Escolas públicas apostam na tecnologia dentro das salas de aula
Fantástico - G1 Globo.com - 03/03/2013 - Rio de Janeiro, RJ
Imagine alunos de séries diferentes misturados todos no mesmo ambiente, estudando
em computadores e celulares de última geração. Em vez de provas, jogos de computador --e
quem acerta passa de fase. Essas inovações já estão acontecendo em escolas públicas e
particulares no brasil.
Quem tem mais de 30 anos, quando estava na escola a aula era na frente. Um muro
dividia o mundo, Plutão ainda era um planeta e suas pesquisas eram feitas só nos livros. Mas
quem é mais novo e está agora na escola já se acostumou a encontrar informação em um
clique. A escola mudou. Qual vai ser o papel da tecnologia na sala de aula do futuro?
Além de morarem na comunidade da Rocinha, no Rio de Janeiro, Maria Clara e
Giovanni Barroso têm em comum o fato de estarem sempre na frente de uma tela.
Maria Clara já sabe mexer no computador.
Giovanni gosta tanto dos joguinhos que mal consegue prestar atenção em outra
coisa. “Tem campo minado, xadrez, copa...” contou o menino, enquanto utiliza o laptop.
Os dois, tão acostumados a ter sempre uma resposta na ponta dos dedos, não sabiam,
mas nas férias de verão a escola municipal em que eles estudam tava sendo posta de cabeça
pra baixo.
As paredes caíram, agora é tudo um espaço só. E os móveis novos seguem o projeto
pedagógico iniciado este ano.
“Os móveis têm múltiplos usos. A cadeira pode virar uma coluna, uma estante. O
banco vira material de exposição. O banco vira uma estante, a estante vira banco. O projeto
do ambiente da escola serve justamente a esse propósito de autonomia, construção,
desconstrução, pensar, repensar”, diz o designer Jair Souza.
No primeiro dia de aula, a Maria Clara e o Giovanni tiveram uma surpresa: eles e os
outros alunos do sétimo ano foram misturados com estudantes do oitavo e do nono ano. Do
total de 180 alunos, formaram-se grupos de seis, para trabalhar em mesas redondas. Não há
professor na frente da sala, não há um ponto para onde todos têm que olhar ao mesmo tempo.
É onde a tecnologia entra no projeto da Rocinha: cada aluno vai usar um computador.
“A espinha dorsal desse tipo de trabalho aqui é tentar formar dentro do aluno o
interesse em aprender. De dentro para fora. E assim ele vai buscar, na internet ou com as
tecnologias, e a gente vai ajudar”, disse o professor de matemática Sérgio Luís de Matos.
Os professores passam a ser orientadores nessa busca de informações. E toda
semana, os grupos de alunos vão mudar, de acordo com habilidades e necessidades
detectadas em testes feitos nos computadores.
“Existem outras escolas inovadoras, não só no Brasil, mas em outros países do
mundo também. A grande maioria delas aposta na ajuda das novas tecnologias pra auxiliar o
aumento da qualidade da aprendizagem. A tecnologia é uma ferramenta, um facilitador”,
explica o subsecretário de Novas Tecnologias Educacionais do Rio de Janeiro, Rafael
Parente, sobre o porquê de a tecnologia exercer um papel tão fundamental.
Uma das escolas usadas como referência fica em Nova York. É chamada de School
of One, ao pé da letra `escola do um`. Nas aulas de matemática, os alunos chegam e vêem no
mural o que vão fazer naquele dia. A tarefa é determinada pelo resultado de cada um nas
atividades do dia anterior.
A diretora explica que, assim, os professores podem focar no ritmo de aprendizagem
de cada aluno e não precisam esperar as provas pra descobrir as dificuldades deles.
O método é usado há três anos, e esses alunos começaram a se sair muito melhor nos
testes estaduais de matemática.
Respeitar o tempo de cada um é a principal ideia de outro americano. Salman Khan
estudou em Harvard, e foi tão bom aluno que teve o diploma entregue pelo então presidente
Bill Clinton. Um dia, a sobrinha de Salman teve dificuldades em matemática. Ele morava
longe e começou a explicar pela internet. Outros parentes pediram ajuda; Khan começou a
postar as explicações. Hoje, esses vídeos têm mais de seis milhões de acessos por mês.
Salman Khan, que veio a São Paulo em fevereiro, diz que é coisa do passado ter 30
carteiras olhando para um quadro-negro, que os alunos não precisam andar juntos,
compassados. “Não é preciso separar os alunos por idade, os mais velhos podem ajudar os
mais novos”, diz. Ele fundou a Khan Academy e espalhou pelo mundo todas as videoaulas de
matemática e de outras oito matérias.
A tradução para o português foi feita pela Fundação Lemann. E os vídeos chegaram
a uma escola pública do bairro Capão Redondo, em São Paulo. É lá que Ana Beatriz de
Souza estuda. Uma vez por semana, ela tem uma aula diferente.
Os alunos se organizam de acordo com os resultados conseguidos na semana
anterior. Cada um deles pega o seu computador e começa a jogar. A Ana Beatriz está
aprendendo subtração.
“Então a gente vai conseguindo passar de níveis. Eu já estou na Subtração II. Estou
conseguindo e estou melhorando na matemática”, diz Beatriz. A regra do jogo é esta: a cada
exercício que a Beatriz acerta, ela ganha um planeta do sistema solar. Quem dá asas à
imaginação consegue transformar a aula numa grande aventura. “Se acertar tudo, vai chegar
lá no sol”, conta a menina. Se a Beatriz acha difícil uma questão, e a viagem espacial é
interrompida, ela busca na tela um dos vídeos do Salman Khan.
No fim, os professores recebem um relatório gerado pelo computador. Ficam
sabendo na mesma hora quem precisa de ajuda, quem evoluiu e como a turma deve ser
organizada na semana seguinte.
Em uma escola particular, também em São Paulo, cada um dos alunos têm, cada um,
um tablet. Mas todos acompanham juntos as projeções feitas pelos professores. É como se as
velhas apostilas ganhassem a uma versão virtual.
“O que nós fazíamos em 50 minutos, agora a gente consegue fazer em 10, 15. O
professor ganha tempo, condição de melhorar as aulas e o aluno ganha muito mais conteúdo,
conhecimento e prazer. A gente vê que eles fazem com prazer”, conta a professora Sandra
Petracco.
O programa criado por uma empresa mexicana já foi vendido para 700 escolas na
América Latina, 150 só no Brasil. Para o estudioso da informática educacional Henrique
Sobreiro, é preciso avançar e mudar os métodos.
“Nós ainda estamos numa fase de usar a tecnologia para fazer as coisas velhas. Ou
seja, fazer melhores provas, fazer o aluno prestar mais atenção, fazer o professor dar
melhores aulas. O que a tecnologia serve é para aula, para escola, ser diferente”, analisa
Sobreiro, doutor em educação pela Uerj.
A maior iniciativa do governo federal ainda aponta para a primeira etapa desse
processo todo: a inclusão digital dos professores da rede pública. No ano passado, o
Ministério da Educação repassou R$ 180 milhões aos estados para a compra de 600 mil
tablets, que vão ser entregues a esses profissionais. Agora, aos poucos, os estados estão vendo
o que fazer com a verba.
Em Minas Gerais, a Secretaria de Educação comprou 62 mil tablets, que vão ser
distribuídos para todos os professores do ensino médio da rede pública. O primeiro grupo está
sendo capacitado para o uso da nova tecnologia. O primeiro aplicativo instalado no tablet
serve para ensinar os professores a usar a tecnologia touch screen. “Com a entrada da
tecnologia, seja reinventando o tablet e outras coisas que vão para a sala de aula, a educação
passa a ter um pouquinho mais de sentido para o aluno”, diz o professor Davi Barroso.
Experiências como a da Rocinha são mais caras: a escola custou R$ 3,5 milhões.
Para conseguir esse dinheiro todo, a prefeitura fez parceria com 17 empresas.
“É uma falha pensar que existe uma privatização da educação quando isso sempre
existiu. Eu acho que a cautela principal é: o que os alunos aprendem não pode ser
influenciado pelas empresas. Elas podem até questionar, mas elas não podem decidir”, conta
o subsecretário Rafael Parente.
E tudo ainda são apostas.
“São poucas experiências, mesmo em nível mundial, que tenham realmente uma
mudança de paradigma da educação instalada nas suas escolas, que você possa medir o
impacto da tecnologia”, avalia a doutora em psicologia da educação da PUC de São Paulo
Maria Alice Setúbal.
“A importância da introdução da informática na escola não é para melhorar o
rendimento escolar, é porque a informática faz parte do mundo. Então, se você não dá
habilidades de começar a controlar essa máquina, você está retirando uma possibilidade de
cidadania dela. A questão é como é que nós vamos melhorar a sociedade sem que, na escola,
a gente ensine as crianças a dominar esse equipamento”, conclui Sobreiro.
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