CONEXÕES VICENTINAS Conselho Editorial Av Carlos Salles Block, 658 Ed. Altos do Anhangabaú, 2º Andar, Sala 21 Anhangabaú - Jundiaí-SP - 13208-100 11 4521-6315 | 2449-0740 [email protected] Profa. Dra. Andrea Domingues Prof. Dr. Antonio Cesar Galhardi Profa. Dra. Benedita Cássia Sant’anna Prof. Dr. Carlos Bauer Profa. Dra. Cristianne Famer Rocha Prof. Dr. Fábio Régio Bento Prof. Dr. José Ricardo Caetano Costa Prof. Dr. Luiz Fernando Gomes Profa. Dra. Milena Fernandes Oliveira Prof. Dr. Ricardo André Ferreira Martins Prof. Dr. Romualdo Dias Profa. Dra. Thelma Lessa Prof. Dr. Victor Hugo Veppo Burgardt ©2013Ana Cristina Pereira Lage Direitos desta edição adquiridos pela Paco Editorial. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação, etc., sem a permissão da editora e/ou autor. L135 Lage, Ana Cristina Pereira. Conexões Vicentinas: Particularidades Políticas e Religiosas da Educação Confessional em Mariana e Lisboa Oitocentistas/Ana Cristina Pereira Lage. Jundiaí, Paco Editorial: 2013. 220 p. Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-8148-346-7 1. Filhas de Caridade 2. Educação 3. História 4. Religião I. Lage, Ana Cristina Pereira. CDD: 901 Índices para catálogo sistemático: História Religião 901 200 IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL Foi feito Depósito Legal Dedico às pessoas que foram os pilares da minha educação. À minha mãe, Antonisa. Ao meu pai, Miguel. Ao Marcus, irmão ausente e tão presente sempre. Agradecimentos Nos bastidores da pesquisa, várias pessoas estiveram presentes. É difícil listar todos aqui e tomo a liberdade de citar apenas alguns destes coadjuvantes. Inicialmente à minha orientadora, Dra. Thaís Nívia de Lima e Fonseca, que apontou diversos caminhos para a escrita e a configuração desta pesquisa. Ao doutor Justino Pereira Magalhães, coorientador português, pela atenção, solicitude e acompanhamentos nas incursões na Torre do Tombo. Ao Dr. Ivan Aparecido Manoel, pelas contribuições de seus escritos e os diálogos. Aos meus colegas do GEPHE/ UFMG, especialmente à querida Verônica Albano. Aos inesquecíveis colegas da Universidade de Lisboa, companheiros de seminários de leitura e de longos passeios. A estada em Lisboa só foi possível pela companhia das inesquecíveis amigas historiadoras Pollyanna Mendonça e Ana Paula Costa, que me apoiaram tanto nas lindas e alegres incursões no Continente Europeu, quanto nos intermináveis dias da Torre do Tombo, quando escravos armados em Minas Gerais, padres de moral duvidosa do Maranhão e freiras vicentinas francesas misturavam-se nos diversos documentos que solicitávamos para consulta... Enfim, o voo de uma abelha só foi possível com o auxílio e a amizade verdadeira destas companheiras! Gostaria de agradecer especialmente aos meus familiares pelo apoio e paciência. Aos meus pais, aos meus irmãos presentes, cunhadas e cunhados, tios e tias, pela compreensão dos meus distanciamentos. Aos meus irmãos ausentes, Marcos e Geraldo, pelos anos alegres de suas vidas e que, de uma forma ou de outra, contribuíram para a minha formação. Aos lindos e queridos sobrinhos – Túlio, Giulia, Rodrigo e Débora. Amigas são aquelas que compreendem os nossos sumiços, a falta de tempo para o bate-papo e esperam pacientemente para dar a mão nos momentos de cansaço, desespero, e nos proporcionam alegria. Sei que tenho essas amigas e agradeço especialmente à Cláudia, Beth, Tel e Cida. Todos os funcionários dos arquivos consultados foram fundamentais para este resultado que agora apresento: da Cúria de Mariana, da Biblioteca da Ajuda, da Biblioteca Nacional de Portugal e, especialmente da Torre do Tombo, que acolhem os brasileiros com tanto carinho. Também agradeço aqueles responsáveis anônimos que digitalizaram e disponibilizaram tantos documentos on-line e que foram consultados nesta obra. Este trabalho não seria possível sem o grande auxílio do ex-aluno, e hoje amigo, Moacir Maia, que intermediou vários contatos e ainda disponibilizou a cópia de vários documentos que eu nunca poderia consultar sem o seu auxilio. Tenho dois agradecimentos para as Filhas de Caridade de São Vicente de Paulo: inicialmente, às bravas mulheres francesas do século XIX, que enfrentaram longas distâncias, adaptaram-se em outras terras e deixaram várias pistas para que eu conseguisse escrever um pouco dessa história; em segundo lugar, tenho também que agradecer às irmãs vicentinas do século XXI que, em seus silêncios e negativas para as consultas aos seus acervos, mostraram-me como os contatos e as transformações culturais que sofreram nos lugares que ocuparam proporcionaram identidades e transformações em suas culturas organizacionais, tão distantes dos princípios daquelas mulheres do século XIX. À Capes, pelo auxílio financeiro na concessão da Bolsa Sanduíche no primeiro semestre de 2009. Sumário Apresentação.............................................................................................11 Introdução..........................................................................................................15 Capítulo 1 Igreja, Política e Educação: Expansão e Conexão das Filhas de Caridade de São Vicente de Paulo..................27 1. Tensões políticas e religiosas.............................................................................27 2. A Igreja Ultramontana.....................................................................................33 3. Política, catolicismo, gênero e educação............................................................37 4. Identidades das Filhas de Caridade de São Vicente de Paulo............................45 Capítulo 2 Particularidades Mineiras: A Instalação das Filhas de Caridade em Mariana (1849)......59 1. Política e religião: movimentos de expansão do ensino confessional feminino.........60 2. O bispo D. Antônio Ferreira Viçoso: a reforma pela educação..........................71 3. A instalação das Filhas de Caridade em Mariana..............................................77 4. Práticas educativas das Filhas de Caridade em Mariana....................................89 Capítulo 3 Particularidades Portuguesas: a (des)instalação das Filhas de Caridade em Lisboa (1862)..................................101 1. Política, religião e educação: impasses para a instalação das Filhas de Caridade francesas em Portugal............102 2. A presença das Filhas de Caridade francesas em Lisboa e os conflitos nas páginas periódicas..................................................116 3. Práticas educativas das Filhas de Caridade nos asilos lisboetas........................128 Capítulo 4 As Práticas Vicentinas Conectadas......................................................................147 1. Mediadoras da conexão: as Filhas de Caridade de São Vicente de Paulo.........148 2. As Filhas de Maria: a seleção das melhores agentes para a expansão católica...155 3. Os costumes das Filhas de Caridade e de suas alunas......................................162 4. A educação feminina mundializada................................................................167 5. Práticas de leituras das Filhas de Caridade e suas alunas..................................180 Considerações Finais..........................................................................................187 Referências........................................................................................................191 Lista de figuras e quadros Quadro 1: Expansão das Filhas de Caridade (1633-1859).....................................54 Figura 1: Expansão das Filhas de Caridade de São Vicente de Paulo nos séculos XVII, XVIII e XIX.................................................56 Figura 2: Roteiro da viagem das Filhas de Caridade de São Vicente de Paulo no Brasil em 1849.........................................................81 Quadro 2: Alunas do Colégio Providência, do Colégio das Órfãs e do Hospital administrados pelas Filhas de Caridade em Mariana (1855-1882).......102 Quadro 3: Presença das Filhas de Caridade em Lisboa – 1861...........................118 Quadro 4: horário e alimentação no Asilo da Ajuda, 1859.................................139 Quadro 5: Horário e distribuição das matérias nas Salas de Asilo vicentinas.......144 Quadro 6: Organização da Companhia das Filhas de Caridade e a expansão do Catolicismo Romanizado por meio da educação feminina - século XIX........155 Figura 3: Santa Catarina Labouré e a Medalha Milagrosa..................................161 Quadro 7: Horário diário das Filhas de Caridade - 1862...................................167 Quadro 8: Horário diário para as alunas internas (órfãs e pagantes - 1866)........169 Figura 4: Modelosde carteiras para as escolas vicentinas femininas.....................175 Quadro 9: Distribuição de horários e matérias das classes nas escolas vicentinas (internas e externas – 1866)...................................177 Quadro 10: recitação cotidiana das alunas das escolas vicentinas – 1866............182 Quadro 11: divisão das leituras cotidianas das Filhas de Caridade de São Vicente de Paulo – 1862............................................185 Quadro 12: Ordem dos livros para a leitura diária das educandas das Filhas de Caridade – 1866....................................................188 Apresentação O estudo sobre os processos e as práticas educativas em instituições confessionais, tanto católicas quanto protestantes, tem crescido visivelmente no campo da História da Educação no Brasil. Muito embora a educação pública e suas escolas tenham posição privilegiada no conjunto das pesquisas, cada vez mais se compreende a importância da educação privada e, nela, o papel central das escolas confessionais. Sem contar as instituições fundadas pela Companhia de Jesus e por outras ordens religiosas, entre os séculos XVI e XVIII, foi certamente a partir de meados do século XIX que as escolas confessionais foram sendo mais sistematicamente instaladas no Brasil, seja por ordens já aqui estabelecidas, seja por outras que então começaram a chegar. É este o caso das congregações femininas, entre as quais a Congregação das Filhas de Caridade de São Vicente de Paulo, objeto deste livro de Ana Cristina Pereira Lage. Derivado de sua tese de doutorado, o livro nos apresenta uma original abordagem do problema da instalação das congregações femininas no Brasil em meados dos oitocentos, para além das tradicionais aproximações com as doutrinas religiosas e morais orientadoras das pedagogias dessas instituições. Na verdade, o trabalho vai além das fronteiras brasileiras, procurando em Portugal as ligações possíveis e descobrindo um cenário muito mais complexo do que se poderia supor, envolvendo as disputas políticas nos quadros do liberalismo efervescente naquele século, e que se aproveitava da presença das congregações para seu fortalecimento, tanto para abrigá-las quanto para combatê-las. Muito mais do que um problema de expansão da fé e dos valores cristãos católicos por meio da educação escolar, a instalação e expansão das escolas confessionais significou a construção de um território educacional relacionado às elites e setores médios da sociedade, adequado à difusão de concepções e de práticas sociais e culturais portadoras de civilidade e de progresso. Especialmente para as mulheres, significava a construção de um espaço específico de educação controlada que procurava aperfeiçoar a formação das meninas e jovens, sem contudo afastá-las da expectativa dominante acerca de seus tradicionais papéis sociais. Assim, seria de se esperar que as escolas confessionais e o trabalho educacional das congregações femininas exercessem uma função mediadora entre os valores preconizados e as populações que seriam alvo de suas ações, assim como já teríamos visto ocorrer, por exemplo, durante o período colonial em relação às primeiras ordens religiosas chegadas à América portuguesa e seu trabalho catequético junto aos indígenas. Mas no caso das congregações chegadas no século XIX, já no alvorecer do segundo reinado, o cenário era distinto. Dirigiram-se para centros urbanos, em geral de alguma importância, nos quais haveria o público adequado, constituído não 11 Ana Cristina Pereira Lage somente de meninas e jovens das classes mais favorecidas, mas também daquelas às quais seria destinada a parcela assistencialista dos projetos educacionais das congregações. Experiente no estudo deste tipo de problema em relação a congregações atuantes no século XX, Ana Cristina Pereira Lage volta no tempo, e nos descortina um cenário complexo no qual, em meados do século XIX, a Igreja católica e os liberais travavam duro combate na Europa. Esse embate resultou, em alguns casos, no encolhimento das atividades educacionais das congregações religiosas, que viram na América a possibilidade de continuar o seu trabalho sem os entraves que encontravam em diversos países europeus. Com o apoio de notáveisda hierarquia eclesiástica, no caso em estudo o Bispo de Mariana, D. Antônio Ferreira Viçoso, migraram e trouxeram, além de suas pedagogias, suas culturas institucionais. Entre outros atributos, alguns aspectos do trabalho merecem destaque por sua originalidade, como a atenção dada ao papel de mediadoras culturais das Filhas de Caridade de São Vicente de Paulo, entre a cultura europeia e sua própria tradição, fincada no princípio da vida ativa dessas religiosas no seio da sociedade, e o universo no qual elas se inseriram na então Província de Minas Gerais, mais especificamente na cidade de Mariana. Inicialmente motivadas pelo trabalho de cunho assistencialista, logo promoveram inúmeras adaptações em suas atividades visando atender demandas surgidas das expectativas das elites locais em relação a uma instituição educacional confessional destinada a meninas. O ensino do francês, da música, a leitura e as boas maneiras representavam, para esses grupos sociais, o mundo polido e civilizado europeu e não poderiam deixar de integrar as atividades oferecidas pelas Filhas de Caridade em seu colégio. Os impactos culturais da presença da congregação na cidade mineira de Mariana são instigantemente analisados por meio das preciosas fontes levantadas, no Brasil e em Portugal, e que permitem a aproximação com o seu pensamento, suas práticas religiosas e pedagógicas, bem como com os problemas enfrentados no decorrer de sua missão. Esses impactos estão neste livro analisados como resultado das conexões, por meio das quais a cultura vicentina teria chegado a Minas Gerais, e que sofreriam, por sua vez, o impacto da cultura local. Neste ponto, Ana Cristina Pereira Lage enfrenta importantes questões historiográficas no campo da história cultural, na perspectiva das histórias conectadas e das culturas globalizadas. A intenção inicial de realizar um estudo comparado entre Brasil e Portugal levou a constatações surpreendentes sobre as sensíveis diferenças entre os discursos e as práticas do pensamento e da ação dos liberais nos dois países, em relação à Igreja, ao catolicismo e ao seu papel educacional, e acaba por ajudar na compreensão dos distanciamentos entre as atividades das Vicentinas nas duas cidades focalizadas, Mariana e Lisboa, além de trazer à tona antigas contendas entre a Igreja e a política, existentes desde o século XVIII. Importante observar que, o fato do estudo 12 Conexões Vicentinas concentrar-se, sobretudo em Mariana, no Colégio Providência fundado pelas Filhas de Caridade nesta cidade, em 1849, não reduz a análise aos aspectos escolares da educação por elas ministrada, mas vai além procurando sentido em outras práticas educativas diluídas entre as atividades desenvolvidas na instituição. Conexões Vicentinas: particularidades políticas e religiosas da educação confessional em Mariana e Lisboa oitocentistas nos abre importantes janelas para olhares mais cuidadosos sobre a história da educação e das instituições de caráter confessional, olhares voltados para o cotidiano e as práticas educativas e culturais, para as particularidades, generalidades e adaptações culturais, bem como para as políticas emanadas do Estado ou da Igreja voltadas para o assistencialismo e a educação, em contextos de transformações políticas e sociais significativas, como aquelas vividas por Portugal e Brasil na primeira metade do século XIX. Este livro é uma obra de inegável importância para a historiografia da educação. Thais Nívia de Lima e Fonseca Universidade Federal de Minas Gerais 13 Introdução (...) Este trabalho exigiu um estudo aprofundado de todas as circunstâncias da situação em que vocês se encontram, e um sério exame dos meios para indicar a manutenção em todas as diversas circunstâncias e a uniformidade de medidas necessárias para assegurar a uniformidade do espírito. Tivemos que unir todos os elementos deste trabalho, que contêm as informações respondidas nos formulários encaminhados para cada uma de nossas casas. Esses elementos, uma vez obtidos, devem avaliar o valor, coordenar e compor para vocês uma complexidade, suscetível de indicar a sua aplicação em cada uma de suas casas em todos os climas e entre todos os povos. Este trabalho requer necessariamente muito tempo, e não menos reflexão e devoção. Padre Étienne, Coutumier des maisons particulières de la compagnie des Filles de la Charité, 1862. Livre tradução O manuscrito de 1862 pretendia também distinguir as Filhas de Caridade do restante da população em seus diversos locais de habitação, não somente nas suas vestimentas, mas nas suas vivências e em seus pequenos detalhes de hábitos e costumes. As Regras da Comunidade seriam seguidas em todas as circunstâncias para garantir a longevidade e a expansão da organização por todas as regiões. Este trabalho trata da mobilidade, poder de ação, percepções da cultura organizacional e das conexões entre a Casa Mãe de Paris, a primeira instituição confessional feminina vicentina instalada em Minas Gerais (na cidade de Mariana) e em Portugal (na cidade de Lisboa) na segunda metade do século XIX. Supõe-se que essas instituições foram instaladas com a intenção de fortalecer o ideário católico, que passava a utilizar as mulheres como instrumentos de expansão de um novo discurso religioso, dentro dos quadros de uma Igreja considerada como Ultramontana (ou católica romanizada) e que propunha o fortalecimento do poder papal e universal. Por outro lado, deve-se considerar o fortalecimento e o desenvolvimento do discurso liberal, que valorizava as particularidades nacionais e as necessidades de cada indivíduo. Estabelecer as relações entre liberalismo e ultramontanismo é essencial para a compreensão das particularidades da instalação das Filhas de Caridade nos espaços estudados, que, principalmente por meio de suas atividades educativas, fortaleceram a circulação do ultramontanismo. A educação de crianças, especialmente de meninas, fundamentou a preparação de futuras esposas e mães, todas defensoras e multiplicadoras do catolicismo romanizado. A escolha dos recortes espaciais parte do princípio de analisar locais com níveis diferenciados de relação com o ultramon15