Instrumentação Geotécnica para Muros de Solo Reforçado em Escala Real Mario Riccio Doutorando – COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil. Mauricio Ehrlich Prof. Adjunto - COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil. RESUMO: Apresenta-se neste artigo um programa de instrumentação para estudo de um muro de solo reforçado. A instrumentação constitui-se de aparelhos que permitirão o monitoramento das tensões e deformações no interior da massa de solo reforçado. O valor da sucção será medido por meio de tensiômetros, verificando a influência desta sobre o comportamento da estrutura. As cargas atuantes nos reforços serão monitoradas por meio de células de carga. As deformações internas durante o período construtivo e pós-construtivo serão avaliadas por meio de dois inclinômetros, placas magnéticas de recalque e extensômetros mecânicos. As deformações externas da face serão acompanhadas por meio de topografia. Termopares permitirão conhecer a temperatura em pontos distintos da estrutura. Um bloco de face instrumentado registrará as componentes vertical e horizontal que atuam na fundação da face do muro. A distribuição e magnitude do carregamento na fundação do muro serão analisadas com o auxílio de células de tensão total. PALAVRAS-CHAVE: Instrumentação, Solo Reforçado, Muro, Sucção, Geossintético. 1 INTRODUÇÃO Fatores importantes no comportamento de estruturas de solo reforçado, são normalmente negligenciados em procedimentos convencionais de projeto. Tais fatores como a rigidez relativa solo-reforço, a tensão horizontal induzida pela compactação do solo, o efeito estabilizador da face e sucção do solo (poropressão negativa) serão investigados por meio da instrumentação descrita a seguir. Ehrlich e Mitchell (1994) chamam a atenção para a necessidade de se considerar a relação da rigidez do reforço em relação ao solo (e não de forma isolada), bem como a tensão horizontal residual induzida durante o processo de compactação. Tatsuoka (1993) apresenta estudo sobre o efeito da face sobre as tensões atuantes nos reforços e o incremento de resistência ao cisalhamento do solo devido à sucção é discutido por Fredlund et al. (1978). Outros fatores pertinentes que podem ser destacados são as tensões atuantes na fundação e na face da estrutura e as deformações internas associadas à fluência do conjunto solo-reforço (Fannin, 2001). O muro de contenção, a ser instrumentado, será construído utilizando-se solo local com elevada fração de finos, de modo a permitir o desenvolvimento da sucção matricial do solo a níveis significativos, viabilizando a verificação e quantificação de sua ação estabilizadora. Os reforços a serem utilizados serão do tipo geogrelha (fabricante Huesker). Desta forma objetiva-se, a partir da análise dos resultados obtidos, expor para a comunidade técnica a relação custo-benefício das estruturas de soloreforçado construídas com uso de solo local, prevenindo a exploração de jazidas e custos associados ao transporte de solo. Serão discutidos os aspectos positivos e negativos (caso ocorram) com relação ao uso de solo com finos na construção do muro, solos estes abundantes nas regiões tropicais. 2 INSTRUMENTAÇÃO Descreve-se a seguir a instrumentação desenvolvida especificamente para cada medida a ser efetuada na estrutura de solo reforçado. 2.1 Medida da Tração nos Reforços GEOSSINTÉTICO Foi projetado e confeccionado um sistema para medição de cargas nos reforços, conforme ilustrado na figura 1. O sistema é composto basicamente de três partes: (a) talas para fixação do geossintético; (b) ligação entre as talas e as células de carga – eliminação de esforços indesejáveis; (c) células de carga. O projeto do sistema objetivou a eliminação de registros de esforços parasitas de torção e flexão que vinham ocorrendo em trabalhos deste tipo (Saramago 2002, por exemplo) e a possível relocação de células de carga conforme alterações de projeto, mantendo um nível de sensibilidade adequado e prevenindo o uso desnecessário de sensores. As talas de fixação foram recobertas com lixa em uma de suas faces para evitar escorregamento do geossintético, seguindo a sugestão de Saramago (2002). As células de carga foram confeccionadas em aço tipo ABNT 316, adotando-se uma seção cilíndrica de modo a prover um aumento do momento de inércia e conseqüentemente maior resistência a esforços de flexão que de alguma forma não fossem eliminados. As talas de fixação foram construídas em aço AISI 304. O extensômetro adotado para a confecção das células de carga foi o modelo KFG-1-120-D16-16 do fabricante Kyowa Eletronic Instruments Co. As células receberam uma proteção mecânica constituída de um tubo de poliuretano (PU 80 shore A) com 2,5mm de espessura e um recobrimento em material termo retrátil. Observa-se também, figura 2, que o sistema permite a introdução ou retirada de células ao longo do comprimento do reforço, de acordo com a distribuição de carga prevista ao longo desse. Alguns autores como Tatsuoka (1993) e Loiola (2001) indicam que tal distribuição é influenciada pela rigidez da face. A influência da rigidez dos reforços, ao relocar a superfície potencial de ruptura, é outro fator a afetar este padrão de distribuição, segundo (Mitchell e Villet, 1987). TALA LIGAÇÃO CÉLULA Figura 1. Sistema para medição de carga no reforço. B PADÕES DE DISTRIBUIÇÃO DE CARGA NOS REFORÇOS A e B PADRÃO A CÉLULA FACE PADRÃO B Figura 2. Distribuição de células ao longo do reforço. 2.2 Tensões na Face e Fundação Foi concebido um bloco para monitoramento das componentes vertical e horizontal que atuam na fundação da face do muro (bloco inferior). Seis células foram inseridas no bloco. Quatro das células foram posicionadas na vertical, para monitoramento do esforço de compressão e duas na horizontal para monitoramento da tensão cisalhante, que corresponde à soma dos esforços horizontais que atuam nos blocos da base até o topo da estrutura. O bloco foi projetado para substituir um bloco da estrutura real e o projeto pode ser visto na figura 3. As células são constituídas de um corpo metálico instrumentado em aço 316 (ABNT). O corpo metálico possui uma seção vazada com espessura reduzida, local instrumentado. A transição entre o topo (e base) do corpo metálico e a seção com espessura reduzida foi suavizada, de forma a evitar concentração de tensões. seja a adoção de mercúrio ou óleo (Ribas, 1980) o fluido utilizado para preenchimento da câmara foi água deaerada, o que representou uma simplificação operacional considerável. A câmara da célula foi conectada a um transmissor de pressão (WIKA – S10) por meio de um tubo rígido. As células foram submetidas à calibração do tipo hidrostática, verificando que os valores da curva de calibração do transmissor de pressão e da célula (câmara + transmissor) apresentaram-se iguais. Este equipamento pode ser visto na figura 4. BORRACHA E SILICONE CÉLULAS DE CARGA σ Câmara c/ Fluido Confinado τ Dimensões em cm CÉLULAS PARA MEDIDA DE CISALHAMENTO Transdutor Solda CÉLULAS PARA MEDIDA DE COMPRESSÃO τ Figura 4. Célula de tensão total. σ Figura 3. Bloco instrumentado. Para medição das tensões totais atuantes na fundação, foram construídas células de tensão total do tipo fluido confinado. Quatro células medirão tensões verticais, enquanto uma medirá a componente de tensão horizontal do solo atuando próxima à face. As células foram construídas buscando-se reduzir a razão entre a espessura da câmara e seu diâmetro o máximo possível. A razão obtida foi (h/φ) = 0,03, para valores de φ = 300mm (diâmetro) e h = 10mm. A célula de Gloetzl, por exemplo, possui uma razão (h/φ) da ordem de 0,06. Para a confecção das mesmas foi utilizado processo de estamparia e solda, em chapas de aço 304 com 0,3mm de espessura. Embora a recomendação 2.3 Medida de Sucção Foram construídos cinco tensiômetros com a finalidade de se quantificar o valor e evolução da sucção mátrica no interior da massa de solo reforçado. Esses equipamentos foram construídos e calibrados segundo o exposto no trabalho de Diene (2004) que por sua vez baseou-se na concepção de tensiômetro apresentada por Ridley e Burland (1993), que consistia basicamente de um transdutor de pressão que trabalhasse no ramo negativo acoplado a uma pedra porosa com alta pressão de borbulhamento (valor de entrada de ar alto). A concepção de Ridley e Burland (1993) diferencia-se de alguns autores como Tarantino e Mongiovì (2002) por utilizar um transdutor de pressão comercial, ao invés de construir também o transdutor. Neste trabalho optou-se por acoplar uma pedra com alto valor de entrada de ar (15 bar) a um transdutor comercial, o que representou uma significativa simplificação construtiva e operacional. Um aspecto muito importante para uma performance satisfatória deste instrumento é a saturação da pedra porosa e a eliminação de núcleos de cavitação da água armazenada no aparelho. Segundo Take e Bolton (2003) a saturação do elemento poroso pode ser descrita pela combinação das leis de Boyle (pressão e volume de uma bolha) e Henry (solubilidade) traduzida pela equação (1). (S − Si )(1 − H ) ΔP = P ⋅ i 1 − (S − H) entre 12000 kPa e – 85 kPa com a finalidade de reduzir tais núcleos. Transdutor Cabeçote de acrílico Pedra Porosa (1) onde: H = constante de Henry (0,02 ml de ar/ 1,00ml de água); Si = grau inicial de saturação; Pi = pressão inicial absoluta; ∆P = variação de pressão necessária para saturação do elemento poroso. Conforme (1) é necessária a aplicação de uma pressão de 5,0 MPa para a completa saturação de um elemento poroso inicialmente seco em estufa. Estes autores sugerem a aplicação da pressão ∆P no tensiômetro, com a pressão atuando tanto na pedra porosa quanto na água contida no reservatório e denominam tal operação de pré-pressurização. No entanto ressaltam que o valor de ∆P não deve ultrapassar a capacidade do transdutor, já que esta pressão pode danificar transdutores que trabalhem em uma faixa reduzida de pressão. Desta forma a metodologia de saturação limitou-se a aplicar uma pressão máxima permitida para o conjunto transdutor e pedra (tensiômetro), efetuando-se anteriormente uma saturação inicial do elemento poroso. A saturação inicial consiste basicamente na aplicação de vácuo seco na pedra porosa e posteriormente submersão desta, mantendo-se o vácuo. A figura 5 ilustra esquematicamente um tensiômetro. Foram utilizados quatro transdutores de pressão WIKA S-10 e um ASCHROFT K1 para a construção dos aparelhos. A utilização do WIKA S10 teve como objetivo reduzir o volume de água no reservatório (volume entre a pedra porosa e a membrana sensível do transdutor), reduzindo a probabilidade da ocorrência de núcleos de cavitação. Pesquisadores como Guan e Fredlund (1997) submeteram tensiômetros a ciclos de pressões Figura 5. Esquema do Tensiômetro. 2.4 Deformações Internas e Externas 2.4.1 Internas Foram selecionadas placas magnéticas de recalque e inclinômetros para a avaliação das deformações internas verticais e horizontais, respectivamente. As placas magnéticas, foram confeccionados para medição de recalques no interior da massa reforçada durante e após a construção. Um conjunto de placas abrangeu a zona ativa e o outro a passiva. Estas placas estão ilustradas na figura 6 e são atravessadas por dois tubos de inclinômetro, um na zona ativa e outro na zona passiva. A placa foi confeccionada em polipropileno e possui um ímã em forma de anel circundando o orifício central. O posicionamento de tais placas é lido por uma sonda magnética. Os tubos de inclinômetro são do fabricante Slope Indicator, de plástico do tipo ABS. O diâmetro externo destes tubos é de 70,0mm, valor recomendado pelo fabricante para monitoramento de deslocamentos de média magnitude e a espessura da parede do tubo de 6,0 mm. Ímãs nas extremidades inferiores de dois tubos (um locado na zona ativa e outro na passiva) servem de referência indeslocável para as placas magnéticas de recalque. Neste caso um dos eixos dos inclinômetros deve ser orientado perpendicularmente à face do muro. Selecionou-se o comprimento de 1,5m para as seções dos tubos, de forma a facilitar este tipo de medida em aterros compactados. onde: ε(1,2) = deformação média do geotêxtil na DIMENSÕES EM CM região entre os pontos 1 e 2; ∆1, ∆2 = diferença entre a leitura atual e a leitura inicial para os pontos 1 e 2; ∆L(1,2) = distância entre os pontos de leitura 1 e 2. ESPESSURA: 2.5 CM 3 Ímã Figura 6. Placa magnética de recalque. 2.4.2 Externas As deformações externas serão acompanhadas por meio de topografia, o que não constituiu um desenvolvimento de instrumentação. 2.5 Fluência do Reforço LOCAÇÃO DA INSTRUMENTAÇÃO A instrumentação a ser implantada no muro de solo reforçado será locada em uma seção situada no ponto médio do comprimento do muro de contenção (seção principal), conforme ilustra a figura 8. A localização da seção principal tem o objetivo de que as medidas sejam representativas de uma condição de deformação plana, característica deste tipo de obra geotécnica. Uma seção de redundância será considerada, conforme recomendo por Christopher et al., (1990). Essa seção visa verificar se os valores lidos na seção principal instrumentada podem ser extrapolados para outras seções. De modo a acompanhar as deformações dos reforços ao longo do tempo, após o período construtivo de uma obra em solo reforçado, foram selecionados extensômetros mecânicos, que se constituem de arames presos aos reforços, em pontos que guardam certo espaçamento, e que podem se deslocar dentro de conduítes até a parte externa da estrutura, transferindo as deformações dos reforços (figura 7) para um referencial fixo externo à estrutura. O sistema é composto por tubos de INCLINÔMETRO REFORÇO TENSIÔMETRO T T nylon 5,0mm de diâmetro externo e 1,0mm de espessura e fios de aço inoxidável com 0,5mm de diâmetro. TERMOPAR MEDIÇÃO DE CARGA NO REFORÇO BLOCO (face) CÉLULA DE CARGA T T 1 2 REFORÇO ∆L1,2 CÉLULA T. TOTAL EXTENSÔMETRO Figura 7. Extensômetros mecânicos. Figura 8. Locação da instrumentação – seção principal. Neste caso a deformação média no reforço entre dois pontos de medição 1 e 2 é dada por (2). ε (1, 2 ) = (Δ 1 − Δ 2 )/∆L (1,2 ) BLOCO INSTRUMENTADO (2) 4 CONCLUSÕES O presente trabalho apresentou uma instrumentação construída para o monitoramento de uma estrutura real de contenção em solo reforçado, as principais conclusões são resumidas abaixo: - O sistema para medida de tração nos reforços mostrou-se eficiente na eliminação de esforços indesejáveis de flexão e torção nas células, permitindo flexibilidade conforme alterações eventuais de projeto. - As calibrações efetuadas nas células de carga (tração nos reforços), tensiômetros, células de tensão total e células do bloco de face instrumentado mostraram confiabilidade da instrumentação proposta. - No caso dos tensiômetros utilizados neste trabalho, a aplicação da pressão recomendada por Take e Bolton (2003) danificaria os transdutores de pressão. Desta forma, deve-se procurar utilizar um transdutor com a maior pressão máxima admissível, considerando a aplicação desejada, sem comprometer a sensibilidade do instrumento. - Ensaios de esforços mecânicos mostraram que a instrumentação possui resistência adequada para uso em campo. AGRADECIMENTOS Os autores gostariam de registrar os seus agradecimentos às seguintes instituições, pelo auxílio financeiro: CNPq (Conselho Nacional para Pesquisa), FUJB (Fundação Universitária José Bonifácio) e HUESKER geossintéticos. REFERÊNCIAS Christopher, B. R., Gill, S.A., Giroud, J. P., Juran, I., Mitchell, J. K., Schlosser, F., e Dunnicliff, J., (1990), “Reinforced Soil Structures Vol. 1: Design and Construction Guidlines”, FHWA, Report FHWA–RD89-043. Diene,A. A., (2004), “Desenvolvimento de Tensiômetros para Sucção Elevada Ensaiados em Lisímetros de Laboratório”, dissertação de Mestrado, COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil. Ehrlich, M., Mitchell, J. 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