O NAVIO: GOVERNO E MANOBRA Comunicação apresentada pelo Capitão da Marinha Mercante Fernando Ferreira Esteves, em 14 de Maio 1. Introdução Nesta apresentação vou aproveitar a minha experiência nos navios da chamada classe “N” da Soponata para abordar o tema do governo e manobra de grandes navios. Vou-me referir apenas à navegação em alto mar, águas costeiras e restritas, deixando de fora as manobras em porto. Fui Comandante dos três navios: embarquei no Neiva entre Abril de 1980 e Maio de 1982 (415 dias de embarque), no Nogueira entre Dezembro de 1984 e Agosto de 1985 (192 dias de embarque) e no Nisa entre Outubro de 1985 e Dezembro de 1988 (650 dias de embarque), num total de 1.257 dias de embarque nos três navios. Eis um pouco da história desses navios. A SOPONATA, Sociedade Portuguesa de Navios Tanques, encomendou em 1973 ao estaleiro sueco Eriksbergs a construção do navio tanque Neiva. O casco foi construído nos estaleiros da Setenave e rebocado para Gotemburgo, onde o navio foi acabado. A entrega do Neiva foi em Novembro de 1976. Esteve ao serviço da Soponata até 16 de Julho de 1984, tendo então mudado o nome para BT Investor. Teve ainda os seguintes nomes: Abu Rasha (1989), ABT Rasha (1990) e Skyros (1992). Em Março de 1979, o Neiva teve um incêndio na Casa da Máquina, quando se encontrava em operações comerciais em Antifer. Em 1981, teve um problema na caldeira que o imobilizou em Bahrain cerca de ano e meio. Depois de vendido, em 1984 foi atingido por um míssil iraquiano quando se dirigia a um porto do Irão. Mais tarde encalhou no porto de Juaymah (Ras Tannura, Arábia Saudita) e esteve ainda envolvido numa colisão à entrada do porto de Ain Sukhna (Egipto). Após este incidente, foi vendido para sucata, tendo chegado a Chittagong em Abril de 2002. O Nogueira também foi encomendado em 1973 e totalmente construído em Setúbal na Setenave. Foi entregue em Agosto de 1979. Foi vendido em Janeiro de 1986, passando a chamar-se BT Banker. 1 FERNANDO FERREIRA ESTEVES Posteriormente chamou-se Berge Banker, Folk Sun e, em 2004 passou a ser uma FSO (Float Storage and Offloading) no Gabão, passando a chamar-se Fernan Vaz. O Nisa, último navio da Classe “N”, foi em 1973 encomendado por um armador estrangeiro (Thyssen) mas o contrato passou para a Soponata em 1977. O navio foi entregue em Novembro de 1983 mas só fez a viagem inaugural em Dezembro de 1985. O Nisa foi vendido em Dezembro de 1988 e entregue em Fevereiro de 1989, passando a chamar-se Berge Nisa. Em 2003 mudou de nome para Folk Sea e em 2005 para BW Nisa, tendo ido para o Brasil também como FSO. 2. Características dos Navios “N” O navio Neiva a vapor tinha de arqueação bruta 163.155 toneladas e de arqueação líquida 135.494 toneladas, porte bruto 323.114 toneladas, comprimento de fora a fora 346,24 metros, boca 57,36 metros, pontal 28,50 metros e calado 22,35 metros. Na máquina, 2 turbinas a vapor GE com 35.506 shp, 1 hélice e velocidade de 15,7 nós. Tinha 46 tripulantes. O navio Nogueira a vapor tinha de arqueação bruta 163.379 toneladas e de arqueação líquida 135.121 toneladas, porte bruto 323.097 toneladas, comprimento de fora a fora 346,21 metros, boca 57,36 metros, pontal 28,50 metros e calado 22,35 metros. Na máquina, 2 turbinas a vapor GE com 35.506 shp, 1 hélice e velocidade de 15,5 nós. Tinha 43 tripulantes. O navio Nisa a vapor tinha de arqueação bruta 163.155 toneladas e de arqueação líquida 134.654 toneladas, porte bruto 323.100 toneladas, comprimento de fora a fora 346,26 metros, boca 57,36 metros, pontal 28,50 metros e calado 22,35 metros. Na máquina, 2 turbinas a vapor GE com 35.506 shp, 1 hélice e velocidade de 14 nós. Tinha 43 tripulantes. 3. As Manobras e o Regulamento Internacional para Evitar Abalroamentos no Mar (RIEAM) Os navios de grande porte requerem em geral mais tempo e mas espaço para efectuarem manobras. As manobras para evitar abalroamentos não são excepção, por isso quando se decide que tem se de manobrar, a manobra deve iniciar-se quanto antes. Assim, o conhecimento e compreensão do RIEAM torna-se ainda mais importante para o Comandante de um navio de grande porte. Comecemos pela velocidade de segurança. 2 NAVIO: GOVERNO E MANOBRA 3.1. Velocidade de segurança Segundo o RIEAM: “todo o navio deve manter sempre uma velocidade de segurança que lhe permita tomar as medidas apropriadas e eficazes para evitar um abalroamento e para parar numa distância adequada às circunstâncias e condições existentes.” O conceito de velocidade de segurança aplica-se com quaisquer condições de visibilidade e em qualquer altura da viagem, ou seja, o navio deve manter uma velocidade segura de acordo com as condições de visibilidade que estiverem no momento, quer esteja a navegar em alto mar ou a chegar ou sair de um porto. Para além da visibilidade, a velocidade de segurança depende de outros factores, o que obriga a que se tenham de avaliar continuamente as circunstâncias e as condições em que o navio está a navegar, de forma a alterar a velocidade, caso seja necessário. Os factores que influenciam a velocidade de segurança são: • Visibilidade; • Densidade do tráfego marítimo; • Capacidade de manobra de navio (distância de paragem e qualidades de giração de acordo com as condições); • Condições de tempo e mar; • Perigos para a navegação; • Calado do navio. A visibilidade é o primeiro factor a estar relacionado com a velocidade de segurança de qualquer navio e especialmente num navio de grande porte. Assim, caso a visibilidade seja afectada, deve-se imediatamente reduzir a velocidade do navio para evitar um abalroamento podendo, em caso extremo, haver a necessidade de ter de o parar. Num navio de grande porte há que contar não só com o tempo que leva a que a redução de velocidade seja efectiva como também com o espaço necessário para o parar. A velocidade de segurança é muito importante na chegada a porto dos navios a que nos estamos a referir neste trabalho. Não se consegue atribuir um valor para a velocidade de segurança. Se observarmos dois navios a entrar a barra de um porto muito dificilmente irão à mesma velocidade, pois terão forçosamente velocidades de segurança diferentes. Também não se consegue olhar para um navio e atribuir-lhe uma velocidade de segurança. Há regras práticas mas melhor do que 3 FERNANDO FERREIRA ESTEVES ninguém o Comandante saberá qual deverá ser a velocidade de segurança para o seu navio e para as condições do momento. 3.2. Risco de abalroamento e manobras para o evitar Esta Regra do RIEAM diz que a determinação da existência de risco de abalroamento deve ser feita atempadamente e através de todos os meios disponíveis a bordo. Entre estes meios, está incluído o radar. O radar vai permitir, utilizando escalas de maior alcance, avaliar tão cedo quanto possível, se existe o risco de abalroamento, permitindo assim, que o navio que tenha de manobrar o faça a uma distância considerável, não deixando a manobra para muito tarde. Com boa visibilidade, a verificação de que há risco de abalroamento deve ser confirmada por azimutes visuais. O RIEAM não refere qualquer valor mas a prática considera apropriado que se manobre a uma distância entre 3 a 5 milhas, devendo os navios entre as 5 e as 8 milhas definir quem tem prioridade ou se ambos têm de manobrar. Às 3 milhas a manobra já deverá estar concluída. Para um navio de grande porte, no caso de ser o navio sem prioridade, deve haver uma margem de manobra maior, que o comandante deverá definir – possivelmente às 5 ou 6 milhas a manobra já deverá estar feita. As manobras para evitar abalroamentos, além de deverem ser feitas com antecedência, devem ser claras, isto é, não deixar dúvidas ao navio que tem prioridade. Aplicando esta regra ao navio de grande porte que não tem prioridade, quer dizer que a alteração de rumo deve ser franca para que o outro navio se aperceba da manobra que foi feita e não fique com dúvidas. Este conceito é ainda mais importante quando se navega com má visibilidade, pois o navegador só tem disponível a informação dada pelo radar, pelo que convém que a manobra seja franca para ser detectada no radar do navio que tem prioridade (hoje o AIS é um auxiliar importante, pois quando o navio começa a alterar a proa essa informação chega ao outro navio antes de a manobrar ser notada no radar). O facto do navio de grande porte manobrar cedo permite-lhe fazer uma alteração de rumo lenta e contínua sem que o navio descortine, o que o obrigaria a meter muito leme para o bordo contrário para parar a guinada. As manobras executadas para evitar o abalroamento com outro navio devem ser feitas de modo a que os navios passem a uma distância segura. Por norma, o navio de grande porte tentará nunca passar a menos de 1 milha do outro navio (em caso de bom tempo). 4 NAVIO: GOVERNO E MANOBRA O Regulamento prevê a redução de velocidade para resolver uma situação de abalroamento mas num navio de grande porte essa solução não traz resultados imediatos devido à inércia do navio. 3.3. Navio condicionado pelo calado O Regulamento define: “um navio condicionado pelo seu calado como o navio que, devido a relação calado-profundidade-largura de água disponível, tem severamente limitada a sua capacidade de alterar o rumo a que navega.” O navio que tiver pouca água debaixo da quilha mas que tenha espaço para guinar para ambos os bordos não pode ser considerado navio condicionado pelo calado. Só o será se não puder alterar o rumo, principalmente para estibordo. Exemplificando, um navio de grande porte que navegue no Mar do Norte numa “DW Route”, não poderá invocar o estatuto de navio condicionado pelo calado. 4. Dados Tácticos do Navio Os dados tácticos de um navio são retirados das curvas evolutivas, tabelas de paragem (extinção natural de velocidade e “crash-stop”) e tabelas de rotações. 4.1. Curvas Evolutivas Chama-se curva evolutiva à trajectória curvilínea que um navio descreve durante a manobra de mudança de rumo quando faz uma rotação de 360º. As curvas evolutivas são calculadas durante as provas de mar do navio, antes da sua entrega ao Armador e devem estar expostas na Ponte para consulta não só pelos Oficiais do navio como também pelos Pilotos dos portos. As curvas evolutivas são referidas a diferentes situações do navio (carregado ou em lastro), para diferentes velocidades (MDAV até TFAV) e para diferentes ângulos de leme, cobrindo assim todas as possibilidades. Os valores encontrados durante as provas de mar são registados em tabelas e gráficos que permitem uma rápida consulta. 5 FERNANDO FERREIRA ESTEVES Figura 1 - Curva Evolutiva As curvas evolutivas permitem ao navegador antecipar o espaço necessário para o navio dar uma volta em redondo (diâmetro táctico). Contudo, há que ter em mente que o vento, as correntes e as águas pouco profundas geram forças que actuando sobre o navio, alteram as curvas evolutivas. Por exemplo, em águas pouco profundas, o raio de giração aumenta, necessitando o navio de mais espaço para rodar. No planeamento da navegação em águas costeiras e em águas restrictas, quando se tem de fazer uma grande alteração de rumo, as curvas evolutivas são essenciais para o cálculo do ponto de guinada. Este é o ponto onde se deve carregar o leme para que, navegando a uma determinada velocidade e guinando com um certo ângulo de leme, se possa efectuar com segurança a mudança de rumo desejada. Recorrendo à curva evolutiva para a velocidade e ângulo de leme previstos, retiram-se o avanço e o afastamento relativos à guinada necessária para atingir o novo rumo. Numa grande alteração de rumo, as curvas evolutivas são essenciais para o cálculo do ponto de guinada (WO). Na carta, traçam-se os dois rumos – no exemplo, uma guinada de 50º no ponto A. 6 NAVIO: GOVERNO E MANOBRA Figura 2 - Aplicação do afastamento De seguida, traça-se uma paralela ao rumo inicial a uma distância igual ao afastamento que vai definir sobre o novo rumo o ponto final da guinada (ponto B). Partindo do ponto B, sobre a paralela marca-se o afastamento, achando-se assim o ponto C. Deste ponto traça-se uma perpendicular ao rumo inicial, encontrando-se assim o ponto D, que constitui o ponto de guinada (WO). Figura 3 - Aplicação do avanço, ponto de guinada Quando o navio, no rumo inicial, chega ao ponto de guinada (ponto D), mete leme de acordo com o previsto e o navio roda continuamente devendo, no final da manobra, estar em cima no novo rumo (ponto B). No navio de grande porte é essencial que nas grandes alterações de rumo em águas costeiras ou restritas se proceda como foi descrito, para que a manobra seja feita em segurança. 7 FERNANDO FERREIRA ESTEVES 4.2. Tabela de Extinção Natural da Velocidade Também durante as provas de mar é calculada a tabela de extinção natural da velocidade do navio, para várias velocidades. O navio navega a um determinado regime de máquina e pára a máquina. O leme é mantido a meio e, devido à inércia, o navio continua a andar para vante durante algum tempo até parar em relação à água. É feito um gráfico que mostra a distância, a trajectória e o tempo que o navio navegou desde que parou a máquina até estar parado em relação à água. Esta tabela é extraordinariamente importante para se ter uma ideia do espaço necessário para se parar o navio. É claro que teremos sempre o recurso à máquina a ré para reduzir esse espaço mas é um dado importante para a manobra do navio. 4.3. “Crash Stop” Outro teste que se faz durante as provas de mar é o “Crash Stop”. O navio navega a toda a força a vante e, com o leme a meio, a máquina é invertida para toda a força a ré. São registados a distância, o tempo e a trajectória que o navio leva até parar. O gráfico construído a partir desta prova é útil para nos ajudar a antecipar o espaço necessário para parar o navio numa situação de emergência. 8 NAVIO: GOVERNO E MANOBRA Figura 4 - Crash stop 9 FERNANDO FERREIRA ESTEVES 4.4. Tabela de Rotações A tabela de rotações dá-nos a relação entre as rotações da máquina e a velocidade do navio, referida normalmente para os regimes de manobra (MD, D, MF e TF AV e AR). Esta tabela permite-nos antecipar a velocidade do navio para a ordem dada à máquina. Como se compreende, teremos também que entrar em linha de conta com o vento, as correntes e os fundos baixos, que influenciam os valores dados pela tabela de rotações. 5. Navegação em Alto Mar A navegação em alto mar com bom tempo e boa visibilidade não traz grandes preocupações ao Comandante de um navio de grande porte, excepto garantir que os Oficiais Chefes de Quarto (OOW – “Officer On Watch”) mantenham a distância segura quando alcançam ou quando passam por um navio em rumo oposto. Esta informação consta das “Master Standing Orders” que o OOW recebe quando embarca no navio (estas ordens estão afixadas na Ponte). Os mesmos cuidados se devem ter em situações de rumos cruzados no caso de ser o navio de grande porte o navio que não tem prioridade. Como anteriormente referido, logo que o navio que não tem prioridade conclui que há risco de colisão, deve iniciar a manobra o mais cedo possível e de uma forma franca, para deixar a situação clara e sem dúvidas para o navio que tem prioridade. A manobra deve ser feita com pouco leme e tendo em atenção a velocidade de rotação (ROT – “Rate of Turn”), para não deixar o navio descortinar, o que obrigaria a ter de compensar com um grande ângulo de leme para o bordo contrário. A solução é manter o ROT entre 5 até ao máximo de 10 graus por minutos, isto é, uma velocidade de giração que seja fácil de parar. Numa situação de má visibilidade, tudo o que foi dito anteriormente se aplica mas, de acordo com o estipulado pelo RIEAM, a velocidade deverá ser reduzida em função da visibilidade (normalmente e apenas como orientação, recomenda-se uma velocidade que permita parar o navio em metade da distância da visibilidade que estiver no momento). Uma vez que se reduziu a velocidade, não nos podemos esquecer que o navio vai ter uma reacção mais lenta à ordem de leme que for dada. Navegando debaixo de mau tempo e caso seja necessário reduzir a velocidade, aplicam-se os mesmos cuidados da redução de visibilidade. Também em ambos os casos e de acordo com as “Master Standing 10 NAVIO: GOVERNO E MANOBRA Orders”, a distância de passagem de outros navios deverá ser aumentada (se era 1 milha com tempo bom, passa a 1,5 ou 2 milhas). 6. Navegação em Águas Confinadas Quando se fala na manobra de um navio, somos por vezes levados a dizer que os navios têm ideias próprias. O que acontece na realidade é que num dado momento um navio é afectado simultaneamente por diversas forças (vento, corrente, fundos baixos, etc.) e a resultante dessas forças pode não ser aquela que foi antecipada e daí a surpresa de o navio estar a reagir de forma diferente. É exactamente quando se navega em águas confinadas que a relação entre as características do navio e as condições físicas envolventes exige maiores cuidados por parte do Comandante quando faz o planeamento de viagem. Por outro lado, quando estes navios chegam a porto é normalmente estabelecido logo à entrada o trem de reboques que vai assistir à manobra e que levam estes navios até ao cais (referimo-nos aos portos tradicionais para navios de grande porte, como por exemplo, Antifer, Roterdão ou Sines). Na maior parte dos portos em que estes navios amarram a bóias, aí a manobra é feita sem o auxílio de reboques. Figura 5 - Navio com trem de reboques passado 11 FERNANDO FERREIRA ESTEVES Quando o navio se aproxima do porto, o grande desafio consiste na sua desaceleração, ou seja, a diminuição gradual da velocidade. Normalmente o Comandante escolhe um ponto (por exemplo, a posição de embarque de piloto) onde deve chegar com a velocidade no mínimo, velocidade mínima essa que lhe garanta o governo mas que também lhe permita parar o navio facilmente, se for necessário. O Comandante começa a reduzir a velocidade entre 14 a 16 milhas antes desse ponto, dependendo das circunstâncias. Para redução da velocidade também se pode utilizar o leme, carregando-o sucessivamente a um bordo e a outro, enquanto o navio tem seguimento. Há diversos factores a ter em conta nesta aproximação e que são os mesmos que estão relacionados com a velocidade de segurança. A partir de uma determinada velocidade, o navio deixa de governar, o que obriga a pequenos toques de máquina para que o navio volte a governar. Por vezes, a seguir ter-se-á de dar um toque com a máquina a ré para que o navio não ganhe velocidade (eventualmente acompanhado por leme todo a um bordo para que o navio não descortine). O facto de o navio estar carregado ou em lastro tem também muita importância no seu comportamento. Se o navio estiver em lastro, com uma grande área vélica, terá de se ter em atenção o abatimento do navio em condições de vento forte transversal, sendo cada vez mais difícil governar o navio à medida que a velocidade se vai reduzindo, o que vai obrigar ao recurso da máquina para vencer o vento. Se o navio estiver carregado (calado na ordem dos 20 ou 22 metros), será o efeito da corrente a prevalecer sobre o efeito do vento, pelo que o Comandante deve recolher o máximo de informação sobre as correntes que afectam a área para poder antecipar a correcção que terá de fazer para o abatimento do navio. Na aproximação a águas restritas há outro factor a ter em conta que é o “squat”. Quando o navio está parado e começa a navegar, dá-se uma alteração no seu calado e caimento. Assim, para além de aumentar o calado tanto a vante como a ré, o navio tem tendência a abicar. Se depois entrar numa zona de águas restrictas, vai sofrer nova alteração provocada pelo fundo baixo e pela corrente de água gerada pelo movimento do navio e que vai passar entre a quilha do navio e o fundo do mar, provocando uma interacção que ainda aproxima mais o navio do fundo mar. 12 NAVIO: GOVERNO E MANOBRA Este efeito da aproximação da quilha ao fundo do mar tem o nome de “squat” e a altura da água abaixo da quilha tem o nome de “under keel clearance” ou UKC. O efeito do “squat” varia com a velocidade do navio (quanto maior for a velocidade do navio, mais ele se aproxima do fundo do mar). Antes de entrar na zona de águas confinadas, determina-se qual a UKC desejada e regula-se a velocidade do navio de modo a que esse valor não seja ultrapassado (normalmente os portos informam qual o valor de UKC obrigatório ou recomendado). Exemplificando, um navio que navegue no Mar do Norte para assegurar uma altura de água adequada ao passar no Estreito de Dover, deverá consultar a publicação Mariners Handbook para tirar os valores de UKC recomendados para as diferentes etapas da passagem, tendo em conta a incerteza dos fundos marcados nas cartas e dos níveis das marés e para o efeito da vaga e/ou ondulação provocadas por tempestades locais ou distantes. Se o porto de destino for Roterdão, os navios com calados na ordem dos 20,7 a 22,6 metros devem consultar a publicação Deep Draught Planning Guide – Greenwich Buoy to Europort, onde é descrita uma rota apropriada onde estes navios podem navegar com praticamente todas as condições de ondulação, maré e estado do mar. Figura 6 - Aproximação a Roterdão (pormenor da carta do Almirantado nº 5500) 13 FERNANDO FERREIRA ESTEVES Em condições extremas de balanço do navio provocadas por forte ondulação e estado do mar na área de aproximação a Roterdão, o navio não poderá entrar e terá de prosseguir para o fundeadouro DW1, aguardando pela melhoria das condições de tempo. Quando se preveem estas condições extremas, os navios são avisados através de mensagem difundida pelo sistema “Navtex”. Ainda outro exemplo, navios de 22 metros de calado devem ter uma UKC mínima de 9,5 metros quando navegam entre as bóias Vergoyer N e ZC2 durante tempestades de sudoeste. Figura 7 - Estreito de Dover (pormenor da carta do Almirantado nº 5500) 7. Conclusão Neste pequeno trabalho procurei, de uma forma resumida, transmitir a experiência vivida a bordo dos navios da Classe “N” da Soponata. A primeira preocupação quando se elaborava o planeamento de viagem era sem dúvida o calado do navio, mantendo o navio sempre que possível em fundos superiores a 30 metros. Durante a Guerra do Golfo (Irão/Kuwait), o Nisa (tal como outros navios da mesma tonelagem) na viagem carregado de saída do Golfo tinha de entrar em águas do Irão em busca de águas mais profundas. O facto de procurar águas mais profundas afastava também estes navios de algumas linhas de navegação congestionadas. 14 NAVIO: GOVERNO E MANOBRA Em termos de manobra e como atrás referido, quando havia necessidade de alterar a proa, sem ser em manobra de emergência, havia o cuidado de não deixar que a guinada ganhasse velocidade. Os timoneiros eram industriados para meter até dez graus de leme e, logo que o navio respondesse, reduzir para cinco graus ou mesmo pôr o leme a meio, mantendo assim sempre a guinada controlada, de forma a que bastava depois também um pequeno ângulo de leme para parar a guinada. Outra preocupação era não deixar passar muito perto os outros navios, principalmente com mau tempo ou má visibilidade. Também manobrar com antecedência para deixar clara a manobra. Os navios “N” tinham um bom governo com todas as condições de tempo e mar. Devido ao seu comprimento, cavalgavam sempre duas ondas, o que era bom em termos de esforços estruturais do navio. Como tinham a proa em forma de “U”, não cortavam o mar mas afastavam-no: quando as vagas embatiam na proa, o mar era projectado lateralmente. Tal como o ditado que diz “quanto maior for a nau, maior a tormenta”, em lastro com mar lateral davam muito balanço. Carregados praticamente não se mexiam e, como todos os petroleiros, tinham um balanço lento. Eram navios imponentes que fizeram parte dum momento alto da vida da Soponata, embora por motivos diferentes a Companhia os tenha vendido um pouco precocemente, em parte devido à falta de fretes a nível mundial e porque os três a transportar ramas para Portugal era demasiado. Como exemplos disso, o facto de o Nogueira ter estado imobilizado em “lay-up” em Lisboa e depois Setúbal e de o Nisa ter estado quase dois anos em Setúbal após a entrega. Particularmente, gostei de andar nos três navios, talvez mais do Neiva do que nos outros, embora tenha sido nele que apanhei alguns sustos numa altura em que a caldeira furava e o navio ficava desgovernado. Mas eram três grandes navios, sem dúvida. 15