Fenômenos de Transporte I Aula 02 Prof. Dr. Gilberto Garcia Cortez 1 3. Estática dos fluidos 3.1- Introdução Por definição, um fluido deve deformar-se continuamente quando uma tensão tangencial de qualquer magnitude lhe é aplicada. A ausência de movimento relativo (e por conseguinte, de deformação angular), implica a ausência de tensões de cisalhamento. Na estática dos fluidos, a velocidade relativa entre as partículas do fluido é nula, ou seja, não há gradiente de velocidade. Uma vez que não há movimento relativo dentro do fluido, o seu elemento não se deforma. Portanto, em fluidos em equilíbrio estático atuam somente forças de campo gravitacional e normais e não há esforços tangenciais. 2 3.2- Equação básica da estática dos fluidos Em um fluido em repouso (estático), submetido ao campo gravitacional, as únicas forças que atuam sobre um elemento fluido são o peso e as forças devidas às pressões estáticas p = p(x, y, z). Consideremos um elemento de volume xyz, com faces paralelas aos planos de um sistema de coordenadas retangulares x, y, z, isolado de um fluido em repouso com massa específica , conforme é mostrado na Figura 1. As forças de pressão atuam sobre o elemento fluido de acordo com a coordenada de posição da face do elemento cúbico sobre a qual atua a pressão. 3 Figura 1: Elemento de volume isolado de um fluido em repouso com as pressões estáticas exercidas pelo restante do fluido 4 A força peso do elemento fluido é dado por: W mg ρVg ρxyz g (1) A força de superfície resultante, devida às pressões estáticas que atuam sobre o elemento, é dada por: Fp p x p x x yzi p y p y y xz j p z p z z xy k (2) Como o fluido está em repouso, a força resultante que atua sobre um elemento de volume deve ser nula, ou seja, tem-se um condição de equilíbrio dada por: F W F p 0 (3) 5 ( 1 ) e ( 2) em ( 3 ): ρxyz g px p x x yz i p y p y y xz j pz p z z xy k 0 (4) Dividindo a equação (4) pelo volume xyz, rearranjando os termos e fazendo o limite quando o volume do elemento tende a zero, obtém-se p y p y y p x p x x p z p z z lim i j k ρg xyz 0 x y z p p p i j k ρg x y z (5) (6) O termo do lado esquerdo da equação (6) é a definição do gradiente de pressão, em coordenadas retangulares, dado por: p p p p i j k x y z (7) 6 Portanto, a equação (6) pode ser escrita como: p ρg (8) A equação (8) é equação básica da estática dos fluidos. Considerando o sistema de coordenadas retangulares mostrado na Figura 1, a equação (8) pode ser decomposta nas componentes escalares. p ρg x x p ρg y y p ρg z z Por conveniência, escolhemos o referencial com o eixo y paralelo ao vetor gravidade, de forma que: gx 0 gy g gz 0 7 Assim, considerando um eixo y vertical com sentido positivo para cima, conclui-se que a pressão varia somente em função de y, de maneira que se pode escrever p ρg y (9) E que os planos xz horizontais são planos isobáricos, ou seja, pontos que estão à mesma altura (ou profundidade) dentro do mesmo fluido possuem pressões estáticas iguais. 8 3.3- Variação da pressão em um fluido em repouso a) Variação da pressão em um fluido incompressível ( = cte) Um fluido incompressível tem massa específica constante, de forma que a integração da equação básica da estática dos fluidos fica simplificada. Tem-se que: P ρg ( 10 ) e, considerando um referencial com eixo y vertical, com sentido positivo para cima, resulta que a equação (10) fica sendo: dp ρg constante dy ( 11 ) 9 A variação da pressão com a altura é determinada por meio da integração da equação (11) com as condições de contorno adequadas. Considerando que a pressão num nível de referência y0 é p0 , determina-se a pressão p(y) numa altura y com a integração da equação (11), de forma que: p y p0 y dp ρg dy y0 p y p 0 ρg y y 0 ou seja, a diferença de pressão entre dois pontos, num fluido incompressível, é diretamente proporcional à diferença de altura entre esses dois pontos. 10 Para líquidos, geralmente é mais conveniente a adoção de um referencial com um eixo h, paralelo ao vetor campo gravitacional, com origem na superfície livre e sentido positivo para baixo, conforme é mostrado na Figura a seguir; g Patm 0 h +y P(h) p h h dp ρg dy patm 0 p h p atm ρgh 0 11 p h p atm ρgh ( Equação da hidrostática ) p h p atm γ h ( 12 ) p h p atm γ h A equação (12) é conhecida como a lei de Stevin, que diz que a diferença de pressão entre dois pontos de um fluido em repouso é igual ao produto do peso específico () do fluido pela diferença de cotas entre dois pontos (h). Assim, num fluido incompressível ( = constante): - a pressão varia linearmente com a profundidade; - a pressão é a mesma em todos os pontos sobre um dado plano horizontal y no fluido. 12 Pressão atmosférica Para se determinar a pressão atmosférica a uma dada altitude, é necessário conhecer-se primeiro como a temperatura varia com a altitude. Uma boa aproximação para a troposfera (altitudes de até 11000 km) é aquela que considera que a temperatura reduz-se linearmente com a altitude. Nesse caso, e considerando o ar atmosférico como gás ideal, a pressão à altitude z acima do nível do mar, poderá ser estimada por meio da seguinte equação: B.z p p 0 1 T 0 5, 26 ( 13 ) onde p0 = 101325 N/m2 (pressão atmosférica ao nível do mar na altitude zero), B = 6,5x10-3 Kelvin/m e T0 = 288,16 Kelvin (15C). 13 Tabela: Pressão atmosférica em função da altitude Altitude (m) 0 300 600 900 1200 1500 1800 2100 2400 2700 3000 Patm (mca) 10,33 9,96 9,59 9,22 8,88 8,54 8,20 7,89 7,58 7,31 7,03 A pressão atmosférica pode ser obtida através da expressão dada a seguir, que apresenta precisão para a maioria das aplicações: p = 760 – 0,081h (mm de Hg) h = altitude do local em metros. 14 Exemplo. Estimar a pressão atmosférica à altitude de 3000m, utilizando a equação (13) e comparar o valor obtido com aquele utilizando a lei de Stevin (eq. 12). Utilizando a fórmula dada pela equação (13), temos: B.z p p 0 1 T 0 5, 26 6,5x10 K/m3000m 101325N/m 1 288,16K 2 3 5, 26 p 70086N/m 2 Por outro lado, utilizando a lei de Stevin com ar = 11,77N/m3, temos: p p 0 γ h 101325N/m 2 11,77N/m3 3000m p 66015N/m 2 Isso representa uma diferença de apenas 5,8% com relação ao valor exato obtido por meio da equação (13). Para altitudes inferiores a 1000m, os erros serão inferiores a 5%. 15 b) Variação da pressão em um fluido compressível ( é variável) A variação da pressão em um fluido compressível também é determinada através da integração da equação básica da estática dos fluidos dada por: P ρg ( 14 ) Para um fluido compressível a massa específica não é constante, de forma que é necessário expressá-la em função de outra variável na equação (14). Uma relação entre a massa específica e a pressão pode ser obtida através da equação de estado do gás ou por meio de dados experimentais. 16 m PV nRT RT (lei dos gases perfeitos) M m PM RT ρRT V PM ρ RT PM P g RT ( 15 ) A equação (15) introduz outra variável, que é a temperatura, de maneira que é necessária uma relação adicional da variação da temperatura com a altura. 17 3.4- Medidas de pressão. 3.4.1- Barômetro de mercúrio. As medidas de pressão são realizadas em relação a uma determinada pressão de referência. Usualmente, adota-se como referência a pressão nula existente no vácuo absoluto. A pressão relativa ocorre porque muitos instrumentos de pressão são do tipo diferencial, registrando não a magnitude absoluta, mas a diferença entre a pressão do fluido e a atmosfera que pode ser positiva (manômetros) ou negativa (vacuômetros). 18 Deve-se observar que, nas equações de estado, a pressão utilizada é a absoluta, dada por: pabsoluta patm prelativa ( 16 ) A pressão atmosférica local, representada por patm pode ser medida por um barômetro. O mais simples é o barômetro de mercúrio construído por Evangelista Torricelli em 1643. ( Barômetro de mercúrio ) 19 Na Figura anterior, tem-se: h é a altura da coluna de mercúrio no tubo de vidro; Patm é a pressão atmosférica local; e P0 é a pressão de vapor do mercúrio. Aplicando a equação básica da estática dos fluidos no barômetro de mercúrio, temos: P ρg dp ρ Hg g dy pB pA h dp ρ Hg g dy 0 p B p A ρ Hg gh 20 Pontos que estão a mesma altura, dentro do mesmo fluido, têm a mesma pressão, de forma que pA = patm e como pB = p0 , obtém-se: p0 patm ρ Hg gh ou patm p0 ρ Hg gh ( 17 ) Em condições normais de temperatura e pressão, a pressão de vapor do mercúrio é praticamente nula, ou seja, p0 0, resultando: patm ρ Hg gh ( 18 ) A pressão atmosférica normal, ao nível do mar, corresponde a uma coluna de mercúrio com altura h = 76 cm. Substituindo os dados, Hg = 13600 kg/m3 , g = 9,81 m/s2 , h = 0,76 m , na equação (18), resulta: patm = 101320 N/m2 (Pa) = 101,32 kPa 1 atm = 101325 Pa(N/m2) = 101,325 kPa = 1,01325 bar = 1,0332 kgf/cm2 = 33,91 ftH2O = 10,332 mH2O (mca) = 14,7 psi (lbf/in2) = 29,92 inHg = 760 mmHg (Torricelli) 21 3.4.2- Manômetro de tubo em U com líquido manométrico. A introdução de um líquido manométrico no manômetro de tubo em U, permite utilizá-lo na medição de pressões de gases ou líquidos, pois esse líquido impede que o gás escape pelo tubo. É importante que se utilize um líquido manométrico que apresente um peso específico bastante elevado de modo a evitar colunas contendo o fluido manométrico muito altas. 22 De acordo com a lei de Stevin (equação 12), a pressão em C em relação à pressão em B (observando que PB = PA), será dada por: PC PB γ h 2 PA γ h 2 ( 19 ) Ocorre que em C, temos a interface do fluido com o líquido manométrico, sendo que a pressão aí é igual à pressão em D, por se tratar de pontos na mesma horizontal de um mesmo líquido, PC = PD ; assim, tendo em vista o resultado anterior, temos: PD PA γ h 2 ( 20 ) Aplicando novamente a lei de Stevin (equação 12), para determinação da pressão em D, em relação à pressão na superfície livre do líquido manométrico no tubo, onde reina a pressão atmosférica local, resulta em: PD Patm γ LM h1 ( 21 ) 23 Igualando as equações (20) e (21), resulta o seguinte resultado: PA γ h 2 Patm γ LM h1 PA Patm γ LM h1 γ h 2 ( 22 ) Na equação 22, a pressão PA representa a pressão absoluta no tubo (líquido ou gás). Para a medida da pressão relativa (ou manométrica) o valor da pressão atmosférica é zero (na escala efetiva). Assim, a pressão manométrica no ponto A será: PA γ LM h1 γ h 2 ( 23 ) Para medir pressões de líquidos (ex. água) utiliza-se mercúrio como fluido manométrico (SGHg =13,6). 24 Exemplo 01: Água escoa através dos tubos A e B. Óleo com densidade relativa 0,8, encontra-se na parte superior do tubo em U invertido. Mercúrio (densidade relativa 13,6), encontra-se no fundo das curvas do manômetro. Determine a diferença de pressão, PA – PB. 25 p C p A ρ água gd1 p D p C ρ Hg gd 2 p E p D ρ óleogd 3 p F p E ρ Hg gd 4 p B p F ρ água gd 5 p B p A ρágua gd1 ρ Hg gd 2 ρóleogd 3 ρ Hg gd 4 ρágua gd 5 p B p A ρágua gd1 d 5 ρ Hg gd 2 d 4 ρóleogd 3 SG fluido ρ fluido ρ água a 4 C 0 ρ Hg SG Hg ρ água a 4 C ρ óleo SG óleoρ água a 4 C 0 0 26 pB p A ρágua gd1 d 5 SG Hg d 2 d 4 SG óleod3 kg m m p B p A 10 3 9,81 2 10 8 13,6 3 5 0,8x4 inx0,0254 m s in 3 pB pB 1kPa pB kg m p A 25814,43 2 2 m s N p A 25814,43 2 25814,43Pa m 103 Pa ; 1 atm 101,325 kPa p A 25,81 kPa x 1 p A p B 25,81 kPa p A p B 0,25 atm 27 Exemplo 02: Ar está passando por um tubo com 4cm de coluna de água (4,0cmH2O) de vácuo. O barômetro indica que a pressão atmosférica local é 730 mmHg. Qual é a pressão absoluta do gás (Ar) em polegadas de mercúrio (inHg)? Dado: 760mmHg = 29,92inHg Vácuo Ar Ar 4 cm Água 29,92inHg Patm 730mmHg 28,9inHg 760mmHg 28 1in 1ft 29,92inHg Pvácuo 4cmH 2 O 0,12inHg 2,54cm 12in 33,91ftH2 O Pabsoluta Patm Prelativa vácuo Pabsoluta Patm Pvácuo Pabsoluta 28,92inHg 0,12inHg Pabsoluta 28,8 inHg 29 3.4.3- Piezômetro. O piezômetro é o dispositivo mais simples para a medição de pressão. Consiste na inserção de um tubo transparente no recipiente (tubulação) onde se quer medir a pressão. - O líquido subirá no tubo piezométrico a uma altura “h”, correspondente à pressão interna; - Devem ser utilizados tubos piezométricos com diâmetro superior a 1cm para evitar o fenômeno da capilaridade; - Não serve para a medição de grandes pressões ou para gases. Aplicando a lei de Stevin (eq. 12), considerando somente a pressão relativa em A (ou manométrica), temos: PA γ h ( 24 ) 30 3.4.4- Manômetro metálico de Bourdon. Diferentemente dos manômetros de tubo com líquido, o manômetro de Bourdon (Eugène Bourdon, 1849, França) mede a pressão de forma indireta, por meio da deformação de um tubo metálico, daí o seu nome. Conforme indica a Figura a seguir, neste manômetro, um tubo recurvado de latão, fechado numa extremidade e aberto na outra (denominada tomada de pressão), deforma-se, tendendo a se endireitar sob o efeito da mudança de pressão. Um sistema do tipo engrenagem-pinhão, acoplado à extremidade fechada do tubo, transmite o movimento a um ponteiro que se desloca sobre uma escala. O tubo recurvado de latão, por estar externamente submetido à pressão atmosférica local, somente se deformará se a pressão na tomada for maior ou menor que aquela. 31 Assim, a pressão indicada por este manômetro é sempre a pressão relativa. Quando não instalado, o manômetro de Bourdon indica zero, em qualquer altitude. Quando este manômetro ocupa um ambiente onde a pressão seja diferente da pressão atmosférica local, a pressão indicada Pindicada (ou manométrica ) será dada por: Pindicada Ptomada Pambiente ( 25 ) onde Pambiente é a pressão no ambiente onde está o manômetro e Ptomada é a pressão na tomada, ou seja é a pressão absoluta em relação à pressão do ambiente local onde está instalado o manômetro. Uma escala muito utilizada neste manômetro é aquela produzida em unidades práticas de kgf/cm2. Outras escalas de pressão utilizadas são bar e psi. 32 Exemplo 03: Para a instalação da Figura a seguir, são fornecidos: pressão indicada no manômetro de Bourdon Pindicada = 2,5 kgf/cm2 e peso específico do mercúrio Hg = 1,36x104 kgf/m3. Pede-se determinar a pressão no reservatório 1, P1 . 33 Solução: Determinemos, primeiramente, a pressão no ambiente onde está o manômetro de Bourdon. Essa pressão é a do gás contido no reservatório 2, P2, que é a mesma pressão que reina na superfície livre do reservatório 2. Por sua vez, essa pressão é igual à pressão em A, pois A está no mesmo plano horizontal da superfície livre do mercúrio no reservatório 2. Assim, P2 = PA. Pela aplicação direta da lei de Stevin (eq. 12) em A, levando-se em consideração a coluna de mercúrio de altura h = 1,5m temos que a na escala relativa (efetiva) a pressão no ambiente 2 é: P2 PA γ Hg h (1) Então, a pressão relativa no ambiente onde está o manômetro de Bourdon será: Pambiente P2 γ Hg h (2) 34 Para o manômetro de Bourdon, temos: Pindicada Ptomada Pambiente (3) com Pindicada = 2,5 kgf/cm2 , Ptomada = P1 e Pambiente = Hg.h Isolando Ptomada no primeiro membro na expressão acima e substituindo estes últimos resultados, temos: P1 Pindicada Pambiente 2,5kgf/cm2 γ Hg .h Reconhecendo que Hg = 1,36x104 kgf/m3 = 1,36x10-2 kgf/cm3 e que h = 1,5m = 150cm, temos para P1 o valor de: P1 2,5kgf/cm2 1,36x102 kgf/cm3 150cm P1 4,54 kgf/cm2 (Ambiente 1) 35 Exemplo 04: Qual é a pressão indicada pelo manômetro C se as pressões indicadas pelos manômetros A e B são respectivamente PA = 45 psi e PB = 20 psi? A pressão barométrica é 30,55 inHg. 14,7 psi = 29,92 inHg (Tabela de conversões de pressão) Solução: A pressão barométrica correspondente local, Patm é: 14,7psi Patm 30,55inHg 15psi 29,92inHg 36 As pressões nos compartimentos 1 e 2 não estão à pressão atmosférica local. O manômetro indica a pressão absoluta (tomada) em relação à pressão do ambiente local onde está instalado o manômetro: Pindicada,A Ptomada,A Pambiente Ptomada,A Pindicada,A Pambiente Ptomada,A 45 15 60 psia A unidade de pressão é psi, a letra “a” no final é para frisar que o valor da pressão é de pressão absoluta. Tanto o manômetro A quanto o manômetro B medem a pressão no compartimento 1. Assim, Ptomada,B Ptomada,A 60 psia 37 O manômetro B mede a pressão no compartimento 1 (tomada B) em relação à pressão no compartimento 2, PB: Pindicada,B Ptomada,B Pambiente,2 Pambiente,2 Ptomada,B Pindicada,B Pambiente,2 60 20 40 psia O manômetro C mede a pressão no compartimento 2 (tomada C), assim: Ptomada,C Pambiente,2 Ptomada,C 40 psia A leitura do manômetro C então pode ser calculada: Pindicada,C Ptomada,C Pambiente Pindicada,C 40 15 25 psi 38 39