Seminário internacional “Herança, identidade, educação e cultura: gestão dos sítios e lugares de memória ligados ao tráfico negreiro e à escravidão”. Relator: Benedito Sérgio Moderador: Martvs das Chagas, diretor de fomento da Fundação Palmares e Paulo Roberto. O grupo iniciou as discussões conforme o roteiro apresentado pela Unesco, mas ponderou que algumas perguntas se encontravam fora de ordem. Assim, os trabalhos iniciaram com a questão de como inventariar e classificar os sítios, lugares e itinerários ligados ao tráfico negreiro e à escravidão. O fio condutor das discussões foi o de como buscar um denominador comum ao tema, pois diferentes países têm diferentes opiniões sobre o tráfico negreiro e à escravidão. Cada país teria de entender o que significava escravidão para eles. Um sítio nacional poderia ter significado nacional e mas que não representasse a mesma situação em nível internacional. Numa exemplificação foi citado que na África a escravidão terminava com a partida do navio e que aqui no Brasil, começava com chegada dos escravos. Insistiu-se que a conceituação de sítios deveria ser bem definida. Inclusive deveriam prever uma gestão participativa e ética de todas as partes interessadas. O representante de Ghana, Stephen, falou da experiência usada em seu país com a utilização da rádio para fazer chegar à comunidade as informações que queriam transmitir, e também para fazer com que a população fosse integrada às discussões que seriam de interesse da comunidade. Pressupõe-se que deva haver uma visão internacional sobre o assunto. Nas considerações foi levantada a questão religiosa, já que boa parte da cultura afrodescendente foi preservada em função dos ritos religiosos e dos quilombos. Quanto à questão de sustentabilidade destes sítios, o ponto de discussão foi a cobrança de uma taxas de turismo e da criação de uma rota turística desses sítios. Os valores arrecadados seriam revertidos e usados nos próprios locais, para manutenção e melhorias. Foi ressaltada a importância de valorizar o profissional que irá avaliar e inventariar, principalmente os pesquisadores das universidades, que já trabalham com este tema em suas pesquisas. No Brasil, por exemplo, uma série de pesquisadores que já trabalham com isso nas universidades não são consultados para que se inscrevam e se candidatem a um trabalho desse porte. Em função das ideias variarem muito de país para país, assim como interesses políticos, foi sugerido que se criasse um comitê internacional para avaliar esses sítios. A ideia é que os sítios sejam patrimônio imaterial. O comitê internacional faria a aferição da relevância da parte histórica do sítio. Existe ainda uma ideia comum de que é preciso criar instruções gerais que dessem um padrão ao que já existe hoje. Também foi falado que seria mais interessante usar os protocolos técnicos existentes ao invés de começar do zero e criar novos. Cada país adaptaria os protocolos às suas situações. Em relação às estruturas jurídicas e financeiras, o ponto comum é de que depois do processo de inventário e classificação, deveria haver um sistema de intervenção para salvaguarda e para fazer a circulação no sítio. E que seria necessário se preocupar com as gestões técnica e financeira. A financeira exigiria um plano de gestão que tivesse apoio do governo, das entidades privadas e também sociedade civil e ainda das comunidades diretamente envolvidas. Existe uma preocupação quanto aos interesses, pois o particular pode se sobrepor ao coletivo. Acreditam que deve haver um critério para o que deve ser turístico e de acessibilidade. O critério da cultura material. Poder visitar algo de cultura material relevante. Locais acessíveis, locais com cultura material. Deve haver uma interface pensada sob a dimensão do turismo. Isso é uma questão de nível internacional, o modelo de escravidão africana é internacional. A questão jurídica deve levar em conta o sentido de propriedade, questionamentos como quem será o dono do sítio, país ou comunidade foram levantados. Se for um país, há órgãos que fazem esse trabalho. No segundo caso, a comunidade que é dona do patrimônio, e ela têm regras próprias que não estão em contradição com leis nacionais. Como país, cabe orientar tais comunidades. Qualquer que seja o sistema jurídico ou financeiro é preciso saber quem será o dono do sítio. Algo que seja internacionalmente aceito. O grupo ponderou que nem sempre os órgãos que formulam políticas estão de acordo com princípio de transversalidade da cultura da Unesco. Eles acreditam numa postura democrática empoderando o cidadão comum, e que o estado deve servir aos interesses do povo. Apontam ainda que a palavra chave seja o turismo, pois este poderá garantir recursos financeiros para se trabalhar determinadas comunidades. As comunidades podem – e devem – receber parte do lucro dessas iniciativas. Em relação à comunicação e divulgação, a proposta gira em torno de um portal na internet que poderia se conectar a cada um dos países, sendo necessário ver os respectivos recursos de cada país. Também a ideia de comemorações internacionais possa ajudar na divulgação. Mas o ponto principal está focado na educação, principalmente das crianças e na inserção da história da escravidão, como de fato ela aconteceu, nos currículos escolares. Não se pode entender a história moderna sem uma compreensão da história e cultura africana. Foi citado ainda uma adaptação de tecnologias usadas por órgãos internacionais e a capacitação de professores, que são os disseminadores do conhecimento nas escolas de primeiro e segundo graus. Os meios de comunicação modernos como internet e tvs são ferramentas importantes, mas foi lembrado que nem todas as comunidades têm acesso a elas. O rádio ainda é o meio mais acessível. A criação de bibliotecas dentro dos sítios também foi falada para aproximar as crianças da memória coletiva. Em relação ao Brasil onde cerca de 90% da população quilombola é analfabeta, foi dito que para haja uma estratégia de comunicação é necessário dar prioridade à alfabetização, motivada pela realidade dos sítios e itinerários. Por fim o grupo acrescentou mais alguns itens do conteúdo dos módulos de formação, que estavam enumerados: 1) Recuperar a contribuição de grupos africanos específicos para formação da cultura regional em parte do Brasil. 2) Colocar estes documentos e convenções (já disponíveis em www.unesco.com ) como parte do estudo e treinamento para gestores. 3) Incentivar a formação de redes regionais 4) Capacitação de gestores. Os demais itens já estavam na pauta, são eles: Os grandes acontecimentos históricos e de memória do tráfico negreiro, da escravidão e suas abolições; o contexto político, econômico e sociocultural e as ligações com os demais patrimônios materiais e imateriais; a gestão e o desenvolvimento de um sítio de memória (princípio da gestão financeira, gerenciamento, contato com as autoridades, etc.); as relações e a colaboração a desenvolver com os atores locais e nacionais, e com os parceiros do setor privado a mobilização de fundos junto aos patrocinadores; as ferramentas de comunicação e as relações públicas a desenvolver; a organização e a animação de eventos culturais; a salvaguarda e a proteção de sítios em caso de perigo; a colaboração com outros sítios de memória.