Linhas de Empenho Europeias:
"A criação: dom de amor, dom para amar, dom para curar"
Fátima, 19 de Maio de 2011
A criação: dom de amor, dom para amar, dom para cuidar
Mons. Domenico Sigalini
Partir do princípio: No princípio Deus criou o céu e a terra (Gn 1, 1)
É necessário que aprofundemos o significado desta palavra, que volta frequentemente na
bíblia e uma vez também nos lábio de Jesus. O princípio é o ponto de partida também do evangelho
de João “No princípio era a Palavra” (Jo 1,1). Quando no evangelho fala-se da possibilidade do
repúdio da mulher por parte do marido, Jesus diz: “não foi assim desde o princípio” (Mt 19,8).
Princípio não é só no sentido da primeira coisa que se fez ou que começou a existir, mas no sentido
da indefectível permanência do plano e da vontade do Criador.O que Deus fez desde o princípio
permanece válido para sempre, para todas as estações, é mais jovem e atual do que toda inovação,
mais moderno do que toda atualização, também competente. É algo que não pertence à história e
tanto menos à pré-história. Deus não é histórico, nem pré-histórico, Deus é e basta. Portanto, como
Deus, este princípio está presente em toda a história e permanece para sempre como impulso e
medida da história, faz-se contínuo juízo sobre ela. O princípio, em suma, não é um componente do
mundo, mas é o que o fez e continua a fazê-lo existir.
Para Jesus o princípio é a intenção do Criador, do qual tudo teve e continua a ter origem.
Para Ele qualquer derrogação acontecida no passado, mais cedo ou mais tarde, conclui-se, porque o
plano inicial de Deus permanece atual e constitui um princípio de reforma incessante para a
humanidade e para todo ser humano.
Princípio é o que no mundo e nos seres humanos vem de Deus, e é por isso destinado a ter
muito mais futuro do que, sucessivamente, vem do homem.
Aqui funda-se a esperança e o otimismo bíblico. A nossa vida tem sentido se nos
sintonizamos com o a verdade de Deus que não menoscaba nunca. Os homens de Deus da história
sacra, os profetas na sua vida terão uma única finalidade: prepararem um futuro mais fiel, não
certamente aludindo a uma passado obra de homens, mas ao Princípio de Deus, que é a fonte de
toda verdadeira novidade, até mesmo fazendo críticas ferozes ao presente. Entendemos então o
valor grande da Memória e a desgraça do esquecimento.
Isto é muito importante para esclarecer que todos os nossos discursos sobre o respeito da
criação, sobre a ecologia, sobre o mesmo título da nossa reflexão não são um pedido de uma
possível compaixão, que nos faz passar por gente que faz moralismo, gente que põe junto uma
pletora de recomendações de conduta passável, politicamente correta, nostálgicos de uma natureza
incontaminada ou fautores de uma volta à déia Terra ou a algum rito pagão. Não, nós nos referimos
à grandeza de um projeto de Deus que está antes de nós e que existirá também depois de nós e que
nós queremos seguir fielmente, na elaboração do pensamento, no estupor da maravilha, na explosão
da gratidão e na projeção de estilos responsáveis de vida comunitária e pessoal.
Não nos reportamos simplesmente com um mundo de princípios e de valores, tanto menos
com algum ideal utópico e inalcançável, mas com a verdade, com o sentido das coisas, reais,
existentes, assim como Deus as fez e as quer. E assim como Deus não destruiu, nem tem intenção
de destruir o seu mundo, não obstante todas as poluições que por nossa causa afligem-no, o mundo
permanece sempre e também hoje centrado sobre o Princípio, mais que sobre qualquer outro
fundamento.
E qual é o princípio?
1
No princípio Deus criou o céu e a terra (Gn 1,1). Este é o anúncio, o início de uma
revelação, não é a introdução de um texto de cosmologia ou de ciências naturais. Deus quer
somente dizer-nos que tudo o que existe foi Ele quem criou. Tudo o que existe, tudo aquilo que
vejo, todas as coisas, eu, tu, todos nós, procedemos de um sim que Deus disse e continua a dizernos. O Princípio é a qualidade do ser, própria de Deus, que torna Deus contemporâneo ao passado,
ao presente e ao futuro dos homens. Pelo qual o que o Pai pensa, o modo com o qual fez as coisas
desde o início é mais atual do que todas as atualizações que os homens podem fazer ao passado. As
atualizações fazem-se sobre o que foi carcomido pelo tempo, sobre o que sofreu um envelhecimento
que descoloriu as coisas, não sobre o que Deus faz, que não envelhece nunca. Deus é sempre mais
jovem do que todos nós. Jesus não veio para atualizar a lei de Deus, mas para reproclamar o
Princípio.
O primeiro grande cântico das criaturas: a criação bela, boa, dom de amor, libertada de todo
ídolo.
Podemos assim definir os dois grandes afrescos com os quais a bíblia descreve a criação em
Gn 1, 1-2,4a e em Gn 2,4b-25. São dois textos de feitio diverso, mas ambos têm a mesma
mensagem teológica e espiritual: Deus criou o universo e o homem. Toda a narração tem um único
sujeito: o Criador, Elohim, repetido 35 vezes. Os verbos que lhe são atribuídos são: criou, disse,
viu, separou, chamou, fez, pôs, abençoou, deu, levou a cabo, cessou, consagrou.
A ação do Criador é produtora de ordem, de beleza, de harmonia, de sentido. Deus não nos
entrega um caos, este existia antes. O verbo fazer é bará, um verbo que só Deus pode realizar, é
fazer sem limites, um verbo de criação e aliança. Com Ele o caos torna-se cosmos. À bíblia
interessa sim dizer que as coisas foram feitas, mas sobretudo que foram criadas com qualidade,
belas, boas, distintas, ordenadas, luminosas. A criação é um dom de amor, um amor que pede logo
colaboração. A criatura não deve estar entorpecida e sufocada, tem a própria parte ativa no obra de
Deus, isto sobretudo quando aparece o homem e vem-lhe entregue este dom de amor. Esta página
não é uma pura relação histórica, mas é uma página de amor que se repete no tempo. É uma semana
tipo que vem realizada por Deus cada dia para nós. É a comemoração infinitamente repetida do
“começar” de Deus, uma ação constantemente presente. É um evento cumprido, mas que continua a
produzir-se incessantemente sob os nossos olhos. Onde Deus põe as mãos, o mundo sai da confusão
e torna-se sete vezes belo.
Se queremos fazer-nos responsáveis da criação, devemos contemplá-la como dom no qual
tudo e todos estão postos no seu verdadeiro lugar, provar aquela atmosfera austera e libertadora,
captar a paz que exala desta primeira página da bíblia, gozar do sentido e do gosto pela ordem
divina. O universo é belo e bom porque é seu. Ninguém pode apropriar-se dele, nem sequer a igreja.
É Deus o Senhor do mundo. Não há pessimismo que resista, o mal não é mais forte do que o bem e
a nossa fé na bondade da criação está alicerçada sete vezes na palavra de Deus.
Escutemo-la, contemplando a sua descrição.
2
I
«Elohim disse: “Faça-se a luz!”.
CORO: E a luz se fez.
Elohim viu que a luz era boa. (tob)
CRONISTA: Elohim separou a luz das trevas.
À luz Elohim chamou “Dia”
e às trevas chamou “Noite”.
CORO: Houve uma tarde e uma manhã: o Primeiro Dia.
II
CRONISTA: Elohim disse: “Faça-se um firmamento entre as águas, separando umas das
outras”.
Elohim fez o firmamento: “Céu”.
CORO: Houve uma tarde e uma manhã: o Segundo dia.
III
CRONISTA: Elohim disse: “Juntem-se num único lugar as águas que estão debaixo do céu,
para que apareça o solo firme”.
CORO: E assim se fez.
CRONISTA: Ao solo firme Elohim chamou: “Terra” e ao ajuntamento das águas: “Mar”.
CORO: E Elohim viu que era bom. (tob)
CRONISTA: E Elohim disse: “A terra faça brotar vegetação: plantas, que dêem sementes e
árvores frutíferas, que dêem fruto sobre a terra, tendo em si a semente da sua espécie”.
CORO: E assim se fez.
CRONISTA: Elohim disse: “A terra faça brotar vegetação:
plantas, que dêem semente,
e árvores frutíferas,
que dêem fruto sobre a terra, tendo em si a
semente de sua espécie”.
CORO: E assim se fez.
CRONISTA: A terra produziu vegetação:
plantas, que dão a semente de sua espécie,
e árvores, que dão fruto
com a semente de sua espécie.
CORO: E Elohim viu que era bom. (tob) Houve uma tarde e uma manhã: o Terceiro dia.
3
IV
CRONISTA: Elohim disse: “Façam-se luzeiros no firmamento do céu
para separar o dia da noite.
Que sirvam de sinal para marcar as festas,
os dias e os anos.
E, como luzeiros no firmamento do céu,
sirvam para iluminar a terra”.
CORO: E assim se fez.
CRONISTA: Elohim fez os dois grandes luzeiros:
o luzeiro maior para governar o dia
e o luzeiro menor para governar a noite,
e as estrelas.
Elohim os colocou no firmamento do céu
para alumiar a terra,
governar o dia e a noite
e separar a luz das trevas.
CORO: E Elohim viu que era bom. (tob)
Houve uma tarde e uma manhã: o Quarto dia.
V
CRONISTA: Elohim disse: “Fervilhem as águas de seres vivos
e voem pássaros sobre a terra
no espaço debaixo do firmamento”.
Elohim criou os grandes monstros
e todos os seres vivos, que nadam, fervilhando nas águas,
segundo as suas espécies,
e todas as aves, segundo suas espécies.
CORO: E Elohim viu que era bom. (tob)
CRONISTA: Elohim os abençoou (wayebarekn ‘otham), com as palavras:
“Sede fecundos e multiplicai-vos
e enchei as águas do mar
e multipliquem-se as aves sobre a terra”.
CORO: Houve uma tarde e uma manhã: o Quinto dia.
VI
CRONISTA: Elohim disse: “Produza a terra seres vivos
segundo suas espécies,
animais domésticos, répteis e animais selvagens,
segundo suas espécies”.
CORO: E assim se fez.
4
CRONISTA: Elohim fez os animais selvagens
segundo suas espécies,
os animais domésticos segundo suas espécies
e todos os répteis do solo segundo suas espécies.
CORO: E Elohim viu que era bom.
CRONISTA: Elohim disse:
“Façamos Adam (o Lamacento o Terreno, de adamah, terra)
à nossa imagem
e segundo nossa semelhança,
para que domine sobre os peixes do mar,
as aves do céu,
os animais domésticos e todos os animais selvagens
e todos os répteis que se arrastam sobre a terra”.
CORO: Elohim criou Adam à sua imagem,
à imagem de Elohim o criou,
macho e fêmea (zakhar uneqebah) ele os criou.
CRONISTA: E Elohim os abençoou
e lhes disse:
“Sede fecundos e multiplicai-vos,
enchei e subjugai a terra!
Dominai sobre os peixes do mar,
sobre as aves do céu
e sobre tudo que vive
e se move sobre a terra”.
Elohim disse:
“Eis que vos dou toda erva
de semente, que existe sobre toda a face da terra,
e toda árvore que produz fruto
com semente,
para vos servirem de alimento.
E a todos os animais da terra,
a todas as aves do céu
e a todos os seres vivos que rastejam sobre a terra,
eu lhes dou todos os vegetais para alimento”.
CORO: E assim se fez.
E Elohim viu tudo quanto havia feito e achou que era muito bom. (tob me’od)
Houve uma tarde e uma manhã: o Sexto dia.
CRONISTA: E assim foram concluídos o céu e a terra com todo seu aparato.
VII
No Sétimo dia (bayom haSHeBi’î) Elohim
considerou acabada toda a obra que havia feito
e no Sétimo Dia descansou (wayiSHeBoTH, sabadeou)
5
de toda a obra que fizera.
Elohim abençoou o sétimo dia
e o santificou (wayeqafesh ‘othô) ,
porque neste dia Elohim descansou (ShaBath, sabadeara) de toda a obra da criação.
CORO: Essa é a história das origens (toledoth) do céu e da terra, quando foram criados».
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