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A IMPORTÂNCIA DA ENTREVISTA INICIAL COM OS PAIS
NA PSICOTERAPIA INFANTIL
Suelen Ribeiro da Rocha1
Carla Adriana da Silva Villwock2
Resumo: O presente artigo foca a entrevista inicial com pais como importante ferramenta na
psicoterapia infantil. Refere a visão de diferentes autores sobre o assunto e traz relatos da
prática clínica, fazendo uma reflexão sobre o tema. Através da análise crítico-reflexiva da
prática no estágio e contribuições teóricas, foi possível verificar a relevância da entrevista
inicial com pais na clínica infantil.
Palavras-chave: Psicoterapia Infantil. Entrevista Inicial. Prática Clínica.
INTRODUÇÃO
A participação dos pais no tratamento psicológico de seus filhos é cada vez mais
valorizada, pois é muito importante para o sucesso do processo terapêutico. A entrevista
inicial tem papel fundamental para que haja esse engajamento dos pais no tratamento dos
filhos. Além disso, a entrevista pode nos trazer muitos dados relevantes a respeito da
dinâmica familiar e o papel dos pais na família. Este artigo tem como objetivo integrar
conhecimentos teóricos sobre o tema e experiências na psicoterapia infantil vivenciadas
durante o estágio, fazendo uma reflexão a respeito da importância da entrevista inicial com os
pais e suas principais características.
PRIMEIRO CONTATO
Conforme Aberastury (1992), na primeira entrevista, o filho não deve estar presente,
mas ser informado da consulta. Embora seja sugerida a presença de pai e mãe, é freqüente o
comparecimento apenas da mãe, excepcionalmente o pai, e, poucas vezes, os dois, e estas
situações são reveladoras do funcionamento familiar.
Na maioria das entrevistas iniciais realizadas durante o estágio compareceram apenas
as mães, em alguns casos, avós ou cuidadores, e, apenas em casos de pais separados nos quais
o pai está com a guarda legal, o pai compareceu à entrevista, confirmando a teoria estudada.
1
Acadêmica do curso de Psicologia da ULBRA, estagiária de Psicologia e Processos Clínicos.
Psicóloga, docente do curso de Psicologia da ULBRA, Supervisora Acadêmica do Estágio de Psicologia e
Processos Clínicos.
2
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De acordo com Marcelli (1998), a maneira como a primeira entrevista se desenrola é
rica de informações, como: o modo de contato (telefone ou pessoalmente), a pessoa que entra
em contato (a mãe, o pai, parente próximo, assistente social, a própria criança) e as
motivações brevemente enunciadas, ditas de imediato ou mantidas em segredo. O desenrolar
da entrevista depende em parte do terapeuta e em parte da família.
Segundo Bleichmar (2005), o primeiro contato geralmente começa por um contato
telefônico que merece muita atenção. A técnica clássica priorizava que a primeira entrevista
fosse sempre com os pais e que o filho não estivesse presente, mas fosse informado da
consulta. Atualmente, o formato da entrevista depende da definição inicial do problema, a
partir do contato telefônico. Para optar pelo melhor formato é necessário analisar alguns
dados importantes como a origem do encaminhamento (escola, pedido da criança, decisão
familiar), quem realizou o contato (mãe, pai, algum familiar), a idade da criança e,
principalmente, o motivo da consulta. A partir destes dados pode-se optar pelo formato
clássico ou o formato variável, no qual a primeira entrevista pode ser somente com a criança
ou com os pais e a criança juntos, por exemplo.
Eizirik, Aguiar e Schestatsky (2005), ressaltam que o fato de a criança não vir para o
atendimento por conta própria confere à psicoterapia infantil uma característica específica que
inclui a participação dos pais ou responsáveis durante todo o processo. Uma boa relação do
terapeuta com os pais favorece em muito esse processo.
ORIGEM DO ENCAMINHAMENTO
Conforme Cordioli (1998), a forma e origem do encaminhamento podem oferecer
algum indício sobre o possível funcionamento familiar. Por exemplo, quando se recebe uma
criança encaminhada pela escola, sem que os pais vejam motivos para tal, isto deve alertar
para uma provável negação que os pais estejam fazendo acerca dos sintomas do filho.
“A professora reclama que ele é terrível, mas ela que não tem paciência. Acho que no
ano que vem vou trocá-lo de escola.” (mãe de L. com 05 anos). A mãe de L. não aceitava que
seu filho apresentava sérios sintomas de agressividade; neste caso, o encaminhamento foi
feito pela escola do menino e a mãe mostrava-se resistente ao tratamento.
De acordo com Eizirik, Aguiar e Schestatsky (2005), a forma de encaminhamento
constitui um dado inicial importante, uma vez que o fato de ter sido a escola, por exemplo, a
primeira a perceber a perturbação da criança pode indicar pouca sensibilidade, grande
tolerância ou negação dos sintomas da criança por parte da família.
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Algumas vezes, quando o encaminhamento é feito pela escola, principalmente por
problemas de comportamento da criança, os pais tendem a negar e culpar os professores pela
conduta apresentada pelos filhos no ambiente escolar. Os pais podem ainda incumbir o
terapeuta da responsabilidade pelo cuidado do filho, ou atribuir a ele a solução onipotente de
todos os conflitos.
“Meu filho é ótimo, só tem esse problema da escola, que com certeza a senhora vai
resolver, pois é a profissional que estudou para isso.” (pai de B. com 11 anos). O pai de B.
nega os sintomas do filho, minimizando a situação e restringindo o problema ao contexto
escolar. Além disso, ele não reconhece a responsabilidade da família no tratamento de B.,
colocando a terapeuta como responsável pela melhora do filho.
MOTIVO DA CONSULTA
É essencial investigar o que fez os pais buscarem atendimento e verificar os sintomas
apresentados pela criança e as queixas dos pais. A repercussão dos sintomas no contexto
familiar e na escola também são fatores importantes.
Segundo Cordioli (1998), é essencial pesquisar o início dos sintomas, seu possível
fator desencadeante, agravantes ou atenuantes, sua evolução, sendo importante saber como os
pais ou escola lidam com o problema e o grau de comprometimento da criança.
“Ela sempre foi um bebê agitado, a partir dos dois anos começou a ter crises de
agressividade e com o tempo ficou pior. Atualmente, ela me agride fisicamente, gosta de me
fazer sentir dor, não obedece e não aceita ordens.” (mãe de A. com 07 anos). Através dos
relatos da mãe de A. foi possível constatar que os sintomas apresentados pela menina se
agravaram com o passar do tempo.
De acordo com Aberastury (1992), os pais devem sentir que tudo que recordam sobre
o motivo da consulta é importante, e na medida das possibilidades, registrar minuciosamente
os dados do início, desenvolvimento, agravamento ou melhora do sintoma, para depois
confrontá-los com os que conseguirem no decorrer da entrevista. A comparação dos dados
obtidos durante a análise da criança com os apresentados pelos pais na entrevista inicial é de
suma importância para avaliar em profundidade as relações com o filho.
Conforme Eizirik, Aguiar e Schestatsky (2005), é de suma importância identificar
como os pais, cuidadores ou escola lidam com a situação de crise e qual a repercussão do
problema na vida familiar, escolar e social. “Eu não sei mais como lidar com esta situação,
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isso está acabando comigo, deste jeito quem vai adoecer sou eu. Não tenho mais vida, não
consigo trabalhar e minha vida gira em torno dela.” (Relato da mãe de A. com 07 anos).
Através deste relato, foi possível perceber que o problema de A. tem grande
repercussão na vida familiar, principalmente na da mãe que é a cuidadora. A mãe está em
sofrimento e foi orientada a procurar atendimento individual, além de continuar participando
do grupo de Orientação.
De acordo com Fernandes (apud HÜSKEN, 2010, p.94), a versão transmitida pelos
pais sobre a problemática e, principalmente, a forma de descrição do sintoma, oferecem
chaves importantes para aproximação do significado real que o mesmo assume no contexto
familiar.
HISTÓRIA DA CRIANÇA
É fundamental conhecer a história de vida da criança, coletar dados sobre seu
desenvolvimento e sua rotina de vida. Segundo Aberastury (1992), é importante saber como
transcorre um dia na vida atual da criança, um domingo ou feriado e o dia de seu aniversário.
As brincadeiras favoritas, os hábitos e suas principais atividades.
“Ele ficava a tarde inteira assistindo o mesmo programa de televisão sobre venda de
produtos e ficava quieto, por isso eu deixava. Então, as pessoas começaram a falar que
aquilo não era normal para a idade dele”. (mãe de C. com 05 anos).
Através da rotina descrita pelos pais, podemos perceber o funcionamento familiar e,
analisando os hábitos, brincadeiras e comportamentos mais comuns da criança, verificar se
seu funcionamento está dentro do esperado para sua faixa etária. De acordo com relatos da
mãe de C. podemos perceber que ele estava apresentando comportamentos que precisavam ser
investigados, pois não eram comuns para uma criança da sua idade.
No decorrer da prática em entrevistas com pais, podemos perceber que cada detalhe
pode ser importante e devemos estar atentos. Saber dados da história pregressa da criança e do
seu desenvolvimento é fundamental, também é necessário saber dados atuais, como a rotina
de vida, as características pessoais da criança e seus hábitos.
De acordo com Cordioli (1998), dados como: história familiar, antecedentes
obstétricos,
antecedentes
neonatais,
desenvolvimento
neuropsicomotor,
antecedentes
mórbidos e escolaridade são essenciais. Conforme Eizirik, Aguiar e Schestatsky (2005), é
necessário investigar também o grau de dependência da criança em seus cuidados básicos
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diários, como hábitos de higiene, alimentação, vestimentas, sua iniciativa e capacidade de
enfrentar situações adversas.
Morrison (2010) destaca que é importante saber a idade dos pais quando a criança
nasceu, se eles eram suficientemente maduros, as condições da família, se eram bons
provedores, se têm algum tempo livre para ficar com a criança e que tipo de técnicas
disciplinares são utilizadas pelos pais.
Também se faz necessário saber “quando o filho desobedece ou desafia os pais, como
estes se conduzem? Que tipo de punições e castigos são utilizados por eles? Como a criança
reage aos castigos ou a colocação de limites?” ( FICHTNER, 1997, p. 184).
“Eu não sei mais como devo agir, ela não obedece, posso colocar de castigo, ameaçar
tirar as coisas que ela gosta, não adianta, ela diz que não se importa e não obedece. Quando
não a deixo fazer o que quer, faz uma cena.” (Mãe de A. com 07 anos).
A partir dos relatos da mãe de A. foi possível perceber que ela está desorientada em
relação a como conduzir a colocação de regras e limites com a filha. Percebe-se que ela já está
exausta, fez muitas tentativas e não obteve sucesso, devido o transtorno apresentado pela
menina, isso se torna mais complicado e a mãe necessita de orientação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pode-se concluir através deste estudo que existem muitos aspectos a serem
investigados e analisados em uma entrevista inicial com pais. As teorias nos ensinam o que
perguntar e a prática como direcionar as perguntas para nos dar as informações de que
precisamos. Portanto, é essencial desenvolver essa capacidade, a escuta e também a
habilidade de conduzir a entrevista de forma satisfatória.
Um bom rapport é fundamental, e, no caso de crianças, na entrevista com pais, é
necessário ressaltar o não julgamento. A entrevista não pode parecer um interrogatório, pelo
contrário, o entrevistador precisa aliviar o sofrimento e a culpa que o adoecimento do filho
desperta, oferecendo aos pais uma escuta qualificada.
Através da entrevista inicial, percebemos muito sobre a criança e seu funcionamento
no contexto familiar, tendo uma ideia geral do caso. Mas, muitos dados vão surgindo no
decorrer dos atendimentos e é necessário que os pais estejam acompanhando o tratamento e
dispostos a colaborar em outras ocasiões.
Enfim, a participação dos pais é fundamental na psicoterapia infantil e quando os pais
investem no tratamento de seus filhos, os resultados são mais satisfatórios, pois, para o bom
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andamento da terapia, os pais devem estar motivados para o tratamento e reconhecer a
necessidade do mesmo.
REFERÊNCIAS
ABERASTURY, Arminda. Psicanálise da Criança: Teoria e Técnica. 8. ed. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1992.
BLEICHMAR, Emilce. Manual de Psicoterapia de La Relación Padres e Hijos. Buenos
Aires: Paidós, 2005.
CORDIOLI, Aristides Volpato. Psicoterapias Abordagens Atuais. 2. ed. Porto Alegre:
Artmed, 1998.
EIZIRIK, Cláudio; AGUIAR, Rogério; SCHESTATSKY, Sidnei. Psicoterapia de
Orientação Analítica: fundamentos teóricos e clínicos. 2.ed. Porto Alegre: Artmed, 2005.
FICHTNER, Nilo. Transtornos mentais da Infância e da Adolescência: um enfoque
desenvolvimental. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
HÜSKEN, Rosane. Psicopedagogia Clínica: diagnóstico e intervenção. Pelotas: Cópias
Santa Cruz Ltda., 2010.
MARCELLI, D. Manual de psicopatologia da infância de Ajuriaguerra. 5.ed. Porto
Alegre: Artmed, 1998.
MORRISON, James. Entrevista Inicial em Saúde Mental. 3. ed. Porto Alegre: Artmed,
2010.
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