COMBUSTÃO MISTA DE CARVÃO MINERAL E SERRAGEM EM
LEITO FLUIDIZADO
Leandro Dalla Zen*, Maria Jorgina Soares** & Gabriel M. Fae Gomes***
*Cientec/Unisinos, Rua Washington Luiz 675, Porto Alegre,RS
**Cientec Rua Washington Luiz 675, Porto Alegre,RS
***Unisinos, Av. Unisinos, 950, S. Leopoldo,RS
[email protected]
RESUMO
Através da operação de plantas piloto de combustão em leito fluidizado esse trabalho teve por objetivo
demonstrar a possibilidade de aproveitamento ambientalmente adequado de serragem e de carvão mineral em
processos de geração de vapor para secagem ou geração de energia em pequenas unidades acopladas a
serrarias, contribuindo para a solução de eliminação dos atuais depósitos de serragem que, por falta de
destinação adequada ficam estocados em situações que muitas vezes podem induzir a combustão
descontrolada das mesmas. Tem como principais vantagens a redução do custo industrial pela substituição de
combustíveis, eliminação do passivo ambiental deixado nos locais de deposição da serragem, possibilitar a
utilização de carvão mineral com emissões dentro de padrões indicados pela legislação ambiental brasileira
além de ainda induzir a novas receitas pela venda das cinzas geradas como insumo de materiais de construção
ou pela possibilidade de obtenção de créditos de carbono no caso de geração de energia elétrica em pequenas
centrais térmicas.
PALAVRAS-CHAVE: combustão mista, carvão mineral, resíduos de madeireiras, serragem de madeira,
aproveitamento de resíduos.
1. INTRODUÇÃO
A partir da necessidade de promover-se a combustão de carvão mineral dentro de
padrões de emissões que atendam as rígidas condições exigidas pelos órgãos fiscalizadores
ambientais, tanto em relação a materiais particulados como a compostos sulfurosos, e que
para isso são adicionados aos equipamentos que o utilizam onerosos sistemas de limpeza de
gases, encarecendo o custo da energia gerada por esse tipo de combustível, tornando-a
pouco atraente em termos de competitividade, levando-se em conta o possível controle de
emissões de compostos sulfurosos pela combustão de misturas de carvão mineral com
biomassas, nesse trabalho foi avaliada a possibilidade da utilização mista de carvão mineral
com serragem.
Considerando-se a obtenção de uma solução adequada para os atuais depósitos de
serragem, condenados pelos órgãos de fiscalização ambientais por problemas relativos a
incêndios, inevitáveis pela falta de controle, aliados a uma localização muitas vezes
perigosa ao lado de matas, levando-se em consideração as características combustíveis da
serragem, combustível alternativo de grande valor em termos ambientais, esse trabalho
procurou demonstrar tecnicamente a possibilidade de utilização de uma mistura de carvão
mineral com serragem em geradores de vapor para processo ou geração de energia em
pequenas centrais térmicas.
Segundo Hugses e Tilmann (1998), inicialmente a combustão mista era vista como
um meio de redução da emissão de gases de efeito estufa a partir de queima de
combustíveis fósseis, porém fatores mais motivadores têm aparecidos, como o fato de que
co-produtos ou resíduos produzidos em certas regiões se tornam um produto valioso, o que
reduz os custos relacionados à disposição dos mesmos ao utilizá-los como biomassa, a
geração de energia com combustíveis que podem ser misturados com carvão, e, deste
modo, reduzir a quantidade de enxofre presente, além de permitir a utilização de misturas
que sejam economicamente viáveis.
No caso específico de combustão de serragem, não se tem ainda no mercado um
equipamento ideal para utilização da mesma como fonte de geração de energia. Atualmente
a serragem e utilizada em processos de combustão a grelhas, geralmente misturados a
outros combustíveis sólidos, ou pulverizados em fornos. Os principais entraves a utilização
adequada de serragem com os atuais processos de combustão é o baixo rendimento obtido e
a dificuldade de controle da combustão.
Com a recente regulamentação do mercado brasileiro de energia, que ao definir
regras para geração e comercialização de energia a partir de diferentes tipos de fontes,
torna-se de extrema importância a utilização de processos de combustão que possam
atender a grande gama de combustíveis sólidos disponíveis, desde a madeira proveniente de
reflorestamentos até resíduos industriais ou agrícolas. Dentre as tecnologias de combustão
disponíveis a mais adequada a utilizar diversos tipos de combustíveis, únicos ou em
misturas, é o processo em leito fluidizado, conforme Zen e outros (2007), mas que para tal
faz-se necessário que a câmara de combustão seja projetada a partir de dados experimentais
obtidos em operações em planta piloto, pela inexistência de dados reais, tal como o
proposto nesse trabalho.
Devido a facilidade de obtenção e também por ser proveniente de uma das maiores
reservas brasileiras, nesse trabalho o carvão mineral utilizado foi o carvão Rom Candiota
fornecido pela CRM (Companhia de Recursos Minerais). A serragem foi proveniente de
um depósito a céu aberto de uma unidade de beneficiamento da cidade de Canela-RS.
2. METODOLOGIA
Para o desenvolvimento desse trabalho, as atividades foram divididas em dois tipos:
uma teórica, com o objetivo de definição dos parâmetros teóricos de combustão a partir das
características químicas de cada combustível e uma prática, constituída de operações em
planta piloto, de onde a partir das características de cada combustível foram os parâmetros
fluidodinâmicos, além de dados relativos a emissões.
2.1 Caracterização dos combustíveis
Foram determinadas as características específicas – análise elementar, poder
calorífico e ar necessário - com a finalidade de identificação de relações de mistura
ar/combustível para temperaturas operacionais fixas. Na tabela 1 abaixo são apresentadas as
características específicas dos dois combustíveis testados.
TABELA I: CARACTERÍSTICAS ESPECÍFICAS DOS COMBUSTÍVEIS TESTADOS
CM
SE
 ( kg/m )
1040
520
PCIBU (kJ/kg)
10473
10718
C (%)
27,93
31,9
H (%)
1,78
4,00
N (%)
0,63
0,04
S (%)
1,35
-
O (%)
8,54
25,90
Cinzas (%)
44,77
0,16
H2O (%)
15,00
38
MARSO (kg/kgcomb)
3,6
4,0
3
2.2 Atividades experimentais
As atividades experimentais, basicamente operações em duas plantas piloto com
potências de 0,25 MWt e 1,2 MWt, objetivaram a determinação de parâmetros
fluidodinâmicos e de combustão que servissem como base para o projeto da câmara de
combustão aplicada a geradores de vapor.
Entre os parâmetros fluidodinâmicos, o principal foi a velocidade de fluidização a
frio do leito suporte, que, no caso de combustão de biomassa foi formado por areia e no
caso de combustão de carvão mineral, inicialmente com areia e posteriormente pelas cinzas
do próprio carvão mineral. Essa velocidade é utilizada para o dimensionamento do
ventilador de insuflamento, principalmente na partida
do sistema.
As plantas piloto, pertencentes ao Laboratório de Combustão da CIENTEC, onde
foram realizadas as atividades experimentais, com pequenas variações, apresentam o
fluxograma básico apresentado a seguir:
Figura 1. Fluxograma básico da planta piloto
Com a utilização do fluxograma acima pode-se descrever o processo como abaixo:
-combustíveis sólidos provenientes dos silos (1) ou (3), com vazões controladas pelas
roscas dosadoras (2) e (4) , são injetados por gravidade por dutos (5) na fornalha (6), onde
é processada a combustão, de onde os gases gerados seguem para um ciclone (7) de
material refratário (além de abater parte das cinzas ainda permite um maior tempo de
residência) saindo para um trocador de calor (10) o qual pré-aquece o ar combustão e de
fluidização proveniente de um compressor (20);
-os gases após serem resfriados no trocador de calor (10) são liberados para a atmosfera por
uma chaminé (12) após um ciclone (11) ou, no caso de exigências de menores
concentrações de particulados, são os mesmos resfriados através de uma mistura com ar
atmosférico (13), induzida pela atuação de um ventilador de tiragem balanceada (15) , para
poderem ser convenientemente limpos em um filtro de mangas (16);
-para a partida, o aquecimento inicial é obtido pela ação de gases quentes provenientes da
combustão de álcool em um queimador (19) até que seja atingida uma temperatura
uniforme no leito (~450º C), a partir da qual é iniciada a alimentação de combustíveis.
3. Resultados e discussões
3.1 Parâmetros fluidodinâmicos
Os parâmetros fluidodinâmicos, definidos em função das características relativas a
utilização dos leitos suportes de areia e de cinzas, são apresentados a seguir. A velocidade
mínima de fluidização objetivou a determinação das vazões de ar que deveriam ser
utilizadas para inicio de operação da planta piloto.
Nesse projeto, a velocidade mínima de fluidização – Vmf – foi determinada para
areia e essa velocidade é apresentada abaixo:
Vmfareia = 0,8 m/s
A velocidade média do ar de fluidização – VMOP – nas operações com os dois
combustíveis, tanto com areia ou com cinzas de carvão mineral, e base para a determinação
da área do leito foi fixada como sendo:
VMOP = 2,3 m/s
As velocidades operacionais características de fluidização mantiveram-se entre 1,3 e
4,0 m/s para biomassa e entre 1,3 e 4,5 m/s para carvão mineral. Essas velocidades definem
a faixa operacional para cada tipo de combustível. Os testes demonstraram a
compatibilidade fluidodinâmica entre os combustíveis analisados com a areia utilizada
como leito suporte.
Importante resultado obtido nesse trabalho diz respeito às alturas do leito suporte
(altura de areia acima do distribuidor de ar) pois as mesmas atuam diretamente no
dimensionamento do ventilador ou compressor. Os valores obtidos da altura de leito
suporte são apresentados abaixo:
hareia = entre 0,2 e 0,4 m
hcinzas= entre 0,25 e 0,6 m
e para os quais foram obtidas perdas de pressão que variaram entre os valores abaixo
apresentados:
P mín = 200 mmH2O
P máx = 520 mmH2O
A altura de leito de areia que mostrou-se mais adequada para combustão de
serragem foi de 0,25m e para combustão de carvão mineral 0,35m (altura de inicio = 0,25
m e altura final = 0,6m). Na combustão da mistura carvão/serragem a altura de areia mais
adequada ficou na média em 0,5m.
3.2 Avaliação ambiental da combustão de carvão mineral e serragem
A partir da caracterização dos combustíveis, é possível avaliar a evolução da
emissão de SO2 a medida que se adiciona carvão mineral na mistura com serragem. Uma
emissão máxima de 5,0 mg SO2/kcal é permitida nos efluentes gasosos gerados a partir de
fontes fixas em áreas classe II e III, segundo a Resolução CONAMA 08 DE 1990. A
emissão de SO2 em relação a algumas composições de mistura entre carvão mineral e
serragem pode ser vista na Tabela 2. A Figura 2 mostra a evolução da emissão com a
adição de carvão mineral à mistura.
Tabela II: Emissão de SO2 em diferentes misturas de carvão mineral + serragem
CM (%)
SE (%)
SO2 (mg/kcal)
0
100
0
5
95
0.56
10
90
1.12
15
85
1.69
20
80
2.25
25
75
2.82
30
70
3.38
35
65
3.95
40
60
4.52
43.33
56.67
4.90
45
55
5.09
CM+SE
14
mg SO2/ Kcal
12
10
CM +SE
Li mi t e CONA M A
8
6
4
2
0
0,0
25,0
50,0
75,0
100,0
% CM
Gráfico 2: Evolução da emissão de SO2 com a adição de carvão mineral na mistura.
3.3 – Granulometrias utilizadas
Para os testes foram utilizadas as granulometrias abaixo indicadas:
-carvão mineral: entre 0,5 mm e 3 mm
-serragem: entre 0,3 mm e 1,2 mm
-areia: entre 0,5 mm e 1,5mm
As granulometrias utilizadas seguiram orientações determinadas em testes
anteriores de combustão mista de diversas misturas biomassa/carvão mineral utilizando o
processo de leito fluidizado clássico. Tais granulometrias apresentaram compatibilidade
fluidodinâmica e devem ser utilizadas como parâmetros básicos em projetos de fornalhas e
geradores de vapor.
3.4 – Rendimento da combustão
O rendimento da combustão definida como abaixo,
µc = TCO2 – TCO
TCO2
( %)
onde:
TCO2 = teor de CO2 nos gases secos
TCO= teor de CO nos gases secos
apresentou valores extremamente adequados, não situando-se nunca abaixo de 99%,
salientando-se que, na realidade, as operações buscaram a obtenção do maior rendimento
possível, associado ao tempo de residência (s) , potência volumétrica (KJ/m3) e carga do
leito (KJ/m2) ou seja, as operações com diversas alturas de leito, pontos de alimentação e
taxa de alimentação foram efetuadas em uma fornalha com área de leito fixa e volume fixo,
variando-se se a taxa de alimentação, para mais ou para menos, até que fossem obtidos os
menores teores de CO.
3.5 – Teor de carbono nas cinzas
O teor de carbono das cinza, um dos principais indicativos da eficiência de
transformação energética, definida com a relação entre a energia gerada e a energia
adicionada, apresentou valores entre 1 e 2,5 (%), considerados excelentes para o processo
de combustão em leito fluidizado.
4. CONCLUSÕES
A partir dos resultados obtidos em relação aos parâmetros fluidodinâmicos a
combustão mista carvão mineral/serragem foi avaliada como tecnicamente compatível.
A utilização de carvão em uma mistura com serragem se mostrou ambientalmente
vantajosa em relação à emissão de dióxido de enxofre até uma proporção de 44 % em
massa de carvão mineral e 56 % de serragem, a partir da qual a adição de carvão já gera
emissões acima da legislação ambiental vigente.
Os resultados demonstraram a viabilidade de aproveitamento de carvão mineral e
serragem em um mesmo equipamento utilizando-se o processo de combustão em leito
fluidizado. Como decorrência dos resultados, fica aberta a possibilidade de implantação de
pequenas centrais térmicas – PCTs – em locais onde a utilização desses combustíveis se
mostre economicamente viável.
Considerando-se que o custo da serragem é somente o de transporte desde o local
onde a mesma esta estocada até o equipamento de combustão, levando-se em conta o custo
do carvão mineral, a possibilidade de venda de cinzas como insumo de materiais de
construção civil e ainda a venda de crédito de carbono, se em PCTs, é de prever-se uma
possibilidade atraente de investimento.
Cumpre salientar-se também a existência de um custo evitado relativo à liberação
dos locais atualmente utilizados para depósitos de serragem além do passivo ambiental
eliminado decorrente de tal atitude.
5. REFERÊNCIAS
Hughes, EE, Tillman, DA. Biomass cofiring: status and prospectus 1996. Fuel Processing Technology, 1998;
54: 127-142.
Zen, Leandro Dalla; Soares, Maria Jorgina & Gomes, Gabriel M. Fae. Combustão Multicombustível em Leito
Fluidizado para Aplicação em PCTs, 8º Congresso Iberoamericano de Engenharia Mecânica Cusco,Peru,
2007.
Wahlund, B, Yan, J, Westermark, M. Increasing biomass utilisation in energy systems: a comparative study of
CO2 reduction and cost for different bioenergy processing options. Biomass and Bioenergy, 2004; 26: 1-27.
CONAMA. Resolução- CONAMA- N o 008 de 06 de Dezembro de 1990 Publicada no D. O. U. de 28 de
Dezembro de 1998, p. 25539 in: Resoluções CONAMA: 1984 a 1992. 4 a ed. Brasília. DF, 1992, 214-217.
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