CONEXÕES VICENTINAS
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©2013Ana Cristina Pereira Lage
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permissão da editora e/ou autor.
L135 Lage, Ana Cristina Pereira.
Conexões Vicentinas: Particularidades Políticas e Religiosas da Educação
Confessional em Mariana e Lisboa Oitocentistas/Ana Cristina Pereira Lage.
Jundiaí, Paco Editorial: 2013.
220 p. Inclui bibliografia.
ISBN: 978-85-8148-346-7
1. Filhas de Caridade 2. Educação 3. História 4. Religião I. Lage, Ana
Cristina Pereira.
CDD: 901
Índices para catálogo sistemático:
História
Religião
901
200
IMPRESSO NO BRASIL
PRINTED IN BRAZIL
Foi feito Depósito Legal
Dedico às pessoas que foram os pilares da minha educação.
À minha mãe, Antonisa. Ao meu pai, Miguel.
Ao Marcus, irmão ausente e tão presente sempre.
Agradecimentos
Nos bastidores da pesquisa, várias pessoas estiveram presentes.
É difícil listar todos aqui e tomo a liberdade de citar apenas alguns destes coadjuvantes.
Inicialmente à minha orientadora, Dra. Thaís Nívia de Lima e Fonseca, que
apontou diversos caminhos para a escrita e a configuração desta pesquisa. Ao doutor
Justino Pereira Magalhães, coorientador português, pela atenção, solicitude e acompanhamentos nas incursões na Torre do Tombo. Ao Dr. Ivan Aparecido Manoel,
pelas contribuições de seus escritos e os diálogos. Aos meus colegas do GEPHE/
UFMG, especialmente à querida Verônica Albano. Aos inesquecíveis colegas da Universidade de Lisboa, companheiros de seminários de leitura e de longos passeios. A
estada em Lisboa só foi possível pela companhia das inesquecíveis amigas historiadoras Pollyanna Mendonça e Ana Paula Costa, que me apoiaram tanto nas lindas e
alegres incursões no Continente Europeu, quanto nos intermináveis dias da Torre
do Tombo, quando escravos armados em Minas Gerais, padres de moral duvidosa
do Maranhão e freiras vicentinas francesas misturavam-se nos diversos documentos
que solicitávamos para consulta... Enfim, o voo de uma abelha só foi possível com o
auxílio e a amizade verdadeira destas companheiras!
Gostaria de agradecer especialmente aos meus familiares pelo apoio e paciência.
Aos meus pais, aos meus irmãos presentes, cunhadas e cunhados, tios e tias, pela
compreensão dos meus distanciamentos. Aos meus irmãos ausentes, Marcos e Geraldo, pelos anos alegres de suas vidas e que, de uma forma ou de outra, contribuíram
para a minha formação. Aos lindos e queridos sobrinhos – Túlio, Giulia, Rodrigo e
Débora. Amigas são aquelas que compreendem os nossos sumiços, a falta de tempo
para o bate-papo e esperam pacientemente para dar a mão nos momentos de cansaço, desespero, e nos proporcionam alegria. Sei que tenho essas amigas e agradeço
especialmente à Cláudia, Beth, Tel e Cida.
Todos os funcionários dos arquivos consultados foram fundamentais para este
resultado que agora apresento: da Cúria de Mariana, da Biblioteca da Ajuda, da
Biblioteca Nacional de Portugal e, especialmente da Torre do Tombo, que acolhem
os brasileiros com tanto carinho. Também agradeço aqueles responsáveis anônimos
que digitalizaram e disponibilizaram tantos documentos on-line e que foram consultados nesta obra.
Este trabalho não seria possível sem o grande auxílio do ex-aluno, e hoje amigo,
Moacir Maia, que intermediou vários contatos e ainda disponibilizou a cópia de
vários documentos que eu nunca poderia consultar sem o seu auxilio.
Tenho dois agradecimentos para as Filhas de Caridade de São Vicente de Paulo:
inicialmente, às bravas mulheres francesas do século XIX, que enfrentaram longas
distâncias, adaptaram-se em outras terras e deixaram várias pistas para que eu conseguisse escrever um pouco dessa história; em segundo lugar, tenho também que
agradecer às irmãs vicentinas do século XXI que, em seus silêncios e negativas para as
consultas aos seus acervos, mostraram-me como os contatos e as transformações culturais que sofreram nos lugares que ocuparam proporcionaram identidades e transformações em suas culturas organizacionais, tão distantes dos princípios daquelas
mulheres do século XIX.
À Capes, pelo auxílio financeiro na concessão da Bolsa Sanduíche no primeiro
semestre de 2009.
Sumário
Apresentação.............................................................................................11
Introdução..........................................................................................................15
Capítulo 1
Igreja, Política e Educação:
Expansão e Conexão das Filhas de Caridade de São Vicente de Paulo..................27
1. Tensões políticas e religiosas.............................................................................27
2. A Igreja Ultramontana.....................................................................................33
3. Política, catolicismo, gênero e educação............................................................37
4. Identidades das Filhas de Caridade de São Vicente de Paulo............................45
Capítulo 2
Particularidades Mineiras: A Instalação das Filhas de Caridade em Mariana (1849)......59
1. Política e religião: movimentos de expansão do ensino confessional feminino.........60
2. O bispo D. Antônio Ferreira Viçoso: a reforma pela educação..........................71
3. A instalação das Filhas de Caridade em Mariana..............................................77
4. Práticas educativas das Filhas de Caridade em Mariana....................................89
Capítulo 3
Particularidades Portuguesas:
a (des)instalação das Filhas de Caridade em Lisboa (1862)..................................101
1. Política, religião e educação:
impasses para a instalação das Filhas de Caridade francesas em Portugal............102
2. A presença das Filhas de Caridade francesas
em Lisboa e os conflitos nas páginas periódicas..................................................116
3. Práticas educativas das Filhas de Caridade nos asilos lisboetas........................128
Capítulo 4
As Práticas Vicentinas Conectadas......................................................................147
1. Mediadoras da conexão: as Filhas de Caridade de São Vicente de Paulo.........148
2. As Filhas de Maria: a seleção das melhores agentes para a expansão católica...155
3. Os costumes das Filhas de Caridade e de suas alunas......................................162
4. A educação feminina mundializada................................................................167
5. Práticas de leituras das Filhas de Caridade e suas alunas..................................180
Considerações Finais..........................................................................................187
Referências........................................................................................................191
Lista de figuras e quadros
Quadro 1: Expansão das Filhas de Caridade (1633-1859).....................................54
Figura 1: Expansão das Filhas de Caridade de São
Vicente de Paulo nos séculos XVII, XVIII e XIX.................................................56
Figura 2: Roteiro da viagem das Filhas de Caridade
de São Vicente de Paulo no Brasil em 1849.........................................................81
Quadro 2: Alunas do Colégio Providência, do Colégio das Órfãs
e do Hospital administrados pelas Filhas de Caridade em Mariana (1855-1882).......102
Quadro 3: Presença das Filhas de Caridade em Lisboa – 1861...........................118
Quadro 4: horário e alimentação no Asilo da Ajuda, 1859.................................139
Quadro 5: Horário e distribuição das matérias nas Salas de Asilo vicentinas.......144
Quadro 6: Organização da Companhia das Filhas de Caridade e a expansão
do Catolicismo Romanizado por meio da educação feminina - século XIX........155
Figura 3: Santa Catarina Labouré e a Medalha Milagrosa..................................161
Quadro 7: Horário diário das Filhas de Caridade - 1862...................................167
Quadro 8: Horário diário para as alunas internas (órfãs e pagantes - 1866)........169
Figura 4: Modelosde carteiras para as escolas vicentinas femininas.....................175
Quadro 9: Distribuição de horários e matérias das
classes nas escolas vicentinas (internas e externas – 1866)...................................177
Quadro 10: recitação cotidiana das alunas das escolas vicentinas – 1866............182
Quadro 11: divisão das leituras cotidianas das
Filhas de Caridade de São Vicente de Paulo – 1862............................................185
Quadro 12: Ordem dos livros para a leitura diária
das educandas das Filhas de Caridade – 1866....................................................188
Apresentação
O estudo sobre os processos e as práticas educativas em instituições confessionais,
tanto católicas quanto protestantes, tem crescido visivelmente no campo da História
da Educação no Brasil. Muito embora a educação pública e suas escolas tenham posição privilegiada no conjunto das pesquisas, cada vez mais se compreende a importância da educação privada e, nela, o papel central das escolas confessionais. Sem contar
as instituições fundadas pela Companhia de Jesus e por outras ordens religiosas, entre
os séculos XVI e XVIII, foi certamente a partir de meados do século XIX que as escolas confessionais foram sendo mais sistematicamente instaladas no Brasil, seja por
ordens já aqui estabelecidas, seja por outras que então começaram a chegar. É este o
caso das congregações femininas, entre as quais a Congregação das Filhas de Caridade
de São Vicente de Paulo, objeto deste livro de Ana Cristina Pereira Lage.
Derivado de sua tese de doutorado, o livro nos apresenta uma original abordagem do problema da instalação das congregações femininas no Brasil em meados
dos oitocentos, para além das tradicionais aproximações com as doutrinas religiosas
e morais orientadoras das pedagogias dessas instituições. Na verdade, o trabalho vai
além das fronteiras brasileiras, procurando em Portugal as ligações possíveis e descobrindo um cenário muito mais complexo do que se poderia supor, envolvendo as
disputas políticas nos quadros do liberalismo efervescente naquele século, e que se
aproveitava da presença das congregações para seu fortalecimento, tanto para abrigá-las quanto para combatê-las.
Muito mais do que um problema de expansão da fé e dos valores cristãos católicos por meio da educação escolar, a instalação e expansão das escolas confessionais
significou a construção de um território educacional relacionado às elites e setores
médios da sociedade, adequado à difusão de concepções e de práticas sociais e culturais portadoras de civilidade e de progresso. Especialmente para as mulheres, significava a construção de um espaço específico de educação controlada que procurava
aperfeiçoar a formação das meninas e jovens, sem contudo afastá-las da expectativa
dominante acerca de seus tradicionais papéis sociais.
Assim, seria de se esperar que as escolas confessionais e o trabalho educacional
das congregações femininas exercessem uma função mediadora entre os valores preconizados e as populações que seriam alvo de suas ações, assim como já teríamos
visto ocorrer, por exemplo, durante o período colonial em relação às primeiras ordens religiosas chegadas à América portuguesa e seu trabalho catequético junto aos
indígenas. Mas no caso das congregações chegadas no século XIX, já no alvorecer
do segundo reinado, o cenário era distinto. Dirigiram-se para centros urbanos, em
geral de alguma importância, nos quais haveria o público adequado, constituído não
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Ana Cristina Pereira Lage
somente de meninas e jovens das classes mais favorecidas, mas também daquelas às
quais seria destinada a parcela assistencialista dos projetos educacionais das congregações.
Experiente no estudo deste tipo de problema em relação a congregações atuantes no século XX, Ana Cristina Pereira Lage volta no tempo, e nos descortina um
cenário complexo no qual, em meados do século XIX, a Igreja católica e os liberais
travavam duro combate na Europa. Esse embate resultou, em alguns casos, no encolhimento das atividades educacionais das congregações religiosas, que viram na
América a possibilidade de continuar o seu trabalho sem os entraves que encontravam em diversos países europeus. Com o apoio de notáveisda hierarquia eclesiástica,
no caso em estudo o Bispo de Mariana, D. Antônio Ferreira Viçoso, migraram e
trouxeram, além de suas pedagogias, suas culturas institucionais.
Entre outros atributos, alguns aspectos do trabalho merecem destaque por sua
originalidade, como a atenção dada ao papel de mediadoras culturais das Filhas de
Caridade de São Vicente de Paulo, entre a cultura europeia e sua própria tradição,
fincada no princípio da vida ativa dessas religiosas no seio da sociedade, e o universo
no qual elas se inseriram na então Província de Minas Gerais, mais especificamente na cidade de Mariana. Inicialmente motivadas pelo trabalho de cunho assistencialista, logo promoveram inúmeras adaptações em suas atividades visando atender
demandas surgidas das expectativas das elites locais em relação a uma instituição
educacional confessional destinada a meninas. O ensino do francês, da música, a
leitura e as boas maneiras representavam, para esses grupos sociais, o mundo polido
e civilizado europeu e não poderiam deixar de integrar as atividades oferecidas pelas
Filhas de Caridade em seu colégio.
Os impactos culturais da presença da congregação na cidade mineira de Mariana
são instigantemente analisados por meio das preciosas fontes levantadas, no Brasil e
em Portugal, e que permitem a aproximação com o seu pensamento, suas práticas religiosas e pedagógicas, bem como com os problemas enfrentados no decorrer de sua
missão. Esses impactos estão neste livro analisados como resultado das conexões, por
meio das quais a cultura vicentina teria chegado a Minas Gerais, e que sofreriam, por
sua vez, o impacto da cultura local. Neste ponto, Ana Cristina Pereira Lage enfrenta
importantes questões historiográficas no campo da história cultural, na perspectiva
das histórias conectadas e das culturas globalizadas.
A intenção inicial de realizar um estudo comparado entre Brasil e Portugal levou
a constatações surpreendentes sobre as sensíveis diferenças entre os discursos e as
práticas do pensamento e da ação dos liberais nos dois países, em relação à Igreja, ao catolicismo e ao seu papel educacional, e acaba por ajudar na compreensão
dos distanciamentos entre as atividades das Vicentinas nas duas cidades focalizadas,
Mariana e Lisboa, além de trazer à tona antigas contendas entre a Igreja e a política, existentes desde o século XVIII. Importante observar que, o fato do estudo
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Conexões Vicentinas
concentrar-se, sobretudo em Mariana, no Colégio Providência fundado pelas Filhas
de Caridade nesta cidade, em 1849, não reduz a análise aos aspectos escolares da
educação por elas ministrada, mas vai além procurando sentido em outras práticas
educativas diluídas entre as atividades desenvolvidas na instituição.
Conexões Vicentinas: particularidades políticas e religiosas da educação confessional em Mariana e Lisboa oitocentistas nos abre importantes janelas para olhares
mais cuidadosos sobre a história da educação e das instituições de caráter confessional, olhares voltados para o cotidiano e as práticas educativas e culturais, para as
particularidades, generalidades e adaptações culturais, bem como para as políticas
emanadas do Estado ou da Igreja voltadas para o assistencialismo e a educação, em
contextos de transformações políticas e sociais significativas, como aquelas vividas
por Portugal e Brasil na primeira metade do século XIX. Este livro é uma obra de
inegável importância para a historiografia da educação.
Thais Nívia de Lima e Fonseca
Universidade Federal de Minas Gerais
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Introdução
(...) Este trabalho exigiu um estudo aprofundado de todas as
circunstâncias da situação em que vocês se encontram, e um
sério exame dos meios para indicar a manutenção em todas as
diversas circunstâncias e a uniformidade de medidas necessárias
para assegurar a uniformidade do espírito. Tivemos que unir
todos os elementos deste trabalho, que contêm as informações
respondidas nos formulários encaminhados para cada uma de
nossas casas. Esses elementos, uma vez obtidos, devem avaliar o
valor, coordenar e compor para vocês uma complexidade, suscetível de indicar a sua aplicação em cada uma de suas casas
em todos os climas e entre todos os povos. Este trabalho requer
necessariamente muito tempo, e não menos reflexão e devoção.
Padre Étienne, Coutumier des maisons particulières de la
compagnie des Filles de la Charité, 1862. Livre tradução
O manuscrito de 1862 pretendia também distinguir as Filhas de Caridade do
restante da população em seus diversos locais de habitação, não somente nas suas
vestimentas, mas nas suas vivências e em seus pequenos detalhes de hábitos e costumes. As Regras da Comunidade seriam seguidas em todas as circunstâncias para
garantir a longevidade e a expansão da organização por todas as regiões.
Este trabalho trata da mobilidade, poder de ação, percepções da cultura organizacional e das conexões entre a Casa Mãe de Paris, a primeira instituição confessional
feminina vicentina instalada em Minas Gerais (na cidade de Mariana) e em Portugal
(na cidade de Lisboa) na segunda metade do século XIX. Supõe-se que essas instituições foram instaladas com a intenção de fortalecer o ideário católico, que passava a
utilizar as mulheres como instrumentos de expansão de um novo discurso religioso,
dentro dos quadros de uma Igreja considerada como Ultramontana (ou católica romanizada) e que propunha o fortalecimento do poder papal e universal.
Por outro lado, deve-se considerar o fortalecimento e o desenvolvimento do discurso liberal, que valorizava as particularidades nacionais e as necessidades de cada
indivíduo. Estabelecer as relações entre liberalismo e ultramontanismo é essencial
para a compreensão das particularidades da instalação das Filhas de Caridade nos
espaços estudados, que, principalmente por meio de suas atividades educativas, fortaleceram a circulação do ultramontanismo. A educação de crianças, especialmente
de meninas, fundamentou a preparação de futuras esposas e mães, todas defensoras
e multiplicadoras do catolicismo romanizado. A escolha dos recortes espaciais parte
do princípio de analisar locais com níveis diferenciados de relação com o ultramon15
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