VIII E P A E M
Encontro Paraense de Educação Matemática
Faces da História da Matemática e da
Educação Matemática na Amazônia
NÚMEROS COMPLEXOS NA VIDA REAL:
UMA ABORDAGEM SOBRE O ENSINO E ALGUMAS APLICAÇÕES
Adrielle Cristine Mendello Lopes
Universidade do Estado do Pará
[email protected]
Vanessa Pereira Garcez Cabral
Universidade do Estado do Pará
[email protected]
Fábio José da Costa Alves
Universidade do Estado do Pará e Universidade da Amazônia
[email protected]
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo abordar o ensino dos números complexos no Ensino Médio, bem
como as problemáticas durante o ensino-aprendizado em detrimento da pouca sistematização do
conteúdo e da falta de contextualização, devido ao enfoque tradicional dos currículos escolares.
Neste sentido apresentamos uma proposta didática utilizando a Teoria dos Fractais e Geometria,
como exemplos de aplicações para serem contextualizados na sala de aula, de forma a facilitar o
processo de aceitação da existência dos números complexos pelos alunos, já que tais números não
representam quantidades ou medidas. O estudo dos fractais, apesar de não fazer parte do currículo
do ensino médio, se transforma em uma ferramenta importante, pois as características fascinantes
dos fractais podem estimular o aprendizado. A representação geométrica de um número complexo
relaciona o próprio conteúdo com a Geometria Analítica, pois um número complexo tratado como um
ente geométrico beneficia a visualização e se desvincula parcialmente do enfoque algébrico. Logo,
propomos que o professor procure optar por exemplos práticos de situações que envolvam números
complexos na vida real, tanto da matemática como de outras disciplinas, para que os alunos
construam relações mais sólidas entre os conteúdos.
Palavras-chave: Números Complexos. Ensino Médio. Aplicações. Novas Metodologias.
-1ISSN 2178 - 3632
08 a 09 de setembro de 2011
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INTRODUÇÃO
Apesar da existência do campo complexo já ter sido provada e o seu estudo
ser de extrema importância, os enigmas de ensino-aprendizagem dos números
complexos geram discussões em torno da natureza do conteúdo, pois há pouca
sistematização deste, visto que é apresentado aos alunos como um assunto
estranho e fragmentado das outras matérias.
Mesmo com a inclusão dos números complexos nos Parâmetros Curriculares
Nacionais e suas relações com o conteúdo de outras disciplinas apontarem para a
importância deste conteúdo na formação matemática do aluno (ARAÚJO, 2006,
p.17-18), este entende os números complexos como “parte do programa de
Matemática”, já que o professor apenas usa de exercícios para a fixação do
conteúdo ao invés de propor situações-problemas que poderia refletir o uso dos
números complexos. O problema é que o professor ou o aluno estão à procura de
quantidades naturalmente descritas por números complexos, como observa Spinelli
(2009):
A grande indignação dos alunos de Ensino Médio, e também de muitos
professores, quando do estudo dos números complexos refere-se ao fato de
que esse tipo de número não se adéqua a nenhuma das necessidades
pertinentes a seu cotidiano. Afinal, números complexos não exprimem
resultados de contagens e nem representam quantidades; além disso, não
faz muito sentido ordená-los, e usá-los como elemento básico de
codificação é, no mínimo, estranho. Assim, de acordo apenas com os usos
que os alunos conhecem até então, um complexo não mereceria receber o
título de “número” (p.4)
Nesta perspectiva, com o objetivo de esclarecermos essa problemática de
ensino-aprendizagem, ressaltamos que na vida real, as quantidades, embora
descritas por números reais, são mais bem compreendidas através da matemática
dos números complexos. Assim, mostraremos alguns exemplos do uso dos números
complexos a fim de que os alunos compreendam que este conteúdo não se limita
apenas a uma necessidade de ampliação do saber matemático.
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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Os números complexos são introduzidos aos alunos do Ensino Médio de
diversas maneiras, como é possível constatar nos livros didáticos. Dante (2005) os
aborda como uma extensão do conjunto dos números reais, tratando-os como pares
ordenados no plano e abordando a notação algébrica
números reais e
, com
e
sendo
. Em outros, é proposta a resolução de equações do 2°grau
com discriminante negativo, afirmando que a solução dessa equação é um número
tal que
(ROSA, 1998, p.24), como também sugerem as Orientações
Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 2006) para a apresentação deste
conteúdo:
Os números complexos devem ser apresentados como uma histórica
necessidade de ampliação do conjunto de soluções de uma equação,
tomando-se, para isso, uma equação bem simples, a saber,
(p.71).
Como os números complexos não representam uma quantidade, os
educandos podem encontrar dificuldades em aceitar esses números como números
(ROSA, 1998, p.25). Além disso, o tratamento algébrico tradicional dos números
complexos no ensino médio visa apenas à memorização do conteúdo, conforme
aponta Spinelli (2009):
Boa parte do tradicional estudo dos complexos no ensino médio fica restrita
ao tratamento das operações entre eles, de modo semelhante ao qual é
submetida à criança quando, na educação infantil, começa a tomar contato
com as operações entre os números naturais. [...] Vale refletir sobre qual
contexto se desenvolve o estudo das operações entre complexos no nível
médio. (p.4)
Entretanto, não estamos afirmando que os alunos não consigam operar com
esses números da maneira como eles são abordados nos livros didáticos, uma vez
que as propriedades dos números reais são conservadas no campo complexo.
Entretanto, a unidade imaginária é, sem dúvida, o principal obstáculo para o
entendimento dos alunos, pois além da dificuldade no processo de abstração, muitos
trazem do ensino fundamental, erroneamente, o conceito de que não existe um
número que elevado ao quadrado seja igual a um número negativo.
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UM POUCO DE HISTÓRIA
Por volta do século XVI, os matemáticos afirmavam não existir raiz quadrada
de um número negativo, pois um número negativo não é quadrado de nenhum
número, pensamento que foi pregado por Bhaskara, desde o século XII (ROSA,
1998, p.44).
Em 1545, o matemático italiano Girolamo Cardano propôs no capítulo 37 de
Ars Magna o seguinte problema: “Dividia 10 em duas partes de modo que o seu
produto seja 40”. Esse problema, dizia ele, é “manifestamente impossível, mas,
mesmo assim, vamos operar”(OLIVEIRA, 2000). Ele mostrou que
e
eram as soluções do problema. Entretanto, apesar de Cardano ter
acrescentado que estas expressões eram sofísticas e sua manipulação era tão sutil
quanto inútil, creditamos a ele a honra de ter sido o primeiro matemático fazer
operações com os números complexos (GARBI, 1997).
É de se acrescentar que os matemáticos da época procuravam maneiras de
se evitar o uso dos números complexos. As primeiras tentativas bem sucedidas de
caracterização destes novos números foram do engenheiro italiano Rafael Bombelli,
que revelou regras para se operar com a unidade imaginária, reconheceu a
existência dos números complexos e demonstrou a insuficiência dos números reais:
Este tipo de raiz quadrada tem operações aritméticas diferentes dos outros
e uma denominação diferente, porque quando o cubo da terça parte das
coisas é maior que o quadrado da terça parte do número, o excesso não se
pode chamar-lhe ‘nem mais nem menos’. Mas vou chama-lhe ‘mais de
menos’ quando for adicionado
de ‘menos de menos’
e quando for subtraído vou chama-lhe
. (Bombelli citado por OLIVEIRA, 2000, p.7)
Até o século XVIII muitos matemáticos trabalharam com os números
complexos. No início do século XIX, Wessel e Argand, foram os primeiros a
compreender que os complexos não têm nada de “irreal”, são apenas os pontos (ou
vetores) do plano, que se somam através da composição de translações, e que se
multiplicam através da composição de rotações e dilatações.
Albert Girard introduziu a notação
e Gauss, o uso da expressão
“números complexos”. Os termos real e imaginário foram empregados por Descartes
em 1637. Nomes como números sofísticos, impossíveis, imaginários foram
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atribuídos aos números complexos. Há de se falar de Leonhard Euler, que dominou
com excelência o campo complexo, investigando o fechamento do conjunto sob
operações algébricas e transcendentes.
Todos estes estudos contribuíram para o entendimento que temos hoje de
números complexos. Sabemos, em linguagem atual, que os números reais estão
contidos no conjunto dos números complexos, sendo este escrito na forma
, onde a e b são números reais e
colocados na forma
, os números reais podem ser
.
ALGUMAS APLICAÇÕES
1) Fractais
De acordo com Barbosa (2002), nas últimas décadas Benoit Mandelbrot
investigou entidades geométricas com propriedades especiais e características,
denominadas fractais. Nesta geometria são encontradas formas de descrever os
vários fenômenos na natureza, onde não podem ser utilizadas as geometrias
tradicionais. Ainda antes de Mandelbrot, já havia questionamentos sobre esta
deficiência na matemática, questionada por estudiosos como Galileu e Descartes,
que não aceitavam as pouquíssimas e pobres formalizações dos fenômenos
naturais que não podiam ser descritos por Euclides em seus Elementos, conforme
observa Mandelbrot:
Alguma razão para a geometria não descrever o formato das nuvens, das
montanhas das árvores ou a sinuosidade dos rios? Nuvens não são esferas,
montanhas não são troncos de cones, árvores não são hexágonos e muito
menos os rios desenham espirais. (BENOIT MANDELBROT, 1983 citado
por RICIERI, 1990)
Para Feder (1998, apud BARBOSA, 2002), um fractal é uma forma cujas
partes se assemelham ao seu todo sob alguns aspectos (p.18). As nuvens, por
exemplo, parecem muito irregulares. Em algum momento da vida, provavelmente as
observamos
e
vimos
como
suas
formas
diversificadas
são
capazes
de
assemelharem-se com muitos objetos comuns, animais e pessoas. As nuvens são
fractais como muitos outros objetos na natureza. Esta propriedade é a autosimilaridade, em que um objeto tem partes que apresentam as mesmas
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propriedades em várias escalas, como melhor observamos no caso do triângulo
Sierpinski:
Figura 1. Triângulo de Sierpinsk depois de n iterações.
Para que possamos entender a Teoria dos Fractais e os conjuntos de
Mandelbrot (conjunto de pontos no plano complexo cuja borda constitui-se em um
fractal), precisamos antes de tudo entender os números complexos, pois as
iterações de fractais são funções com variáveis reais ou complexas.
As iterações sucessivas dos fractais é nível de aprendizagem de educandos
do ensino médio, e se explorada através dos números complexos, pode ser utilizada
para a fixação deste último conteúdo. Os fractais permitem modelar qualquer coisa
da natureza na tela de um computador graças aos números complexos, pois a
produção de cada imagem se resume a uma fórmula iterativa no plano complexo
:
Onde
(constante complexa) e
.
Embora o tema fractais ainda não faça parte dos currículos do ensino médio,
a abordagem da aplicação de números complexos na geometria fractal se faz
necessária para quebrar o paradigma de que não existem aplicações na natureza
dos números complexos.
2) Geometria
Oliveira (2010) afirma que há pouca ênfase na relação entre geometria e
números complexos:
A conexão entre os números complexos e a Geometria é deficiente, o que
revela uma falta de articulação entre os conteúdos [...] As aplicações
geométricas das operações entre os números complexos não são
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exploradas, o que não leva o aprendiz a interpretar as operações como
transformações geométricas (p. 47)
Considerando também as ideias de Carneiro (2004), tratar do significado
geométrico dos números complexos beneficia a riqueza da visualização e elimina do
aluno a visão demasiado formal e algebrizante do conjunto complexo.
Dante (2005) também apresenta um número complexo como um par
ordenado de números reais
ponto
e este por sua vez, pode ser visto como um
no plano cartesiano, isto é
segmento orientado
, ou como um vetor determinado pelo
, onde o seu módulo é a distância de
enquanto que o conjugado de
é o simétrico de
até a origem,
em relação ao eixo das
y
1
|z|
P = (a, b) = a+bi =
z
1
O
x
(a,-b) = conjugado de z
abscissas, como mostra a figura.
Figura 2. Representação geométrica do conjugado de um número complexo.
Outro exemplo dado por Carneiro (2004) é a representação geométrica da
soma dos complexos
vetorial
traduzida na soma
, podendo ser visualizada como rotações no
plano, como mostra o paralelogramo a seguir.
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y
z+w
w
O
x
z
Figura 3. Representação geométrica da soma de números complexos.
Rosa (1998, p. 77) afirma que relacionar a radiciação de números complexos
com polígonos regulares é um trabalho de aplicação desse conteúdo bastante
interessante para o aluno, uma vez que este pode tratar de geometria e de números
com mais afinidade.
As
raízes de uma equação binomial
complexo, são os vértices um polígono regular de
de
, onde
é um número
lados. Por exemplo, as raízes
representam no plano complexo um triângulo equilátero inscrito, como
mostra a figura.
Figura 4. Representação geométrica de
.
Claro que os números complexos não são apenas vetores (MOTTA, 1999),
porém, a partir deste estudo, revelamos que se os números complexos forem
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apresentados aos alunos com entes geométricos, estes poderão se beneficiar da
visualização para entendimento do conteúdo. Com a interpretação geométrica, a
existência dos números complexos fica definitivamente estabelecida (BOYER, 1996,
p. 402-405 apud ARAÚJO, 2006, p. 26), uma vez que a soma representa
translações no plano e a radiciação representa um polígono regular inscrito.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Segundo D’Ambrósio (1999), para obter uma aprendizagem significativa em
matemática, é necessário que saibamos manipular a natureza dos conteúdos
matemáticos. Contudo, devemos considerar que o professor, poucas vezes, recorre
aos conhecimentos que o estudante já possui e não apresenta problemas
desafiadores e nem problemas ligados a situações cotidianas e de interesse para os
estudantes, limitando o ensino às exposições orais e a resolução de exercícios. Com
isso, o estudante pode sentir-se desmotivado e pouco inclinado a participar das
aulas, uma vez que não poderá se utilizar de conceitos matemáticos no seu dia-adia.
Nesta perspectiva, propusemos neste trabalho a utilização de exemplos de
aplicações dos números complexos para a contextualização em sala de aula, já que
estes são abordados de forma demasiado abstrata, favorecendo a mecanização
matemática deste conteúdo, pois a expressão “número complexo” parece
extremamente infeliz do ponto de vista didático. Como também defende Edminister
(1991):
A escolha da palavra imaginário foi inadequada, pois os números
imaginários existem, da mesma maneira que os reais. O termo significa,
simplesmente, que tais números não podem ser representados no eixo dos
reais; estão situados em uma segunda linha, o eixo dos números
imaginários. (p. 76)
Essas dificuldades, tanto de ensino com de aprendizagem, refletem a
necessidade de novas metodologias para o ensino de números complexos. Indo ao
encontro das ideias de Rosa (1998), os números complexos deveriam ser
introduzidos a partir de problemas significativos para o aluno tanto do ponto de vista
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da Matemática quanto do dia-a-dia, além de se utilizar da História da Matemática
como metodologia motivadora.
De acordo com Wells (1986), os números complexos são úteis quantidades
abstratas que podem ser utilizadas em cálculos e resultam em soluções fisicamente
significativas.
Entretanto,
a
abordagem
puramente
algébrica
implica
na
incompreensão dos alunos da existência dos números complexos, como coloca
Silva (2005):
É verdade que os números complexos nos permitem resolver qualquer
equação de 2º grau, com coeficientes reais, mas tal não significa que os
números complexos sejam, por isso mesmo, menos “naturais” do que os
outros números. (p.13)
A impossibilidade de se obter, no campo real, o resultado das raízes
quadradas de números negativos é apenas um dos significados, não o mais
importante, que podemos associar aos números complexos (SPINELLI, 2009, p.11).
Neste sentido, nós, enquanto professores e futuros professores temos o dever de
desmitificar esse fato acerca destes números, pois sabemos que estes estão bem
presentes em nossa realidade. Dessa forma, podemos buscar situações para
explorar este conteúdo através de uma abordagem mais significativa e
contextualizada.
Com os aspectos discernidos no decorrer deste artigo, percebemos que o
conjunto de números complexos tem um universo imenso de aplicações, as quais
não podem ser privadas dos alunos, visto que eles não possuem muitas das
informações que foram abordadas. A proposta didática que cerne este trabalho é
que o professor procure optar por exemplos práticos de situações que envolvam
números complexos na vida real, tanto da matemática como de outras disciplinas,
para que os alunos construam relações mais sólidas entre os conteúdos, pois o
aprendizado contextualizado pode vir da escolha de fenômenos, objetos e coisas do
universo vivencial.
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