1.7 Tensão superficial, espalhamento de líquidos, ângulo de contato e equação de Laplace. 1.7.1 Tensão superficial As interfaces6 entre líquidos e gases (superfícies) e entre diferentes líquidos são regiões de características diferentes daquelas do interior. Os átomos do interior dos líquidos estão fracamente ligados a seus vizinhos que se movem incessantemente. Entretanto, os átomos que estão na superfície ligam-se apenas com seus vizinhos das partes mais interiores do líquido, uma vez que os átomos da fase gasosa, em contato com o líquido, estão muito dispersos no espaço, interagindo muito menos com os átomos da superfície do líquido. Esta situação é ilustrada na Figura 1.7(a). Isto faz com que os átomos da superfície tenham, em média, maior coesão do que do interior. Assim, a superfície de um líquido pode ser compreendida como uma fina película que reveste toda sua extensão. No caso de uma interface entre dois líquidos imiscíveis, a interação entre os átomos da interface de um dos líquidos e os átomos de seu interior é diferente da interação entre esses átomos e aqueles da interface do outro líquido. Veja ilustração na Figura 1.7(b). Em ambos os casos, vemos que os átomos da superfície ou interface interagem com seus vizinhos diferentemente dos átomos do interior dos líquidos. Isso faz das superfícies e das interfaces regiões de maior energia e que exibam comportamento diferente daquele do interior. a b Figura 1.7: Moléculas de líquido nas interfaces com fases vapor (a) e liquida (b) interagem assimetricamente com seus vizinhos. Aumentar a superfície de um material significa deslocar átomos até lá, para uma região de maior energia. Criar ou aumentar uma superfície requer, portanto, trabalho. A energia superficial, γ, é definida como a energia envolvida na variação da área superficial de uma unidade de área. Sua unidade no SI é J/m2. Também é denominada J Nm N tensão superficial, cuja unidade é N/m (note que 2 = 2 = ). A tensão superficial é m m m também apresentada como a força aplicada para formar uma unidade de comprimento de superfície. E a superfície é apresentada como uma membrana ou filme superficial elástico que reveste, ou separa, o líquido. Este filme é mantido esticado pela tensão superficial. A área superficial de líquidos tende a ser a mínima possível para minimizar a energia da superfície. Por isso, pequenas gotas de líquidos tendem ao formato esférico na tentativa de minimizar a área superficial em respeito a seu volume. A tensão superficial é afetada pela temperatura. Quanto maior a temperatura, mais fraca é a interação entre os átomos. Portanto, menor é a tensão superficial. Químicos podem causar grande alteração da tensão superficial. Denominam-se surfactantes, substâncias capazes de diminuir a tensão superficial. Por exemplo, uma gota de detergente na água faria um mosquito que flutua sobre a água afundar (Figura 1.8). Surfactantes são largamente empregados em limpeza para fazer com que a água molhe 6 Interfaces entre sólidos e gases e entre líquidos e gases são chamadas simplesmente de superfícies. completamente as superfícies, penetrando no espaço entre os resíduos de sujeira, de modo a serem retirados mais facilmente. 1.7.2 Espalhamento de líquidos Quando uma gota de água é gentilmente colocada sobre uma superfície sólida, um de três comportamentos pode ocorrer, como ilustra a Figura 1.9. A gota se espalha continuamente sobre a superfície, formando uma película cada vez menos espessa; a gota se espalha até certo ponto, tomando a forma de uma calota; a gota se contrai, tentando assumir o formato esférico. É o balanço de energia entre as interfaces que determinará o quê ocorrerá. Existem três interfaces, com suas respectivas tensões superficiais: a superfície sólido/gás (γs), a superfície líquido/gás (γl) e a interface sólido/líquido (γsl). Se a gota se espalhar, as áreas da superfície líquido/gás e da interface sólido/líquido aumentam, enquanto a área da superfície sólido/gás diminui. O inverso ocorre se a gota contrair. As energias destas interfaces seguem o mesmo comportamento. O sistema caminhará para seu estado de menor energia. Assim, a soma da variação das energias interfaciais deve ser negativa. Figura 1.8: Inseto7 flutuando sobre a água devido à tensão superficial. Figura 1.9: Gota de líquido sobre superfície sólida. Retração da gota (A), espalhamento parcial (B) ou espalhamento total (C) podem ocorrer. (substituir figura) O balanço de energia é representado pelo parâmetro S, denominado coeficiente de espalhamento. Ele é a diferença entre os trabalhos de adesão e de coesão, expressão 7 Imagem de domínio público. http://en.wikibooks.org/wiki/Wikijunior:Bugs/Pondskater/Water_Strider (1.8). O trabalho de coesão (Wc) de um líquido é o trabalho que se realiza para dividir, em duas, uma coluna do líquido que tem uma seção transversal de área unitária, ou seja, é o trabalho para se criar superfície. Ao se fazer isso, duas superfícies são criadas. Cada uma de área unitária. O trabalho de adesão é o trabalho que se realiza para separar interfaces, expressão (1.9). Se uma interface é separada, duas superfícies são criadas. Por exemplo, separando-se uma interface entre líquido e sólido, as superfícies do sólido e do líquido agora estarão em contato com o gás. O trabalho de adesão é a diferença entre a energia da interface sólido/líquido e a soma das energias das superfícies do liquido e do sólido, expressão (1.10). S = Wa − Wc = γ s − γ l − γ sl (1.8) Wc = 2γ l (1.9) Wa = γ s + γ l − γ sl (1.10) Quando o coeficiente de espalhamento é positivo, o líquido tende a se espalhar completamente sobre o sólido. Do contrário, o espalhamento deve ser parcial. 1.7.3 Ângulo de contato A tendência do líquido molhar a superfície sólida é denominada molhabilidade e pode ser representada pelo ângulo entre o contorno da superfície da gota e a interface líquido/sólido, denominado ângulo de contato, como ilustra a Figura 1.10. Se o espalhamento é completo, o ângulo de contato tende a zero. Se o ângulo de contato é próximo a 180°, o coeficiente de espalhamento é altamente negativo. O ângulo de contato se relaciona às tensões superficiais através da equação de Young (1.11). γ s − γ sl − γ l cos θ = 0 (1.11) A Tabela 1.2 traz valores de tensões superficiais de diversos materiais. Figura 1.10: ângulo de contato formado entre gota de líquido sobre superfície sólida plana e as respectivas tensões superficiais de cada interface. Substituir imagem. Tabela 1.2: Tensão superficial de líquidos. Medições em 20°C, ao ar com 1 atm. Nome do Líquido Tensão Superficial (mN/m) Água pura 72,8 Água salgada 6,0M 82,55 Etanol 22,27 Metanol 22,6 Glicerina 63,0 Mercúrio 484,0 Acetona 23,7 Exemplo 1.2: É a tensão superficial a responsável por manter certos insetos ou objetos leves flutuando sobre a superfície da água, como mostra a Figura 1.8. Outro efeito da tensão superficial é a ascensão (ou depressão) capilar que se observa quando um tubo fino (capilar) é imerso em um líquido. O líquido pode subir, ficando em um nível mais alto de que o nível do líquido fora do tubo (ascensão), ou pode baixar, ficando abaixo do nível exterior (depressão). A Figura 1.11(a) ilustra ambos os casos. Como este fenômeno pode ser utilizado para estimar tensão superficial? Figura 1.11: Ascensão e depressão capilar (a) e parâmetros geométricos do problema (b). Solução: Se o balanço de energia favorecer o líquido a molhar a parede do tubo, o líquido tenderá a se espalhar sobre o tubo. A tensão superficial do filme superficial eleva o nível do líquido no interior do tubo. A tensão superficial, γl, do líquido exerce sobre a coluna de líquido uma força que tem componente vertical dado por FTS = π Dγ l cos θ (1.12) Esta é a força que levanta a coluna de água cujo peso é π D2 Fp = hg ρ (1.13) 4 Onde ρ é a densidade do líquido, D é o diâmetro do capilar, h é a elevação (ou depressão) da coluna de água e g é a aceleração da gravidade. Igualando as forças, temos Dhg ρ γl = (1.14) 4 cos θ Exemplo 1.3: Outro método usado para estimar a tensão superficial é o da elevação do anel. Neste, um anel fino de platina de perímetro l, orientado com seu eixo perpendicular à superfície do líquido, e suspenso por fixadores, é submerso no líquido e erguido vagarosamente. Ver Figura 1.12. Ao ser levantado sobre a superfície do líquido, o anel levanta uma coluna de líquido cuja superfície aumenta até romper, fazendo a coluna desabar. À medida que o anel é elevado, a força necessária para isso é registrada. Observa-se que essa força aumenta até atingir um máximo. Depois, começa a diminuir e, em seguida, a coluna se rompe e cai. O ponto de força máxima corresponde ao momento em que as paredes da coluna de líquido são paralelas. Como é possível determinar a tensão superficial? Figura 1.12: Anel de platina-irídio sendo erguido e levantando uma coluna de líquido (a) e corte lateral da coluna de líquido que se ergue com o anel (b). Solução: A energia superficial da coluna de líquido é dada por ES = 2lhγ l (1.15) Essa energia é o trabalho realizado por uma força para fazer o filme ter a altura h. W = Es = Fs h (1.16) Logo, Fs = 2lγ l (1.17) é a tensão superficial que levanta a coluna de água. Quando o peso da coluna superar a tensão superficial, a coluna rompe. A força máxima que ergue o anel, medida por uma balança, deve ser igual à soma do peso do anel seco e da tensão superficial FT = FP + 2lγ l (1.18) A tensão superficial é dada por F − FP γl = T (1.19) 2l Detalhes de construção fazem com que o valor medido de tensão superficial, assim como calculado, apresente erro significativo. Ajustes devem ser feitos para corrigir os valores medidos. Exemplo 1.4: A porosimetria é uma técnica muito utilizada para caracterização de estruturas porosas. Estas estruturas possuem espaços vazios em seu interior e podem ser naturais ou sintéticas. Os poros da estrutura podem ser fechados, também chamados isolados, ou podem ser interconectados, denominados abertos, formando uma rede contínua através da estrutura. Em reservas de petróleo, por exemplo, o óleo ocupa os poros abertos da rocha, denominada rocha reservatório. A medição do volume da porosidade aberta e do tamanho dos poros pode ser feita por porosimetria de mercúrio. Mercúrio possui ângulo de contato entre 110º e 140º com a maioria dos sólidos. Assim, espontaneamente, o mercúrio não infiltra os poros da estrutura. O porosímetro é o equipamento que pressiona o mercúrio contra a estrutura, forçando-o a penetrar os poros da estrutura. O equipamento aumenta gradualmente a pressão sobre o mercúrio, e o volume de mercúrio infiltrado na porosidade é medido. Ao final, uma curva de volume de mercúrio infiltrado versus pressão é produzida. A técnica supõe que os poros têm formato cilíndrico. Suponha um poro de diâmetro D sendo infiltrado por mercúrio, como ilustra a Figura 1.13. O ângulo de contato do mercúrio com sólido é θ. A tensão superficial impede a infiltração do poro e é dada por F = π Dγ cos θ (1.20) Uma força de igual magnitude e de sentido inverso deve ser feita sobre o mercúrio para que este penetre no poro. A pressão que deve ser aplicada pela máquina para fazer poros de diâmetro D serem infiltrados por mercúrio deve satisfazer a equação (1.21) π D2 P (1.21) π Dγ cos θ = 4 Portanto, a relação entre pressão aplicada sobre o mercúrio e o diâmetro do poro infiltrado é 4γ cos θ (1.22) D= P Figura 1.13: Mercúrio infiltrando um poro de diâmetro D em uma estrutura porosa. 1.7.4 Equação de Laplace As interfaces são fronteiras entre duas regiões adjacentes que podem expandir, contrair e se curvar. Estas regiões podem estar ou não submetidas à mesma pressão. Se este for o caso, a interface é plana. Caso contrário, as interfaces apresentam curvatura que dependerá da tensão superficial e da diferença de pressão entre as regiões. Considere um ponto em uma interface. Por este ponto, P, podem passar infinitas curvas pertencentes à interface, como mostra a Figura 1.14(a). Cada curva possui um raio de curvatura em P. Dentre todos os raios de curvatura, haverá ao menos um que terá o menor valor entre todos (raio mínimo de curvatura) e ao menos um que terá o valor máximo (raio máximo de curvatura). Estes são denominados raios principais de curvatura, R1 e R2. É resultado da geometria diferencial que as curvas L1 e L2 que possuem tais raios de curvatura são perpendiculares entre si. Com essas curvas, pode-se definir um segmento de superfície de área δ A = δ L1δ L2 (1.23) como mostra a Figura 1.14(b). a b Figura 1.14: Ponto P sobre interface. Por P infinitas curvas podem passar (a). As curvas perpendiculares L1 e L2 são aquelas correspondentes aos principais raios de curvatura R2 e R2. Suponhamos que a interface separa dois fluidos, denominados I e II. Através da interface não há troca líquida de moléculas nem de calor. O fluido I está submetido à pressão P1. O fluido II, à pressão P2. Suponha que a interface deslocou-se de sua posição original em direção ao fluido II (expansão do fluido I e contração do fluido II) e sofreu uma dilatação (aumento de área). Examinemos um segmento de interface de arestas perpendiculares δL1 e δL2 e raios principais de curvatura R1 e R2, conforme ilustra a Figura 1.15. Os trabalhos feitos pelas pressões P1 e P2, respectivamente, são dW1 = − PdV = P1δ L1δ L2 dR (1.24) 1 dW2 = − P2 dV = − P2δ L1δ L2 dR (1.25) Por convenção, adotamos o trabalho de P2 negativo. A mudança da área do segmento também envolve um trabalho dado por dWS = −γ dA (1.26) na qual γ é a tensão superficial da interface e dA é a variação da área do segmento. Por convenção, o trabalho para dilatar a área da interface é considerado negativo. A variação da área é dada por dA = (δ A + dA ) − δ A = (δ L1 + dL1 )(δ L2 + dL2 ) − δ L1δ L2 (1.27) Eliminando o termo menos significante, ficamos com dA = δ L1dL2 + δ L2 dL1 (1.28) Figura 1.15: Deslocamento de interface com expansão de área superficial. Parâmetros da construção geométrica. Por construção, vemos que o deslocamento da interface da quantidade dR equivale à variação dos raios principais de curvatura da mesma quantidade. Ou seja, dR = dR1 = dR2 (1.29) Ângulo, comprimento de arco e raio de curvatura estão relacionados por L =θR (1.30) Uma variação do raio de curvatura corresponde a uma variação do comprimento do arco dL = θ dR (1.31) Podemos escrever, então L L dL1 = 1 dR1 = 1 dR (1.32) R1 R1 L dL2 = 2 dR (1.33) R2 Substituindo (1.32) e (1.33) em (1.28), chega-se a ⎛ 1 1 ⎞ (1.34) dA = δ L1δ L2 dR ⎜ + ⎟ ⎝ R1 R2 ⎠ O trabalho total envolvido no deslocamento e dilatação da interface é a soma ⎛ 1 1 ⎞ (1.35) dW1 + dW2 + dWS = ( P1 − P2 ) δ L1δ L2 dR − γδ L1δ L2 dR ⎜ + ⎟ ⎝ R1 R2 ⎠ Se não há troca de energia com o exterior, o processo se desenvolve em equilíbrio. Neste caso, a soma é nula. Nesta condição, temos a equação de Laplace ⎛ 1 1 ⎞ (1.36) ΔP = P1 − P2 = γ ⎜ + ⎟ ⎝ R1 R2 ⎠ Se os raios principais de curvatura são positivos, então a pressão no meio I é maior de que aquela no meio II. Se o meio I é uma pequena gota de líquido e o meio II é o ar que a rodeia, pode-se desprezar a força da gravidade. A gota tende a assumir a forma esférica. Neste caso, os raios de curvatura são iguais, e a Eq. (1.36) tem a forma 2γ ΔP = (1.37) R Quanto menor for o raio da gota, maior deve ser a diferença de pressão através de sua superfície. A equação de Laplace também revela que líquidos com superfícies côncavas (raios de curvatura negativos) têm pressão inferior àqueles de superfícies planas (raios de curvatura infinitos). E estes possuem pressão inferior àqueles de superfície convexa (raios de curvatura positivos). Questão 1.1: A pressão de vapor de um líquido depende da pressão do líquido. Líquidos com maior pressão possuem maior pressão de vapor. Se um sistema constituído por uma gota de líquido está em equilíbrio com seu vapor, a pressão de vapor do líquido será maior do que aquela de um sistema contendo uma camada plana do líquido em equilíbrio com seu vapor. O que ocorreria se uma gota e uma camada plana do mesmo líquido fossem colocadas lado a lado em contato com a mesma fase vapor? Resposta: a gota do líquido (superfície convexa) tenderia a forma vapor com pressão maior do que a camada plana. A pressão parcial de líquido na fase gasosa tenderia a um valor intermediário entre a pressão de vapor da gota e aquela da camada plana. O sistema não entraria em equilíbrio. A gota tenderia a evaporar e o vapor tenderia a condensar na camada plana.