“Saberes e olhares sobre a água termal no Brasil: Ciência, Turismo e História”. A importância de Poços de Caldas na história das práticas termais no Brasil. Jussara Marques Oliveira Marrichi.1 Houve um tempo na história do nosso país e principalmente na história de nossa cidade que as águas medicinais definiram uma série de situações políticas, sociais e culturais que definitivamente transformaram e modificaram algumas das maiores sensibilidades do homem moderno no século passado. Foi pela água comum que novas práticas de higiene do corpo e da cidade foram traçadas num momento importante de reorganização dos espaços urbanos e na concepção de novos hábitos relacionados ao homem civilizado. Mas foi a água medicinal que instituiu os novos desejos da viagem (de cura), da villegiatura (do prazer) e do turismo do homem moderno ocidental. A importância das águas de Poços de Caldas não se limitou somente à experiência de todos aqueles que aqui nasceram ou que para cá se mudaram a partir das expectativas depositadas nas virtudes curativas de nossas águas. Houve nesse tempo um período de muitas lutas e grandes vitórias na história das práticas termais em nosso país. Vencido o empirismo e as várias associações mitológicas ou religiosas que durante muitos anos povoaram o imaginário popular e colaboraram para o descrédito de vários médicos que clinicavam na capital do país, as águas minerais brasileiras, de um modo geral despontaram em uma série de estudos médicos científicos logo no final da primeira metade do século XIX. As águas termais de Poços de Caldas foram descobertas na segunda metade do século XVIII quando os bandeirantes que desbravavam o nosso território perceberam que algumas fontes eram procuradas por animais que bebiam aquelas águas salobras. Data de 1786 o primeiro registro sobre “uns olhos d´água”, comunicado de João de Almeida da Fonseca a Luiz da Cunha Menezes, governador das Minas Gerais. Já no início do século XIX a fama das maravilhas terapêuticas das nossas águas já povoam o imaginário popular que a elas recorriam a procura de saúde. Mas foi Pedro Sanches de Lemos, médico das águas e atuante em nossa cidade desde 1873, que revestiu essas águas de um grande valor simbólico e patriótico nacional. Em 1884 publicou 1 Tursimológa e Historiadora. sua primeira obra: “As águas termaes de Caldas – província de Minas Gerais” e em 1902 foi o primeiro médico a empreender uma viagem científica com respaldo financeiro do governo para a Europa afim de trazer de lá, tudo aquilo que qualificava e definia as modernas estações termais segundo os ensinamentos da Hidrologia Médica francesa. Nessa história não poderíamos esquecer a importância de Mário Mourão, Orozimbo Corrêa Netto, Carlos Pinheiro Chagas, Aristides de Melo e Souza e Antonio de Oliveira Fabrino, médicos que se tornaram crenólogos e que escreveram e pesquisaram sobre nossas águas ao longo dos anos de 1930 a meados de 1950. Não menos importante foi o doutor Benedictus Mário Mourão que sempre propagou e divulgou pesquisas originais sobre as águas sulfurosas de Poços de Caldas. De certo modo, e entre tantas propagandas médicas, Poços de Caldas tornou-se uma das mais importantes cidades termais do nosso país nos primeiros vinte anos do século passado. Mas já nos anos de 1930 foi escolhida e despontou como a primeira cidade balneária construída no Brasil, e consequentemente na América Latina. Seu espaço urbano totalmente reformulado diante das suas águas e das últimas novidades da Crenologia francesa deu-lhe foros da mais importante cidade balneária brasileira. Daqui surgiram periódicos especializados como a Revista Brasileira de Crenologia (1933) e vários artigos científicos que compuseram a Revista Brasileira de Fisioterapia e a Revista de Hidrologia e Climatologia Médicas fundada em 1922. Seu espaço urbano ao longo dos anos seguintes tornou-se modelo para a construção ou reformulação de outras cidades balneárias em nosso país. Na década de 1930 nossas águas foram visitadas e estudadas por comitivas da várias faculdades de Medicina do país, da Argentina e do Uruguai, e em 1932 recebeu a visita do Dr. Terray, médico de Aix-les-Bains, enviado pelo governo francês para conhecer a tão afamada “estância hidromineral brasileira”. Enfim, contando com as qualidades de sua composição química, mineralógica, biológica e física, as águas sulfurosas de Poços de Caldas contribuíram para diversos estudos na área da Hidrologia Médica, das novas práticas corporais relacionadas à beleza e ao surgimento do turismo em nosso país, momentos singulares e extremamente representativos nos primeiros cinqüenta anos do século passado. Sendo assim, nosso convite nesse momento estende-se a todos os pesquisadores que de certa maneira tem contribuído para uma análise histórica, antropológica, sociológica ou turística do valor atribuído às águas termais do nosso país. Interessa-nos trabalhos relacionados com os novos olhares sobre as nossas águas termais e questões que envolvam os aspectos corporais, de turismo, de lazer ou que envolvam uma história das cidades termais e balneárias em nosso país. Jussara Marques Oliveira Marrichi Turismológa pela PUC/Minas (2002) e mestre em História pela Unicamp (2009). De 2011 a 2014 foi bolsista de doutorado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo no Programa de Pós-graduação em História da Unicamp com o seguinte tema ainda em desenvolvimento: “A invenção da villegiatura nas cidades de águas brasileiras: alegria e prazer na criação de um novo tempo”. Tem experiência na área de História Moderna e Contemporânea e também em Teoria da História. Atua principalmente nas seguintes áreas: Cidades termais e balneárias, corpo e cultura balneária, processos civilizadores e sociabilidades modernas. Desde 2007 suas pesquisas se voltam para a história das práticas termais no Brasil e a formação de espaços balneários em nosso país. Possui trabalhos sobre o tema apresentados em congressos nacionais e internacionais. Em agosto de 2014 terá o seu livro: “A cidade termal: ciência das águas e sociabilidade moderna entre 1839 e 1931” publicado pela Editora Annablume de São Paulo, obra financiada pela FAPESP.