos olhos, um
andar
apressado e um excessivo movimento das mãos não podem ser feitos sem perda de
dignidade, e essas ações sempre são acompanhadas de vaidade e sinais de frivolidade".35
Faziam-se recomendações semelhantes a moças solteiras no tratado do século XV, Decor
puellarum, discutido acima.
Por outro lado, antes de 1500 era relativamente raro aconselhar meninos ou homens a
controlar seu comportamento dessa maneira. O humanista do século XV Marteo
Vegio foi incomum ao advertir os meninos (em um tratado sobre educação, De liberorum
educatione, livro 5, capítulo 3) que se preocupassem com a modéstia dos gestos
("verecundia motuum gestuumque corporis"). Foi a reforma dos gestos do século XVI que
estendeu aos homens, primeiro ao clero e depois à laicidade das classes mais
altas, os ideais de contenção antes formulados apenas para as mulheres.
Em seu tratado Sobre a posição do cardeal (1510), o humanista Paolo Cortese advertia
contra movimentos feios dos lábios, freqüentes movimentos das mãos e
andar depressa, recomendando o que chamou de uma gravidade senatorial. Mais uma vez,
Baldassare Castiglione advertia seus leitores contra gestos afetados, e recomendava
que o cortesão fosse "contido" (ritenuto, rimesso). Embora o diálogo de Castiglione trate de
homens e mulheres em separado, e poderia assim ser tomado como um guia
para a construção (ou reconstrução) da masculinidade e feminilidade, talvez sua ênfase na
contenção possa ser vista como um exemplo da feminização do comportamento
polido numa época em que a nobreza perdia sua função militar.
As mais detalhadas e também mais famosas recomendações italianas para a reforma
dos gestos são as encontradas em Galateo, de Giovanni Della Casa. O ideal
desse prelado da Contra-Reforma é quase secular, como o de Castiglione ou Firenzuola.
Deve-se ser "elegante" e "bem-educado" (leggiadro, costumato) "no andar, no
ficar
35 Kohl e Witt (1978), 202.
104
A LINGUAGEM DO GESTO NO INíCIO DA ITÁLIA MODERNA
em pé, no sentar-se, nos movimentos, no porte e no vestir-se" (capítulo 28). Para obter
elegância, é necessário ter consciência dos próprios gestos para controlá-los.
As mãos e as pernas, em particular, precisam de disciplina. Por exemplo, no capítulo 6 do
tratado, os nobres são aconselhados, na versão do autor do topos clássico,
a não andar depressa demais (como um criado), ou devagar demais (como uma mulher),
mas visar ao meio-termo de ouro.
Vários escritores italianos do período contribuiram para o coro que exortava à
contenção. Por exemplo, Giovanni Battista Della Porta, cujas atividades como
cientista e dramaturgo devem ter lhe proporcionado um duplo interesse pelo assunto,
recomendava aos leitores de seu Sobre a fisiognomonia humana (1586) que não fizessem
gestos com a mão quando falassem (na Itália!). Stefano Guazzo, cujo livro sobre conversa e
conduta foi citado acima, discutiu a necessidade de encontrar o meio-termo
de ouro, como dizia, entre "a imobilidade das estátuas" e os movimentos exagerados dos
macacos ("l'instabilità delle simie"). Quanto ao tratado de Caroso sobre a
dança, já se afirmou que expressa um ideal ainda mais contido que seus antecessores,
sugerindo que a dança da corte estava divergindo cada vez mais da dança camponesa
nesse período.36 Após a leitura desse conjunto de textos, sem mencionar as observações
sobre movimentos feitas por críticos de arte da época, como Giorgio Vasari
e Ludovico Dolce, muitos retratos italianos do período começam a parecer traduções, em
termos visuais, das recomendações dos tratados. Embora um determinado retrato
expresse os ideais do pintor, a auto-imagem do modelo, ou a imagem que o pintor faz da
auto-imagem do modelo, os gestos retratados - o que para os olhos pós-românticos
muitas vezes parecem intoleravelmente artificiais podem ser lidos como o indício de
tentativas para criar novos hábitos, uma segunda natureza.
O movimento era representado como específico ao gênero, com a
36 Dizionario Biografico degli Italians (43 "01s" em andamento, Roma, 1960-), 1 s.v.
"Caroso".
105
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
delicadeza feminina complementando a vivacidade masculina.37
Deve-se acrescentar que a variedade de gestos femininos nos retratos
do Renascimento (a mão segurando um leque ou um livro, ou no seio,
ou as duas cerradas no gesto submisso já discutido) é muito menor do
que a masculina. Os gestos representados em retratos de homem nesse período incluem a
mão no quadril ou na espada, apoiando o rosto
(sinal de melancolia), apertando o coração e estendida na pose de ora
dor recomendada por Cícero e Quintiliano, ao mesmo tempo que os
retratos de corpo inteiro de figuras em pé começavam a mostrá-los
com as pernas cruzadas, agora um sinal de bem-estar, não de falta de
dignidade.38 Contudo, a rejeição pelos padres que haviam encomendado a Caravaggio o
quadro a óleo de são Mateus, porque mostrava
o santo sentado com as pernas cruzadas (le gambe incavalcate) nos faz
lembrar que o clero tinha de ser quase tão sensível ao decoro quanto
as mulheres.39 Na Veneza do século XVIII, versos anônimos sobre as
senhoras elegantes da época continuavam a escarnecer do el sentar a
ta sultana, em outras palavras, o cruzamento das pernas quando sentadas.40 Os versos
talvez expressem uma reação contra o
relaxamento das maneiras características da nobreza européia na era de
Rousseau, mas os valores que expressam são tradicionais.
Os comentários de Della Casa são sobretudo negativos. Suspeita-se que esse
inquísidor tinha em mente, embora não em seu estudo, um index de gestos proibidos
(Incluindo a mão no quadril, que interpretava como um sinal de orgulho). Contudo, seria
um erro discutir a reforma dos gestos em termos apenas negativos, como parte
da história da repressão. Também se pode vê-la de maneira mais positiva como uma arte, ou
uma contribuição para a arte de viver. Assim é como Castiglione a via,
sem mencionar os mestres da dança - e no século XVII, se não antes, aprender a dançar
fazia parte do currí37 Fermor (1993).
38 Heinz (1972); Burke (1987); Spicer (1991).
39 Bellori (1672), 219.
40 Molmenti (1879), 3, 311-12.
106
A LINGUAGEM DO GESTO NO INICIO DA ITÁLIA MODERNA
culo de alguns colégios para nobres. Era um modo festivo de incutir disciplina.41
Se os reformadores de gestos tinham um ideal em mente, qual era? Podia ser (e às
vezes era, como vimos) descrito como um modelo espanhol, influente na Europa
Central, assim como na Itália, e incluía língua, roupas e também gestos. Se se tivesse de
resumir esse ideal em uma única palavra, talvez fosse "gravidade". O humanista
alemão Heinrich Agrippa afirmou em 1530 que os italianos "andam um tanto devagar, são
dignos nos geStOS".42 Outro alemão, Hieronymus Turler, insistiu na mesma afirmação
(seja a partir de observação ou copiando Agrippa), na década de 1570; "o italiano tem um
modo de andar meio lento, gestos graves" ("incessum tardiusculum, gestum
gravem").43 Joseph Addison, chegando a Milão (ainda parte do Império Espanhol) oriundo
da França, achou os italianos "hirtos, cerimoniosos e reservados", em contraste
com os franceses.44
Os italianos eram ou haviam sido mais próximos do estilo francês de vivacidade, tanto
que às vezes entendiam o gesticular espanhol como uma ausência. Assim
Pedro de Toledo, vice-rei de Nápoles em meados do século XVI, surpreendeu a nobreza
local pelo fato de, quando em audiência, permanecer imóvel, como uma "estátua
de mármore".45 A expressão era, ou se tornou, um tema recorrente. Um dos sucessores de
Toledo foi descrito pelo teórico político Traiano Boccalini, que o visitou
em Nápoles em 1591, como tão grave e imóvel "que jamais fiquei sabendo se era um
homem ou uma figura de madeira". Segundo Boccalini, o vice-rei sequer piscava. O
embaixador veneziano em Turim, em 1588, descreveu a esposa do príncipe, uma infanta
espanhola, como "educada no estilo espanhol (-) fica em grande tranqüilidade
[sussiego], parece imóvel". A observação de
41 Brizzi (1976), 254-5; cf. Lippe (1974); Braun e Gugerli (1993).
42 Citado por Knox (1995), 334.
43 Turler (1574), livro, 1, cap. 4.
44 Addison (1705), 373.
45 Caraffa (1880).
107
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
Guazzo sobre a necessidade de evitar a imobilidade das estátuas, citada acima, deve ter tido
uma repercussão local para iSSO.46
O emprego do termo "modelo" não pretende dar a entender que os italianos do período
sempre idealizaram os espanhóis. Ao contrário, estes eram muito odiados
e com freqüência ridicularizados, o escárnio estendendo-se de vez em quando a seus gestos.
Sua gravidade era às vezes interpretada como a rigidez da arrogância.
A acusação de arrogância foi personificada na figura do "Capitano" no palco italiano. A esta
figura da Commedia dell'Arte dava-se sempre um nome espanhol, como "Matamoros",
junto com uma bravure estilizada, em outras palavras agressiva, gestos de macho
destinados a desafiar ou provocar os vizinhos. Uma descrição da Nápoles do século
XVIII, sob a hegemonia espanhola, a Massime dei governo spagnolo, escrita pelo nobre
Paolo Matteo Doria (amigo de Vico), apresentava uma versão extremamente crítica
dos gestos hispanizados da alta nobreza, em particular uma "afetada negligência" (affiettata
disinvoltura) e "movimentos resolutos, arrogantes" (movimenti risoluti
e disprezzanti), exibindo superioridade aos outros.
Esta discussão de como os italianos viam a Espanha não pretende afirmar que os
espanhóis desse período sempre seguiram o modelo que acabamos de descrever.
É provável que isso se restringisse aos homens das classes superiores, ou a alguns deles, e
também talvez se limitasse a situações especiais, em particular os rituais
- embora, de forma bastante curiosa, os rituais notoriamente rígidos da corte pareçam ter
chegado à Espanha, vindos da Borgonha, só em meados do Século XVI.47 Quanto
à explicação da mudança na Itália, seria fácil e superficial atribuí-la à "influência"
espanhola. A atração do modelo espanhol nos séculos XVI e XVII sem dúvida
se deu porque encontrou uma demanda já existente de controle mais rigoroso do corpo, a
reforma dos gestos discutida nesta seção.
A história dessa demanda foi escrita pelo sociólogo Norbert Elias
46 Burke (1987); cf. Knox (1989).
47 Hofmann (1985).
108
A LINGUAGEM DO GESTO NO INICIO DA ITÁLIA MODERNA
em seu famoso estudo do "processo civilizador" (com o que, em geral, quer dizer
autocontrole, particularmente os modos à mesa), concentrando-se no norte da Europa,
mas incluindo algumas observações sobre os italianos, que foram, afinal, pioneiros no uso
do garfo.48 Mais recentemente, Michel Foucault ofereceu uma história alternativa
do corpo, examinando os aspectos negativos em Vigiar e punir, os mais positivos em
História da sexualidade e enfatizando o controle sobre o corpo dos outros assim
como sobre o eu. Elias e Foucault se dedicaram ao estudo da prática, assim como da teoria,
dos gestos e do controle do corpo. É hora de perguntar se os reformadores
italianos dos gestos tiveram êxito em suas metas.
O ITALIANO GESTICULADOR
A reforma discutida na seção anterior não foi peculiarmente italiana, mas parte de um
"processo civilizador" ocidental (há paralelos em outras partes do mundo, como
a China e o Japão, mas sua história carece de ser escrita). A hipótese a ser aqui apresentada
é que a reforma dos gestos, se não mais rigorosa, foi pelo menos mais
bemsucedida nas regiões protestantes do norte da Europa - como a GrãBretanha, a Holanda
e as áreas de língua alemã - do que nas católicas do sul. O resultado foi
a dilatação da lacuna entre os comportamentos do norte e do sul, e, em particular, os
nortistas se tornaram mais críticos em relação aos italianos. O estereótipo
do italiano gesticulador parece ter nascido no início do período moderno, refletindo o
contraste entre duas culturas gestuais, associadas a dois estilos de retórica
(laconic versus copious), além de outras diferenças.
O contraste não é entre a presença e a ausência de gestos, embora às vezes tenha sido
percebido como tal, Sequer é uma oposição entre um estilo natural e
um artificial, pois todas as linguagens do cor-
48 Efias (1939).
109
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
po são artificiais, no sentido de que precisam ser aprendídas.49 O que observamos nesse
período - indiretamente - é antes a distância cada vez maior entre duas linguagens
corporais, que poderiam ser descritas como a exuberante e a disciplinada. Embora os
italianos percebessem os espanhóis como pouco gesticuladores, os do norte passaram
cada vez mais a ver os do sul como gesticuladores; demais. Suas críticas repercutiam e
talvez exagerassem as críticas dos reformadores italianos, alguns dos quais
citados acima.
Na Holanda, a crítica da gesticulação remonta pelo menos a Erasmo e seu manual de
boas maneiras para meninos, De civilitate morum puerilium. Um manual de
etiqueta holandês do século XVIII condenava os italianos "que falam com a cabeça, os
braços, os pés e o corpo todo", e afirmava que os franceses, os ingleses e os
holandeses haviam todos abandonado essas gesticulações.50 Talvez fosse mais correto
dizer que a França se dividia entre os estilos do norte e do sul, assim como
entre católicos e protestantes. Nesse contexto, é interessante encontrar um calvinista
francês, o tipógrafo Henri Estienne, criticando os gestos exagerados dos italianos
em um diálogo que publicou em 1578 e afirmando que os franceses "Vaiment les
gesticulations".51 No século XIX, um livro francês sobre etiqueta advertia os leitores:
" Gardez-vous de gesticuler comme un Gascon. "52
Em inglês, o termo pejorativo para "gesticular", definido pelo Oxford English
Dictionary como o uso de "muitos" e "tolos" gestos, é documentado a partir
de 1613.53 Mais ou menos desta época em diante, encontramos observadores britânicos
comentando com surpresa ou desdém o que encaram como gesticulações excessivas
dos italianos - ou dos gregos, ou dos franceses, tratados com escárnio por The English Spy,
em 1691, por seus "Gestos Simiescos" e "Conversa com Dedos, como se falassem
com surdos". Por exemplo,
49 Birdwhistell (1970).
50 Bremmer e Roodenburg (1991), 160.
51 Citado por Knox (1990), 103.
52 Montandon (1995), 62.
53 Cf. Schmitt (1981).
110
A LINGUAGEM DO GESTO NO INICIO DA ITÁLIA MODERNA
Thomas Coryat, em Veneza (1608), observou o que descreveu como os "extraordinários"
costumes de saudação dos nativos, a baterem o peito e beijando uns aos outros.
Na igreja de San Giorgio, ele observou "um tipo de gestos que me pareceram ao mesmo
tempo indecorosos e ridículos", o de pessoas que levantavam e baixavam as mãos
com demasiada freqüência".54
Os gestos dos pregadores atraíram, em particular, atenção desfavorável dos
observadores protestantes. William Bedell, em Veneza na mesma época que Coryat,
condenou os frades pelas "momices dos gestos, mais semelhantes aos dos atores ou
esgrimistas". Philip Skippon, em Roma (1663), descreveu um jesuíta pregando na Piazza
Navona "com muita ação e posturas do corpo", e Gilbert Burnet, que visitou a Itália na
década de 1680, queixou-se das "muitas expressões e gestos" de um pregador
capuchinho em Milão.55 Burnet não teria apreciado saber que ele estava repetindo as
recomendações de são Carlo Borromeo, exatamente como Borromeo não teria apreciado
saber que a resistência a seus decretos durara mais de um século.
Em Nápoles, mais do que em qualquer outro lugar, a linguagem do corpo era ainda
mais visível, pelo menos para os visitantes britânicos: John Moore, em 1781,
por exemplo, notou a "grande gesticulação" de um contador de histórias, e J. J. Blunt, na
década de 1820, observou uma "infinita gesticulação" durante uma leitura
de Ariosto.56 No início do século XIX, um escritor americano, Washington Irving, foi
ainda mais explícito em sua diagnose dos sintomas da personalidade nacional
italiana, ao presenciar de sua mesa de café na Piazza San Marco uma conversa conduzida
"com vivacidade e gesticulação italianas".57 Também Stendhal comentou o amor
do sul pela "pantomima" e a preferência pela gesticulação em detrimento da fala.58
54 Coryat (1611), 399, 369.
55 Bedeil citado em Chambers e Pullan (1992), 195; Skippon (1732), 665; Burnet (1686),
110, cf. 197.
56 Moore (1781), carta 60; Blunt (1823), 290.
57 Irving (1824), vol. 1, 103.
58 Crouzet (1982), 90, 106.
111
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
Os textos aqui citados continuam insuficientes para favorecer quaisquer hipóteses
grandiosas, mas talvez forneçam maior visibilidade a um problema fascinante.
O simples contraste entre norte e sul, protestante e católico, terá, é claro, de ser
aperfeiçoado. Onde, por exemplo, se deve colocar a Polônia? De que maneiras
a gravidade espanhola se diferenciava do autocontrole britânico? Em que medida esses
estereótipos de generalizações de caráter nacional se referiam a um único grupo
social, os nobres?
112
5
Fronteiras do cômico no início da Itália moderna
113
Como os gestos, discutidos no capítulo anterior, o chiste - ou o riso - tem seu lugar entre os
objetos na nova história sociocultural. Na década de 1960, Mikhail
Bakhtin fez do assunto o tema central de seu estudo sobre Rabelais, enfatizando o que
descreveu como função liberadora do "riso popular". Na década de 1970, Keith
Thomas dedicou uma palestra ao "lugar do riso" no início da Inglaterra moderna. Nos anos
80, Robert Darnton contou a história do "grande massacre dos gatos", uma
brincadeira macabra feita por alguns aprendizes parisienses do século XVIII com os
mestres e senhoras.1
Qual o objetivo da história dos chistes? Na verdade, há dois objetivos relacionados à
mudança. Primeiro, as atitudes em relação ao chiste têm mudado ao longo
do tempo. Bakhtin, por exemplo, sugeriu que o riso subversivo institucionalizado no
Carnaval era tolerado pelas autoridades da Igreja e do Estado na Idade Média
e no Renascimento, mas reprimido daí em diante. Também se poderia recorrer aqui a outro
teórico cultural, Norbert Elias (embora ele tenha poucas coisas explícitas
a dizer sobre o riso), porque sua idéia do surgimento do autocontrole e da elevação do
"limiar do constrangimento" é tão aplicável ao chiste quanto aos modos à mesa.
No início da Europa moderna, chistes que outrora eram aceitáveis em lugares públicos
dignos, como igrejas e cortes, foram oficialmente banidos deles.
Segundo, os próprios chistes mudam com o passar dos séculos.
1 Bakhtin(1965);Thomas(1977);Darnton(1984).
115
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
São difíceis de traduzir de um período para outro, assim como são difíceis de traduzir de
uma cultura para outra. O que faz uma geração rir tem pouco efeito sobre
a seguinte. Daí a existência de um lugar para a história do riso, como para a sociologia ou
antropologia do riso.2 Freud, é claro, achava que os chistes revelam
desejos ou ansiedades inconscientes subjacentes, que eram vistos por eles como
imutáveiS.3 Sua visão dos chistes era semelhante à dos sonhos, discutida no Capítulo
2. Sua ênfase no humor como expressão de ansiedade nos oferece uma importante
alternativa à visão do riso liberador de Bakhtin (que na verdade foi apresentada como
alternativa à de Freud).
O desafio para o historiador cultural é históriar a teoria de Freud. No nível psicológico
mais profundo, talvez ele esteja certo. Apesar disso, as mudanças
a longo prazo nos chistes sugerem uma possibilidade de argumentos em favor da existência
de um nível intermediário entre os mundos consciente e inconsciente. Nesse
nível, os chistes mudam com o passar do tempo porque os objetos de ansiedade também
mudam com o passar do tempo. Por exemplo, as piadas sobre maridos enganados hoje
fracassam, não despertam mais interesse, como demonstram as remontagens da comédia
elisabetana ou da Restauração, embora pareçam ter feito os contemporâneos de
Shakespeare e Wycherley se acabar de tanto rir. Também se podem analisar os chistes em
termos de agressão deslocada ou sublimada: guerra de classe, étnica ou entre
os sexos travada por outros meios. Um antropólogo certa vez descreveu acusações de
bruxaria como uma "medida padrão" social que revelava as tensões específicas de
determinadas culturas.4 Os chistes são outra medida padrão semelhante.
Daí a necessidade da pergunta dos historiadores culturais: Quando um chiste não é um
chiste? Quando, onde, para quem uma piada é engraçada ou não? Quais
os limites, as divisas, as fronteiras do cômico? Como os chístes se mostram diferentes de
diferentes pon2 Propp (1976); Apte (1985);Mulkay (1988).
3 Freud (1905).
4 Marwick (1964).
116
FRONTEIRAS DO CÔMICO NO INíCIO DA ITÁLIA MODERNA
tos de vista, e como seus significados mudam com o decorrer do tempo? O objetivo deste
capítulo é tratar esses problemas concentrando-se em um único genero cômico,
a brincadeira de mau gosto ou beffa, reinserindo-a no que se poderia chamar de "sistema do
cômico" contemporâneo, em outras palavras, as variedades de humor registradas
na Itália em fins do período medieval e início do moderno, suas definições, funções,
gêneros e assim por diante.
A abordagem aqui adotada será antropológica, no sentido de nos manter perto das
categorias e distinções nativas entre engraçado e sério. Esta é a justificativa
para as muitas palavras italianas que aparecerao a seguir. Será feita uma tentativa para
seguir o conselho de Darnton, de "captar a alteridade", em outras palavras,
nos concentraremos no que é mais estranho para nós no passado e tentaremos torná-lo
inteligível.5 Por essa razão a ênfase aqui recairá sobre o que deixou de ser
engraçado, e não nas continuidades culturais, por mais importantes que sejam.
O SISTEMA DO CÔMICO NA ITÁLIA, 1350-1550
Começaremos com um esboço desse "sistema", de Boccaccio a Bandello ou, de uma
maneira mais geral, da Peste Negra à Contra-Reforma. Apesar de Jacob Burckhardt, em
seu famoso ensaio sobre o Renascimento, dedicar algumas páginas perspicazes ao que
chamou de "troça e humor modernos" ("der moderne Spott und Witz"), o tema não
atraiu muitos historiadores.6 Mas sem dúvida interessava aos contemporâneos, como logo
revela a linguagem do período.
Na língua italiana da época, havia uma rica variedade de termos disponíveis para
distinguir as variedades de brincadeiras e humor. As
5 Darnton (1984),4.
6 Burckhardt (1860), cap. 2, seção 4.
117
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
palavras para o próprio chiste incluíam baia, beffa, burla, facezia, giuco, leggerezza, pazzia,
piacevolezza e scherzo, enquanto o brincalhão era chamado de beffiardo, beffiatore,
buffone, burlona, giucatore ou scherzatore. Entre os
verbos, estão burlare, giocare, uccellare, embora se fizesse uma distinção entre beffare e o
mais brando porém mais contínuo beffieggiare, que poderíamos traduzir
como "provocar". Os adjetivos eram, de todos, os mais ricos: beffabile, beffievole,
burlesco, faceto, festevole, giocoso, grottesco, mottevole, scherzoso, sciocco
e outros. A riqueza de vocabulário sugere que os italianos eram, na verdade, conhecedores
nesse campo.
A variedade de gêneros cômicos merece ser enfatizada. Incluíam a própria comédia,
"erudita" ou popular, abrangendo a comédia original de "pancadaria" de
Arlequim na Commedia dell'Arte. As histórias (novelle) eram muitas vezes cômicas,
enquanto os chistes adotavam com freqüência a forma de histórias, facezie, que
eram reunidas e impressas. As famosas coletâneas incluem as histórias atribuídas ao
sacerdote Arlotto Mainardi e as colecionadas pelos humanistas Poggio Bracciolini
e Angelo Poliziano, as últimas publicadas sob o nome do editor, Ludovico Domenichi.7 Os
sermões muitas vezes continham histórias desse tipo, combinando assim o sério
com o comico.
Apreciava-se muito o paradoxo, como nos falsos elogios de Francesco Berni e
Ortensio Lando.8 Assim como o verso sem sentido. As contribuições do poeta barbeiro
Burchiello a esse gênero foram imortalizadas por um novo verbo, burchiellegare. A paródia
era outro gênero favorecido. Morgante, de Pulci, por exemplo, ridicularizava
os romances de cavalaria. Ragionamenti, de Aretino, parodiava os livros corteses.
Parodiaram-se a Eneida e os epitáfios em obras hoje esquecidas do século XVII,
como UEneide travestite (1618), de Gianbattista Lalli, I1 cimiterio, do patrício veneziano
Gianfrancesco Loredan, ou Epitafi giocosi (1680), de A. M. del PrIuli.9
7 Luck (1958); Fontes (1987).
8 Grendler (1969); Borsellino (1973), 41-65.
9 Rochon (1975), 83-102; Larivaille (1980).
118
FRONTEIRAS DO CÔMICO NO INICIO DA ITÁLIA MODERNA
Também havia várias formas cômicas nas artes visuais. No Palazzo del Te, em
Mântua, projetado por Giulio Romano, vêem-se choques visuais como o friso em
que algumas peças parecem escorregar e os tetos em afrescos que parecem desmoronar
sobre o visitante.10 Talvez devam ser entendidos como uma espécie de brincadeira
de mau gosto. Os retratos do pintor milanês Arcimboldo, que criava rostos com frutas,
peixes ou livros, eram demonstrações desse senso de humor. A falsificação dos
recém- descobertos "grotescos" clássicos incluia estatuas para jardins, como o anão da corte
do grão-duque Cosimo de' Medici, Morgante (batizado com o nome de um
famoso gigante), nos jardins Boboli em Florença, apresentado nu, pançudo e sentado com
as pernas muito abertas sobre uma tartaruga, o penis dependurado sobre o casco.11
Os jardins eram um lugar de diversão, de liberação das convenções sociais. No que
poderíamos descrever como "parque temático" privado de Bomarzo, construído a alguns
quilômetros de Viterbo para um dos membros da família Orsini em fins do século XVI,
havia, por exemplo, uma gigantesca boca do inferno de pedra, que aparentemente
funcionava como um local fresco para piqueniques. Que esta parte do "Bosque Sagrado"
era uma brincadeira, embora beirando à blasfêmia, é sugerido pela inscrição
"lasciate ogni pensiero" ("deixai para trás todo pensamento"), parodiando Dante, e
confirmado pelas observações em uma discussão da época sobre grutas, em que se
diz que deviam ser providas de "máscaras assustadoras ou ridículas" .12
Nenhuma discussão do humor medieval ou do início do período moderno seria
completa sem referência aos bobos profissionais que se encontravam na corte e em
outras partes. Vários italianos da época conquistaram fama inter-regional, se não
internacional, nessa profis10 Gombrich (1984).
11 Battisti (1962), 278ff.; Barolsky (1978), 153ff.
12 Battisti (1962), 125ff.; Barolsky (1978); Bredecamp (1985); Lazzaro (1990),
137,142,306.
119
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
são, entre eles Dolcibene, os dois Gonellas, o Scocola de Borso d'Este em Ferrara
(imortalizado nos afrescos de Schifanoia), o Diodato de Beatrice d'Este em Milão
e o Fritella de Isabella d'Este em Mântua.13
A idéia do cômico ou do brincalhão não foi definida de maneira penetrante nesse
período, mas dissimulada em entretenimento ou diversão - spasso, diporto,
trattenimento, trastullo -, em um extremo do espectro, e no outro, em truques e insultos inganni, truffle, af fronti, diffiamazioni, offiese, scherni. Dois informantes
do século XVI dão testemunho da dificuldade de delimitar as fronteiras. Em seu diálogo O
cortesão (1528), Baldassare Castiglione definiu a burla como um "engano
amistoso", que "não ofende, ou pelo menos não muito" (livro 2, seção 85). Mais uma vez,
em seu livro de conduta, o Galateo (1558), Giovanni Della Casa distinguiu
beffe de insultos apenas em termos da intenção do ofensor, pois os efeitos na vítima eram
mais ou menos os mesmos (capítulo 19). Essa ambigüidade, ou ambivalência,
suscita a questão dos limites do permissível. Até onde se pode ir sem ir longe demais, em
que direção, com quem, sobre o quê? Embora a idéia de transgressão seja
fundamental para o cômico, os limites ou fronteiras transgredidos são sempre instáveis,
variando com o local, região, momento, período e grupos sociais envolvidos.
Revendo de nossa própria época a Itália do Renascimento, ou mesmo do século XVII,
o que parece mais surpreendente, ou estranho, é a generosidade ou permeabilidade
dos limites. Assuntos religiosos podiam ser tema de brincadeiras sem causar ofensa, pelo
menos em uma ocasião. Mattello, um bobo da corte em Mântua, vestiu-se de
frade e parodiou rituais eclesiásticos. 14 Na introdução às histórias de Antonfrancesco
Grazzini, passadas no Carnaval, uma senhora diz que mesmo os freis e as freiras
têm permissão de divertir-se nessa época e vestir-se como membros do sexo oposto.
Sacerdotes podiam ser bufões, como Fra Mariano na corte de Leão X.15 Apesar disso,
havia
13 Luzio e Renier (1891); Malaguzzi Valeri (1913-23), vol.1, 563-4; Welsford (1935), 819,128-37.
14 Malaguzzi Valeri (1913-23), voll, 563.
15 Graf (1916).
120
FRONTEIRAS DO CÔMICO NO INICIO DA ITÁLIA MODERNA
fronteiras. No Cortesão de Castiglione (livro 2, seção 93), por exemplo, Bernardo Bibbiena
critica Boccaccio por uma piada que "passa dos limites" (passa il termine).
A ambigüidade também leva à questão da função. O riso era sempre um fim em si, ou
poderia ser um meio para outro fim? Uma possibilidade a se considerar é
a idéia do folclorista russo Vladimír Propp, de o riso atuar, em certas ocasiões, como uma
espécie de ritual. Poderíamos interpretar, em particular, o riso oriental
como riso ritual. já se salientou a presença de elementos rituais no humor de uma figura
cômica do século XVI, Bertoldo.16 Logo veremos exemplos do riso como instrumento
de vingança.
A BEFFA
A brincadeira de mau gosto, truque ou beffa, também conhecida como burla, giarda ou
natta, é muitas vezes descrita em livros de anedotas, histórias e outras fontes,
não estava, é claro, restrita à península ou ao período discutido. Se as brincadeiras de mau
gosto são ou não universais, a figura recorrente dos engraçadinhos no
folclore mundial (incluindo a China, África Ocidental e os índios norte-americanos) sugere
que são no mínimo extremamente difundidas. Figuras como Panurge e Till
Eulenspiegel (para não mencionar os fabliaux medievais) testemunham o amor pelas beffe
na Europa do norte e central, enquanto em partes do mundo mediterrâneo, da
Andaluzia a Creta, os antropólogos encontram o costume muito vivo entre jovens
adultos.17
Apesar disso, parecia existir uma ênfase incomum nesse tipo de humor na Itália,
sobretudo em Florença, "la capitale de la beffa".18 O
16 Propp (1976), cap. 9; Bemardi (1990), 153; Camporesi (1976), 92.
17 Brandes (1980); Hcrzfeld (1985).
18 Rochon (1972), 28.
121
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
Decameron, de Boccaccio, representa um óbvio ponto de partida para o estudo do gênero.
Os truques ocorrem ao todo em 27 histórias, e usam-se os termos beffa, beffare
e beffatore oitenta vezes.19 Mais adiante no século, as beffe reaparecem nas histórias de
Francesco Sacchetti. No século XV, encontram-se nos contos de Masuccio
Salernitano e Sabadino degli Arienti.20 Há também a história anônima, do século XV, de
uma peça pregada em um sapateiro gordo pelo arquiteto Filippo Brunelleschi.
Este exemplo é ainda mais interessante porque brinca com a idéia da identidade em um
período que Burckhardt descreveu como uma era de individualismo.21
Quanto às beffe na novella do século XVI, encontramo-las em toda parte. Nas
histórias de Antonfrancesco Grazzini (morto em 1584), "a beffa é a chave", como
diz um crítico francês, ocorrendo em dezoito históriaS.22 São ainda mais importantes nas
setenta beffe em 214 novelle de Matteo Bandello.23 O material do século
XVI também inclui peças, como A mandrágora, de Maquiavel, e Il Marescalo, de Pietro
Aretino, uma diversão carnavalesca em que o Mestre do Cavalo na corte do Duque
de Mântua é informado que o duque quer que ele se case. Más notícias para o sujeito, pois
seus gostos não são pelo sexo oposto, mas ele vai até o fim da cerimônia,
para descobrir então que sua "noiva" é um pajem. Descreve-se o incidente na peça como
uma "burla" (Ato 5, Cena 11).24
Para recapitular esse indício e colocá-lo em perspectiva comparativa, poderíamos
cotejar a pesquisa mundial de lendas e contos populares do folclorista americano
Stith Thompson com um índice de temas especializado da novella italiana, de D. P.
Rotunda. Para a categoria X O-99, "Humor da Derrota" por exemplo, Thompson dá qua19 Cf. Mazzotti (1986).
20 Rochon (1975), 65-170.
21 Varese (1955), 767-802; Rochon (1972), 211-376.
22 Rochon (1972), 45-98; cf. Rodmi (1970), 153-6.
23 Rochon (1972), 121-66.
24 Rochon (1972), 99-110.
122
FRONTEIRAS DO CÔMICO NO INÍCiO DA ITÁLIA MODERNA
tro exemplos, Rotunda, vinte. No caso da categoria K 1200-99, "Engano em uma posição
humilhante", Thompson fornece 27 exemplos (entre eles oito de Boccaccio), enquanto
Rotunda oferece nada menos que 72.25 Os italianos, mais exatamente os toscanos, parecem
ter sido obcecados por esse tema.
Desnecessário dizer que há problemas para o historiador cultural tratar desse indício
literário. As histórias são estilizadas, na verdade estavam sujeitas
a uma dupla estilização quando circulavam por dois meios de comunicação, oral e
impresso. São cheias de topoi, lugarescomuns. As mesmas histórias têm diferentes
heróis. A ficção, evidentemente, é boa prova de fantasia, da imaginação coletiva. Mas
podemos tirar conclusões sobre a vida social com base nesse indício? Era a
beffa um costume social ou apenas um jogo literário? As brincadeiras de mau gosto são
famosas por terem sido representadas em algumas cortes na Itália renascentista;
em Milão, por exemplo, sob os Sforza, ou em Ferrara sob os Este.26 Outro testemunho vem
dos arquivos judiciais, quanto às brincadeiras que ofendem e por isso levam
a processos legais. Esses arquivos sugerem que as tabernas eram o local preferido para
beffe, como no caso de uma peça pregada em um certo Furlinfan na aldeia de
Lio Maggiore, em 1315, por exemplo.27 Também sugerem que o Carnaval era a época
preferida para beffe, como testemunha o caso de um misterioso rolo da corda em Roma,
em 1551, quando sete judeus fingiram prender um napolitano, na época do Carnaval judeu
(Purim), não no Carnaval dos cristãos. Esse "caso" pode ter se transformado
numa novella.28
A cultura material também fornece indício de brincadeiras. Retornemos por um
momento ao jardim do Renascimento, onde talvez houvesse fontes ocultas ativadas
ao sinal do anfitrião, pegando os convidados de surpresa e encharcando-os até a pele. Essa
forma branda de
25 Thompson (1955-8); Rotunda (1942).
26 Malaguzzi Valeri (1913-23), vol. 1, 560ff.; Prandi (1990), 78.
27 Ortalli (1993), 67.
28 Cohen (1988).
123
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
beffa era comum nos círculos aristocráticos, e pode ser documentada em Caprarola, por
exemplo, projetada por Vignola para os Farnese, assim como em Pratolino, projetada
por Buontalenti para Francesco I de' Medicí, onde Montaigne estava entre as vítimas.29
Não era muito diferente da prática italiana comum de jogar água no Carnaval.
Alguns dos exemplos citados acima suscitam o problema dos limites da brincadeira, a
fronteira entre o engano relativamente inofensivo e o logro ou agressão
mais sérios. No norte da Itália, no século XVI, dare la burla era uma frase padrão
empregada para descrever falsas promessas de casamento.30 Mais uma vez, numa época
em que as brincadeiras eram com muita freqüência ofensivas e os insultos às vezes
assumiam formas brincalhonas, era inevitável alguém passar dos limites costumeiros
e alguns casos terminarem no tribunal. A dificuldade de definir as fronteiras do cômico é
visível nesses arquivos. Na Bolonha do século XVI, uma vítima de um ataque
verbal (por meio de um soneto) queixou-se ao tribunal, mas a carta foi julgada não
difamatória e apenas "uma brincadeira, contendo algumas coisas risíveis".31 Por
outro lado, o pintor Michelangelo di Caravaggio, que tinha um talento para meter-se em
apuros, foi chamado perante o tribunal do governador de Roma em 1603 (em companhia
de outros pintores), acusado do que seu colega Baglioni chamou de "versos em minha
desonra".32
Voltando-nos para o mundo da política, pensemos em Cesare Borgia e na famosa
cilada que armou para os inimigos em Sinigaglia, um "torpedo" (como os gângsteres
ítalo-americanos o chamariam na era de Al Capone). Quem conta a história é Maquiavel em
sua famosa "Descrição da maneira como o duque Valentino (Cesare) assassinou
Vitelozzo Vitelli" convidando-o, e a seus companheiros, a entrar em seus aposentos
desarmado e mandando estrangulá-los ali. Maquiavel escreveu de uma maneira fria,
descarada, mas em outra parte
29 Robertson (1992), 128; Lazzaro (1990), 65-8.
30 Muir e Ruggiero (1990), 351.
31 Evangelisti (1992), 221.
32 Friedlaender (1955), 271-2.
124
FRONTEIRAS DO CÔMICO NO INICIO DA ITÁLIA MODERNA
expressa sua enorme admiração por Cesare. Não seria muito exagerado sugerir uma ligação
entre sua posição política e seu interesse dramático pe as effe. Sua peça
A mandrágora é "maquiavélica", no interesse por estratagemas, além de a história de
Florença ser apresentada em termos dramáticos.
Cinco outros comentários talvez ponham a beffa com mais firmeza em seu contexto
cultural.
1) Muitas vezes a beffa foi apresentada como "obra de arte", para adaptar a visão geral do
Renascimento de Burckhardt. Deveria proporcionar prazer estético, além
da mais óbvia Schadenfreude, e às vezes era descrita como bella. Os títulos das histórias, a
de Bandello por exemplo, se referem à "giocosa astuzia" (livro 2, nº
45), ou a um "Piacevolo e ridicolo inganno" (livro 2, nº 47). Agradável, isto é, do ponto de
vista do gozador ou dos espectadores, que é o ponto de vista que se
estimula que o leitor, em geral, adote. A não ser, é claro, que a vítima inverta as posições
com o agressor, pois se tem especial prazer com o que se chama de "il
contracambio", em outras palavras, o tema de beffatore beffato, o gozador gozado
(Bandello, livro 1, nº 3, por exemplo).
2) A beffa era uma forma apropriada de brincadeira em uma cultura competitiva que
também se poderia chamar de uma "cultura do truque", em que os governantes eram
muitas vezes civis e não soldados, ou, na linguagem maquiavélica, raposas em vez de leões.
Mesmo hoje, os italianos aprovam explicitamente as pessoas astutas (furbo),
como testemunha o relato da vida cotidiana em uma pequena cidade do sul da Itália, na
década de 1970, de um antropólogo britânico que descreve um pai perguntando
repetidas vezes ao filho pequeno: "Sei furbo?" A resposta que queria, esperava e
recompensava era, é claro, "SiM".33
33 Davis (1973),23; cf. Brandes (1980), 115ff.; Herzfeld (1985), 148.
125
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
3) A beffa muitas vezes não era "pura" diversão, mas um meio de humilhar, envergonhar e
na verdade aniquilar socialmente rivais e inimigos. Tratava-se de uma cultura
em que a honra e a vergonha eram valores dominantes. Os títulos de algumas histórias
reforçam essa percepção, como no caso de Sabadino degli Arienti, por exemplo,
em que uma frase recorrente é "se trova vergognato" (nº 1), "remase vergognato" (nºs 31,
35). A cultura da Itália do Renascimento era uma agonística, exemplificada
em termos mais vívidos em Florença.34 A vingança (bella vendetta, como às vezes é
chamada) é outro motivo recorrente nas novelle (Bandello, livro 4, nº 6; Grazzini,
livro 2, nº 9 etc.) Assim como o marido enganado. A agressão e o sadismo também
aparecem sempre, por exemplo, em duas histórias em que o que se supunha ser muito
engraçado é a castração da vítima (Bandello, livro 2, nº 20; Grazzini, livro 1, nº 2). Estes
exemplos reforçam um aspecto que a famosa discussão de Bakhtin sobre
a agressão festiva parece esquecer: que as brincadeiras não eram divertidas para todos, que
havia vítimas além de espectadores ou ouvintes.
4) Isso nos leva ao que Bakhtin chamou de "estrato físico inferior". Numa história contada
por Sabadino (nº 16), um artesão vai ao barbeiro fazer a barba e vê que
os sapatos do barbeiro são muito grandes. "Sentiu um grande desejo de mijar neles", e o
fez, Numa história de Bandello (livro 1, nº 35), Madorina Cassandra tem um caso amoroso
com
um frade, o marido descobre, veste-se como o frade, toma pílulas laxativas e a cobre toda
de fezes na cama. Os leitores com muita
probabilidade vão achar a história muito repugnante. Exatamente por isso que é citada aqui,
ao preço de transgredir os limites do aceitável em nossa própria cultura, para
nos lembrar da "alteridade" da Itália do século XVI.
34 Burckhardt (1860), parte 2.
126
FRONTEIRAS DO CÔMICO NO INICIO DA ITALIA MODERNA
5) O senso de distância cultural se torna ainda maior se trouxermos à memória o fato de que
a última história não apenas era contada sobre uma senhora, mas também
dedicada a outra, Paola Gonzaga, por um padre, na época do Concilio de Trento. Hoje,
tendemos a pensar nos sacerdotes como pessoas sérias, até solenes, pelo menos
em público. Contudo, os toscanos do século XV se divertiam com os gracejos atribuídos a
um padre paroquial rural da região, Aflotto Mainardi e, como vimos, Fra Mariano
fazia o papel de bobo na corte do papa Leão X. Mais uma vez, tendemos a pensar nos
governantes do Renascimento, como Isabella d'Este de Mântua e Cosimo I da Toscana,
como sempre sérios, embora sejam famosos por divertir-se com o senso de humor e os
comportamentos bizarros dos anões e bobos.35 O ponto importante a enfatizar, pelo
menos para o período 1350-1550, é a generalizada participação - tanto de gozadores quanto
de vítimas - de príncipes e camponeses, homens e mulheres, clérigos e leigos,
jovens e velhos. A prova dos arquivos confirma o testemunho da ficção a esse respeito. Na
corte de Milão em 1492, por exemplo, a princesa Beatrice d'Este pregou
uma peça no embaixador de Ferrara, mandando soltar em seu jardim animais selvagens,
que mataram suas galinhas, para divertimento do marido de Beatrice, Lodovico
Sforza, o governante do estado.36 Contudo, essa situação não duraria. É hora de voltarmos
para a mudança.
MUDANÇAS NO SISTEMA
Quais foram então as principais mudanças no sistema, nas atitudes para com as brincadeiras
entre os italianos? Embora se perceba uma
35 Luz¡o e Renier (1891).
36 Malaguzzi Valer¡ (1913-23), vol. 1, 560-1.
127
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
mudança de posição na década de 1520, se não antes, ela é mais óbvia no período 15501650, confirmando a afirmação de Enid Welsford sobre "o declínio do bobo da
corte" no século XVII, e a observação de Bakhtin sobre a "desintegração do riso popular"
no mesmo período.37 Ao refletirmos sobre as razões para essas mudanças,
talvez seja útil distinguirmos entre os aspectos religiosos e seculares do que Norbert Elias
denominou de "processo civilizador", um movimento europeu de autocontrole
(mais precisamente, "a contenção social em favor da autocontenção"), aqui considerado em
sua versão da Contra-Reforma italiana.
Algumas formas tradicionais de brincadeiras que já haviam sido criticadas por clérigos
estrangeiros - o Carnaval por Erasmo e a folia de Páscoa pelo reformador
suíço Oecolampadius - eram agora condenadas pelos italianos por motivos religiosos ou
morais. Aretino juntou-se a Lutero e Calvino no índex de Livros Proibidos (compilado
na Itália, embora obrigatório para toda a Igreja). As histórias do padre brincalhão Arlotto,
publicadas pela primeira vez por volta de 1516, foram expurgadas a partir
de 1565, com uma nota introdutória explicando a necessidade de retirar as piadas "que
pareceram ao inquisidor livres demais". Bandello publicou suas histórias bem
a tempo, em 1554, embora as do escritor florentino Antonfrancesco Grazzini, escritas por
volta de 1580, continuassem inéditas até o século XVIII. Não se podia censurar
com igual facilidade os contos orais, mas apesar disso o contador de histórias Straparola
certa vez foi intimado perante a Inquisição veneziana.
Editavam-se cada vez mais beffe impressas para indicar uma moral, enfatizada por
meio de metáforas como "curas", "lições" e "punições". já se descrevera
que Arlotto curara alguém do mau hábito de cuspir perto do altar, dera uma lição aos
rapazes que queriam uma rápida "missa de caçador" (nºs 5, 6). Bandello chamara
a atenção para as implicações éticas de suas histórias (no livro 1, nºs 3, 35
37 WCISford (1935), 182-96; Bakhtin (1965).
128
FRONTEIRAS DO CÔMICO NO INICIO DA ITÁLIA MODERNA
etc.), embora os leitores talvez não achassem essa embalagem moral de todo convincente.
O editor Ludovico Domenichi fez cortes na edição de 1548 das facezie compiladas
pelo humanista Angelo Poliziano, e as revisou ainda mais para a edição de 1562, mudando
o título para o mais sério Detti e fatti, eliminando blasfêmias e observações
anticlericais, e acrescentando morais a cada anedota.38 Também uma coletânea de piadas
de Luigi Guicciardini era descrita na folha de rosto como "moralizada" ("ridotti
a moralità").
A recepção diferente do Decameron faz um esclarecedor e detalhado estudo de caso
das atitudes em mutação. As histórias de Boccaccio talvez fossem todas proibidas
no Concílio de Trento se o duque de Florença, Cosimo de' Medici, não houvesse enviado
um embaixador ao Concílio para solicitar a suspensão da proibição. As histórias
foram republicadas de forma expurgada em 1582. Uma delas, referente à hipocrisia de um
inquisidor, desaparecera inteiramente da coletânea, enquanto outras que escarneciam
do clero sofreram drástica revisão. Eliminaram-se termos como "frade", "arcanjo", ao preço
de tornar uma história totalmente sem sentido - a do frei Alberto, que
fingiu ser o arcanjo Gabriel para seduzir uma devota senhora veneziana.39 As anedotas no
livro 2 do Cortesão de Castiglione foram submetidas a tratamento semelhante
na edição expurgada de 1584.40
O clero da Contra-Reforma iniciara uma "ofensiva cultural", não para proibir todas as
formas de chiste, mas para reduzir sua influência. Começaram a considerar
cada vez mais indecorosas as piadas quando contadas por clérigos, cujo comportamento
devia ser marcado por gravitas, ou na igreja, porque era um lugar sagrado, ou
sobre temas sacros. As carreiras dos sacerdotes brincalhões como Arlotto e Fra Mariano
passaram a parecer indecorosas - e, mais tarde, quase inimagináveis.
Em seu concílio provincial de 1565, são Carlo Borromeo denunciou as festas da
Páscoa por provocar risos. Não concordaria com Vla-
38 Richardson (1994), 135.
39 Sorrentino (1935); Brown (1967).
40 Cian (1887).
129
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
dimir Propp sobre o riso ritual. Segundo a opinião de Borromeo, o costume religioso de
representar as vidas de Cristo e dos santos fora corrompido pela perversidade
humana, resultando em escândalo, galhofa e desprezo. Também instruía os pregadores a
não contarem histórias engraçadas.41 O papa Pio V emitiu um decreto contra o
riso "imoderado" na igreja.42 O índex de Sexto V (1590), mais rigoroso que seus
antecessores, incluiu as coletâneas de facezie editadas por Domenichi e Guicciardini,
apesar de suas pretensões a moraliSMO.43 Numa carta de 1608, Robert Bellarmine, outra
figura importante da Contra-Reforma, expressou sua oposição a detalhes reveladores;
sobre a vida dos santos, que poderiam estimular mais o riso que a edificação ("quae risum
potius quam aedificationem pariant"). Talvez tivesse em mente a tradicional
imagem de são José chifrado pelo Espírito Santo.
É necessário ver essa ofensiva clerical como parte de um movimento mais amplo, ou
pelo menos de uma mudança mais generalizada de atitudes (de qualquer modo
entre as classes superiores), estendendo-se do surgimento do classicismo nas artes à retirada
da participação da cultura popular, uma mudança que Elias descreveu
em termos de autocontrole cada vez maior, ou "civilização".44 Por exemplo, os Discursos
sobre o que é adequado a um jovem nobre que serve a um grande príncipe (1565),
de Gianbattista Giraldí Cinthio (mais conhecido como dramaturgo), diziam aos leitores que
não fossem os primeiros a pilheriar, pois isso poderia ser interpretado
como um desrespeito ao príncipe. O patrício genovês Ansaldo Cebà enfatizou a necessidade
de moderação nas piadas, que deviam ser adequadas a lugares, tempos e pessoas,
e não demeritórias de um cavalheiro ("cbe non disdicano ad huom libero e CoStUMato").45
41 Bemardi (1990),256, 259; Taviani (1969); Borromeo (1758),44.
42 Azpikueta (1582),42-3.
43 Reusch (1886),481.
44 Elias (1939); Burke (1978),270-80.
45 Cebi (1617),
cap. 43.
130
FRONTEIRAS DO CÔMICO NO INíCIO DA ITÁLIA MODERNA
MUDANÇAS NA BEFFA
Retornando à beffa. Do ponto de vista da "civilização", é sem dúvida significativo que entre
seus críticos, como vimos, haja dois autores cujos livros de conduta
ficaram famosos: o Cortegiano, de Baldassare Castiglione, e Galateo, de Giovanni Della
Casa. Os oradores de Castiglione criticam as beffe por razões morais, preferindo
às brincadeiras de mau gosto as verbais, enquanto o autor censurou algumas de suas
próprias piadas na terceira versão manuscrita de seu tratado. As críticas hoje
talvez pareçam paliativas, mas no contexto do início do século XVI Parecem quase
puritanas, ou revolucionárias.46 Quanto à contra-reforma moralista de Della Casa,
ele admitiu a necessidade de as pessoas pregarem peças umas nas outras, porque a vida
nesse vale de lagrimas precisa de algum tipo de alívio (sollazzo), mas também
criticou certos tipos de beffa.47
Outro indício também aponta na direção da definição mais incisiva de padrões e de um
encolhimento na área do permissível em público, Uma nobre sociedade
dramática de Siena, a Intronati, agora tinha o cuidado de não ofender a modéstia das
senhoras com suas burle. No caso das beffe contadas por Grazzini, provavelmente
na década de 1580, um crítico recente afirmou que se deu uma mudança de perspectiva, do
gozador para a vítima.48 Outro escritor recente sobre a literatura italiana
comentou a "crise" e declínio da beffa no século XVII.49 No mínimo, foi purificada.
Que substituiu a tradicional beffa? Característica do novo regime de humor é a
relativamente branda beffa de Girolamo Parabosco, em que "um grande jarro
de água e cinza quente" cai na cabeça de um amante quando chega à casa de sua dama. As
brincadeiras represen46 Grudin (1974); Rochon (1975), 171-210.
47 Delia Casa (1554), caps, 11, 19.
48 Plaisance (1972), 46.
49 Rochon (1972), 179-202.
131
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
tadas por Bertoldo, o herói de um cicio de piadas de fins do século XVI, escritas por Giulio
Cesare Croce, incluem violência, mas não escatologia. Parece também
ter ocorrido uma mudança entre as classes mais altas em direção à graça espirituosa e ao
senso de humor verbal. Mudança que pode ser exemplificada pela vida nas
academias, uma forma de sociabilidade cada vez mais importante nas cidades italianas dos
séculos XVI e XVII. Esses grupos de debate, que remontam ao início do Renascimento,
tornam-se agora, ao mesmo tempo, cada vez mais formais e brincalhões de maneira
respeitável. Pode-se exemplificar a mudança segundo os nomes humorísticos que se
tornaram quase de rigueur para os membros e as próprias academias - os "Dorminhocos"
(Addormentati); os "Confusos"; os "Imobilizados" (Gelati); os "Imaturos" (Immaturi);
os "Irrefletidos" (Spensierati); os "Incultos" (Incolti); e assim por diante - além de palestras
zombeteiras e paródias que constavam de grande parte de seus programas,
algumas das quais reproduzidas em Bizarrie academiche (1638), de Gianfrancesco
Loredan.50
O teórico do século XVII Errimanuele Tesauro (que se poderia descrever em
linguagem de hoje como um teórico literário) expressou um novo ideal de elegância:
pôr de lado as "brincadeiras populares" (facetie popolari). Não rejeitou de todo a beffa,
porém se preocupava muito mais com as brincadeiras verbais que com as de
mau gosto.51 Nesse sentido, foi um típico representante do movimento cultural que hoje
chamamos de "barroco". Não parece insensato sugerir que a obsessão barroca
com o trocadilho foi uma forma de compensação psicológica, uma reação ao encolhimento
da influência do cômico. Outra forma de compensação foi o surgimento da caricatura,
inventada nos círculos dos Carracci e Bernini entre o início e meados do século XVII. Em
outras palavras, foi obra de artistas famosos pelo
50 Quondam (1982),823-98.
51 Tesauro (1654), 38, 223, 583ff., 682.
132
FRONTEIRAS DO CÔMICO NO INíCIO DA ITÁLIA MODERNA
classicismo de seus traços, sugerindo que necessitavam de uma trégua da idealização,
quando agora lhes negavam as formas anteriores de alívio CôMiCO.52
É claro que a tese de Elias sobre o surgimento do autocontrole ou "civilização" não
deve ser enunciada de uma maneira tão simples. A tendência foi gradual,
não repentina, provocou resistência, e só foi bem-sucedida em medidas variadas, em
diferentes momentos e em diferentes lugares, entre diferentes grupos, ou mesmo
em diferentes tipos de situação. Por exemplo, Adriano Banchieri, um monge beneditino,
publicou obras cômicas no século XVII, embora o fizesse sob um pseudônimo, desse
modo revelando que violava o tabu da Contra-Reforma. O patrício florentino Niccoló
Strozzi contou em meados do século XVII a história de uma beffa em que se deixava
a vítima a noite inteira na Piazza della Signoria.53 Em Patrolino, as fontes continuavam em
funcionamento no século XVII e até mais tarde, como testemunham dois
viajantes ingleses (entre outros). John Evelyn, de visita em 1645, diz que ele e seus
companheiros ficaram "bem encharcados por causa de nossa curiosidade".54 Richard
Lassels relatou a visita "à Gruta do Cupido com os bancos molhados, nos quais, quando nos
sentamos, um grande jato d'água nos atinge em cheio a cara".55
No século XVIH, encontramos um retorno ao Renascimento, com uma diferença.
Vários textos cômicos do século XVI reapareceram nessa época, mas em formas revisadas.
Bertoldo, por exemplo, foi republicado em 1736, reescrito por vinte homens de letras, em
verso, com alegorias. G. C. Becelli reescreveu as façanhas do famoso gozador
medieval como Il Gonnella (1739). As beffe de Grazzini, escritas por volta de 1580, foram
publicadas pela primeira vez em 1756. Uma
52 Kris (1953), caps. 6-7; Lavin (1983).
53 Woodhouse (1982).
54 Evelyn (1955), vol. 2,418.
55 Lassels (1670),134.
133
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
vida do famoso sacerdote brincalhão Arlotto Mainardi foi publicada em Veneza em 1763.
Assim, o ressuscitamento do Renascimento no século XVIII foi acompanhado e talvez tenha dependido - de um distanciamento cultural.
Para prosseguir nesse tema do distanciamento, podemos recorrer a uma história do
século XX contada pelo romancista Vasco Pratolini em seu romance As moças
de San Frediano (1949), uma evocação da cultura operária tradicional nos anos que se
seguiram à Segunda Guerra Mundial. O castigo de "Bob", o Don Juan local, por
um bando de seis moças que ele tentou seduzir individualmente, assume a forma de uma
beffa na tradição florentina, em que o amarram e o fazem desfilar pelas ruas
com os órgãos genitais expostos. Pratolini não apenas se inclui em uma alta tradição
literária, a da cultura operária de Florença, de onde veio e que festeja em
toda a sua obra. Não parece que nos deslocamos para muito longe nos quatrocentos anos
que separam Pratolini de Pratolino, ou mesmo nos seiscentos anos que o separam
de Boccaccio. O "bando", ou brigata, é central nos dois exemplos. Contudo, as fronteiras
sociais do cômico mudaram. O que era representado no século XIV como um
costume social geral agora se associa a jovens adultos da classe operária.
A essa altura, talvez seja útil retornar aos comentários de Darnton sobre a "alteridade".
Somos menos cruéis e mais civilizados, como sugere ele? Nos dias
de hoje é impossível um massacre de gatos? No Cambridge Evening News, no início da
década de 1990, noticiou-se um incidente em que um rapaz que discutira com a namorada
vingouse dela pondo seu gato no forno de microondas. O exemplo sugere que talvez fosse
prudente não falar tanto de uma profunda mudança na psicologia humana quanto
de mudanças nas convenções sociais, nas regras do jogo, nas fronteiras do cômico. Como o
sexo, é impossível reprimir de todo o riso. Em vez de falar em "declínio"
das formas tradicionais de humor de fins do século XVI em diante, poderíamos empregar o
termo mais preciso de Bakhtin: "desintegração". O
134
FRONTEIRAS DO CÔMICO NO INÍCIO DA ITÁLIA MODERNA
que encontramos no período 1550-1650, em particular, são restrições cada vez maiores à
participação pública de clérigos, mulheres e cavalheiros em certos tipos de
brincadeiras, uma redução de influências, ocasiões e locais cômicos; uma elevação do
limiar; uma intensificação no policiamento das fronteiras.
135
6
O discreto charme de Milão:
viajantes ingleses no século XVII
137
Desde que se aprenda a usá-los, os diários ou correspondências de viagens, travelogues,
estão entre as mais eloqüentes fontes para a história cultural. Por "travelogues"
quero dizer um relato periódico ou diário de viagem mantido por um viajante, em geral em
um país estrangeiro, ou uma série de cartas descrevendo suas impressões.
A tentação, tanto para os historiadores quanto para outros leitores, é imaginar-se olhando
através dos olhos dos escritores, ouvindo através de seus ouvidos e percebendo
uma hoje remota cultura como realmente era.
O motivo pelo qual não devemos sucumbir a essa tentação não é que os viajantes
divirjam, pois é relativamente fácil verificar um relato cotejando-o com o
outro. A questão a enfatizar é o aspecto retórico de suas descrições, em particular a
importância dos lugares-comuns e dos esquemas. Os textos são tão completamente
descrições espontâneas e objetivas de novas experiências quanto as autobiografias são
completamente relatos espontâneos e objetivos de uma vida individual (pp. 60-1).
Algumas dessas descrições são pelo menos escritas com a publicação em mente, e tudo
segue em consideração a certas convenções literárias. Outras apenas refletem
preconceitos no sentido literal de opiniões formadas antes que os viajantes deixassem seu
próprio país, sejam essas opiniões resultado de conversas ou leituras.
Um estudo antropológico do "mito de comer gente" observa como é comum que os
viajantes percebam os habitantes de uma sociedade culturalmente distante como
canibais. "O epíteto canibal foi em alguma época aplicado por alguém a todo grupo
humano." Outro fa139
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
moso exemplo de preconceito, estudado com mais cuidado no caso de europeus no Extremo
Oriente, foi batizado como "o mito do nativo preguiçoso". Volta e meia, e de
maneira continuada, europeus comentam a "preguiça", "indolência" ou "relutância a
trabalhar" dos malaios, filipinos, javaneses e outros.1 Mais uma vez, desde os
tempos de Heródoto em diante, o esquema do mundo virado de cabeça para baixo tem
atraído os viajantes, no que consideram lugares exóticos, como um meio de organizar
suas observações. Mais de uma personagem nos romances de E. M. Forster vê partes
estrangeiras como o reverso de seu próprio país. Tanto em A Room with a View (1908),
ambientado na Itália, como em Passagem para a índia (1924), alguém se queixa da terrível
falta de privacidade.
COMO VIAJAR
Também se revela que muitos desses diários e cartas de viagem seguem as receitas dadas
em livros sobre a "arte de viajar". Instruções sobre "como viajar" eram um
gênero literário estabelecido por volta do século XVII. Contribuições ao que às vezes se
chamou de "arte apodêmica", em outras palavras, viagem metódica, incluem
De peregrinatione (1574), de Hieronymus Turler, De arte apodemica (1577), de Hilarius
Pyrckmair, Methodus apodemica (1577), de Theodor Zwinger, De ratione peregrinandi
(1578), de Justus Lipsius, Methodus (1587), de Albert Meier, De peregrinatione (1605), de
Saiomon Neugebauer e Metbodus peregrinandi (1608), de Henrik Rantzau.2
Em textos como esses, aconselhava-se aos que pretendiam viajar que observassem, em
cada lugar visitado, os monumentos fúnebres; as
1 Arens (1979), 13; Alatas (1977).
2 Stagl (1980, 1990); ???Rubi~s (1995).
140
O DISCRETO CHARME DE MILÃO
pinturas; os prédios, públicos e privados, religiosos e seculares; as fortificações; as fontes; o
sistema político; e as maneiras e costumes dos habitantes. Também
eram aconselhados a levar um guia turístico e a fazer anotações cuidadosas sobre o que
viam. Os ingleses que não sabiam ler latim ainda tinham acesso aos textos
de Turler (traduzidos para o inglês em 1575), Meier (traduzidos em 1589) e Lipsius
(traduzidos em 1592), além do ensaio de Francis Bacon, "Of Travel", publicado
pela primeira vez em 1612. Embora alguns viajantes, em particular Michel de Montaigne,
usassem os olhos e ouvidos para apresentar relatos originais, os escritores
de muitos diários de viagem seguiam os conselhos desses textos "apodêmicos", apenas
privilegiando mais uma categoria do que outra segundo o gosto. Assim o inglês
Thomas Coryat antecipou-se à crítica dizendo que era "um viajante de sepulturas", que
copiara muitos epitáfios e pouquíssimo sobre formas de governo, alegando como
defesa que era "um homem privado, não estadista".3
Apesar das ocasionais expressões de ceticismo, os viajantes também seguiam as
afirmações feitas em livros por viajantes anteriores, entre eles os guias turísticos
de países estrangeiros, que eram publicados em números cada vez maiores no século XVII.
Em conseqüência, muitas de suas descrições têm um tom de fórmula. Em suas
notas relativamente breves sobre Gênova, por exemplo, um inglês comenta a
"magnificência régia" da cidade, e outro o luxo régio" (cf. Capítulo 7).4 Magnificência
era uma palavra muito esvaziada nessas descrições.
Não apenas fórmulas breves, mas também tópicos ou temas ocorrem repetidas vezes.5
Incluem procissões (sobretudo de flageladores) e ex-votos, sinais de "superstição"
católica que fascinavam os visitantes protestantes. Também incluem violência, vingança, a
guar3 Coryat (1611), 11-12.
4 Moryson (1617), 167; Raymond (1648), 13.
5 Lord (1960).
141
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
da das mulheres pelos companheiros homens e os lazzaroni. Relatos da Itália escritos por
viajantes ingleses, franceses e alemães nos
séculos XVII, XVIII e XIX oferecem uma versão européia do mito do nativo preguiçoso
em suas versões recorrentes dos lazzaroni de Nápoles, homens robustos,
sadios, deitados ao sol sem fazer nada, sendo o dolce far niente uma parte indispensável da
dolce vita italiana como a viam os do norte.6 O inglês Samuel Sharp escreveu
sobre 6.000 lazzaroni que dormem nas ruas e "padecem por livre vontade ao sol grande
parte do dia sob os muros de palácios". Um conterrâneo estendeu a idéia, afirmando
que "as necessidades da natureza aqui são tão facilmente satisfeitas que a classe inferior das
pessoas trabalha, mas pouco: seu grande prazer é banhar-se ao sol
e nada fazer".7 Escritores franceses e alemães insistiam no mesmo assunto à parte Goethe,
que rejeitou a idéia como um exemplo do estereótipo que o nortista tinha
do sul.8
Essas descrições não são simples plágio. É provável que os viajantes vissem na
verdade homens deitados ao sol, descansando ou não após o trabalho, e os interpretasse
como lazzaroni porque correspondiam às expectativas criadas por livros ou pela tradição
oral. No início do século XVIII (se não antes), os viajantes estavam à procura
do "pitoresco", uma palavra nova e na moda que revela o hábito de ver a vida cotidiana
pelas lentes dos velhos mestres. Um pouco mais tarde, em 1814, o poeta inglês
Samuel Rogers descreveu as sacadas em Milão, "das quais uma figura feminina está sempre
olhando, como em P. Veronese e Tintoreto".9 O fato de os quadros terem o
poder de modificar as percepções da realidade não ocorre apenas no caso dos visionarios,
discutido no Capítulo 2. De qualquer modo, o ingresso em uma cultura estranha
ou semi-estranha transforma o viajante em
6 Crouzet (1982), 112, 114; Burke (1987), 15-19; cf. Comparato (1979); De' Seta (1981).
7 Sharp (1766), carta 24; Martyn (1787), 264; cf. Croce (1895); ???Mich6a (1939). 8
Goethe (1951), 28 de maio de 1787.
9 Rogers (1956), 165.
142
O DISCRETO CHARME DE MILÃO
espectador, observador se não em voyeur. Como diz Henry James em suas Italian Hours
(1877): "Viajar é, por assim dizer, ir ao teatro assistir a uma peça."
Após tantas observações criticas, o leitor talvez esteja esperando que eu jogue essas
narrativas de viagem na cesta de lixo, ou descreva a Itália de seus
autores como pura "invenção". Como em outras partes deste livro, contudo, tentarei evitar
os perigos opostos do positivismo e do construtivismo. As narrativas serão
aqui analisadas como fontes para a história das atitudes ou mentalidades.10 São
documentos preciosos de encontros culturais, revelando ao mesmo tempo a percepção
de distância cultural e a tentativa de se chegar a um acordo ou "traduzi-la" em algo mais
conhecido.
VISÕES DA ITÁLIA
Para exemplos concretos dessa percepção de distância, podemos recorrer ao caso de
viajantes do norte europeu, e mais particularmente aos britânicos no início da
Itália moderna. 11 No início do período moderno, os do norte já tendiam a ver a Itália como
o Outro. É tentador, mas muito superficial, explicar essa distância cultural
em termos religiosos como resultado da Reforma. Muito superficial porque se poderiam
apresentar argumentos para explicar a Reforma em termos dessa própria distância
cultural. Dois importantes reformadores, Erasmo e Lutero, visitaram a Itália e relataram seu
desagrado por alguns costumes italianos, como o Carnaval em Siena, testemunhado
por Erasmo em 1509. Contudo, a rejeição pela Reforma de imagens, rituais, santos e assim
por diante só pode ter aumentado a distância da cultura italiana sentida
por viajantes protestantes do norte da Europa.
10 Harbsmeier (1982).
11 Stoyc (1952);Seils(1964); Comparato (1979); De' Seta (1981).
143
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
Apesar de seu desprezo, ou medo, do catolicismo (ou "papismo", como dizem), um
considerável número de britânicos das classes mais altas sentia um vívido
interesse pela cultura italiana. Philip Sidney, William Harvey, John Milton, John Evelyn,
Joseph Addison e Tobias Smollett estão entre os mais famosos ingleses que
passaram algum tempo na Itália no início do período moderno. A arte e a arquitetura
italianas eram muito conhecidas na Grã-Bretanha, não apenas as do Renascimento,
mas também a obra de pintores do século XVII, como Caracci, Guido Reni, Guercino e
Salvator Rosa.12 Sir Henry Wotton, que passou muitos anos como embaixador em Veneza,
foi um importante mediador entre seus conterrâneos e a cultura italiana. Assim como o
famoso connoisseur Thomas Howard, conde de Arundel, que levou Inigo Jories
consigo em uma visita à Itália em 1613. Mais de trinta anos depois, o conde forneceu a
Evelyn "reminiscências" do que ver na Itália. 13
O italiano era provavelmente a língua estrangeira mais conhecida dos ingleses nessa
época, ultrapassada pelo francês apenas no decorrer do século XVIII.
Admirava-se muito a literatura italiana, sobretudo a poesia de Petrarca, Ariosto e Tasso
(cuja Gersalemme liberata foi publicada em tradução inglesa feita por Edward
Fairfax em 1600). Traduziram-se sem demora várias obras de escritores do século XVII,
entre elas História do Concílio de Trento (1620), de Paolo Sarpi, Rômulo e
Tarquínio e Davi perseguido, de Virgilio Malvezzi (as duas de 1637), História das guerras
civis na França (1647), de Enrico Davila, Anúncios do Parnaso (1656), de
Traiano Boccalini, e o Sistema do mundo (1661), de Galileu.
Portanto, não surpreende a existência de um substancial número de viajantes ingleses à
Itália no início do período moderno. Como disse Addison: "Certamente,
não há lugar no mundo em que um homem viaje com maior prazer e proveito que a
Itália."14 As artes de viajar
12 Hale (1954), 66-75.
13 Hervey (1921); White (1995).
14 AddiSon (1705), 357.
144
O DISCRETO CHARME DE MILÃO
descritas acima, em particular as obras de Pyrckmair, Turler e Lipsius, se referiam à Itália
em detalhes específicos. A península era a principal meta da "Grande
Viagem", expressão que acabava de entrar em uso para descrever a permanência temporária
no exterior de um ou mais jovens nobres, muitas vezes acompanhados por um
preceptor.15 A viagem, uma importante instituição cultural européia entre fins do século
XVI e fins do XVIII, muitas vezes duravam anos. Não apenas os "grandes turistas"
britânicos passavam uma considerável proporção do tempo na Itália, mas também
holandeses, dinamarqueses e poloneses. 16 Essa demanda era suficiente para gerar vários
guias turísticos, seja para a Itália em geral ou para as principais cidades, como Veneza e
Roma.
As diferenças de religião, língua, clima e costumes proporcionavam aos viajantes um
agudo senso de distância cultural. John Ray, que dedicou mais de dez
páginas aos modos e costumes italianos, enfatizou vingança, luxúria e ciúmes. Elias
Veryard chegou a conclusões semelhantes (ou copiou as de Ray): "Os italianos
são em geral ( ... ) lascivos, ciumentos e vingativos."17 Richard Lassels, um padre católico
que passou longo tempo na Itália, apresentou os modos italianos como
"muitíssimo recomendáveis", mas mesmo ele observou que os italianos eram vingativos e
também "conscientes de sua honra", e "rigorosos com as esposas, e mesmo com
o ciúme".18
Outro aspecto da Itália que impressionava os visitantes estrangeiros era a preocupação
com a apresentação visual. Lassels insistiu nisso de maneira mais
complacente quando descreveu os italianos como "parcimoniosos na alimentação para
poder viver e arriar elegantemente; gastando nas costas o que gastamos em nossos
estômagos". Ray achou as casas "mais grandiosas e majestosas do que cômodas para
habitação" e observou que "a fidalguia inferior tende a aparentar,
15 Black (1985); Chancy (1985).
16 ???N4czak (1978); Frank-van Westrienen (1983).
17 Veryard (1701), 263.
18 Ray (1673),150-1.
145
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
quando aparece em público, tanto esplendor quanto pode, e prefere abrir mão de muitas
satisfações em casa para ter condições de manter um coche e fazer o passeio
à la mode pelas ruas de sua cidade todas as tardes". De modo semelhante, Veryard afirmou
que os nobres "gastam seus bens ( ... ) fazendo a maior figura que lhes
permite seu grau e dignidade", já se percebia a Itália como a terra das aparências e
fachadas. Em vista da semelhança da última frase com a consagrada expressão
italiana fare bella figura, podemos arriscar a suposição de que Veryard e outros visitantes
estrangeiros muitas vezes relatavam observações que haviam originalmente
ouvido dos próprios italianos. Os relatos e diários de viagem incluem o que Bakhtin
chamaria de uma dimensão "heteroglóssica", registrando não a simples observação,
mas a interação entre viajantes e "viajandos", como os chamou um crítico recente.19 A
relação entre os estereótipos de caráter nacional comum dentro e fora de determinado
país é um tópico que merece pesquisa sistemática.
O senso de distância era, às vezes, agudo o bastante para os visitantes empregarem o
topos do mundo virado de cabeça para baixo. Assim, Gilbert Burnet, bispo
de Salisbury, um escocês calvinista, viu a Itália pela qual viajou na década de 1680 como o
inverso do esclarecimento, liberdade e trabalho que atribuía a seu próprio
país. Também ele contribuiu para o mito da preguiça nativa com sua referência à "preguiça
e indolência desse poVO".20 Addison fez o mesmo, censurando a "preguiça"
nos vários mosteiros e hospitais que se encontravam na Itália e operando com um sistema
de oposições binárias semelhante ao de Burnet (cuja análise elogiou), contrastando
católicos e protestantes, tirania e liberdade, preguiça e trabalho, Eu e o Outro.21
Esses escritores, além de contribuir, também foram influenciados pelo que se chamou
do "mito" da Itália, parte de um contraste entre
19 Pratt (1992).
20 Burnet (1686), 108.
21 Addison (1705), 420-1.
146
O DISCRETO CHARME DE MILÃO
norte e sul (cultura e natureza, civilização e selvageria), que se tornou ainda mais incisivo
no século XIX.22 A princípio, vira-se a Itália como o centro da civilização,
mas no século XVIII ela já se transformava em uma Arcádia. Nos dois casos, encontramos
um mito de lugar não muito diferente dos mitos de tempo discutidos no Capítulo
3, uma visão em que tudo era maior (ou mais acentuado) que a dimensão natural. Embora
os do norte achassem o sul da Europa exótico, o inverso também ocorria. Foi
nessa época, por exemplo, que o conde Maiolino Bisaccioni, prolífico escritor de história e
ficção, publicou livros sobre Demétrio o moscovita (1639) e Memórias
históricas de Gustavo Adolfo (1642), além de situar um dos contos de sua coletânea O
navio (1643) na Noruega e outro na Rússia.
O mito da Itália não impediu que alguns visitantes observassem cuidadosamente os
costumes locais, como os guias de viagem recomendavam. Como vimos no Capítulo
4, os visitantes do norte começavam a ter cada vez mais consciência da teatralidade dos
gestos italianos (seja com a assistência ou não, nesse processo, das críticas
de reformadores italianos). Fynes Morison, em Veneza na década de 1590, ficou
impressionado com a "variedade de acessórios, linguagens e maneiras".23 Thomas Coryat
observou os usos de leques, garfos e sombrinhas, todos objetos estranhos na Inglaterra na
época em que escrevia. Philip Skippon, na Itália na década de 1660, tomou
meticulosas notas sobre comida ("eles espalham queijo ralado na maioria dos pratos"),
roupas (com um esboço de um barrete de bispo), flageladores; ("açoitadores"),
funerais, blasfêmias, produção de seda, a guilhotina usada em Milão, o sistema de votação
em Veneza (completo, até com um diagrama da urna eleitoral), a maneira
como se penduravam as roupas lavadas para secar em barras de ferro pelas ruas, e muito
mais. Skippon é um escritor de viagens injustamente esquecido, com olhos e
ouvidos talvez aguçados por sua formação científica em Cambridge, onde estudou com o
famoso botânico John Ray. É uma
22 Crouzet (1982), 2, 38-49, 75, 79, 120, 242.
23 Moryson (1617), 90.
147
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
pena que não se tenha reimpresso o relato de sua viagem à Itália desde 1732, além de um
dos poucos estudos dedicados aos viajantes ingleses à Itália no século XVII
omiti-lo de todo.24
ViSõES DE MILÃO
Para uma análise intensiva mais precisa da Ínteração entre estereótipo cultural e observação
pessoal, podemos recorrer às visões de Milão registradas por viajantes
britânicos no decorrer de um longo século XVII, da década de 1590 ao início da década de
1700. Nessa época, os britânicos tinham uma impressão razoavelmente clara
de pelo menos quatro cidades italianas. Associava-se Roma, é claro, às ruínas da
Antiguidade e ao papado. Veneza era famosa pelo Carnaval além de sua "constituição
mista".25 Florença era célebre pelas obras de arte, e Nápoles pela beleza natural.
Em contraposição, a visão britânica de Milão era um tanto vaga. Segundo o dito
comum, Roma era a Sagrada, Veneza, a Rica, Nápoles, a Fidalga (no sentido
de nobre), Florença, a Bela, Gênova, a Soberba (no sentido de "orgulho"), Bolonha, a
Gorda, Pádua, a Culta, e Milão, a Grande - em outras palavras, grandiosa. Para
os interessados em ler alguma coisa em inglês sobre a cidade ou Estado de Milão, existia
pouco material à disposição, sobretudo na primeira metade do século. Duas
peças apresentadas no palco inglês nessa época forneceram alguma informação sobre a
história da cidade. The Duke of Milan (1621), de Philip Massinger, e The Tragedie
of Lodovíck Sforza Duke of Milan (1628), de Robert Gomersali, eram ambientadas em fins
do século XV, e se basearam na tradução inglesa de História da Itália, feita
por Francesco Guicciardini. A única referência concreta à Milão da época ocorre em Honest
Whore, de Thornas Dekker, em que
24 Skippon (1732); Sells (1964).
25 Gaeta (1961); Bouwsma (1990); Haitsma Mulier (1980).
148
O DISCRETO CHARME DE MILÃO
há uma cena em uma loja que vende tecidos finos.26 O século XVII foi a era dos primeiros
jornais, mas era raro noticiarem acontecimentos da região, à parte a peste
de 1630 e o terremoto de 1680. No início de nosso período, era improvável que viajantes
associassem Milão a mais que santo Ambrósio e são Carlo Borromeo. Mais tarde,
podiam-se ler as descrições de viajantes anteriores, como Thomas Coryat (publicada em
1611), Fynes Morison (publicada em 1617), Raymond (1648) e outros.
Então como agora, os britânicos em geral visitavam Milão a caminho de outro lugar,
quando não a omitiam inteiramente de seus itinerários. Milton, por exemplo,
passou um bom tempo em Florença, Roma, Nápoles e Veneza entre 1638-9, mas não há
indício de que tenha posto o pé em Milão (chegou a Florença via Gênova e Livorno).27
Quanto a Edward, lorde Herbert de Cherbury, que se encontrava em Milão em 1615, a
única coisa que encontrou para dizer sobre a cidade em sua autobiografia foi que
ali ouvira uma freira famosa cantando, acompanhada por um órgão.
Os viajantes ingleses cujos testemunhos serão usados abaixo merecem ser
apresentados ao leitor. Eram quase todos membros das classes superiores. Em ordem
cronológica, são o cavalheiro Fynes Morison, que se achava em Milão em 1594; Thomas
Coryat, que visitou a cidade em 1608; Sir Thomas Berkeley (1610); o conde de
Arundel, que lá esteve em 1613 e 1622; Peter Mundy, que a visitou em 1620 e registrou
suas impressões em desenhos, além de textos; John Raymond, em Milão, na década
de 1640; John Evelyn, cavalheiro e virtuoso (1646); Richard Symonds, outro cavalheiro
amante das artes (c. 1650); o padre católico Richard Lasseis, que passou muitos
anos na península, e escreveu uma descrição de Milão em 1654; o catedrático de
Cambridge John Ray e seu pupilo Philip Skippon lá estavam juntos em 1663; o protestante
radical Gilbert Burnet (1686); William
26 Cf. Rebura (1936).
27 Arthos (1968).
149
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
Brorriley, mais tarde secretário de Estado (década de 1680); William Acton, um preceptor
que acompanhou um jovem nobre à Grande Viagem (c. 1690); o físico Elias
Veryard, na Itália em fins do século; e Joseph Addison, que ali esteve de 1701 a 1703.
Desses dezesseis visitantes, nove publicaram relatos das viagens ainda em
vida. Dois diferentes relatos foram, de modo um tanto implausível, atribuídos a Bromley.
Por conveniência, chamarei o relato de 1692 de "Bromley" e o de 1702 de
"Pseudo-Bromley", independente do que possam revelar futuras pesquisas.
Em geral, os visitantes britânicos tendiam a passar apenas poucos dias em Milão, em
comparação com semanas ou meses em Veneza ou Roma. John Raymond passou
quatro dias e Richard Lassels, seis. Não havia embaixador em Milão como havia em
Veneza, e os contatos oficiais eram raros, embora os diplomatas britânicos e outras
personalidades importantes pudessem ser recebidos pelo governador espanhol. Para
informação sobre Milão, os britânicos dependiam de agentes não oficiais, ou, para
falar em termos não tão elegantes, espiões. A importância da informação fornecida por
esses agentes clandestinos é revelada pelo fato de que, para descobrir os planos
do governador de Milão, o doge certa vez consultou o embaixador britânico em Veneza.28
A seguir, um retrato coletivo de Milão feito pelos viajantes britânicos. O método é
justapor ou sobrepor diferentes imagens. O objeto do exercício é descrever
não tanto a cidade como a impressão que provocou nos visitantes - a sensação de distância
cultural, a mistura de atração e repulsa. Esses visitantes eram todos indivíduos
com seus próprios interesses particulares - Addison e Burnet pela economia italiana, Evelyn
pelas artes, Lassels e Burnet pela religião, Ray pela ciência, Skippon
pela vida cotidiana. Por outro lado, viviam muitas vezes conscientes de seus antecessores,
ainda que fosse apenas para afirmar sua relutância a "transcrever a viagem
de outros".29 OS
28 Wotton (1907), 350, 399,404; Brown (1864), vol. 10, ncks 658, 673.
29 Bromley (1692), 52.
150
O DISCRETO CHARME DE MILÃO
lugares-comuns e as observações individuais serão estudadas não tanto pelo que nos dirão
sobre as atitudes dos próprios viajantes. Dar-se-a especial atenção ao que
eles consideraram surpreendente ou desconcertante.
O primeiro comentário a fazer é que os britânicos viam Milão, pelo menos na primeira
parte do século, como um lugar sinistro, perigoso, de maneira muito
semelhante à que seus descendentes viam a Europa Oriental na década de 1950, com a
Inquisição no lugar do KGB. Havia, na verdade, uma espécie de "guerra fria" em
andamento nessa época. O rebelde conde de Tyrone recebeu uma calorosa acolhida do
governador de Milão, após fugir da Irlanda em 1608. O homem que tentou assassinar
o rei Jaime I em 1613 vinha de Milão. Em 1617, discutiu-se seriamente um possível ataque
a Milão por forças conjuntas britânicas, venezianas e savoianas.30
Ocorriam, com suficiente freqüência, fatos desagradáveis para
justificar a ansiedade dos viajantes, ou para dar-lhes uma emocionante sensação de
aventura. Em 1592, Wotton escreveu que planejara
visitar Milão, mas a considerava demasiado perigosa. Fynes Morison, em geral um
intrépido viajante, passou apenas pouco tempo ali em
1594, "pelo perigo de minha residência lá".31 Um dos espiões de Wotton em Milão, Roland
Woodward, foi preso pela Inquisição em 1606,
e outro, Charles Bushy, em 1607.32 Em 1608, Coryat teve uma experiencia desagradável
quando visitava o Castello Sforzesco e foi
confundido por um holandês.33 Em 1610, quando o visconde Cranborne, filho do conde de
Salisbury, passava por Milão, um membro de sua
comitiva foi preso por portar uma pistola.34 Em 1613, o conde de Arundel deixou a cidade
às pressas porque o governador de Milão
não o tratara com a cortesia costumeira a alguém de seu escalão.35
30 Brown (1864), vol. 11, nº 213; vol. 12, nº 14, nº 665.
31 Moryson (1617), 171.
32 Wotton (1907), 327, 399.
33 Coryat (1611), 102.
34 Brown (1864), vol. 12, nº 125.
35 Hervey (1921), 76.
151
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
Após 1640, um degelo político pÔs-se em andamento, e os documentos oficiais se
referem muito menos a Milão. Apesar disso, levou algum tempo para os viajantes
se adaptarem ao novo clima, e de qualquer modo a Inquisição continuava sendo uma
presença na cidade. Em 1646, Evelyn observou que os ingleses eram famosos por visitar
Milão, embora raras vezes, "por medo da Inquisição", enquanto alguns de seus colegas
viajantes "[aterrorizados com a Inquisição, mais severa aqui do que qualquer
lugar em toda a Espanha] pensaram em jogar fora alguns livros e documentos protestantes
[chamados de heréticos por eles]". O próprio Evelyn foi bastante corajoso
para entrar no palácio do governador, "tentado pelas gloriosas tapeçarias e quadros", mas
saiu às pressas quando o tomaram por eSpião.36
Apesar dos perigos, Milão causou uma impressão positiva na maioria dos viajantes, e
as razões disso nos dizem alguma coisa sobre as cidades inglesas, e
também sobre a maneira como se viam as cídades nessa época. Morison, por exemplo,
observou que "as ruas são largas". Coryat mencionou a população (300 mil, sem dúvida
um exagero) e a importância dos artesanatos (comentário também feito por Veryard quase
um século depois).37 Ray também registrou o número de 300 mil, "mas creio
que, quem o informa, fala por adivinhação, aleatoriamente". O que o impressionou foi a
modicidade dos preços de "todas as provisões para o estômago". Veryard também
notou a abundância de provisões comestíveis e Raymond achou que "vale a viagem de um
dia só para ver o mercado de Milão". Bromley também observou a população ("300
mil almas") e ainda os "muitos jardins".38 Evelyn a considerou "uma das mais principescas
cidades da Europa" e ficou impressionado com a "majestosa muralha" e o
número de "ricos coches" nas ruas, e Burnet com "as surpreendentes riquezas das igrejas e
conventos". Berkeley comentou o tamanho da cidade ("mais de 500 mil", uma
estimativa extremamente excessiva),
36 Evelyn (1955), vol. 2, 491, 494, 507.
37 Veryard (1701), 116.
38 Bromley (1692), 64.
152
O DISCRETO CHARME DE MILÃO
e o fato de que "nenhum homem pode andar armado sequer com um punhal ou faca nesta
cidade".39 Raymond e Addison se impressionaram com a "Colonna Infame" (mais tarde
celebrizada pelo romancista Alessandro Manzoni), o pilar erguido em desonrosa memória
de um barbeiro acusado de espalhar a peste de 1630.
Como recomendavam os tratados sobre a arte de viajar, incluindo o ensaio de Bacon
sobre o assunto, as igrejas, fortificações, hospitais e bibliotecas ocupavam
a maior parte do espaço nos relatos britânicos de Milão.
O simples número de igrejas na cidade impressionou mais de um visitante, "quase
cem" segundo Evelyn, "duzentas" segundo Bromiey, e "238" segundo Ray, e Raymond
afirmou que "o grande número de igrejas" era um dos motivos do apelido de "Milão, a
Grande". Quase todo mundo que visitava Milão tinha alguma coisa a dizer da catedral
ou Duomo, uma construção medieval à qual se fizeram importantes acréscimos no início do
século XVII. O interessante a notar é a variedade de reações à arquitetura
gótica, que não foi condenada universalmente como se poderia imaginar. Coryat, por
exemplo, achou a catedral "muitíssimo gloriosa e bela", Raymond a descreveu como
"a mais semelhante às nossas" de todas as igrejas que viu na Itália, na certa manifestando
saudades, mas também fazendo uma valiosa insinuação da distância cultural
entre alguns observadores britânicos e a arquitetura do barroco. De modo semelhante,
Lassels descreveu a construção do Duomo "como nossas antigas catedrais, com
naves e imensas colunas".40 Evelyn elogiou o pórtico de mármore e o exterior do Duomo,
com "4.000 estátuas, todas de mármore branco", embora achasse a cúpula lamentável
apenas no desenho gótico" (ele foi, a propósito, o primeiro inglês de que se tem registro a
usar o termo "gótico" para referir-se à arquitetura).41 Ray considerou
a catedral, vizinha à de são Pedro, "a mais grandiosa, suntuosa e majestosa construção da
Itá39 Sloane 682, f. 11 verso (British Library, Dept. de MSS).
40 Lassels (1654), 164.
41 Evelyn (1955), vol. 2,493; cf. Franki (1960), 356ff.
153
VARIEDADES DE HISTóRIA CULTURAL
lia".42 Pseudo-Bromiey a achou "uma das mais bonitas e maiores igrejas que já vi". Acton
foi ainda mais entusiástico: "O Ducario ou catedral é o mais belo edifício
em Milão e, se a pessoa tem um mês para passar ali, deveria vê-lo todo dia e ainda assim
descobrir alguma coisa para satisfazer sua curiosidade, que não viu até
então, ou pelo menos não reparou antes."43 Veryard a julgou "um majestoso edifício da
antiga obra medieval gótica". As únicas vozes dissidentes foram as de Burnet
e Addison. Para Burnet, "o Duomo nada tem de louvável de arquitetura, sendo construido
na rude maneira gótica". já Addison registra seu desapontamento ao entrar
"na grande igreja de que tanto ouvira falar", um "imenso edifício gótico" de mármore, mas
com o interior "sujo de fuligem, poeira e fumaça das lamparinas".44
Após as igrejas, as fortificações. Não as muralhas da cidade, embora também fossem
consideradas imponentes, mas o Castello Sforzesco, não (como para os turistas
de hoje) como um monumento do Renascimento, mas uma fortaleza funcional e um
lembrete do poder espanhol. Alguns visitantes não tentaram entrar. Morison decidiu não
visitar o Castello, "para não me expor a grande perigo". Mundy "passou pelo Castello,
considerado um dos mais fortes da cristandade". Ray usou uma fórmula semelhante
"Julgada uma das principais fortalezas da Europa". Assim como Evelyn, que comentou:
"Por sua força, mecanismos e munições de todos os tipos, o mundo todo não
mostra nada igual a isso." Coryat a descreveu assim: "Sem comparação, a mais completa
que já vi"; "parecia mais uma cidade que uma cidadela". Para Lassels, era "uma
das melhores da Europa" acrescentando que "eles são muito cautelosos em deixar estranhos
vê-lo. Bromley conseguiu, com "certa dificuldade" entrar no Castello, embora
seu grupo fosse "cuidadosamente revistado", porque eram suspeitos de ser franceses na era
dos conflitos de Luís XIV com a Espanha. Acton descreveu o Castello com
adoráveis detalhes técnicos.
42 Ray (1673), 243.
43 Acton (1691), 73.
44 Addison (1705), 367.
154
O DISCRETO CHARME DE MILÃO
"É um hexágono muito regular com meias-luas; consideram-no uma das mais completas
obras de fortificação em toda a Itália, e de grande força, em cada um dos baluartes
há doze peças de canhões." Addison, por outro lado, rejeitou-a numa frase. "Considera-se a
cidadela de Milão uma sólida fortaleza na Itália."
Após as fortificações, o hospital. Coryat o chamou de "muito magnífico"" e observou
que podia socorrer quatro mil pessoas. Evelyn achou-o "de amplos limites"
e "um edifício régio, sem dúvida", uma fórmula repetida várias vezes, fazendo o leitor
desconfiar que isso foi usado por guias turísticos profissionais. Para Raymond,
era "mais adaptado para ser a corte de alguns reis do que abrigar enfermos". Lassels
descreveu-o como "o raro hospital que superava em beleza a melhor casa de rei
que já vi", acrescentando com seu humor habitual que "quase faria um homem desejar
adoecer um pouco lá dentro". Para Ray, era "mais parecido com um claustro majestoso
ou palácio principesco do que um hospital". Para Burnet, era um "prédio régio", para
Bromley "muito majestoso"" seus apartamentos "muito cômodos". Pseudo-Bromley
o achou "tão grande que ( ... ) concluí ao entrar pela primeira vez que estava no palácio de
algum príncipe". Acton o considerou "bem digno de nota", Addison não
fez o menor caso, nem se dignou a notá-lo.
ViSõES DA AMBROSIANA
Entre as visitas recomendadas aos viajantes intencionais, estavam os gabinetes de
curiosidades. Milão era o lugar de um dos mais famosos desses gabinetes, o museu
do cânone Manfredo Settala.45 Atraiu a atenção de Evelyn, Acton (que admirou muitíssimo
o que chamou de "três grandes chifres de unicórnios") e em particular Ray,
que tam45 Impey e Macgregor (1985).
155
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
bém se impressionou com os "chifres de rinocerontes"" além das moscas em âmbar,
"quadros feitos de penas pelos índios" e máquinas
"falsificando um moto-perpétuo".
Contudo, o museu de Settala foi obscurecido pela grande biblioteca nova de Milão,
fundada por Federigo Borromeo e batizada em homenagem do herói de Carlo
Borromeo, santo Ambrósio. já atraíra a atenção de Coryat em 1608, quando "ainda não fora
inteiramente
concluída, portanto sem nenhum livro dentro". Como ocorre com o resto da cidade, ou na
verdade com o resto da Itália, os viajantes tendiam a fazer o mesmo tipo de
comentário sobre a biblioteca, tendo ou não consultado a descrição publicada por Pietro
Paolo Boscha, De origine et statu bibliothecae ambrosianae (1672). Por isso,
é conveniente resumir suas observações tópico por tópico.
Em primeiro lugar - e para a maioria dos visitantes estes foram de fato os aspectos
mais importantes da Ambrosiana -, vejamos o prédio e a decoração. Evelyn
notou que se gastou uma "imensa soma" na construção. Ray e Skíppon a definiram como
"um prédio bonito" e "um belo prédio", respectivamente. Burnet a considerou uma
"sala muito nobre". Quase tão impressionantes foram as "curiosidades" (Evelyn), "quadros
curiosos" (Skippon) ou "grande variedade de peças" (Veryard) na galeria
anexa à biblioteca. Os "retratos de vários homens eruditos" na sala de leitura também
chamaram a atenção, embora nem sempre favorável. Lassels, por exemplo, descreveu
a série como "uma coisa de mais custo que proveito, vendo que com aquele custo muitos
mais livros poderiam ter sido comprados" (alguns anos antes ele fora mais elogioso).46
Burnet saltou para a conclusão de que "suas bibliotecas ( ... ) em toda a Itália são coisas
escandalosas, a sala muitas vezes linda e ornamentada, mas os livros
são poucos, mal encadernados e ainda pior escolhidos". Bromley, em termos mais
empíricos, queixou-se da falta de livros nas bibliotecas de Veneza, Mântua e Nápoles.
Se andara ou não lendo seus antecessores, Addison fez um
46Lassels(1670);Lassels(1654),164;Veryard(1701),115.
156
O DISCRETO CHARME DE MILÃO
comentário semelhante, que transformou numa crítica geral da cultura italiana, "o Gênio
Italiano"" como a chamou. "Vi a Biblioteca Ambrosiana, onde, para mostrar
o Gênio Italiano, eles gastaram mais dinheiro em Quadros do que em Livros ( ... ) Na
verdade, os livros são a parte menor da Mobília que comumente se vai ver numa
Biblioteca Italiana, de onde em geral saem com Quadros, Estátuas e outros ornamentos." O
comentário (como o de Ray trinta anos antes, citado acima) é um exemplo
relativamente antecipado da propensão do europeu do norte da Europa a ver a Itália, e o sul
em geral, como uma terra de fachadas.
Chegamos, afinal, às impressões dos livros e manuscritos. O número de 40 mil artigos,
mencionados em um guia turístico de 1628, foi repetido por visitantes
pelo resto do século (apesar de mais de setenta anos de novas aquisições), até PseudoBromley atualizá-lo para 50.500. Os viajantes também gostavam de repetir a
história de que um rei da Inglaterra, às vezes identificado como Jaime I, oferecera uma
enorme soma pelo manuscrito de Leonardo, uma história cuja origem se pode
remontar a uma notícia na parede da biblioteca.
Burnet condenou o acervo porque é "cheio demais de escolásticos e canonistas, que
são os principais estudos da Itália, e tem muito poucos livros de conhecimento
mais sólido e útil". Skippon observou o detalhe das "treliças de arame" defronte dos livros,
"que o bibliotecário abre quando há necessidade". Como protestante,
ele encontrou dois aspectos católicos da biblioteca exóticos o bastante para serem dignos de
nota. Primeiro, o aviso de excomunhão para todo aquele que retirasse
livros da biblioteca, um documento que julgou tão admirável que o transcreveu em seu
texto. Segundo, a censura eclesiástica. "Examinamos as obras de Gesnerus, impressas
em Frankfurt, e observamos escrito no alto da página de rosto- Damnati Authoris, etc.; e
todas aquelas notas que Gesner chama de supersticiosas e mágicas haviam
sido apagadas."
Um aspecto mais positivo da Ambrosiana também surpreendeu os britânicos e outros
visitantes estrangeiros. Ray observou que a
157
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
entrada e a utilização da biblioteca eram "livres para todas as pessoas, tanto estrangeiros
quanto cidadãos" . Skippon acrescentou o vívido detalhe de que os livros
serão entregues a "qualquer um que estudar aqui, que deve então sentar-se a uma cadeira
em um dos lados da sala". Lassels entusiasmou-se. "A Biblioteca Ambrosiana
é uma das melhores bibliotecas da Itália, porque não é falsa e tímida como as outras, que
mal se deixam ver; enquanto esta abre as portas ao público, a todos os
que entram e saem, e permite que leiam o que lhes agrada." Mesmo o rancoroso Burnet
ofereceu uma frase de puro louvor. "Parte da disposição da sala era agradável,
com um grande número de cadeiras colocadas em toda a volta, a uma competente distância
uma da outra, e para cada cadeira ali há uma escrivaninha com canetas, tinta
e papel, de modo que todo homem encontra aqui ferramentas para extrair as citações que
queira." É claro que nossos viajantes não esperavam que uma biblioteca tão
importante fosse realmente acessível. Em Oxford, estrangeiros não podiam tomar notas
sobre livros na Biblioteca Bodleiana a não ser que fossem supervisionados por
um bacharel da universidade. Em Londres, a famosa Sala de Leitura do Museu Britânico,
completa com escrivaninhas e canetas, só foi aberta ao público em meados do
século XIX. Pelo menos dessa vez, o mundo de cabeça para baixo revelou ter suas
vantagens.
7. Esferas publica e privada na
Gênova de fins do Renascimento
159
Historiadores e sociólogos urbanos concentravam a atenção na economia das cidades, sua
estrutura social e política, mas na última geração passaram cada vez mais
a preocupar-se com o que se denominou de "a cidade como artefato", incluindo a história
do espaço urbano. O que chama de "queda do homem público" e seu oposto complementar,
o valor cada vez maior atribuído à vida privada, foram estudados pelo sociólogo americano
Richard Sennett em termos espaciais. Sennett descreve o "teatro" social
e político de Paris e Londres e seu cenário, as praças públicas, das quais se baniram o
comércio e a diversão popular do final do século XVII ao início do
XVIII,
e outros lugares, de teatros a parques, onde estranhos podiam se encontrar. No século XIX,
afirma, o surgimento da burguesia levou a uma retirada para o espaço doméstico
e assuntos privados.1 Embora seu livro seja fascinante, pode-se contestar o argumento
central. Como, por exemplo, se relaciona à famosa tese de jürgen Habermas sobre
a ascensão da "esfera pública" nas mesmas cidades e no mesmo período? Também
Habermas examina espaços, os espaços públicos dos cafés e os semipúblicos dos clubes.2
Mais uma vez, se se pretende aplicar o argumento à sociedade ocidental em geral, a
cronologia de Sennett é um tanto problemática, como o exemplo do Renascimento
serve para demonstrar. Estudos de Florença e Veneza ligaram a história da vida pública à do
espaço público, sobretudo ao espaço da
1 Sennett (1977).
2Habermas(1962);cf.Brewer(1995),341-5.
161
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
piazza. Em Florença, os prédios governamentais deviam ser tratados como "lugares
sagrados" e o jogo, a bebida e a prostituição nas vizinhanças eram proibidos. Deste
modo, os florentinos construíram o que se chamou de "espaço de CUlto".3
Em Veneza, a Piazza San Marco era ao mesmo tempo o centro sagrado e o centro
cívico. A igreja era a capela do doge, e seu palácio, o cenário para reuniões
do senado e do grande concilio. Muitas vezes observou-se a aparência teatral da Piazza San
Marco e da piazzeta anexa, em particular quando vista da sacada do palácio
do doge, com o próprio em seu "camarote", contemplando os acontecimentos. A piazza foi
reprojetada no início do século XVI pelo principal arquiteto, Jacopo Sansovino,
por iniciativa do doge Andrea Gritti. Retiraram-se as lojas e as tendas da Piazza San Marco,
construíram-se uma biblioteca e uma loggetta anexa à base do Campanile.
Tão importante quanto os próprios prédios foi a reconstrução do espaço público que eles
cercavam. Um dos propósitos dessa reconstrução era criar um cenário mais
adequado para os rituais públicos, que eram de especial importância no que se chamou de
"república das procissões".4
A sugestão desses estudos de Florença e Veneza é que o apogeu do "homem público"
foi o século XV no primeiro caso e o século XVI no segundo, a "queda" ocorrendo
com o fim da República Florentina em 1530, e com o declínio menos drástico, mais
gradual, de Veneza no século XVII. O caso de Gênova é um tanto diferente. Aqui se
poderia sugerir que o homem público não decaiu, porque jamais se ergueu; ou, para usar a
linguagem corrente nos estudos renascentistas, porque faltava o "humanismo
cívico" tão importante na história de Florença e Veneza.5
Gênova é a Cinderela dos estudos do Renascimento Italiano, em geral negligenciada.
Até certo ponto, essa negligência é quase justificada, no sentido de que
no início do Renascimento, e mesmo no Alto
3 Trexler (1980), 47-54.
4 Tafuri (1969); Howard (1975), 13ff.; Muir (1981), cap. 5.
5 Sobre a idéia de humanismo cívico, Baron (1955).
162
ESFERAS PúBLICA E PRIVADA NA GÊNOVA
Renascimento, os genoveses não deram a contribuição que se poderia esperar de uma
cidade do norte da Itália de suas dimensões (cerca de 85 mil habitantes).6 Em estudo
do século XV e início do XVI, discuti as origens locais de seiscentos pintores, escritores e
eruditos italianos. A Toscana, com 10 por cento da população total,
fornecia 26 por cento dessa "elite criativa" mas a Ligúria, com 5 por cento da população,
fornecia apenas 1 por cento. O único humanista genovês desse período razoavelmente
conhecido hoje é Bartolommeo Fazío. Só lembramos de Federico e Ottaviano Fregoso
porque Castiglione lhes deu papéis com fala em seu Cortesão. Parece mesmo ter faltado
ao patrocínio da arte e humanismo genovês a importância que tinha em Milão, sem falar em
Veneza e Florença.
Historiadores, sobretudo Roberto Lopez, ele próprio genovês de nascença, ofereceram
várias explicações para a falta de participação genovesa no Renascimento.7
Para tratar de uma das mais convincentes, a falta de patrocínio cívico, ligada por sua vez à
falta de espírito público ou cívico. Comparado ao de Florença e Veneza,
o Estado genovês era fraco, incapaz de domesticar os magnatas. Gênova era o caso clássico
de "opulência privada e esqualidez pública" para citar a famosa expressão
de John Kenneth Galbraith ao descrever os Estados Unidos na década de 1950 - ainda mais
verdadeira hoje.8 Como sem dúvida sabia, Galbraith repetia o antigo veredicto
sobre Roma do historiador Salústio. As palavras de Salústio foram publice egestas, privatim
opulentia. Um diálogo anônimo do século XVII sobre assuntos genoveses
fez um comentário semelhante em sua discussão sobre os espaços físicos da cidade:
enquanto o estrangeiro admira os "magníficos palácios" e os "encantadores jardins",
o nativo salienta que as ruas, em contrapartida, são "estreitas e sinuosas".9
6 Heers (1961).
7 Lopez (1952).
8 Galbraith (1958), 211.
9 "Genovese e Romano" (atribuídos a Leonardo Lomellini, Paris, Bibiothèque Nationale,
MSS. ital. 751, f. 2).
163
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
A questão é que, na Gênova do Renascimento, os magnatas ainda governavam. As
grandes famílias ou clãs (albergbi) tinham exércitos e prisões privados.10 Como
em Florença, os membros de uma determinada família tendiam a viver no mesmo bairro da
cidade, e às vezes "privatizavam" alguns de seus espaços públicos. A Piazza
Matteo, por exemplo, era na verdade o território do clã Doria. já em 1565, a Piazza San
Luca estava sendo disputada entre os clãs Spinola e os Grimaldi, cada um
reivindicando o direito de comemorar a Véspera de São João com uma fogueira na praça.11
O senso dos patrícios de que os espaços públicos eram de fato seu território está
brilhantemente exemplificado no diário mantido por um deles, Giulio Pallavicino,
entre 1583 e 1589. A certa altura, ele escreve que um clube de jovens aristocráticos do qual
era membro, o Giovani di San Siro, confiscou a Strada Nuova e organizou
torneios a fantasia. Em uma ocasião mais cotidiana, Pallavicino relata a reação de um
patrício abalroado por um homem com uma mula ao passar pela rua. "Não me vistes
[Tu non mi vedil", queixou-se (pode-se imaginar o tom). "Vós também não vos vistes [E
voi non vi vedete]", veio a resposta descarada. O patrício ordenou que o criado
desse bordoada no muleteiro (dargli defle bastonate). De maneira semelhante, o próprio
Pallavicino sentiu em outra ocasião que seu espaço pessoal fora invadido por
um plebeu (un certo forfante). Sua reação também foi aparentemente a fórmula estabelecida
non mi vedi. Porque o outro não respondeu, pelo menos de forma audível,
Pallavicino deu-lhe un buono schiaffo. Porque o homem respondeu, recebeu uma
punhalada nas costas, una pugnalata nefli schiene,12 Faz-nos lembrar as cidades coloniais,
em que os brancos esperavam que os negros saíssem da calçada para a rua para deixá-los
passar. A questão não é que o direito virtual de ser dono da cidade fosse
exclusivo dos patrícios de Gênova, pois há paralelos em Veneza, Roma e outros lugares.
10 Heers (1961).
11 Grendi (1987), 85.
12 Pallavicino (1975), 6, 73.
164
ESFERAS PúBLICA E PRIVADA NA GÊNOVA
Contudo, esse imperativo territorial era ainda mais forte ou pelo menos mais bem
documentado ali.
O domínio dos patrícios sobre a cidade, ou mais exatamente de uma minoria de
patrícios, intensificou-se no decorrer do século XVI. A data crucial é 1528,
quando Andrea Doria, que servira a Francisco I, mudou de partido e fez um pacto com
Carlos V. Como dizem seus defensores, Doria "libertou" Gênova, para governá-la
por mais de trinta anos. Os cem anos que se seguiram a 1528 foram o que se poderia
chamar de "conexão espanhola", em que os patrícios genoveses se estabeleceram
em Sevilha, forneceram galeras para a marinha espanhola e acima de tudo emprestaram
dinheiro aos Habsburgos espanhóis. Gênova fora um satélite de Milão e da França.
Agora se tornara um satélite da Espanha. Poder-se-ia falar do "complexo militar financeiro"
genovês no sentido de que as mesmas famílias (Grimaldi, Pallavicino,
Spinola etc.) estavam envolvidas em operações militares e financeiras. O sucesso militar de
Ambrogio Spinola, que comandou o exército espanhol na Holanda no início
do século XVII, deveu-se em parte ao fato de que pagava suas tropas regularmente, e podia
fazer isso gastando o próprio dinheiro.
Os anos após 1528 ("28", como chamavam os genoveses) foram assinalados por
mudanças culturais além de econômicas e políticas. Descreve-se às vezes o Renascimento
veneziano como "tardio", porém os genoveses entraram no campo ainda mais tarde. O
gasto impressionante em arte e arquitetura começou na era da conexão espanhola.
A comuna construiu um palácio para Andrea Doria na Piazza San Matteo e o próprio
Andrea construiu para si uma magnífica villa em Fassolo.13 A decoração do Palazzo
Doria - feita pelo discípulo de Rafael, Perino dei Vaga - foi elogiada por ninguém menos
que o crítico Michelangelo.
Contudo, o verdadeiro ponto crucial chegou na década de 1550, com a construção da
Strada Nuova, uma rua de palácios que perten13 Grendi (1987), 139-72.
165
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
ciam às grandes dinastias financeiras. 14 Segundo o inglês Richard Lassels, a Strada Nuova
"excedia em beleza e construção todas as da Europa que já vi em qualquer
lugar, e se tivesse apenas se mantido desse mesmo modo por um pouco mais de tempo,
poderia ser chamada de a rua rainha do mundo".15 A rua hoje se chama Via Garibaldi,
mas os palácios ainda existem, como propriedades adequadas de organizações financeiras
como Banca d'America e XItalia. As mesmas famílias construíram villas esplêndidas
para si fora da cidade. 16 Quanto à pintura, foi na década de 1550 que o primeiro pintor
renascentista importante iniciou sua obra: Luca Cambiaso, seguidor de Giulio
Romano. Revelou-se um interesse por literatura em vernáculo. O poeta Torquato Tasso foi
convidado a dar palestras em Gênova, e os patrícios locais publicaram poemas,
em particular no círculo da academia dos ACidormentati, registrados pela primeira vez por
volta de 1563.
Também houve o surgimento da literatura política (impressa e manuscrita), de 1559 quando o advogado humanista Oberto Foglietta publicou seu Republíca di
Gênova - ao início da década de 1620, quando Ansaldo Cebà publicou suas peças. Essa
literatura merece um lugar maior na história do pensamento político do que o
que tem hoje fora de Gênova.17 Identificou-se com demasiada frequencia o pensamento
político com "teoria" política na exata acepção do termo. Para uma "história
total" do pensamento político, os historiadores precisam espalhar suas redes com mais
abrangência.
Em termos gerais, o que se publica é o mais importante, mas pode-se dizer que na
Gênova de fins do Renascimento as coisas funcionavam de outro modo. O que
se publicava era geralmente (embora nem sempre) anódino. Por outro lado, as críticas ao
governo circulavam em manuscrito, às vezes em múltiplas cópias, uma espécie
14 Poleggi (1968).
15 Lassels (1654).
16 Poleggi (1969).
17 Costantini (1978), cap. 7; Savelli (1981), 40ff., sobre o Sogno,
166
ESFERAS PUBLICA E PRIVADA NA GÊNOVA
de samizdat. A maioria das obras era anônima. Algumas adotavam a forma de diálogos
humanistas à maneira de Luciano, com títulos como "O sonho" ou os "Diálogos de
Caronte".18 Outras tomavam a forma de Relationi, gênero cujos pioneiros foram
embaixadores venezianos, mas muito imitadas em outras partes, às vezes por satiristas
que descreviam suas próprias cidades como se estivessem fora dela.19 Entre elas, Discordie
é uma obra de história que lembra A conjuração de Catilina, de Salústio,
enfatizando os males da facção e oferecendo uma análise sofisticada em termos de interessi
e contrapeso.20
A linguagem de mais de um texto é uma reminiscência de Maquiavel, aplicando suas
idéias à análise de Gênova e suas facções, e um diálogo o menciona pelo
nome,21 Um dos poucos textos impressos é em verso, uma série de sonetos em dialeto,
descrevendo a República Romana, "Quell antiga Repubrica Romanna", mas obviamente
pensando no presente. Alguns desses textos foram impressos nos séculos XIX e XX, mas
outros permanecem em manuscrito nos arquivos e bibliotecas genoveses, merecendo
uma análise mais detalhada do ponto de vista dos historiadores do pensamento político. De
qualquer modo, formam a base deste capítulo.
Essa literatura política contrasta com o que se produziu na república irmã de Veneza,
uma série de elogios ao sistema que os historiadores hoje descrevem
como "o mito de Veneza".22 Não houve çLmito de Gênova", mas o oposto, um antimito.
Os patrícios ge18 "Dialoghi di Caronte", Archivo Storico del Comune di Gênova (daqui em diante
ASCIS), M5 164; "Sogno", ASCIS, fondo Brignole Sale, 104 A21.
19 Godofredo Lomellino, "Relatione della Repubblica di Gênova" (1575), ASCG, MS 120;
"Relazione dello stato politico ed economico della serenissima repubblica di
Gênova" (1597), Biblioteca da Universidade de Gênova, MS B. VI, 23; [Giacomo
Mancinil, "Relazione di Gênova" (1626), Florença, Biblioteca Nazionale, fondo G.
Capponi,
vol. 81, nº 4.
20 Lercari (1579).
21 Lercari (1579).
22 Gacra (1961); Haitsma Mulier (1980).
167
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
noveses viviam criticando seu sistema político. Nessa literatura política, eram três os temas
principais.
O primeiro tema era o conflito entre as famílias nobres "antigas" e as novas, os vecchi
e os nuovi. Eram os vecchi que enriqueciam como banqueiros e construíam
palácios na Strada Nuova. Mas havia apenas cerca de setecentos veccbi homens em meados
do século, comparados com cerca de 1.400 nuovi. Os vecchi achavam que deveria
haver paridade entre os dois grupos, como fora decretado em 1547. Os nuovi continuavam
a afirmar que deveria haver direitos iguais a cargos individualmente. Dois
conceitos antagônicos de igualdade, pode-se dizer. O conflito se agravou com o fato de os
nobres, tanto homens quanto mulheres, excluírem os novos das relações sociais
(conversazioni famigliari). Como em Nápoles, os nobres tinham o costume de encontrar-se
em certas loggias ou pórticos para discutir política e outros assuntos. A
ação dos vecchi obrigou os nuovi a criar seu próprio lugar de reunião, em outra parte da
cidade.23
O conflito entre velhos e novos ferveu em 1575, quando os jovens dos nuovi
organizaram um torneio de Carnaval na Piazza Ponticello, um reduto "popular",
expressando assim, em um gesto radical, sua reivindicação à paridade com os vecchi e sua
ligação com o popolari. Os vecchi reagiram com certo desdém e sátira, referindo-se
às recentes origens comerciais dos rivais. Essa representação de hostilidades sociais na
piazza faz lembrar o Carnaval urbano encenado cinco anos depois, em Romans.
(uma pequena cidade em Dauphiné), e celebrizada há alguns anos por Emanuel Le Roy
Ladurie.24
No caso de Gênova, quase houve uma guerra civil. Ergueram-se barricadas nas ruas e
os vecchi chamaram às armas seus vassalos rurais. Apesar disso, foram
obrigados a conceder a abolição oficial da distinção entre velhos e novos.25 O humanista
Oberto Foglietta, que
23 Lercari (1579), 16; cf. Lomellino, "Relatione", 130-1; "Relazione dello stato politico".
24 Le Roy Ladurie (1979).
25 Costantini (1978),101-22; Savelli (1981), cap. 1.
168
ESFERAS PúBLICA E PRIVADA NA GÊNOVA
fora exilado por criticar os vecchi severamente (em livro publicado em Roma em 1559), e
por ousar sugerir que se devia permitir aos mais Popolari entrar no patriciado,
não apenas recebeu permissão para retornar, mas também foi nomeado historiador oficial
da cidade.26
Um segundo tema principal era o medo da Espanha, associado ao primeiro porque os
vecchi se envolviam mais com os espanhóis que os nuovi. Na verdade, em "75"
(como chamavam os genoveses), circulou um rumor de que os vecchi queriam entregar o
controle da cidade à Espanha.27 Os espanhóis odiavam o domínio econômico dos
genoveses, comemorado no amargo poema de Quevedo, Don Dinero:
Nace en las Indias honrada Donde el mundo le acompaña, Vien a morir en España Y es en
Génoa enterrada.
De sua parte, os genoveses, ou alguns deles, temiam o domínio político dos espanhóis.
Receavam que o Império espanhol os engolisse. A ameaça dava a alguns
deles o que se descreveu como uma "mentalidade de Sítio".28 Um diálogo de c. 1574
apresenta o duque de Alba conversando com Filipe II sobre a possibilidade de conquistar
Gênova. Alba adverte o rei das dificuldades, e sugere que seria mais barato servir-se de
Gênova concedendo ao mesmo tempo sua independência. Por outro lado, Filipe
afirma que uma tomada da cidade seria fácil, porque os genoveses se preocupam mais com
os assuntos privados do que com os públicos, amando mais il ben proprio que
a libertà.29 A mediação espanhola foi importante na paz de 1576. Na década de 1580,
houve outra disputa com a Espanha, porque os
26 Foglietta (1559); cf. Costantini (1978), 66ff.
27 [Mancini], "Relazione di Gênova", cap. 10.
28 Spinola (1981), 43; cf ibid., 87, 98, 100, 114, 189.
29 "Dialogo", Florença, Biblioteca Nazionale, fondo Capponi, 109. c. 6.
169
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
espanhóis se recusaram a dar à República o título de Serenissima. Os adversários da
Espanha se viam como "amantes da liberdade".30
O terceiro tema principal nessa literatura, e fundamental para essa contribuição, é o do
espírito cívico. Lembremos que a ameaça da Espanha (presente desde
1528, mas aparentemente mais aguda a partir da década de 1570 até a de 1620) despertou a
consciência cívica ou o patriotismo cívico de alguns patrícios genoveses
de maneira muito semelhante, segundo Hans Baron, à ameaça de Milão que encorajara o
surgimento do "humanismo cívico" florentino quase duzentos anos antes. Na verdade,
a própria expressão "humanismo cívico" parece adequada em pelo menos dois casos, pois o
pensamento de Ansaldo Cebà e seu amigo Andrea Spinola se nutriu dos clássicos,
em particular (como se poderia esperar por volta do início do século XVII) Sêneca e
Tácito.31
Contudo, ao contrário de Florença, segundo Baron, o surgimento do patriotismo cívico
parece ter sido uma reação não apenas à ameaça política mas também a
uma econômica: a ascensão do luxo. O que se percebeu como a ascensão do fasto,
splendore, grandezza, lusso ou, como poderíamos dizer, seguindo Veblen, "gasto
impressionante"
- tornou-se uma séria preocupação na Gênova de meados do século XVI em diante (em
Florença, Guicciardini já mostrara preocupação semelhante em Discorso di Logrogno
no início do SÉCULO).32 Criticava-se a ostentação de certos indivíduos como uma ameaça
à liberdade civil, em particular na peça de Paolo Foglietta (irmão de Oberto),
Il Barro. Entre os indivíduos criticados nominalmente nessa época estavam o doge
Gianbattista Lercari, por exemplo, cujos modos quase régios eram agressivos, e
o príncipe de Salerno, apelidado de il monarca. Um texto de 1575 (atribuído a Gioffredo
Lomellino, nobre que fez um epítome de uma das obras morais de Sêneca) observa
que o "esplendor aumentara, e se introduziram em Gênova prédios
30 Pallavicino (1975), 158, 192.
31 Burke (1991).
32 Pocock (1975), 135-6.
170
ESFERAS PÚBLICA E PRIVADA NA GÊNOVA
caros, roupas e comidas luxuosas", e relaciona isso à retirada dos assuntos públicos dos
vecchi, que preferiam la grandezza privata ao bem público.33 Um texto de
1579 afirma que os vecchi, mais ricos que nunca, vinham abandonando seu estilo de vida
cívico (modi civifi), "construindo palácios suntuosos com ornamentos regios
e vivendo em casas com esplendor e grandeza sem precedentes, excedendo em muito a
moderação cívica [la modestia civilel". Um diálogo de 1583 se refere aos "palácios
soberbos, que mais parecem habitações de príncipes que de indivíduos privados".34
Há uma insinuação de que essa tendência exemplificava não apenas a corrupção moral
que acompanha o enriquecimento, mas era uma tentativa da parte das famílias
antigas de se diferenciar dos novos nobres. De maneira semelhante, dizia-se que as famílias
antigas chamavam a si mesmas de vecchi e usavam nomes duplos "para revelar
a diferença" (far palese la différenza) entre elas e os nuovi. Essas pessoas parecem ter
conhecido seus Bourdieu, além de seus Veblen.35
As mais elaboradas e ponderadas expressões de valores críticos nesse período de crise
vieram no início do século XVII. Foram obra de dois amigos, ambos patrícios
menores e membros da academia dos Acidormentati. Ansaldo Cebà (c. 1565-1623) tem um
lugar seguro, embora pequeno, entre as histórias da literatura italiana. Estudou
com Sperone Speroni em Pádua, era amigo do poeta Gabriele Chiabrera, e ele mesmo
escrevera um épico, La reina Esther (1615), e várias peças. Esther concentra-se
no tema da libertação, e seu objetivo (segundo o prefácio) era suscitar o amor pelos grandes
empreendimentos nos corações de leitores. A tragédia Alcippo (1622)
é igualmente política, preocupada com o nobre espartano acusado de "soberba régia" (como
o doge Lercari) e de hostilidade pela cidade livre, embora seus defensores
o descrevessem como um homem de hábitos modestos. Em carta ao amigo Gioffredo
Lomellino, Cebà
33 Lomellino, "Relazione", 173-6.
34 Lercari (1579), 17; Pascherti (1583), 6.
35 Lercari (1579), 17; [Mancini], "Relazione di Gênova", cap. 8.
171
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
argumenta que a família de um senador deveria viver com mais modéstia que a de um
nobre inferior, e que o próprio senador deve ser um paladino da liberdade e esforçar-se
pela constância da mente em tempos de adversidade.36 Ainda mais importante para os
propósitos deste capítulo é o tratado de Cebà, Il cittadino di repubblica (1617).37
Grande parte do tratado é bastante convencional e anódino, mas não todo. Escrito para
rapazes em uma cidade livre, e fazendo referência regular a Plutarco, Salústio
e Sêneca, Il cittadino recomenda aos leitores estudar Tácito e a desconfiar tanto da
autoridade quanto do lUXO.38 O necessario, segundo Cebà, é a "disciplina cívica"
(disciplina civile), a ser estimulada pela meditação sobre a continência de Cipião (que
figura em Silandra, do mesmo autor) e a autonegação de Catão, o Censor.39
Expressam-se atitudes semelhantes para o controle das paixões em seu Esther.
Andrea Spinola (1562-1631), por outro lado, não publicou suas reflexões e foi
praticamente esquecido em Gênova até alguns anos atrás. Embora fosse um Spinola,
levava uma vida mais confortável do que rica.40 Fez-se porta-voz dos patrícios de segunda
classe e foi certa vez repreendido, em 1616, por falar de modo livre demais,
e três anos depois foi preso, por criticar seus colegas no poder. O apelido de Spinola era il
filosofo. Escreveu seus pensamentos em um texto chamado alternadamente
de Capricci, Dizionario ou Ricordi politici, consistindo de pensamentos dispostos em
ordem alfabética sobre temas como "Corrupção", "Disciplina" e "Igualdade". O
texto era uma espécie de livro político lugar-comum.41
Esse texto mostra que Spinola era um humanista cívico, cujos
36 Cebà (1623), 49ff.
37 Cebà (1617). Sobre ele, Costantini et al. (1976), 75-114.
38 Cebà (1617), 35.
39 Cebà (1617), 69.
40 Bitossi (1976), 158n.
41 Os MSS. citados aqui são ASCG, fondo Brignole Sale, 106 BII-12 (daqui em diante 133
e 1311-12). Sobre o autor, Fenzi (1966); Bitossi (1976).
172
ESFERAS PúBLICA E PRIVADA NA GÊNOVA
pontos de referência incluíam Juvenal, Salústio, Sêneca e Tácito.42 O autor opunha-se à
corrupção, ao luxo e à tirania. Criticou, por exemplo, o "cerimonial ridículo"
associado a "déspotas" como o rei da Espanha, e agora adotado pelos doges genoveses e
mesmo cidadãos comuns.43 Também era contra a aceitação de cargos nas ordens
militares espanholas (habiti e croci), que transformavam cidadãos livres em escravos.
Spinola criticava ainda a ostentação dos recentes funerais (se fossem realmente
necessários, observa, os pobres não podiam dar-se o luxo de morrer).44 Rejeitava a palavra
çcpalácio" e o hábito de viver em casas grandiosas porque esse estilo
de vida dava as crianças idéias superambiciosas (opinioni vane).45 Via a nova moda de
carruagens como uma forma "enlouquecida" de lUXO.46 Assim como criticava o
luxo privado, condenava a "pobreza pública".47
O que Spinola defendia, com exaltação, eram a liberdade e a igualdade republicanas
("l'egualità civile") e a tradição de uma vida simples, econômica ("l'antico
severità dei vivere parco"). Igualdade é um termo que se repete em todos os seus teXtos.48
Os modelos que defendia para os colegas genoveses eram a antiga Roma,
a antiga Esparta e a Suíça moderna, que podia ser rude mas preservava os costumes dos
homens livres ("con qual vivere loro rozzo e parco banno costumi propii d'uomini
liberi").49 Chegou a deixar dinheiro para os cantões suíços.50 Para manter vivos os valores
republicanos, recomen42 Sobre Juvenal, 1311-12, s.v. "Educatione"; sobre Salústio, Spinola (1981), 102, 187;
sobre Sêneca, ibid., 102, 201, 204, 248, 256, 265, 292; sobre Tácito, ibid.,
79, 84-6, 101-2, 121, 139, 165,167, 195, 204, 259,260.
43 1311-12, s.v. "Cerimoniale".
44 1311-12, s.v. "Essequie private".
45 1311-12, s.v. "Palazzi di cittadini". 46 1311-12, s.v. "Carrozze".
47 Sobre luxo, Spinola (1981), 97, 100, 187, 252ff.; sobre pobreza pública, 97. 48 Bitossi
(1976), 98-9, 102, 187; 1311-12, s.v. "Egualità civile".
49 Sobre Esparta, Spinola (1981), 79, 111, 232; sobre a Suíça, 83, 149. 50 Bitossi (1976),
151.
173
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
dava palestras públicas sobre ética e política.51 Como Foglietta sessenta anos antes,
Spinola queria mais plebeus admitidos na nobreza. Ao contrário de Pallavicino
(p. 164), achava que os nobres deviam demonstrar cortesia pelos plebeus, retribuindo suas
saudações, por exemplo.52
Em termos metafóricos, pode-se dizer que Spinola queria aumentar o espaço público
(ou, se preferir, a esfera pública) à custa do privado. Contudo, também
exprimiu opiniões sobre o espaço público no sentido literal do termo. Queixou-se, por
exemplo, da falta de respeito pelos prédios públicos. Sugeriu que vigias deviam
policiar a Loggia di Banchi (o prédio onde se reuniam os mercadores, reestruturado em fins
do século XVI), para impedir que jovens dormissem ou jogassem bola ali.
Em outras palavras, Spinola tinha um senso de consagração de prédios públicos do tipo que
o historiador americano Richard Trexier observou no caso de Florença.53
Em termos mais positivos, Spinola sugeria o gasto de dinheiro em limpeza das ruas,
pois era indecoroso, além de insalubre, permitir que porcos procurassem
comida no centro da cidade.54 Também se devia gastar dinheiro no Palazzo público, que
Spinola se recusava a chamar de Palácio do Doge, dourando o teto, revestindo
o piso com mármore e decorando as paredes com quadros. Essa ostentação, explicou, não é
vaidade. "Decorações como essas servem para manter a maestà publica."55 Recomendava
ainda a construção de uma estátua de mármore na Piazza della Signoria em homenagem ao
herói local, Cristóvão Colombo.56 Spinola era um admirador de Veneza, "o mais
prudente regime que já existiu no mundo".57 Claro, havia uma ten51 1311-12, s.v. "Scuole pubbliche".
52 133, f. 63 verso: 1311-12, s.v. "Cavarsi di Beretta" 53 Trexler (1980), 51-2.
54 1311-12, sx. "Strade pubbliche".
55 1311-12, sx. "Palazzo pubblico".
56 1311-12, sx. "Statue".
57 Spinola (1981), 81, 83, 111, 122, 129, 165, 214; 1311-12, s.v. "Venetia".
174
ESFERAS PúBLICA E PRIVADA NA GÊNOVA
dência semelhante em Veneza mais ou menos na mesma época, que culminou no
movimento de Renier Zen, um importante nobre que se tornou o porta-voz dos nobres
pobres.58
Movimento que não durou.
De modo semelhante, ignorou-se o apelo de Cebà e Spinola aos valores republicanos
tradicionais em Gênova. É impossível dizer quantas pessoas partilhavam
de suas opiniões. Os textos do século XVI citados acima mostram que eles não se acham
completamente sós, e a circulação das reflexões de Spinola em manuscrito sugere
afinidade por suas idéias, mas por outro lado os dois amigos não conseguiram provocar
muita impressão no sistema. Na geração seguinte, a maior figura literária e
intelectual foi um patrício de perfil muito diferente, Anton Giulio Brignole Sale, mais um
membro dos Acidormentati que escreveu contra Tácito, construiu um magnífico
palácio e mandou Van Dick pintar um quadro seu montado a cavalo antes que se ligasse aos
jesuítas. Os visitantes ingleses se impressionavam com a "magnificência
régia da Strada Nuova e o "luxo régio" dos genoveses.59 Esse luxo levou Joseph Addison,
que visitou a cidade no início do século XVIII, à conclusão salustiana
de que "embora o estado de Gênova seja muito pobre, vários de seus membros são
riquissimos, assim se pode observar infinitamente mais esplendor e ostentação em casas
particulares do que nas que pertencem ao público."60
O tradicional domínio da esfera privada - publice egestas, privatim opulentia - era
forte demais para romper. Na verdade, um escritor genovês do século XVII,
invertendo Spinola e prevendo Bernard de Mandeville, afirmou que os vícios privados eram
beneficios públicos: "Che é danno e vizio del privato risulta in qualche
maniera in grandezza e gloria del ptibblico."61 Não surpreende desco58 Cozzi (1958), 243-88.
59 Moryson (1617), 167; Raymond (1648), 13.
60 Addison (1705), 363.
61 Casoni, "Costumi", ASCG, fondo Brignole Sale, 110 E14, f. 2 recto.
175
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
brir que o homem de negócios e escritor político holandês Pieter de la
Court, em seu Politike Weegschaal (1661), tenha descrito Gênova
como "maravilhosa e notável" "verwonderens en ???a~erkenswaardig"), um modelo ainda
melhor para a República Holandesa que Veneza.62
62 Citado em Haitsma Mulier (1980), 153.
176
8
Cultura erudita e cultura popular
na Itália renascentista
177
O estudo da Itália renascentista continua a prosperar. A história da cultura popular continua
a se expandir. Estudos recentes da cultura popular afirmaram, de maneira
muito razoável, que é mais proveitoso estudar as interações entre a cultura erudita e a
cultura popular do que tentar definir o que as separa.1
Apesar disso, os
estudos do Renascimento italiano pouco têm a dizer sobre a cultura popular, e os estudos da
cultura popular italiana ainda menos a dizer sobre o RenaSCIMento.2 Examinar
se a lacuna deve ser preenchida é o propósito deste capítulo.
É compreensível que se tenham estudado as duas culturas em separado, pois várias
barreiras excluíram as pessoas comuns do mundo da arte e da literatura do
Renascimento. Em primeiro lugar, a barreira da língua. Grande parte da alta cultura era
latina, mas a ampla maioria da população não estudava latim. As pessoas comuns
falavam seu dialeto regional, e fora da Toscana só as classes mais altas sabiam que o
toscano reformado estava em vias de tornar-se o italiano literário padrão.
Em segundo lugar, a barreira da alfabetização. Ler e escrever eram aptidões que só uma
minoria da população possuía, embora essa minoria fosse grande no caso dos
homens urbanos. Em terceiro lugar, a barreira econômica que impedia as pessoas comuns
de comprarem livros ou pinturas.
Contudo, todos esses obstáculos podiam ser superados. Segundo
1 Kaplan (1984); Charfier (1987).
2 Burke (1972), 29-31, e Burke (1978), 271-2; c£ Cohn (1988).
179
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
uma história recente da educação italiana naquele período, "quase todas as escolas
vernáculas ensinavam os rudimentos da gramática latina".3 O dialeto dos toscanos,
em especial o dos florentinos, dava-lhes acesso à língua literária. Os habitantes de cidades
grandes como Veneza, Florença, Roma e Milão tinham acesso relativamente
fácil às escolas e também às obras de arte expostas em lugares públicos afrescos nas igrejas,
estátuas nas praças e assim por diante.
Os historiadores da cultura italiana desse período têm, portanto, de lidar com um
processo de mão dupla. De um lado, a propagação das formas e idéias do
Renascimento das elites para o povo, sua difusão social, assim como geográfica. Por
conveniência - usando uma simples metáfora espacial - podemos chamar isto de
movimento "de cima para baixo". Do outro, há um movimento "de baixo para cima", em
que os pintores e escritores italianos recorreram à herança cultural popular.
Portanto, este ensaio será dividido em duas partes. Embora tenha um tema comum.
Nos dois lados da interação, devemos procurar não apenas a apropriação, mas
também a recepção e a assimilação. Ariosto, por exemplo, transformou os romances
tradicionais de cavalaria que leu em algo muito diferente em tom e espírito. Por
outro lado, o moleiro Menocchio, uma figura por muito tempo esquecida e resgatada à
história por Carlo Ginzburg, leu a Lenda dourada, as Viagens, atribuídas a Sir
John Mandeville, o Decameron, de Boccaccio, e outros, mas o que encontrou nesses textos
foi um tanto diferente do que era visto pelos inquisidores que o interrogaram.4
3 Grendler (1988), 50.
4 Gináurg (1976), seções 12-14.
180
CULTURA ERUDITA E CULTURA POPULAR
A POPULARIZAÇÃO DO RENASCIMENTO
Na Itália dos séculos XVI e XVII, algumas pessoas comuns conheciam parte da tradição
clássica. Por exemplo, traduziram-se para o vernáculo nessa época obras de Cícero,
Ovídio e Virgílio. A história da matrona romana Lucrécia e seu suicídio em seguida ao
estupro pelo rei Tarquínio parece ter sido muito famosa. Uma versão citando
"Lívio de Pádua" como fonte (embora provavelmente tenha recorrido de modo mais direto
a Boccaccio) foi transformada em uma trova italiana impressa em Veneza por
Agostino Bíndoni, cuja família de gráficos se especializou em textos populares baratos.
Um exemplo relativamente bem delineado de baixo para cima é o da popularização de
Orlando, furioso, de Ariosto. O poema foi, é claro, escrito por um nobre
para nobres, e em sua forma publicada era muito expressivo. Contudo, os 9anientos" de
personagens do poema, como Bradamante, Isabella, Rodomonte, Ruggiero e outros,
além de outras paráfrases em verso, suplementos e resumos, circulavam em livrinhos de
contos e baladas populares no século XVI. Alguns desses textos eram anônimos,
mas um - uma tentativa de comprimir as -belezas" do poema em dezesseis páginas - foi
obra do poeta bolonhês Giulio Cesare Croce, um famoso mediador entre cultura
erudita e popular.5
Não se pode supor que essas paráfrases e resumos se destinassem apenas a pessoas
comuns. A biblioteca de Henrique HI da França continha um livro intitulado
Bellezze del Furioso, quase certamente coletânea de Ariosto. Contudo, alguns observadores
contemporâneos comentaram o apelo popular de Ariosto. Segundo o poeta Bernardo
Tasso, artesãos e crianças liam o Furioso. Segundo o editor veneziano Comin dal Trino, o
livro atraiu pessoas comuns (il Volgo).6 Raro em relação ao século XVI,
esse texto moderno era ensinado em algumas
5 Camporesi (1976).
6 Citado por Javitch (1991).
181
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
escolas junto com os clássicos latinos.7 Também há indícios dos arquivos, sobretudo de
julgamentos por heresia, devido ao interesse de pessoas comuns por Ariosto.
Em Veneza, um aprendiz de ferreiro fabricante de espadas e uma prostituta confessaram ter
lido Orlando furioso. Na Gênova de Calvino, um italiano viu-se em apuros
porque descrevera o livro como sua "Bíblia".8
O diário de Montaigne de sua visita à Itália nos oferece mais provas da penetração de
Ariosto na cultura popular. Nas termas de uma cidade perto de Lucca,
por exemplo, ele conheceu uma camponesa pobre chamada Divizia, que não sabia ler nem
escrever, mas muitas vezes ouvira Ariosto lido em voz alta na casa do pai, graças
a que ela mesma se tornara poetisa. Perto de Florença, e em outros lugares na Itália,
Montaigne nos diz que se surpreendeu ao encontrar camponeses e pastores de
ovelhas que sabiam Ariosto de cor. No século XVIII, visitantes em Nápoles descreveram os
contadores de histórias profissionais que liam, ou mais exatamente, representavam
o poema de Ariosto nas ruas e praças da cidade, com o texto na mão para socorrê-los caso a
memória falhasse.9
Os poemas de Torquato Tasso também parecem ter penetrado na cultura popular. Seu
épico Gerusalemme liberata foi traduzido para vários dialetos - bolonhês
em 1628, bergamasco em 1670, napolitano em 1689, veneziano em 1693 e outros. Remarks
on Several Parts of Italy (1705), de Joseph Addison, observou o costume "das
pessoas comuns deste país de entoar stanzas de Tasso", comentário que seria repetido por
Rousseau e Goethe no caso dos gondoleiros venezianos.
É claro que gostaríamos de saber muito mais sobre esses incidentes - a maneira fiel
como camponeses, contadores de histórias e gondoleiros lembravam os textos
e, ainda mais importante, o que significavam para eles os poemas de Ariosto e Tasso.
Minha hipótese é que
7 Grendler (1988), 298.
8 Mackenney (1987), 184; Martin (1987); Ruggiero (1993); Monter (1969), 66.
9 Moore (1781), carta 60; Blunt (1823), 290.
182
CULTURA ERUDITA E CULTURA POPULAR
as pessoas comuns liam ou ouviam Orlando, furioso e Gerusalemme liberata como
exemplos de romances de cavalaria - ou, como os chamavam, "livros de batalhas" (libri
di battagie) -, cuja disponibilidade era muito grande em forma de livros de cordel, e que
eram as vezes usados em escolas elementares para incentivar os meninos
a aprenderem a ler. O moleiro Menocchio também gostava desse tipo de literatura.10
No caso das artes visuais, a relação entre erudito e popular é consideravelmente mais
complicada, porque a arte "superior" do Renascimento italiano era em
geral produzida por homens com formação e status de artífices. Eles produziam pinturas
religiosas sem a oportunidade de estudar teologia e cenas da mitologia clássica
sem ter condições de ter em latim, para não falar de grego. Deduz-se que obras como
Primavera, de Botticelli, ou Amor sagrado e profano, de Ticiano, que parecem
se referir a idéias neoplatônicas, devem ter sido resultado de um complexo processo de
mediação entre cultura erudita e popular, em que os participantes incluíam
não apenas pintores e patronos mas também humanistas, como os escritores profissionais
ou ???pofigra/i venezianos.11
As pinturas desse tipo, seculares no tema, não eram vistas em toda parte durante o
Renascimento. Pertenciam mais ao circuito "privado" do que ao "público".12
Contudo, um público maior tinha a possibilidade de ver versões graficas de algumas delas,
sobretudo as gravuras feitas por Marcantonio Raimondi, a partir de Rafael.
A obra de arte já ingressara na era da reprodução mecânica. Como a pintura, a gravura era
um grande popularizador, pelo menos no sentido de que permitia que muito
mais pessoas vissem as imagens, e talvez também mais tipos de pessoas.
A cerâmica oferecia outro meio de difundir imagens de maneira mais generalizada,
pois a matéria-prima era barata. Os pratos e jarros
10 Grendler (1988); cf. Luchi (1982); Gináurg (1976), seção 14.
11 Panofsky (1939), 129-69; Gináurg (1978).
12 Ginzburg (1978), 79, adaptando Burke (1972), 144, 158.
183
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
de maiólica produzidos em Faenza, Urbino, Deruta e outros lugares eram muitas vezes
decorados com cenas da mitologia clássica e história antiga. Algumas se baseavam
nas gravuras de Raimondi a partir de Rafael. Algumas dessas cerâmicas eram feitas para
patronos ricos, mas outras eram apenas potes de remédios para as lojas de
boticários.13 As imagens de terracota pintadas e produzidas pela oficina da família Della
Robbia, em Florença, podiam ser consideradas esculturas dos pobres. A oficina
produzia algumas peças caras de altar para igrejas, mas também imagens pequenas para
relicários de beira de estrada ou para simples pessoas. Seria exagero falar
de "produção em massa", mas podem-se encontrar sinais de trabalho apressado e não é
incomum uma determinada imagem (uma Adoração, digamos, ou uma Madona com o
Filho)
sobreviver em oito, nove, dez ou até vinte cópias idênticas. 14
Evidentemente, a questão é descobrir como as pessoas que não eram membros de uma
elite cultural percebiam esses objetos, e em especial se se interessavam
ou não por estilos, assim como pelas histórias. No caso de Florença, há pelo menos provas
de uma cultura visual popular. Algumas pessoas comuns, artífices e lojistas,
não conheciam os nomes dos principais artistas plásticos de sua cidade, do passado e do
presente, mas não temiam dar opiniões - muitas vezes críticas sobre o valor
de determinadas obras. Alguns sinais dessa afirmação provêm das Vidas dos artistas (1550),
de Vasari, que por vezes discute reações populares a determinadas obras
de arte e artistas. Particularmente interessante a esse respeito é a discussão de Vasari sobre
as reações florentinas a Perugino, que começam com entusiasmo e terminam
com sátira. Pode-se complementar o testemunho de Vasari sobre o interesse popular pela
estética com o de Antonfrancesco Grazzini, homem da classe dos lojistas (provavelmente
boticário), cujos poemas, ou mais exatamente composições poético-musicais
(madrigalesse), às vezes mencionam obras de arte. Dois desses madrigais comen13 Rackham (1952).
14 Marquand (1922), ws 122-42, 157-67, 302-9, 312-20.
184
CULTURA ERUDITA E CULTURA POPULAR
tam em termos críticos a decisão de Vasari de pintar a cúpula da catedral de Florença,
declarando que "o erro foi de George" ("Giorgin /ece il peccato") e que mostrou
"pouco senso e menos juízo" ("Poco senso e men giudizío").
INSPIRAÇÃO POPULAR NO RENASCIMENTO
É hora de deixarmos a popularização do Renascimento e passar para a importância dos
elementos "baixos" na cultura "alta". O gênio que preside esta seção do capítulo
é, evidentemente, Mikhail Bakhtin, cujo Mundo de Rabelais (escrito na década de 1930,
mas só publicado em 1965) afirmou que o autor de Gargântua e Pantagruel se
inspirou maciçamente na "cultura de humor popular", em particular o grotesco e o
carnavalesco. 15 Tomaram-se essas obras, que são tours de force da imaginação histórica,
como modelo para estudos recentes de Breughel, Shakespeare e outros artistas e escritores
do Renascimento.
O mundo de Rabelais também foi criticado por especialistas do Renascimento. Na
suposição de que Bakhtin afirma que Gargântua e Pantagruel pertence por completo
à cultura popular, os críticos salientaram que Rabelais era um homem erudito e sua obra
não teria sido completamente compreensível para as pessoas comuns.16 Infelizmente,
a explicação de Bakhtin da relação entre culturas "alta" e "baixa" não foi precisa nem
explícita. Às vezes o contraste ou oposição de que ele trata parece ser entre
a cultura de dois grupos sociais - a elite e o povo. Em outras, as duas culturas opostas são
definidas em termos funcionais como a "oficial" e a "não-oficial". Essas
distinções podem sobrepor-se, mas não coincidem. Os estudantes de Montpellier, por
exemplo, cujas festividades Bakhtin des15 Bakhtin (1965).
16 Screech (1979).
185
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
creve, pertenciam a uma elite social, mas participavam da cultura não-oficial.
Outra distinção importante que permanece obscura na obra de Bakhtin é a entre a
apropriação (e transformação) de elementos da cultura popular (que Rabelais
sem dúvida faz) e a participação total daquela cultura. Afirmei anteriormente que as elites
européias do século XVI eram "biculturais". Tinham uma cultura erudita
da qual as pessoas comuns eram excluídas, mas também participavam do que hoje
chamamos de cultura "popular".17 Essas elites participaram da mesma maneira que as
pessoas cuja cultura popular era a única que tinham? Ou associavam a cultura popular a
determinados tempos e lugares de descontração? O próprio conceito de "participação"
é um tanto enganador. Apesar dessas ambigüidades, e da necessidade de estabelecer
distinções mais cuidadosas, o estudo de Bakhtin pode e deve inspirar outras pesquisas
sobre as várias culturas e subculturas da Itália renascentista, incentivando-nos a perguntar
exatamente o que os artistas e escritores extraíram das tradições populares,
além do que fizeram àquilo de que se apoderaram.
Foram relativamente poucos os estudos desse tipo. Antes de Bakhtin, Domenico
Guerri já examinara o que chama de "Corrente popular no Renascimento", mas
praticamente
se limitou ao tema das piadas e versos cômicos em Florença.18 O historiador da arte
Eugenio Battisti publicou um estudo de grande abrangência do que chamou de "antiRenascimento",
uma fascinante coletânea de ensaios sobre medieval, maneirista, grotesco, oculto e outros
temas de arte e literatura. Contudo, Battisti tentou atulhar coisas demais
em sua categoria de " anti-Renascimento". Seus capítulos variam de rejeições constrangidas
ao classicismo a resíduos medievais que talvez fossem mais bem descritos
como "não-Renascimento".19
17 Burke (1978), 24-9.
18 Guerri (1931).
19 Bartisti (1962).
186
CULTURA ERUDITA E CULTURA POPULAR
No caso da arte, pode-se começar pelo estudo da interação entre alta e baixa com
algumas esculturas grotescas ou cômicas, já mencionadas no capítulo sobre
humor. Talvez seja insensato supor que tudo que é cômico é necessariamente popular, mas
vale lembrar que Aristóteles - como era interpretado pelos humanistas italianos
afirmou que a comédia estava ligada a pessoas "inferiores". Tome-se, por exemplo, a
estátua do escultor Valerio Cioli representando o anão favorito do grão-duque
Cosimo de' Medici, apelidado de "Morgante", segundo o gigante no poema de Pulci do
mesmo nome. A estátua foi colocada nos jardins de Boboli, um lugar de descontração
descrito como uma espécie de "Casa de diversão".20 De maneira semelhante, os famosos
jardins de Bornarzo, criados para o aristocrata Vicino Orsini, podem ser descritos
como uma espécie de Disneylândia do século XVI. Os imensos monstros de pedra, a torre
inclinada e a boca do inferno se aproveitam do gosto popular pelo grotesco,
fossem quais fossem as camadas de sentido erudito que se sobrepuseram a ele.21
A Commedia dell'Arte também merece estudo do ponto de vista deste ensaio, com
especial referência ao fascinante e confuso problema
da relação entre as personagens e as máscaras dessa forma de arte de aparência popular - o
soldado fanfarrão, o velho tolo, o criado astuto - e as do
antigo drama grego e romano. Os improvisadores devem o conhecimento dessas máscaras
aos humanistas? Ou as máscaras clássicas "clandestinamente" na cultura popular,
para emergir no século XVI, e inspirar o "alto" drama do Renascimento?
Os parágrafos que se seguem se concentram na literatura, e em especial em quatro
escritores: Boccaccio, Folengo, Ariosto e Aretino (à custa de Burchiello,
Berni, Pulci, Ruzante, Calmo e outros exemplos de mediadores entre as duas culturas).
Esses quatro escritores serão discutidos em ordem cronológica, que também por
acaso é uma ordem lógica, uma ordem de complexidade cada vez maior na relação
20 BaroIskv (1978), 153ff.; Heikamp (1969).
21 Battisti (1962), 125ff.; Bredekamp (1985); Lazzaro (1990).
187
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
entre cultura erudita e popular. O aumento da complexidade ao longo do tempo talvez não
seja acidental, mas resultado de um processo que se pode descrever como a
"retirada" das elites da participação na cultura popular.22
O lugar óbvio para começar é o Decameron, de Boccaccio. Como no caso de Rabelais,
Boccaccio é hoje lembrado pela sua "vulgaridade", portanto é necessário
enfatizar que também ele era um homem erudito, um professor universitário que escreveu
tratados em latim e fazia palestras sobre Dante. Seu toscano foi "canonizado"
no século XVI (junto com o de Dante e Petrarca) como modelo de italiano puro. Apesar
disso, fica claro que muitas das histórias no Decameron foram extraídas da tradição
oral popular, do que os estudiosos do século XIX chamavam de "Contos e lendas
populares" e também exemplificam alguns dos temas preferidos de Bakhtin.
O lugar do carnavalesco na obra de Boccaccio é bastante claro, acima de tudo na
história do Frate Alberto (dia 4, história 2), que termina com uma caça ritualizada
ao louco" na Piazza San Marco, em Veneza.23 Várias histórias incluem episódios do que
Bakhtin chama de "realismo grotesco" ou "degradação". Trata-se, por exemplo,
de um modo plausível de ler a primeira história da coletânea, o conto sobre o malvado
notário que conseguiu enganar a posteridade fazendo-a venerá-lo como um santo.
Logros e intrigas se repetem várias vezes nas novelle de Boccaccio, como também nas
outras histórias do Renascimento (como as de Sacchetti, Masuccio Salernitario,
Bandello e Grazzini), que recorrem à tradição popular já descrita da beffa (Capítulo 5).
Bruno e Buffalmaco, por exemplo, convencem o pintor Calandrino, retratado
como um simplório, a procurar uma pedra mágica que se acredita tornar invisível quem a
tenha consigo, ou roubam seu porco e depois lhe "provam" que ele o roubou
de si mesmo.
22 Burke (1978), 270-81.
23 Mazzotti (1986).
188
CULTURA ERUDITA E CULTURA POPULAR
O monge beneditíno Teofilo Folengo também se inspirou na tradição da beffa na
décima segunda parte de seu poema Baldus, que descreve uma viagem no mar
com o dono de um rebanho de ovelhas, em que o trapaceiro compra um carneiro e logo em
seguida o atira ao mar, para onde é inevitavelmente seguido pelo resto do rebanho.
Rabelais depois se apropriou desse episódio para seus próprios fins (no Quarto livro,
capítulo 6). Contudo, Baldus, publicado em 1517 sob o pseudônimo de "Merlin
Cocaio", é em essência um exemplo do grotesco, um romance de cavalaria zombeteiro,
narrado em estilo épico gozador. O poema conta a história de um jovem nobre, descendente
do paladino Rinaldi, que é criado entre camponeses mas tem a cabeça cheia de romances,
como teria Don Quixote mais adiante no mesmo século. Baldus, junto com dois
companheiros, um gigante chamado Fracassus e um trapaceiro chamado Cingar, envolve-se
em uma série de aventuras cômicas baseadas em tradições populares. O próprio
Bakhtin chamou atenção para o episódio em que alguém é ressuscitado dos mortos ao ser
encharcado de urina.24
O tema do poema de Folengo é híbrido, ao mesmo tempo bucólico e cavalheiresco, e o
estilo, de maneira bastante adequada, também é híbrido. A linguagem é
uma forma de latim que muitas vezes se comporta como se fosse italiano ou dialeto - uma
mistura de dois ou três códigos, ou melhor, um produto de sua interação.25
Em uma cena de batalha, por exemplo, a retórica do estilo "alto", adequada para encontros
épicos, é o tempo todo puxada para a realidade pelo uso de termos técnicos
rudemente latinizados como alebardae (alabardas), banderae (bandeiras), lanzae (lanças),
partesanae (partidários), piccbiae (piques), stendardi (estandartes) e assim
por diante, ou por palavras que imitam o som de tambores e trombetas:
25 Borsellíno (1973), 89.
189
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
Stendardique volant, banderae; timpana pon pon continuo chioccant; sonitantque tarantara
trombae.
O épico começa com uma invocação não às musas, mas às moças rechonchudas do campo,
alimentadas com polenta e macarrão (ou nhoque). Daí o estilo ser chamado hoje
de latim "macarrônico". Folengo foi o maior mestre dessa linguagem, mas nao seu inventor.
Era uma elaboração literária da linguagem dos notários, que a escreviam
por conveniência, e dos estudantes, que a falavam por diverSão.26
O primeiro exemplo, o de Boccaccio, mostra um homem erudito que recorre a uma
tradição popular da qual participava. O segundo, o de Folengo, é mais complexo,
pois mostra um homem erudito que faz uma síntese autoconsciente das tradições eruditas e
populares, ou pelo menos joga com as tensões entre elas.
O exemplo de Ariosto é ainda mais complexo. Como o Baldus, Orlando furioso é um
romance de cavalaria ou um romance de cavalaria zombeteiro - é difícil optar
entre essas alternativas porque Ariosto paira de propósito à beira da paródia. O romance de
cavalaria foi a princípio um gênero de alto status: histórias sobre nobres,
escritas para nobres e em alguns casos (incluindo o do próprio Ariosto) escritas por nobres.
Contudo, como vimos, esse gênero também era parte da cultura popular
italiana no século XVI. Adotou a forma de literatura de cordel, e também de apresentações
orais por cantadores errantes de contos, ou cantimbanchi, que entoavam
ou recitavam as histórias na piazza, pedindo dinheiro ao fim de cada número, deixando
assim o público em suspenso até dar sua contribuição. As versões impressas
e as orais se influenciavam umas às outras.
Como outros homens de letras, Ariosto gostava dessas apresentações orais, e seu
poema deve alguma coisa a elas.27 Embora escre26 Paoli (1959).
27 Bronzini (1966).
190
CULTURA ERUDITA E CULTURA POPULAR
vesse para ser lido, por exemplo, o autor aproveitou algumas fórmulas populares dizendo à
platéia que ouvisse - "quando continuarei a história no canto seguinte"
("come io vi seguiró ne Paltro canto") e assim por diante. Ariosto exemplifica assim um
complexo processo de reapropriação, o de um homem culto que toma de empréstimo
e transforma temas populares que antes haviam sido emprestados pela alta cultura. Não se
conhecem hoje as publicações desse tipo. Um romance do escritor brasileiro
Jorge Amado, Tereza Batista cansada de guerra (1972), por exemplo, recorre a um livrinho
de cordel de Rodolfo Coelho Cavalcanti (esses livrinhos populares circulavam
e talvez ainda circulem no Nordeste do Brasil, pelo menos nas áreas mais remotas das
cidades e da televisão). Cavalcanti inspirou-se no tema tradicional da donzela
guerreira, que remonta aos romances de cavalaria - e, é claro, à heroína Bradamante de
Ariosto (ver Capítulo 9).28
xxx
O último exemplo discutido aqui é o de Pietro Aretino, que fez reputação em
Roma como um compositor de pasquinadas mordazes.29 A pasquinata era um gênero
fronteiriço entre cultura erudita e popular. A prática de anexar versos satíricos à mutilada
estátua clássica na Piazza del Pasquino, em Roma remonta a fins do século
XV, e naquela época os versos eram em latim humanista. No início do século XVI, passou a
ser comum escrever os versos em um vernáculo que todos pudessem entender.
Aretino escreveu em seguida Il Marescalco, a comédia carnavalesca construída em torno de
uma beffa descrita no Capítulo 5 (p. 122).
Contudo, o melhor exemplo da mistura ou interação de elementos eruditos e populares
na obra de Aretino é, sem dúvida, seus Ragionamenti, diálogos em que
uma velha prostituta instrui uma
nova sobre as aptidões da profissão. O diálogo oferece uma série de cenas da vida inferior
na Roma do Início do século XVI, aparente28 Slater (1980), 47ff.
29 Larivaille (1980), 47ff.
191
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
mente fiel à linguagem coloquial e à gíria daquele meio social. Ao mesmo tempo, os
leitores humanistas deviam ter consciência de que os diálogos tomavam emprestado
e faziam alusão a um texto grego clássico, Diálogos das cortesãs. Os diálogos também
podem ser lidos como uma paródia dos tratados do Renascimento sobre bons costumes,
e em particular ao famoso Livro do cortesão, de Castiglione. Aqui, como em outros lugares,
Aretino explora as semelhanças entre os termos cortegiano, "cortesão",
e cortegiana, "cortesã".
Aretino era filho de um artesão, foi criado no mundo da cultura popular e até o fim da
vida apreciou os cantadores de rua. Era amigo de Andrea, um dos bobos
da corte do papa Leão X. Como aos pintores já discutidos, faltou-lhe a oportunidade de
uma educação humanista convencional em latim e grego (provavelmente foi um
amigo mais erudito que chamou a atenção de Luciano para Aretino). Chegou à alta cultura
como um forasteiro e rejeitou parte dela como artificial e afetada, em particular
as convenções para o soneto de amor petrarquiano e as regras para o italiano falado
estabelecidas pelo amigo de Castiglione, Pietro Bembo (regras ridicularizadas
nos Ragionamenti). Como seu amigo, o artista Giulio Romano, Aretino gostava de violar
regras. Nesse sentido, era um "maneirista" ou "anticlassicista".30 A baixa
cultura, a cultura em que foi criado, foi seu instrumento para subverter a alta cultura, ou
pelo menos aquelas partes de que desgostava. Pode-se dizer que recorreu
ao não-Renascimento para os propósitos de um anti-Renascimento.
Os historiadores culturais sem dúvida têm razão ao deslocar-se, como vêm fazendo, da
preocupação com a cultura popular em si para um estudo do longo processo
da interação entre elementos eruditos e populares. Contudo, se nos concentrarmos na
interação entre alta e baixa culturas, precisamos reconhecer a variedade ou o
polimorfismo desse processo. Os exemplos citados neste capítulo não esgotam o âmbito de
possibilidades, mas talvez sejam pelo menos suficientes
30 Larivaille (1980); Borsellino (1973), 16-40.
192
CULTURA ERUDITA E CULTURA POPULAR
para sugerir a notável variedade das relações possíveis entre alta e baixa culturas, os usos
da cultura popular por escritores renascentistas, os usos do Renascimento
pelas pessoas comuns e, por fim, a importância da "viagem circular" de imagens e temas,
uma viagem circular em que o que retorna jamais é o mesmo que partiu.
193
9
195
A cavalaria no Novo Mundo
Pode-se resumir a mensagem deste capítulo em uma frase, quase um título. Carlos Magno
não morreu; vive na América Latina, ou vivia até relativamente pouco tempo
atrás. O Novo Mundo chegou atrasado à cavalaria, pois era obviamente impossível para
seus habitantes conhecerem esse sistema de valores europeus e os romances que
o expressaram até 1492. E talvez se possa julgar que o comportamento de Cortês e Pízarro
no México e no Peru nada fez para tornar o sistema de valores mais inteligível
para os astecas e os incas. Por outro lado, assim que se transplantou a tradição, foi no Novo
Mundo, ou em partes dele, que os romances de cavalaria conservaram
seu apelo por mais tempo, sobretudo no Nordeste do Brasil.
Na época da descoberta da América, ou para usar uma expressão um pouco menos
etnocêntrica, no inicio de uma série de encontros entre as culturas da Europa
e as culturas da América, o movimento renascentista havia muito se pusera a caminho.
Contudo, como vimos (Capítulo 8), o entusiasmo pela Antiguidade clássica não
despertou do amor por romances de cavalaria. Tanto no sentido literal quanto no
metafórico, esses romances formavam uma importante parte da bagagem dos
conquistadores.
Na Espanha da Idade Média, os romances de cavalaria eram um gênero popular oral e
literário. Os muçulmanos, assim como os cristãos, os compunham, recitavam
e liam, e um número considerável dessas histórias, incluindo os gigantes habituais, os
castelos encantados, as espadas com nomes e as mulheres guerreiras, sobrevivem
no
197
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
espanhol escrito em caracteres árabes. 1 Como em outras partes da Europa renascentista,
muitos espanhóis humanistas rejeitaram os romances de cavalaria como livros
"tolos" ou "idiotas", gerações antes da gozação mais afetuosa de Cervantes. Em 1524, Juan
Luis Vives condenou Amadis, Lancelot e Pierre Provence e, cinco anos depois,
Antonio de Guevara condenou Amadis.2 Os humanistas Pedro Meixa e Benito Arias
Montano e o pregador Luis de Granada fizeram críticas semelhantes posteriormente no
mesmo século. Fosse o que fosse que Don Quixote andasse fazendo, o próprio Cervantes
não lutava contra moinhos de vento. Na Espanha, na primeira metade do século
XVI, publicaram-se novos romances de cavalaria "na proporção média de quase um por
ano", enquanto o número total das edições desses romances chegou a mais de 150.3
Entre os autores havia pelo menos uma mulher, a nobre senhora Beatriz Bernal de
Valtadolid, que publicou dois romances em 1545, Don Cristalion e Lepomene.4
Pelo menos um desses romances ainda é levado a sério por críticos literários, e foi
recentemente traduzido para o inglês: o romance catalão do século XV,
Tirante el Blanco. Mesmo os queimadores de livros em Don Quixote concordaram em
salvá-lo, porque era, como disse o padre, "o melhor livro de seu tipo no mundo",
julgamento partilhado com um dos principais escritores latino-americanos de hoje, Mário
Vargas Llosa. Ainda mais bem-sucedidos no século XVI foram dois ciclos de
romances em castelhano: Palmerín de Oliva, cuja publicação começou em 1511, e Amadís
de Gaula, publicado pela primeira vez por volta de 1508. Amadis foi não apenas
reeditado muitas vezes, mas também seguido por uma série de continuações de cerca de
meia dúzia de autores, girando sobre as aventuras do filho de Amadís, o neto
de Amadís e assim por diante, heróis com nomes como Espla1 Gahnós de Fuentes (1967).
2 Leonard (1949), 68-9; cf. Ife (1985).
3 Thomas (1920), 147; Chevalier (1976), 67.
4 Bermassar (1967), 519.
198
A CAVALARIA NO NOVO MUNDO
dián, Lisuarte e Amadís da Grécia. Em 1546, o ciclo já se estendera a doze livros. Essas
histórias de aventuras tiveram um amplo apelo na Itália do Renascimento,
na França, na Inglaterra e em outros lugares.
Na Espanha, os aficionados desses romances incluíam o imperador Carlos V, o
diplomata Diego Hurtado de Mendoza e o reformador Juan de Vaidés.5 Entre os mais
famosos exemplos de resposta de leitores documentados estão os testemunhos de dois
santos da Contra-Reforma que, por acaso, nos deixaram histórias de sua vida. Em
sua autobiografia, Inácio de Loiola nos diz que era "muito dado à leitura de livros
mundanos e falsos, chamados de romances de cavalaria" ("muy dado a leer libros
mundanos y falsos que suellen Hamar de caballerías") e que, antes de ser ordenado padre,
ficava de vigília diante do altar de Nossa Senhora de Monsarrat, porque
"a cabeça estava cheia de ( ... ) Amadís de Gaula e livros semelhantes" ("tenía todo el
entretenimento Ilheno de [ ... ] Amadís de Gaula y de semejantes libros").
De maneira semelhante, Teresa d'Ávila observa em suas memórias que a mãe era "uma
aficionada de romances de cavalaria" ("aficionada a libros de caballerías"),
e que ela compartilhara esse entusiasmo na juventude, informação que torna mais fácil
entender a decisão de Beatriz Bernal de escrever nesse gênero visivelmente
masculino. Pesquisas sobre a história da leitura baseadas em estudo de relações minuciosas
de bibliotecas confirmam a impressão de entusiasmo generalizado por esses
livros dos espanhóis do século XVI, tanto mercadores como nobres.6 Os romances eram
condensados e publicados em forma de folhetos de contos e lendas populares em
verso, ou pliegos sueltos, sugerindo que se haviam tornado parte da cultura popular.7
Como os espanhóis, os feitores portugueses do século XVI adora5 Leonard (1949), 19-21.
6 Bennassar (1967), 511-19; cf. Chevalier (1976), cap. 1; Berger (1987).
7 Norton e Wilson (1969).
199
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
vam os romances de cavalaria, entre eles o famoso Amadis, que talvez tenha sido
originalmente composto em Portugal por volta de 1350. Imprimiram-se em Lisboa, no
século XVI, os Livros 7, 9 e 10 da continuação.8 O humanista João de Barros não apenas
foi um famoso historiador das façanhas dos portugueses na Ásia, mas também
autor de um romance, Clarimundo (1520), que desfrutou considerável sucesso. Escritores
portugueses, como Francisco de Moraes e Diogo Fernández, deram continuidade
ao ciclo Palmerín. Quando o poeta Luís de Camões introduziu o épico Os lusíadas (1572),
contrastando sua narrativa com os feitos "fantásticos" ou "fabulosos" de
Rolando e Roger, talvez imaginasse que os leitores já conheciam esses romances. Um dos
editores dos ciclos Amadís e Palmerín foi Marcos Borges, nomeado gráfico real
em 1566. O rei no trono nessa época era Sebastião, morto na batalha de Alcácer Quibir em
1578, após invadir a África do Norte para conquistar e converter os "mouros".
Fosse o monarca ou não particularmente um entusiasta dos romances de cavalaria,
Sebastião sem dúvida tentava se comportar como um dos heróis desses romances, pois
após sua morte ele seria comparado a esses heróis, como veremos.
Em vista do continuado interesse pelo gênero na Espanha e em Portugal, quase não
surpreende encontrar referências aos romances de cavalaria no início da
história da conquista e colonização do Novo Mundo. Não sabemos ao certo se Colombo os
lia ou não, mas vários desses romances podiam ser encontrados na biblioteca
de seu filho Fernando.9 Referências nas cartas de Cortês indicam que ele também conhecia
essa literatura.10 Em 1551, o governo se achava preocupado o bastante com
a propagação desse entusiasmo para ordenar que a Casa do Comércio de Sevilha proibisse a
exportação para as índias de romances "vãos" como Amadis.11
8 Anselmo (1926), nQs 789, 815, 364.
9 Huntington (1905).
10 Leonard (1949), 50.
11 SAnchez (1958), 246-7.
200
A CAVALARIA NO NOVO MUNDO
Uma das mais interessantes peças de comprovação vem da história da conquista do
México, escrita por Bernal Díaz del Castillo. Quando Díaz descreve a primeira
visão da capital asteca, a cidade no lago, escreve que "dissemos que era parecida com as
coisas encantadas relatadas no livro de Amadís, por causa das imensas torres,
templos e construções que se erguiam da água". Como no caso dos viajantes discutido no
Capítulo 6, encontramos aí a vida imitando a arte ou, mais exatamente, a experiência
influenciada pela ficção. Díaz também fez a reveladora suposição de que uma referência a
Amadís faria essa terra exótica parecer mais familiar a seus leitores. Seu
objetivo era "traduzir... o totalmente estranho para o que se poderia chamar de
familiarmente estranho". 12
Outra interessante peça antiga indicadora dos romances de cavalaria no Novo Mundo é
um nome: Califórnia. Em meados do século XVI, já vinha sendo usado perto
da costa do Pacífico na América do Norte. Contudo, usou-se pela primeira vez o nome em
uma ilha ficcional. No romance Esplandián, uma continuação da história de
Amadís, publicada pela primeira vez em 1510, viemos a saber de um grupo de mulheres
guerreiras governadas por uma certa rainha Catafia, "amante da grande ilha da
Califórnia, célebre por sua esplêndida abundância de ouro e jóias", uma ilha em que os
homens são proibidos de pôr os pés. A rainha desafia tanto Amadís quanto seu
filho Esplandián para um único combate, é vencida e torna-se cristã. A aplicação do nome
Califórnia a parte da América indica que outras pessoas além de Bernal Díaz
e seus camaradas percebiam o Novo Mundo pelas lentes coloridas dos romances de
cavalaria.
Pode-se fazer uma afirmação semelhante sobre a imensa região da Amazônia, que
começou a ser explorada pelos espanhóis no início da década de 1540. Diziam
que a expedição chefiada por Francisco de Orellana deu ao rio Amazonas seu nome atual
após uma batalha com
12Sánchez(1958);Gilman(1960-3);Hulme(1994),174.
201
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
os índios locais, na qual mulheres tomaram parte ativa. Segundo o frade dominicano
Gaspar de Carvajal, que participou dessa expedição, as mulheres guerreiras eram
altas e pálidas, armadas com arcos e flechas, e viviam em aldeias sozinhas, sob o comando
de uma governante chamada Coroni.13
Os mitos ou estereótipos tradicionais das chamadas "raças monstruosas" eram assim
revitalizados e projetados no Novo Mundo.14 Embora o mito das amazonas
remontasse ao passado dos tempos clássicos, como bem sabiam os humanistas, foi revivido
na Itália do século XV. Foi nessa época que as viragos começaram a desempenhar
um importante papel nos romances italianos, e que encontramos o topos da donzela que só
aceitará como marido um homem que a vencer na batalha, como Galiziella no
Aspramonte, de Andrea da Barberino, uma amazona do "reino das mulheres" (regno
feminino). A figura de Marfisa em Orlando innamorato (1483), de Matteo Boiardo,
de Bradamante, no ainda mais famoso Orlando furioso (1516), de Ludovico Ariosto e da
Clorinda em Jerusalemme liberata (1581) são os exemplos mais memoráveis dessa
tradição.15 Talvez se possa pelo menos sugerir - e na verdade já se sugeriu - que o
redespertar do interesse pela tradição clássica das amazonas foi incentivado
pela notícia de amazonas nas índias.16 Tanto para Carvajal quanto para Díaz, o Novo
Mundo parecia ser o lugar em que os romances de cavalaria europeus se tornavam
realidade.
Os emigrantes da Espanha para o México e o Peru levaram consigo esses romances de
cavalaria, ou conseguiam que vendedores de livros os fornecessem, como
mostrou o estudioso americano Irving Leonard, que pesquisou registros de expedição de
livros por navio, preservados nos arquivos da Casa do Comércio, em Sevilha.17
Graças
13 Carvajal (1955), 97, 105; cf. Sinchez (1958), 250-4.
14 Friedman (1981), 9, 170-1, 197-207.
15 Raina (1872),49-52; Tomalin (1982), 82ff.
16 Leonard (1949), 53.
17 Leonard (1933).
202
A CAVALARIA NO NOVO MUNDO
a essa pesquisa, sabe-se hoje que na Cidade do México, em 1540, o tipógrafo tinha nada
menos que 446 exemplares de Amadís estocados em sua loja. 18 Em Lima, em 1583,
Amadís "Continuava entre os preferidos".19 Em Tucumã, em 1597, um sínodo provincial
condenou a divulgação de "livros imorais e romances de cavalaria",20 Em 1600,
10 mil exemplares do romance Pierres y Magalona entraram no MéXICO.21 Entre os
entusiastas do Novo Mundo desses romances estava o "Inca Garcilaso", um nobre e
historiador
peruano que emigrou para a Espanha.22
Nesse ponto deparamos com uma lacuna nos indícios. No caso do Brasil, parece não
haver quaisquer referências aos romances de cavalaria. Na verdade, uma história
da imprensa no país comenta a ausência de livros de qualquer tipo, segundo os inventários,
já no século XVII, em impressionante contraste com os vice-reinados do
México e do PerU.23 Podiam-se importar livros, mas não se tinha permissão para imprimilos no Brasil até o início do século XIX. Apesar disso, é no Brasil que encontramos
a mais rica documentação sobre cavalaria no Novo Mundo em fins do século XIX e início
do XX. Carlos Magno e seus paladinos ocupavam um importante lugar na imaginação
popular brasileira.
Por volta de 1840, um missionário protestante americano, o reverendo Daniel Kidder,
visitava a pequena cidade de Maceió, no Nordeste do Brasil, na costa
litorânea entre Salvador e Recife. Entrou numa loja e encontrou o vendedor lendo no
balcão. "O livro", observou Kidder, com visível espanto, "era uma vida de Carlos
Magno. "24 O missionário não devia se surpreender, pois o interesse por histórias
18 Leonard (1949), 98.
19 Leonard (1949), 223.
20 Leonard (1949), 88.
21 Marin (1911), 36.
22 Durand (1948), 263.
23 Sodré (1966), 12.
24 Kidder (1845), vol. 2, 96.
203
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
sobre Carlos Magno não era de modo algum incomum para a região e o período.
A história de Carlos Magno que o ajudante de loja lia é o textochave na acolhida
brasileira aos romances de cavalaria. Continuava sendo lido no século XX,
quando o escritor de vanguarda Oswald de Andrade registrou seu entusiasmo pelo livro, um
entusiasmo que ele partilhava com anarquistas e líderes trabalhistas.25
Pesquisas sobre a história desse texto vão de algum modo preenchendo a lacuna
mencionada acima. Na Biblioteca Nacional de Lisboa, há um livro de cordel de 1794 com
um título semelhante, História nova do imperador Carlos Magno e dos doze pares de
França. Revelou-se que esse texto derivara de um romance espanhol de 1525, que
por sua vez se inspirara em um romance de 1486. A lacuna entre Portugal em 1794 e Brasil
na década de 1870 teve de ser preenchida por conjeturas, mas é muito plausível
sugerir que o livro de cordel de Portugal foi exportado para o Brasil, que, como observado
acima, dependia mais maciçamente da Europa para livros do que as colônias
da América espanhola.
No próprio Brasil, os livrinhos, que eram chamados de folhetos e agora são mais
conhecidos por "literatura de cordel", só começaram a ser impressos em fins
do século XIX. Esses textos continuam hoje sendo produzidos em números consideráveis.
Como no caso dos livrinhos vendidos por mascates do início da Europa moderna,
os de cordel eram e são bem adaptados a uma situação de alfabetização limitada. Em geral
são em verso, quase sempre no que se conhece por sextilhas (estrofes de
seis versos de sete sílabas). Eram (e são) na maioria das vezes impressos em gráficas
pequenas e distribuídos em primeira instância pelos próprios compositores ou
cantadores, que fazem apresentações orais, acompanhados de música nos mercados em dias
de feira, e depois os vendem aos ouvintes. Pode-se considerar o texto como
25 Meyer (1993), 147-59.
204
A CAVALARIA NO NOVO MUNDO
uma espécie de lembrança da apresentação, ou a apresentação como uma espécie de
comercial para o texto. Não importa muito se os compradores sabem ou não ler e escrever,
pois geralmente é possível encontrar outra pessoa que leia ou cante o texto para eles.26
O repertório desses cantadores era e continua sendo variado, mas um importante grupo
de folhetos de fins do século XIX e início do XX derivava dos romances
de cavalaria e girava em torno das façanhas de Rolando, da traição de Ganelon e assim por
diante.27 O maior escritor de folhetos, por exemplo, Leandro Gomes de Barros,
que morreu em 1918, era famoso por sua Batalha de Oliveiros com Ferrabrás. A história de
Ferrabrás é um épico medieval francês em verso que foi adaptado para outras
línguas, como provençal, espanhol, inglês, alemão e italiano. Como os conquistadores
espanhóis, os poetas do Nordeste do Brasil às vezes parecem ver o mundo pelas
lentes dos romances de cavalaria. O famoso bandido Lampião, por exemplo, que acabou
morto pela polícia em 1938, foi descrito em baladas contemporaneas como "pior
que o Diabo Roberto" referência a um romance medieval francês que continuava circulando
no Brasil naquela época.28
Mesmo hoje, ainda se encontram alguns folhetos que tratam de temas extraídos de
romances de cavalaria, assim como obras modernas que exploram essa tradição.
Jorge Amado, cujos romances foram às vezes inspirados pelo cordel, criou várias amazonas
modernas com facas nas saias, como Rosa Palmeirão e Tereza Batista. Também
se pode interpretar o grande clássico da literatura brasileira moderna, Grande sertão (1956),
de João Guimarães Rosa, como uma transformação dos romances de cavalaria
do Novo Mundo feita por um autor conhecedor desde a infância da História de Carlos
Magno.29 Grande sertão trata das aventuras de Riobaldo e Diadorim, um par de jagun26 Arantes (1982); Slater (1982).
27 Ferreira (1979); Peloso (1984), 62ff.
28 Peloso (1984), 75.
29 Meyer (1993),147-59.
205
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
ços, isto é, homens de violência, honrados, que vivem no sertão. Os dois camaradas são tão
íntimos como Rolando e Oliver, ou talvez mais, mas só no fim da história,
quando Diadorim é morta em um tiroteio, ficamos sabendo que ela era uma bela mulher
disfarçada, uma donzela guerreira (com Bradamante em Orlando furioso, de Ariosto),
que fora levada ao sertão para vingar a morte do pai. Uma amazona não muito distante da
Amazônia.30 A relação de Guimarães Rosa com a cultura popular não era diferente
da de Ariosto. Diplomata, polímata e poliglota, grande conhecedor da literatura européia,
trabalhara antes como médico clínico no sertão de Minas Gerais. Dizia-se
que, quando seus pacientes não podiam lhe pagar, ele lhes pedia em vez disso que
contassem uma história. Foi sem dúvida um estudioso assíduo do folclore local, que
aparece em suas próprias histórias, coexistindo e interagindo, como no caso de Diadorim,
com temas da alta cultura européia.
Esse romance clássico foi recentemente transformado em filme. Daí a observação no
início deste capítulo, de que Carlos Magno continua vivo na América Latina,
e a decisão de um recente estudioso italiano da literatura de cordel de intitular seu livro "A
Idade Média nos sertões".31
Por que a Idade Média sobreviveu tanto tempo nessa região? Há, é claro, um sentido
em que podemos dizer que o romance de cavalaria ainda faz parte da cultura
ocidental. Crianças e adultos continuam lendo histórias de aventuras de diferentes tipos, e
alguns desses gêneros devem muito às tradições do romance medieval. É
um lugarcomum dizer que as histórias e os filmes sobre caubóis são transformações de
histórias sobre cavaleiros, lutas armadas entre o bem e o mal, com os heróis
usando revólveres de seis tiros no lugar de espadas e os vilões com sombreiros (ou, em
filmes mexicanos, chapéus Stetson) em vez de turbantes. A amazona ou virago
também sobreviveu,
31 Peloso (1984).
206
A CAVALARIA NO NOVO MUNDO
como no caso de Annie, em Annie Get your Gun (1946), ou suas antecessoras americanas
menos famosas, como Furacão Neli. A ficção científica oferece outro tipo de
transformação, extraindo parte de seu material (para não mencionar estruturas da trama
como a busca) do mundo mágico do romance medieval.
Como explicar a persistência desses temas? As respostas que têm sido dadas a esta
pergunta são muito diferentes entre si. De um lado, temos as idéias do
crítico canadense Northrop Frye sobre o apelo universal da trama básica do romance, a
importância da busca, e assim por diante, uma análise literária brilhantemente
desenvolvida do apelo desse tipo de histórias de aventura.32 Talvez valha observar de
passagem que Frye não discute as histórias de aventura da China ou do Japão,
desde Margem d'água a Os quarenta e sete Ronin, e talvez seja duvidoso que essas
histórias, apesar das semelhanças superficiais com os "bangue-bangues ocidentais",
se encaixem inteiramente em suas categorias. Por exemplo, os heróis coletivos das duas
histórias que acabo de citar são muito diferentes da tradição do "Zorro" do
individualismo ocidental.
Esse contraste entre Oriente e Ocidente corrobora explicações da persistência de temas
que são estruturados em termos de tradições culturais e de condições
sociais que favorecem a persistência dessas tradições. Investiguemos essa possibilidade no
caso do romance de cavalaria.
O caso do Brasil não é singular. Na Sicília, um teatro de marionetes popular
apresentando Rinaldo e outros heróis de romances de cavalaria continuava florescendo
no início do século XX, embora seja a indústria turística que o mantenha vivo hoje.33 As
histórias de Carlos Magno e seus paladinos eram a leitura preferida da infância
do famoso bandido Salvatore Giuliano, morto em 1950.34 Na França, as
32 Frye (1959), 186ff.
33 Lanza (1931).
34 Maxwell (1956), 34.
207
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
histórias ainda eram reeditadas em formato barato em meados do século XIX, e consta que
durante a Primeira Guerra Mundial alguns soldados bretães passavam seu tempo
nas trincheiras lendo o romance medieval The Four Sons of Aymon. já se mencionou aqui a
admiração de Vargas Llosa por Tirante el BlanCO.35 Apesar disso, a continuada
importância do romance de cavalaria na cultura do Brasil rural, pelo menos no Nordeste,
ainda clama por explicação.
Em alguns estados do Brasil, como Minas Gerais, Bahia, Pernambuco e Ceará, certos
aspectos da cultura popular do início da Europa moderna permanecem muito
vivos. O exemplo mais óbvio é o Carnaval - não apenas o grande Carnaval comercializado
do Rio, tanto para os turistas e as câmeras de televisão quanto para os habitantes
locais, mas os menores, mais tradicionais, participantes, os violentos carnavais de Olinda,
Salvador, Maranhão e outras regiões (Capítulo 10). Mais uma vez, as irmandades
ou confrarias religiosas, junto com suas feiras ou quermesses, ainda florescem em algumas
cidades pequenas de Minas Gerais. A sobrevivência dos livros de cordel,
e em particular dos romances de cavalaria, não é um fenômeno isolado.
Mas como se explica essa perseverança? Falar de "arcaísmo" é descrever, não explicar.
Observar outros casos (como o dos apalaches estudados pelo musicólogo
Cecil) em que as colônias ou ex-colônias, mais que a própria metrópole, são fiéis às
tradições culturais da pátria-mãe é útil, mas não preciso o bastante.36 Se aceitamos
a sugestão de que os heróis de uma cultura dizem alguma coisa sobre seus valores básicos,
sugestão que foi desenvolvida de uma maneira interessante no caso do Brasil
pelo antropólogo Roberto DaMatta, o problema parece ainda mais fundamental, sem, é
claro, chegar mais próximo de uma Solução.37
Para tentarmos explicar a sobrevivência do romance de cavalaria
35 Llosa (1969).
36 Sharp (1907).
37 Da Matta (1978).
208
A CAVALARIA NO NOVO MUNDO
no Brasil, é crucial, é claro, estabelecer - se conseguirmos - o que significam essas histórias
para os participantes. Temos de levar em conta as respostas dos leitores.
Como bem se pode imaginar, não é uma tarefa fáCil.38 Contudo, é pelo menos possível nos
concentrarmos em um episódio relativamente bem documentado na história brasileira
do século XX, em que a leitura de romances de cavalaria desempenhou um papel. Trata-se
da revolta popular de 1912-15, a chamada "Guerra do Contestado". Foi uma revolta
da periferia contra o Estado centralizador, semelhante nesse sentido à revolta mais famosa
do beato Antônio Conselheiro, em 1896-7, que fundou a cidade santa de
Canudos no sertão da Bahia, no Nordeste do Brasil. Essa revolta inspirou um clássico da
literatura brasileira, Os sertões (1902), de Euclides da Cunha, e mais recentemente
A guerra do fim do mundo (1980), de Mário Vargas Llosa.39 A rebelião do Contestado, nos
sertões do Paraná e Santa Catarina, no Sul do Brasil, também foi liderada
por beatos, entre eles o monge José Maria, que lia para seus seguidores a História de Carlos
Magno, o mesmo texto que o missionário americano Kidder encontrou na
loja em Maceió. Os rebeldes incluíam um pequeno grupo de exímios lutadores que eram
conhecidos como "os dozes pares de França".40
Essa rebelião nos fornece um contexto para a inserção de Carlos Magno. Um contexto
que Eric Hobsbawm chamou de rebeliões "primitivas" contra o Estado secular
moderno, com seus impostos, recenseamentos e assim por diante.41 As rebeliões brasileiras
eram vistas pelos participantes como uma guerra santa contra o Estado ateu,
diabólico, centrado no distante Rio de janeiro. Os rebeldes apelaram para "Dom Sebastião",
o já mencionado rei de Portugal do século XVI, uma figura que parece ter
sido amalgamada com são Sebastião,
38 Meyer (1993), 147-59.
39 Cunha (1902); Levine (1992).
40 Monteiro (1974); Diacon (1991), 2,116,137, 152.
41 Hobsbawm (1959).
209
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
e cuja volta era esperada, como o rei Artur, neste caso para libertar o Brasil do jugo da
República. A desobediência de Rolando, que ignorou as ordens de Carlos
Magno de retirar-se e perdeu a vida lutando contra os mouros, parece ter legitimado uma
revolta contra o Estado moderno.42
Essa interpretação política é plausível, mas precisa ser inserida em um contexto
cultural mais amplo. Como o caubói norte-americano e o gaúcho sul-americano,
pode-se ver o jagunço brasileiro como um descendente do cavaleiro medieval, em
particular o cavaleiro errante, graças a seu estilo de vida nômade, à preocupação
com a honra e não menos com a habilidade em lidar com cavalos, uma perícia exibida de
forma radical nos rodeios que ainda se realizam no Brasil, assim como nos Estados
Unidos. Como observou certa vez um medievalista inglês, "é impossível ser cavalheiresco
sem um cavalo".43 Como a medieval La Mancha, o lugar muito freqüentado por
Don Quixote, e a Estremadura, a região nativa de tantos conquistadores, o Nordeste
brasileiro era uma área de fronteira, um território relativamente vazio, de criação
pecuária e violência, fora do alcance do braço curto da lei.44 Em regiões como essas, as
histórias de façanhas heróicas individuais encontravam um público pronto
para ouvi-las.
Em outras palavras, o meio ambiente fronteiriço é importante para o romance de
cavalaria, assim como para os gêneros literários relacionados, como a balada
e o épico oral.45 Os sertões do Nordeste do Brasil eram uma sociedade de fronteira. O
Novo Mundo do século XVI era uma sociedade fronteiriça. Pensando bem, a Península
Ibérica de fins da Idade Média era uma sociedade fronteiriça, sem uma autoridade central, e
empenhada em uma luta constante de cristãos contra muçulmanos.46 Em todos
esses lugares, prevalecia a ética da
42 Cunha (1902), 136, 164; Monteiro (1974), 109ft.
43 Denholm-Young, citado por White (1962), 38.
44 Bisliko (1963).
45 Entwistle (1939); Lord (1960).
46 Bisliko (1963); cf. MacKay (1977), 36ff.
210
A CAVALARIA NO NOVO MUNDO
independência, e o desafio a uma autoridade distante fazia bastante sentido. Em cada
região, a tradição romanesca se adaptava às circunstâncias locais, mas foi por
já existir certo grau de "entrosamento" entre a tradição e as circunstâncias férteis que a
cavalaria atraiu escritores locais, cantores, ouvintes e leitores. O transplante
só é possível em solo adequado.
211
10
A tradução da cultura:
o Carnaval em dois ou
tres mundos
213
Para quem quer que more no Brasil hoje, é difícil deixar de ouvir músicas de Carnaval ou
ver imagens de Carnaval o ano inteiro, sobretudo do Ano-novo em diante.
Com a aproximação da Terça-feira Gorda, ou de Carnaval, os jornais trazem mais notícias
carnavalescas, e cada vez aumenta a especulação sobre as relativas chances
de diferentes "escolas de samba" vencerem a competição, muito antes de os espectadores
entrarem na Passarela do Samba no Rio ou em São
Paulo e o grande espetáculo começar. O Carnaval é apresentado como uma especialidade
brasileira e visto como tal não apenas pela Riotur, o órgão de turismo do Rio de janeiro,
mas também por
muitos brasileiros comuns.
O Carnaval não é apenas um tema de romances e filmes sobre o Brasil, como Orfeu
negro (1958), de Marcel Carné, mas também um tema recorrente na própria cultura
brasileira. O roteiro de Orfeu negro foi obra do poeta Vinicius de Moraes, que adaptou sua
peça Orfeu da Conceição, e a música do filme composta por Luís Bonfá e
Antonio Carlos Jobim, mais conhecido como "Tom". Outros exemplos literários incluem
Carnaval (1919), de Manuel Bandeira, Carnaval carioca (1923), de Mário de Andrade,
e o primeiro romance de Jorge Amado, O país do Carnaval (1932). Algumas das melhores
músicas de Chico Buarque, Gilberto Gil e outros importantes compositores foram
originalmente compostas para determinados carnavais. Sobre representações do Carnaval
na cultura popular, basta assistir a séries como Carnaval Duchen (Rádio e TV
Record), Meu Carnaval não era assim (TV Tupi) ou Carnaval do passado (TV Rio).
215
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
O Carnaval também é tema de muitos estudos recentes da antropologia, sociologia e
história brasileiras, a maioria feita pelos próprios brasileiros. Destes,
o mais famoso é Carnavais, malandros e beróis (1978), de Roberto DaMatta, não tanto um
estudo sobre o Carnaval por si mesmo quanto um estudo do Brasil e do que o
autor chama de "dilema brasileiro". DaMatta usa o Carnaval como um meio para analisar o
conflito entre igualdade e hierarquia no Brasil, seguindo as mesmas linhas
do famoso estudo sobre a rinha balinesa, de Clifford Geertz.1
O estudo de DaMatta é brilhante e original, mas (como o de Geertz) pode ser criticado
como demasiado durkheimiano, no sentido de que supõe a unidade do fenômeno,
ignorando a variação e os diferentes significados do evento para diferentes grupos sociais.
O Carnaval pode ser um momento de união emocional ou ???communitas, e mesmo
uma trégua na luta de classes. Apesar disso, não tem necessariamente o mesmo significado
para todos os participantes - rapazes da classe trabalhadora com necessidade
de "desabafo", mulheres da classe média de meia-idade que querem se juntar ao "povo",
turistas que vêem a festa como um símbolo do Brasil, e assim por diante.2
A interpretação de DaMatta tem sido complementada por vários estudos em
profundidade das escolas de samba do Rio por seus alunos, entre eles, em particular,
Maria Julia Goldwasser (1975) sobre a famosa Estação Primeira de Mangueira.3 Uma
destacada socióloga brasileira, Maria Isaura Pereira de Queiroz, publicou há poucos
anos uma história do Carnaval brasileiro dos tempos coloniais ao presente. As conclusões
de Maria Isaura e, em especial, suas visões do Rio do século XIX foram recentemente
criticadas (como as de DaMatta) por serem demasiado unitárias.4 Embora este capítulo não
se baseie na suposição de que o Carnaval tem um único sentido partilhado,
limi1 Geertz (1973), 412-53.
2 Cf. Turner (1983).
3 Goldwasser (1975); Leopoldi (1978); Cavalcanti (1994).
4 Queiroz (1992); Soihet (1993); Pereira (1994).
216
A TRADUÇÃO DA CULTURA
tar-se-á a um único tema principal, o inverso do de DaMatta. O tema, discutido em termos
gerais no Capítulo 11, é o da interação cultural entre diferentes grupos
- elites e classes subordinadas, brancos e pretos, homens e mulheres. Não se abordarão aqui
outros aspectos do Carnaval, sobretudo sua relação com sexo e violência.5
A VISÃO DA EUROPA
Um europeu que visita o Brasil em fevereiro ou março bem pode achar que os brasileiros
anexaram o Carnaval. Afinal, não o inventaram. Como outras instituições européias,
o Carnaval, com todas as suas ambigüidades e ambivalência, foi transportado ou
"traduzido" (no sentido original deste termo) para o Novo Mundo. Pelo menos em relação
a parte da festa que foi colonizada por católicos do Mediterrâneo. Foi graças aos imigrantes
franceses, espanhóis e portugueses que o Carnaval se tornou importante
na vida de Nova Orleans, Port de Spain e Havana, além de Rio, Salvador e Olinda.
Qualquer pessoa familiarizada com os carnavais europeus se sentirá em casa ao
observar ou, na verdade, participar de carnavais no Novo Mundo. Os paralelos
são impressionantes. O lançamento de cascas de ovo ou bisnagas de cera cheias de água,
muito praticado no Rio do século XIX, por exemplo, derivou da tradição do
entrudo português, uma tradição com muitos paralelos na França, Espanha e Itália, embora
os misseis fossem ovos ou laranjas.6 Fantasiar-se e usar máscaras eram um
costume tradicional europeu, e mesmo alguns dos costumes preferidos dos americanos,
como os hussardos, os arlequins do Rio e os pierrôs e polichinelos de Trinidad,
copiavam modelos europeus. O desfile das escolas de samba do Rio hoje lembra as paradas
e carros alegóricos que já se viam em Florença e Nuremberg no século XV.
5 Parker (1991), cap. 6; Linger (1992).
6 Graham (1988),68;Baroja (1965),57ff.
217
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
Mais uma vez, as escolas de samba e seus antecessores da classe média, como os
"Democráticos", "Tenentes do Diabo" e "Fenianos" no Rio do século XIX, são
reminiscências dos Abades da juventude e outras sociedades festivas européias. O que os
fenianos (fundados em 1858) representaram no Rio alguns anos depois é uma
questão fascinante, mas capciosa. Além de acrescentar um exótico toque irlandês às
festividades, foram provavelmente escolhidos por seu republicanismo. Este ideal
político atraía um número substancial de brasileiros antes que a República fosse fundada
em 1889, e as referências políticas são tradicionais nos carnavais brasileiros.
No Rio em 1903, por exemplo, houve críticas do imposto do selo. Em 1964, após os
generais tomarem o poder, o samba de sucesso Tristeza começava com "por favor, vá
embora". Também neste caso, há paralelos europeus, temas políticos semelhantes variando
dos protestos contra o imposto do selo em Madri, em 1637, aos recentes carnavais
italianos escarnecendo da corrupção do ex-primeiro-ministro, Benito Craxi.
No caso da relação do Brasil com a Europa, precisamos levar em conta não apenas a
tradição inconsciente, mas também a imitação consciente. Os brasileiros,
em particular das classes médias, eram e na verdade ainda são muito atraídos por modelos
culturais estrangeiros. Em particular, os carnavais de Veneza, Roma e Nice
são exemplares no Brasil do século XIX. Citavam-nos na imprensa como modelos de
Carnaval "civilizado", nas tentativas de proibir o entrudo e substituí-lo por alguma
coisa mais racional, higiênica, moral e "européia". Para um historiador europeu, é provável
que a situação pareça um tanto irônica. A elite brasileira considerava
o Carnaval europeu não violento, um Carnaval "bom" e civilizado, em contraste com o
Carnaval brasileiro, "ruim" e não civilizado. O Carnaval europeu talvez se tenha
tornado relativamente comedido a essa altura, mas no início do período moderno a
violência era lugar-comum. Como registrou um visitante inglês em Veneza, em fins
do século XVI: "Na noite da Terça-feira Gorda, houve dezessete assassinatos, e muitos
feridos."7
7 Burke (1978), 187.
218
A TRADUÇÃO DA CULTURA
AS PECULIARIDADES DOS AMERICANOS
Esse Carnaval do Novo Mundo é muito mais que uma importação européia. Como muitos
aspectos da cultura européia, foi transformado ao longo de sua permanência nas
Américas, transportado ou "traduzido" no sentido de ser adaptado às condições locais.
Essas transformações são mais importantes ou pelo menos observáveis com mais
facilidade em três domínios - o lugar das mulheres, da dança e da cultura africana.
Primeiro, a importância e o papel ativo de mulheres nos carnavais das Américas
contrasta com os tradicionais costumes europeus, em que o lugar da mulher
era em geral na sacada, observando (e às vezes atirando mísseis) os homens embaixo, e não
nas ruas, participando plenamente. Apesar da prática de vestir-se com roupas
do sexo oposto e das muitas referências ao contrário, o mundo patriarcal não virava
totalmente de cabeça para baixo nessa época.
Na verdade, a ênfase na bebida e violência nos tradicionais carnavais europeus, assim
como a composição das sociedades carnavalescas (dominadas por jovens
adultos do sexo masculino), sugere que se devem interpretar os eventos - entre outras coisas
- como rituais para a afirmação da masculinidade. Havia outros festivais
populares em que as mulheres ficavam "no topo", dominando simbolicamente os homens,
como na festa espanhola de santa Águeda descrita pelo falecido Don Julio Caro
Baroja, mas este não era um tema principal do Carnaval europeu.8
Por outro lado, no Novo Mundo, apesar da transplantação do patriarcalismo - descrito
por escritores latino-americanos, de Gilberto Freyre a Gabriel García
Márquez -, as mulheres há muito têm sido mais visíveis e ativas no Carnaval. Assim, em
1826, um oficial inglês em Trinidad observou que "um grupo de mulheres, tendo
se transformado em um grupo de bandoleiros, atacou-me nos meus
8 Baroja (1965), 371-81; cf. Davis (1975), esp. t38ff.
219
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
alojamentos".9 No Brasil, a participação feminina no entrudo foi considerada digna de nota
por visitantes estrangeiros, como Thomas Lindley (1805), Henry Koster
(1816), John Mawe (1822), Robert Walsh (1830) e Ferdínand Denis (1837).
Hoje, se o papel das mulheres é passivo ou ativo, se a função delas é ser vistas por
homens ou despertar-lhes as próprias fantasias (ou as duas coisas),
é impossível imaginar um Carnaval brasileiro sem uma esmagadora presença feminina,
incluindo os destaques, figuras simbólicas nos carros alegóricos; as pastoras,
dançando à frente ou atrás dos carros alegóricos; as baianas, mulheres de meia-idade com o
tradicional traje da Bahia; e por fim, a porta-bandeira, ou porta-estandarte,
cuja dança com seu parceiro, o mestre-sala, é um quesito que entra na contagem de vários
pontos na competição entre as escolas de samba no Rio. Em geral, as escolas,
clubes e "blocos" têm uma ala feminina e uma masculina, além de uma diretoria
masculina.10
Ligada ao papel mais ativo de mulheres, a importância da dança torna os carnavais do
Novo Mundo característicos. A dança não era de todo ausente na Europa.
Em particular as de espada ocorriam nos tradicionais carnavais europeus. Apesar disso, não
tinha ali a mesma importância de que no Brasil (digamos) ou em Trinidad,
onde a cafinda ou dança do pau é parte essencial das festividades desde, pelo menos, o
início do século XIX, ou em Nova Orleans, que impressionou um visitante francês
porque "eles dançam em toda parte".11
Os exemplos que acabo de citar são de danças masculinas, mas as mistas também têm
sido importantes nos carnavais das Américas desde o século XIX. Na Trinidad
do início do século XIX, homens e mulheres da classe dos colonos dançavam a belair, a
bamboula e a gbouba. O exemplo clássico de dança mista é o do Brasil, na era
da polca, predominante dos anos 1850 a 1900, a era do maxixe, da década de 1870 à de
1910, a era do samba, predominante de cerca de 1916 até
9 Citado em Pearse (1955-6), 180.
10 Simson (1991-2).
11 FEU (1972), 11; Kinser (1990), 22.
220
A TRADUÇÃO DA CULTURA
hoje. No Rio, a dança era e é a parte mais importante do desfile, o cortejo carnavalesco que,
em si, se tornou a parte essencial das festividades de meados do século
XIX em diante. Não apenas a "infantaria" que acompanha os carros alegóricos, mas muitas
das mulheres exibidas neles dançam o samba, apesar do risco de cair.
Além da dança nas ruas, o Carnaval brasileiro há muito incluiu bailes em casas
particulares, clubes, hotéis (a começar com o Hotel Itália no Rio, em 1840)
e teatros (como o Teatro São Pedro no Rio, em 1844, e o Teatro São João em Salvador, na
década de 1860).12 Em outras regiões da América Latina, a dança também era
um importante elemento no Carnaval: em Buenos Aires, por exemplo, e em Havana, onde
se realizavam bailes de máscaras no Teatro Tacón de 1838 em diante.13
A VISÃO DA ÁFRICA
A dança é o lugar ocupado pelos elementos africanos no Carnaval e em outras festividades
latino-americanas. A comemoração da festa de Corpus Christi no Brasil colonial,
na província de Minas Gerais, por exemplo, incluía carros alegóricos e danças de negros
com bandeiras, instrumentos de percussão e músicas - todos elementos a serem
encontrados mais tarde nos carnavais brasileiros. A tradição do maracatu, cucumbi, congada
ou "reis do Congo", a entronização de reis e rainhas negras vestidas com
fantasias deslumbrantes na festa de Nossa Senhora do Rosário, mais uma vez em Minas
Gerais, também foram transferidos para o Carnaval.14
A transição das irmandades que organizavam essas festividades para as sociedades
carnavalescas e escolas de samba posteriores foi
12 Alencar (1965).
13 Amuchistegui (1988), ???1 SW; Ortiz (1954), 204.
14 Real (1967), xv; Meyer (1993),161-74.
221
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
fácil.15 As próprias irmandades provavelmente atraíam os negros em Minas, na Bahia e
outras regiões, porque ofereciam uma família substituta para escravos desarraigados
de sua pátria, e uma forma de organização social com paralelos na África Ocidental, em
particular as sociedades secretas. De maneira semelhante, quando os missionários
do século XX, em Moçambique, formaram grupos de batedores (patrulhas), seu sucesso
parece ter devido alguma coisa às tradições locais de sociabilidade. 16
A África da qual se transportavam escravos para o Novo Mundo era, é claro, um
agrupamento de culturas, algumas das quais já interagiam, com o Ocidente e
o cristianismo. Tome-se o caso do Congo, por exemplo. Governantes locais viram
vantagens em trabalhar com os missionarios e usar as novas doutrinas e rituais para
legitimar seu poder. Fundaram-se confrarias. Festividades cristãs, como a festa de são
Jaime, eram celebradas não apenas com procissões, mas com danças tradicionais
africanas, e combinadas com outros festejos, como a comemoração da ascensão de Afonso,
rei do Congo. Embora os missionários acreditassem que haviam convertido os
africanos ao cristianismo, é extremamente provável, no mínimo, que as pessoas do Congo
se vissem incorporando rituais exóticos ocidentais à religião local. A síntese
ou sincretismo entre as tradições do cristianismo e as africanas muitas vezes observada nos
casos do Brasil e Cuba já havia começado na própria África.17 Por trás
desses rituais, é possível às vezes vislumbrar elementos da tradição africana, como o
festival nigeriano da rainha, Damurixá.18 O próprio Carnaval não existia na
África, e até hoje só se enraizou em algumas regiões (sobretudo Cabo Verde e Reunión),
mas o que os ocidentais poderiam chamar de "carnavalesco" era comum.
15 Cf. DaMatta (1978).
16 Mandelbaum (1989), 173.
17 Thornton (1983); Hilton (1985), 50ff.; Gray (1991), Off, 42ff.; MacGaffey (1986), 191216; MacGaffey (1994), 254-9; cf. Balandier (1965), 39, 259, 264; Prins
(1980).
18 Manuel Querino. citado em Risério, (1981), 49.
222
A TRADUÇÃO DA CULTURA
Independentemente do lugar de origem e da forma, os elementos afro-americanos se
espalharam pelo Carnaval brasileiro. No Rio em 1881, o carro alegórico dos
Democráticos, uma sociedade carnavalesca branca de alto status, representava um príncipe
africano, Obá. Se tentarmos fugir ao que se poderia chamar de "riocentrismo"
da maioria dos estudos do Carnaval brasileiro e olhar para Olinda, Recife ou Salvador, a
sobrevivência ou reconstrução de tradições africanas é ainda mais óbvia,
muito antes do movimento de "re-africanização" de fins do século XX relacioná-la à
consciência negra e ao black power. No Recife, por exemplo, há o registro da participação,
no Carnaval de 1872, de um grupo de maracatus, liderado por uma rainha e uma vicerainha.19
A dança, religiosa ou secular, era e talvez continue a ser uma forma de arte mais
importante na África do que em qualquer outro lugar. Na África oriental,
por exemplo, havia a tradição da ngoma, dança que muitas vezes adota a forma de parada
militar ou "revista de tropas" por membros de diferentes associações de dança,
em que as mulheres desempenhavam um papel predominante. Em Mombasa de fins do
século XIX, essas paradas incluíam carros alegóricos reminescentes "dos carnavais em
Nice e em Nova Orleans", segundo um oficial britâniCO.20
Na África ocidental, mais relacionada às Américas, pois a maioria dos escravos é
oriunda daquela região, a dança muitas vezes se associava intimamente as
práticas religiosas. A associação entre dança e religião era mais estreita do que na Europa,
onde havia uma longa tradição de hostilidade oficial a danças na igreja
ou mesmo por ocasião de festivais religiosos.21 Entre os Tallensi da África ocidental, por
outro lado, o antropólogo que melhor os conhecia registrou que
o terreno da dança é sagrado".22 A dança era um ritual que pro19 Real (1967), xvi-xvii; Fry (1988), 232-63; Riserio (1981), 13, 17.
20 Ranger (1975), 34, 167ff.
21 Backman (1952).
22 Fortes (1987), 51.
223
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
vocava perda de consciência e no qual os dançarinos eram possuídos
e uma dança
apresentada por negros, mas também um maracatu ou
por espíritos e divindades, como no caso dos iorubás no Daomé e na Nigéria.
Não se deve considerar a possessão, ou "mediunidade do espírito", como por vezes é
chamada, como uma forma de histeria. Como
os antropólogos têm enfatizado, a possessão deve ser analisada como ritual e mesmo teatro.
Os possuídos incorporam seu determinado
espírito de maneira muito semelhante à que os foliões do Carnaval personificam o
comportamento adequado a seus trajes, sua fantasia.
Alguns desses espíritos se comportam de maneira carnavalesca: os espíritos caboclos no
candomblé, por exemplo, espíritos masculinos
que se apossam de mulheres e fazem com que seus veículos humanos fumem, bebam e
digam palavrões.23 O batuque dos tambores era
fundamental para esses rituais de possessão. Os tambores eram considerados as vozes das
divindades, cada uma associada a um ritmo
característico.24 Os cultos de possessão desse tipo continuam entre os negros nas Américas,
desde o vodu do Haiti, à santería de Cuba e ao
candomblé do Brasil (que tem ligações particularmente estreitas com as tradições iorubás),
ou seu equivalente no Maranhão, o
tambor-de-mina, nome que enfatiza a batida do tambor.25
O argumento central deste capítulo é que essas práticas religiosas
deram uma importante contribuição aos carnavais afro-americanos.
O lugar dos tambores nesses carnavais é fundamental nos casos das
baterias do Rio e da "orquestra de metais" de Trinidad (que substituiu
os tambores tradicionais na década de 1930). As danças do candomblé são às vezes
comparadas ao samba do Carnaval não apenas
por observadores, mas também por participantes.26 No Brasil, incorporaram-se outras
práticas religiosas ao Carnaval, por meio do afoxé,
palavra que significa não apenas um instrumento musical (a maraca)
23 Wafer (1991), 55-6.
24 Leiris (1958); Verger (1969), 50-66.
25 Mars (1946); Bastide (1958); Drewal (1989).
26 Wafer (1991), 73-4; Omari (1994),136.
224
A TRADUÇÃO DA CULTURA
um cortejo carnavalesco de adeptos do candomblé. O compositor e
cantor brasileiro Gilberto Gil conta que, quando desfilava no Carnaval de Salvador com o
resto de seu grupo de afoxé, certa vez viu uma
mulher de meia-idade benzer-se, na certa pensando que o que estava vendo era uma
procissão religiosa.27
Em todos os rituais religiosos acima descritos, as mulheres têm tradicionalmente
desempenhado um papel importante. Os cultos de
possessão de Hausa Bori eram e são controlados por mulheres. A chamada "mãe-de-santo"
(ialorixá) continua sendo a figura central no
candomblé.28 No Recife, as rainhas que conduzem os maracatus no carnaval são mães-desanto.29 Para reforçar a hipótese da ligação
entre religião africana e Carnaval americano, pode-se acrescentar que, em Salvador,
espíritos femininos chamados tobosses ("moças")
"baixavam" no Carnaval, em outras palavras, se apossavam dos devotOS.30 Refletindo por
um momento, gostaria de sugerir que as tão
destacadas baianas do Carnaval do Rio e de outras cidades, senhoras dignas que rodopiam
em seus longos vestidos brancos, são uma versão
secular das mães-de-santo. Na verdade, a excitação e a exaltação do Carnaval, as
"vibrações" como as chamam os brasileiros, são uma
forma de êxtase religioso.
As máscaras revelam outros elos entre a África e as Américas.
Têm um importante papel a desempenhar não apenas no Carnaval, mas também nas
sociedades secretas da África ocidental, como a
Poro, da Libéria.31 Em Trinidad, a origem de uma das tradicionais máscaras, o "Moco
Jumbie", é associada a práticas religiosas do
passado na África Ocidental.32 Em Cuba, como nas Saturnalia da antiga
27 Bastide (1958), 248; Real (1967), 57; Risério (1981), 12, 52, 55-6.
28 Landes (1947), 71ff., 142ff.
29 Real (1967), 67.
30 Bastide (1958), 194. Sobre umbanda e Carnaval, DaMatta (1978), 136.
31 Harley (1950); cf. Sieber (1962).
32 Hili (1972), 12.
225
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
Roma, a liberdade temporária de escravos era essencial nas festas, das quais se dizia que
deviam alguma coisa à tradição africana do Ekuaensu. Os negros tomavam
as ruas de La Habana vestidos como congos (mais uma vez), lacumíes, ararás e
mandingas.33
No Brasil, em particular, as tradições populares afro-americanas são agora estudadas
com mais atenção do que antes pelos historiadores. Ao mesmo tempo,
os próprios carnavais estão recebendo mais ênfase, como parte do movimento de
consciência negra. Os grupos de afoxé como o "Filhos de Gandhi" (fundado em 1949, mas
revivido na década de 1970), por exemplo, desempenham um importante papel no Carnaval
de Salvador.34 Em 1995, o Carnaval de Salvador girou em torno de Zumbi, líder
da comunidade escrava rebelde dos Palmares, para marcar o tricentenário de sua morte.
As pesquisas sobre elementos africanos no Carnaval, como outros aspectos da cultura
negra popular no Brasil colonial e do século XIX mal começaram.35 Apesar
disso, os elementos mencionados talvez sejam suficientes para lançar a hipótese de que os
carnavais do Novo Mundo são "superdeterminados", no sentido de que surgiram
do encontro de duas tradições festivas, a européia e a africana. Há "sincretismo", no sentido
preciso de coexistência e ínteração temporarias de elementos de diferentes
culturas, assim como há "anti-sincretismo" no sentido de tentativas de purificar o Carnaval,
primeiro de seus elementos africanos (em fins do século XIX), e mais
recentemente de seus elementos europeus.36 Também pode ter havido elementos
ameríndios nesse composto, mas, se assim for, é muito difícil identificá-los hoje (o
uso de fantasias de índios por negros e brancos é outra questão).37
Parece que há uma espécie de magnetismo envolvido, uma atra33 Ortiz (1954), 2 10-11.
34 Risério (1981), 52ff.
35 Meyer (1993), 175-226; Soihet (1993).
36 Pye (1993); Stewart (1994).
37 Real (1967), 84ff.
226
A TRADUÇÃO DA CULTURA
ção entre elementos semelhantes nas tradições culturais africana e européia, assim como
existe uma especie de circularidade ou influência reciproca entre as tradições
da elite e populares.38 Por exemplo, o falso combate parece derivar tanto das danças
associadas ao culto do deus guerreiro iorubá Ogum quanto da tradição ibérica
de representar conflitos entre "mouros e cristãos" nos dramas religiosos populares, ou
autos.39 Em 1816, o visitante inglês Henry Koster testemunhou um entrudo brasileiro
que incluía o "batizado do rei dos mouros" e uma falsa batalha entre mouros e cristãos. A
tradição dos cucumbis ou "reis do Congo" deve alguma coisa à tradição europeia
conhecida na França como reinage, em que homens e mulheres vestidos como reis e rainhas
se dirigem a cavalo para a igreja, em cavalgada.40 Também pode seguir tradições
africanas. Mais uma vez, as máscaras carnavalescas se relacionam às duas tradições
culturais, a européia e a africana. As festas exemplificam, assim, o que o sociólogo
e folclorista cubano Fernando Ortiz, ele mesmo um entusiasta de Carnaval, chamou de
"transculturação" (p. 262), em outras palavras, a interação recíproca entre duas
culturas, em oposição à "aculturação", em que se supõe que a influência se dê em um só
sentido.41
AS TRAJETóRIAS DO CARNAVAL
A trajetória dos carnavais no Novo Mundo no decorrer dos últimos duzentos anos corre
paralela à dos carnavais europeus entre os séculos XVI e XIX.42 Houve quatro
estágios principais nesse processo: participação, reforma, afastamento e redescoberta. É
necessário lem38 Soihet (1993). 39 Drewal (1989), 225; Baroja (1965), 174. 40 Real (1967),58; Hanlon
(1993),155. 41 Ortiz (1952).
42 Burke (1978), 178ff., 207ff., 270ff., 281ff.;
cf. Pereira (1994), introdução.
227
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
brar, é claro, que as fontes para a história do Carnaval em geral oferecem uma visão "de
cima", em que algumas atividades populares quase não são visíveis mas, pelo
menos no que se refere às classes superiores, esse modelo tem suas utilidades.
Pode-se exemplificar o estágio de participação a partir de Trinidad no início do século
XIX, quando (segundo um observador inglês) "superior e inferior,
rico e pobre, culto e inculto, todos encontram máscaras e trajes para o Carnaval". Outro
exemplo de meados do século XIX vem de Petrópolis, cidade para onde a corte
brasileira se retirava durante o verão: o prazer do imperador Pedro II com o tradicional
entrudo, de atirar água e tudo o mais.
O estágio da reforma alcançou Trinidad em fins do século XIX, quando alguns
membros da classe governante chegaram ao ponto de exigir a total extinção do
Carnaval.43 No Brasil, da década de 1830 em diante, as críticas ao Carnaval eram
expressas com regularidade. Em 1844, o padre Lopes Gama, famoso jornalista de Recife,
observou a incoerencia entre a "loucura" do entrudo e a pretensão do Brasil de participar do
progresso da civilização.44 Em fins do século XIX, houve uma campanha
para substituir o "grosseiro e pernicioso entrudo" (como o chamou o jornal de Notícias de
Salvador, em 1884) por alguma coisa mais "racional", "higiênica" e "civilizada",
no modelo europeu (como dito anteriormente, parece que a elite brasileira desconhecia a
importância de sexo e violência na tradição carnavalesca européia). Essas
tentativas de reforma provavelmente atingiram seu clímax no Rio na época do prefeito
Francisco Pereira Passos, por volta de 1900, quando se transferiram os desfiles
da rua do Ouvidor, no centro da cidade, para avenidas na periferia, onde podiam ser
controlados com mais facilidade. Essa tentativa coincidiu com uma campanha de
saúde pública e uma reconstrução da cidade, o que provocou resistência e até mesmo
distúrbiOS.45
43 Pearse (1955-6), 187.
44 Citado em Real (1967), xii-xiii.
45 Pereira (1994), 39ff.
228
A TRADUÇÃO DA CULTURA
A linguagem de "Civilização" versus "barbarismo" expressava temores mascarados
dos brancos diante da crescente "africanização" do Carnaval, medos manifestos
abertamente em cartas ao jornal de Notícias, de Salvador, nos primeiros anos do século XX.
Pois foi na
década de 1890 que se fundaram naquela cidade os primeiros clubes de negros, como os
Pândegos da África.46 Maria Isaura Pereira de
Queiroz escreveu sobre "a domesticação de uma massa urbana" no Carnaval do Rio, mas
sua preocupação com os principais eventos das festas precisa ser equilibrada
em contraposição ao indício de um Carnaval mais tradicional e informal em outras partes
da cidade.47
O terceiro estágio indica que a reforma foi incompleta, em outras palavras, houve o
afastamento da participação pública das elites, que passaram então a
organizar suas próprias festas carnavalescas em ambientes fechados, um -Carnaval
fechado" substituindo o antigo aberto. Em Trinidad, tão logo ocorreu a emancipação
dos escravos em 1833, a elite "retirou-se da participação pública" no Carnaval, enquanto os
negros "se apropriaram" dele, ou pelo menos ficaram mais visíveis, usando
as festividades para comemorar sua emancipação e escarnecer dos brancos.48 No Brasil,
tanto a emancipação quanto o afastamento ocorreram meio século depois. No Rio,
nas palavras da Gazeta de Notícias, em 1890, "o Carnaval elegante retirou-se para os salões
de baile, abandonando as ruas para os pobres-diabos".49 Em contraposição,
em Nova Orleans os clubes de brancos ou "krewes"* não se afastaram e continuam
dominando o Carnaval. Os grupos paralelos de negros, como Zulu Aid e Clube do Prazer,
que outrora ridicularizavam as festividades oficiais, hoje foram incorporados a elas.50
46 Citado em Fry et al. (1988), 236, 253-4.
47 Queiroz (1992), 71-116; Zaluar (1978).
48 Pearse (1955-6); Hill (1972),23, 40, 43, 100.
49 Citado em Pereira (1994), 202.
* Vários grupos com filiação hereditária cujos membros organizam e participam
de desfiles tradicionais no Carnaval anual de Terça-feira Gorda. (N. da T.)
50 Compare Edmondson (1955-6), 233-45, e Kinser (1990); cf. DaMatta (1978), 124-30.
229
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
O Brasil, como outras partes do Novo Mundo, atravessa hoje o quarto processo, o da
redescoberta da cultura popular, em particular a cultura afro-americana,
pelas elites, incluindo a "re-africanização" do Carnaval. Também ocorreu (pelo menos no
Recife) um retorno da classe média ao Carnaval de rua, que se retirara para
o mundo fechado dos clubes e hotéis.51 Desnecessário dizer, esse quarto estágio se
relaciona com a comercialização de uma festa que se tornou um grande negócio,
e em que a televisão e gravadoras, assim como agências de turismo (para não mencionar os
proprietários de estabelecimentos de jogo e traficantes de drogas), passaram
a envolver-se profundamente.52 Nesse sentido como em outros, o Rio moderno é o
herdeiro da Nice do século XIX e da Veneza do século XVIII.
O que torna os carnavais americanos tão diferentes dos europeus é essencialmente o
elemento africano. Retomando a idéia de DaMatta de Carnaval como um microcosmo
do Brasil, poderíamos dizer que os festejos exibem e dramatizam a Ínteração entre
diferentes grupos e subculturas étnicos.
51 Real (1967), 158-9.
52 Cavalcanti (1994).
230
11. Unidade e variedade na história cultural
231
Atravessamos hoje um período da chamada "virada cultural" no estudo da humanidade e
sociedade. "Estudos culturais" florescem agora
em muitas instituições educacionais, sobretudo no mundo de língua inglesa.1 Muitos
estudiosos que há mais ou menos uma década se descreviam como críticos
literários, historiadores da arte ou historiadores da ciência hoje preferem definir-se como
historiadores culturais, trabalhando em "cultura visual", "a cultura
da ciência" e assim por diante. "Cientistas" políticos
e historiadores políticos pesquisam "cultura política", enquanto economistas e historiadores
econômicos desviaram a atenção da produção para o consumo, e assim para
desejos e necessidades moldados em termos culturais. Na verdade, na GrãBretanha
contemporânea e em outras partes, a "cultura" se tornou um termo cotidiano que as
pessoas comuns utilizam quando falam de sua comunidade ou estilo de vida.2
Apesar disso, a história cultural ainda não está estabelecida de maneira muito sólida,
pelo menos no sentido institucional. Pensando bem, não é fácil responder
à pergunta: que é cultura? Parece ser tão difícil definir o termo quanto prescindir dele.
Como vimos no
Capítulo 1, muitas variedades de "história cultural" vêm sendo praticadas
em diferentes partes do mundo desde fins do século XVIII, quando se
cunhou originalmente o termo na Alemanha (p. 14). Nos últimos
anos, a história cultural se fragmentou ainda mais que antes. A disciplina da história está se
dividindo em cada vez mais subdisciplinas, e
1 Hall (1980); Turner (1990); Storey (1996).
2 Baumann (1996), 4, 34.
233
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
a maioria dos estudiosos prefere contribuir para a história de "setores" como ciência, arte,
literatura, educação ou a própria historiografia, em vez de escrever
sobre culturas totais. De qualquer modo, a natureza, ou pelo menos a definição de história
cultural, é cada vez mais questionada,
O momento parece propício para fazer um balanço e tentar estabelecer um equilíbrio.
Começo aqui com um breve relato da história cultural tradicional, passo
para a chamada "nova" história cultural, definida em contraste com a tradição, e termino
discutindo o que se faz hoje, se devemos optar pela nova, retornar à antiga
ou tentar fazer algum tipo de síntese. Devo dizer de uma vez por todas que não reivindico
qualquer competência na totalidade desse enorme "campo". Como outros historiadores,
minha tendência é trabalhar em um determinado período (séculos XVI e XVII) e em uma
região específica (Europa Ocidental, sobretudo a Itália), como terão mostrado
os estudos de caso detalhados nos primeiros capítulos. Neste final, contudo, vou transpor
esses limites disciplinares espaciais e temporais, na tentativa de ver
a história cultural (apesar de suas divisões internas) como um todo.
HISTÓRIA CULTURAL CLÁSSICA E SUAS CRíTICAS
Em meados do século XIX, quando Matthew Arnold fazia suas palestras sobre "Cultura e
anarquia", e jacob Burckhardt escrevia sua Kultur der Renaissance in Italien,
a idéia de cultura parecia praticamente prescindir de explicações. A situação não era muito
diferente em 1926, quando Johan Huizinga fez sua famosa palestra, em
Utrecht, sobre "A tarefa da história cultural".
Para os três historiadores, "cultura" significava arte, literatura e idéias "suaves e
leves", como a descreveu Arnold, ou, na formulação mais precisa, embora
mais prosaica, de Huizinga, "figuras, motivos,
234
UNIDADE E VARIEDADE NA HISTÓRIA CULTURAL
temas, símbolos e sentimentos".3 A literatura, idéias, símbolos, sentimentos, e assim por
diante, eram em essência os encontrados na tradição ocidental, dos gregos
em diante, entre as elites com acesso à educação formal. Em suma, cultura era algo que as
sociedades tinham (ou, mais exatamente, que alguns grupos em algumas sociedades
tinham), embora faltasse a outros.
Trata-se da concepção de cultura de "teatro de ópera", como foi rotulada por um
antropólogo americano.4 Essa concepção é subjacente ao que se pode chamar
de variedade "clássica" da história cultural, no duplo sentido de que enfatiza os clássicos,
ou o câncine, de grandes obras e também fundamenta muitos clássicos
históricos, em particular Renaissance (1860), de Jacob Burckhardt, e Waning of the MiMe
Ages (1919), de Johan Huizinga. O estudo de Huizinga é de muitas maneiras
uma tentativa tanto de imitar quanto de superar o de Burckhardt. A diferença entre essas
obras e estudos especializados de história da arte, literatura, filosofia,
música e outros é sua generalidade, o interesse por todas as artes e a relação de umas com
as outras e com o "espírito do tempo".
Os estudos de Burckhardt e Huizinga - para não mencionar outras destacadas obras
dos mesmos autores - são livros maravilhosos de grandes historiadores. Os
dois escritores têm o dom de evocar o passado e também mostrar relações entre diferentes
atividades. Apesar disso, eu diria que sua abordagem não pode ou não deve
ser o modelo para a história cultural de hoje, porque não consegue lidar de maneira
satisfatória com algumas dificuldades. Os próprios Burckhardt e Huizinga, ao
contrário de seus seguidores, tinham pelo menos vez por outra consciência dessas
dificuldades, embora na maior parte do tempo o que praticassem fosse a abordagem
clássica. Essa tradição clássica da história cultural expõe-se a pelo menos cinco objeções
serias.
3 Huizinga (1929); cf. Gilbert (1990), 46-80.
4 Wagner (1975), 21.
235
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
1) Paira no ar, no sentido de ignorar a sociedade (ou pelo menos dar pouca ênfase a ela) - a
infra-estrutura econômica, a estrutura política e social e assim por
diante. O próprio Burckhardt admitiu na velhice que seu livro não dedicara a devida
atenção aos fundamentos econômicos do Renascimento, e Huizinga discutiu a tardia
preocupação medieval com a morte sem relacioná-la às pestes que assolaram a Europa de
1348 em diante. Essa crítica geral foi enfatizada pelos primeiros estudiosos
a criticar o modelo clássico, os marxistas, ou mais exatamente aquela fração dos marxistas
que levavam a cultura a sério.
Nas décadas de 1940 e 1950, três refugiados da Europa central na Inglaterra, Frederick
Antal, Francis Mingender e Arnold Hauser, apresentaram uma história
cultural alternativa, uma "história social" da arte e literatura.5 Nas décadas de 1950 e 1960,
os estudos sobre cultura e sociedade de Raymond Williams, Edward Thompson
e outros continuaram ou refizeram essa tradição.6 Thompson, por exemplo, criticou a
localização da cultura popular no que chamou de "ar rarefeito" dos sentidos,
atitudes e valores, e tentou situá-la "em seu próprio contexto material", "um ambiente
funcional de exploração e resistência à exploração".7
A história cultural alternativa apresentada nessa tradição teve muito a dizer sobre a
relação do que Marx chamou de "superestrutura" cultural com sua "base"
econômica, embora Thompson e Williams fossem ou se tornassem desfavoráveis a essa
metáfora.8 Também demonstraram preocupação com o que sociólogos como Max Weber
chamaram de "mensageiros" de cultura. Consideravam a cultura um sistema de mensagens
em que é importante identificar "quem diz o que a quem". Uma visão, a propósito,
que não se limitava nem se limita aos marxistas.
5 Antal (1947); Klingender (1947); Hauser (1951). 6 Williams (1958, 1961); Thompson
(1963). 7 Thompson (1991), 7. 8 Williams (1977).
236
UNIDADE E VARIEDADE NA HISTÓRIA CULTURAL
Na antropologia social, por exemplo, os defensores do que se conhece como "teoria
padrão" da cultura, uma abordagem morfológica não diferente da (digamos)
de Huizinga, foram criticados pelos defensores de uma teoria da cultura funcional. Um dos
líderes da escola funcional, Bronislaw Malinowski, tomou o exemplo de um
bastão que se poderia usar para escavar, impulsionar, andar ou lutar. "Em cada caso desses
usos específicos, o bastão é encaixado em um contexto cultural diferente;
isto é, empregado para diferentes usos, cercado por diferentes idéias, dotado de diferente
valor cultural e, como regra geral, designado por um diferente nome. "9
2) Uma segunda crítica importante à história cultural é sua dependência do postulado de
unidade ou consenso cultural. Alguns escritores tradicionais gostavam de
usar o termo hegeliano "espírito do tempo", Zeitgeist, mas, mesmo quando não se usava
essa expressão, a suposição essencial permanecia. Assim Burckhardt escreveu
sobre "a cultura do Renascimento", enquanto Huizinga certa vez aconselhou os
historiadores a procurarem "a qualidade que une todos os produtos culturais de um período
e os torna homogêneos".10 De maneira semelhante, Paul Hazard intitulou The Crisis of the
European Mind (1935) seu estudo sobre os intelectuais de fins do século
XVII, e Perry Miller chamou sua história das idéias acadêmicas harvardianas ou
aproximadas de The New England Mind (1939). Arnold Toynbee tomou a idéia de unidade
em termos ainda mais literais quando organizou seu comparativo Study of History (193461) em torno de 26 "civilizações" distintas. A mesma idéia ou suposição fundamenta
(na verdade, escora) os maciços volumes de Declínio do Ocidente (1918-22), de Oswald
Spengler.
O problema é que esse postulado de unidade cultural é extremamente difícil de
justificar, Mais uma vez, foram os marxistas que tomaram a liderança em criticá-lo.
Thompson,
9 MalinoWski (1931); cf. Singer (1968).
10 Huizinga (1929), 76.
237
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
por exemplo, observou que "o próprio termo 'cultura', com sua confortável evocação de
consenso, pode servir para desviar a atenção das contradições sociais e culturais".11
Empregou-se o mesmo argumento contra os antropólogos que trabalhavam na tradição de
Émile Durkheim. De modo bastante irônico, críticas semelhantes foram dirígidas
por Ernst Gombrich contra o historiador marxista Arnold Hauser, assim como contra
Burckhardt, Huizinga e o historiador de arte Erwin Panofsky pelo que ele chama
de suposição hegeliana de um "espírito do tempo" (p. 36), brilhantemente ilustrada no
elegante ensaio de Panofsky, Gothic ArcNtecture and Scholasticism (1951).12
O problema é que esse consenso ou homogeneidade cultural é muito difícil de
solucionar. O movimento que chamamos de Renascimento, por exemplo, ocorreu
na cultura de elite, e não é provável que tenha sensibilizado a maioria camponesa da
população. Mesmo na elite, havia nessa época divisões culturais. A arte gótica
tradicional, assim como o novo estilo renascentista, continuou a atrair patronos. Antal
chegou mesmo a afirmar que a arte ricamente detalhada e decorativa de Gentile
da Fabriano expressava a visão de mundo da nobreza feudal, enquanto a mais simples e
realista de Masaccio manifestava a da burguesia florentina. Esse contraste entre
dois estilos e duas classes é muito simples, mas a questão da existência de distinções na
cultura das classes superiores na Florença do século XV merece ser levada
a sério.
De maneira semelhante, a cultura popular no início da Europa moderna, por exemplo,
não apenas variava de uma região para outra, mas também assumia diferentes
formas em cidades e aldeias, ou entre mulheres e homens. Mesmo a cultura de um
indivíduo talvez esteja longe de ser homogênea. As classes superiores na Europa moderna
podem ser descritas como "biculturais", no sentido de que participavam plena11 Thompson (1991),6. 12 Gombrich (1969).
238
UNIDADE E VARIEDADE NA HISTÓRIA CULTURAL
mente da cultura popular, além de ter uma cultura própria que as pessoas comuns não
partilhavam.13 Mais uma vez, no Japão do século XIX, alguns homens da classe
superior, pelo menos, começaram a viver o que se chamou de "vida dupla", ao mesmo
tempo ocidental e tradicional, consumindo dois tipos de comida, usando dois tipos
de roupas, tendo dois tipos de livros e assim por diante. 14
3) Uma idéia essencial na história cultural clássica, extraída da Igreja, é a de "tradição",
sendo a idéia básica de transmitir objetos, práticas e valores de geração
para geração. O oposto complementar de tradição era a idéia de "recepção", a recepção da
lei romana, por exemplo, ou a do Renascimento fora da Itália. Em todos esses
casos, a suposição generalizada era de que o que se recebia era o mesmo que fora dado:
uma "herança" ou "legado" cultural (como nos títulos de uma outrora famosa
série de estudos O legado da Grécia, O legado de Roma, e assim por diante).
Essa suposição foi solapada pelo alemão Aby Warburg e seus seguidores (pioneiros na
década de 1920 dos "estudos culturais" interdisciplinares, ou Kulturwissenschaffi,
em uma série de notáveis monografias sobre a tradição clássica na Idade Média e no
Renascimento. Observaram, por exemplo, que os deuses pagãos só "sobreviveram"
até os tempos medievais ao preço de algumas admiráveis transformações. Mercúrio, por
exemplo, era às vezes representado como um anjo e com mais freqüência como um
bispo.15 Warburg interessou-se, em particular, por elementos da tradição que chamou de
"esquemas" ou "fórmulas", sejam visuais ou verbais, que persistiam com o passar
dos séculos, embora seus usos e aplicações variassem. 16 A identificação de estereótipos,
fórmulas, lugares-comuns e temas recorrentes em textos, imagens e apresentações
e o estu13 Burke (1978), 23-64.
14 Witte (1928); Seidensticker (1983).
15 Warburg (1932); Seznec (1940).
16 Warburg (1932), vol. 1, 3-58, 195-200.
239
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
do de sua transformação se tornaram parte importante da prática da história cultural, como
testemunha a recente obra sobre memória e viagem discutida anteriormente
(Capítulos 3 e 6).
A tradição, como disse um especialista em índia antiga, está sujeita a um conflito
interno entre os princípios transmitidos de uma geração a outra e as situações
modificadas às quais devem ser aplicados.17 Colocar a questão de outra maneira, seguir a
tradição ao pé da letra, provavelmente significa divergir de seu espírito.
Não surpreende que - como no caso dos discípulos de Confúcio (digamos), ou Lutero, os
seguidores tantas vezes divirjam dos fundadores. A fachada de tradição talvez
mascare a inovação.18 Como já vimos, pode-se levantar essa questão sobre a própria
historiografia. Ranke não era nem um pouco mais rankiano, ou Burckhardt burckhardtiano,
do que Marx marxista.
A idéia de tradição foi submetida a uma crítica ainda mais devastadora por Eric
Hobsbawm, que afirma que várias práticas que consideramos muito antigas
foram, na verdade, inventadas há não muito tempo, muitas delas (no caso da Europa) entre
1870 e 1914, em resposta à mudança social e às necessidades de Estados nacionais
cada vez mais centralizados. 19 Pode-se sugerir
que a distinção entre tradições inventadas e "genuínas" de Hobsbawm é demasiado aguda.
Certa medida de adaptação consciente ou inconsciente às novas circunstâncias
é uma característica constante da transmissão de tradição, como demonstra, de maneira
mais drástica que a maioria, o exemplo da África ocidental de Goody (p. 87).
Apesar disso, o desafio de Hobsbawm aos historiadores culturais exige uma resposta.
Em vista dessas ambigüidades, pode-se perguntar se os historiadores não se sairiam
melhor se abandonassem por completo a idéia de tradição. Em minha opinião,
é praticamente impossível escrever história cultural sem tradição, contudo está
17 Hcesterman (1985), 10-25.
18 Schwartz (1959).
19 Hobsbawm e Ranger (1983), 263-307.
240
UNIDADE E VARIEDADE NA HISTÓRIA CULTURAL
mais do que na hora de se abandonar o que se pode chamar de noção tradicional de
tradição, modificando-a para levar em consideração a adaptação, assim como o
reconhecimento,
e recorrendo às idéias da teoria da "recepção", discutidas abaixo.
4) Uma quarta crítica à história cultural clássica é que a idéia de cultura implícita, nessa
abordagem, é estreita demais. Em primeiro lugar, equipara cultura com
alta cultura. Na última geração, em particular, os historiadores fizeram muito para
restabelecer o equilíbrio e recuperar a história da cultura das pessoas comuns.
Contudo, mesmo os estudos sobre cultura popular tratam muitas vezes a cultura como uma
série de "obras", como exemplos de "Canção folclórica", "arte popular" e assim
por diante. Por outro lado, os antropólogos têm tradicionalmente usado o termo "cultura" de
forma muito mais generalizada, para referir-se a atitudes e valores de
uma determinada sociedade e sua expressão e personificação em "representações coletivas"
(como dizia Durkheim) ou "práticas", termo que passou a ser associado a
teóricos sociais recentes, como Pierre Bourdieu e Michel de Certeau. Ex-críticos literários,
como Raymond Williams e Richard Hoggart, que fundaram os "estudos culturais"
britânicos, se deslocaram na mesma direção, dos textos literários para textos populares e de
textos populares para estilos de vida.
5) Também se pode criticar a tradição clássica da história cultural com base em que ela não
é mais apropriada ou adequada para nossa época. Embora o passado não
mude, a história precisa ser reescrita a cada geração, para que o passado continue a ser
inteligível para um presente modificado. A história cultural foi escrita
pelas elites européias a respeito de si mesmas. Hoje, por outro lado, o apelo da história
cultural é mais amplo e diversificado, em termos geográficos e sociais.
Em alguns países, associa-se esse apelo cada vez maior ao surgimento de cursos
multidisciplinares sob a égide de "estudos Culturais".
A história cultural clássica enfatizava um cânone de grandes obras na tradição
européia, mas os historiadores culturais de fins do século XX trabalham em
uma era de descanonização. A
241
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
crítica bem divulgada do chamado "cânone" de grandes livros nos Estados Unidos e as
"guerras decorrentes" são apenas parte do que se rotulou "multiculturalismo".20
Ocidentais cultos, assim como intelectuais do Terceiro Mundo, sentem-se cada vez menos à
vontade com a idéia de uma única "grande tradição" com um monopólio de
legitimidade cultural. Não nos é mais possível identificar "cultura" com nossas próprias
tradições.
Vivemos em uma era de generalizado desconforto, se não de rejeição, à chamada
"grande narrativa" do desenvolvimento da cultura ocidental - os gregos, os
romanos, o Renascimento, as Descobertas, a Revolução Científica, o Iluminísmo e assim
por diante, uma narrativa que pode ser usada para legitimar direitos à superioridade
por parte das elites ocidentais.21
Há desconforto semelhante com a idéia de um cânone literário, intelectual ou artístico, ou
pelo menos com a seleção específica de textos ou imagens que eram apresentados
como "os" Grandes Livros, Mestres Clássicos ou Antigos. Hoje, o processo de
"canonização" e os conflitos sociais subjacentes se tornaram objeto de estudo de
historiadores
culturais, porém mais pela luz que projeta sobre idéias e suposições dos canonizadores do
que dos canonizados.22
O que deve ser feito? Para declarar minha própria opinião sobre uma questão cujo
consenso parece, na melhor das hipóteses, remoto, e na pior, impossível,
não devemos abandonar o estudo do Renascimento e de outros movimentos na "alta"
cultura do Ocidente, que ainda tem muito a oferecer a muitas pessoas hoje, apesar
da distância cultural cada vez maior entre as idéias e afirmações de fins do século XX e as
dos públicos originais. Na verdade, eu gostaria de opinar que os cursos
de "estudos culturais" se enriqueceriam muito se abrissem espaço para movimentos desse
tipo junto com a cultura popular
20 Bakhtin (1993).
21 Lyotard (1979); ???Bou~a (1990), 348-65.
22 Gorak (1991); Javitch (1991).
242
UNIDADE E VARIEDADE NA HISTÓRIA CULTURAL
da época. Contudo, os historiadores deveriam escrever sobre movimentos de uma maneira
que reconheça o valor de outras tradições culturais em vez de encará-los como
barbarismo ou ausência de cultura.
HISTÓRIA ANTROPOLóGICA
Os leitores talvez estejam se perguntando se a moral das críticas relacionadas acima é o
abandono total de toda a história cultural. Talvez por isso o movimento
de estudos culturais - apesar do exemplo de um de seus líderes, Raymond Williams - tenha
dedicado tão pouca atenção à história (outro motivo pode ser a posição marginal
da história cultural na Grã-Bretanha). Mas também se pode afirmar que a história cultural
se tornou ainda mais necessária do que nunca em nossa era de fragmentação,
especialização e relativismo. Provavelmente, é por isso que especialistas em outras
disciplinas, da crítica literária à sociologia, se têm voltado para essa direção.
Parece que estamos passando por uma redescoberta da importância dos símbolos na
história, assim como pelo que costumava ser chamado de "antropologia simbólica".
Outra reação às críticas pode ser a prática de um diferente tipo de história cultural.
Como vimos, muitos historiadores e críticos marxistas tentaram fazer
isso. já se mencionou a obra de Hauser, Antal, Thompson, Hobsbawm e Williams, e não
seria difícil alongar a lista para incluir Georg Lukács, Lucien Goldmann e outros.
Pode-se descrever a obra desses indivíduos como um estilo alternativo de história cultural.
Mas continua a existir estranheza em relação à idéia de uma tradição
de história cultural marxista. Seguir Marx era em geral afirmar que a cultura era
simplesmente a "superestrutura", a cobertura de açúcar no bolo da história. Os
marxistas interessados na história da cultura ficavam em uma posição marginal que os
deixava expostos a ataques dos dois lados, dos colegas marxistas e dos colegas
historiadores da cultura. A acolhida a The Making of the English
243
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
Working Class, de Edward Thompson, exemplifica esse ponto com suficiente clareza.
Um novo estilo de história cultural, quer o chamemos de segundo ou terceiro estilo,
surgiu de fato na última geração, graças, em parte, a ex-marxistas, ou
pelo menos a estudiosos que outrora consideraram atraentes alguns aspectos do marxismo.
Essa abordagem é às vezes chamada de "nova história cultural".23
Como a novidade
é um bem logo diminuído, talvez fosse mais sensato descrever o novo estilo de outra
maneira. Uma possibilidade é falar em variedade de história "antropológica",
pois muitos de seus praticantes (o presente autor entre eles) confessariam que aprenderam
demais com os antropólogos. Também aprenderam muito com os críticos literários,
como os "novos historicistas" nos Estados Unidos, que adaptaram seus métodos de "leitura
rigorosa" ao estudo de textos não-literários, como documentos oficiais,
e na verdade ao estudo de "textos" entre aspas, dos rituais às imagens.24 Pensando bem,
alguns antropólogos aprenderam com os críticos literários, e vice-versa.
A semiótica, estudo de sinais de todos os tipos, de poemas e pinturas a comida e roupas, foi
projeto conjunto de estudiosos de língua e literatura, como Roman jakobson
e Roland Barthes, e antropólogos como Claude LéviStrauss. Seu interesse por estruturas de
sentido imutáveis "profundas" diminuiu o apelo (para falar em termos mais
brandos) para os historiadores, sobretudo a princípio, mas no decorrer da última geração,
aproximadamente, a contribuição da semiótica para a renovação da história
cultural (a idéia de uma sala ou uma refeição como um sistema de símbolos, a consciência
de oposições e inversões, e assim por diante) foi se tornando cada vez mais
visível.
Apesar das complexas origens do movimento, "história antropológica" talvez seja um
rótulo conveniente para ela. É bastante claro que essa história - como
todo estilo de história - é produto de nossa época, neste caso uma época de choques
culturais, multiculturalis23 Hunt (1989); cf. Chartier (1988).
24 Greenblatt (1988a, 1988b).
244
UNIDADE E VARIEDADE NA HISTÓRIA CULTURAL
mo e assim por diante. Por isso mesmo tem algo a oferecer ao estudo do presente, assim
como do passado, considerando-se as recentes tendências da perspectiva a longo
prazo.
Aby Warburg e Johan Huizínga já haviam se interessado pela antropologia no início do
século, mas hoje sua influência entre os historiadores é muito mais
penetrante do que na sua época. Um grupo substancial de estudiosos atuais considera o
passado como um país estrangeiro e, como fazem os antropólogos, julgam sua
tarefa interpretar a língua das culturas "deles", em termos literais e metafóricos. Foi o
antropólogo britânico Edward Evans-Pritchard que concebeu sua disciplina
como uma espécie de tradução de conceitos da cultura que era estudada para os da cultura
de quem a estudava.25 Para empregar a distinção hoje famosa feita pelo antropólogo
lingüista Kenneth Pike, é necessario mover-se para a frente e para trás entre o vocabulário
"êtnico" (pertencente a uma unidade significativa que funciona em contraste
com outras unidades em uma língua ou outro sistema de comportamento) dos nativos de
uma cultura, os íntimos, e os conceitos "éticos", daqueles que a estudam.
A história cultural também é uma tradução cultural da linguagem do passado para a do
presente, dos conceitos da época estudada para os de historiadores e
seus leitores. Seu objetivo é tornar a "alteridade" do passado ao mesmo tempo visível e
inteligível.26 Isso não significa que os historiadores devem tratar o passado
como completamente estranho. Os perigos de tratar outras culturas dessa forma Já foram
mostrados com muita clareza em debates sobre "orientalismo", em outras palavras,
a visão (ou visões) ocidental do Oriente (ou orientais).27
Em vez de pensar em termos de uma oposição binária entre Eu e o Outro, como
fizeram tantas vezes os participantes de encontros cul25 Beidelinan (1971); Lowenthal (1985); Pilson (1993).
26 Damton (1984),4; Pallares-Burke (1996).
27 Said (1978).
245
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
turais, talvez seja mais esclarecedor tentar pensar em termos de níveis de distância cultural.
Poderíamos tentar adquirir uma visão dupla, ver as pessoas no passado
como diferentes de nós (para evitar a atribuição anacrônica de nossos valores a elas), mas
ao mesmo tempo como iguais a nós em sua humanidade fundamental.
As diferenças entre o modelo antropológico de história cultural corrente e seus
antecessores, clássicos e marxistas, poderiam ser resumidas em quatro observações.
A. Em primeiro lugar, abandonou-se o tradicional contraste entre sociedades com
cultura e sem cultura. O declínio do Império Romano, por exemplo, não deve
ser considerado a derrota da "cultura" pelo "barbarismo", mas um choque de culturas. Os
ostrogodos, visigodos, vândalos e outros grupos tinham suas próprias culturas
(valores, tradições, práticas, representações e assim por diante). Por mais paradoxal que
possa parecer a expressão, houve uma "Civilização dos bárbaros". A suposição
baseada nesse terceiro modelo é um relativismo cultural tão estranho para os marxistas
quanto teria sido para Burckhardt e Huizinga. Como os antropólogos, os novos
historiadores culturais falam em "culturas" no plural. Não pressupõem que todas as culturas
sejam iguais em todos os aspectos, mas se abstêm de juizos de valor sobre
a superioridade de algumas em relação a outras, julgamentos feitos inevitavelmente do
ponto de vista da própria cultura do historiador, e que atuam como tantos obstáculos
à compreensão.
B. Em segundo lugar, tem-se redefinido cultura, no sentido malinowskiano, como se
abrangesse "artefatos herdados, bens, processos técnicos, idéias, hábitos
e valores", ou geertziano, como "as dimensões simbólicas da ação social".28 Em outras
palavras, estendeu-se o sentido do termo para abranger uma variedade muito
mais ampla de atividades do que antes - não apenas a arte, mas a cultura material,
28 Malinowski (1931), 621; Geertz (1973), 30.
246
UNIDADE E VARIEDADE NA HISTÓRIA CULTURAL
não apenas o escrito, mas o oral, não apenas o drama, mas o ritual, não apenas a filosofia,
mas as mentalidades das pessoas comuns. A vida cotidiana ou a "cultura
cotidiana" é fundamental para essa abordagem, sobretudo as "regras" ou convenções
subjacentes à vida cotidiana, o que Bourdieu chama de "teoria da prática" e o semiólogo
Jury Lotman, "poética do comportamento cotidiano".29 É claro que o processo de aprender
como ser um monge medieval, uma nobre do Renascimento ou um camponês do século
XIX envolvia mais do que regras internalizadas. Como sugere Bourdieu, o processo de
aprendizagem inclui um padrão mais flexível de respostas a situações que como
os filósofos escolásticos - ele chama de "habitus".30 Portanto, talvez fosse mais correto
usar o termo "princípio" em vez de "regra".
Nesse sentido mais amplo, invoca-se agora a cultura para compreender as mudanças
econômicas ou políticas que antes se analisavam de maneira mais estreita,
interna. Um historiador do declínio do desempenho econômico britânico entre 1850 e 1980,
por exemplo, o explicou "pelo declínio do espírito industrial" associado
ao afidalgamento de industriais e por fim à revolução (ou, como a chama o autor, "contrarevolução") de valores.31 De sua parte, os historiadores políticos utilizam
cada vez mais a idéia de "cultura política" para referir-se a atitudes, valores e práticas
transmitidos como parte do processo de "socializar" crianças e admitidos
como certos daí em diante.
Um impressionante exemplo nessa direção é o falecido F. S. L. Lyons, um historiador
político que intitulou seu último livro Culture and Anarchy in Ireland
1890-1939. O objetivo da forçada referência a Matthew Arnold foi a convicção de Lyons de
que só se pode entender a política irlandesa naquele período levando em
conta "o fato de que pelo menos quatro culturas, durante os últimos três séculos, se
29 Bourdieu (1972); Lotman (1984); Frvkman e ???L6fgren (1996).
30 Bourdieu (1972), 78-87.
31 Wiener (1981).
247
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
vêm empurrando umas às outras na ilha". A dominante cultura inglesa coexistia e se
chocava com as culturas galesa, protestante de Uíster e anglo-irlandesa.32
C. Em terceiro lugar, à idéia de "tradição", essencial à antiga história cultural, juntouse um grupo de opções. Uma delas é o conceito de "reprodução" cultural,
lançado na década de 1970 pelos teóricos Louis Althusser e Pierre Bourdieu.33 Uma
vantagem desse conceito é sugerir que as tradições não persistem automaticamente,
por inercia. Ao contrário, como nos lembra a história da educação, é necessário um grande
esforço para transmiti-las de geração a geração. A desvantagem do termo
é que a idéia de "reprodução" sugere uma cópia exata ou mesmo mecânica, uma sugestão
que a história da educação está longe de confirmar.34 A idéia de reprodução,
como a idéia de tradição, necessita de um contrapeso, como a idéia de recepção.
Os chamados "teóricos da recepção", entre os quais incluo o jesuíta antropólogohistoriador Michel de Certeau, substituíram a tradicional suposição de recepção
passiva pela nova de adaptação criativa. Afirmam que "a característica essencial da
transmissão cultural é que tudo o que se transmite muda".35 Adaptando a doutrina
de alguns padres da igreja, que recomendavam aos cristãos que "saqueassem" a cultura
pagã da mesma maneira que os israelitas saquearam os tesouros dos egípcios,
esses teóricos enfatizam não a transmissão, mas a "apropriação". Como os filósofos
escolásticos medievais, afirmam que "tudo é recebido, e recebido segundo a maneira
do recebedor" ("Quidquid recipitur, ad modum recipientis recipitur").36 A posição deles
pressupõe uma crítica à semiótica, ou mais exatamente uma historicização
da semiótica, pois nega a possibilidade de encontrar sentidos fixos nos artefatos culturais.
32 Lyons (1979).
33 Althusser (1971); Bourdieu e Passeron (1970).
34 Williams (1981), 181-205.
35 Dresden (1975), 119ff.
36 Jauss (1974); Certeau (1980); cf. Ricoeur (1981), 182-93.
248
UNIDADE E VARIEDADE NA HISTÓRIA CULTURAL
Em suma, a ênfase transferiu-se do doador para o receptor, com base em que o que é
recebido é sempre diferente do que foi originalmente transmitido, porque
os receptores, de maneira consciente ou inconsciente, interpretam e adaptam as idéias,
costumes, imagens e tudo o que lhes é oferecido. A história cultural do Japão,
por exemplo, oferece muitos exemplos do que se costumava chamar de "imitação",
primeiro da China e mais recentemente do Ocidente. Essa imitação muitas vezes é tão
criativa que um termo mais adequado para isso poderia ser "tradução cultural". Assim, o
budismo Ch'an foi traduzido para Zen, e o romance ocidental domesticado por
Natsume Soseki, que afirmava ter escrito uma de suas histórias "à maneira de um haicai".
Pode-se ligar a idéia de recepção à dos esquemas, definida mais como uma estrutura
mental do que no sentido dado por Warburg, de um topos visual ou verbal.
Um esquema pode moldar as atitudes para com o novo, como no caso dos viajantes
britânicos estudado no Capítulo 6. O esquema, nesse sentido, às vezes é descrito como
uma "grade", uma tela ou filtro, que permite a entrada de novos elementos mas exclui
outros, assegurando desse modo que as mensagens recebidas sejam em alguns aspectos
diferentes das mensagens originalmente enviadas.37
D. A quarta e última questão é o inverso das suposições sobre a relação entre cultura e
sociedade implícita na crítica marxista da história cultural clássica.
Tanto os historiadores culturais clássicos quanto os teóricos culturais clássicos têm reagido
contra a idéia da "superestrutura". Muitos deles acreditam que a cultura
consegue resistir às pressões SOCiais, ou mesmo que molda a realidade social. Daí o
interesse cada vez maior pela história das "representações", e em particular
pela história da "construção", "invenção" ou "constituição" do que costumava, em geral, ser
considerado "fatos" sociais, como classe social, nação ou gênero. Vários
livros recentes trazem a palavra
37 Foucault (1971), 11; Ginzburg (1976).
249
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
"inventar" no título, seja relacionada à invenção da Argentina, da Escócia, dos povos, ou como vimos - da tradição.38
Associada ao interesse pela invenção está a história da imaginação coletiva,
Vimaginaire social, uma nova ênfase, embora não um novo tópico, que se cristalizou
na França, em parte como resposta à célebre crítica de Michel Foucault aos historiadores
pelo que ele chamou de idéia "empobrecida" do real que excluía o que era
imaginado. Essa abordagem foi na verdade lançada por dois estudos da Idade Média que
surgiram mais ou menos na mesma época, um tratando deste mundo e o outro do
seguinte - The Three Orders (1979), de Georges Duby, e Birth of Purgatory (1981), de
Jacques Le Goff. A história da imaginação desenvolveu-se a partir da história
das mentalidades, que discuti em ensaio de minha autoria intitulado "Forças e Fraquezas da
História das Mentalidades" em History of European Ideas 7.* Contudo,
seus praticantes dedicam mais atenção às fontes visuais, e também à influência dos
esquemas tradicionais sobre a percepção.
Historiadores já apresentavam estudos sobre a percepção na década de 1950: imagens
do Novo Mundo, por exemplo, como uma "terra virgem", ou do Brasil como
um paraíso terrestre, ou o sul do Pacífico como país natal de selvagens nobres e ignóbeis.39
Na verdade, Burckhardt e Huizinga já estavam conscientes de que essa
percepção tinha uma história. Burckhardt escreveu sobre o surgimento da visão do Estado
como "obra de arte", em outras palavras, como resultado de planejamento,
e Huizinga se interessou pela influência dos romances de cavalaria na percepção da
realidade social e política.40 Na época deles, contudo, consideravam-se os estudos
desse tipo desimportantes para as preocupações dos historiadores.
38 Hobsbawm e Ranger (1983); Morgan (1988); Pittock (1991); Shurnway (1991).
* Burke (1986), pp. 439-51. (N. do E.)
39 Smith (1950); Buarque de Holanda (1959); Smith (1960).
40 Burckhardt (1860), cap. 1; Huizinga (1919).
250
UNIDADE E VARIEDADE NA HISTÓRIA CULTURAL
Hoje, por outro lado, o que antes era marginal se tornou essencial, e muitos dos
tópicos tradicionais têm sido reestudados desse ponto de vista. Benedict
Anderson, por exemplo, reescreveu a história da consciência nacional em termos do que
chama de "comunidades imaginadas", observando a influência da ficção, como
no caso do filipino José Rizal e seu romance Noli me tangere (1887).41 A continuação do
debate sobre o significado da Revolução Francesa, em particular, gira hoje
em
torno do lugar que ela ocupa na "imaginação política" francesa.42 Também se tem estudado
a história da feitiçaria e demonologia, como a história da imaginação coletiva,
desde o mito dos "sabás" à projeção de temores e desejos secretos em bodes expiatórios
individuaiS.43 Em suma, a fronteira entre "cultura" e "sociedade" foi redefinida,
e o império da cultura e da liberdade individual, expandido.
OS PROBLEMAS
Em que medida a nova história cultural é bem-sucedida? Em minha opinião, as abordagens
descritas acima têm sido necessárias. Não são apenas uma nova moda, mas respostas
a fraquezas palpáveis de paradigmas anteriores. Isto não quer dizer que todos os
historiadores culturais devam segui-las - é sem dúvida melhor que varios estilos
de historiadores coexistam do que apenas um conquiste o monopólio. De qualquer modo, as
reações contra o saber convencional têm sido levadas longe demais. Por exemplo,
a ênfase corrente na construção ou invenção da cultura exagera tanto a liberdade humana
quanto a visão mais antiga de cultura como "reflexão" da sociedade reduzia
essa liberdade. A invenção jamais está livre de coerções. A invenção
41 Anderson (1983), 26-29.
42 Furet (1984).
43 Cohn (1975); Ginzburg (1990); Muchembled (1990); Clark (1996).
251
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
ou sonho de um grupo pode ser a prisão de outro grupo. Na verdade, há momentos
revolucionários em que a liberdade de inventar está no nível máximo e tudo parece
possível, mas esses momentos são seguidos de uma -cristalização" cultural.
Como ocorre muitas vezes na história das disciplinas, para não mencionar na vida em
geral, a tentativa de solucionar alguns problemas suscitou outros pelo
menos igualmente intratáveis. Para destacar as dificuldades contínuas, talvez seja útil
salientar alguns dos pontos fracos de dois exemplos recentes muito famosos
dessas novas abordagens. Esses livros estão entre as mais brilhantes obras de história
cultural publicadas nas últimas duas ou três décadas. Por isso mesmo, como
nos casos de Burckhardt e Huizinga, vale a pena examinar suas fraquezas.
Em The Embarrassment of Riches (1987), um estudo da República Holandesa no
século XVII, Simon Schama recorre aos nomes de Émile Durkheim, Maurice Halbwachs
e Mary Douglas, e como esses antropólogos Schama se concentra nos valores sociais e sua
personificação na vida cotidiana. A República Holandesa era uma nova nação,
e ele se dedica à formação - se não à invenção - de uma nova identidade, expressa no
sentido dos holandeses que se encaram como um segundo Israel, um povo eleito
que se libertara do jugo do faraó espanhol. Sugere em seguida que a vida cotidiana era
influenciada, ou mesmo moldada, por essa nova identidade. Segundo Schama,
isso é o que explica o senso singularmente agudo de privacidade e domesticidade na
Holanda, assim como a limpeza esmerada das casas holandesas, comentada por tantos
viajantes estrangeiros. Eles mostravam ao mundo, e em especial à Holanda espanhola ou do
sul, que eram diferentes. Pela primeira vez, a limpeza obsessiva das donas-de-casa
holandesas é apresentada mais como parte da história holandesa do que citada de passagem,
como no passado, por historiadores em direção a assuntos mais sérios.
O ponto fraco desse livro, partilhado pela obra de Burckhardt e Huizinga, assim como
pela tradição antropológica durkheimiana, é sua ênfase na unidade cultural.
Schama rejeita visões que consideram
252
UNIDADE E VARIEDADE NA HISTÓRIA CULTURAL
a cultura como "afloramento de classe social". Ao contrário de muitos dos novos
historiadores culturais, ele não passou por uma fase de comunhão com o marxismo.
Concentra-se no que os holandeses tinham em comum e pouco tem a dizer sobre os
contrastes e conflitos culturais entre regiões ou entre grupos religiosos e sociais.
Interpreta a obsessão com limpeza mais como um símbolo da condição holandesa do que
como uma tentativa das citadinas da classe média de diferenciar-se dos camponeses
ou de seus vizinhos urbanos mais pobres. Ainda assim, como mostra com abundante clareza
uma obra recente de uma equipe de historiadores holandeses, os contrastes
e conflitos entre os ricos e os pobres, urbanos e rurais e, não menos significativo, católicos
e protestantes foram importantes na história das chamadas "Províncias
Unidas" no século XVII.44 A presença de um partido "Orange" nas duas culturas não é a
única semelhança entre os holandeses do norte no século XVII e os irlandeses
do norte no XX.
O livro igualmente célebre de Carl Schorske trata da Viena em fins do século XIX, a
Viena de Arthur Schnitzler, Otto Wagner, Karl Lueger, Sigmund Freud,
Gustav Klimt, Hugo von Hofmannsthal e Arnold Schoenberg. Suas muitas intuições sobre a
obra de todos esses homens, nas diferentes artes que praticavam, e o meio
social deles terão de ser aqui ignorados para concentrarmos a atenção em um único
problema geral: a tensão entre unidade e variedade. Schorske tem muita consciência
da importância das subculturas na capital imperial poliglota, de diferentes grupos de
intelectuais e da fragmentação da cultura, "com que cada campo proclama independência
do todo, cada parte, por sua vez, desagregando-se em partes".45 De maneira semelhante,
seu próprio estudo é dividido em sete diferentes ensaios sobre diferentes
aspectos da cultura da Viena de fin du siècle - literatura, arquitetura, política, psicanálise,
pintura e musica.
44 Schama (1987); Bockhorst et al. (1992).
45 Schorske (1981), xxvi-xxix.
253
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
A fragmentação foi sem a menor dúvida uma escolha deliberada do autor. É pelo
menos simbolicamente adequada a um estudo do moderniSMO.46 Também responde
à preocupação do autor "em respeitar o desenvolvimento histórico de cada ramo
constituinte da cultura moderna (pensamento social, literatura, arquitetura etc.),
em vez de esconder a realidade pluralizada por trás de definições homogeneizadas".47 A
rejeição a afirmações fáceis sobre Zeitgeist e a disposição de levar o desenvolvimento
interno a sério é uma das muitas virtudes desse estudo.
Schorske também se interessa pela "coesão" dos diferentes "elementos culturais",
descritos em vários capítulos do livro, e sua relação com uma experiência
política partilhada, "a crise de uma polidez liberal". Na verdade, seu livro traz o subtítulo
"política e cultura". Por meio disso, ele tenta manter o equilíbrio
entre explicações "internalistas" e "externalistas" da mudança cultural. Na prática, contudo,
a política recebe um capítulo só seu, como a pintura e a música. Embora
se indiquem ligações, elas nem sempre são explicitadas, pelo menos extensamente. O
parágrafo final discute apenas Schoenberg e Kokoschka. O autor preferiu não escrever
um capítulo final que tentasse entrelaçar os fios. Tal opção merece ser respeitada, seja
ditada por modéstia, honestidade ou pelo desejo de deixar os leitores livres
para tirar suas próprias conclusões. Ao mesmo tempo, essa renúncia é, em certo aspecto,
uma fuga à responsabilidade. A raison d'être de um historiador cultural é
sem a menor dúvida revelar as ligações entre diferentes atividades. Se essa tarefa for
impossível, bem se poderia deixar a arquitetura aos historiadores da arquitetura,
a psicanálise aos historiadores da psicanálise, e assim por diante.
O problema essencial para os historiadores culturais hoje, pelo menos no meu
entender, é de que modo resistir à fragmentação sem retornar à suposição enganadora
da homogeneidade de determinada sociedade ou período. Em outras palavras, revelar uma
unidade
46 Cf. Roth (1994a); Roth (1994b), 34.
47 Schorske (1981), xix-xx.
254
UNIDADE E VARIEDADE NA HISTÓRIA CULTURAL
subjacente (ou pelo menos ligações subjacentes) sem negar a diversidade do passado. Por
isso talvez seja útil chamar a atenção para um corpo de obras recentes e
destacadas sobre a história de encontros culturais.
O MODELO DE ENCONTRO
Nos últimos anos, os historiadores culturais têm se interessado cada vez mais por
encontros, e também por "choques", "conflitos", "competições" e "invasões" culturais,
sem esquecer ou minimizar os aspectos destrutivos desses contatos.48 De sua parte, os
historiadores da descoberta ou colonialismo começaram a examinar as conseqüências
culturais, além das sociais e políticas, da expansão européia.
Seria, é claro, insensato tratar esses encontros como se ocorressem entre duas culturas,
recuando a uma linguagem de homogeneidade cultural e tratando as
culturas como entidades objetivamente ligadas (os indivíduos às vezes têm um forte senso
de limites, mas na prática as fronteiras são atravessadas repetidas vezes).
A questão a ser aqui enfatizada é o interesse relativamente novo pela maneira como as
partes envolvidas percebiam, entendiam ou, na verdade, não entendiam umas às
outras. Mais de uma monografia recente enfatizou a tradução errônea e a "identidade mal
interpretada" entre conceitos em dois sistemas culturais, uma compreensão
equivocada que bem poderia ter favorecido o processo de coexistência. Um diálogo de
surdos continua sendo uma espécie de diálogo.49 Por exemplo, na África e em outras
partes, missionários cristãos muitas vezes acreditavam haver "convertido" a população
local, pois na visão deles a aceitação do ciumento Deus dos cristãos envolvia
necessariamente a rejeição de outras religiões. Por outro lado, como indicaram vários
africanistas,
48 Axtell (1985); Bitterh (1986); Lewis (1995).
49 Lockhart (1994), 219; MacGaffey (1994),259-60.
255
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
alguns convertidos talvez estivessem interessados em apropriar-se de determinadas técnicas
espirituais para incorporá-las ao sistema religioso local (p. 222). É
difícil dizer quem manipulava quem, mas é pelo menos claro que as diferentes partes do
encontro operavam com diferentes definições da situação.50
Em alguns livros admiraveis, antropólogos sociais tentaram reconstituir a "visão dos
vencidos", da maneira como os caribenhos percebiam Colombo, os astecas,
Cortéz, e os incas, Pizarro.51 O exemplo que originou a maioria dos debates diz respeito ao
encontro dos havaianos com o capitão Cook e seus marinheiros. O historiador
da arte Bernard Smith estudou as percepções européias do encontro seguindo as diretrizes
das histórias dos esquemas de Aby Warburg. O antropólogo Marshall Sahlins
depois tentou reconstituir as visões dos havaianos. Observou que Cook chegou na fase do
ano em que os havaianos esperavam seu deus Lono, e afirmou que sua chegada
foi percebida como uma epifania do deus, assimilando assim o extraordinário evento novo,
a chegada de estranhos, na ordem cultural. Contestou-se a afirmação, e o
debate persiste.52 De maneira semelhante, os sinólogos ocidentais, há muito interessados
em conhecer as maneiras como os missionários e diplomatas europeus percebiam
os chineses, começaram a pensar seriamente sobre a maneira como os chineses percebiam
os ocidentais.53 já se afirmou, por exemplo, que na China a Virgem Maria foi
assimilada à deusa da misericórdia nativa, Kuan Yin, enquanto no México a assimilaram
como a deusa Toriantân, originando assim a híbrida Madona de Guadalupe.54
Embora eu seja um historiador da Europa europeu, como deixam amplamente claro os
capítulos anteriores, citei esses exemplos da
50 Sunith (1960); Prins (1980); MacGaffey (1986),191-216; cf. Riton (1985).
51 Portilla (1959); Wachtel (1971); Hulrne (1987); Clendinnen (1992).
52 Smith (1960); Sahlins (1985); Obeyesekere (1992); Sahlins (1995).
53 Gernet (1982); Spence (1990).
54 Boxer (1975), cap. 4; Lafaye (1974).
256
UNIDADE E VARIEDADE NA HISTÓRIA CULTURAL
Ásia, África, América e Austrália por dois motivos. Primeiro, uma das mais empolgantes
pesquisas correntes em história cultural se realiza nas fronteiras - fronteiras
do assunto, fronteiras européias. Segundo, esse trabalho nas fronteiras talvez sirva como
inspiração para o resto de nós. Se nenhuma cultura é uma ilha, nem mesmo
o Haiti ou a GrãBretanha, deve ser possível empregar o modelo de encontro para estudar a
história de nossa própria cultura, ou culturas, que devemos considerar variadas
em vez de homogêneas, múltiplas em vez de singulares. Portanto, os encontros e interações
precisam juntar-se às práticas e representações que Chartier descreveu
como os principais objetos da nova história cultural. Afinal, como observou recentemente
Edward Said: "A história de todas as culturas é a história do empréstimo
cultural."55
A história dos impérios oferece claros exemplos de interação cultural. O historiador
Arnaldo Momigliano escreveu um livro sobre os limites da helenização,
a interação entre gregos, romanos, celtas, judeus e persas dentro e fora do Império
Romano.56 Quando os chamados "bárbaros" invadiram aquele império, realizou-se
um processo de interação cultural que incluiu não apenas a romanização dos invasores mas
também o inverso, a "goticização" dos romanos. Em fins do período medieval
ou início do moderno, pode-se examinar dessa maneira a fronteira entre o Império Otomano
e o cristianismo.
Realizou-se, por exemplo, um estudo da interação religiosa - ou, segundo as palavras
do autor, "transferências" - em nível não-oficial, como as peregrinações
dos muçulmanos aos santuários de santos cristãos e vice-versa. Historiadores da arte
estudaram a cultura material comum à fronteira, por exemplo, o uso da cimitarra
turca por tropas polonesas. Historiadores da literatura já compararam os heróis épicos dos
dois lados da fronteira, o grego Digenis Acritas, por exemplo, e o turco
Dede Korkut. Em suma, a zona de fronteira, muçulma55 Said (1993), 261.
56 Mornigliano (1975).
257
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
na ou cristã, tinha muitas coisas em comum, em contraposição aos centros rivais de
Istambul e Viena.57
Pode-se fazer uma afirmação semelhante sobre a Espanha medieval. Da época de
Américo Castro, na década de 1940, em diante, alguns historiadores enfatizaram
a simbiose ou convivencia de judeus, cristãos e muçulmanos espanhóis, as trocas culturais
entre eles. Por exemplo, os eruditos judeus eram fluentes em poesia árabe.
Como na fronteira européia oriental, os guerreiros dos dois lados usavam equipamento
semelhante, e parece que tinham também valores semelhantes. A cultura material
dos "moçárabes" (cristãos sob o domínio muçulmano) e os "mudéjares" (muçulmanos sob o
domínio cristão) combinava elementos das duas tradições. Algumas igrejas católicas
(como algumas sinagogas) foram construídas no estilo muçulmano, com arcos em forma de
ferradura, telhas e decoração geométrica nas portas e tetos. Em geral, é impossível
dizer se a cerâmica e outros artefatos no estilo "hispano-mourisco" foram feitos por ou para
cristãos ou muçulmanos, pois o repertório de temas é comum.58
Também ocorreram trocas nos domínios da língua e literatura. Muitas pessoas eram
bilíngües. Algumas escreviam espanhol em caracteres árabes, e outras árabe
em alfabeto latino. Algumas pessoas usavam dois nomes, um espanhol e outro árabe, o que
sugere que tinham duas identidades. Romances de cavalaria escritos em estilo
semelhante eram populares nos dois lados das fronteiras religiosas (Capítulo 9). Alguns
poemas passavam do espanhol para o árabe num unico verso. "Que faray Mamma?
Meu Vbabib estad yanal" ("Que farei, mãe? Meu amante está à porta!"). Os exemplos mais
espetaculares de simbiose vêm das práticas de religião popular. Como ocorria
na fronteira otomano-habsburguesa, santuários, como o de San Ginés, atraíam devoção
tanto de muçulmanos quanto de cristãos.59
57 Hasluck (1929); Angyal (1957); Mankowski (1959); Inalcik (1973), 186-202.
58 Terrasse (1932, 1958).
59 Castro (1948); Stern (1953); Galmós de Fuentes (1967); MacKay (1976); Mann et al.
(1992).
258
UNIDADE E VARIEDADE NA HISTÓRIA CULTURAL
A história cultural de outras nações poderia ser escrita em termos de encontros entre
regiões, como o norte e o sul da Itália, França ou mesmo a Inglaterra.
No caso da América do Norte colonial, David Fischer identificou quatro culturas regionais,
ou "modos de pensar e costumes", transportados por quatro grupos de imigrantes,
os anglicanos do leste para Massachusetts, os sulistas para a Virgínia, os dos condados
centrais da Inglaterra para Delaware e os de fronteiras para o "interior"
do país. Os estilos de linguagem e construção, assim como as atitudes políticas e religiosas,
continuaram distintos durante séculos.60
Este exemplo sugere a possibilidade de um empreendimento ainda mais ambicioso:
estudar a história cultural como um processo de interação entre diferentes
subculturas, entre homens e mulheres, urbanos e rurais, católicos e protestantes,
muçulmanos e hindus, e assim por diante. Cada grupo se define em contraste com
os outros, mas cria seu próprio estilo cultural - como no caso de jovens britânicos na década
de 1970, por exemplo - pela apropriação de itens dos acervos comuns,
juntando-os em um sistema com um novo sentido.61
O conceito sociológico de "subcultura", que pressupõe diversidade em uma estrutura
comum, e o conceito de "contracultura", que envolve uma tentativa de inverter
os valores da cultura dominante, merecem ser levados mais a sério do que o são por
historiadores culturais.62 Trabalhar com o conceito de subcultura tem a vantagem
de tornar determinados problemas mais explícitos do que antes. A subcultura inclui todos os
aspectos da vida de seus membros, ou só alguns domínios? É possível pertencer
a mais de uma subcultura em determinada época? Havia mais coisas em comum entre dois
judeus, um dos quais era italiano, ou dois italianos, um dos quais era
60 Fischer (1989).
61 Hebdige (1979).
62 Yinger (1960); Clarke (1974); Clarke et al. (1975).
259
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
judeu?63 A relação entre a cultura principal e a subcultura é de complementaridade ou
conflito?
As classes sociais, como as religiões, poderiam ser analisadas como subcultura. O
falecido Edward Thompson era um severo crítico da visão de cultura como
uma comunidade que privilegiava sentidos partilhados sobre conflitos de sentido. De modo
bastante irônico, ele mesmo foi criticado pelo modelo comunitário de cultura
operaria que se acha subjacente a seu famoso Making of the English Working-Class.
Poderíamos tentar ir além desse modelo comunitário com a ajuda de Pierre Bourdieu,
cuja etnografia da França contemporânea salientou até que ponto a burguesia e a classe
trabalhadora definiram cada uma a si mesma pelo contraste com a outra.64
De maneira semelhante, em um livro que é ou deve ser exemplar para historiadores, dois
etnólogos suecos puseram a formação da classe média sueca no contexto da
luta de seus membros para diferenciar-se tanto da nobreza quanto da classe trabalhadora,
em domínios culturais como atitudes em relação a tempo e espaço, sujeira
e limpeza.65 A solidariedade dentro de um grupo é em geral mais forte no momento do
mais acirrado conflito com forasteiros. Dessa maneira, historiadores culturais
poderiam contribuir para a reintegração da história em uma era de superespecialização em
que ela tem se desintegrado em fragmentos disciplinares nacionais e regionais.66
AS CONSEQÜÊNCIAS
No caso de encontros culturais, a percepção do novo em termos do antigo, descrita na
última seção, em geral se revela impossível de sustentar por um prazo mais longo.
As novas experiências primeiro
63 Bonfil (1990).
64 Thompson (1963); Bourdieu (1979).
65 Frykman e Ldfgren (1979).
66 CC Karmnen (1984); Bender (1986).
260
UNIDADE E VARIEDADE NA HISTÓRIA CULTURAL
ameaçam e depois solapam as antigas categorias. A "ordem cultural" tradicional - como a
denomina o antropólogo americano Marshall Sahlins - às vezes se fragmenta
sob a pressão da tentativa de assimilá-la.67 O estágio seguinte varia de cultura para cultura,
ao longo de um espectro que se estende da assimilação à rejeição via
adaptação e resistência, como a resistência ao protestantismo no mundo mediterrâneo
discutido por Fernand Braudel.69 A razão por que os membros de algumas culturas
deveriam interessar-se em particular pela novidade ou pelo exótico é uma questão tão
fascinante quanto difícil de responder. A afirmação de que as culturas mais
integradas são relativamente fechadas, enquanto as mais abertas e receptivas têm menos
integração, corre risco de circularídade, mas tem pelo menos a virtude de
apresentar o problema do ponto de vista do receptor.69 OS parágrafos que se seguem se
concentrarão na receptividade à custa de resistência.
As conseqüências dos encontros entre culturas foram estudadas pela primeira vez de
maneira sistemática por estudiosos de sociedades do Novo Mundo, onde os
encontros haviam sido particularmente drásticos. No início do século XX, antropólogos
norte-americanos, entre eles o imigrante Franz Boas, descreveram as mudanças
nas culturas indígenas americanas como resultantes do contato com a cultura branca em
termos do que denominaram "aculturação", a adoção de elementos da cultura dominante.
Um discípulo de Boas, Melville Herskovits, definiu a aculturação como um fenômeno mais
abrangente do que a difusão, e tentou explicar por que alguns traços, mais
que outros, foram incorporados à cultura receptora.70 Essa ênfase na seleção ou triagem de
traços se revelou esclarecedora. No Peru, por exemplo, já se observou
que os índios adotaram elementos culturais da "cultura doadora" para os quais não existiam
equivalentes locais.
67 Sahlins (1981), 136-56.
68 Braudel (1949), parre 2, cap. 6, sessão 1.
69 Ottenberg (1959); Schneider (1959).
70 Herskovirs (1938); cf. Dupront (1966),
261
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
Também se tem afirmado que, após alguns anos, a adoção de novos elementos declina. À
fase de apropriação segue-se a da "cristalização" cultural.71
A essa altura, os estudiosos da cultura, a começar por especialistas em história da
religião no antigo mundo mediterrâneo, muitas vezes falaram em "sincretismo".
Herskovits se interessava sobretudo pelo sincretismo religioso, como por exemplo a
identificação entre deuses africanos tradicionais e santos católicos no Haiti,
Cuba, Brasil e em outros lugares. Outro discípulo de Boas, Gilberto Freyre, interpretou a
história do Brasil colonial em termos do que chamou de "sociedade híbrida",
ou "fusão" de diferentes tradições culturaiS.72 Pelo menos um historiador do
Renascimento, Edgar Wind, empregou o termo "hibridização" para descrever a interação
de culturas pagãs e cristãs. Sua posição era de rejeitar uma análise de mão única da
secularização da cultura renascentista, alegando que a "hibridização funciona
em mão dupla". Por exemplo, podia-se fazer "uma Virgem ou Madalena parecer uma
Vênus", mas, por outro lado, "a arte renascentista produziu muitas imagens de Vênus
que se assemelham a uma Virgem ou Madalena".73
De maneira semelhante, o sociólogo cubano Fernando Ortiz afirmou que se devia
substituir o termo "aculturação" por "transculturação", baseando-se em que
duas culturas eram modificadas em conseqüência de seus encontros, e não apenas a
chamada "doadora". Ortiz foi um dos primeiros a sugerir que deveríamos falar da
descoberta americana de Colombo.74 Um bom exemplo desse tipo de aculturação, em que
os conquistadores são conquistados, é o dos "creoles", homens e mulheres de origem
européia mas que nasceram nas Américas e se tornaram, com o passar do tempo, cada vez
mais americanos em cultura e consciência.75
71 Foster (1960), 227-34; Glick (1979), 282-4.
72 Freyre (1933); Herskovits (1937, 1938).
73 Wind (1958), 29.
74 Ortiz (1940), introdução.
75 Brading (1991); Alberro (1992).
262
UNIDADE E VARIEDADE NA HISTÓRIA CULTURAL
A assimilação de santos cristãos em deuses e deusas não-cristãos como o Xangô
africano ocidental, o Kuan Yin chinês e o Nahuati Tonantzin tem suas analogias
na Europa. Como observou Erasmo, um processo semelhante ocorrera no início dos tempos
cristãos, quando santos como são Jorge foram assimilados em deuses e heróis
como Perseu. "Acomodação" era o termo tradicional usado para descrever esse processo no
século XVI (como no princípio da Igreja), quando os missionários jesuítas
na China e índia, por exemplo, tentaram traduzir o cristianismo em termos culturais locais,
apresentando-o como compatível com muitos dos valores dos mandarins e
brâmanes.
A preocupação com esse problema é natural em uma época como a nossa, marcada por
encontros cada vez mais freqüentes e intensos de todos os tipos. Emprega-se
uma grande variedade de termos em diferentes lugares e diferentes disciplinas para
descrever os processos culturais de empréstimo, apropriação, troca, recepção,
transferência, transposição, resistência, sincretismo, aculturação, enculturação,
inculturação, interculturação, transculturação, hibridização (mestizaje), creolização
e interação e interpenetração de culturas. Em seguimento ao redespertar de interesse pela
arte mudéjar mencionada acima (ela própria relacionada a uma consciência
cada vez maior hoje do mundo muçulmano), alguns espanhóis agora se referem a um
processo de "mudejarismo" em sua história cultural.76 Alguns desses novos termos
talvez soem exoticos, e mesmo bárbaros. Sua variedade presta eloqüente testemunho à
fragmentação do mundo acadêmico atual. Também revela uma nova concepção de cultura
como bricolagem, em que o processo de apropriação e assimilação não é secundário, mas
essencial.
Permanecem os problemas conceituais, assim como os empíricos. Utiliza-se a idéia de
"sincretismo", por exemplo, para descrever uma grande variedade de situações,
de "mixagem" a síntese cultural. O
76 Burns (1977); Goytisolo (1986).
263
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
uso generalizado muito vago do termo suscita, ou mais exatamente obscurece, muitos
problemas.77
Entre esses problemas está o das intenções dos agentes, de suas interpretações do que
fazem, o ponto de vista "êmico" (p. 245). Por exemplo, no caso da interação
entre cristianismo e religiões africanas, temos de examinar vários cenários. Os governantes
africanos, como vimos, podem muito bem considerar que estão incorporando
novos elementos a sua religião tradicional. No caso do "sincretismo" dos escravos africanos
nas Américas - a identificação entre santa Bárbara e Xangô, por exemplo
-, elee bem podem ter empregado as táticas defensivas de se conformar externamente com o
cristianismo, embora conservando suas crenças tradicionais. No caso da religião
no Brasil contemporâneo, por outro lado, "pluralismo" talvez fosse um termo melhor que
sincretismo, pois as mesmas pessoas podem participar das práticas de mais
de um culto religioso, assim como pacientes podem procurar a cura em mais de um sistema
de medicina.
Para retornar à linguagem "tradicional", os indivíduos talvez tenham acesso a mais de
uma tradição e optem por uma em vez de outra segundo a situação, ou
se apropriem de elementos das duas para fazer alguma coisa por conta própria. Do ponto de
vista "êmico", o que o historiador precisa examinar é a lógica subjacente
a essas apropriações e combinações, os motivos locais dessas opções. Por isso alguns
historiadores têm estudado as respostas de indivíduos aos encontros entre culturas,
em especial aqueles que mudaram de comportamento - quer os chamemos de
"convertidos", da perspectiva de sua nova cultura, ou "renegados", do ponto de vista da
antiga.
A questão é estudar esses indivíduos - cristãos que viraram muçulmanos no Império
Otomano, ou ingleses que viraram índios na América do Norte - como casos extremos
e especialmente visíveis de resposta à situação do encontro e concentrar-se nas maneiras
como eles reconstruíram sua identidade.78 As complexidades da situação são
77 Apter (1991).
78 Axteli (1985); Scaraffia (1993).
264
UNIDADE E VARIEDADE NA HISTÓRIA CULTURAL
bem exemplificadas pelo estudo de um grupo de negros brasileiros, descendentes de
escravos, que retornaram à África Ocidental porque a consideravam sua pátria, e
descobriram que os habitantes locais os consideravam americanos.79
Por outro lado, vistas de fora, essas pessoas são exemplos do processo geral de
"sincretismo". já se sugeriu que limitamos o emprego desse termo à "coexistência
temporária" de elementos de diferentes culturas, distinguindo-o de uma verdadeira
"síntese".80 Mas qual a duração desse "temporário"? Podemos afirmar que a síntese
ou integração triunfa necessariamente a longo prazo? Em nossa época, é difícil não
depararmos com movimentos de anti-sincretismo ou desintegração, campanhas pela
recuperação de tradições "autênticas" ou "puras".81
O conceito de "hibridismo" cultural e os termos a ele associados são igualmente
problemáticos. 82 É muito fácil escorregar (como Freyre, por exemplo, muitas
vezes fez) entre discussões de miscigenação metafórica e literal, seja apregoando os
louvores da fertilização cruzada ou condenando as formas "bastardas" ou "mestiças"
de cultura que surgem por si mesmas desse processo. Deve o termo "hibridização" ser
descritivo ou explanatório? As novas formas surgem por si mesmas no decorrer
de um encontro cultural ou são obra de indivíduos criativos?
Os lingüistas oferecem outro meio de abordar as consequencias dos encontros
culturais.83 O encontro de culturas, como de linguagens, poderia ser descrito
em termos do surgimento primeiro do pidgin, uma forma de língua reduzida ao essencial
para fins de comunicação intercultural, e depois do creole. A "creolização"
descreve a
79 Carneiro da Cunha (1985).
80 Pye (1993).
81 Stewart (1994).
82 Young (1995).
83 Glick (1979), 277-81; Hannerz (1992),264-6.
265
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
situação em que um pidgin desenvolve uma estrutura mais complexa no momento em que
as pessoas começam a usá-lo como sua primeira língua e para propósitos gerais.
Os lingüistas afirmam que o que antes era considerado apenas erro, como inglês
"malfalado" ou latim "de cozinha", devia ser visto como uma variedade de língua com
suas próprias regras. Também se pode fazer uma afirmação semelhante sobre (digamos) a
linguagem da arquitetura na fronteira entre culturas.
Em alguns contextos, a melhor analogia lingüística pode ser uma "língua mista", como
a media lengua do Equador, em que se combina o vocabulário espanhol
com a sintaxe quíchua, ou o latim "macarrôníco" discutido no Capítulo 8. Durante o
Renascimento, por exemplo, os ornamentos de um estilo arquitetônico (o clássico)
eram às vezes sobrepostos às estruturas de outro (o gótico). Em outros contextos, uma
analogia melhor talvez seja a dos bilíngües, que "se desviam" entre uma língua
e outra de acordo com a situação. Como vimos no caso de alguns japoneses do século XIX,
as pessoas conseguem ser biculturais, viver uma vida dupla, transferir-se
de um código cultural para outro.
Retomemos a situação de hoje. Alguns observadores ficam impressionados com a
homogeneização da cultura mundial, o "efeito CocaCola", embora muitas vezes
não
levem em conta a criatividade da recepção e a transposição dos sentidos discutidas antes
neste capítulo. Outros vêem mixagem ou ouvem pidgin em toda parte. Alguns
acreditam poder discernir uma nova ordem, a "creolização do mundo".84 Um dos grandes
estudantes da cultura em nosso século, o erudito russo Mikhail Bakhtin, costumava
enfatizar o que chamava de "heteroglossia", em outras palavras, a variedade e conflito de
línguas e pontos de vista dos quais, segundo sugeriu, se desenvolveram
novas formas de linguagem e novas formas de literatura (em particular o romance).85
84 Hannerz (1992); cf. Friedman (1994), 195-232.
85Bakhtin (1981).
266
UNIDADE E VARIEDADE NA HISTÓRIA CULTURAL
Retornamos ao problema fundamental de unidade e variedade, não apenas na história
cultural, mas na própria cultura. É necessário evitar duas supersimplificações
opostas: a visão de cultura homogênea, cega às diferenças e conflitos, e a visão de cultura
essencialmente fragmentada, o que deixa de levar em conta os meios pelos
quais todos criamos nossas misturas, sincretismos e sínteses individuais ou de grupo. A
interação de subculturas às vezes produz uma unidade de opostos aparentes.
Feche os olhos e ouça por um momento um sul-africano falando. Não é fácil dizer se o
locutor é negro ou branco. Não vale a pena perguntar se as culturas negra e branca
da África do Sul compartilham outras características, apesar de seus contrastes, conflitos,
graças a séculos de interação?
Para alguém de fora, historiador ou antropólogo, a resposta é sem a menor dúvida
"sim". As semelhanças parecem exceder em peso as diferenças. Para os de
dentro, contudo, as diferenças talvez sejam mais importantes que as semelhanças. É
provável que essa questão sobre diferenças em perspectiva seja válida para muitos
encontros culturais. Portanto, deduz-se que uma história cultural centrada em encontros não
deve ser escrita segundo um ponto de vista apenas. Nas palavras de Mikhail
Bakhtin, essa história tem de ser "polifônica". Em outras palavras, tem de conter em si
mesma várias línguas e pontos de vista, incluindo os dos vitoriosos e vencidos,
homens e mulheres, os de dentro e os de fora, de contemporâneos e historiadores.
267
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índice
academias, 132,165-166, 171
Acton, Wiffiam, viajante inglês, 150, 154-156
acuituração, 227, 261, 262
Addison, Joseph, escrito , r
inglês, 107,144-146, 150,
153,155-157,175,182
Adelung, johan Christoph, historiador cultural alemão, 14,31,33,35
Adriani, Gianbattista, erudito
florentino, 19-20
África, 63, 76, 87,221-227,
255
Agrippa, Heinfich, humanista alemão, 107
alteridade, 117,245
Althusser, Louis, filósofo francês, 248
Alting, Heiarich, teólogo, 22
Amado, Jorge, romancista brasileiro, 191, 205,215
Amazonas, 201-202
amnésia, estrutural ou social,
82,85-88
anacronismo, 34
Anderson, Benedict, historiador e antropólogo
britânicolirlandês/ americano, 251
Andrade, Mário de, escritor brasileiro, 215
Andrade, Oswald de, escritor brasileiro, 204
Antal, Frederick, historiador da arte húngaro, 236, 238
antropologia, 42-43, 116, 12 1, 125,139,216,223,237, 243-245
Arcimboldo, Giuseppe, pintor milanês, 119
Aretino, Pietro, escritor toscano, 118, 122,191-192
Ariosto, Ludovico, poeta italiano, 181-183,190-191, 202
Arlorto, padre e comediante toscano, 118, 129,134
Arnold, Gottfried, historiador eclesiástico alemão, 23
Arnold, Matthew, critico inglês, 234, 247
Arriaga, Rodriguez de, teólogo espanhol, 22
arte, história da, 18-20
Arundel, Thomas Howard
307
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
conde de, viajante inglês, 144,149,151
Asbmole, Elias, astrólogo inglês, 50-56
astronomia, história da, 26-27
Bacon, Francis, filósofo inglês, 32,98,141,153
Bakhtin, Mikhail, teórico cultural russo, 115-116, 126,134,146,185,189, 266-267
Banchieri, Adriano, monge e escritor italiano, 133
Bandello, Matteo, escritor lombardo, 122, 125, 128
Barbaro, Francesco, patrício veneziano e humanista, 104
Baron, Hans, historiador americano, 170
barroco, movimento cultural, 132
Barros, João de, humanista português, 200
Bartlett, Frederick, psic6logo inglês, 70, 76
Bastide, Roger, antropólogo francês, 76
Battisti, Eugenio, historiador da arte italiano, 186
Baudouin, François, hurrianista francês, 25
Bedeli, William, viajante inglês, 111
Bellarmine, Robert, jesuíta italiano, 102,130
Bembo, Pietro, humanista veneziano, 16, 192
benandante, 62
308
INDICE
Bentley, Richard, erudito inglês, 34
Berger, Peter, psicólogo social 87
Besançon, Alain, historiador francês, 49
Bettinelli, Saverio, erudito italiano, 33
biculturalidade, 186, 237
Birdwhisteli, Ray, especialista americano em "cinética", 95
Bisaccioni, conde Maiolino, escritor italiano, 147
Blackbourn, David, historiador britânico, 58
Bloch, Marc, historiador francês, 71
Boas, Frariz, antropólogo alemão, 261-262
Boboli, jardins de, Florença, 119
Boccaccio, Govarini, escritor florentino, 122, 129, 180
Boccalini, Traiano, teórico político italiano, 107,144, 188
Bornarzo, 119
Bonifacio, Giovanni, advogado veronês, 93, 96
Borgia, Cesare, príncipe italiano, 124
Borromeo, Carlo, arcebispo de Milão, 102,111, 130
Borromini, Francesco, arquiteto italiano, 99
Bossuet, Jacques-Benigne, eclesiástico francês, 23
Bourdicu, Pierre, antropólogo
francês, 247-248, 260
Brasil, 75, 76, 94, 203-230,
262,264
Braudei, Fernand, historiador
francês, 261
brincadeiras, piadas, 115-135
Bromley, William, viajante
inglês, 150, 152-155, 157
Brunelleschi, Filippo, arquiteto
florentino, 122
Bruni, Leonardo, humanista
toscano, 16, 33
bruxas, 62, 251
Bunyan, John, escritor
religioso inglês, 61
Burckhardt, Jacob, historiador
suíço, 37, 117, 122, 125,
234-235, 250
Burnet, Gilbert, bispo e
viajante escocês, 111, 146,
152-155, 157-158
Burney, Charles, historiador
da música inglês, 21
Butterfield, Herbert,
historiador inglês, 13
198
Califórnia, 202
Cambiaso, Luca, pintor
genovês, 166
Camões, Luís de, poeta
português, 200
canibais, 139
câncine de grandes obras,
241-242
Caravaggio, pintor lombardo,
106,124
Cardano, Girolamo, médico italiano, 62
caricatura, 132
Carlos 1, rei da Inglaterra, 50,
53-54
Carlos II, rei da Inglaterra, 53
Carlos Magno, 203
Carnaval, 124, 143, 148, 168,
208,215-230
carnavalesco, 185,223-224
Carné, Marcel, diretor de cinema francês, 215
Casaubon, Isaac, erudito francês, 17
Castellesi, Adriano, humanista romano, 16
Castiglione, Baldassare, escritor lombardo, 98, 104, 120-121, 129, 163, 192
cavalaria, 30, 189-191, 197Cebà, Ansaldo, escritor patrício genovês, 130, 166, 171
Cellini, Benvenuto, escultor
florentino, 57
censura, 86-87, 128
Certeau, Michel. de, jesuíta antropólogo francês, 248
Chiaramonti Scipione,
semiótico italiano, 96
Cícero Marco Túlio, orador e político romano, 15, 19, 69,103,106
ciência, história da, 27
classes sociais, 253, 260
Colombo, Cristóvão, 174-200
309
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
Comenius (Koniensky), Jan
Amos, erudito tcheco, 59
Corrineria, Anna, princesa bizantina, 69
Congo,222
Conselheiro, Antônio, beato e líder rebelde brasileiro, 209
construtivismo, 143
Cook, Capitão James, marinheiro inglês, 256
Cortese, Paolo, humanista romano, 104
Coryat, Thomas, viajante inglês, 111, 141, 147-153
Courtin, Antoine, escritor francês sobre costumes, 98
Craxi, Benito, primeiroministro italiano, 2 18
"creolizaçào", 265-266
creoles, 262
Cresolles, Louis de, jesuíta francês, 25
Croce, Giulio Cesare, poeta bolonhès, 132, 181
cultura: como comunicação, 95; conceito de, 13-14; declínio da, 32; sonho padrão de, 4243; política, 247; popular, 31, 179-193, 238; reprodução, 46; e sociedade,
33; como totalidade, 34-35; guerras, 241,255
culturais, encontros, 226, 245, 255-261
culturais, estudos, 241-242
iNDICE
cultural, cristalização, 80, 252, 262
cultural, distância, 127, 133, 140,142-146, 153, 246
cultural, empréstimo, 257
cultural, ordem, 261
cultural, pluralismo, 84, 264
cultural, relativismo, 72, 94, 246
cultural, reprodução, 248
cultural, tradução, 143, 201, 219,245,249
cultural, unidade, 237, 252
cultural, virada, 233
DaMatta, Roberto, antropólogo brasileiro, 208,216,230
dança, 101, 105-107, 220221,223
Darriton, Robert, historiador americano, 115, 117, 134
Dekker, Thomas, dramaturgo inglês, 148
Della Casa, Giovanni, escritor italiano, 100, 106, 120, 131
Delia Porta, Giovanni Battista, dramaturgo e cientista napolitano, 105
Díaz, Bernal, soldado e cronista espanhol, 201
disciplinas, história das, 25-28
distância cultural, 127, 134, 139, 143-146, 153
Dodds, Eric R., estudioso dos clássicos britânico, 48
Domenichi, Ludovico, editor italiano, 118, 129
Doria, Andrea, patrício almirante genovês, 165
Doria, Paolo Matteo, nobre napolitario, 108
doutrinas, história das, 22-24
Dryde, Jolin, poeta inglês, 17, 35
Duby, Georges, historiador francês, 250
Diárer, Albrecht, artista alemão, 57
Durkheim, Émile, sociólogo francês, 70, 84, 88, 216, 238
Eggan, Dorothy, antropóloga americana, 45, 51
Eicliliorri, Johan Gottfried,
historiador cultural alemão,
14,35
Elias, Norbert, sociólogo
alemão, 108, 115, 128-130,
133
"êmico" e ético, 245
Enciclopédia Soviética, 86-87
Erasmo, Desidério, humanista holandês, 143
espaço: e memória, 75-76; público e privado, 161-176
Espanha, 81, 99, 107-108,
165, 169, 197-199,258
Esparta, 173
espiões, 150-152
espírito cívico, 162, 170
esquemas, 63, 72, 77, 140
estereótipos, 43, 45, 57-58,
63, 80, 109, 140-143, 146
148,202
Estève, Pierre, erudito francês, 26,36
Estienne, Henri, gráfico francês calvirústa, 110
Evans-Pritchard, Edward,
antropólogo social, 245
Evelyn, John, virtuoso inglês, 96,133, 144,149,152-155
fachadas, Itália como terra de, 146
falsificação, 34-35
Fauchet, Claude, humanista francès, 16
Félibien, André, erudito francês, 20
Filipe 11, rei da Espanha, 169
filosofia, história da, 24
Fischer, David H., historiador americano, 259
Fisli, Stariley, crítico literário americano, 84
Florença, 115-134, 162
Foglietta, Oberto, humanista genovês, 166, 168
Folengo, Teofilo, poeta italiano, 189-190
Fontenelle, Berriard de, erudito francês, 29, 36
Forkel, Johari. Nicolaus, historiador alemão da música, 21
fórmulas, 141, 155, 164, 191, 239
Forster, E. Morgan, romancista inglês, 140
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
Foucault, Michel, teórico
francês, 13,42, 109, 250
França, 81, 87, 98
Freind, john, erudito
inglês, 26
Freud, Sigrnund, 42, 47, 56,
80,87,94,116
Freyre, Gilberto, historiador
brasileiro, 262
fronteiras, 210
Frye, Northrop, crftico
canadense, 207
Fussefl, Paul, crítico
americano, 77, 78
Gmelin, J. F., erudito alemão,
27
Galbraith, John Kenneth,
economista americano, 163
Gama, Lopes, padre e
jornalista brasileiro 228
García, Carlos, escritor
espanhol, 98
Geertz, Clifford, antropólogo
americano, 216, 246
Gênova, 94, 141, 162-176
Gerbert, Martin, historiador
suíço da música, 21
gestos, 93-112
Ghiberti, Lorenzo, escultor
florentino, 18
Gombrich, Errist H., historiador da arte, 19, 36, 77,238
Gonja, 87
Goody, Jack, antropólogo social britânico, 87
Grazzini, Antonfrancesco, escritor florentino, 122, 128,131,133,184
Guamo, Stefano, escritor italiano, 100, 105
Guicciardini, Francesco, historiador florentino, 148, 170
Guilherme III, rei da Inglaterra, 79-80, 82
Guizot, Francois, político e historiador francês, 37
Habermas, jürgen, teórico social alemão, 161
habitus, 102
Halbwachs, Maurice, sociólogo francês, 70-71, 76
Havaí, 256
Hawkins, john, historiador da música inglês, 21
Giberti, Gianmatteo, bispo de Hegel, Georg Wilhelrn
Verona, 102
Gil, Gilberto, compositor e
Friedrich, filósofo alemão,
36
cantor brasileiro, 215, 225
Heidelberg, 86
Ginzburg, Carlo, historiador
Henrique III, Rei da França,
italiano, 62-63, 94, 180
181
Giraldi Cinthio, Giaribatrista,
Henry, Robert, historiador
escritor italiano, 130
britânico, 34
R12
INDICE
Herbert, Edward, de Cherbury, viajante inglês, 149
Herder, Johann Gottfried, pensador alemão, 31, 36
hibridização de culturas, 261262,265
história da língua, 15-18, 34
Hobsbawm, Eric J,, historiador britânico, 83, 209,240
Hopi, índios, 45, 51
Huet, Pierre-Daniel, erudito francês, 18
Huizinga, johan, historiador holandês, 234-235, 245, 250
Hurd, Richard, erudito inglês, 29
idéias, história das, 24
identidade, 75, 83, 122, 252
Ignácio de Loiola, santo espanhol, 199
Inquisição, 62, 96,128, 151152
insultos, 96
invenção, 83, 240, 249
Irlanda, 82-84
Irving, Washington, escritor americano, 111
Itália, 93-193
jaeger, Werner, estudioso dos clássicos alemão, 65
James, Henry, romancista americano, 143
Japão, 45, 23 8, 249
jardins, 119, 123, 186, 197
Jorio, Andrea di, erudito napolitano, 96
Josselin, Ralph, clérigo inglês, 50-56
jung, Carl. Gustav, psicólogo suíço, 42
Junius, Franciscus, humanista holandês, 20
Kessler, Johan, pastor protestante suíço, 78
Koselleck, Reinhart, historiador alemão, 41
Kraft, Jens, erudito dinamarquês, 29
Kuhn, Thomas, historiador da ciência americano, 89
La Curne de Sainte-Palaye, jean-Baptiste de, erudito francês, 30
La Popelinière, Henri Voisin de, historiador francês, 25
Lassels, Richard, viajante inglês, 99, 133, 145, 150, 153-155, 166
Laud, Wilham, arcebispo da Cantuária, 48-56
lazzaroni, 142
Le Goff, jacques, historiador francês, 41, 49, 93, 250
Le Roy Ladurie, Emmanuel, historiador francês, 168
Le Roy, Louis, humanista francês, 31
313
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
Leclerc, Daniel, erudito francês, 26
legitimação, 83, 87
lei, história da, 25, 35
Leonard, Irving, crudito americano, 202
Lévi-Strauss, Claude, antropólogo francês, 76
Lincoln, Jackson S., antropólogo americano, 43
Lipsius, Justus, hurnanista holandês, 140
Locke, John, filósofo inglês, 28
Lopez, Roberto, historiador americano, 163
Lord, Albert, escravocrata americano, 77
Loredan, Gianfrancesco, escritor patrício veneziano, 118, 132
Lovejov, Arthur, historiador das idéias americano, 24
Luciano, satirista grego, 57,
167,192
lugares-comuns, 42, 45, 57-58,
60-63, 72, 76-81, 139, 151
Luís XII, rei da França, 8'
Luís XIII, rei da França, 81
Luís XIV, rei da França, 86
Lutero, Martinho, 78, 88, 143
luxo, 170
Lyons, Francis S. L., historiador irlandês, 247
Maimbourg, Louis, historiador francês, 23
Mainardi, Arlotto, padre e
314
INDICE
comediante toscano, 118, 128,134
Malinowski, Bronislaw, antropólogo social polonês, 88,237,246
Mander, Karel van, holandês pintor-escritor, 19
Maquiavel, Niccoló, 124, 167
Martini, Giaribattista, historiador da música italiano, 21
marxismo, 236-238, 243
Massinger, Philip, dramaturgo inglês, 148
matemática, história da, 27
Matias Corvino, re¡ da Hungria, 79, 81
Mauss, Marcel, antropólogo francês, 95
medicina, história da, 26
Melisch, Stephan, visionário silesiano, 58-61
memória, 69-89
mentalidades, história das, 2830,70,142
Michelet, Jules, historiador francês, 37
Milão, 147, 156
Milton, Jolin, poeta inglês, 149
mito, 42, 45-46, 60, 79; como carta, 83; e identidade, 83; da Itália, 146-147; do nativo
preguiçoso, 140; das raças monstruosas, 202; de Veneza, 167; do sabá das
bruxas, 251
modos de pensamento, ver mentalidades
Momigliano, Arnaldo, historiador italiano, 257
Montaigne, Michel de, ensaísta francês, 96, 124, 141,182
Montesquicu, Charles de, teórico francês, 29
Montucla, Jean Étienne, erudito francês, 27, 32, 36
Moore, Jolin, viajante britânico, 111
morder o dedo, 96
Morhof, Damel, erudito alemão, 17
Morison, Fynes, viajante inglês, 102, 147-151, 154
Morris, Desinond, etologista inglês, 95
mulheres, 97-98, 100, 103, 106, 127, 182, 191, 198, 201, 205, 219-221, 225
Mundy, Peter, viajante inglês, 149,154
música, história da, 21
nacionalismo, 83
Nápoles, 142,182
Nora, Pierre, historiador francês, 73
Nyakyusa, povo, 63
Ojibwa, índios, 43, 57, 64
oral, história, 72
Ortiz, Fernando, sociólogo
cubano, 227, 262
Pallavicino, Giulio, patrício
genovês, 164
Panofsky, Erwin, historiador
da arte alemão, 238
Pasquier, Étienne, advogado
humanista francês, 16, 35
pernas cruzadas, 98, 106
Piccolomini, Alessandro,
escritor sienense, 100
Pike, Kenneth, lingüista
americano, 245
Polônia, 82
Pope, Alexander, poeta inglês,
17
Portugal, 200
positivismo histórico, 37, 78,
143
possessão, cultos de, 223-224
Pratolini, Vasco, romancista
italiano, 134
privacidade, 140, 161-175,
252
Procópio, historiador
bizantino, 69
Propp, Viadimir, folclorista
russo, 121, 129-130
Puchkin, Alexarder, escritor
russo, 49, 85
quacres, 94
Queiroz, Maria Isaura Pereira
de, socióloga brasileira,
216,229
oral, poesia, 77, 182, 190, 205 Quevedo, Francisco, poeta
oral, tradição, 72-73, 74-80 espanhol, 169
315
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
química, história da, 27
Rabelais, François, escritor
francês, 185, 188
Radin, Paul, antropólogo
americano, 43, 64
Raimondi, Marcantonio,
gravurista italiano, 183
Ranke, Leopold von,
historiador alemão, 36
Ray, John, botânico e viajante
inglês, 145, 150, 152-155,
157
Raymond, John, viajante
inglês, 150, 152-155
reencenação, 78, 84
relativismo histórico, 72, 94,
246
retórica, história da, 25
Richardson, Tony, diretor de
cinema inglês, 82
rituais, 75-76, 121, 130, 162
Robertson, Wilham,
historiador escocês, 30
Rogers, Samuel, poeta inglês,
142
romance, história do, 18
Romano, Giulio, artista
italiano, 113, 192
Rosa, João Guimarães, escritor
brasileiro, 205
Rússia, 85, 94, 147
Sablins, Marshati, antropólogo
americano, 256, 261
Salástio, historiador romano,
163,167
264-265
sonhos, 41-42
316
Sandrart, Joachim von, pintor e escritor alemão, 19
santos, 78-80
Sarpi, Paolo, Venetian frade historiador, 144
sátira, história da, 17-18
Schama, Simon, historiador britânico 252-253
Schmitt, jean-Claude, historiador francês, 98
Schorske, Carl, historiador americano, 254
Sebastião, rei de Portugal, 79, 81,200,209
Selden, john, erudito inglês, 28
semiótica, 244
Sennett, Richard, sociólogo americano, 161
Settala, Manfredo, virtuoso lombardo, 155
Sewall, Samuel, juiz da Nova Inglaterra, 50-56
Shakespeare, William, citado, 69,96
Sharp, Samuel, viajante inglês, 142
Sheen, Fulton, bispo americano, citado, 82
Sicília, 207
símbolos, 45, 47, 53, 56, 6061, 64, 74,243-244
Skippon, Philip, viajante inglês, 96,111, 147,150,156, 158
sincretismo, 222, 226, 262,
Spinola, Ambrogio, soldado patrício genovês, 105
Spinola, Andrea, patrício genovês, 94, 170-4
Stendhal (Henri Bey[e), escritor francês, 111
subculturas, 259
Suécia, 76
Suíça, 174
Swedenborg, Errimanuel, teólogo sueco, 47, 60
Symonds, Richard, viaiante inglês, 149
Tasso, Torquato, poeta italiano, 144,166,182
teatro, 101
Teresa d'Ávila, santa espanhola, 199
Tesauro, Eríamanuele, retõrico italiano, 132
nomas, Keith, historiador britânico, 115
Thompson, Edward P., historiador inglês, 237, 260
Thompson, Stith, foiciorista americano, 122
Tiraboschi, Girolamo, erudito italiano, 17
Toledo, Pedro de, vice-rei espanhol de Nápoles, 107
Toynbee, Arnold, historiador inglês, 237
tradição, 83,239-240
tradução, ver tradução cultural
transculturação, 227,261-262
Trexler, Richard, historiador americano, 174
tributação de impostos, e heroísmo, 81
Turier, Hieronymus, viajante alemão, 107,140
Valla, Lorenzo, humanista romano, 16,25, 34
Vansina, Jan, antropólogo e historiador belga, 74
Vargas Llosa, Mário, romancista peruano, 198, 209
Vasari, Giorgio, artista e escritor toscano, 19-20, 184-185
Vegio, Matteo, humanista italiano, 104
Vendéia, insurreição camponesa, 84
Veneza, 147, 162, 174-175, 181-182
Veryard, Elias, viajante inglês, 145,150,152,156
viajantes, 96, 139-158
Vico, Giambattista, filósofo da história napolitano, 24, 2829
Virgílio, Polidoro, humanista italiano, 27
visões, 58-61
Vives, Juan Luis, humanista espanhol, 31, 198
Voltaire, Francois Arouer de, philosophe francês, 32, 35
Wajda, Andrzei, diretor de cinema polonês, 82
317
i
i
1
1
i
1
1
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
Walpole, Horace, virtuoso inglês, 19, 33
Warburg, Aby, historiador cultural alemão, 239, 245
Warton, Thornas, erudito inglês, 17, 30, 34
Wedgwood, C. Veronica, historiadora inglesa, 48
Williams, Raymond, critico britânico, 236, 241
Winckelmann, johan joachim, historiador alemão da arte, 20,33
Wind, Edgar, historiador alemão da arte, 262
Wotton, Sir Henry, diplomata inglês, 144, 151
Zeitgeist, 36, 237, 254
1
0 texto deste livrofoi composto em Sabon, desenho tipográfico de Jan Tschichold de 1964
baseadq nos estudos de Claudê Garamond e Jacques Sabon no século XVI, em
corpo 10113. S. Para títulos e desiaques, foi utilizada a tipografia Frutiger, desenhada por
Adrian Frutiger em 1975,
A impressão se deu sobre papel Chamois Fine 80 g~ pelo Sistema Carneron da Divisão
Gráfica da Distribuidora Record
FIM DO LIVRO
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