836 A IMPORTÂNCIA DA ENTREVISTA INICIAL COM OS PAIS NA PSICOTERAPIA INFANTIL Suelen Ribeiro da Rocha1 Carla Adriana da Silva Villwock2 Resumo: O presente artigo foca a entrevista inicial com pais como importante ferramenta na psicoterapia infantil. Refere a visão de diferentes autores sobre o assunto e traz relatos da prática clínica, fazendo uma reflexão sobre o tema. Através da análise crítico-reflexiva da prática no estágio e contribuições teóricas, foi possível verificar a relevância da entrevista inicial com pais na clínica infantil. Palavras-chave: Psicoterapia Infantil. Entrevista Inicial. Prática Clínica. INTRODUÇÃO A participação dos pais no tratamento psicológico de seus filhos é cada vez mais valorizada, pois é muito importante para o sucesso do processo terapêutico. A entrevista inicial tem papel fundamental para que haja esse engajamento dos pais no tratamento dos filhos. Além disso, a entrevista pode nos trazer muitos dados relevantes a respeito da dinâmica familiar e o papel dos pais na família. Este artigo tem como objetivo integrar conhecimentos teóricos sobre o tema e experiências na psicoterapia infantil vivenciadas durante o estágio, fazendo uma reflexão a respeito da importância da entrevista inicial com os pais e suas principais características. PRIMEIRO CONTATO Conforme Aberastury (1992), na primeira entrevista, o filho não deve estar presente, mas ser informado da consulta. Embora seja sugerida a presença de pai e mãe, é freqüente o comparecimento apenas da mãe, excepcionalmente o pai, e, poucas vezes, os dois, e estas situações são reveladoras do funcionamento familiar. Na maioria das entrevistas iniciais realizadas durante o estágio compareceram apenas as mães, em alguns casos, avós ou cuidadores, e, apenas em casos de pais separados nos quais o pai está com a guarda legal, o pai compareceu à entrevista, confirmando a teoria estudada. 1 Acadêmica do curso de Psicologia da ULBRA, estagiária de Psicologia e Processos Clínicos. Psicóloga, docente do curso de Psicologia da ULBRA, Supervisora Acadêmica do Estágio de Psicologia e Processos Clínicos. 2 837 De acordo com Marcelli (1998), a maneira como a primeira entrevista se desenrola é rica de informações, como: o modo de contato (telefone ou pessoalmente), a pessoa que entra em contato (a mãe, o pai, parente próximo, assistente social, a própria criança) e as motivações brevemente enunciadas, ditas de imediato ou mantidas em segredo. O desenrolar da entrevista depende em parte do terapeuta e em parte da família. Segundo Bleichmar (2005), o primeiro contato geralmente começa por um contato telefônico que merece muita atenção. A técnica clássica priorizava que a primeira entrevista fosse sempre com os pais e que o filho não estivesse presente, mas fosse informado da consulta. Atualmente, o formato da entrevista depende da definição inicial do problema, a partir do contato telefônico. Para optar pelo melhor formato é necessário analisar alguns dados importantes como a origem do encaminhamento (escola, pedido da criança, decisão familiar), quem realizou o contato (mãe, pai, algum familiar), a idade da criança e, principalmente, o motivo da consulta. A partir destes dados pode-se optar pelo formato clássico ou o formato variável, no qual a primeira entrevista pode ser somente com a criança ou com os pais e a criança juntos, por exemplo. Eizirik, Aguiar e Schestatsky (2005), ressaltam que o fato de a criança não vir para o atendimento por conta própria confere à psicoterapia infantil uma característica específica que inclui a participação dos pais ou responsáveis durante todo o processo. Uma boa relação do terapeuta com os pais favorece em muito esse processo. ORIGEM DO ENCAMINHAMENTO Conforme Cordioli (1998), a forma e origem do encaminhamento podem oferecer algum indício sobre o possível funcionamento familiar. Por exemplo, quando se recebe uma criança encaminhada pela escola, sem que os pais vejam motivos para tal, isto deve alertar para uma provável negação que os pais estejam fazendo acerca dos sintomas do filho. “A professora reclama que ele é terrível, mas ela que não tem paciência. Acho que no ano que vem vou trocá-lo de escola.” (mãe de L. com 05 anos). A mãe de L. não aceitava que seu filho apresentava sérios sintomas de agressividade; neste caso, o encaminhamento foi feito pela escola do menino e a mãe mostrava-se resistente ao tratamento. De acordo com Eizirik, Aguiar e Schestatsky (2005), a forma de encaminhamento constitui um dado inicial importante, uma vez que o fato de ter sido a escola, por exemplo, a primeira a perceber a perturbação da criança pode indicar pouca sensibilidade, grande tolerância ou negação dos sintomas da criança por parte da família. 838 Algumas vezes, quando o encaminhamento é feito pela escola, principalmente por problemas de comportamento da criança, os pais tendem a negar e culpar os professores pela conduta apresentada pelos filhos no ambiente escolar. Os pais podem ainda incumbir o terapeuta da responsabilidade pelo cuidado do filho, ou atribuir a ele a solução onipotente de todos os conflitos. “Meu filho é ótimo, só tem esse problema da escola, que com certeza a senhora vai resolver, pois é a profissional que estudou para isso.” (pai de B. com 11 anos). O pai de B. nega os sintomas do filho, minimizando a situação e restringindo o problema ao contexto escolar. Além disso, ele não reconhece a responsabilidade da família no tratamento de B., colocando a terapeuta como responsável pela melhora do filho. MOTIVO DA CONSULTA É essencial investigar o que fez os pais buscarem atendimento e verificar os sintomas apresentados pela criança e as queixas dos pais. A repercussão dos sintomas no contexto familiar e na escola também são fatores importantes. Segundo Cordioli (1998), é essencial pesquisar o início dos sintomas, seu possível fator desencadeante, agravantes ou atenuantes, sua evolução, sendo importante saber como os pais ou escola lidam com o problema e o grau de comprometimento da criança. “Ela sempre foi um bebê agitado, a partir dos dois anos começou a ter crises de agressividade e com o tempo ficou pior. Atualmente, ela me agride fisicamente, gosta de me fazer sentir dor, não obedece e não aceita ordens.” (mãe de A. com 07 anos). Através dos relatos da mãe de A. foi possível constatar que os sintomas apresentados pela menina se agravaram com o passar do tempo. De acordo com Aberastury (1992), os pais devem sentir que tudo que recordam sobre o motivo da consulta é importante, e na medida das possibilidades, registrar minuciosamente os dados do início, desenvolvimento, agravamento ou melhora do sintoma, para depois confrontá-los com os que conseguirem no decorrer da entrevista. A comparação dos dados obtidos durante a análise da criança com os apresentados pelos pais na entrevista inicial é de suma importância para avaliar em profundidade as relações com o filho. Conforme Eizirik, Aguiar e Schestatsky (2005), é de suma importância identificar como os pais, cuidadores ou escola lidam com a situação de crise e qual a repercussão do problema na vida familiar, escolar e social. “Eu não sei mais como lidar com esta situação, 839 isso está acabando comigo, deste jeito quem vai adoecer sou eu. Não tenho mais vida, não consigo trabalhar e minha vida gira em torno dela.” (Relato da mãe de A. com 07 anos). Através deste relato, foi possível perceber que o problema de A. tem grande repercussão na vida familiar, principalmente na da mãe que é a cuidadora. A mãe está em sofrimento e foi orientada a procurar atendimento individual, além de continuar participando do grupo de Orientação. De acordo com Fernandes (apud HÜSKEN, 2010, p.94), a versão transmitida pelos pais sobre a problemática e, principalmente, a forma de descrição do sintoma, oferecem chaves importantes para aproximação do significado real que o mesmo assume no contexto familiar. HISTÓRIA DA CRIANÇA É fundamental conhecer a história de vida da criança, coletar dados sobre seu desenvolvimento e sua rotina de vida. Segundo Aberastury (1992), é importante saber como transcorre um dia na vida atual da criança, um domingo ou feriado e o dia de seu aniversário. As brincadeiras favoritas, os hábitos e suas principais atividades. “Ele ficava a tarde inteira assistindo o mesmo programa de televisão sobre venda de produtos e ficava quieto, por isso eu deixava. Então, as pessoas começaram a falar que aquilo não era normal para a idade dele”. (mãe de C. com 05 anos). Através da rotina descrita pelos pais, podemos perceber o funcionamento familiar e, analisando os hábitos, brincadeiras e comportamentos mais comuns da criança, verificar se seu funcionamento está dentro do esperado para sua faixa etária. De acordo com relatos da mãe de C. podemos perceber que ele estava apresentando comportamentos que precisavam ser investigados, pois não eram comuns para uma criança da sua idade. No decorrer da prática em entrevistas com pais, podemos perceber que cada detalhe pode ser importante e devemos estar atentos. Saber dados da história pregressa da criança e do seu desenvolvimento é fundamental, também é necessário saber dados atuais, como a rotina de vida, as características pessoais da criança e seus hábitos. De acordo com Cordioli (1998), dados como: história familiar, antecedentes obstétricos, antecedentes neonatais, desenvolvimento neuropsicomotor, antecedentes mórbidos e escolaridade são essenciais. Conforme Eizirik, Aguiar e Schestatsky (2005), é necessário investigar também o grau de dependência da criança em seus cuidados básicos 840 diários, como hábitos de higiene, alimentação, vestimentas, sua iniciativa e capacidade de enfrentar situações adversas. Morrison (2010) destaca que é importante saber a idade dos pais quando a criança nasceu, se eles eram suficientemente maduros, as condições da família, se eram bons provedores, se têm algum tempo livre para ficar com a criança e que tipo de técnicas disciplinares são utilizadas pelos pais. Também se faz necessário saber “quando o filho desobedece ou desafia os pais, como estes se conduzem? Que tipo de punições e castigos são utilizados por eles? Como a criança reage aos castigos ou a colocação de limites?” ( FICHTNER, 1997, p. 184). “Eu não sei mais como devo agir, ela não obedece, posso colocar de castigo, ameaçar tirar as coisas que ela gosta, não adianta, ela diz que não se importa e não obedece. Quando não a deixo fazer o que quer, faz uma cena.” (Mãe de A. com 07 anos). A partir dos relatos da mãe de A. foi possível perceber que ela está desorientada em relação a como conduzir a colocação de regras e limites com a filha. Percebe-se que ela já está exausta, fez muitas tentativas e não obteve sucesso, devido o transtorno apresentado pela menina, isso se torna mais complicado e a mãe necessita de orientação. CONSIDERAÇÕES FINAIS Pode-se concluir através deste estudo que existem muitos aspectos a serem investigados e analisados em uma entrevista inicial com pais. As teorias nos ensinam o que perguntar e a prática como direcionar as perguntas para nos dar as informações de que precisamos. Portanto, é essencial desenvolver essa capacidade, a escuta e também a habilidade de conduzir a entrevista de forma satisfatória. Um bom rapport é fundamental, e, no caso de crianças, na entrevista com pais, é necessário ressaltar o não julgamento. A entrevista não pode parecer um interrogatório, pelo contrário, o entrevistador precisa aliviar o sofrimento e a culpa que o adoecimento do filho desperta, oferecendo aos pais uma escuta qualificada. Através da entrevista inicial, percebemos muito sobre a criança e seu funcionamento no contexto familiar, tendo uma ideia geral do caso. Mas, muitos dados vão surgindo no decorrer dos atendimentos e é necessário que os pais estejam acompanhando o tratamento e dispostos a colaborar em outras ocasiões. Enfim, a participação dos pais é fundamental na psicoterapia infantil e quando os pais investem no tratamento de seus filhos, os resultados são mais satisfatórios, pois, para o bom 841 andamento da terapia, os pais devem estar motivados para o tratamento e reconhecer a necessidade do mesmo. REFERÊNCIAS ABERASTURY, Arminda. Psicanálise da Criança: Teoria e Técnica. 8. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. BLEICHMAR, Emilce. Manual de Psicoterapia de La Relación Padres e Hijos. Buenos Aires: Paidós, 2005. CORDIOLI, Aristides Volpato. Psicoterapias Abordagens Atuais. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998. EIZIRIK, Cláudio; AGUIAR, Rogério; SCHESTATSKY, Sidnei. Psicoterapia de Orientação Analítica: fundamentos teóricos e clínicos. 2.ed. Porto Alegre: Artmed, 2005. FICHTNER, Nilo. Transtornos mentais da Infância e da Adolescência: um enfoque desenvolvimental. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. HÜSKEN, Rosane. Psicopedagogia Clínica: diagnóstico e intervenção. Pelotas: Cópias Santa Cruz Ltda., 2010. MARCELLI, D. Manual de psicopatologia da infância de Ajuriaguerra. 5.ed. Porto Alegre: Artmed, 1998. MORRISON, James. Entrevista Inicial em Saúde Mental. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.