A Existência das Cidades: um enfoque com base na teoria da economia urbana Paulo J. Körbes1 Resumo Neste trabalho, buscou-se encontrar fundamentos econômicos que expliquem a existência das cidades. Encontrou-se conceitos econômicos que sustentam que, apesar de as cidades oferecerem amenidades sociais negativas (violência, engarrafamentos, poluição ambiental e sonora, elevado custo de vida...), os indivíduos são atraídos para elas em função de as mesmas ofertarem postos de trabalhos. E, estes últimos são ofertados por empresas que se localizam próximos aos centros urbanos, objetivando usufruir de economias de escala e economias de aglomeração. Finalmente, aplicou-se os fundamentos teóricos à análise do comportamento da evolução da população do Brasil e do Município de Sinop (MT). Conclui-se que os fundamentos teóricos são sólidos, e se aplicam a ambos os casos. Abstract In this work, we research to find economic fundamentals that explain the existence of cities. We found economic concepts who argue that, in spite of the fact that cities offer negative social amenities (violence, traffic congestion, environmental pollution and noise, high cost of living and so on), people prefer to live in cities because they offer jobs. And, the jobs are offered by companies that are located close to urban centres, in order to take advantage from scale economies and agglomeration economies. Finally, we apply the theoretical principles to analyze Brazil's and Sinop city’s population evolution We conclude that the theoretical foundations are solid, and are applied in both cases. 1 Doutorando do PIMES/UFPE, no Programa DINTER UFPE/UFMT e Professor do Curso de Economia da Universidade do Estado de Mato Grosso/Campus de Sinop a 1 1 – A Economia Urbana No mundo moderno, a maior parte da população global reside em cidades. Nelas as pessoas moram, trabalham e convivem socialmente. Nelas também estão localizadas as sedes de governos, instituições e centros de produção, negócios e serviços. De fato, na maioria dos países, os centros urbanos abrigam expressiva parcela da população. Apenas uma pequena minoria reside no meio rural. Mas, quais seriam as explicações para a aglomeração de pessoas em um espaço restrito? Certamente os centros urbanos, principalmente aqueles com elevada taxa de densidade populacional, não representam necessariamente a melhor alternativa de residência aos indivíduos, em termos de qualidade de vida. Entre muitas das desvantagens de se viver numa grande cidade, limitamo-nos a citar a questão da violência urbana, congestionamentos, poluição ambiental e sonora, elevado custo de vida, dentre outras. Afora a constatação destas desvantagens, as cidades existem e, hoje, aglutinam a maior parcela da população mundial. Qual a explicação desta aparente contradição? Existem, na literatura, diferentes explicações sobre o surgimento das cidades, nos moldes em que as conhecemos, hoje. Uma delas é a constatação de que, ao abandonar as cavernas e passar a povoar vales e planícies, que ofereciam maior proximidade com a fartura de alimentos, o homem sentiu a necessidade de construir abrigos para se proteger das intempéries, bem como construir, ao redor dos mesmos, cercas ou muros para se proteger da ameaça de ataques de animais selvagens. Outros cientistas sociais argumentam que o homem é, por natureza, um ser social e que, portanto, tem uma necessidade nata de viver em coletividade. Brueckner (2011), afirma que cientistas sociais podem dar diferentes explicações para a existência das cidades. Por exemplo, um historiador militar poderia afirmar que, embora a população se concentre nas cidades, a defesa contra ataques seria mais difícil. Por sua vez, um sociólogo poderia argumentar que as pessoas gostam de interagir socialmente e que, para tanto, precisam estar espacialmente concentrados nas cidades. Já a 2 explicação econômica para a existência de cidades estaria focada em empregos e na localização da renda. Para o autor, os economistas argumentam que existem certos mecanismos econômicos que fazem com que a renda seja concentrada no espaço. A concentração de empregos leva à concentração das residências, uma vez que as pessoas procuram morar próximas aos seus postos de trabalho. E o resultado desse processo é a existência das cidades. Brueckener prossegue, afirmando que os mecanismos que levam à concentração espacial dos postos de trabalho, identificados por economistas, consistem em economias de escala e economias de aglomeração. Com relação às economias de escala, estas estão fortemente associadas a ganhos de produtividade. De fato, se a produção depende dos fatores de produção, quanto maior o uso de fatores, maior os níveis de produção. Para o caso de um único fator de produção (por exemplo, o trabalho humano, representado por L) a função de produção pode ser expressa pela equação y = f(L). Desta equação pode-se obter a produtividade média (dividindo-se ambos os lados da equação pelo fator de produção L): ௬ = () . Neste caso, quando a produtividade marginal for maior que a produtividade média, o acréscimo de uma unidade do fator (L) aumenta a produtividade. Na prática as empresas, por utilizarem o fator de produção trabalho, preferencialmente devem localizar-se próximas aos centros urbanos2. E, em assim fazendo, têm maior probabilidade de ter seus postos de trabalho ocupados, bem como promovendo a divisão do trabalho com o objetivo de aumentar sua produtividade3. Concomitantemente, como os indivíduos procuram residir próximos aos postos de trabalho, ocorre a concentração urbana. 2 Este argumento não é válido quando insumos e produto final estão em locais diferentes. Ver Brueckner (2011), pág. 10, em sua abordagem sobre custos de transporte e localização das firmas, classificando o produto final das mesmas como “Weight-Gain” e “Weight-Losing”. 3 Tal qual abordado por Adam Smith (1776), enfatizando que a riqueza das nações é consequência do trabalho humano, e que a divisão do trabalho aumenta a produtividade (em seu clássico caso das fábricas de alfinetes). 3 Com relação às economias de aglomeração, Brueckener as divide em Pecuniárias (quando ocorre a redução dos custos de produção, mas a produtividade não é afetada), e Tecnológicas (quando ocorre o aumento da produtividade, sem que os custos de produção sejam afetados). Adicionalmente, a economia de aglomeração pecuniária é subdividida em três categorias: Matching: o que pode ser interpretado como o melhor “casamento” entre oferta e demanda. Um exemplo clássico é o caso de uma esposa que acompanha o cônjuge, transferido de cidade por seu empregador. Se ela for qualificada, terá maior probabilidade de arrumar um emprego se o esposo for transferido para uma grande cidade, do que se transferido para uma pequena cidade do interior. Sharing: Literalmente significa compartilhamento. Observável nos casos em que o aumento do uso diminui os custos de produção, e consequentemente os preços. Assim como o aumento da concorrência tende a diminuir os preços. Custo de Transportes: Nas grandes cidades, observa-se um elevado número de consumidores e de firmas ofertantes. Como os consumidores estão próximos aos ofertantes, os custos de transportes são relativamente menores. Em suma, no caso do custo de transportes, a economia da aglomeração deriva da menor utilização, e não do menor preço. Já com relação à economia de aglomeração tecnológica, o autor as qualifica como fontes de ganhos advindos das cidades, uma vez que os fatores de produção apresentam-se mais produtivos nos grandes centros. Estas externalidades são classificadas, pelo autor, como sendo: Learning: Nos grandes centros existe uma maior interação e troca de informações entre agentes de determinados setores, bem como de setores totalmente distintos, resultando em inovação e aplicação de novas ideias. Incentivos de Mercado de Trabalho: com a maior oferta de mão de obra, o trabalhador é induzido a um maior esforço (em função do risco de 4 demissão, bem como em função da competição com trabalhadores de outras firmas), o que aumenta sua produtividade. Assim, o autor conclui que a decisão entre concentrar ou desconcentrar a produção depende dos retornos constantes de escala vis a vis aos custos de transporte, bem como das economias de aglomeração. O’Sullivan (2009) também indaga as motivações para a existência de cidades. Por que agora existem grandes metrópoles, se a menos de duzentos anos o mundo mal vislumbrava esboços de cidades modernas? Em sua obra (Urban Economics), o autor afirma que as cidades existem porque a tecnologia humana criou sistemas de produção e troca que aparentam desafiar a ordem natural. E prossegue: “(...) a transformação de uma sociedade rural em urbana ocorreu porque os avanços tecnológicos proporcionaram um significativo aumento da produção agrícola4, um incremento na produtividade dos trabalhadores urbanos, bem como expressivas melhorias na eficiência dos meios de transportes e trocas”. Esta importante abordagem da contribuição da inovação tecnológica para a explicação da existência das cidades, aparentemente passou desapercebido por Brueckner (ou ele deve tê-lo considerado inerente ao próprio processo), e constitui-se em importante contribuição da abordagem de O’Sullivan. Em suma, O’Sullivan aponta quatro principais motivos que explicam a existência das cidades, a saber: As pessoas não são auto suficientes As pessoas preferem se aglomerar para poder adquirir, com maior facilidade, bens que elas não poderiam produzir individualmente. Com a aglomeração, ocorre a especialização, que leva à produção em alta escala A produção ocorre nas cidades 4 David Ricardo (1772-1823) viu frustrada sua previsão pessimista sobre o futuro do capitalismo, por não prever, em sua Teoria dos Rendimentos Decrescentes, a inovação tecnológica na produção agrícola como inibidora do aumento da renda da terra. (Grifo nosso) 5 Além de Bruekner e O”Sullivan, também Fujita (1989) e Wheaton (1989) abordam a questão da explicação da existência de cidades. A partir das arguições dos autores, fundamentando suas explicações (do ponto de vista econômico) da existência das cidades, e munidos do domínio de uma modesta retrospectiva histórica, podemos deduzir a sequência dos eventos: Em determinado momento, as cidades substituíram o campo como principal fonte de postos de trabalho e moradia. Isto só foi possível porque, graças ao avanço tecnológico, a humanidade passou a disponibilizar de alimentos em quantidade e qualidade de tal magnitude que, de um momento para o outro5, se deu conta que dispunha de tempo para fazer outras coisas. A luta pela sobrevivência já não lhe consumia a integralidade do tempo6. E, com tempo disponível, a humanidade deu-se conta de que havia outros pontos que poderiam melhorar também. Daí, para superar a máquina à vapor e descobrir a eletricidade, foi só um passo. Da carruagem ao automóvel, à estrada de ferro e aos transatlânticos e cargueiros... às linhas de montagem e ao desenvolvimento do comércio e casas de negociações de títulos (bolsas de valores)... Na prática, num curto espaço de tempo, as pessoas passaram a abandonar suas fazendas ou sítios interioranos, e passaram a migrar para centros urbanos em busca de ofícios ou profissões que lhes provinham mais do que meramente o necessário para a subsistência. E, a aglomeração desse contingente em centros urbanos, aqueceu o comércio. E os beneficiados nesse processo não se limitavam aos comerciantes das cidades, como também aos agricultores remanescentes no campo, que forneciam alimentos para esta população urbana toda. 2 – A Urbanização no Brasil A população brasileira nem sempre foi urbana. De acordo com o IBGE/Sidra7, o senso populacional realizado em 1960 indicava que o Brasil ainda era um país predominantemente rural, uma vez que os levantamentos 5 Evidentemente que, numa linha de tempo, este processo deve ter demorado algumas gerações. Tempo: talvez o mais precioso dos ativos do homem moderno. 7 IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/Sistema Ibge de Recuperação Automática (população) 6 6 apontavam uma população rural de quase 39 milhões de pessoas, frente a 32 milhões de cidadãos urbanos, totalizando uma população de aproximadamente 71 milhões de pessoas. Mas, já no senso seguinte, o de 1970, esta situação encontrava-se invertida. O Brasil contava com uma população total de mais de 94,5 milhões de habitantes, sendo que dos mesmos 41,6 milhões permaneciam no campo, enquanto que 52,9 milhões ocupavam os centros urbanos. A partir deste ano, não ocorreram mais reversões, e a relação campo/cidade foi sendo deteriorada ano após ano. Este período (sendo de 1960) também é uma espécie de “divisor de águas” com relação à tendência da evolução da população rural. Enquanto até aquele ano ela apresentava tendência ascendente, a partir do mesmo a tendência reverteu-se drasticamente, passando a ser ininterruptamente descendente. Isto implica deduzir que o país sofreu um expressivo processo de migração campo/cidade, a partir de 1960. A Tabela 1 demonstra isso, com os números dos sensos populacionais decenais realizados pelo IBGE, entre 1950 a 2010: Ano 1950 1960 1970 1980 1991 1996 2000 2010 Tabela 1 - População - Brasil - 1950 a 2010 Urbana Rural Total 18.782.891 33.161.506 51.944.397 32.004.817 38.987.526 70.992.343 52.904.744 41.603.839 94.508.583 82.013.375 39.137.198 121.150.573 110.875.826 36.041.633 146.917.459 123.076.831 33.993.332 157.070.163 137.953.959 31.845.211 169.799.170 160.925.804 29.829.995 190.755.799 Note-se que a reversão desta relação (população rural versus urbana) ocorreu entre os anos de 1960 e 1970. Como os sensos são realizados a cada dez anos, inexistem os dados necessários para demonstrar, com precisão, em qual ano esta reversão ocorreu. Resta-nos, para minimizar a dúvida, recorrer à visualização gráfica para estimar (aproximadamente) o ano em que este evento ocorreu. O Gráfico 1 se propõe a tanto: 7 250.000.000 Urbana Rural Total 200.000.000 150.000.000 100.000.000 50.000.000 0 1950 1960 1970 1980 1991 1996 2000 2010 Figura 1 – Evolução da População Brasileira – 1950 a 2010 Com o auxílio da visualização gráfica, podemos deduzir que a população brasileira passou a caracterizar-se como predominantemente urbana entre meados de 1962 a meados de 1963. Aqui cabe um ponto de interrogação. Segundo algumas premissas da Teoria Econômica Urbana, abordada no primeiro tópico desta análise, os indivíduos se aglomeram em centros urbanos porque estes aglutinam os postos de trabalho. Sabe-se que o processo de industrialização do Brasil foi marcado pela decisão do Governo Federal de aderir à causa dos aliados, por ocasião da II Guerra Mundial. Esta decisão resultou na adesão da política econômica brasileira às premissas keynesyanas8, e consequentemente resultou no surgimento das gigantes empresas estatais brasileiras, bem como na política da “substituição das importações”. Logo, o processo de industrialização do Brasil já havia sido deflagrado nos anos de 1940, e somente entre 1962 e 1963 inverte-se a relação “população rural/urbana” do Brasil. 8 Em 1936, John Maynard Keynes publica “A Teoria Geral do Emprego, dos juros e da Moeda”, uma afronta à teoria clássica liberal do laissez faire (deixar fazer), resgatando a importância da intervenção do Estado na condução da atividade econômica da nação. 8 Apesar de os números revelarem que a reversão de população rural para predominantemente urbana só ter ocorrido mais de duas décadas após o início do processo de industrialização brasileira, o fenômeno de migração cidade/campo iniciou-se muito antes de 1962 ou 1963. Provavelmente iniciou juntamente com o processo de industrialização, após a década de 1940, o que está de acordo com a teoria: “as pessoas se aglomeram nas cidades porque nelas estão os postos de trabalho”. Para constar isto, analisemos os números dos censo de 1950 e 1960: Considerando-se que as taxas de fertilidade e taxas de nascimentos entre as populações rural e urbana sejam relativamente semelhantes, deduz-se que o processo de migração campo/cidade já vinha ocorrendo desde 1950 (ou antes). Note-se que a população urbana aumentou, de 1950 a 1960, de 17,8 milhões para 32 milhões de pessoas, o que representa uma taxa de crescimento no período de 71%. Neste meio tempo, a população rural aumentou de 33 milhões para 38,9 milhões de pessoas, o que significa uma taxa de crescimento de meros 17,8%. Estes números mostram que o país passou por um expressivo processo migratório campo/cidade, entre 1950 e 1960. Já na década seguinte, analisando os censos de 1960 e 1970, nota-se que a população urbana aumentou a uma taxa de 65%, enquanto a rural aumentou apenas em 6,9%. A migração campo/cidade tornou-se mais expressiva e, a esta altura (1970) a população urbana já representava 56% da população total do país. Este fenômeno migratório observado no Brasil, a partir de meados do século XX, está em sintonia com as premissas apontadas por Brueckner: as cidades existem porque as empresas tendem a se localizar próximas às grandes cidades, beneficiando-se de economias de escala e economias de aglomeração. Também condiz com a premissa complementada por O’Sullivam, segundo o qual o avanço tecnológico acelera o processo de desenvolvimento industrial e, por consequência, abre mais postos de trabalhos junto aos centros urbanos. 9 Com relação ao avanço tecnológico, vale lembrar que o Brasil foi afetado fortemente por este processo, a partir de meados do século XX. Com programas federais de estímulo ao crescimento econômico9, diferentes indústrias multinacionais foram atraídas para se instalarem no Brasil. Dentre elas, a indústria automotiva, que arrebatava legiões de trabalhadores braçais na região sudoeste do país. Ao mesmo tempo, uma nova capital federal estava sendo construída na região Centro Oeste, atraindo não apenas trabalhadores envolvidos na construção em si, como profissionais autônomos (motoristas de caminhões), comerciantes, profissionais liberais e prestadores de serviços os mais diversos. As cidades demandavam cada vez mais mão de obra. A cada dia, novos postos de trabalho eram abertos. Adicionalmente, a inovação tecnológica também proveu atrativos às cidades que, se não ofereciam empregos diretamente, revelavam-se irresistíveis aos jovens que insistiam em permanecer no campo. As cidades ofereciam a televisão, a telefonia e uma gama de opções de laser (dentre elas o próprio futebol) que se demonstravam irresistíveis à juventude do campo. Portanto, as premissas teóricas da urbanização econômica demonstraram-se sólidas para explicar a onda migratória da população brasileira, de uma vida tranquila e saudável no campo, para a aglomeração das cidades. Mas, entendemos que o fenômeno verificado no Brasil ocorreu num período muito particular, que coincidiu com uma mudança na própria vocação econômica do país: de produtor agrícola (ciclo da cana-de-açúcar e do café), para a industrialização nascente. Assim, pretende-se testar as premissas teóricas da urbanização econômica aplicadas a um período mais recente, para verificar se elas se sustentam. É o que será feito no próximo tópico. 9 O Plano de Metas “Cinquenta anos em cinco”, do governo de Juscelino Kubitschek (1956 a 1961) 10 3 – O Caso de Sinop (MT) Comparativamente a outros municípios brasileiros, Sinop é uma cidade relativamente jovem, já que foi emancipada em 1979. Mas, a fundação do centro urbano ocorreu em 14 de setembro de 1974, consequência do projeto de integração nacional do governo militar da época, que expandiu a BR 163 de Cuiabá (MT) até Santarém (PA) no sentido vertical. Outra obra de integração do governo foi a execução da Rodovia Transamazônica, cortando os principais estados da região norte do país, no sentido vertical. A abertura da BR 163 de Cuiabá a Santarém, despertou o interesse da empresa Sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná10, que adquiriu do governo militar uma vasta área de terras localizada a 500km ao norte de Cuiabá, denominada Gleba Celeste, com o objetivo de implantar seus projetos de colonização. Para atrair agricultores dispostos a adquirirem terras em sua gleba, principalmente oriundos do sul do país, a empresa colonizadora implantou núcleos urbanos na região, sendo que o de Sinop foi implantado às margens da BR 163. Já município, os números sobre a população sinopense já aparecem no censo populacional de 1980, e são apresentados na Tabela 2: Ano 1980 1991 2000 2010 Tabela 2 - População - Sinop - 1980 a 2010 Urbana Rural Total 8.590 11.301 19.891 33.253 5.121 38.374 67.706 7.125 74.831 93.753 19.346 113.099 Note-se que, ainda em 1980, a maior parcela da população de Sinop residia na zona rural. Isto se explica porque o objetivo da empresa colonizadora consistia em atrair agricultores, que ocupassem a zona rural do município. Para tanto, a empresa implantou uma usina no município, com o objetivo de produzir álcool a partir do cultivo de mandioca, fornecida pelos produtores do município. A Figura 2 possibilita a visualização gráfica da evolução da população de 10 Das siglas iniciais da empresa colonizadora advém o nome da cidade de SINOP. 11 Sinop: 120.000 Urbana 100.000 Rural Total 80.000 60.000 40.000 20.000 0 1980 1991 2000 2010 Figura 2 – Evolução da População de Sinop – 1980 a 2010 Note-se que a reversão de população predominantemente rural para urbana ocorreu logo no início da década de 1980. E isto deu-se em função do fato de o projeto da produção de álcool não ter vingado. O solo da região mostrou-se inadequado para a produção de mandioca, em função do seu baixo lençol freático. As raízes da mandioca acabavam apodrecendo por conta do excesso de umidade do solo. Também outras culturas não vingavam, com exceção da cultura do arroz de sequeiro. Isto acabou desestimulando alguns agricultores, que abandonavam suas áreas e retornavam às suas regiões de origem. Mas, muitos migraram para o núcleo urbano do município, uma vez que uma nova e promissora atividade econômica vinha despontando: a atividade madeireira. Forte demandante de mão de obra, o setor madeireiro passou a ofertar muitos postos de trabalho aos agricultores frustrados na atividade agrícola. Centenas de empresas madeireiras se instalaram às margens da rodovia BR 163, no perímetro urbano de Sinop. Esta expressiva migração da agricultura para a atividade industrial, por significativa parcela da população do município, explica a significativa redução da população rural do mesmo, apontada pelo censo populacional de 1991. 12 Note-se que a população rural diminuiu em 55% entre 1980 e 1991, enquanto a população urbana aumentava à estratosférica taxa de 286%. Novamente as premissas da Teoria Econômica Urbana se aplicam, desta vez ao caso do Município de Sinop. O projeto de colonização, que tinha por fundamento a produção agrícola, só não naufragou porque postos de trabalho passaram a ser disponibilizados por, principalmente, indústrias que passaram a se instalar nas cercanias da cidade, tirando proveito de ganhos de escala e ganhos de aglomeração. Destarte, com a atividade econômica acelerada em função da fartura de matéria prima do setor madeireiro, indústrias de outros setores e empresas de diferentes ramos de atividade passaram a se instalar na cidade, atraindo migrantes não mais apenas da região do sul do país, como também das demais regiões. Atualmente, o carro-chefe da economia de Sinop não é mais o setor madeireiro11. Além do agronegócio, o município também transformou-se num importante polo de serviços, saúde, comércio e, principalmente, de educação superior. Também passa a ser referência na área da pesquisa científica, principalmente após a inauguração de um moderno centro de pesquisa da Embrapa, bem como a implantação de um campus universitário da Universidade Federal de Mato Grosso. E, conforme revelam os números dos últimos censos populacionais, a tendência da população do município é visivelmente ascendente, até mesmo por constatação empírica, já que os setores imobiliário e da construção civil de Sinop nunca estiveram tão aquecidos. 11 O setor madeireiro entrou em decadência, na região, com o acirramento da legislação ambiental, a partir de 2005. 13 4 – Considerações Finais Neste trabalho, buscou-se na Teoria Econômica fundamentos que expliquem a existência das cidades. Os encontrados, sustentam que as cidades atraem indivíduos por concentrar postos de trabalhos. E, estes últimos são disponibilizados por empresas que se localizam próximas aos perímetros urbanos das cidades, com o objetivo de beneficiar-se de economias de escala e economias de aglomeração. Adicionalmente, os avanços tecnológicos realimentam todo esse processo. Em seguida, buscou-se verificar se os fundamentos teóricos se aplicavam à evolução da população brasileira. Constatou-se que a população brasileira, outrora predominantemente rural, passa a migrar para os centros urbanos. E, que este processo de migração coincidiu com a mudança da vocação produtiva brasileira, de agrícola para industrial, a partir da década de 1940. Verificou-se, também, se os fundamentos teóricos se aplicavam a um projeto de colonização realizado em um período mais recente. Escolheu-se o Município de Sinop (MT) e analisou-se o comportamento da evolução de sua população (rural e urbana). Concluiu-se que os fundamentos teóricos também se aplicam a este caso, uma vez que a população do município aumentou significativamente durante suas décadas de existência, e que esta tendência ainda é mantida. Conclui-se que, de fato, o Município de Sinop cresce (em termos populacionais) em função dos postos de trabalho que são ofertados. Certamente, existem no Estado de Mato Grosso municípios que oferecem melhores amenidades, principalmente naturais, do que Sinop. Como exemplo, pode-se citar o Município de Chapada dos Guimarães (paisagem e clima ameno), além dos municípios que fazem fronteira com a região do Pantanal. Apesar das amenidades oferecidas, sua evolução populacional chega a ser pífia se comparada ao Município de Sinop. A esta constatação, atribui-se a solidez dos fundamentos teóricos da Economia Urbana. 14 5 – Referências Brueckner, Jan K. Lectures on Urban Economics. The MIT Press. Massachusetts, 2011. Fujita, Masahisa. Urban Economic Theory – land use and city size. Cambridge: Cambridge University Press, 1989. O’Sullivan, Arthur. Urban Economics, 7th ed., McGraw-Hill Irwin, 2009 Wheaton , William C. 1998 . Land Use and Density in Cities with Congestion. Journal of Urban Economics 43 : 258 – 272 . 15