DOSSIER Promoção estratégica das cidades no contexto da globalização A estratégia de promoção das cidades exige, hoje, num mundo globalizado, uma atitude inventiva de aposta na qualidade e o compromisso institucional entre os poderes emergentes nas sociedades democráticas, na captação de eventos que lhes transmitam massa crítica e notoriedade. Lisboa viveu, na última década, algumas experiências que contribuíram decisivamente para a sua integração no concerto das grandes capitais europeias, recusando o papel de metrópole periférica dos centros de decisão, e dando um sentido lúdico e cosmopolita à sua existência no contexto metropolitano e internacional. A presidência portuguesa da União Europeia, em 1992 e 2000, a designação de Lisboa, Capital Europeia da Cultura, em 1994, que promoveu uma intensa e diversificada animação artística, e a Expo 98, ancorada na reabilitação urbana da plataforma ribeirinha da zona oriental de Lisboa, são casos emblemáticos de eventos de grande impacto mediático e social, que ajudaram a projectar a cidade para um patamar de exigências de dimensão internacional. Na sua continuidade, a cidade passou a estar dotada de novos equipamentos com grande visibilidade externa, como a Gare do Oriente, a Ponte Vasco da Gama, as intervenções de arte pública no Metropolitano, o Oceanário de Lisboa, um projecto esteticamente arrojado e inovador na ofer ta de conteúdos, e o Centro Cultural de Belém, um espaço público incontornável no panorama cultural português. 37 metrópoles DOSSIER A captação de iniciativas capazes de influenciar a gestão do ordenamento do território e renovar a vida numa cidade-metrópole, apesar do seu carácter muitas vezes efémero e acentuadamente comercial, constitui um desafio transversal à sociedade e de efeitos multiplicadores, cujas potencialidades devem ser exploradas muito para além da mera ocupação do espaço físico e da temporalidade dos eventos. Desafios esses que não param de surgir, desde a conquista do International Golf Travel Market, a maior reunião de golfe a nível mundial que reúne toda a oferta e a procura da modalidade, à entrega dos Laurens, a versão dos óscares na área do desporto, ambos os eventos a realizar no Estoril, passando pelos novos estádios da Luz e de Alvalade, construídos para acolher à fase final do Europeu de Futebol, pondo à prova a capacidade de organização interna e de concretização dos compromissos assumidos.pelo País. À obra feita, junta-se a janela de oportunidades que estes eventos criam, com evidentes reflexos no reforço da auto-estima dos portugueses e na conjuntura económica, mas também na animação do mercado da construção civil, na criação de emprego, no merchandising, na restauração, no turismo e na internacionalização da marca Portugal. metrópoles 38 DOSSIER A verdade é que, sem a realização destas iniciativas e, particularmente daqueles que a região de Lisboa for capaz de atrair, a construção de determinadas infraestruturas e equipamentos públicos dificilmente se concretizaria, sendo desejável que às suas funcionalidades estejam associados objectivos estruturantes que possam corresponder a “investimentos reprodutivos e com valor acrescentado que contribuam para a competitividade e para a modernização de Portugal”, como sustentam os especialistas em Ambiente e em Gestão de Projectos, Maria Teresa Goulão e Pedro Neves. A confirmar-se a tendência da Grande Lisboa concentrar, em 2015, quase metade da população portuguesa, será das maiores áreas metropolitanas entre as suas congéneres da UE, sendo apenas ultrapassada por Paris e Londres. Cenários deste tipo vêm confirmar que, para além dos aspectos eminentemente lúdicos e comerciais que surgem associados a estes eventos, há relações conexas com os mapas de competitividade e com os espaços de referência dos países, que importa aproveitar. Longe do conceito limitado da geografia, e de acordo com os citados autores, “os espaços actuais são espaços globais, nos quais os projectos têm que se afirmar através da especialização do território, num quadro de competências próprias e diferenciadoras, com dimensão crítica e dimensão espacial ligada a um sistema de rede e de conexões regionais”. 39 metrópoles DOSSIER CULTURA E DESPORTO A aposta na cultura e no desporto como factores de promoção da imagem das cidades e de mobilização dos sectores mais criativos e dinâmicos da sociedade, tem, este ano, expressão um pouco por toda a Europa: a cidade portuária italiana de Génova partilha com Lille, França, a designação de Capital Europeia da Cultura, aproveitando para mostrarem aquilo que, em cenário de paz, a capacidade inventiva do homem pode fazer. O esforço de afirmação da velhas/novas culturas europeias tem outro motivo de exaltação: a realização, na cidade de Atenas dos Jogos Olímpicos de Verão, um retorno histórico aos primórdios do olimpismo da era moderna. A confirmar a sua centralidade euromediterrânica, Barcelona, não pára de lançar reptos às suas próprias capacidades. Comparável em gigantismo aos Jogos Olímpicos, o Fórum Universal das Culturas, que a capital catalã vai promover entre Maio e Setembro, é apresentado como plataforma uni- metrópoles 40 versal para o diálogo e o intercâmbio, assente em três grandes eixos: a diversidade cultural, o desenvolvimento sustentável e as condições para a paz. Em Lisboa, a Câmara Municipal promete uma forte animação cultural, para cativar os milhões de espectadores que acompanharão o Euro 2004, e que passará por um vasto leque de iniciativas promovidas nos meses de Junho e Julho, aproveitando a realização das Festas da Cidade, as festividades dos Santos Populares e o mega-espectáculo Rock in Rio, que começa a 29 de Maio no Parque da Bela Vista. No caso particular da capital, a oferta cultural conhece hoje uma dinâmica e uma regularidade assinaláveis, bem expressa nas programações do CCB, da Culturgest e da Gulbenkian que, na sua área de intervenção, contribuem para promover a imagem da cidade, atrair novos públicos e ganhar espaço nos circuitos artísticos internacionais. A esta realidade, refere-se António Pinto Ribeiro, director artístico da Culturgest, ao valorizar “aquilo que decorre do facto de Lisboa se situar num lugar privilegiado de encontro de práticas culturais atlânticas actuais pudesse ser uma mais-valia da cidade no circuito internacional cultural e que lhe conferisse uma identidade que é hoje necessária a qualquer cidade”. DOSSIER roda gigante London Eye, ao edifício ovóide do Great London Authority e à ponte Millenium Bridge, ambos projectos de Norman Foster, muitos são os locais que os londrinos inscreveram na sua agenda de tempos livres, criando novas centralidades urbanas e reforçando a oferta como destino turístico de excelência. A AFIRMAÇÃO DAS CIDADES ARTE URBANA CONTEMPORÂNEA Os estrategas das cidades modernas rodeiam-se para os seus ensaios arquitectónicos e urbanísticos, de símbolos e saberes diversos, nas áreas das ciências sociais e humanas, da moda, das artes visuais e das novas tecnologias, contando para as suas propostas estéticas com a cumplicidade dos poderes políticos, numa relação dinâmica de interesses que ajuda a criar movimentos de intervenção no espaço público e a promover abordagens inovadoras, dando expressão a uma nova forma de pensar, planear e gerir as urbes do futuro. A abertura intelectual e o universalismo que hoje caracteriza a troca de ideias e experiências no mundo, reflecte-se na relação de proximidade estabelecida entre os criadores de arte urbana contemporânea e o público, desdobrando-se, no início do novo milénio, um pouco por toda a Europa. Berlim, Bilbau e Londres, são alguns dos exemplos cruzados, misto de animação de rua e requalificação urbana em zonas residenciais ou industriais decadentes, pela mão de grandes artistas, verdadeiros ícones do nosso tempo. O arquitecto americano Daniel Libeskind brindou-nos, recentemente, com o Museu Judaico de Berlim. Em Bilbau, os planeadores da cidade renascida criaram dois pólos de referência num meio urbano envelhecido e cinzento - as estações de metropolitano desenhadas por Norman Foster e o Museu Guggenheim, concebido por Frank Gehry. Empreendimentos arquitectónicos arrojados moldam hoje a fisionomia da capital britânica. Da Tate Modern, na antiga central de produção eléctrica de Bankside, recuperada para as artes, passando pela Entre a intemporalidade das construções que marcam a paisagem de forma surpreendente e a ocupação lúdica dos espaços em tempo real, desenvolvem-se dinâmicas urbanas que questionam o futuro das cidades, o que constitui para Helena Roseta uma das formas mais interessantes de expressão de uma cidadania moderna: “a afirmação das cidades passa também por se tornarem símbolos de modernidade e poder”, reconhece a Presidente da Ordem dos Arquitectos. É neste ambiente de debate cultural e de disputa de protagonismos nacionais e internacionais, que se cruzam as diversas representações sociais - mecenas, poderes públicos, investidores institucionais, artistas convergentes na procura de identidades autónomas e diferenciadoras, necessárias para enfrentar o desafio da competitividade e capazes de devolver o prazer de sentir as cidades como espaços de afecto e fruição. 41 metrópoles