O NAVIO: GOVERNO E MANOBRA
Comunicação apresentada pelo Capitão da
Marinha Mercante Fernando Ferreira
Esteves, em 14 de Maio
1. Introdução
Nesta apresentação vou aproveitar a minha experiência nos navios da
chamada classe “N” da Soponata para abordar o tema do governo e
manobra de grandes navios. Vou-me referir apenas à navegação em alto
mar, águas costeiras e restritas, deixando de fora as manobras em porto.
Fui Comandante dos três navios: embarquei no Neiva entre Abril de
1980 e Maio de 1982 (415 dias de embarque), no Nogueira entre Dezembro
de 1984 e Agosto de 1985 (192 dias de embarque) e no Nisa entre Outubro
de 1985 e Dezembro de 1988 (650 dias de embarque), num total de 1.257
dias de embarque nos três navios.
Eis um pouco da história desses navios.
A SOPONATA, Sociedade Portuguesa de Navios Tanques,
encomendou em 1973 ao estaleiro sueco Eriksbergs a construção do navio
tanque Neiva. O casco foi construído nos estaleiros da Setenave e rebocado
para Gotemburgo, onde o navio foi acabado.
A entrega do Neiva foi em Novembro de 1976. Esteve ao serviço da
Soponata até 16 de Julho de 1984, tendo então mudado o nome para BT
Investor. Teve ainda os seguintes nomes: Abu Rasha (1989), ABT Rasha
(1990) e Skyros (1992).
Em Março de 1979, o Neiva teve um incêndio na Casa da Máquina,
quando se encontrava em operações comerciais em Antifer. Em 1981, teve
um problema na caldeira que o imobilizou em Bahrain cerca de ano e meio.
Depois de vendido, em 1984 foi atingido por um míssil iraquiano
quando se dirigia a um porto do Irão. Mais tarde encalhou no porto de
Juaymah (Ras Tannura, Arábia Saudita) e esteve ainda envolvido numa
colisão à entrada do porto de Ain Sukhna (Egipto). Após este incidente, foi
vendido para sucata, tendo chegado a Chittagong em Abril de 2002.
O Nogueira também foi encomendado em 1973 e totalmente
construído em Setúbal na Setenave. Foi entregue em Agosto de 1979. Foi
vendido em Janeiro de 1986, passando a chamar-se BT Banker.
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FERNANDO FERREIRA ESTEVES
Posteriormente chamou-se Berge Banker, Folk Sun e, em 2004 passou a ser
uma FSO (Float Storage and Offloading) no Gabão, passando a chamar-se
Fernan Vaz.
O Nisa, último navio da Classe “N”, foi em 1973 encomendado por
um armador estrangeiro (Thyssen) mas o contrato passou para a Soponata
em 1977. O navio foi entregue em Novembro de 1983 mas só fez a viagem
inaugural em Dezembro de 1985.
O Nisa foi vendido em Dezembro de 1988 e entregue em Fevereiro
de 1989, passando a chamar-se Berge Nisa. Em 2003 mudou de nome para
Folk Sea e em 2005 para BW Nisa, tendo ido para o Brasil também como
FSO.
2. Características dos Navios “N”
O navio Neiva a vapor tinha de arqueação bruta 163.155 toneladas e
de arqueação líquida 135.494 toneladas, porte bruto 323.114 toneladas,
comprimento de fora a fora 346,24 metros, boca 57,36 metros, pontal 28,50
metros e calado 22,35 metros. Na máquina, 2 turbinas a vapor GE com
35.506 shp, 1 hélice e velocidade de 15,7 nós. Tinha 46 tripulantes.
O navio Nogueira a vapor tinha de arqueação bruta 163.379
toneladas e de arqueação líquida 135.121 toneladas, porte bruto 323.097
toneladas, comprimento de fora a fora 346,21 metros, boca 57,36 metros,
pontal 28,50 metros e calado 22,35 metros. Na máquina, 2 turbinas a vapor
GE com 35.506 shp, 1 hélice e velocidade de 15,5 nós. Tinha 43
tripulantes.
O navio Nisa a vapor tinha de arqueação bruta 163.155 toneladas e
de arqueação líquida 134.654 toneladas, porte bruto 323.100 toneladas,
comprimento de fora a fora 346,26 metros, boca 57,36 metros, pontal 28,50
metros e calado 22,35 metros. Na máquina, 2 turbinas a vapor GE com
35.506 shp, 1 hélice e velocidade de 14 nós. Tinha 43 tripulantes.
3. As Manobras e o Regulamento Internacional para Evitar
Abalroamentos no Mar (RIEAM)
Os navios de grande porte requerem em geral mais tempo e mas
espaço para efectuarem manobras. As manobras para evitar abalroamentos
não são excepção, por isso quando se decide que tem se de manobrar, a
manobra deve iniciar-se quanto antes. Assim, o conhecimento e
compreensão do RIEAM torna-se ainda mais importante para o
Comandante de um navio de grande porte. Comecemos pela velocidade de
segurança.
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NAVIO: GOVERNO E MANOBRA
3.1. Velocidade de segurança
Segundo o RIEAM: “todo o navio deve manter sempre uma
velocidade de segurança que lhe permita tomar as medidas apropriadas e
eficazes para evitar um abalroamento e para parar numa distância
adequada às circunstâncias e condições existentes.”
O conceito de velocidade de segurança aplica-se com quaisquer
condições de visibilidade e em qualquer altura da viagem, ou seja, o navio
deve manter uma velocidade segura de acordo com as condições de
visibilidade que estiverem no momento, quer esteja a navegar em alto mar
ou a chegar ou sair de um porto.
Para além da visibilidade, a velocidade de segurança depende de
outros factores, o que obriga a que se tenham de avaliar continuamente as
circunstâncias e as condições em que o navio está a navegar, de forma a
alterar a velocidade, caso seja necessário.
Os factores que influenciam a velocidade de segurança são:
• Visibilidade;
• Densidade do tráfego marítimo;
• Capacidade de manobra de navio (distância de paragem e
qualidades de giração de acordo com as condições);
• Condições de tempo e mar;
• Perigos para a navegação;
• Calado do navio.
A visibilidade é o primeiro factor a estar relacionado com a
velocidade de segurança de qualquer navio e especialmente num navio de
grande porte. Assim, caso a visibilidade seja afectada, deve-se
imediatamente reduzir a velocidade do navio para evitar um abalroamento
podendo, em caso extremo, haver a necessidade de ter de o parar. Num
navio de grande porte há que contar não só com o tempo que leva a que a
redução de velocidade seja efectiva como também com o espaço necessário
para o parar.
A velocidade de segurança é muito importante na chegada a porto
dos navios a que nos estamos a referir neste trabalho.
Não se consegue atribuir um valor para a velocidade de segurança.
Se observarmos dois navios a entrar a barra de um porto muito dificilmente
irão à mesma velocidade, pois terão forçosamente velocidades de segurança
diferentes. Também não se consegue olhar para um navio e atribuir-lhe
uma velocidade de segurança. Há regras práticas mas melhor do que
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FERNANDO FERREIRA ESTEVES
ninguém o Comandante saberá qual deverá ser a velocidade de segurança
para o seu navio e para as condições do momento.
3.2. Risco de abalroamento e manobras para o evitar
Esta Regra do RIEAM diz que a determinação da existência de risco
de abalroamento deve ser feita atempadamente e através de todos os meios
disponíveis a bordo. Entre estes meios, está incluído o radar.
O radar vai permitir, utilizando escalas de maior alcance, avaliar tão
cedo quanto possível, se existe o risco de abalroamento, permitindo assim,
que o navio que tenha de manobrar o faça a uma distância considerável,
não deixando a manobra para muito tarde.
Com boa visibilidade, a verificação de que há risco de abalroamento
deve ser confirmada por azimutes visuais.
O RIEAM não refere qualquer valor mas a prática considera
apropriado que se manobre a uma distância entre 3 a 5 milhas, devendo os
navios entre as 5 e as 8 milhas definir quem tem prioridade ou se ambos
têm de manobrar. Às 3 milhas a manobra já deverá estar concluída.
Para um navio de grande porte, no caso de ser o navio sem
prioridade, deve haver uma margem de manobra maior, que o comandante
deverá definir – possivelmente às 5 ou 6 milhas a manobra já deverá estar
feita.
As manobras para evitar abalroamentos, além de deverem ser feitas
com antecedência, devem ser claras, isto é, não deixar dúvidas ao navio que
tem prioridade. Aplicando esta regra ao navio de grande porte que não tem
prioridade, quer dizer que a alteração de rumo deve ser franca para que o
outro navio se aperceba da manobra que foi feita e não fique com dúvidas.
Este conceito é ainda mais importante quando se navega com má
visibilidade, pois o navegador só tem disponível a informação dada pelo
radar, pelo que convém que a manobra seja franca para ser detectada no
radar do navio que tem prioridade (hoje o AIS é um auxiliar importante,
pois quando o navio começa a alterar a proa essa informação chega ao
outro navio antes de a manobrar ser notada no radar).
O facto do navio de grande porte manobrar cedo permite-lhe fazer
uma alteração de rumo lenta e contínua sem que o navio descortine, o que o
obrigaria a meter muito leme para o bordo contrário para parar a guinada.
As manobras executadas para evitar o abalroamento com outro navio
devem ser feitas de modo a que os navios passem a uma distância segura.
Por norma, o navio de grande porte tentará nunca passar a menos de 1
milha do outro navio (em caso de bom tempo).
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NAVIO: GOVERNO E MANOBRA
O Regulamento prevê a redução de velocidade para resolver uma
situação de abalroamento mas num navio de grande porte essa solução não
traz resultados imediatos devido à inércia do navio.
3.3. Navio condicionado pelo calado
O Regulamento define: “um navio condicionado pelo seu calado
como o navio que, devido a relação calado-profundidade-largura de água
disponível, tem severamente limitada a sua capacidade de alterar o rumo a
que navega.”
O navio que tiver pouca água debaixo da quilha mas que tenha
espaço para guinar para ambos os bordos não pode ser considerado navio
condicionado pelo calado. Só o será se não puder alterar o rumo,
principalmente para estibordo.
Exemplificando, um navio de grande porte que navegue no Mar do
Norte numa “DW Route”, não poderá invocar o estatuto de navio
condicionado pelo calado.
4. Dados Tácticos do Navio
Os dados tácticos de um navio são retirados das curvas evolutivas,
tabelas de paragem (extinção natural de velocidade e “crash-stop”) e
tabelas de rotações.
4.1. Curvas Evolutivas
Chama-se curva evolutiva à trajectória curvilínea que um navio
descreve durante a manobra de mudança de rumo quando faz uma rotação
de 360º.
As curvas evolutivas são calculadas durante as provas de mar do
navio, antes da sua entrega ao Armador e devem estar expostas na Ponte
para consulta não só pelos Oficiais do navio como também pelos Pilotos
dos portos.
As curvas evolutivas são referidas a diferentes situações do navio
(carregado ou em lastro), para diferentes velocidades (MDAV até TFAV) e
para diferentes ângulos de leme, cobrindo assim todas as possibilidades.
Os valores encontrados durante as provas de mar são registados em
tabelas e gráficos que permitem uma rápida consulta.
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Figura 1 - Curva Evolutiva
As curvas evolutivas permitem ao navegador antecipar o espaço
necessário para o navio dar uma volta em redondo (diâmetro táctico).
Contudo, há que ter em mente que o vento, as correntes e as águas pouco
profundas geram forças que actuando sobre o navio, alteram as curvas
evolutivas. Por exemplo, em águas pouco profundas, o raio de giração
aumenta, necessitando o navio de mais espaço para rodar.
No planeamento da navegação em águas costeiras e em águas
restrictas, quando se tem de fazer uma grande alteração de rumo, as curvas
evolutivas são essenciais para o cálculo do ponto de guinada. Este é o ponto
onde se deve carregar o leme para que, navegando a uma determinada
velocidade e guinando com um certo ângulo de leme, se possa efectuar com
segurança a mudança de rumo desejada.
Recorrendo à curva evolutiva para a velocidade e ângulo de leme
previstos, retiram-se o avanço e o afastamento relativos à guinada
necessária para atingir o novo rumo.
Numa grande alteração de rumo, as curvas evolutivas são essenciais
para o cálculo do ponto de guinada (WO).
Na carta, traçam-se os dois rumos – no exemplo, uma guinada de 50º
no ponto A.
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NAVIO: GOVERNO E MANOBRA
Figura 2 - Aplicação do afastamento
De seguida, traça-se uma paralela ao rumo inicial a uma distância
igual ao afastamento que vai definir sobre o novo rumo o ponto final da
guinada (ponto B).
Partindo do ponto B, sobre a paralela marca-se o afastamento,
achando-se assim o ponto C. Deste ponto traça-se uma perpendicular ao
rumo inicial, encontrando-se assim o ponto D, que constitui o ponto de
guinada (WO).
Figura 3 - Aplicação do avanço, ponto de guinada
Quando o navio, no rumo inicial, chega ao ponto de guinada (ponto
D), mete leme de acordo com o previsto e o navio roda continuamente
devendo, no final da manobra, estar em cima no novo rumo (ponto B).
No navio de grande porte é essencial que nas grandes alterações de
rumo em águas costeiras ou restritas se proceda como foi descrito, para que
a manobra seja feita em segurança.
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4.2. Tabela de Extinção Natural da Velocidade
Também durante as provas de mar é calculada a tabela de extinção
natural da velocidade do navio, para várias velocidades.
O navio navega a um determinado regime de máquina e pára a
máquina. O leme é mantido a meio e, devido à inércia, o navio continua a
andar para vante durante algum tempo até parar em relação à água. É feito
um gráfico que mostra a distância, a trajectória e o tempo que o navio
navegou desde que parou a máquina até estar parado em relação à água.
Esta tabela é extraordinariamente importante para se ter uma ideia do
espaço necessário para se parar o navio. É claro que teremos sempre o
recurso à máquina a ré para reduzir esse espaço mas é um dado importante
para a manobra do navio.
4.3. “Crash Stop”
Outro teste que se faz durante as provas de mar é o “Crash Stop”. O
navio navega a toda a força a vante e, com o leme a meio, a máquina é
invertida para toda a força a ré. São registados a distância, o tempo e a
trajectória que o navio leva até parar.
O gráfico construído a partir desta prova é útil para nos ajudar a
antecipar o espaço necessário para parar o navio numa situação de
emergência.
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NAVIO: GOVERNO E MANOBRA
Figura 4 - Crash stop
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4.4. Tabela de Rotações
A tabela de rotações dá-nos a relação entre as rotações da máquina e
a velocidade do navio, referida normalmente para os regimes de manobra
(MD, D, MF e TF AV e AR).
Esta tabela permite-nos antecipar a velocidade do navio para a ordem
dada à máquina. Como se compreende, teremos também que entrar em
linha de conta com o vento, as correntes e os fundos baixos, que
influenciam os valores dados pela tabela de rotações.
5. Navegação em Alto Mar
A navegação em alto mar com bom tempo e boa visibilidade não traz
grandes preocupações ao Comandante de um navio de grande porte,
excepto garantir que os Oficiais Chefes de Quarto (OOW – “Officer On
Watch”) mantenham a distância segura quando alcançam ou quando
passam por um navio em rumo oposto. Esta informação consta das “Master
Standing Orders” que o OOW recebe quando embarca no navio (estas
ordens estão afixadas na Ponte).
Os mesmos cuidados se devem ter em situações de rumos cruzados
no caso de ser o navio de grande porte o navio que não tem prioridade.
Como anteriormente referido, logo que o navio que não tem prioridade
conclui que há risco de colisão, deve iniciar a manobra o mais cedo
possível e de uma forma franca, para deixar a situação clara e sem dúvidas
para o navio que tem prioridade.
A manobra deve ser feita com pouco leme e tendo em atenção a
velocidade de rotação (ROT – “Rate of Turn”), para não deixar o navio
descortinar, o que obrigaria a ter de compensar com um grande ângulo de
leme para o bordo contrário. A solução é manter o ROT entre 5 até ao
máximo de 10 graus por minutos, isto é, uma velocidade de giração que
seja fácil de parar.
Numa situação de má visibilidade, tudo o que foi dito anteriormente
se aplica mas, de acordo com o estipulado pelo RIEAM, a velocidade
deverá ser reduzida em função da visibilidade (normalmente e apenas como
orientação, recomenda-se uma velocidade que permita parar o navio em
metade da distância da visibilidade que estiver no momento).
Uma vez que se reduziu a velocidade, não nos podemos esquecer que
o navio vai ter uma reacção mais lenta à ordem de leme que for dada.
Navegando debaixo de mau tempo e caso seja necessário reduzir a
velocidade, aplicam-se os mesmos cuidados da redução de visibilidade.
Também em ambos os casos e de acordo com as “Master Standing
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NAVIO: GOVERNO E MANOBRA
Orders”, a distância de passagem de outros navios deverá ser aumentada
(se era 1 milha com tempo bom, passa a 1,5 ou 2 milhas).
6. Navegação em Águas Confinadas
Quando se fala na manobra de um navio, somos por vezes levados a
dizer que os navios têm ideias próprias. O que acontece na realidade é que
num dado momento um navio é afectado simultaneamente por diversas
forças (vento, corrente, fundos baixos, etc.) e a resultante dessas forças
pode não ser aquela que foi antecipada e daí a surpresa de o navio estar a
reagir de forma diferente.
É exactamente quando se navega em águas confinadas que a relação
entre as características do navio e as condições físicas envolventes exige
maiores cuidados por parte do Comandante quando faz o planeamento de
viagem.
Por outro lado, quando estes navios chegam a porto é normalmente
estabelecido logo à entrada o trem de reboques que vai assistir à manobra e
que levam estes navios até ao cais (referimo-nos aos portos tradicionais
para navios de grande porte, como por exemplo, Antifer, Roterdão ou
Sines).
Na maior parte dos portos em que estes navios amarram a bóias, aí a
manobra é feita sem o auxílio de reboques.
Figura 5 - Navio com trem de reboques passado
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Quando o navio se aproxima do porto, o grande desafio consiste na
sua desaceleração, ou seja, a diminuição gradual da velocidade.
Normalmente o Comandante escolhe um ponto (por exemplo, a posição de
embarque de piloto) onde deve chegar com a velocidade no mínimo,
velocidade mínima essa que lhe garanta o governo mas que também lhe
permita parar o navio facilmente, se for necessário. O Comandante começa
a reduzir a velocidade entre 14 a 16 milhas antes desse ponto, dependendo
das circunstâncias.
Para redução da velocidade também se pode utilizar o leme,
carregando-o sucessivamente a um bordo e a outro, enquanto o navio tem
seguimento.
Há diversos factores a ter em conta nesta aproximação e que são os
mesmos que estão relacionados com a velocidade de segurança.
A partir de uma determinada velocidade, o navio deixa de governar,
o que obriga a pequenos toques de máquina para que o navio volte a
governar. Por vezes, a seguir ter-se-á de dar um toque com a máquina a ré
para que o navio não ganhe velocidade (eventualmente acompanhado por
leme todo a um bordo para que o navio não descortine).
O facto de o navio estar carregado ou em lastro tem também muita
importância no seu comportamento. Se o navio estiver em lastro, com uma
grande área vélica, terá de se ter em atenção o abatimento do navio em
condições de vento forte transversal, sendo cada vez mais difícil governar o
navio à medida que a velocidade se vai reduzindo, o que vai obrigar ao
recurso da máquina para vencer o vento.
Se o navio estiver carregado (calado na ordem dos 20 ou 22 metros),
será o efeito da corrente a prevalecer sobre o efeito do vento, pelo que o
Comandante deve recolher o máximo de informação sobre as correntes que
afectam a área para poder antecipar a correcção que terá de fazer para o
abatimento do navio.
Na aproximação a águas restritas há outro factor a ter em conta que é
o “squat”.
Quando o navio está parado e começa a navegar, dá-se uma alteração
no seu calado e caimento. Assim, para além de aumentar o calado tanto a
vante como a ré, o navio tem tendência a abicar. Se depois entrar numa
zona de águas restrictas, vai sofrer nova alteração provocada pelo fundo
baixo e pela corrente de água gerada pelo movimento do navio e que vai
passar entre a quilha do navio e o fundo do mar, provocando uma
interacção que ainda aproxima mais o navio do fundo mar.
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NAVIO: GOVERNO E MANOBRA
Este efeito da aproximação da quilha ao fundo do mar tem o nome de
“squat” e a altura da água abaixo da quilha tem o nome de “under keel
clearance” ou UKC.
O efeito do “squat” varia com a velocidade do navio (quanto maior
for a velocidade do navio, mais ele se aproxima do fundo do mar). Antes de
entrar na zona de águas confinadas, determina-se qual a UKC desejada e
regula-se a velocidade do navio de modo a que esse valor não seja
ultrapassado (normalmente os portos informam qual o valor de UKC
obrigatório ou recomendado).
Exemplificando, um navio que navegue no Mar do Norte para
assegurar uma altura de água adequada ao passar no Estreito de Dover,
deverá consultar a publicação Mariners Handbook para tirar os valores de
UKC recomendados para as diferentes etapas da passagem, tendo em conta
a incerteza dos fundos marcados nas cartas e dos níveis das marés e para o
efeito da vaga e/ou ondulação provocadas por tempestades locais ou
distantes.
Se o porto de destino for Roterdão, os navios com calados na ordem
dos 20,7 a 22,6 metros devem consultar a publicação Deep Draught
Planning Guide – Greenwich Buoy to Europort, onde é descrita uma rota
apropriada onde estes navios podem navegar com praticamente todas as
condições de ondulação, maré e estado do mar.
Figura 6 - Aproximação a Roterdão (pormenor da carta do Almirantado nº 5500)
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FERNANDO FERREIRA ESTEVES
Em condições extremas de balanço do navio provocadas por forte
ondulação e estado do mar na área de aproximação a Roterdão, o navio não
poderá entrar e terá de prosseguir para o fundeadouro DW1, aguardando
pela melhoria das condições de tempo.
Quando se preveem estas condições extremas, os navios são avisados
através de mensagem difundida pelo sistema “Navtex”.
Ainda outro exemplo, navios de 22 metros de calado devem ter uma
UKC mínima de 9,5 metros quando navegam entre as bóias Vergoyer N e
ZC2 durante tempestades de sudoeste.
Figura 7 - Estreito de Dover (pormenor da carta do Almirantado nº 5500)
7. Conclusão
Neste pequeno trabalho procurei, de uma forma resumida, transmitir
a experiência vivida a bordo dos navios da Classe “N” da Soponata.
A primeira preocupação quando se elaborava o planeamento de
viagem era sem dúvida o calado do navio, mantendo o navio sempre que
possível em fundos superiores a 30 metros. Durante a Guerra do Golfo
(Irão/Kuwait), o Nisa (tal como outros navios da mesma tonelagem) na
viagem carregado de saída do Golfo tinha de entrar em águas do Irão em
busca de águas mais profundas.
O facto de procurar águas mais profundas afastava também estes
navios de algumas linhas de navegação congestionadas.
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NAVIO: GOVERNO E MANOBRA
Em termos de manobra e como atrás referido, quando havia
necessidade de alterar a proa, sem ser em manobra de emergência, havia o
cuidado de não deixar que a guinada ganhasse velocidade. Os timoneiros
eram industriados para meter até dez graus de leme e, logo que o navio
respondesse, reduzir para cinco graus ou mesmo pôr o leme a meio,
mantendo assim sempre a guinada controlada, de forma a que bastava
depois também um pequeno ângulo de leme para parar a guinada.
Outra preocupação era não deixar passar muito perto os outros
navios, principalmente com mau tempo ou má visibilidade. Também
manobrar com antecedência para deixar clara a manobra.
Os navios “N” tinham um bom governo com todas as condições de
tempo e mar.
Devido ao seu comprimento, cavalgavam sempre duas ondas, o que
era bom em termos de esforços estruturais do navio. Como tinham a proa
em forma de “U”, não cortavam o mar mas afastavam-no: quando as vagas
embatiam na proa, o mar era projectado lateralmente.
Tal como o ditado que diz “quanto maior for a nau, maior a
tormenta”, em lastro com mar lateral davam muito balanço. Carregados
praticamente não se mexiam e, como todos os petroleiros, tinham um
balanço lento.
Eram navios imponentes que fizeram parte dum momento alto da
vida da Soponata, embora por motivos diferentes a Companhia os tenha
vendido um pouco precocemente, em parte devido à falta de fretes a nível
mundial e porque os três a transportar ramas para Portugal era demasiado.
Como exemplos disso, o facto de o Nogueira ter estado imobilizado em
“lay-up” em Lisboa e depois Setúbal e de o Nisa ter estado quase dois anos
em Setúbal após a entrega.
Particularmente, gostei de andar nos três navios, talvez mais do
Neiva do que nos outros, embora tenha sido nele que apanhei alguns sustos
numa altura em que a caldeira furava e o navio ficava desgovernado.
Mas eram três grandes navios, sem dúvida.
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