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nota pelo amplo descontentamento popular que tem caucionado a emergência de regimes populistas (Venezuela, Bolívia, Equador, Nicarágua). Os povos estabelecem uma correlação estreita entre democracia e mais pobreza e deixam-se seduzir pela retórica populista
e demagógica, fazendo esboroar os sedimentos da democracia.
A autora passa em revista a situação interna em alguns dos maiores países latino-americanos (Brasil, Argentina e Chile) no que diz respeito ao binómio democracia-desenvolvimento.
Conclui que, nos três casos, há ainda um longo caminho a percorrer na institucionalização
de práticas democráticas (de acordo com a matriz demoliberal, convém sublinhar). Como
Isabel Costa Leite tão bem sintetiza, apesar de alguns avanços no panorama do desenvolvimento económico-social e, sobretudo, na consolidação do Estado de direito, na paz e na
protecção dos direitos humanos, a América Latina continua vulnerável. Alguns países não
conseguem garantir os fundamentos do Estado de direito. A autora sugere que, perante
este quadro de instabilidade congénita, a OEA deve assumir um papel determinante. Compete-lhe assegurar o que os países latino-americanos têm dificuldade em garantir. O que, no
fundo, é uma oportunidade de ouro para a OEA.
Paulo Vila Maior
Actas do Encontro com Sophia no País das Maravilhas
Isabel Vaz Ponce de Leão, Maria do Carmo C. B. Sequeira e Maria Antónia Jardim (Org.)
As Actas do “Encontro com Sophia no País das Maravilhas”, realizado na Universidade Fernando Pessoa em Novembro de 2005, publicam-se aqui em livro electrónico, incluído num
CD-ROM como documento PDF. Tratando-se de um Encontro que desenhava, já a partir do
título, possíveis cruzamentos intertextuais entre a escrita dos autores nomeados (Sophia de
Mello Breyner e Lewis Carroll), agrada testemunhar o igual tratamento dado à intersecção
teórica e ao atravessamento disciplinar, uma vez que aqui se encontram textos emanados
de variados territórios científicos das ciências humanas e sociais. Procede assim destas Actas
uma multiplicidade de abordagens que garante e promove, em conformidade com o prefácio das organizadoras, não uma leitura, mas as leituras possíveis, “num dinâmico diálogo em
que o espanto e o sonho são convidados de honra”.
Esta matéria é ampliada por Maria do Carmo Castelo Branco, que embora comece por
relembrar a “imobilização do crítico” face à luminosidade da obra de Sophia, consegue com
seu texto inaugurar um espaço de reflexão que singulariza a convivência da ética com a
estética. Uma imagem expansiva como a que usa traduz com clareza as cumplicidades em
jogo, preparando o leitor para uma noção de unidade que justifica o quadro metodológico
comum que sugere para a análise dos contos e dos poemas. Efectivamente, partindo de
uma comum “fulguração simbólica”, situada “entre o solar e o sombrio, paralelas ao seu espaço habitacional (…)”, a autora remete-nos para essa “arquitectura simbólica e isotópica” que
percorre a obra de Sophia, permitindo esse salto interpretativo de Alice para “o outro lado do
espelho”. Deslindando relações intertextuais imprevistas a partir deste motivo do espelho,
desvenda-se aqui uma densidade ética e estética de grande profundidade e abrangência.
Sophia e Alice contornam também o abismo, como nos conta Isabel Ponce de Leão, que
identifica nessa palavra-chave justificação para permear a sua explicação do conto “A Viagem”, de Sophia de Mello Breyner, com “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll. Esse
limiar do percurso e da encruzilhada é emancipador de uma desarticulação das fronteiras
que separam sonho e realidade. Para a autora, o questionar da realidade é feito em processo
e em abismo, “pela viagem e pela queda”. Vistos assim, através das suas narrativas, Carroll e
Sophia saturam o real, pelo curso dos símbolos, e “viabilizam uma pluralidade de interpretações que acentuam a ambiguidade e fazem um apelo (…) para que se vire as costas a
situações estáticas e inertes, e se progrida para a acção (…)”. Seguindo essa linha, ligando o
texto literário ao latejar da intervenção social, Elisa Gomes da Costa sugere uma perspectiva
didáctica da poesia datada, apresentando-nos uma Sophia empenhada na transformação
de um dado contexto sócio-político. Numa abordagem comparativa do conceito de maravilhoso em sua relação com a justiça, João Teixeira da Cunha mostra, de igual forma, que a
literatura pode servir para desmascarar “a injustiça, o abuso do poder, a opressão dos fracos (…)”, embora distinga a narratividade, imanente às culturas, da formulação de normas
morais que decorre da razão. Anexada deste modo às “utopias que tentam dar forma à justiça como convivência ideal de todos os seres humanos em sociedade fraterna”, à literatura
caberia a procura de um consenso universal e, num “tempo de incerteza do futuro e de
descrença na razão,” a garantia de podermos dar “conteúdo responsável à cultura”.
O simbólico e o subjectivo transitam também nos trajectos interpretativos destes Encontros.
Maria Antónia Jardim analisa o conto “A Floresta”, de Sophia, nele calculando os espaços simbólicos que brotam da imagem do jardim e da floresta. A aproximação deste espaço subjectivo encontra ainda no corpo “o topos simbólico de transformação, visto ser ele o palco em
que as emoções se dirigem ao cérebro.” Caminhando lado a lado com a Isabel da Floresta
e Alice no seu País das Maravilhas, Maria Jardim conduz as suas reflexões através dos “caminhos entrelaçados” do processo de iniciação, da leitura como transformação e metamorfose
do leitor. Vistas como “heroínas”, Isabel e Alice transferem o agenciamento inter-subjectivo do seu “modo de ser e estar-no-mundo” para uma alteridade d’“o Si Mesmo enquanto
Outro”. Um semelhante simbolismo existencial é aportado por Marta de Matos, que encontrou numa dedicatória de um livro de Luísa Dacosta o motivo da sua apresentação: «As
raparigas, metade são sonho». Através de um itinerário multidisciplinar, aderindo, um pouco
à margem, aos estudos literários, e reforçando as suas leituras, com mais autenticidade, pela
psicologia, a autora descobre no diálogo de Alice com a Lagarta as subtilezas e a simplicidade de uma latência, onde se externa a problemática da identidade e da alteridade. Este texto
é ainda informado por experiências terapêuticas que a autora relata.
Os dois últimos artigos destas Actas afastam-se do campo estritamente literário, mostrando as prováveis vantagens desta determinação multidisciplinar. Francisco Queiroga elabora
uma estimativa antropológica da mundividência de Sophia. Salientando alguns aspectos
da infância e da juventude da autora, lê nesse “ambiente paisagístico/cultural” que a envolve um regime próprio de circulação pelas reminiscências e pela memória. E é nos contos
infantis que o autor encontra uma enculturação do imaginário, uma moralização “à qual
ninguém será totalmente alheio ao longo do percurso de vida”. Deste modo, sugere uma
explicação de alguns fragmentos dos contos de Sophia, “tentando auscultar a forma como
eles reflectem a sua visão do mundo”, usando para esse propósito a comparação com os
contos tradicionais portugueses. E declara que, ao contrário dos contos populares, os contos infantis de Sophia “têm uma enorme densidade no pormenor, integrados num discurso
de uma simplicidade e de uma limpidez que nos evocam o correr do pensamento de uma
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Sophia adolescente.” Esses modelos de observação contribuiriam para a “estruturação do
imaginário das crianças e jovens que os lerem ou ouvirem.” A terminar este livro, Orlando
Falcão conta-nos histórias vistas do lado da arte, numa comunicação que tem o subtítulo
sugestivo de “A Arte para lá do Espelho”. O enquadramento é dado pela história da arte e
pela estética, o qual ocupa grande parte do artigo. A Sophia é reservada a homenagem final,
como poeta, como cidadã e como mãe, como construtora de visões para lá do comum, de
viagens sonhadas, que permitem que todos “continuemos a sonhar um mundo melhor do
que este em que vivemos.”
As comunicações deste Encontro, agora transcritas e publicadas, permitem o acesso a estudos animados pelos contactos da obra de Sophia de Mello Breyner com a “Alice no País das
Maravilhas”, de L. Carroll. Recebendo contributos dos estudos literários e da estética, mas
também do direito, da psicologia, da antropologia e dos estudos de arte, trata-se de uma
publicação que poderá agradar a públicos muito diferenciados.
Rui Torres
Jornalismo, Ciências e Saúde
Jorge Pedro Sousa (Org.)
Em 17 e 18 de Março de 2005, realizou-se na Universidade Fernando Pessoa, no Porto, o
II Congresso Luso-Brasileiro de Estudos Jornalísticos, em simultâneo com o IV Congresso
Luso-Galego de Estudos Jornalísticos, alusivo ao tema “Jornalismo, Ciências e Saúde” que
reuniu, em diferentes painéis, investigadores da comunicação social, jornalistas, cientistas e
profissionais de saúde. Eis o título do respectivo livro de actas, recentemente publicado. Tratou-se de incentivar a troca de experiências entre aqueles diferentes agentes e de debater o
papel mediador do jornalismo no campo da saúde, e das ciências em geral.
Os oradores convidados incluíam nomes como os de Jorge Marinho (Universidade do Porto), Nelson Traquina e Cristina Ponte (Universidade Nova de Lisboa), Manuel Pinto e Joaquim Fidalgo (Universidade do Minho), Marialva Barbosa (Universidade Federal Fluminense)
e Xosé López García (Universidade de Santiago de Compostela).
O evento, coordenado por Jorge Pedro Sousa, Professor Associado da Universidade Fernando Pessoa, foi promovido pelo Centro de Estudos da Comunicação daquela Universidade.
Ao jornal O Comércio do Porto (17/03/2005), aquele organizador contextualizou o congresso
com as seguintes palavras, que resumem bem as intenções daquela iniciativa: “É importantíssimo o jornalismo estabelecer diálogo com a ciência, porque esta ajuda a compreender
o mundo e os fenómenos. Por sua vez, a saúde emerge da ciência como área prioritária. As
questões sociais relativas à saúde e à ciência não podem ser ignoradas pelo jornalismo”.
Decorridas as conferências de abertura, as sucessivas mesas versaram áreas temáticas como
a interacção entre jornalismo, ciências humanas e sociais, ciências naturais e exactas, medicina e saúde, culminando com sessões sobre comunicação social médica, bem como indústria farmacêutica em sua relação com a informação médica e o jornalismo, e merecendo
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