UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO – PPG PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDO DE LINGUAGENS – PPGEL NÍVEL MESTRADO ANAÍRIS FEIRENSE DE CASTRO RAMOS SOB A COPA DOS EUCALIPTOS: MEMÓRIA DE LEITURA DE MULHERES DO CENTRO CULTURAL RÉCREO-EDUCATIVO MONSENHOR AMÍLCAR MARQUES. FEIRA DE SANTANA, BAHIA, 1966-2010 Salvador - Bahia 2011 ANAÍRIS FEIRENSE DE CASTRO RAMOS SOB A COPA DOS EUCALIPTOS: MEMÓRIA DE LEITURA DE MULHERES DO CENTRO CULTURAL RÉCREO-EDUCATIVO MONSENHOR AMÍLCAR MARQUES. FEIRA DE SANTANA, BAHIA, 1966-2010 Dissertação de Mestrado submetida à Universidade do Estado da Bahia como requisito parcial exigido pelo Programa de Pós-Graduação em Estudo de Linguagens para obtenção do título de Mestre. Orientador: Prof. Dr. Paulo Santos Silva. Salvador - Bahia 2011 FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Ramos, Anaíris Feirense de Castro Sob a copa dos eucaliptos: memória de leitura de mulheres do Centro Cultural Récreo - Educativo Monsenhor Amílcar Marques. Feira de Santana, Bahia , 1966 2010 / Anaíris Feirense de Castro Ramos. – Salvador, 2011. 160f. Orientador: Prf. Dr. Paulo Santos Silva. Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Ciências Humanas. Campus I. 2011. Inclui referências, anexos e apêndices. 1. Leitura - História. 2. Livros e leitura - História. 3. Mulheres. 4. Memória. I. Silva, Paulo Santos. II.Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências Humanas. CDD : 028.9 ANAÍRIS FEIRENSE DE CASTRO RAMOS SOB A COPA DOS EUCALIPTOS: MEMÓRIA DE LEITURA DE MULHERES DO CENTRO CULTURAL RÉCREO-EDUCATIVO MONSENHOR AMÍLCAR MARQUES. FEIRA DE SANTANA, BAHIA, 1966-2010 Dissertação de Mestrado submetida à Universidade do Estado da Bahia como requisito parcial exigido pelo Programa de Pós-Graduação em Estudo de Linguagens para obtenção do título de Mestre. Aprovada em ____ / ____ / ____ . BANCA EXAMINADORA ___________________________________________________________________________ Professora Dra. Maria Helena Besnosik (UEFS) Componente da Banca Examinadora – Instituição a que pertence ___________________________________________________________________________ Professora Dra. Verbena Maria Rocha Cordeiro (UNEB) Componente da Banca Examinadora – Instituição a que pertence ___________________________________________________________________________ Professor Dr. Paulo Santos Silva (UNEB) Componente da Banca Examinadora – Instituição a que pertence A Deus, força suprema; À minha família, muito amada, imperativa em todo esse processo, especialmente meus irmãos Antônio Leilson e Francisco Leôncio, meus sobrinhos Davi e Bianca, e sobretudo, minha mãe Tereza Lourdes (in memorian) e meu pai Antônio, ambos despretenciosamente precursores e inspiradores desta pesquisa; Ao CECREMAM e às cecremanas, narradoras/leitoras, desta pesquisa que compartilharam e tornaram exequível essa empreitada e sem os quais essa dissertação não teria vida; Ao meu noivorido Tobias Möller, amor da minha vida, sempre amigo, companheiro, confidente, cozinheiro particular, sobretudo, intensamente presente mesmo quando separados por um oceano cuja leveza e sorriso me serenavam e cuja força impediu-me de desistir; Aos meus familiares brasileiros e alemãs que torceram por mim e ofereceram palavras de atenção; Às minhas amigas e aos meus amigos de diferentes gerações e diferentes jornadas, Andréa Betânia da Silva e suas irmãs Clemilta Carneiro da Cruz e Adriana Patrícia da Silva com “sua vida” Maurício Pereira dos Santos e suas mães Josefa Carneiro da Silva e Maria Alaíde Cardoso Pereira, Alexandro Jesus Santos, Fernanda dos Santos Cerqueira Campos e suas mãe e avó Valdete Dias dos Santos e Carminda Dias dos Santos, Consuelo Pereira Sales, Eliana S. Souza e Maria Aparecida Bitencourt Soares da Silva pelos empréstimos da filmadora para gravações das entrevistas, do computador e da impressora em momentos cruciais, pelo auxílio à primeira versão das transcrições, por me disponibilizarem o aconchego de seus lares, pela acolhida como irmã, filha e neta, pelos ouvidos doados a mim, por alimentarem meu corpo com o carinho que sustentava a alma, pelas leituras partilhadas, pelos sequestros que inúmeras vezes me salvaram, pelos silêncios e pelas palavras oferecidos a mim, pelas orações, enfim, por todo afeto e presenças física, mental e espiritual; Aos meus professores do PPGEL, especialmente, Verbena e Paulo e à professora Maria Helena luzes de inquietação nesta pesquisa; Às colegas colaboradoras, Leidinalva Amorim Santana das Mercês por orientar-me no anteprojeto e Maria Ester Sousa e Marilda Andrade pela revisão; À turma do PPGEL 2009, ímpar no coleguismo e unida em grande torcida mútua, especialmente André Luis Santana Oliveira e às meninas: Margarete Nascimento dos Santos, Maria Ivone Souza Melo, Maria de Fátima Santana de Oliveira, Cristian Souza de Sales e Manuela Cunha de Souza sempre dispostos a escutar e incentivar a prosseguir; A Camila e Danilo sempre dedicados e pacientes em seus trabalhos na secretaria do PPGEL perante angústias e estresses de todos nós, mestrandos; Ao Dep. de Educação − Campus XIV da UNEB, Conceição de Coité, à Escola Técnica Estadual Luiz Navarro de Britto e aos meus respectivos alunos que entenderam minhas eventuais ausências; A todos que entenderam meu isolamento, estresse, angústia e cansaço e ao final compartilharam a alegria e o alívio do dever cumprido; A todos vocês, dedico este trabalho realizado graças a várias mãos que me sustentaram. AGRADECIMENTOS Para realizar este trabalho contei com ajuda e colaboração de algumas pessoas de tal forma importantes que considero um trabalho feito a várias mãos e corações. A todos meus cordiais e sinceros agradecimentos. Ao Programa de Pós-Graduação em Estudos em Linguagens Ao meu orientador Professor Doutor Paulo Santos Silva À Professora Doutora Verbena Maria Rocha Cordeiro À Professora Doutora Maria Helena da Rocha Besnosik Aos funcionários do PPGEL À bibliotecária Sra. Jacira Mendes Ao Centro Cultural Récreo-Educativo Monsenhor Amílcar Marques Às narradoras/leitoras Senhoras Nance da Costa Nogueira, Terezinha Lobo Ramos, Vanda da Silva Dias, Maria da Purificação Silva de Andrade (in memorian), Iristelma da Silva Ribeiro Oliveira, Judite Porto de Souza, Maria Mercês Batista dos Santos A todos aqueles a quem dediquei este trabalho “Se pudéssemos compreender como ele [o ser humano] tem lido, poderíamos nos aproximar de um entendimento de como ele compreende a vida; e dessa maneira, da maneira histórica, poderíamos até satisfazer parte de nossa própria ânsia de significado.” (DARNTON, Robert, 1992) RESUMO Esta dissertação aborda práticas culturais de leitura de sete mulheres do Centro Cultural Récreo-Educativo Monsenhor Amílcar Marques – CECREMAM, agremiação dos Eucaliptos em Feira de Santana – Bahia. São mulheres, em sua maioria, casadas, mães e avós, donas de casa e costureiras, moradoras ou com vínculos diretos e indiretos com o bairro dos Eucaliptos e participantes do Centro Cultural em questão. É uma pesquisa realizada a partir de discussões e reflexões no interior da História Cultural, da Sociologia da Leitura, dos estudos (auto)biográficos e da memória. Resulta de fontes orais, uma vez que é composta por entrevistas narrativas gravadas e/ou filmadas advindas dessas mulheres em encontros individuais, compondo as fontes principais desse estudo. É instrumentalizada também por outras fontes de natureza documental e iconográficas oriundas do acervo do CECREMAM. Analisam-se histórias de leitura dessas mulheres e propõem-se reflexões sobre práticas de leitura, buscando compreender os motivos de leitura desenvolvidos nesse Centro Cultural. Palavras-chave: Mulheres. CECREMAM. Práticas culturais de leitura. Narrativas. Memória. Histórias de leitura. ABSTRAT This dissertation approaches the cultural practices of reading of seven women from the Centro Cultural Récreo-Educativo Monsenhor Amílcar Marques - CECREMAM, Eucalyptus college in Feira de Santana - Bahia. They are women, mostly married, mothers and grandmothers, housewives and seamstresses, residents in the Eucalyptus neighborhood or with direct and indirect links to this local and participants of the Cultural Center in question. It is a research based on discussions and reflections on the inside of the Cultural History, the Sociology of Reading, the (auto)biographical studies and the memory. It follows from oral sources, since it is composed of recorded and/or filmed narrative interviews coming from those women in individual meetings, compounding the main sources of that study. It is also instrumentalized by others sources with documental nature and iconographies originated from the collection of CECREMAM. Those women histories of reading are analyzed and reflections on reading practices are proposed, seeking to understand the reasons of reading developed in the Cultural Center. Keywords: Women. CECREMAM. Narratives. Memory. Histories of reading. Cultural practices of reading. LISTA DE SIGLAS AIB – Ação Integralista Brasileira CACICRE – Centro de Ações Cívicas e Culturais de Redenção CECREMAM – Centro Cultural Récreo-Educativo Monsenhor Amílcar Marques CIPA – Congresso Internacional de Pesquisa (Auto)biográfica COLE – Congresso de Leitura do Brasil IHTP – Instituto de História do Tempo Presente PML – Projeto Memória de Leitura TESRC – Templo-Escola Santa Rita de Cássia TFP – Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade UEFS – Universidade Estadual de Feira de Santana UFBA – Universidade Federal da Bahia UNEB – Universidade do Estado da Bahia 9 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10 CAPÍTULO I: VIDAS EM TRAJETÓRIAS NO BAIRRO DOS EUCALIPTOS........... 21 1.1 O CECREMAM e suas leitoras: inserção no corpus ...................................................... 22 1.2 O pensamento conservador no CECREMAM: reverberações do catolicismo e do civismo .................................................................................................................................. 36 CAPÍTULO II: LEITURAS NAS TRILHAS DE PRÁTICAS INSTITUCIONAIS: APREENDER E ACOMODAR ............................................................................................ 53 2.1 Ofertas de leitura: família e escola.................................................................................. 57 2.2 Ofertas de leitura: CECREMAM .................................................................................... 66 CAPÍTULO III: LEITURAS NAS VEREDAS DE PRÁTICAS CONFRONTADAS: CONSERVAR E RENOVAR ................................................................................................ 81 3.1 Outros tempos, outros modos, outras leituras ................................................................. 85 3.2 Mesmas leitoras, novas representações......................................................................... 100 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 110 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 114 ANEXOS E APÊNDICES .................................................................................................... 120 10 INTRODUÇÃO Esse estudo aborda práticas culturais de leitura e toma como experiências o Centro Cultural Récreo-Educativo Monsenhor Amílcar Marques (CECREMAM), fundado em 06 de março de 1966, no bairro dos Eucaliptos, em Feira de Santana, município do estado da Bahia. A análise aqui desenvolvida se estende da fundação da entidade até a coleta dos dados orais narrativos, em 2010, em meio a memórias de histórias de leitura de algumas das mulheres que o integravam.1 A história da leitura é posta por Burke (2008) como uma “das formas mais populares da história das ‘práticas’ ” e a história das práticas, por sua vez, como “uma das aréas dos escritos históricos recentes mais afetados pela teoria social e cultural”, portanto, de interesse da História Cultural. A História Cultural apropria-se da amplitude antropológica que, segundo Burke (2008), levava “em conta o conhecimento local ou não-oficial de seus informantes”, encorajando a incorporação de infinitas práticas, objetos e sujeitos em seu interesse pelo cotidiano, pelo local e por pessoas comuns. Nesse campo, Roger Chartier agrega o livro, a leitura e suas histórias em diversas representações e práticas, tomando, especialmente, como locus a França2. A Sociologia da Leitura, por sua vez, considera a heterogeneidade como característica da prática leitora, quer dizer, a diversidade em gênero, modo, motivos, posturas etc são consideradas em distinções temporais, espaciais e culturais. Por isso, é melhor apropriada a expressão práticas leitoras, pela justeza com o entendimento da leitura, enquanto prática cultural, portanto não apenas individual. Por conseguinte, possibilita análises a partir da rede 1 O Centro Cultural Récreo-Educativo Monsenhor Amílcar Marques será referido pela sigla CECREMAM ou pela expressão Centro Cultural. Também serão usadas as palavras cecremanos e cecremanas – expressões usadas pelos participantes do CECREMAM para si mesmos, seus companheiros de agremiação ou como referência a tudo que dissesse respeito ao Centro Cultural. 2 CHARTIER, Roger (Org.). Leitores e leituras na França do Antigo Regime. São Paulo: Ed.UNESP, 2004, entre outros trabalhos seus. 11 de sociabilidade de qualquer leitora ou leitor, além dessa mesma expressão fazer eco com a história das práticas contidas na História Cultural. Isso indica que a Sociologia da Leitura possui pontos de interseção com a História Cultural, também por esta contemplar mudanças e diferenças nas práticas de leitura, inserindo as mais diversas vertentes acerca do livro e do leitor, considerando sobretudo as práticas cotidianas e pessoas comuns e historicamente marginalizadas da condição de leitoras. Os dois campos analisam condições e tratamentos dados ao leitor, refletindo sobre as condições de circulação do livro, modos e motivos da leitura em dado contexto social, avaliando suas relações. Essa dissertação analisa histórias de leitura de mulheres do CECREMAM, através de entrevistas narrativas, com o objetivo de discutir práticas de leitura, levantando questões pertinentes a essas práticas e seu significado para cada uma das mulheres entrevistadas e para o grupo. Reflete também acerca dos modos e motivos de leitura desenvolvidas nesse Centro Cultural e como as representações cristalizadas socialmente da imagem dessas práticas aparecem nas narrativas. A temática e seu entorno metodológico, ou seja, leitura, história e práticas de leitura, bem como entrevistas narrativas foram transformando-se paulatinamente em campo de interesse. Isso por intermédio dos meus ingressos no curso de Letras Vernáculas da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e, especialmente, na docência da educação básica pela rede estadual e posterior e concomitantemente no ensino superior na Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Também por participações em reuniões de núcleos de leitura, jornadas, congressos e encontros acadêmicos que versavam sobre esse campo. Por exemplo, edições do Congresso de Leitura do Brasil (COLE), do Congresso Internacional de Pesquisa (Auto)biográfica (CIPA) e do Encontro Nacional de Leitura e Literatura Infanto-Juvenil da Universidade Estadual do Sudoeste Baiano (UESB) com minicursos Leitura nas fumaças da memória e Leitura e Crítica. Todavia a interseção entre temática e sujeitos aqui referendados, ou seja, a definição por mulheres do CECREMAM, assim como a resolução em pleitear uma vaga no Mestrado em Estudo de Linguagens na seleção realizada em 2008 foram determinações que aconteceram às vésperas da inscrição do anteprojeto na referida seleção e após falecimento de minha mãe. 12 Foram escolhas e decisões subjetivas, de certa maneira inconscientes e retrataram uma fuga pessoal e ao mesmo tempo busca e reencontro – “eu, caçadora de mim” como cantaria Milton. Nasci no CECREMAM, pois minha família dele participava. Acompanhva suas programações e reuniões desde meses de idade,muitas vezes cochilando. Morei em Salvador até o vestibular, então em férias escolares e feriados, lá estávamos também para estar com os parentes paternos. Posteriormente, em Feira de Santana para cursar Letras Vernáculas, participei mais intensiva e extensivamente. Assim deu-se minha aproximação com a agremiação e, por conseguinte, com um elenco de participantes, associados ou não, contemporâneos a mim. Todavia, até então, nunca havia pensado estar diante dele e dos seus como pesquisadora. Embora meus pais e irmãos, eu e outras pessoas da família paterna, além de conhecidos e pessoas próximas tivessem feito ou até então fizessem parte do Centro Cultural, decidir por ele e defini-lo nesse contexto resumiu em tentar “resgatar” ou “reencontrar” minha mãe recém falecida e participante deste mesmo grupo desde sua fundação. Ela era uma das mulheres cecremanas cujo perfil poderia ter sido contemplado na pesquisa. Tal constatação consegui perceber gradativamente e aos poucos em meio ao processo da pesquisa. Não tinha consciência que tudo isso consistiria em deliberações e seleções complexas e que essa pesquisa ganharia um tom terapêutico e elaborativo de várias outras questões pessoais que agregadas à morte de minha mãe a tornaria difícil, penosa e especial. A escolha de mulheres cecremanas como narradoras de suas histórias de leitura deveu-se ao fato delas terem sido presenças constantes em comparação aos homens no decorrer das décadas, segundo as listas de presença em reuniões e atividades do Centro Cultural. O processo narrativo vinculou-se à memória de leitura dessas mulheres e considerando que quem lembra, lembra no presente, o passado deve ser visto como reconstrução sempre, seja pelo sujeito que lembra, seja pelo historiador. As análises sobre o passado e o que revela a memória reconhecem e ressignificam o que fora vivido a partir das referências e das solicitações e exigências do tempo presente, tempo esse em que vivem pesquisadora e sujeitos. Dentre as mulheres escolhidas para o corpus desta pesquisa, houve quem participasse do grupo desde a formação do Centro Cultural e quem dele participasse em décadas distintas. Contemplar períodos distintos de ingresso implicou em haver nessa pesquisa cecremanas que 13 fizeram parte da Ala Adulta e/ou Infantil do CECREMAM. Nos anos iniciais da sua fundação, eram decididas e organizadas em reuniões que ocorriam separadamente para dois grupos distintos de acordo com a faixa etária, denominados Ala Adulta e Ala Infantil, esta com crianças entre 04 e 14 anos. Cada Ala possuía seu livro de Atas e, por vezes, atividades e programações específicas. (apêndice B, pág. 125) Uma delas fez parte da Ala Infantil e posteriormente Adulta, outras, da Ala Adulta, e outras, ainda, passaram a fazer parte do Centro Cultural, quando não mais havia a divisão por Alas. Logo, todas eram oficialmente associadas, quer dizer, tiveram seus nomes inseridos no livro de registro de sócios até a década de 1990 com prioridade dada aos anos iniciais de sua existência e, portanto, teriam mais de 45 anos de idade. Foram escolhidas aquelas que tiveram frequência assídua em dado período; que moravam ou tivessem morado ou se relacionado com o lugar de atuação marcante do CECREMAM, ou seja, os Eucaliptos; terem tido ciência do projeto, além, é claro, de manifestarem interesse em participar desse estudo. Houve uma pré-seleção contemplando dezenas de mulheres e, posteriormente, abarcando treze que, pela impossibilidade de desenvolver esta pesquisa com todas e conforme disponibilidade de tempo para os encontros, foi finalizada com sete. Elas foram informadas a respeito dos ditames e orientações do Conselho de Ética, a partir de um texto lido e assinado por elas, informando-as a respeito do direito ao sigilo e, se assim o desejassem, à desistência e à liberdade de expressão. Com base nos critérios postos, Nance da Costa Nogueira, Terezinha Lobo Ramos, Vanda da Silva Dias, Maria da Purificação Silva de Andrade, Iristelma da Silva Ribeiro Oliveira, Judite Porto de Souza, Maria Mercês Batista dos Santos foram as selecionadas para integrarem essa pesquisa (apêndice A, pág. 124). Eram donas de casa e, com exceção da Srª. Maria Mercês, todas casaram e tornaram-se mães e avós, sendo as senhoras Nance e Vanda também bisavós à época das entrevistas narrativas. A maioria também costurava habitualmente, com exceção das senhoras Vanda e Iristelma. Todavia, respectivamente, faziam tricô, crochê e bordados. A Sra. Iristelma também trabalhava como comerciante em sua padaria e Sra. Maria da Purificação como escrevente em cartório no fórum de Feira de Santana. Todas estudaram ao menos até o Primário, ou seja, as séries iniciais do ensino fundamental, no entanto, as senhoras Maria da Purificação e Maria das Mercês completaram o ensino 14 médio. Sra. Nance fez curso Normal incompleto, mas informou que na época não precisou completar o ensino fundamental para ingressar nesse curso, e não soube explicar o porquê, e a Srª. Iristelma fez licenciatura curta em Estudos Sociais pela UEFS. As narrativas dessas mulheres foram convertidas nas principais fontes documentais deste estudo. Embora as narrativas orais tenham sido a fonte principal, outras fontes como atas, registro de sócios, lista de atividades, monumentos, souvenirs, canecas, camisas e flâmulas, representaram um recurso documental significativo, fazendo-se presentes. O uso deste tipo de documentação fundamenta-se nas renovadas concepções acerca das fontes históricas propostas por estudiosos da cultura, em particular historiadores. Para Peter Burke “[...] imagens, assim como textos e testemunhos orais, constituem-se numa forma importante de evidência histórica” (BURKE, 2004, p.17). Tudo isso narra o CECREMAM, fornecendo dados a seu respeito e evidencia que seu interesse sempre girava em torno de um mesmo eixo. Ao se fazer uso de documentos dessa natureza, busca-se atender as sugestões de Jacques Le Goff (1994) sobre as concepções e transformações históricas do registro, relatando a evolução naquilo que os historiadores começam a considerar como status documental em seus estudos. Considerava-se documento o texto escrito por uma determinada categoria social. Todavia, essa concepção mostrou-se limitada. A crítica historiográfica reconheceu a importância de outras fontes, bem como o interesse da história não mais apenas por quem está no topo da hierarquia social. Numa sociedade arquivista como a nossa, é importante ressaltar que os registros orais, escritos, iconográficos, entre tantos outros, além de carregarem em si intencionalidade, são também construção da memória. Memória, diria Halbwachs, é um “revelador do presente”. Essa sinuosidade não impede que, apesar de toda revelação que a leitura dessas fontes pode trazer, faz-se necessário observar que elas também configuram interpretação dos fatos, ressignificação do que aconteceu, recorte do que foi julgado com valor de registro por parte de quem a fez e do grupo que a assina, dando-lhe legitimidade. É possível presumir que todos os registros documentais de uma sociedade, grupo ou indivíduo estão sob custódia da memória do que no presente deseja ser dito, escrito, pintado, esculpido, enfim revelado e perpetuado. E ainda assim deixam lacunas por talvez não atentarem à possibilidade de “leitores” não participantes do grupo e do tempo vigente; ou seja, tomando 15 emprestada a expressão de Fausto Colombo (1991), são todos os registros arquivos imperfeitos.3 Contudo, investigar o acervo do CECREMAM auxiliou a conhecer melhor o “corpus” e, assim, fundamentar o roteiro das entrevistas narrativas, estimulando o tema proposto, bem como ajudou a adotar critérios para a seleção das narradoras e contextualizar e refletir a respeito de itinerários possíveis sobre aquilo que as narradoras contaram sobre si e sobre o Centro Cultural do qual fazem/faziam parte. Por outro lado, também deu margem ao entendimento sobre as trajetórias das narradoras e do Centro Cultural, imbricados em narrativas que dão sentido às experiências que se fizeram visíveis. No processo de investigação do CECREMAM, aos poucos, foi possível descobrir uma linha de conduta cívica e preocupações pedagógicas. Inicialmente, sem sede, mas desde o princípio com hinos, bandeira e brasão. As atividades desenvolvidas pelo grupo sempre foram permeadas por símbolos cívicos da entidade, da cidade, do estado e do país, e suas decisões e encaminhamentos realizados nas Ala Adulta e Ala Infantil. Além dos associados separados por alas, houve participações e colaborações sazonais, cíclicas, mediante algum evento de maior repercussão, de pessoas que, apesar de não fazerem parte dele regularmente, atuavam em eventos organizados pelo CECREMAM, porque as suas programações sempre foram abertas ao público. Também houve colaboradores mais frequentes, cujos nomes não foram formalmente registrados como cecremanos, porque a ação de registrar não se configurou durante todos esses anos como prática contínua e assídua. A agremiação fundou duas pequenas bibliotecas: biblioteca Edna Laureana de Oliveira, na residência da Sra. Hilda Ramos da Silva, nos Eucaliptos, em Feira de Santana, em 1966, e biblioteca Sra. Lindomar Lima dos Santos, em Nova Redenção-Bahia, em 1983. Entre outras atividades, promoveu semanas de cultura em Feira de Santana e em outras cidades, recitais de poemas, encenações e jograis, encontros de poetas, exposições, principalmente sobre invocações de Maria - Mãe de Jesus - e comemorações em diversos centenários de 3 COLOMBO, Fausto. Os Arquivos Imperfeitos – memória social e cultura eletrônica. São Paulo: Perspectiva, coleção Debates, 1991. 16 personalidades históricas e religiosas, lançamentos de livros, excursões, cursos de Cidadania e Civismo, plantação de árvores e distribuição de mudas diversas, especialmente palmeiras e pau-brasil. (apêndice C, pág. 126) E ainda, edificação de monumentos ao Centenário de Feira de Santana, ao seu titular Monsenhor Amílcar Marques e ao cidadão Leôncio Ramos Gomes cuja família iniciou o que viria a ser bairro dos Eucaliptos. Possuiu uma coluna no Jornal Folha do Norte, de Feira de Santana, chamada O CECREMAM na FN. Nesse mesmo jornal, foram divulgados a Canção dos Cecremanos, em 12/10/1968 e o Decálogo do CECREMAM, em 14/01/67. Em tudo isso, temas cívicos e religiosos estiveram sempre presentes. Para a implementação da pesquisa foi adotado o seguinte percurso: seleção, organização do roteiro para as entrevistas narrativas, realização das entrevistas narrativas individuais, transcrição e análise temática, estabelecendo-se aspectos afins e trajetórias comuns sobre histórias e práticas culturais de leitura. As entrevistas foram úteis enquanto instrumento para coleta de dados e as narrativas compuseram a forma adotada para se alcançar os dados, propiciando acesso à intersubjetividades. As mulheres desta pesquisa mais do que entrevistadas foram narradoras. Para JOVCHELOVITCH e BAUER (2002, p. 110) “as narrativas não estão abertas à comprovação e não podem ser simplesmente julgadas como verdadeiras ou falsas; elas expressam a verdade de um ponto de vista, de uma situação específica no tempo e no espaço.” A voz de quem conta é, portanto, legítima e tudo o que se apresenta e como se apresenta nesse processo traduz a empiria e a fonte igualmente legítimas. Com esse pensamento foi convocado um encontro para apresentação desse projeto às integrantes do CECREMAM para que dele tomassem conhecimento. A reunião foi convocada aproveitando atividade no Templo-Escola Santa Rita de Cássia onde havia cecremanos presentes, sobretudo mulheres. Foi feita explicação prévia e solicitado que informassem aos não presentes. O encontro aconteceu ao ar livre, entre as copas de um pé de eucalipto, um pinheiro e um paubrasil, ao lado do monumento a Feira de Santana erigido pelo Centro Cultural, no jardim de seu fundador, numa tarde de domingo, ensolarada e arejada, regada a chá de eucalipto, conforme a tradição do grupo (apêndice D, pág. 127). O encontro deu-se em dois momentos distintos, na mesma tarde, com opções de horários às convidadas. Naquele momento, o objetivo foi explicar com mais detalhes a respeito do projeto, explicitar os critérios de seleção 17 e saber quais entre elas gostariam e poderiam participar. Ao final de cada encontro, foi lido o documento de esclarecimento sobre o projeto e sobre a ética na pesquisa sob o título Termo de consentimento livre e esclarecido (apêndice E, pág. 128). redigido como resultado das orientações documentais do Comitê de Ética em Pesquisa da UNEB que aprovou a execução desta pesquisa (anexo A, pág. 120). Foi garantido o direito de esclarecimentos antes e durante esta pesquisa a todos que dela participaram; as pessoas convidadas para fazerem parte desta pesquisa procederam de maneira voluntária, sem nenhum ônus ou pagamento destinado a esse fim e com total liberdade de expressão para falar e opinar sobre o que ou quem quisessem, bem como poderiam desistir de participar desta pesquisa em qualquer momento que desejassem sem sofrer nenhum prejuízo ou penalização por tais atitudes. Foi garantido também às participantes o sigilo quanto aos dados confidenciais envolvidos na pesquisa, se porventura ocorressem e assim o desejassem, assegurando a privacidade, bem como informado que as gravações das entrevistas narrativas ficariam sob minha guarda pessoal. Ao término da pesquisa, elas tiveram acesso ao seu produto final, e o Centro Cultural Récreo-Educativo Monsenhor Amílcar Marques recebeu uma cópia para seu arquivo. A pesquisa em campo além de haver sido desenvolvida nas entrevistas narrativas, contou também com orientações logísticas organizadas previamente a partir da leitura de Meihy e Holanda (2007). Nessa bibliografia há indicações sobre: a) fichas de apresentação das entrevistadas para arquivamento e para apresentação inicial de cada gravação por filmagem, a fim de não haver riscos de nenhuma entrevista narrativa ser confundida com outra (apêndice F, pág. 130); b) modelo de autorização para entrevistas; c) autorização de posse e uso delas, para garantir possibilidade de reflexão para essa decisão; d) orientações sobre a acessibilidade ao material escrito e realização das transcrições. Nas transcrições feitas foram retiradas marcas excessivas da oralidade como, por exemplo, frases cortadas e repetidas sucessivamente para adequar o oral ao escrito, porém sem desvirtuar a produção narrativa original. E a análise dos dados a partir das narrativas foi realizada entrecruzando histórias de leitura e histórias de vida. Foi tomado como base para o roteiro das entrevistas narrativas: família, escola, CECREMAM versus o que, como, onde, quando e por que liam. Tal roteiro exprime as categorias adotadas. 18 Assim surgem dois blocos de categorias: base da formação leitora e transgressões a formação leitora inicial.4 Os blocos foram determinados devido a uma certa linearidade presente na infância e juventude da maioria delas e a tendência transgressora na nova geração observadas após entrevistas narrativas. A primeira categoria contemplou a formação leitora nos percursos da infância influenciados principalmente pela família e pela escola, bem como atos de leitura no CECREMAM, por este fazer eco com o perfil familiar e escolar em seus aspectos moralizantes. A segunda categoria contemplou especialmente práticas leitoras que avançaram no que diz respeito a novos temas lidos e aos mais diferentes modos, motivos e representações da leitura e do leitor. Não mais em suas formações iniciais, embora em algumas das narradoras ainda influenciadas pelos valores adquiridos em tenra idade. Os encontros ocorreram em local e horário de acordo com a disponibilidade de cada uma, dentro da semana sugerida, no intuito de evitar um período em que dentre elas houvesse alguém fora do bairro, em viagem, por exemplo, uma vez que todas tinham pessoas na família em outros bairros e cidades. As entrevistas foram individuais de modo a evitar as interferências diretas que poderiam ser provocadas pelas lembranças umas das outras. Em cada encontro foi estabelecida uma conversa informal incluindo também o que estivessem fazendo e, na sequência, a gravação e filmagem iniciavam-se com os dados pessoais e seguia em frente com as categorias citadas. As entrevistas realizaram-se em encontros gravados e/ou filmados para garantir a efetividade do registro. Com exceção de uma entrevistada, que, por motivos pessoais, permitiu apenas a gravação em áudio. As entrevistas variaram entre cerca de 30 minutos a 4 horas. Essa disparidade de tempo demonstrou a total liberdade e respeito a cada uma das narradoras no desenvolvimento livre de suas histórias, de acordo com seus desejos e estilos narrativos. As duas narradoras que ilustram esses extremos estavam vivenciando momentos e situações peculiares. A primeira, Sr.ª Maria da Purificação, poucos meses antes havia enterrado seu filho, morto em acidente de carro, tendo deixado uma filha de 1 ano de idade e, ainda consternada, participou da pesquisa, informando querer contribuir com ela, mas sentindo-se desmotivada para tal. Ela foi breve nas respostas, num comportamento fugidio, e não me senti 4 A expressão “transgressão” ilustra qualquer tipo de quebra normativa no que diz respeito ao uso do livro, a forma de ler, ao que deveria e/ou poderia ser lido, considerando sutilezas modificadas em práticas de leitura. 19 à vontade para estimulá-la mais, embora tenha sido um encontro agradável. Devido a seu abatimento, ela não autorizou a filmagem, no que foi respeitada. A segunda, Sr.ª Maria Mercês, foi na verdade a primeira na agenda e muito solícita, envolveu-se bastante no ato de narrar, tendo dificuldade em encerrá-la, descrevendo e comentando detalhes de sua biografia. A participação desta depoente, na condição de primeira narradora, ou seja, como primeira experiência, muito contribuiu para a pesquisa, porque a cada palavra, frase, tema ou comentário que expusesse, ela desenvolvia amplamente. As narradoras Maria da Purificação e Maria Mercês, assim como as demais, viveram relações entre passado e presente, tempo e espaço. Essas relações estavam presentes nas narrativas de suas histórias de vida, bem como especificamente em suas histórias de leitura e suas práticas e recaem em itinerários subjetivos e intersubjetivos. “O exercício da intersubjetividade sobre a subjetividade expressa na narrativa oral e escrita permite trabalhar a problemática da compreensão de si e dos outros” (JOSSO, 2004, p.222). São, portanto, itinerários sobre os quais as narradoras, por meio do que rememoram e narram, incidem, especialmente sob o olhar interdisciplinar e transdisciplinar, nesta perspectiva, inseridos e dimensionados nos capítulos abaixo sumariados. O primeiro capítulo, Vidas em trajetórias no bairro dos Eucaliptos, anuncia o CECREMAM a partir dos depoimentos das associadas participantes dessa pesquisa, uma vez que todas as narradoras são ou foram vinculadas a ele, perfazendo um elo comum nos Eucaliptos. Em consideração a esse elo, fez-se necessário apresentar o Centro Cultural Récreo-Educativo, expondo sua fundação e seus objetivos para contextualizar suas práticas, especialmente aquelas concernentes à leitura. Além disso, cidadania, civismo e religiosidade católica são alguns dos interesses expressos pelo CECREMAM em eventos que promoveu. Por isso nesse capítulo há explanação sobre quais princípios possivelmente nortearam o Centro Cultural, trazendo em seus meandros a hipótese de haver em seu interior vestígios da Ação Integralista Brasileira (AIB)5 e/ou da Sociedade Brasileira da Tradição Família e Propriedade (TFP)6. O segundo capítulo, Leituras nas trilhas de práticas institucionais: apreender e acomodar, discute as práticas de leitura dessas mulheres em meio a suas famílias, escolas e 5 6 A Ação Integralista Brasileira – AIB também pode ser aqui registrado como Integralismo. A sigla TFP sempre será usada referir-se à Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade. 20 no CECREMAM, considerando motivos e modos presentes em suas práticas e percursos formadores. Nesse contexto, práticas de leitura oferecidas, ensinadas e defendidas pela escola, pela família e pelo Centro Cultural aparecem como valores e práticas aprendidos e acomodados, ou seja, aprendizagens internalizadas e sedimentadas por elas. O terceiro capítulo, Leituras nas veredas de práticas confrontadas: conservar e renovar, aponta a associação e a contraposição às práticas de leitura exercidas pelas narradoras naquelas e em outras ambientações. Nessa perspectiva, observam-se informações que elas trazem de si sobre suas relações iniciais com a leitura em seu processo de aprendizagem na escola e na família e o incentivo à leitura presente em ações cecremanas. Desse modo, percebem-se manutenções de valores sedimentados segundo reflexões apontadas no capítulo anterior, mas também rompimentos sobre condutas leitoras, práticas de leitura e sobre representações a respeito da leitura. Essa pesquisa contemplou vozes de mulheres que revelaram aspectos da agremiação e da comunidade da qual fizeram parte, mesmo quando anterior a sua existência, quer dizer, enquanto legado familiar e, sobretudo, contando um pouco de suas histórias. Muito tiveram a dizer, embora nem sempre tenham tido o hábito de sentirem-se chamadas a isso. Tratou-se de um trabalho marcado pela subjetividade, presente nas narrativas orais, na memória, na leitura enquanto tema e, nessa interseção, apresentaram-se peculiaridades leitoras e representações sociais sobre a leitura, uma influenciando a outra, a partir das referências e da formação leitora das narradoras. Circundada pela interdisciplinaridade, visou compreender histórias de leitura “entre a subjetividade e o lugar social do indivíduo, com seus diferentes ritmos, formas de ler e espaços de leitura os mais imprevistos” (CORDEIRO, 2008, p.197), mas nem sempre, escutando e apresentando formas delas narrarem a si mesmas, seu lugar social enquanto filhas, irmãs, vizinhas, donas de casa, religiosas, cecremanas, esposas, mães, mulheres e representações dessa rede de relações. 21 CAPÍTULO I VIDAS EM TRAJETÓRIAS NO BAIRRO DOS EUCALIPTOS Este capítulo traz à baila as sete mulheres, o CECREMAM e a comunidade em que ele está inserido. A partir das narrativas, todos – mulheres e CECREMAM tiveram suas trajetórias de vida entrelaçadas e como locus principal – os Eucaliptos7. O bairro dos Eucaliptos, em Feira de Santana teve esse nome dado pelo professor Antônio Ramos da Silva, fundador do Centro Cultural Récreo-Educativo Monsenhor Amílcar Marques - CECREMAM. A localidade não tinha denominação e sua via principal era uma estrada de rodagem cujo trecho era o então Km 142, como era conhecido. Havia poucas casas, sendo as primeiras casas de tios e dos pais de alguns dos sociofundadores, onde posteriormente iniciouse essa agremiação. Por causa dessa agremiação, o nome Eucaliptos passou a identificar a comunidade, servindo o Centro Cultural Récreo-Educativo como principal divulgador do nome Eucaliptos, e foi como ela se tornou conhecida, firmando-se posteriormente como bairro e, sob esse olhar, CECREMAM e Eucaliptos nasceram praticamente juntos. As árvores de eucaliptos representavam bem o lugar, identificando-o ao longe pelas copas de tais árvores, que se destacavam em relação às demais devido a sua altitude. Gradativamente, contudo, a maioria delas foi ceifada, oferecendo seu espaço ao concreto. Os eucaliptos também passaram a ser um dos símbolos da entidade, presentes em sua bandeira e em seu brasão, caracterizando também as reuniões e os eventos promovidos pelo Centro Cultural, quando frequentemente era oferecido chá de eucalipto para os participantes e convidados, que também eram estimulados a levar suas folhas consigo para fins medicinais e aromáticos. Os eucaliptos configuraram-se em um sinal distintivo de eventos do Centro Cultural Récreo-Educativo Monsenhor Amílcar Marques. 7 Pouco tempo antes das entrevistas narrativas houve uma mudança no CEP, redimencionando o bairro dos Eucaliptos e dessa forma o espaço em questão passaria a fazer parte do bairro Brasília. No entanto, nenhuma das narradoras durante a pesquisa considerou tais mudanças. Nenhuma delas mencionou tal alteração nem titubeou ou modificou o nome Eucaliptos; além do mais, o tempo desta pesquisa comporta predominantemente a realidade anterior. Vale ressaltar que em conversas informais, após esta pesquisa, em momentos e circunstâncias distintas com parte delas, o fundador do CECREMAM e várias outras pessoas de idades distintas e especificamente da rua Senador Quintino e adjacências foi possível verificar que tal alteração não foi bem aceita pela comunidade. Ninguém falou a favor, feliz e satisfeito, ao contrário, todos lamentaram. 22 A partir das falas das narradoras, a entidade foi apresentada como destaque em Eucaliptos. Através de comentários e lembranças de suas atividades que dinamizavam e movimentavam o lugar, depender da época. Além de suas memórias, estão registradas em atas e/ou em produtos, como canecas, camisas, flâmulas, monumentos, entre outros. Nesse sentido, os registros expostos nas falas dessas mulheres, sejam sobre si ou sobre o CECREMAM, assim como os registros documentados pelo Centro Cultural, são reconhecidos como fontes. Por outro lado, são construções da memória e configuram o recorte de algo, um recorte subalterno a escolhas e à própria memória. 1.1 O CECREMAM e suas leitoras: inserção no corpus As narradoras da pesquisa comentaram sobre o lugar, sobre o Centro Cultural, ambos apresentados a partir de suas narrativas sobre si mesmas nesses contextos. Neste capítulo elas são apresentadas, especialmente dentro de suas experiências no ato de narrar no interior desta pesquisa, de seus pertencimentos familiares e comunitários via agremiação, numa relação intrínseca. Das entrevistadas que ingressaram no CECREMAM, em 1966, na Ala Adulta estão as narradoras Nance, Terezinha, Maria da Purificação e Vanda. Srª. Nance, 80 anos, viúva, 2 filhos, nasceu em Salvador e foi para Feira de Santana com 3 anos de idade. Voltou a morar em Salvador por cerca de 10 anos não consecutivos. Não morou na comunidade dos Eucaliptos, mas esteve frequente via atividades cecremanas. Srª. Terezinha, 72 anos, casada, 1 casal de filhos, nasceu em uma fazenda em Bonfim de Feira e morou na comunidade dos Eucaliptos há 53 anos, desde que casou. Srª. Vanda, 65 anos, casada, 2 filhos e 1 filha, irmã de Maria da Purificação, também nasceu na mesma casa que a irmã. Ela afastou-se apenas por algumas semanas, quando morou na Travessa Santa Maria no bairro Brasília, vizinho ao bairro dos Eucaliptos, e por 7 meses, quando morou em São Gonçalo dos Campos, ambos no início de seu casamento. Srª. Maria da Purificação, 60 anos, 2 filhas e 1 filho falecido em 2010, nasceu na comunidade dos Eucaliptos, especificamente em uma das primeiras casas do lugar, casa essa usada pelo CECREMAM para algumas de suas atividades. Casada e, prematuramente, viúva, sempre morou nos Eucaliptos. Fez parte da fundação do 23 CECREMAM, assumindo a função de secretária por um período e dele participou com mais assiduidade até a década de 1980. A narradora Iristelma, 48 anos, casada, 2 filhas, ingressou no CECREMAM, também em 1966, mas na Ala Infantil. Participou da Ala Infantil do CECREMAM entre final da década de 1960 e início da década de 1970 e continuou depois até a decáda de 1980 quando se casou. Seus pais também foram sociofundadores. Ela nasceu e morou nos Eucaliptos nos primeiros 20 anos de vida, depois mudou-se para Caraíbas e lá ficou por cerca de 20 anos, e há 7 anos retornou para Feira de Santana, para o bairro Feira VII, limite com os Eucaliptos, que ela frequentou quase que diariamente. Por fim, ingressaram no CECREMAM, na década de 1990, quando não mais havia as divisões por Alas as narradoras Judite e Maria Mercês. Srª. Judite, 70 anos, viúva, 2 filhos e 4 filhas, uma delas falecida, morou nos Eucaliptos desde 1962, quando se casou. Ela participava de atividades organizadas pelo CECREMAM desde sua fundação como espectadora, por serem abertas à comunidade, mas apenas filiou-se em 1990. Srª. Maria Mercês, 52 anos, solteira, sem filhos, morou nos Eucaliptos desde alguns anos após ter concluído o ensino médio, quando se mudou com o pai enfermo para a casa de sua irmã no bairro. Conheceu o CECREMAM em 1992, por ocasião das comemorações do Bicentenário de Nascimento de Maria Quitéria, atraída por um concurso de poesia, sobre o qual soube por meio de um vizinho. Filiou-se no Centro Cultural em 1995. Elas contaram um pouco de suas vidas e as intercalaram com o fazer narrativo e atividades cecremanas que rememoraram. Dentre as que tiveram disponibilidade para depor, foram selecionadas de maneira que houvesse representatividade na participação de distintos períodos do CECREMAM, com ênfase às duas primeiras décadas de atuação desse Centro Cultural. O vínculo das narradoras com o bairro dos Eucaliptos também foi considerado. Por isso, a maior parte delas ainda morava nesse lugar. Houve narrativas sobre mudanças acontecidas na localidade ao longo do tempo, bem como narrativas que apontavam para a interseção entre o CECREMAM e seu locus. Esse fazer narrativo perpassou pela reconstrução no ato de lembrar que consiste na possibilidade viável de qualquer sujeito, assim como da história, para retomar algo do passado. Retomar algo, porque não é possível retomar tudo, uma vez que o sujeito muda com 24 o tempo. Ainda que fosse considerada uma unidade nele mesmo, ele não é no presente o mesmo do passado, pois, tem-se consigo, do presente, valores, perspectivas, tudo enfim que facilite e desenvolva um julgamento, um olhar sobre o passado. Sobretudo há a impossibilidade da memória, quer dizer, a memória é naturalmente seletiva, o que significa que ninguém consegue guardar tudo o que viveu, nem tudo o que ouviu do que os outros viveram e, ainda, há os esquecimentos, saltos, os possíveis equívocos. Nada disso inviabiliza sua riqueza. Riqueza essa que recebe subsídios de recuperações, reapropriações e reconstruções que são ligadas e organizadas em narrativas, através da memória e através da linguagem, no ato primoroso de contar e recontar. Pela linguagem houve a demonstração entre as narradoras da idealização do passado, a exemplo da Srª. Judite, quando disse “Foi tão bom! eu gosto de relembrar o passado, é gostoso! O passado hoje está melhor que o presente (risos). O passado é gostoso! É no passado que a gente já passou coisas boas, o que eu passei na minha vida, é tão gostoso. Até as coisas ruins do passado é. Eh! se torna! É Deus, que a gente fala e se sente tão bem!” (risos) (Judite). E, entre sorriso largo, Iristelma: “Já pensou, você agora me fez voltar no tempo”, bem como declarações da impossibilidade ou limitação da memória quando disseram, por exemplo: “Faz tanto tempo, não vou lembrar”, “será que vou lembrar?”, “não lembro de nada”. Às vezes, no tempo presente, distante, o passado é romantizado e por isso “o passado é bom”, “gostoso”, “melhor que o presente... se torna” é satisfatório voltar a ele. Reconhecer a memória como viagem no tempo enquanto oportunidade de resgatar e partilhar seu passado somada à falsa ideia da completude da memória, tem-se a preocupação expressa na fala “não lembro de nada”, sempre dita e de várias maneiras repetidas por todas, especialmente pela Srª. Vanda, todas reconhecendo em si prováveis esquecimentos, saltos, lapsos que temem suceder ou reconhecem que vai suceder em dada medida. Todavia, passado e memória são naturalmente vastos de possibilidades e lacunas, independente de seus sujeitos narradores. A dupla esquecimento/memória, portanto, é apenas uma aparente oposição. Numa grande medida, estas oposições são instrumentos conjuntos e indispensáveis em projetos narrativos que dão conta de eixos de conflito. Há também o caso de, na própria narrativa, formarem-se núcleos em que lembrar é um fluxo, um processo, uma razão de ser e então o ato de esquecer se faz o pivô daquilo que se desenvolverá, detonando uma série de transformações ou a transformação (FERREIRA, 2004, p. 92, 93). 25 O medo de esquecer e os esquecimentos que ocorreram não impediram a produção narrativa. Eles podem ocorrer por questões clínicas que comprometam a lembrança; pela impossibilidade de se registrar tudo em absoluto na vida; como alternativa consciente ou inconsciente de eliminar da narrativa o que o sujeito que narra julgar errado, equivocado, indesejável e enquanto “pivô daquilo que se desenvolverá”. O esquecimento como também o medo de esquecer tornam-se determinantes no preenchimento de lacunas nas narrativas. Srª. Nance resolveu isso não intencionalmente, trazendo de seu quarto textos de sua autoria ou de outrem e impressos diversos também do CECREMAM. Ela sabia que todas as narradoras foram do CECREMAM e que o tema das entrevistas narrativas dizia respeito à leitura, por isso ela compartilhou dentre seus pertences textos e poemas escritos por ela, um classificador organizado por ela com certificados, convites e informações de parte das programações idealizadas e promovidas pelo CECREMAM, cadernos que organizou, livros do Centro Cultural e outros, forçando a memória a partir de suas lembranças julgadas por ela importantes e, portanto, arquivadas e guardadas em seu quarto. As narradoras, a exemplo da Srª. Vanda, preocupada com seus esquecimentos, e da Srª. Nance, atenta a seus suportes materiais, sentiram-se na responsabilidade em presentificar o passado imposto na participação dessa pesquisa. Haveria, portanto, para o velho uma espécie singular de obrigação social, que não pesa sobre os homens de outras idades: a obrigação de lembrar, e lembrar bem. Convém, entretanto, matizar a afirmação de Halbwachs. Nem toda a sociedade espera, ou exige, dos velhos que se desencarregem dessa função. Em outros termos, os graus de expectativa ou de exigência não são os mesmos em toda parte. O que se poderia, no entanto, verificar, na sociedade em que vivemos, é a hipótese mais geral de que o homem ativo (independente de sua idade) se ocupa menos em lembrar, exerce menos freqüentemente a atividade da memória, ao passo que o homem já afastado dos afazeres mais prementes do cotidiano se dá mais habitualmente à refacção do seu passado. (BOSI, Ecléa, 2009, p. 63) Resgatar o passado é tão provocador quanto impulsionar a memória. Impossível recuperá-los integralmente, pois estão sob a tutela do tempo. O sujeito tende a ocupar-se do passado em intensidades diferentes, a depender da etapa em que está na vida. Segundo Ecléa Bosi (2009), o velho se ocupa mais dessa tarefa do que um adolescente, imprimindo-lhe a esse 26 comportamento também uma função social. Nessa perspectiva o velho possui importante responsabilidade na sociedade, a partir seu núcleo familiar e social no que tange a socialização de suas memórias. No entanto, independente da idade, ou melhor, sem necessariamente todas elas serem idosas, as entrevistas narrativas consistiram no auge deste trabalho e em uma experiência favorável a elas. Por exemplo, Srª. Nance disse que “foi muito agradável”, Srª. Mercês, ao final, associou, entre risos, a uma retrospectiva anual na televisão: “É divertido, é a retrospectiva 2010!” e Srª. Judite contou sobre uma experiência anterior que julgou negativa, contrariamente a essa. Uma vez eu tive uma entrevista na Unimed e pior que na Unimed foi um jornalista de verdade...‚ “então vocês tem que falar só o que convém’, quer dizer, que se tiver uma coisa que não era boa a gente não podia dizer. Tinha que falar que a Unimed é ótima, tinha que falar tudo bem, porque eles estavam gravando [...] então primeiro diziam o que a gente podia falar, mas a gente fez a entrevista, só não foi prolongada como essa. Essa foi de amiga para amiga e foi ótima, ótima! (Judite) Apesar da liberdade que tiveram ao narrar e apesar, ainda, de ser impossível reviver o passado exatamente como fora vivido, percebido, sentido e reagido, muitos foram os dados revelados, suficientes para inúmeras abordagens e vertentes temáticas no seio da Sociologia da Leitura. É inviável atender a todas as demandas perceptíveis em cada narrativa em uma única pesquisa. As entrevistas narrrativas caracterizaram-se pela multiplicidade simbólica do que fora exposto e experienciado em suas vidas. Por tudo isso foi necessário seleção e recortes, mas que não comprometeram a pesquisa e o aprofundamento de todos os dados, pois isso era esperado. Logo, em meio a uma seleção atenta à proposta inicial deste capítulo, foi importante associar gradativamente depoimentos sobre a vida dessas mulheres e suas experiências no CECREMAM, porém antecedidos pelo depoimento sobre o que fora evidenciado a respeito do desenvolvimento do lugar que viria a ser os Eucaliptos: Eu não sei se você sabe onde é o açougue São José! Eu alcancei somente mato, nem a casa [casa dos avós] eu não alcancei, mas agora tinha muito arvoredo [pausa] [...] E por sinal eu não conheci nenhum dos dois[avós paternos] nem por retrato. Agora de mamãe eu conheci minha avó, meu avô também eu vi só uma vez por retrato, mas conheci. E o de papai nem por retrato a gente[irmãos mais novos] não viu. [...] Eles [irmãos mais velhos] alcançaram porque iam lá pra fazenda. O pai de mamãe tinha 27 fazenda no Tomba [bairro vizinho aos Eucaliptos] muito grande, muito arvoredo, gado tinha muito lá. (Vanda) Srª. Vanda narrou o lugar quando este era um pedaço de terra de propriedade de seus avós paternos e maternos. Os moradores próximos a ela eram filhos de seus avós paternos que, ao formarem seus novos núcleos familiares, construíram suas casas, onde agora vem a ser especificamente os Eucaliptos: “[...] Antes do CECREMAM o bairro era mato puro, as casas que eu tenho lembrança de quando era pequena eram somente a casa de papai, a casa de uma tia aqui onde é a venda de Zequinha e a de Dona Cazuza [Sra. Maria Dias], que era casada com o irmão de papai”. A narrativa de Srª. Vanda, dirigida ao bairro, foi intercalada por lembranças de seus avós, pais e tios, desenvolvida em meio a um tom de voz que remetia à saudade também do que não conheceu, como dos avós e da casa que não visitou. Vale lembrar que ela nasceu em 1941 e, naquela época, ainda não existia divisão em bairros, tal como conhecemos, nem limites mais definidos, porque nessa parte da cidade de Feira de Santana havia predominantemente fazendas, chácaras, roças e terras nativas, ainda sem muita ou nenhuma exploração e povoamento, principalmente no período contemporâneo a seus avós. A região à qual ela se refere como pertencente aos seus avós maternos e paternos equivale à parte dos atuais bairros Tomba, Areal e Brasília, além dos Eucaliptos. Seus avós não se preocuparam com escrituras nem com novos moradores que chegavam, tendo garantido apenas terra para moradia e subsistência dos seus filhos quando casassem. Ela, ao narrar, também reconstruiu um pouco dos Eucaliptos num cenário com árvores e presença de mato: “[...] Aí onde é seu Moura mais ou menos, tinha um pé de caju enorme. O pessoal só colocava porcaria lá embaixo, porque lá é uma encruzilhada, é só passar a Senador e a João Durval. Era tudo mato, era tudo capim[...]” e retomou mudanças acontecidas anteriormente ao seu nascimento e ao nascimento de seus irmãos, no que converge ao início da urbanização do atual bairro: Essa estrada aqui, quando a gente chegou [quando ela e seus irmão nasceram] já achou por dentro do terreno do pai de papai, meu avô. A rua Senador Quintino passou por dentro do terreno, aqui era tudo dele, essa parte do Areal [aponta para direção do micro bairro vizinho] essa maior parte pertencia a ele. Ele tinha chácara. [E acrescenta 28 o caminhar do tempo, mencionando o CECREMAM] [...] O tempo passou, a comunidade foi mudando, mudando... Na época em que o Centro Cultural foi fundado já tinha mais casas, foi chegando mais pessoas pra aqui, aí foi melhorando, melhorando... (Vanda) Srª. Vanda inseriu como parâmetro espacial e temporal referência a poucas residências de pessoas da época de sua infância e a residências de pessoas da atualidade antes de serem construídas, como Senhor Moura e, na citação anterior, Senhor Zequinha, moradores atuais dos Eucaliptos há algumas décadas, mas que ela colocou como referência atual para referir-se a características físicas anteriores à chegada deles. Ela se deteve em aspectos físicos do lugar, mas isso não comprometeu em nada a composição de um cenário evolutivo da urbanização local, a exemplo da estrada citada. Essa estrada marcou o início do processo de urbanização. Inicialmente como estrada de chão, depois por décadas com paralelepípedos, recebeu em 2010 asfalto pela primeira vez. É uma das ruas principais dos Eucaliptos, que leva ao fundo da Igreja Matriz da cidade. Era chamada de estrada de rodagem, tendo como marco uma pedra que marcava Km 142, localizada no meio fio em frente à casa de seus pais. A estrada recebeu o nome de Rua Senador Quintino, seguindo o processo de urbanização, as casas foram numeradas, o lugar foi oficialmente denominado de Bairro dos Eucaliptos depois de ampla iniciativa, divulgação e campanha do CECREMAM, e aquela pedra perdeu sua função como localizadora de um espaço, tendo sido guardada pelo irmão mais velho da narradora, e atualmente está em frente à casa de seus pais, agora como marco histórico local. Simultaneamente às mudanças de nome e à aparência física, transforma-se também a movimentação da rua, uma vez que os veículos motorizados eram escassos em comparação a 2010 e utilizada como caminho para a boiada até a década de 1980. A Rua Senador Quintino é cortada pela Avenida João Durval Carneiro, uma das avenidas principais da cidade, a qual também corta o bairro dos Eucaliptos, que tinha como nome anterior Avenida José de Anchieta, também lembrado pela Srª. Vanda “[...] Porque antes era Anchieta, é... eu acho que era Anchieta sim, aí o pessoal se revoltou quando mudou para João Durval”. Srª. Vanda foi quem mais narrou a evolução do bairro, ilustrando o percurso de seu crescimento com base nas referências pessoais enquanto alguém que, além de ter nascido e lá 29 sempre ter morado, guardou e associou a esse espaço seus antepassados familiares, portanto, históricos. Ao traçar as mudanças físicas do lugar ao longo de gerações, deu margem à historicidade do lugar. Inicialmente indicou um traço distintivo de evolução e desenvolvimento a partir de um núcleo ou célula comum inerente ao interior desse lugar, do grupo e da entidade aqui descritos. Com isso, apontou para um cunho de certo modo endógeno, caracterizando-os, conforme será melhor explicitado por pistas nas narrativas e registro de sócios. E nesse lugar o CECREMAM foi fundado em 1966, conforme informado anteriormente, quando a rua Senador Quintino já estava povoada por moradores em toda a sua extensão, bem como já havia a presença de pequenas casas comerciais, como quitandas, armazéns, açougue e ao menos uma escola pública. O bairro se iniciou com uma classe economicamente baixa e encontrou no CECREMAM a oportunidade da interação social, por intermédio das atividades religiosas, culturais e recreativas que promovia, conforme lembranças das Senhoras Judite, Vanda e Iristelma. Srª. Judite, a seguir, ressaltou em suas lembranças atividades do CECREMAM nos Eucaliptos, vinculando a sua participação e a da sua família, em que ambas interagiram: Acompanhei tudo, porque quando eu cheguei pra aqui, não tinha nada disso [...]. Era aí na casa da chácara da mãe dele [fundador do Centro Cultural]. [...] Ele fazia essas coisas de religião e não podia ser dentro de casa, porque a casa era pequena. Então fazia debaixo de um pé de cajá. Esse pé de cajá que tem aí [aponta para frente da referida casa]. E criei os meus filhos aqui, minha filha chegou a fazer a primeira comunhão aqui. Era muita festa, muita coisa boa, muita coisa boa [fala pausada com tom de saudosismo]. [...] Ele fazia jogo, fazia coisa que eu não sei se lembro para te contar. Era o ano todo e tudo era aí na casa da velha [mãe dele] porque esse terreno era puro, aí, fazia quadrilha, festa de Natal, tudo aí. [...] Eu participava das atividades religiosas que ele fazia: procissão pra Matriz... Ele fazia os cem anos... [referência aos centenários diversos que foram comemorados no CECREMAM] (Judite) Ela se reportou a festas e recreações, acrescentou às atividades religiosas a participação de seus filhos como algo importante para si e no processo de formação deles e ressaltou que quando chegou (1962), “não havia nada disso”. 30 Algumas atividades de cunho recreativo, muito presentes no início do Centro Cultural, foram citadas mais de uma vez: corrida de ovo, corrida de saco, festas, pau de sebo com potes cheios de doce e “nicas” (moedas), cabra cega, jóquei, como chamavam a corrida de cavalo feita com pedaço de pau e cara de cavalo feita artesanalmente com feltro, jardim, que consistia num quadrado cheio de flores plásticas “plantadas” com presentes para cada pessoa retirar uma flor e achar um presente surpresa, e quadrilhas juninas - única atividade cujo fim foi explicado pela presença de “gente que vinha de outro bairro para fazer arruaça” (Vanda). “tinha tudo isso” e “tudo era muito bom” foram formas expressadas pelas senhoras Vanda e Terezinha, respectivamente, com lamento e saudade ao lembrarem das atividades do passado. A arrumação do presépio, realizada todo ano, pareceu algo muito importante, porque foi recorrente em algumas memórias que se complementavam, na necessidade de narrarem-no em detalhes, especialmente na fase anterior à construção do Templo-Escola Santa Rita de Cássia (TESRC), quando era montado ao ar livre, em frente à casa da Srª. Hilda, sob a cajazeira. Por ser ao ar livre, havia escala para resguardá-lo, com três rapazes de vigia a cada noite e colocação de rede e/ou dormidas em cima da árvore em revezamento. Srª. Vanda explicou a origem da tradição do presépio no lugar8: O presépio era dentro [dentro da casa de seus pais, mesma casa das reuniões]. As casas de barro, Du [Eduardo - um de seus irmãos] e mamãe[Sra. Hilda, que também fazia panelas de barros para uso no lar] faziam, então tinha aquela noite de acender as velas. Pegava as velas e ascendia em baixo da casa [de cada casa de barro], apagava a luz e ficava um deserto. Vinha gente da cidade toda pra olhar o presépio. Depois ele comprou este aí e mudou para o lado de fora, já que é grande. (Vanda) Prática antiga de tradição católica, o presépio foi reportado à própria família e como continuidade da família foi levado e mantido no CECREMAM, com a colaboração de outras famílias participantes que também nutriam esse hábito naquela época. Eram várias famílias e vários núcleos de uma mesma família residente nos Eucaliptos e participantes daquele momento e de outros promovidos pelo Centro Cultural. É mais um exemplo que reproduz a endogenia enquanto grupo em si mesmo, que reafirmava constantemente seu legado religiosocultural, bem como a fala a seguir pela narradora Iristelma: 8 O Templo-Escola Santa Rita de Cássia é uma capela particular pertencente ao fundador do CECREMAM. As narradoras referem-se a esse espaço também com as expressões capela de Santa Rita ou simplesmente Capela. (apêndice G, pág. 131) 31 Eu entrei bem pequenininha! Tinham aquelas reuniões, tinha ata. Era Celinha [Ana Célia Lobo Ramos – secretária da Ala Infantil] que fazia sempre as atas, a letra que tem lá é dela e ela assina. A gente gostava! Era uma maneira da gente se reunir, né? Eu lembro vagamente de algumas coisas, dindinho organizava muitas. A gente não tinha Capela [Templo-Escola Santa Rita de Cássia, fundada em 1978], eu lembro que tinham reuniões que eram aqui em frente[referindo-se à frente da casa onde aconteciam reuniões], tinha missa em baixo dos pés de árvore, eu lembro disso. [...] Contribuiu muito, naquele tempo a gente assim jovem, a gente não tinha noção e ensinou muito assim a conviver com as pessoas, a se comportar, a se relacionar, né? Ajudou muito! (Iristelma) Srª. Iristelma entrou no CECREMAM com 5 anos de idade e participou até seu casamento, quando se mudou para outra cidade. Seus pais, como ela, também fizeram parte do CECREMAM como sociofundadores. Celinha – Ana Célia Lobo Ramos (nome de solteira), mencionada por ela, é sua prima, filha da entrevistada Terezinha, e exerceu a função de secretária da Ala Infantil. Dindinho foi uma das formas que usou para tratar seu tio, padrinho e fundador do CECREMAM. O local citado para reuniões era a casa de sua avó, Srª. Hilda Ramos da Silva. Percebeu-se uma relação genealógica apresentada no depoimento de Iristelma e estendida entre outras entrevistadas, uma vez que as Senhoras Vanda e Maria da Purificação são irmãs, tias da Srª. Iristelma e cunhadas da Srª. Terezinha, e os núcleos familiares constituídos por elas participaram também. Srª. Terezinha também teve mais um filho, Tarcísio, que igualmente participou da Ala Infantil. Marido e filho mais velho da Srª. Vanda, Sr. José Nilton e Nilvan fizeram parte do Centro Cultural no início de sua existência como sociofundadores, e sua filha nascida cerca de 10 anos depois, Nívea, também fez parte ativamente do Centro Cultural. Os filhos das Sras. Purificação e Judite também participaram de eventos do CECREMAM, principalmente, quando crianças e adolescentes, embora não tenham sido associados oficialmente. O marido de Srª. Nance, Sr. Eduardo, também foi associado ao Centro Cultural e, apesar do grande ciúme, que causava o impedimento dela em sair com frequência de casa, permitiu que ela participasse da agremiação. As Senhoras Nance, Judite e Maria das Mercês exemplificaram a presença de outras famílias no grupo. Além da fala de Srª. Iristelma, o aspecto genealógico do grupo aparece diluído em outras falas, mas também perceptível na lista de nomes dos sociosfundadores do grupo. O Centro Cultural organizou um Livro de Registro de Sócio, e nele há uma lista de sociofundadores considerados assim, segundo esse mesmo registro, aqueles que ingressaram no grupo entre os 32 anos de 1966 e 1969. Todos os membros foram separados por Alas - Infantil e Adulta e, de acordo com essa divisão, o registro foi feito, incluido-se nele dados pessoais. Foram acrescidos ao nome completo, naturalidade, data de nascimento, profissão, estado civil, data de inscrição, número e série da carteira de sócio (anexo B, pág. 121). Em apêndice consta uma tabela com lista completa dos sociofundadores. (apêndice H, pág. 132) Nesse registro de sociofundadores, há mulheres, homens, crianças e jovens – em sua maioria naturais de Feira de Santana ou aí residentes. Estudantes, donas de casa, costureiras, motoristas, mecânicos, professores, operárias, comerciantes aparecem como algumas das ocupações profissionais desses sócios. Os vários sobrenomes iguais dos sociofundadores na lista completa presente no livro de registro apontam a possibilidade de relações familiares entre seus sócios. Elas foram confirmadas entre muitos deles, por serem entre si esposas e maridos, pais e filhos, irmãos e primos, tios e sobrinhos e, dentre as selecionadas para a pesquisa, fizeram-se presentes tais relações. Fazer reuniões regulares foi prática constante nos primeiros anos da CECREMAM, mas seus registros nem sempre aconteceram. Nas Alas Infantil e Adulta ocorriam reuniões separadas e registradas em dois livros distintos. O primeiro livro data de 1966, com registros de reuniões da Ala Adulta e o segundo corresponde à Ala Infantil nos anos de 1967 até 1971. Em 1996, mais de duas décadas depois, quando dos preparativos para as Bodas de Pérola do CECREMAM, retornou a prática do registro de reuniões em atas num terceiro livro, não mais havendo separação por Alas ou de outra ordem nem tampouco a explicação dessa nova configuração. Fora as Atas, é possível encontrar informações em pastas, fotos, objetos diversos e em um caderno o registro de alguns eventos organizados pelo Centro Cultural, acompanhado por lista de presença (apêndice I, pág. 135). As reuniões eram nos Eucaliptos, em residências de associados, sob as árvores, ou principalmente na residência da mãe do fundador do grupo, Srª. Hilda Ramos da Silva, onde posteriormente um dos cômodos serviria para abrigar uma pequena biblioteca, especificamente um quarto que ele havia construído para si. Essa residência foi considerada, inicialmente, sede provisória do grupo e, posteriormente, foi informado pela Srª. Hilda que 33 ficaria à disposição do Centro Cultural mesmo após a sua morte, o que de fato aconteceu, passando a sediar um pequeno museu permanente com imagens de Nossa Senhora. Entre o final da década de 1970 e o início da década de 1980, as reuniões passaram a ser no Templo-Escola Santa Rita de Cássia e no jardim da casa do seu fundador, ambos récemconstruídos. Na residência da Srª. Hilda encontra-se o nome do CECREMAM inscrito em placa de mármore na parede ao lado da porta e no chão em frente da casa, não havendo outro lugar com tais identificações na fachada. Além disso é possível avistar um dos poucos exemplares de pé de eucalipto sobrevivente no bairro, talvez o mais antigo do lugar, plantado em 1932, e que pertence ao quintal de uma das filhas da referida senhora, a senhora Maria da Purificação. Na frente dessa casa e embaixo de árvores próximas, realizavam as atividades recreativas, religiosas, cívicas e culturais descritas pelas narradoras e/ou registradas no acervo cecremano. As narradoras, ao se reportarem ao CECREMAM, vincunlando-o a um espaço físico, apontavam para a localização da referida casa, às vezes, chamando-a de CECREMAM. Toda essa genealogia e ligação com o espaço configurou o caráter familiar do Centro Cultural. A maioria dos associados conheciam-se antes deste, por amizade e vizinhança e por vínculos familiares e religiosos – todos eram Católicos Apostólicos Romanos. Tudo isso, por sua vez, mostra o pertencimento comum entre várias relações presentes, configurando o caráter endógeno do CECREMAM enquanto grupo em si mesmo, que reafirma constantemente seu legado religioso-cultural. Soma-se à endogenia do grupo e aos vários vínculos de pertencimento o fato da maioria das entrevistadas nunca terem participado de outras entidades além do CECREMAM, segundo elas mesmas afirmaram. Com exceção das senhoras Judite e Mercês, que participavam de outros grupos religiosos da Igreja, Sra. Iristelma fez parte do Rotary Club, quando morou em Caraíba, e Srª. Vanda lembrou de reuniões das quais participou do posto de saúde do bairro. Isso ressalta o quanto o CECREMAM fora singular nas vidas delas. Srª. Iristelma, conforme já indicado, disse: “A gente gostava. Era uma maneira da gente se reunir”. Esse Centro Cultural teve destaque na vida delas por ter configurado espaço de socialização e encontro, recreações e atividades para si e suas famílias, como extensão da casa e da igreja, e especificamente para a Srª. Mercês, foi um espaço em que pode recitar, divulgar e publicar poemas de sua autoria. 34 Srª. Mercês acrescentou, a partir de suas lembranças do período do seu ingresso no CECREMAM, encontros de poetas dos quais participou, lembrando da presença do poeta Franklin Machado; distribuição de mudas de pau-brasil; aniversários do Centro Cultural. Lembrou também de concurso de poesia e desfiles em torno da comemoração a Maria Quitéria, que durou um ano inteiro, assim como todas as comemorações de datas centenárias. Em dado momento contou com a presença de duas professoras da escola Maria Quitéria de Lages - Santa Catarina. Lembrou ainda de cursos cívicos e do livro Pórtico Poético, do qual fez parte com alguns poemas, bem como reuniões desse período, registradas no segundo livro de ata do Centro Cultural, algumas das quais secretariadas por ela. Ela enfatizou que, mesmo nos anos em que o CECREMAM não desenvolveu muitas atividades, alguma comemoração era realizada nos dias 06 de março, quando do aniversário da agremiação9. Srª. Nance, por sua vez, durante a entrevista, resolveu buscar livros do CECREMAM e uma das pastas organizadas por ela, com certificados e textos diversos referentes a algumas das atividades desenvolvidas pelo CECREMAM em que foi passando página por página: “Eu faço [arquivamento em pasta] das coisas bonitas do CECREMAM. Eu gosto muito, tanto que eu fiz uma capa bonita e com coisas escritas, mas que já estragaram pelo tempo” (Nance). Srª. Terezinha fez questão de falar sobre seu pertencimento ao CECREMAM e, rapidamente, contou ter sido a primeira costureira a fazer sua primeira Bandeira. “Eu só fiz parte do CECREMAM e estou desde a fundação.[...] resolveram fazer uma bandeira, e a bandeira quem fez fui eu - a primeira bandeira do CECREMAM.” A bandeira do CECREMAM foi aprovada em reunião do dia 27/03/1966, quando sua heráldica foi formalmente apresentada, tendo seu significado explicado pela ilustração, em formas e cores, segundo Ata lavrada por Maria da Purificação Ramos da Silva (sobrenome de solteira)10. Naquela mesma reunião foi aprovado como brasão da entidade o retângulo amarelo presente na bandeira, com tudo o que compõe o seu interior, e foi decidido que o hino também passaria 9 Franklin Machado foi presença marcante em vários Encontros de Poetas promovidos pelo CECREMAM dada a proximidade entre ele e o professor Antônio Ramos – fundador do Centro Cultural. 10 Em anexo consta a transcrição da ata em cujo trecho há a descrição heráldica e foto da bandeira e do brasão em destaque para informar o “conjunto de sentidos” do CECREMAM aos seus símbolos. (anexo C, pág. 122) 35 pela aprovação em reunião, depois de composto por poetas a serem convidados para esse fim. Logo, houve a preocupação inicial de desenvolver símbolos, como brasão, bandeiras e hinos que apresentassem o Centro Cultural. Os símbolos, segundo Schwarcz (2008), são eficientes quando configuram um conjunto de sentidos no interior da abordagem comum a um grupo e quando se apropria da língua e da história como fontes “naturais e essenciais”. Por conseguinte, idealizar, possuir e sustentar hinos, bandeiras e brasões representativos de pertencimentos de tempo e lugar acalmam, unificam a variabilidade identitária característica da modernidade ou por ela imposta e refletida. Dessa forma, as primeiras reuniões do Centro Cultural priorizaram a criação de seus símbolos. Urgia fazer-se representar por símbolos constitutivos de identidade em pretensa unidade que visava a democratizar bens simbólicos, por exemplo, o livro e a leitura. Os bens simbólicos de uma sociedade não chegam em todo lugar da mesma maneira, de forma equitativa entre as diferentes classes. Por isso vias não institucionais surgem, na tentativa de melhor democratizá-los, ainda que, como o CECREMAM, reproduzam afinidades com valores e modelos do discurso oficial, ou ainda, ao que é considerado hegemônico. Eles constituem um legado imaterial, como por exemplo educação, artes e manifestações culturais em geral, religião e língua, cujas abordagens muitas vezes são socialmente determinadas por um grupo que os normatiza. Bourdieu, ao tratar das produções simbólicas, as associa, enquanto “instrumentos de dominação”, “relacionando-as com os interesses da classe dominante” (BOURDIEU, 2010, p.10), que as afirmam como tal, legalizando uma determinação e favorecendo a presença e a manutenção de hierarquias em que ela esteja no topo e que aparentam uma integração coletiva. É o que acontece com o sistema de ensino que traduz igualdade aparente de oportunidades e integração social, mas que reproduz não apenas as diferenças de classes, mas muitas vezes a determinação de permanência do sistema social dividido em classes hierarquicamente postas. Dessa forma, como defenderia Bourdieu (2010), a cultura une e também separa, hierarquizando distinções em relação ao instituído como cultura dominante. Os bens simbólicos experimentados e vividos pela classe dominante são, portanto, legitimados e como tal ambicionados. Por outro lado, vistos como forma de ingresso e 36 participação social numa sociedade classificatória, democratizá-los torna-se fundamental. Nesse sentido, o CECREMAM, durante seus 45 anos, sempre promoveu ações culturais dentro de perspectivas e abordagens católicas e cívicas, geralmente em comemoração a datas e personalidades históricas e literárias, ecológicas e recreativas, conforme resgatadas das lembranças e acervo de entrevistadas e do Centro Cultural. O Centro Cultural, por um lado, recompôs os ditames impostos pela sociedade, ampliando informações, conceitos, visões e valores de uma elite tradicional e católica e, por outro lado, apresentou-se como oportunidade de inserção, ora desenvolvendo, ora desejando desenvolver o leque de contato, a abordagem cultural de um grupo, cujos integrantes, em sua maioria, tinham baixa escolaridade. Assim, apropriou-se da cultura hegemônica e a incorporou à prática desse grupo, porém, também foi uma forma de inclusão social. 1.2 O pensamento conservador no CECREMAM: reverberações do catolicismo e do civismo Da observação das ações do CECREMAM em geral, a partir de temas recorrentes em torno do civismo e da religião Católica Apostólica Romana, surgiu a hipótese do CECREMAM ter resquício da Ação Integralista Brasileira (AIB) e/ou da Sociedade Brasileira de defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP). É necessário ressaltar que, nos livros de Atas e demais fontes do referido Centro Cultural, não aparece qualquer referência ao Movimento Integralista ou TFP, contudo tornou-se importante refletir a respeito dado o caráter educador de cunho moralizante do Centro Cultural que em determinada escala orientou leituras e práticas leitoras a seus partícipes. A Ação Integralista Brasileira foi um partido fundado em 1932, em São Paulo, pelo escritor modernista, jornalista e político Plínio Salgado (1895-1975). Foi extinta, pelo Estado Novo de Getúlio Vargas em 1937. Posteriormente Plínio Salgado candidata-se à presidência da República em 1955, pelo PRP – Partido de Representação Popular, obtendo entre 7 e 8% dos votos e, com o fim do PRP, tornou-se parlamentar pela ARENA. 37 O Integralismo foi um movimento de caráter cultural originário de pensamentos ultranacionalistas, antiliberal, anticomunista, influenciado pela crise de 1929, pela Revolução de 1930, pelo autoritarismo de cunho nacionalista e seguidor de um pensamento católico tradicionalista, e não se pode esquecer a vertente Católica presente nesse Centro Cultural. Possuidor do lema: Deus, Pátria e Família, ele foi de grande expansão na Bahia, incluindo Feira de Santana. O segundo movimento, na sequência cronológica, é o TFP. Foi fundado em 1960, em São Paulo, pelo jornalista católico, político, professor, escritor e graduado em Ciências Jurídicas e Sociais Plínio Correia de Oliveira (1908-1995). Seus pais eram de famílias renomadas de Pernambuco e diplomou-se em Ciências Jurídicas e Sociais em São Paulo. Após sua morte em 1995 a agremiação foi fragmentada entre grupos independentes, como Arautos do Evangelho, Aliança de Fátima e Fundadores da TFP. A TFP é uma organização que atuou principalmente contra o comunismo, a esquerda e a reforma agrária, e cujos membros são católicos da elite reacionária. A TFP tem como lema a Tradição, a Família e a Propriedade, e divulgou, em fevereiro de 2011, em seu site, artigos da década de 1960 escritos por seu fundador e, entre vários comentários, houve a exposição de seus objetivos: A TFP tem por fim combater a maré-montante do socialismo e do comunismo, dois sistemas que reputamos afins entre si, como a tuberculose simples o é com a tuberculose galopante. Ambos estes sistemas repousam sobre a mesma base filosófica errônea da qual deduzem toda uma série de máximas culturais, sociais e econômicas. Não pode, pois, haver combate sério contra eles se não incluir o contra-ataque filosófico, com suas respectivas implicações nos vários campos do pensamento humano. (OLIVEIRA, Plínio, 1969, Não paginado) 11 A TFP e o CECREMAM surgiram na mesma década, e ainda estavam em exercício na primeira década do século XXI, considerando as novas agremiações originárias da TFP, enquanto a AIB já havia sido extinta quando os dois primeiros movimentos iniciaram suas 11 Segundo site oficial da TFP - http://www.tfp.org.br/ ou http://www.tfp.org.br/site-teste/tfp-artigo.php. (último acesso em 22/02/2011) esse artigo foi retirado do Jornal Folha de São Paulo de 22 de janeiro de 1969, mas não são informados ano do jornal, caderno e página. 38 atividades na década de 1960. As AIB e TFP originam-se em São Paulo e o CECREMAM em Feira de Santana, todavia, a despeito de suas diferenças temporais e espaciais, seus lemas pareceram uni-los em alguns contextos. O lema do CECREMAM está registrado no refrão e contextualizado nas demais estrofes de seu hino, composto, respectivamente letra e música, pela professora e poetisa baiana Elza de Melo e por Antônio Moraes, atendendo o pedido do Monsenhor José Gilberto Luna, então pároco da Igreja de Senhora Santana em Salvador. Sr. Moraes foi autor das músicas do 4º Centenário da Cidade de Salvador, celebrado em 1949. Temos nós neste mundo adverso, Uma série e nobre missão: Trabalhar, tendo em mira o progresso, Vendo em cada ser um nosso irmão. Refrão: Este trio seja o nosso lema: Educação, Trabalho, Amor. Cecremanos sigamos em frente, Demos prova do nosso valor. Seja o nosso fanal a Verdade, Seja a Fé nossa eterna defesa, Abraçando a virtude, a ventura Sorrirá, para nós, com certeza. Oh! Feirenses, unidos, façamos, Com esforço sincero e constante, Que o Brasil abençoado por Deus Seja sempre do Bem um gigante! Os lemas Deus, Pátria e Família da AIB e A Tradição, a Família e a Propriedade da TFP têm na família uma palavra comum, pois acreditavam que, a partir dela, seria possível a sociedade se reerguer em nome da tradição que representam. Os dois primeiros associados ao lema Educação, Trabalho, Amor do CECREMAM convergiram para as vertentes religiosa e patriótica nas três entidades. São entidades que enalteciam o Brasil em seus discursos, objetivando, cada um a seu modo, o progresso. O CECREMAM idealizou o desenvolvimento de ações mais locais, tendo como foco Feira de Santana ou pretensões de ações a partir dessa cidade, ou seja, do local para o global, ou, mais especificamente, de Feira de Santana para o Brasil, conforme afirmado na primeira estrofe do 39 hino a sua bandeira a seguir (letra e música do seu fundador) e na última estrofe do hino do CECREMAM. (anexo D, pág. 123) Ó Bandeira cecremana, Nos seja o teu desfraldar, Nestas terras de Sant’Ana, Um convite ao bom lutar. O uso de “nós” presente em hinos nacionais e discursos oficiais foi ponto de reflexão em Anderson (2008), por estimular o sentimento de pertença e fazer com que esse sentimento seja superior à individualidade. O mesmo foi perceptível no hino do CECREMAM, por agregar força e importância a cada participante do grupo e munícipe, personalizando, ao mesmo tempo que agrega a todos. Assim, fala com cada um e com todos, ao transformar o eu em nós e eliminar o eles. Lemas e hinos enalteceram suas entidades e seus propósitos para a pátria, intermediados pelas ações que desenvolvem. As ações do Integralismo, por sua vez, envolviam a educação e o escotismo como sendo duas dentre suas inúmeras estratégias de divulgação e aliciamento adotadas. A influência da AIB baseava-se em ações doutrinárias destinadas principalmente a crianças e jovens, como destaca Ferreira (2009), por meio de palestras e visitas dos militantes integralistas em escolas integralistas, mas também em escolas públicas. Mulheres responsáveis pelo trabalho com crianças e jovens estavam sob a orientação do chamado Departamento Pliniano. Nele, dentre outras divisões, havia a Divisão de Escotismo, porém com atuação masculina. À parte as entrevistadas, em nosso estudo apareceu outra mulher. Professora primária e responsável pelo primeiro grupo de escotismo em Feira de Santana – professora Edna Laureana de Oliveira. Ela foi professora “primária” do fundador do Centro Cultural, deu nome à biblioteca que funcionou no início de sua fundação e foi pessoa presente no início do CECREMAM, quando ainda vivia. Não se sabe se ela fazia parte da Divisão de Escotismo do Departamento dos Plinianos da AIB (subdivisão que agregava grupos de juventude). As entrevistadas não souberam sobre a vida pessoal da professora Edna, que também não deixou filhos nem netos, tampouco há biografias a seu respeito. 40 Além da inserção do Integralismo na educação formal, ou seja, em escolas, é sabido também sobre sua inserção em correntes da Igreja, sendo que a TFP foi mais enfática nessa vertente, visto que Plínio Correia de Oliveira da TFP foi claro ao tratar de sua relação com a Igreja Católica, expondo seu vínculo, pertencimento e dever para com ela. Escreveu em outro artigo: Assim, declaro com imenso contentamento: qualquer coisa que possa haver de bom em mim deriva do fato de ser membro da Igreja Católica. A fonte verdadeira e viva de todo o bem é a Fé católica apostólica romana; é a submissão ao Santo Padre, Vigário de Jesus Cristo na Terra. (OLIVEIRA,[196-?] década provável, Não paginado) 12 Ficou clara a origem elitizada da organização: o caráter contra o comunismo e o socialismo enquanto grandes ameaças à família e à tradição, bem como o combate à reforma agrária, considerada como “confisco” de bens, maculando assim o direito de propriedade. Do mesmo modo e com mesmo empenho, a TFP e inúmeros artigos de Plínio Correia de Oliveira declararam Maria − Mãe de Jesus − como alvo de sua veneração principal. A veneração mariana talvez seja o elo usado entre suas ideologias e a população em geral. É possível haver pessoas que conheçam essa organização como divulgadora e devota de Maria e desconheça seus pensamentos políticos. Isso indica que, pela religiosidade, valores e ideologias foram transmitidos, nem sempre de forma clara a todos, ou seja, subliminarmente, especialmente para quem encontrava no catolicismo sua sustenção de vida por meio da supremacia divina e institucional. No que diz respeito à Veneração Mariana, o Centro Cultural também a praticava. Conforme dita a primeira estrofe da Canção dos Cecremanos, também escrita por seu fundador, aproveitando a música de uma canção popular não informada (anexo D, pág. 123): Os cecremanos, os cecremanos Na sua marcha para a perfeição, 12 Segundo site oficial da TFP - http://www.tfp.org.br/ ou http://www.tfp.org.br/materia.php?idmateria=53. (último acesso em 22/02/2011), esse artigo foi publicado na Revista Dr. Plínio n° 100, mas não são informados mês e ano da revista nem página. 41 Encontram a cada hora E buscam todo dia, Amor, Paz e Ventura No Coração de Maria. Nessa letra houve o uso da terceira pessoa, no entanto sem causar impessoalidade, dada sua identificação: cecremanos. “Eles” poderia causar estranheza e o destaque a diferenças, mas nesse caso houve personalização, e o hino conclama aos cecremanos para seguir em busca da perfeição pela via da interseção do Coração de Maria - invocação de Nossa Senhora promovida a padroeira do grupo. O Centro adotou o Coração de Maria como Patrona e promoveu ações de divulgação das invocações de Maria como exposições das mais diversas iconografias marianas, a exemplo da exposição citada por Srª. Nance e dentre o que estava arquivado em seus pertences: materiais diversos do Curso Conheça Melhor a Mãe de Jesus, 1987, encerrado com exposição com o mesmo nome na prefeitura municipal de Feira de Santana, a pedido dela; relato sobre a visita da imagem peregrina Maria de Fátima, em Feira de Santana, e mostra da programação feita pelo CECREMAM para aquela ocasião, além de um livreto produzido pelo CECREMAM de forma independente, intitulado Flores-Trovas a Maria. Posteriormente, há cerca de três/quatro anos antes das entrevistas, teve início uma exposição mariana permanente localizada na antiga casa da Sra. Hilda, onde havia reuniões do Centro Cultural. Foi transformada num Mini Museu Mariano com mais de 100 imagens de Maria Santíssima em diversas invocações pertencentes ao acervo particular do seu fundador. Eram esculturas usadas periodicamente em exposições volantes em algumas cidades da Bahia, em locais distintos de Feira de Santana como Quijingue e em Tobias Barreto no estado de Sergipe. Toda ligação entre as três entidades com o catolicismo - e vale ressaltar que o CECREMAM registrou em uma de suas atas de 1966 a preferência por novos sócios católicos “para evitar choques” -, especialmente entre o CECREMAM e a TFP, dado o exemplo da veneração a Maria, como Mãe e esposa dedicada, atendem ao pensamento da mulher como espécie de nova Maria. Com isso, percebe-se a tentativa de limitar a atuação da mulher na sociedade para os papéis de filha, mãe, esposa e, às vezes, ampliando para professora, assistente social e 42 religiosa, como extensão das funções anteriores, num leque de expectativas que atinge a um certo ideal masculino. As três foram marcadas com ideais nacionalistas e discursos moralizantes, apoiadoras ou apoiadas pela Igreja Católica, com participação feminina indireta ou direta, com ações educativas ou catequéticas, vendo na mulher a corresponsabilidade pela formação familiar, tendo como liderança central a figura de um homem. A figura central masculina nas três instituições leva a uma abordagem sobre a mulher através de visão idealizada da mulher “santa”, vinculando-a à perspectiva religiosa católica. Afora os hinos comentados anteriormente e os exemplos de programações citadas acima pela Srª. Nance, as ações do CECREMAM estiveram evidenciadas também em outros produtos, como: a) cartazes e afins também sobre programações religiosas no/do Templo-Escola Santa Rita de Cássia – ainda que não apareça o nome do CECREMAM, o grupo responsável e/ou participante, por diversas vezes, é o mesmo em ambos; b) atas, registro de sócios, lista de atividades; c) canecas, flâmulas, folhetos, souvenirs (camisas, chaveiros, lenços, marcadores de página); d) livretos e livros do CECREMAM; e) monumentos, esculturas, entre outros. Dentre esses, alguns serão descritos em mais detalhes adiante. Constatou-se que o CECREMAM propiciou aos Eucaliptos produtos convencionais de leitura - livros e livretos produzidos e lançados, demais materiais impressos, a exemplo de folhetos e cartazes - encenações de peças, recitais e jograis, exposições. Também fez uso de camisas, canecas, flâmulas, cartazes, desenhos, lenços, chaveiros, fotos e monumentos. Foram criados pelo CECREMAM, a partir dele ou de outrem, para uso de seus membros, para venda ou distribuição na comunidade e que compunham, todos, objetos de leitura, de divulgação de suas ideias e programações. Textos carregados de imagens, e imagens que falaram através da sua aparente mudez. Imagens, como expressa Burke (2004), são “testemunhas mudas” e isso poderia dificultar a transposição desse testemunho em palavras. No entanto, a dificuldade em traduzir imagem em palavra foi facilitada pelo CECREMAM, ao aliar ambas expressões em parceria, ocasionando também o direcionamento da leitura. Foram, assim, colocadas palavras em materialidades ágrafas, formando outros suportes de leitura. Aqui, elas, palavras e imagens, foram mecanismos básicos disponibilizados para marcarem alguma data ou evento geralmente idealizado para a comunidade dos Eucaliptos e adjacências. 43 Testemunham e representam a forma de pensar do grupo, por isso produzidas a favor das premissas do CECREMAM, quer dizer, permeadas de caráter religioso e cívico-histórico. Tal abordagem moralizante visou a normatizar comportamentos e rotinas. Em atas do início do CECREMAM, verificou-se o objetivo formador que possuía, fazendo eco com a família e a escola da época. E isso perpassou também a formação do leitor, por meio dos contatos de leitura que foram oferecidos como suportes materiais e temáticos à constituição cidadã na qual o CECREMAM acreditava, conforme as descrições a seguir. Serão descrições ao longo de algumas páginas, porém necessárias para que o leitor visualize melhor esses outros suportes de leitura. A sequência foi composta por flâmulas, camisas ao longo de décadas, canecas, lencinhos, folhetos, livros e monumentos erigidos. Todos intercalados com informações dos eventos dos quais esses produtos foram representativos. Por vezes o mesmo evento produziu alguns produtos e por isso alguns produtos apresentam-se em consonância com outros durante as descrições. Os temas, títulos, iconografias, frases foram comprobatórios do viés cívico-religioso do Centro Cultural. (apêndice K, pág. 140) O CECREMAM registrou com dois modelos de flâmulas a comemoração do Primeiro Centenário de Morte de José de Alencar, em 1977, e com um modelo a comemoração pelos 20 anos do CECREMAM, em 1986, descritas a seguir, cujas imagens foram compostas, no primeiro exemplo, pelos brasões de Feira de Santana e do CECREMAM e foto de José de Alencar. (apêndice K 1, pág. 140) A confecção de camisas (apêndice K 2, pág. 141) até a década de 1970 foi um dos recursos muito utilizados pelo CECREMAM como divulgação e lembrança de suas atividades. Dentre elas, foram encontradas camisas referentes à exclusiva divulgação do Centro Cultural, com seu brasão ao centro e seu nome em torno, e, nas costas, a frase “Salve o CECREMAM”, sem referência a datas, além de chaveiro com seu brasão. Camisas em referência a concentração sociorreligiosa pelos 60 anos de aparição de Nossa Senhora em Fátima, em 13/10/1977, cuja imagem principal é a iconografia da referida invocação, também gerou um chaveiro e o Livrete de Nossa Senhora, cuja capa foi a mesma fotografia que inspirou a ilustração da camisa e, em seu interior, foram postas mensagens escritas pelo Cônsul de Portugal, Bispo de Feira, fundador do CECREMAM, além do resumo histórico sobre a invocação, do Rosário, 44 com todos os seus mistérios, dos hinos religiosos, principalmente em honra a Maria, do Hino a Feira de Santana, da paraliturgia e da coroação de Maria. Na década de 1980, foram confeccionadas camisas referentes ao grupo de jovens Santa Rita de Cássia, também com o nome do CECREMAM inscrito. Estas tinham em destaque uma cruz central com um livro aberto, ambos envolvidos por inúmeras estrelas douradas e, fechando esse campo, uma fita branca superior com o nome do grupo e outra inferior verde e amarela, com as palavras Amar, Servir, Crescer. No entanto, embora as fitas fechassem um espaço, há linhas entre o desenho central que, sob as fitas, as extrapolam, lembrando raios de luz. Em 1983, referente à Primeira Semana de Cultura em Nova Redenção, tendo na ocasião ocorrido a fundação de outro Centro Cultural pelo mesmo professor fundador do CECREMAM, chamado Centro de Ações Cívicas e Culturais de Redenção (CACICRE), e por isso a imagem presente nessa camisa foi a do símbolo dessa nova entidade apresentada por uma bandeira dividida em verde e amarelo e centralizada por um livro envolto em oito estrelas e aberto ao meio, lendo-se em uma das páginas Deus super omnia (Deus acima de tudo) e na outra página a presença de uma pequena palma. Em 1987, foi feita uma camisa comemorativa ao I Encontro de Poetas, que também gerou livreto e lencinho, todos com a mesma ilustração do livreto Lembrança do Encontro de Poetas, em cuja capa aparecem jovens segurando de forma elevada uma lira, representando a arte poética, envolta por uma pomba, uma borboleta e com uma estrela ao alto, tendo sido um livreto datilografado e mimeografado, com apresentação escrita por Benjamim Batista, da Academia Feirense de Letras, composto por pensamentos vários acerca do poeta e da poesia. Na década de 1990, foram confeccionadas camisas comemorativas do Bicentenário de Nascimento de Maria Quitéria, em 1992. Nas comemorações a Maria Quitéria, ainda houve canecas em que havia uma foto dela e, no lado oposto, foi escrito: “Há 200 anos morreu um Herói: / JOAQUIM JOSÉ DA SILVA XAVIER / O Tiradentes / Nasceu uma Heroína: / Maria Quitéria de Jesus / O Soldado Medeiros”. Além disso, foram feitos marcadores de páginas em verde e amarelo, não por acaso com foto dela, um livreto comemorativo com o nome Mimo literário à Maria Quitéria, que fora mimeografado e grampeado, contendo registros de hinos e poemas em sua homenagem, escritos por autores contemporâneos de estados diferentes e alguns dados bibliográficos, duas esculturas de Maria Quitéria, réplicas do monumento a ela dedicado em Salvador, no Largo da Soledade, esculpidas em barro por 45 Sra. Maria, escultora conhecida por D. Sinhá, nascida em Ichu e residente em Feira de Santana. (apêndice K 3, pág. 141) Foram confeccionadas camisas, ainda, nos anos de 2002 e 2008, referentes, respectivamente ao I Curso de Cidadania e Civismo, ocorrido em Itaparica, em 2002, com apoio da Biblioteca local Juracy Magalhães Junior, cuja imagem principal é uma fita verde e amarela, havendo nas pontas placas com o nome Bahia e Itaparica envolvem-se em torno do nome Brasil ao centro. Vale ressaltar que esse mesmo curso também foi oferecido em Boa Hora – distrito de Ribeira do Amparo, Feira de Santana - mais de uma vez -, Candeias, entre outros, no período entre 1985/86 e 2002, com distribuição de materiais diversos pelo Centro Cultural aos cursistas, configurando mais fontes de leitura. Foram confeccionadas camisas em referência ao Curso comemorativo dos 30 anos de aniversário do Templo-Escola Santa Rita de Cássia, em 2008, chamado O Coração Divino no Coração Humano, cuja imagem é o coração de Jesus, que aparece envolto em círculo por 12 corações, tendo ao fundo uma esfera, e cada coração indica uma estação da via-sacra na extremidade do círculo maior da circunferência. As canecas (apêndice K 4, pág. 142) encontradas no acervo do CECREMAM foram de tamanhos e formatos um pouco diferentes. Além das canecas descritas anteriormente, associadas também a camisas como recurso de divulgação. Foram encomendadas outras comemorativas dos seus 25 e 31 anos, com imagens de seu brasão e com a mesma ilustração de Maria e a bandeira do CECREMAM, utilizada na flâmula comemorativa dos seus 20 anos de aniversário, em adesivos colantes referentes aos seus 25 anos, marcador de página e folheto com a programação e com o convite para as solenidades comemorativas das Bodas de Prata do CECREMAM, em 1991. Ou seja, a imagem de Maria sob a iconografia da invocação do Coração de Maria – Padroeira do CECREMAM, disposta num plano fotográfico superior à Bandeira do Centro Cultural, acompanhado da frase “20 anos de idealismo, abnegação, fé e serviço”. Tais conceitos de fé são representados pela personificação da proteção materna e divinal de Maria, Mãe de Jesus, em relação à bandeira do CECREMAM. Também fizeram canecas referentes ao IV Centenário de Morte de São Pascoal Bailão, 1992 e ao Terceiro Encontro de Poetas, em 1997. As primeiras com ilustração de São Pascoal e, nas canecas referentes a este último evento, foi inserido o brasão do CECREMAM de um lado e a foto de Castro Alves com embarcações ao fundo no outro lado da caneca, por ter sido na mesma ocasião do Sesquicentenário de Nascimento dele. Foi inscrito na caneca de São 46 Pascoal: “São Pascoal, o calendário / Marca o IV Centenário/ Do teu voo à Eterna Luz / Glória a Deus, felizes damos / Pelo evento te saudamos / Santo servo de Jesus”. Os centenários sempre foram comemorados durante um ano inteiro, mas os Encontros de Poetas foram em noites de 14 de março e sempre com Castro Alves figurando como nome principal, por ocorrer no dia da poesia, que também é o seu dia. No entanto, ele dividiu esse destaque, ora ao lado de Cora Coralina, ora ao lado da escritora baiana Amélia Rodrigues. No I Encontro de Poetas, houve lencinho como lembrança, que em outra ocasião foi o recurso usado como lembrança do VI Centenário de Nascimento de Santa Rita de Cássia, em 1981, vinculando-se também ao livro intitulado Santa Rita na Lira dos Poetas, tendo na capa, assim como em seu lencinho, a imagem de uma palma com três ilustrações que remetem a coroas ao longo de sua haste e envolta em uma fita, com a inscrição Omnia Vincit Amor, ou seja, o amor tudo vence (apêndice K 5, pág. 142). O livro foi composto por uma foto da imagem dela de roca em tamanho natural, que se encontra na Capela de Santa Rita e fora esculpida pelo escultor feirense Marcos Antônio Carneiro de Oliveira a pedido do CECREMAM, pela ocasião da referida comemoração. O prefácio desse livro foi escrito pelo Professor Ildes Ferreira de Oliveira e uma coletânea poética em homenagem à santa, entre hinos, cantigas e poemas. Outros impressos, como cartazes, folhetos, versos, santinhos e programação cultural de um determinado período ou tema também foram meios usados pelo CECREMAM. Por exemplo, foram feitos o Folheto lembrança da Abertura da campanha o Terço contra a violência, em 1984, e o folheto referente à Confraternização Luso-Brasileira, em 1994, composto por poemas e hinos nacionais do Brasil e de Portugal, hino a Feira de Santana, uma trova e o poema em homenagem a Portugal. A Confraternização Luso-Brasileira foi antecedida pela I Semana de Cultura Portuguesa, em 1982, que, por sua vez, gerou também o livreto comemorativo de mesmo nome, composto por poemas, hinos, programação e mensagens e agradecimentos. No entanto, além dos livros cecremanos anteriormente citados e dos que fizeram parte do acervo da Biblioteca Professora Edna Laureana de Oliveira no início do CECREMAM, houve também acesso, independente do Centro Cultural, a livros escritos por seu fundador e a outros exemplos produzidos pelo Centro, sempre como produção independente e, em alguns exemplos, quase artesanais. (apêndice L, pág. 143) 47 Dessa maneira, publicou-se um livreto comemorativo do XI aniversário, em 1977, com hinos do CECREMAM e outros religiosos, compondo o formato de uma Missa ou Paraliturgia e do XIV aniversário do CECREMAM, em 1980. Na ocasião, a Senhora Iristelma era 2ª secretária do Centro Cultural, conforme informação no referido livreto, que foi composto por todos os hinos do CECREMAM, com seus 10 mandamentos, fotos dos Padroeiros, além de foto e explicação da sua Bandeira. Outra publicação foi um livro de passatempo religioso, intitulado Conselhos de Santa Rita, que consistia basicamente em 100 conselhos de Santa Rita, que podiam ser “pescados”, ou seja, lidos de várias maneiras pelo leitor. Foi um livro publicado em duas edições, em 1985 e em 2001, acompanhado de marcador de página. Tais publicações, cujas capas foram iguais nas duas edições, eram compostas pela palma descrita anteriormente e acrescidos do brasão do CECREMAM em sua base. No topo da palma havia um desenho da fachada da capela de Santa Rita, com sua escultura em frente à porta. Na primeira edição foi fruto da Campanha Vale a Pena Divulgar, também promovida pelo Centro Cultural. Foram publicados ainda Deus e você em encontro ecológico, em 1999, e Mini coletânea de hinos e canções cívicas para as comemorações dos 500 anos do descobrimento do Brasil, 2000, o primeiro com programação do evento de mesmo nome realizado em Mataripe e com hinos e canções populares de exaltação à natureza. No segundo, há na capa o busto de Pedro Álvares Cabral ao alto, como grande observador, e no plano inferior da imagem dois índios sentados atrás de um padre que está prostrado em frente a um altar católico, acompanhado por duas outras pessoas não índias e, entre eles, outro europeu com espada em punho com a face em direção ao céu. A espada, embora apontada para o chão, encontra-se em direção ao índios e, no interior desse livro, além do que o título sugere especificamente, também há hinos cívicos de cunho religioso, canções populares de caráter patriótico, como Aquarela do Brasil, Onde o céu é mais azul e Meu país. Por fim, foram publicados Flores – trovas a Maria e Pórtico Poético, que foram citados e denominados por narradoras. Também houve três monumentos erigidos pelo CECREMAM. O primeiro em homenagem a Feira de Santana, como o marco comemorativo do I Centenário da cidade, em 1973. O segundo, ao Sr. Leôncio Ramos Gomes, esculpido por Jefferson R. Albuquerque, em 1988, quando seria seu Centenário de Nascimento, que com sua família iniciou o que viria a ser o 48 bairro dos Eucaliptos onde se situa o CECREMAM. O terceiro em homenagem a seu titular, Monsenhor Amílcar Marques, pelos 25 anos de seu falecimento, em 1990, que por sua vez gerou uma excursão a Cachoeira – cidade em que esse Monsenhor nasceu – e a Salvador, cidade em que fora sepultado e onde há outro Centro Cultural com seu nome no bairro do Rio Vermelho. Também resultou num livreto para Celebração Eucarística em sua homenagem. (apêndice M, pág. 144) Igualmente, foi erigido um suporte para a colocação de três mastros para o hasteamento de bandeiras. O hábito do hasteamento fez-se constantemente presente com ou sem solenidade, sempre com o cuidado para arreá-las antes de escurecer ou mantê-las devidamente iluminadas. Tais construções foram marcos para mais testemunhos, por mais tempo, em contrapartida ao caráter menos abrangente dos outros exemplos, uma vez que camisas rasgam, canecas quebram e, ainda que conservados, estão mais restritos a um espaço, como sala, gaveta, guarda-roupa. Ainda que, ao serem usadas por alguém, as camisas levem consigo a divulgação de uma atividade e uma ideia por onde passarem, permaneceria uma transitoriedade de ação, ou melhor, de testemunhos de outrem. Sob essa perspectiva, também poderiam ser citadas a casa da Sra. Hilda e o Templo-Escola Santa Rita de Cássia. As imagens e iconografias descritas, referentes a canecas, flâmulas, camisas, livros, museus, monumentos, independentemente de sua associação com os textos que os acompanharam, porém ao mesmo tempo em consonância com estes, configuraram mais uma forma usada pelo CECREMAM para abordar e divulgar civismo e religiosidade. Isto possibilitou observar sua relação de defesa a essas abordagens, numa postura doutrinária, como meio de ampliar sua propagação. Assim, a divulgação de suas marcas tornou-se um marco ao menos para sua historicidade. Para definir mais e melhor o entendimento do perfil cecremano, a descrição de ao menos alguns de seus produtos foi necessária para mostrar encaminhamentos adotados do que inferiram seus hinos. Foram materialidades que configuravam e expressavam intervenções do CECREMAM na vida social e cultural de sua comunidade, ao mesmo tempo em que expressavam formas de preservação para conservação da entidade. Todo esse arsenal, por 49 conseguinte, produzia imagem e discurso de si. Também funcionava como estratégia de visibilidade e sobrevivência, confluentes no discurso cívico-religioso, respaldando e demonstrando, ainda que frágil e superficial, um elo na interseção entre o CECREMAM, a AIB e a TFP. Vale ressaltar que o nome do CECREMAM traz em si uma matriz religiosa católica muito presente em seus símbolos, ações e em locais de encontro, a exemplo do Templo-Escola Santa Rita de Cássia, a partir da inauguração, em 1978. Nome, símbolos, ações, local produções textuais e imagéticas impõem a sacralização de comportamento, escolhas, condutas e, por conseguinte, leituras. O tradicionalismo católico da TFP converge com o catolicismo pregado no CECREMAM e é de fácil visibilidade a adesão ao nacionalismo em ambos. Não podemos esquecer que o Brasil passou por um processo de tentativa de construção de uma identidade nacional única, com base em um ideário para o qual a AIB muito contribuiu. Tais projetos possivelmente respingaram sobre o alicerce que envolveu o CECREMAM, por terem feito eco a ideias nacionalistas e ao cristianismo católico, fruto de um processo sutil onde a ideologia opera. Subjacente a tais legados, as entrevistadas evidenciaram a religiosidade de matriz católica sem em nenhum momento citar vertentes políticas, partidárias ou não, apontando para maior influência católica, como comenta a narradora Mercês: o CECREMAM “é muito ligado em Igreja e aí, no CECREMAM, as pessoas quase não veem a diferença”. Por conseguinte, é possível inferir que não houve envolvimento político denominado, porém houve religião denominada. Isso em si já deemonstra vertente ideológica adotada. O CECREMAM (fundado em 1966) constituiu agremiação nova, todavia com valores e símbolos tradicionais, participantes de um ideário hegemônico, ou pensado como hegemônico. Consequentemente, a entidade assumiu a postura de legitimar o que estava legitimado, preservando-o como modelo. Em atas do período inicial da sua fundação, registraram-se o valor da língua normativa; do conhecimento histórico-literário por meio de personalidades como Tiradentes e Maria Quitéria e autores “canônicos”, como, por exemplo, Rui Barbosa e José de Alencar, Castro Alves; da valorização de símbolos, como a bandeira do Brasil, hinos Nacional, da Bandeira e ao Dois de Julho e a monumentos; além da biblioteca, na época em formação, e da ideia de um pequeno museu. 50 Eleição e “construção” de personalidades literárias e históricas, valorização de símbolos, importância dada a língua vernácula foram algumas das ocorrências no processo em busca do ideário e construção da nacionalidade. Recortes do passado foram selecionados, ressignificados e enaltecidos, ainda que seja um passado recente. Anderson (2008) entende as nações como “limitadas”, “soberanas”, “imaginadas” e como “comunidades”. Sendo assim, prescreve-se a impessoalidade em nome do coletivo paradoxalmente, usando-se a pessoalidade do “nós” mascarando diferenças, desigualdades e explorações existentes e tecendo igualdades de toda ordem. Apesar ou por causa de: a) dos limites impostos e definindos por fronteiras; b) de sua concepção, que surgiu quando o Iluminismo e a Revolução Francesa anulavam a dinastia e, por isso, garantiam o ideal de liberdade quando do Estado Soberano e c) da impossibilidade de todos os seus membros se conhecerem e, por isso, a “imaginação” do que há em comum. O nacionalismo, enquanto tema e reflexão no Brasil, foi evidenciado no século XIX, portanto antecede e ultrapassa a AIB e a TFP, e entra em voga no ideário republicano que, entre outros feitos, “construiu” heróis nacionais que se fizeram presentes em comemorações cívicas e literárias promovidas pelo CECREMAM. A nação, enquanto “comunidade imaginada” (ANDERSON, 2008), e o “nacionalismo”, como mote que a sustentava, além de antecedê-los, são “maiores” do que a AIB, a TFP e o CECREMAM, no sentido de não fazerem parte apenas deles, mas de inúmeros outros discursos. Um exemplo claro é o do Brasil republicano e da ditadura, entre as décadas de 1960 e 1980. Embora não houvesse ou fossem encontrados, por parte do CECREMAM, documentos atacando ou apoiando explicitamente alguma vertente partidária ou corrente ideológica, como fez a TFP, é sabido que não há instituições neutras nem discurso sem ideologia. Sua fundação foi na plena ditadura, com a prática de atividades e a divulgação de um discurso cívico e religioso, mantendo ensinamentos e comportamentos legitimados, de algum modo, o que vinculava a entidade aos ideais políticos da época. Apesar disso internamente sempre houve, conforme registros em atas, votação e palavra franqueada a todosque estivessem presentes em suas reuniões. Talvez não fossem oriundos de um processo ditatorial, mas, sendo resgastados, valorizaram pensamentos nacionalistas vinculados à Pátria e à religião, como vinha ocorrrendo gradativamente. A didatura resgatou tal pensamento exaustivamente, valorizando-o e 51 popularizando-o em supremacia a si mesma na tentativa de minar pensamentos opostos e manter a “ordem nacional”. Nessa perspectiva, não seria difícil o convencimento em torno do nacionalismo, do civismo, do valor hierárquico, do amor à Pátria, porque não eram expressões inaugurais, pois configuravam conceitos a princípio bem aceitos no imaginário coletivo. No entanto, nessa perspectiva, houve oficialmente um “único discurso de autoridade”, uma vez que a imprensa e a arte estavam censuradas e, paralelamente, houve também grande apelo emocional com o intuito de sensibilizar a população sobre seus objetivos, a exemplo do famoso slogan “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Tais discursos estão para além dessas instituições, como fruto de um processo de construção contínuo, geralmente visando à edificação e à sustentação da ideia de coesão, unidade, perenidade, linearidade histórica, elegendo heróis e fatos que auxiliem ou não contradigam a realização desse ideário. Esse ideário discursivo nacionalista presente na ditadura fez anunciar em períodos anteriores também interferindo no perfil leitor. Um exemplo de análise nesse viés vem de Araújo (1999), que, ao tratar de tendências leitoras do Brasil do século XIX, associa às transformações da época a “um gosto nascente pela natureza da nacionalidade e [...] de uma mais ampla vontade de saber, de ler, de informar-se” (p.150). No entanto, o leitor continuava a ser homem de classe média e, entre outras características, “preso” à sua devoção religiosa. Percebe-se que no Brasil houve um estreitamento longo e afinado entre religiosidade cristã católica e ideias nacionalistas vistas sob um mesmo prisma. Nessa conjuntura não surpreende que a oferta de leitura versam também ou principalmente sobre tais temas. No entanto, no caso dos cecremanos ampliou-se o gênero e a classe social do leitor. Logo o civismo e a religiosidade de cunho católico, vistos como padrões, permeavam valores relacionados ao modelo considerado padrão, diante da imagem nacional que se pretendia construir do Brasil. O povo foi chamado por décadas, atravessando séculos para essa construção de ação, e muitos acreditaram nesse ideário. O CECREMAM pode ser reminiscência histórica de um romantismo ideológico dessa natureza, como pertencente e descendente de gerações em que tais crenças foram construídas, firmadas e legitimadas. Participar de um tempo e espaço, em si, faz a uma pessoa, grupo, enfim, procurar maneiras de sobreviver socialmente, inserindo em suas práticas pessoais e atuações coletivas aquilo que seria pertinente ao momento e ao lugar que lhes sejam contemporâneos. Seria, assim, comum o desejo de encontrar meios de usufruir e participar de valores e bens simbólicos da cultura hegemônica. 52 Tudo isso deu a conhecer uma tradição e um legado de valor incontestável e imutável, ou assim considerados, para seus membros, demonstrando o valor dado à representação cultural da elite de uma época, que talvez adote mais a ideia de permanência e conservação também presentes quando se trata da leitura, ou seja, se e quando há discriminação determinante de como e o que ler, enfatiza-se a leitura como algo estereotipado e sagrado. A cultura, forma de comunicação do indivíduo e do grupo com o universo, é uma herança, mas também um reaprendizado das relações profundas entre o homem e seu meio, um resultado obtido por intermédio do próprio processo de viver. (SANTOS, Milton, 2007, p.81) Assim, a interação do grupo, suas relações interpessoais, sua endogenia marcada nas relações familiares, de vizinhança e comunitária, estendendo esse “meio” aos pertencimentos religioso e nacional reafirmados em seus hinos e símbolos, sempre a citar ou indicar Eucaliptos, Feira de Santana, Pátria, Deus, Nossa Senhora, tudo isso é fruto do “reaprendizado” e da construção da nação e da inserção religiosa, tentando, entender seu lugar, implicados no contato com o outro e, por conseguinte, em subjetividade e produções culturais. Os produtos, tais como canecas, flâmulas, cartazes, brasão, bandeira, hinos e livros, além das programações e objetivos do CECREMAM, simbolizaram seu entorno ou o que dele foi eleito, tentando garantir a continuidade do seu legado histórico-cultural já aprendido, “por intermédio do próprio processo de viver”, e ainda idealizado, por isso tão fortes o catolicismo e o civismo em torno da pátria brasileira. O CECREMAM existiu reestruturado através dessas raízes nacionais que possuiu. 53 CAPÍTULO II LEITURAS NAS TRILHAS DE PRÁTICAS INSTITUCIONAIS: APREENDER E ACOMODAR Neste capítulo, as mulheres relatam fatos, lembranças do início do processo de formação leitora e como fora essa aprendizagem apreendida e acomodada.13 A formação leitora foi apreendida perceptivelmente nas práticas de leitura que demonstraram conservações, leituras e práticas legitimadas por esse processo inicial. Sob esse panorama, há adoção das expressões apreensão e acomodação inclusos no título, refletindo e reproduzindo a família, escola e CECREMAM enquanto organizações que zelavam, a partir de práticas pedagogizantes, pela manutenção de modos e formas leitoras sacralizadas, bem como de condutas evidenciadas nessas instituições e entidade. Todas, ao narrarem suas vidas e associarem seu contato com a leitura na infância e na escola, com pessoas da família ou amigos e vizinhos, ou ainda ao CECREMAM, reportaram-se ao escrito, mas foi perceptível também a presença da oralidade e de recursos imagéticos. Afinal, há leitura/leitores em todas as trilhas seguidas. Não seria diferente com as narradoras/leitoras Nance, Terezinha, Vanda, Maria da Purificação, Judite, Maria Mercês e Iristelma. Ter, nesse estudo, a leitura na perspectiva do código escrito, e perceber tão amplamente referências a livros, é óbvio pelo vínculo estabelecido entre o livro e a leitura. Por outro lado, indica que nem sempre a possibilidade da leitura do não escrito é lembrada ou considerada. Vale ressaltar a legitimidade social que esses suporte e código possuem, tornando livro e escrita aspirações, pelo fato de mediarem a inserção social, de forma tão significativa, que ocasionam a não leitura em público, se em voz alta, por vergonha, igualmente a atitude de decorar a lição para não admitir não saber ler, além de considerar pessoas inteligentes aquelas que leem bastante ou demonstram fazê-lo. 13 Apreender é posto aqui como assimilar, absorver, como aprendizagem internalizada, tornando-se algo tão próprio e pessoal que tem-se a sensação de estar na veia e, por sua vez, acomodar é posto na qualidade de compor, dispor comodamente como as camadas sedimentadas de uma rocha. 54 Nessa ótica, pensar em leitura sempre as remeteu ao livro e, em não sendo propriamente livro, foram exemplificados por elas, principalmente, folhetos, revistas, cadernos. Isso demonstra a notoriedade do peso do livro e da escrita, bem como da materialidade do papel como recurso evidenciado nas entrevistas. Foi importante, porque houve escrita e leitura de atas, uma pequena biblioteca formada e práticas diversas que envolveram a leitura do escrito, e sobretudo, porque nas narrativas o livro foi, como previsto, evidenciado. No entanto, isso não significa considerar a supremacia da escrita em detrimento da oralidade, especialmente porque aquilo que pertence à tradição oral, bem como “textos imagéticos”, quer dizer, esculturas, pinturas, gravuras, enfim textos suscitados por imagens, permeiaram a vida das entrevistadas. De oito horas em diante eu já tinha feito o trabalho de meu pai e aí eu ficava com os meninos pra estudar até mais ou menos umas onze horas. Que os horários de lá [São João – distrito de Feira de Santana] era pelo sol, a gente olhava o sol. (Judite) Lê-se o mundo por meio das observações feitas sobre ele, nele e a partir dele, no entanto é fato que o livro é tido como melhor forma de sistematização do conhecimento humano ou a forma mais prestigiada de registro. Entretanto, há expressões populares reconhecidas como patrimônios imateriais da humanidade. Ao mesmo tempo, há preconceito em torno da oralidade, ainda marginal. A oralidade também compõe “registro sistemático” eficiente de comunicação e socialização, apesar de circunstancialmente ser marginalizada. Por sua vez, a leitura também existe antes da aprendizagem do código escrito, concomitante e posterior a ela, numa troca constante entre a leitura do mundo e a leitura escrita. É um processo cujo olhar insere-se numa construção social, de modo que nossas leituras sempre são direcionadas a partir dessa construção, independente de serem leituras livrescas ou não. Parte da aprendizagem humana localiza-se na observação e tem na oralidade uma das formas de expressão do que é aprendido. Leem-se os cenários, as pessoas, as reações do comportamento humano, a natureza, as imagens, os sons, o que é dito por si e por outrem numa reciprocidade constante, sobretudo enriquecida pelas e nas interações e percepções interpessoais. Sras. Vanda e Mercês destacaram que ouviam histórias. Elas e a Srª. Nance também deram destaque a televisão e Srª. Mercês ao rádio, além da televisão. Srª. Judite contou que foi rezadeira desde menina, participando e “puxando-as” em novenas de residências em sua 55 comunidade de origem. Srª. Iristelma lia figuras na biblioteca do Centro Cultural antes de aprender a ler o código escrito. Os textos não existem em si mesmos, fora das materialidades (quaisquer que sejam) que deles são os suportes e os veículos. Contra essa “abstração”, é preciso lembrar que as formas que fazem com que os textos sejam lidos, ouvidos ou vistos participam também da construção de sua significação. O mesmo texto, fixado pela letra, não é o “mesmo” se mudam os dispositivos de sua inscrição ou de sua comunicação. (CHARTIER, 1997, p. 67) Em todos esses exemplos há influência de imagens sejam esculturas, gravuras, pinturas sejam fotos, fontes televisivas e radiodifusoras. Nesses casos específicos, a oralidade e as ilustrações de livros surgiram como facilitadoras e suportes de suas formações, também recurso de suas inserções na leitura. Acrescenta-se que todas, sendo de famílias católicas praticantes, frequentaram missas e outros atos religiosos em igrejas católicas ou em residências de amigos, vizinhos e parentes. É perceptível, por esse caminho, a inserção social também farta de oralidade e rica em estímulos imagéticos, que representavam outras formas de leitura, independente da religião da qual fazem parte. Srª. Vanda vinculou leitores a pessoas inteligentes, que sabem se expressar bem e imprimindo-lhes significação de um sobre o outro. Ela exemplificou com o então ainda presidente Lula: Toda reportagem, eu nunca notei assim.... Meu estudo é pouco, eu penso assim, mas eu nunca notei uma falha de Lula. Tudo que perguntava, Lula sabia. Eu notava que, se ele parasse pra pensar quando faziam alguma pergunta, ainda assim ele respondia na hora. Eu admiro muito ele. Eh! uma pessoa inteligente, eu admiro mesmo. Enquanto isso Srª. Nance associou histórias bem humoradas e seu gosto pela natureza e por histórias belas e românticas com o que assistia e ouvia: Aquela música Planeta Água [Guilherme Arantes], Ave Maria!, aquilo é lindo demais! Eu copiei, e as músicas de padre Zezinho que falam também da natureza. [...] No meu quarto eu tenho meus DVDS e as coisas que eu gosto de ver. [...] Os que eu mais gosto são de musicais orquestrados. [...] Um filme romântico ou um filme musical, eu gosto muito. Essa novela “Passione” eu não assisto, não é o meu tipo. No entanto, Ti 56 Ti Ti aquela besteira cheia de brincadeira e todos aqueles costureiros brigando eu acho graça. [...] Embora também essa história de humorista eu não goste, mas a novela até agrada. Humorismo não é o meu fraco não [...] Ainda Srª. Nance recordou-se de uma das Exposições Marianas (exposição com iconografias das invocações de Nossa Senhora) do Centro Cultural, que aconteceu no salão de entrada da Prefeitura da cidade, com muitas esculturas e cartazes, em 1987, mas também aconteceram outras edições em Feira e em outras cidades baianas não citadas por ela. Ela ajudou a organizar a edição de 1987 em Feira de Santana. Sua programação acompanhava o curso Conheça Melhor a Mãe de Jesus, já mencionado. Ela considerou a exposição iconográfica uma metodologia muito bonita, poética e, principalmente, significou-a importante como forma de ensinar às pessoas que Maria é uma só. O Centro Cultural, nesse aspecto, funcionou como um exemplo que propiciou aos Eucaliptos produtos convencionais de leitura − livros e livretos produzidos e lançados, demais materiais impressos, a exemplo de folhetos e cartazes −, encenações de peças, recitais e jograis, exposições, mas também fez uso de camisas, canecas, flâmulas, cartazes, desenhos, lenços, chaveiros, fotos, monumentos − produtos visuais carregados de imagem, também objetos de leitura, mas que transgridem as materialidades do impresso, seja papel solto ou livro. Tais produtos foram criados pelo CECREMAM, a partir dele ou de outrem, para uso de seus membros, para venda ou distribuição na comunidade, e compunham objetos de leitura. Embora narradoras/leitoras tenham feito referências, citando experiências orais e imagéticas em sua formação e afetividade, ao pensarem a leitura, trouxeram, sobretudo, lembranças vinculadas ao livro, ao impresso, conforme esperado, e a pessoas e instituições que orientaram, ensinaram e com as quais compartilharam a existência, a exemplo da escola. Segundo Hèbrard (2007), “historicamente, a escola não pode ser considerada o único lugar – nem o lugar preponderante – onde se constroem e transmitem os equipamentos intelectuais de uma sociedade.” Por isso, o domínio do escrito e a formação leitora antecedem as letras e a escola e não findam em seu término e ausência. Significa que inicia na família, nos círculos sociais que antecedem o ingresso escolar, independente de terem pais propriamente leitores ou serem eles alfabetizados ou não. 57 A formação leitora é um processo contínuo, anterior, concomitantemente e posterior à escola, e ultrapassa outros meios, materialidades e grupos pessoais, além de promover as influências e contatos pessoais e institucionais, a exemplo da oralidade, da televisão, de imagens, num processo composto por evolução de/para si e de geração a geração, configurando, portanto, constantes trilhas que muitas vezes se tocam, se congrassam e, em outras, divergem, mas sempre seguem adiante. 2.1 Ofertas de leitura: família e escola As narradoras/leitoras, ao lembrarem do seu processo inicial de leitura, reportaram-se ao processo em que aprenderam a ler. Falam da obediência “daquela época” e lembram de dificuldades que tiveram no aprendizado, em manter os estudos, de práticas pedagógicas e familiares e também situações outras que viveram. Dentre as dificuldades no interior da escola, principalmente as relatadas pelas mais velhas, encontram-se a falta de livros em geral, didáticos e não didáticos, e outros recursos que diretamente atingiam a maioria das entrevistadas por causa dos recursos financeiros escassos em suas famílias e da insuficiente infraestrutura da escola. Além do material escolar e dos livros didáticos que suas famílias precisavam comprar, houve relatos quanto a necessidade de comprar também folhas de papel pautado para copiar as questões da prova ou, na falta de livros didáticos, a necessidade de possuirem dois cadernos, a fim de copiarem apontamentos do quadro, sendo o outro para “passarem a limpo”. Compensava-se a falta de livro, garantia-se o treino em cópia e, na sequência, treinava-se a ortografia. Livros para consulta também não havia ou eram poucos. Srª. Judite disse que na escola “tinha uma estante com livros, mas era coisa muito pequena. Muito pequena, porque a professora não tinha condição de ter”. Ela justificou a escassez de livros na escola pela falta de posses da professora. Nessa declaração, a responsabilidade pela aquisição de material escolar para a turma de alunos parece ser da professora, sem considerar a gestão escolar nem a responsabilidade governamental, independente de qual instância, em dotar a escola e 58 desenvolver políticas públicas para a educação. Ao mencionar apenas a professora, a docente é colocada como única, maior ou principal responsável em prover a escola, ao mesmo tempo em que é redimida por não ter condições, inferindo-se, por conseguinte, as más condições salariais vividas pelo professor. Isso demonstrou o quão abstratas e distantes foram as considerações e reflexões sobre políticas públicas de ensino e o quão determinante e íntima foi considerada a figura da professora. Por outro lado, a escassez de livros, independente dos responsáveis por isso, contribuía para o hábito dos livros didáticos serem frequentemente reaproveitados durante anos seguidos. Depois da carta de ABC, passei para a Cartilha do povo para aprender a soletrar. Quando terminei, a professora disse que teria de comprar o livro. Eu fui pra casa toda triste porque meu pai não podia comprar o livro. Minha vó chamou meu pai e disse: Ela continua na escola, ela leva esse livro que está aqui e lá procura saber da professora se serve pra ela estudar. Eu levei o livro, a professora olhou e disse que podia continuar e marcou logo a lição. E eu estudei, dei a lição direitinha, nunca tomei pau. ( risos ). [...] Era [o livro] de um tio mais novo que eu tinha, irmão de meu pai, chamado Teófilo. [...] E naquele tempo a gente podia estudar por outro livro, até a professora mesmo não exigia. O livro da criança servia pra todas as crianças da família e hoje em dia, não. (Terezinha) Reaproveitar livros foi um dado importante para que muitas famílias conseguissem manter seus filhos na escola por algum tempo, foi assim também nas outras famílias. Além da Srª. Terezinha, Sras. Mercês e Judite também relataram esse fato como algo economicamente importante para suas famílias ou para outras, e afirmaram ser um hábito estimulado pelas escolas. Srª. Terezinha afirma ter sido dessa forma que conseguiu estudar até o 4° ano. “O privilégio desse gênero tão peculiar de livros [referência a livros escolares e às cartilhas em especial] decorre de serem instrumento e apoio ao ensino e à aprendizagem, inclusive do ensino e aprendizagem da própria leitura” (LAJOLO, 2007, p. 90), especialmente dos livros didáticos de língua portuguesa, cujas lições muitas vezes eram único recurso do professor e do aluno para demonstrar o que fora ensinado e aprendido em termos de leitura, cujos textos eram lidos repetidas vezes. O uso do livro didático, conforme narrado, demonstrou considerável supremacia nas práticas leitoras vividas por elas em período escolar, numa quase exclusiva e total dependência desse recurso, principalmente para aquelas que não continuaram 59 seus estudos, fazendo eco com estudos realizados por Zilbermam e Lajolo (1999), que afirmam a intensidade de seu uso e a obrigatoriedade de seu manuseio14. Sras. Terezinha, Mercês, Judite e também Vanda, Maria da Purificação e Iristelma citaram a relevância do livro didático em suas leituras e/ou enquanto recurso em práticas pedagógicas, no entanto Srª. Nance afirmou ter estudado por apontamento. Não, nada disso [nem biblioteca na escola, nem livros didáticos ou outros]. A gente estudava mais por apontamento. Eram poucos livros. As professoras no quadro negro escreviam e a gente tomava o apontamento, e tudo pra passar a limpo. Tinha caderno de apontamento e tinha o caderno pra passar a limpo. Muitas coisas a gente estudava por aquilo, tinham poucos livros, né? Esse hábito tornou-se frequente ao longo de sua vida até então. Os apontamentos e cópias receberam dela nova roupagem perante aqueles vestidos pela obrigatoriedade imposta pela escola. Foram transformados em cadernos e classificadores de temas de seu interesse de estudo, curiosodades ou como hobby. Durante o tempo em que estiveram na escola, a autoridade da professora assumiu papel de destaque na condução de suas leituras fossem em livros didáticos fossem em apontamentos ou mesmo em uso do quadro negro e cadernos, a partir de práticas pedagógicas de ensino vivenciadas pelas narradoras/leitoras: “e a gente não tinha problema na escola, porque a gente tinha mesmo medo da professora, a gente respeitava mesmo.” (Judite). Rezar e cantar o hino nacional antes da aula foram práticas envoltas por muito respeito, indicadas e supervisionadas por professoras, comumente narradas por elas, como contou a Srª. Judite: “Eu lembro bem que pra cantar o hino a gente só podia ler em pé e ou com as mãos pra trás ou a mão no peito, e firme com o peito em pé. A gente não ficava olhando pra ninguém, nem mexendo com as mãos e olhando para outro.” (grifo meu). Além dessa, houve o exemplo da prática de “dar lição”, que sempre correspondia a algum texto do livro didático, cuja leitura era feita aluno por aluno, apenas para a professora, em pé 14 Assunto também mencionado por Marisa Lajolo no livro Leitura, História e História da Leitura, organizado por Márcia Abreu ao tratar sobre o PML - Projeto Memória de Leitura. 60 ao seu lado, com o livro em cima da mesa e, em menor incidência, com os alunos sentados, a partir do acompanhamento da leitura de algum colega, que, ao comando da professora, era interrompida para outro dar seguimento. As duas modalidades para “tomar a lição” intimidavam e centralizavam o poder na professora, que determinava como a leitura seria feita, quando começava e terminava, avaliando entonação, dicção, pontuação, enfim, o domínio linguístico e o aparato mais técnico do ato de ler que, embora importante, não se limita a essas ações. No entanto: Eu lembro que demorei muito para aprender a ler. Eu não aprendi logo, tive dificuldade. Um dia eu descobri que podia decorar (risos). A professora mandava fazer a leitura e eu tinha decorado tudo em casa! Eu lia! Ela achava que eu lia! (risos) Eu não dizia que decorei. Eu acho que ela compreendeu que eu não sabia ler e, um dia, ela pulou a lição e me pegou no flaga (risos). Eu tive que confessar que não sabia e daí foi que fui aprender. A gente tinha vergonha de dizer que não sabia ler. No final da primeira série aprendi, e pronto, não deixei mais os livros. (Iristelma) Nas descrições sobre esse momento, sempre houve a presença da professora “tomando a lição”, porém Srª. Iristelma burlou um pouco o sistema intimidador impresso nas leituras avaliativas tomadas pela professora usando a memorização da lição. A estratégia usada por ela aponta para a percepção, em tenra idade, do valor da cultura letrada a sua volta e do quão vergonhoso seria revelar-se como alguém que não sabia ler, contudo, ao mesmo passo, fez surgir outros conhecimentos para proteger-se. O mundo que fez sentir-se constrangida foi o mesmo que lhe ofereceu as armas para amparar-se. A faceta da Srª. Iristelma remeteu à importância da memorização como recurso para a sobrevivência aos temores causados no processo ensino-aprendizagem, mas também foi importante para esse processo em si, independente das dificuldades advirem do medo ou de outros aspectos. A leitura capacita a humanidade de modos, muitas vezes, inesperados. A memorização da leitura, um tipo de sistema de arquivos cerebral, ajuda muitas pessoas a, por exemplo, reter e organizar o conhecimento. (...) memorização da leitura chegou a formar indivíduos com capacidades aparentemente “sobre-humanas” de recordar, pessoas capazes de armazenar bibliotecas inteiras de leitura memorizada. (FISCHER, p. 309 e 310) A memorização foi importante para outras práticas pedagógicas que contaram, como ditados, cópias, provas, geralmente escritas, às vezes orais, embora sempre estivessem associadas ao 61 medo. A oralidade esteve presente em duas outras atividades: poesias e canções recitadas e cantadas em datas comemorativas e diante de visitas na escola, destacadas pela Srª. Mercês: Eu não me lembro mais da poesia no todo, mas a última parte, como até hoje ainda se fala, era “As crianças vão fazer o futuro do Brasil”, né? (...) Então me treinaram e me colocaram pra dizer a poesia. Assim teve dia que tinha apresentação de poesia, poesia no dia do professor, poesia no dia das mães.(...) Então todas as comemorações que havia na escola, tinha aquela de poesia, chegava um visitante e você se levantava pra cantar, né? Tinha de cantar o hino antes de começar a aula, tinha de rezar antes de começar a aula. Eu nunca mais fui na escola para ver o seu dia a dia. Antes era esse o processo que a gente passava, né? Então isso ia enriquecendo a gente e tinha aquela preocupação...: Ah, não pró! eu quero dizer uma poesia! E todo mundo queria, né? [...] Então assim, no dia do professor [por exemplo], a gente tinha aquela poesia, e até no próprio livro já vinha alguma poesia referente àquele dia, certo? As narradoras/leitoras Iristelma e Mercês também descreveram práticas que precisavam da memorização como recurso didático. Mollier (2008) exemplifica a memorização do resumo e a preparação dos ditados do professor como necessitados do mesmo recurso, comparando-os metodologicamente à ladainha e ao catecismo, com suas respostas prontas e sempre iguais, relacionando, de certa forma, práticas pedagógicas à memória e, por conseguinte, também a práticas leitoras, embora nem sempre desse certo e, por isso, aumentasse a inquietação e a insegurança dos alunos, como revelou a Srª. Judite: “Eu não estou lembrando o que a gente lia. Era uma leitura que tinha que decorar e depois ler sem ler o livro. E agora que era o problema, que a gente, por mais que decorasse, mas na hora que lia a gente não gravava a leitura completa para ler. Aquilo ali era quase uma prova que ela fazia com a gente”. Havia também seminários na 5ª série, quando alunos davam aulas diante de três professoras, fato destacado pela Srª. Nance: Imagine! Iam três professoras pra gente falar sobre o que ela escolhesse para a gente estudar e dar aquela aula, isso na quinta série no primário! Eu toda acanhada, mas tinha que fazer (risos). Quando era geografia, eu adorava, era a minha matéria preferida, porque eu dizia que eu ia me formar e queria fazer geografia. Por mais que houvesse a memorização como recurso para melhor desempenho nessa atividade, havia associação com outro processo de elaboração para aprendizagem do assunto em questão que propiciaria ou oportunizaria as palavras e entendimentos dos alunos. 62 As atividades descritas pelas narradoras/leitoras Mercês e Nance são desejadas pela primeira e preferidas pela segunda, quando na área de geografia, e são menos comuns do que “tomar lição”, mas também as intimidavam. Apesar do medo em determinadas ocasiões na escola, a escola foi sempre enaltecida por todas as narradoras/leitoras e sempre acompanhada do lamento de não terem continuado os estudos. Não foi fácil estar e\ou manter-se na escola por mais tempo. Ainda mais difícil, para a maioria impossível ingressar em universidade porque outras situações sociais interferiram no processo educativo formal. Assim, elas alegaram alguns fatores que foram determinantes na interrupção de seus estudos. a) A distância da casa para a escola: “Eu não tenho lembrança até que ano eu fiz.[...] Admissão eu não fiz, porque meu pai já tinha dito que não deixaria, porque ficava longe, era aquela dificuldade, aí eu não fiz. Só os meus irmãos foi que fizeram” (Judite). b) A quantidade de irmãos: “O que minha vó dissesse a meu pai, ele atendia. Então quando eu estava na escola [estudou até o quarto ano] ela disse a meu pai que já estava na hora de tirar Terezinha e colocar Antares.[...] Cada momento um filho estudava um pouco, tirava e botava outro. Foi assim, o nosso estudo foi esse.” (Terezinha). c) A falta de dinheiro para investir no ensino particular, que, a partir de dado momento, seria a única opção de estudo: “Um ano eu estudei no Asilo. É particular. Os meninos trabalhavam lá [referência aos irmãos mais velhos], por isso a gente conseguiu. [...] A partir de um ano, a superiora achou que a gente não devia, porque não tinha farda. [...] A gente não tinha farda. Quando chegou, já havia demorado e, é claro, ela não aceitou, é particular” (Vanda). Alegaram ainda outros fatores sobre tal interrupção. a) O casamento: “Entrei na UEFS e abandonei, oh! Que horror! Eu fiz essa loucura! Eu casei e fui embora. Loucura! Pense em uma coisa na minha vida que eu me arrependo amargamente!” (Iristelma) e “meu pai virou pra ela [a mulher, madrasta de Nance] e disse assim: eu quero casar a minha filha o quanto antes, porque ela não tem a mãe dela [...]Eu fiquei moça, aí ele disse logo isso: casa agora até com doze anos. Então, com treze anos eu já estava ficando noiva” (Nance). Noiva de um rapaz ciumento que não a deixaria sair sozinha. b) Cuidado de enfermos da família: “Então, quando o meu pai ficou doente,[...] questionaram [a situação do pai em Salvador] sem me questionarem, sabe? [...]: meu pai vai ficar com quem? Como? [...] Aí chegaram à conclusão, os irmãos, que eu devia morar com meu pai na casa de Madre [apelido de uma das suas irmãs em Feira de Santana, nos Eucaliptos]” (Mercês). 63 As dificuldades listadas também foram, muitas vezes, ligadas à falta de recursos materiais da família e, por isso, a necessidade de seus pais em privar os filhos dos estudos, ou ainda, da escola em relação à falta de livros, por exemplo. Porém, isso não se aplica a todas na mesma medida, da mesma forma. Srª. Mercês completou o ensino médio e Srª. Iristelma ingressou na Universidade Estadual de Feira de Santana e concluiu a licenciatura curta em Estudos Sociais. E ambas, Sras. Judite e Nance exerceram a função de professora, sonho que nutriram para seus futuros e que conseguiram realizar apenas informalmente, por um período, em suas comunidades. As narradoras/leitoras conseguiram estudar, ainda que ao menos apenas as séries iniciais, por ser a escola pertencente a propostas vinculadas a políticas públicas da educação, e o livro didático a propostas pedagógicas adotadas na escola. Apesar disso, nem sempre tais propostas contemplavam a todos e por mais tempo. Ainda assim, é de fato uma revolução conseguir estudar e “não levar pau”, como disse a Srª. Terezinha, mesmo para aquelas que o fizeram apenas até o “primário”, vivendo em condições precárias, contando com a precariedade de suas escolas, dificilmente com posse de livros que cobrissem as demandas sociais, escolares e de seus interesses particulares. Tais dificuldades sintetizaram algumas reflexões sociais nos âmbitos econômico, familiar e escolar, e acrescentam novas perspectivas que se somam a essas: os encaminhamentos familiares mediante as questões de gênero que, por sua vez, também perpassam os aspectos socioeconômicos. Foram exemplos: a distância entre a casa e a escola, justificada pelo pai da Srª. Judite para que ela não continuasse a estudar, mas que não impediu que os irmãos, meninos, permanecessem na escola; o casamento, principalmente para a Srª. Nance, que, ao contrário da Srª. Iristelma, foi, depois de casada, geralmente impedida pelo marido de sair de casa sozinha, por causa dos ciúmes que sentia, mas que, segundo ela própria, era seu único defeito; e o fato de ter de cuidar do pai doente, no caso da Srª. Mercês. Tais circunstâncias comprovam as autoridades do pai, do marido e de irmãos mais velhos, que eram respeitados em suas vozes reconhecidas como de autoridade. A escola, apesar do grande peso e da responsabilidade colocada sobre ela para o ensino, nem sempre ficou sozinha. Algumas delas, apesar dos inúmeros percalços, tiveram alguém da família a responsabilizar-se por alfabetizar e orientar seus estudos. 64 Minha irmã mais velha era professora, então a gente já tinha uma coisa bem na base que ela já dava. Minhas primeiras letras eu aprendi também com a minha irmã. (Mercês) Em casa eu estudava com Tonho [irmão mais velho, mais tarde fundador do CECREMAM] [...] Me ensinava, hum! Tinha palmatória! Na época ele estudava. Antes dele sair para o ginásio, tinha que ler aquela lição e eu já estava me tremendo. Não sei se foi cartilha, acho que foi cartilha, coisa pouca também. Ele nunca usou a palmatória. Era uma escova de roupa, mas também graças a Deus nunca aconteceu de bater, não. Ele reclamava, assim, nervoso com a hora de ir para o colégio, porque ele estudava de noite, mas, graças a Deus, deu tudo bem. E foi pouco tempo também. Ele passava alguma coisa também além da escola, mas não tenho lembrança, já tem tanto tempo que, meu Deus do céu! (Vanda) Sras. Mercês e Vanda falaram da irmã mais velha, professora, e do irmão mais velho, estudante nervoso com o horário da escola, que constituiram autoridades no processo de ensino-aprendizagem. Autoridades extensivas às figuras dos pais e avós como ampliação da família e da escola, por meio da professora. Tudo impunha algo a elas, geralmente a obediência e a aceitação, ora a família e a escola, que viviam em comunhão na autoridade sobre filhos e alunos, ora a estrutura social que, entre outros fatores, não propiciava políticas públicas de educação que as comportasse na escola por mais tempo, nem recursos para que suas famílias pudessem mantê-las como estudantes. Há alguém que manda − professor, pais, irmãos mais velhos − e elas que, em sua infância e juventude, atendiam, na maioria das vezes, ao que lhes fosse solicitado ou esperado que fizessem, pois o poder da escola e o da família demonstravam consonância, e assim foram vistos como legítimos e inegáveis. Em todas essas circunstâncias, fosse na família ou na escola, em que práticas pedagogizantes coexistiam, ou fosse para “dar lição” para a professora, ler e recitar poemas em público em comemorações na escola, a leitura limitava-se ao processo de decodificação. Fazia-se necessário saber o código escrito e as peculiariadedes expressas na pontuação, na entonação e na dicção e o respeito em torno dessas práticas fazia com que elas fossem vistas como muito boas: Menina, a gente fazia outras leituras, mas quase que não fazia outras. Lia mais era coisa de escola mesmo. Tinha o recreio dez horas, a gente parava pra beber uma água e lanchar. Tinha oração. O primeiro, quando chegava, asteava a bandeira, cantava o Hino Nacional e depois a gente entrava e rezava o Pai Nosso. E aí, quando a professora chegava, todo mundo se levantava. Não tinha esse negócio de chamar de pró, era professora fulana de tal. E aí, depois que ela sentava era que a gente sentava. 65 Toda lição primeiro ela fazia, pra depois a gente fazer. Quando a gente precisava de ir ao banheiro, saía pra falar com ela. A educação naquela época era um respeito muito sério, muito bom. (Judite) A importância do domínio do código escrito fez-se presente na vida delas. Além das narradoras/leitoras Nance e Iristelma, as narradoras/leitoras Vanda e Judite evidenciaram em suas narrativas a vergonha em arriscarem-se em público, embora a Srª. Judite o fizesse: Eu mesma nunca li pra ninguém. Eu só rezava na Igreja, cada qual rezava um mistério, aí pronto, mas eu não leio [em público]. Minha leitura é pouca. Eu fico cismada de ler errado e depois servir de risada, então eu não gosto. (Vanda) No tempo em que eu estudei, falavam muito em sílaba, ponto circunflexo, ponto final, ponto interrogativo, ‘erres e esses’, falavam muito essas coisas. [...] Eu não leio em público. Eu leio aqui na igrejinha [referência ao Templo-Escola Santa Rita de Cássia], porque foi Seu Antônio [fundador do CECREMAM] que me ensinou a ler, que me ensinou a ser o que eu sou hoje porque se eu ficasse só no que eu aprendi lá, eu não era o que eu sou hoje, graças a Deus! [...] Só sei que lá fora eu faço alguma coisa [...]. Tem pessoas que leem e você se sente mal de ver a pessoa ler, e já tem outros que você vê e se sente bem de ver a pessoa lendo. É o modo de falar, o modo de se expressar. Pra tudo isso a pessoa tem que ter jeito. E tem pessoas que não têm aquela meta de falar, de conversar, não tem. E o Português é uma coisa muito séria. Parece que português é pior que Matemática! (Judite) O que elas viveram no início de suas vidas na família e na escola muitas vezes lhes determinaram a visão sobre a leitura, quando fora ditado o certo e o errado claramente, estendendo-se a visão sobre o leitor como aquele que “lê bem”, conforme opinião de Srª. Judite, ou seja, sem gaguejar, sem engolir palavras, com boa entonação e seguindo todos os acentos e pontuações, supervalorizando tais características. Ao domínio do código escrito atrelaram-se, mais uma vez, práticas pedagógicas engessadas e, a partir delas, o julgamento de ser bom ou mau leitor. Logo, a escola primária reforçava essa visão, e geralmente o professor ou alguém na família que fosse escolarizado ditava a leitura correta, sempre visando à entonação e à pontuação. Nesse prisma, ler bem é decodificar bem e, por isso, em tais circunstâncias não eram as escolhas por temas, autores ou quaisquer outras classificações que fizessem sobre modalidades textuais que entravam no julgamento delas sobre “bom leitor” ou “boa leitura”. A maioria delas não continuou os estudos e parou no “ensino primário”, antes do “exame de admissão”. No entanto, claramente, aquelas que avançaram no estudo ou se dedicaram à leitura um pouco mais por conta própria ampliaram o 66 estreitamento aparente e inicial desta visão, que no princípio de sua formação todas as narradoras/leitoras carregavam consigo. 2.2 Ofertas de leitura: CECREMAM A família e a escola enquanto autoridades não foram rebatidos pelo Centro Cultural RécreoEducativo Monsenhor Amílcar Marques. Ao contrário, o Centro Cultural adotou uma abordagem moralizante, visando a acomodar comportamentos e rotinas em consonância com as instituições citadas, principalmente pelo caráter educativo normatizador que adotou para si. O panorama do que fora apreendido pelas narradoras/leitoras como concepções básicas e normatizadoras na família, na escola em suas formações leitoras, e cujo Centro Cultural fez eco, ofereceu a impresão de que nada mudaria, que a estabilidade não se tornaria indubitável e que não haveria espaços para transgressões de nenhuma ordem, de nenhuma medida. Foi apenas impressão, visto que este texto adotou uma sequência, orgnizando os caminhos seguidos pelas narradoras/leitoras em suas vidas e narrativas. Em atas do início do CECREMAM, verificou-se o objetivo formador que possuía, fazendo eco com a família e a escola. E isso perpassou também na formação de leitura, por meio dos contatos de leitura que o Centro Cultural oferecia em suportes materiais e temáticos à constituição cidadã na qual o CECREMAM acreditava. Dessa forma, ele configurou-se como espaço de leitura e, neste tópico, dois exemplos básicos serão apresentados mais adiante para ilustrar intenções e pensamentos desse Centro Cultural no viés da leitura, no início de sua fundação, no que concerne à leitura como formação e à formação para o hábito da leitura: o livro Civilidade e a biblioteca cecremana Professora Edna Laureana de Oliveira. Sua pedagogia implicava em orientar sobre regras com rotinas pré-estabelecidas dentro de ditames especialmente religiosos e visões enciclopédicas e normativas, conforme atas, sua bandeira e seus hinos, ilustrados no primeiro capítulo, acusaram. Isso foi confirmado em leituras feitas nas reuniões, tendo como exemplo o livro Civilidade, e nas diretrizes de uso da 67 sua biblioteca supracitados, além de produções realizadas, como encenações, recitais e jograis a partir de livros infanto-juvenis e poemas diversos, como os de Maria Clara Machado e Castro Alves, mas também, poemas que contemplavam temas religiosos e cívicos, como o dia da Bandeira, dia de Tiradentes, além de flâmulas, camisas, livros etc. produzidos pelo Centro Cultural. Para que tais ações fossem realizadas, houve organizações de momentos de trabalho em grupo, conselhos sobre uso e encaminhamentos de cada uma dessas práticas e produtos, especialmente nos primeiros anos de sua formação. Em uma das atas de reunião do ano de 1967, especificamente de 09/04/67, da Ala Infantil, houve a solicitação para que as crianças nas funções de bibliotecárias e arquivistas exigissem dos bibliotecários da Ala Adulta a lista de livros da biblioteca em andamento, a cujos títulos as crianças poderiam ter acesso. A lista de leituras proibidas para crianças não foi registrada em ata, bem como as razões da sua existência. Ainda assim, tal atitude aponta claramente para a impugnação da leitura, ou mais especificamente, de determinadas leituras para determinados leitores. Poderíamos supor, portanto, posicionamentos ligados à moral, à religião e à política15. Srª. Terezinha fez menção a isso, mas não lembra quais foram os livros autorizados. Sobre biblioteca popular: Eram juridicamente instituições públicas, abertas a todos os frequentadores. Elas foram idealizadas a princípio para o público escolar e visavam garantir o acesso à cultura impressa, sobretudo ao livro formativo. Mas não só. Ela também era vista como uma instituição moralizadora e civilizadora, quer pelos seus conteúdos intrínsecos, quer pelas potencialidades decorrentes da complementação da instrução elementar. (SCHAPOCHNIK, 2005, p. 240) Seja como for, a sacralização, a censura da leitura possível de ser prevista em espaço religioso antecedeu as reuniões cecremanas no Templo-Escola Santa Rita de Cássia (idealizado e construído por Antônio Ramos da Silva – fundador do CECREMAM) a partir de 1978, uma vez que tal postura esteve presente desde o início do Centro Cultural, a exemplo da leitura do livro Civilidade, que impôs o “sagrado” a partir das condutas cotidianas. 15 A expressão “sagrado” deseja aqui ilustrar o sentido normativo, formativo e educativo tradicional empregado para orientações leitoras ou a partir dela, especialmente por tratar-se de uma instituição com o perfil adotado pelo CECREMAM e por também tratar-se de um locus influenciado pela religiosidade católica, no caso do Templo-Escola em questão. 68 Algumas entrevistadas lembraram vagamente do livro, mas observaram seus temas como mote do CECREMAM. Ao ouvirem seus capítulos, lembraram que esses eram temas recorrentes no CECREMAM, a exemplo de Iristelma: Em cada livro falava sobre cidadania, coisas assim. Eh!, civilidade do país lembro, lembro [...] e com isso a gente vai aprendendo desde pequeno a respeitar o espaço dos outros, muito bom. [...] Eu lembro do Seu Antônio[risos] palestrando muito bem, falando e fica na mente da gente, volta, vai pra casa... mas era justamente sobre isso, muito sobre conduta, respeito ao próximo. Era muito bom! (Iristelma) Os temas desse livro Civilidade versavam sobre “deveres para com Deus”, “deveres para com os pais”, “deveres para com todos”, “deveres para conosco”, “deveres para com a Igreja”, “para com as aulas” e sobre “comportamento à mesa”. Para leitura desse livro foram usadas as expressões leitura de formação e leitura de Civilidade e Formação Moral - registradas em atas, evidenciando um caráter pedagógico que autorizou a leitura em função formadora. A indicação da leitura de caráter pedagógico e moralizante formadora de comportamentos e condutas foi traço marcante nas reuniões durante o ano de 1966 na Ala Adulta e, em 1967, na Ala Infantil, de acordo com o registro nas atas, por meio da leitura em voz alta e da leitura coletiva do livro Civilidade, cuja autoria, editora, edição e ano não foram registradas em nenhuma ata, mas seus temas, conforme citado, sim. Vale ressaltar que a leitura em voz alta foi pertinente e frequente em muitos grupos sociais no decorrer da história sempre conferindo ao ledor status e respeito por essa função. A leitura auditiva, quer dizer, exercida coletivamente por intermédio de um ledor que oralmente lia para um grupo de ouvintes retrata uma experiência vivida por muitos em diversos tempos e lugares. Espaços como praças e mosteiros, cortes e residências, além de salas de aula foram contemplados em filmes, novelas, contos, contemplando a leitura oral para um coletivo. Estudiosos comentaram sobre isso. Borges e Besnosik (2007) fizeram uma sinopse exemplificando estudos de Lyons, Manguel e Cascudo em relação ao século XIX, destacados a seguir. Lyons (1999) informa que na zona rural francesa a leitura em voz alta de uma pessoa para um grupo foi frequente ao contrário do que era predominante nas cidades. Também carpinteiros eram adeptos dessa prática. Manguel (1997) lembra de trabalhadores cubanos de uma fábrica de charutos que pagavam a um dos colegas para ler livros e jornais dos 69 trabalhadores no turno de trabalho. Eram ações proibidas pelo governo, mas não foram extintas por causa dos trabalhadores que imigraram para os Estados Unidos. Também no Brasil, segundo Cascudo (1953) havia em residências sertanejas serões para leituras compartilhadas de cordéis. Havia em cada reunião cecremana, segundo consta em ata, a leitura em voz alta, feita algumas vezes por rodízio entre os leitores de um dos capítulo desse livro, seguida por comentários ratificadores do que fora lido. Embora a prática utilizada no entorno dessa pesquisa seja a leitura da escrita, os encaminhamentos dados a partir de Civilidade estão mais próximos das práticas utilizadas por comunidades onde predominava a oralidade, pois a escrita impulsionava a leitura silenciosa e individual, enquanto o grupo exercitava a leitura em voz alta e coletiva. Por outro lado, nem todos exerciam o ato oral da leitura: “Eu mesma nunca li pra ninguém [...] Só leio para mim.” (Vanda). Tem-se lado a lado a leitura silenciosa e individual convivendo com a leitura oral e coletiva. Sobre a leitura coletiva, Chartier (2009, p. 233) contribui, dizendo serem as “leituras que manipulam o texto, decifrado por uns para outros, por vezes elaborado em comum, o que põe em jogo alguma coisa que ultrapassa a capacidade individual da leitura”, podendo existir um grupo em que todos saibam ler e fazê-lo de maneira individual e silenciosa. No entanto a leitura oral e coletiva oportuniza a escuta e direciona, por meio dos recursos orais, as entonações do que queira ser destacado por aquele que lê, interrompendo e socializando seus pensamentos sobre o que lê no momento em que desejar e destacando o que lhe é conhecido e oportuno. Assim, quem lê para o grupo tem o texto em primeira mão e autonomia para explorá-lo segundo suas convenções. Tem-se, assim, o leitor que fala e o leitor que escuta, embora quem escute também possa interferir na leitura feita e nas opiniões postas. Em cada reunião havia o intuito de instruir a partir de um texto feito para ser lido enquanto instrução normativa, objetivando a prática do “bom comportamento”, exemplificado no texto, aprovado socialmente por um grupo, incluindo-se também o próprio ato da leitura que, ao ser feita em voz alta, responsabilizava o entendimento do outro a quem a fizesse pelo exercício de falar em público, mostrando-se o quão “bom leitor” era ou estava se tornando, tanto pelo domínio do código escrito quanto pela apropriação do que fora lido. Nesse momento, entrava em questão, mais uma vez, o domínio dos mecanismos do código escrito abordados inicialmente e observados em falas supracitadas. 70 Maria Tereza Cunha (2006) comenta sobre os manuais cujo objetivo era propiciar a instrução normativa como fora o livro Civilidade lido pelos cecremanos em suasreuniões nos idos de sua fundação: Colocavam à disposição conselhos e regras que visariam transmitir cuidados que deveriam ser seguidas nos espaços públicos e privados e procuravam internalizar, pela leitura (tanto obrigatória como de lazer) normas e preceitos de controle social tanto pela gestão de corpos e almas como por um conjunto de regras como portar-se com dignidade, cortesia e elegância, próprias de uma existência civilizada. Importa, em especial, nessa abordagem, a associação de urbanidade com a idéia de civilizado e deste com o sentido de “corpo são”. A produção e circulação regionais, nacionais e internacionais desses textos, bem como seus usos e apropriações permitem entrever as reverberações da civilidade com um dado ethos religioso/católico, sublinhando a relação dessa moral com a polidez e a pureza das condutas que caracterizariam ‘alguém bem formado’. Por meio das regras de etiqueta e civilidade, seria possível ensinar a convivência em grupo, os valores ditos “verdadeiros”, controlar impulsos de qualquer natureza, ensinar, manter e cultivar a ordem pública e familiar, respeitando-se sempre as hierarquias estabelecidas, enfim, normatizar a vida. O livro Civilidade exerceu função de manual, foi objeto de leitura e ensino nas primeiras reuniões do Centro Cultural, mostrou-se seguidor dessa premissa, bem como da diretriz instituída pelo Centro aos seus sociofundadores. Esse livro, com base nos títulos de seus capítulos registrados em atas, mostrou-se como exemplo de conselhos e guias sobre como falar, cumprimentar, estudar, comer, higienizar-se, como se portar em casa, na igreja, na escola, perante as autoridades dessas instituições, enfim, como cada um deveria viver, sabendo exatamente os cuidados que deveria ter consigo e o papel que lhe caberia na sociedade, fosse como homem ou mulher, pais ou filhos, professores ou alunos e de quem (pessoa ou instituição) deveria ser adepto, seguidor e divulgador, para que as diretrizes se mantivessem e se cumprissem. Além do livro Civilidade, cujo conhecimento de sua existência deu-se apenas pelas atas dos anos 1966 e 1967 das Alas Adulta e Infantil, outros livros fizeram parte do acervo do Centro Cultural, por intermédio de uma biblioteca. O grupo a organizou no início de sua fundação: Biblioteca Professora Edna Laureana de Oliveira. Vale ressaltar com atenção que, embora não tenha sido encontrado registro sobre seu funcionamento, pelas entrevistadas foi possível saber 71 que a biblioteca permitia visitas, fazia empréstimos, tinha listas de livros, entre outros informes importantes. Srª. Maria da Purificação lembrou que “havia possibilidade de pegar os livros emprestados; quem quisesse pegava”. Sua titular estava viva no início do CECREMAM e participou dele como colaboradora e incentivadora. Ela nasceu em Porto Seguro, em 01 de abril de 1907. Foi professora do curso primário, chamado Séries Iniciais de 1a à 4a séries, e recentemente reformulado até a 5a. Formou-se nos Perdões, em Salvador. Foi nomeada para exercer o Magistério na Fazenda do Mocó em Feira de Santana e depois na escola General Osório que fundou e localizava-se nos Olhos D’Água, na rua Araújo Pinho, nas proximidades dos Eucaliptos. Ela não casou e não teve filhos. Morreu em Feira de Santana, em dezembro de 1975. Seu nome foi levado à reunião de 17/07/1966 do CECREMAM, por seu ex-aluno, fundador do Centro Cultural, pleiteando-o como nome da biblioteca, segundo acordo em reunião de 26/06/1966, quando foi indicado que todos poderiam sugerir nomes à biblioteca em questão para que fosse apreciado em votação. Aproveitou o Sr. Presidente para ressaltar sua satisfação pela escolha do nome da Professora, que muito fez por este Bairro [dos Eucaliptos], salientando ainda a criação do Escotismo em Feira de Santana pela destemida Mestra, que não medindo sacríficio tudo deu de si para o engrandecimento do Bairro e por conseguinte em prol da criança pobre que ali reside. (Livro de Ata da Ala Adulta) O grupo responsável pela biblioteca foi composto por cecremanos interessados em garantir a si, aos seus filhos e à comunidade o acesso à leitura. A função de bibliotécario, sob orientação do professor presidente do Centro, foi destinada a alguns de seus membros: o pintor, Sr. Antônio de Jesus Coelho, para a Ala Adulta, e as crianças estudantes Railda Moreira de Jesus e Auremita Santos Pereira, como 1a e 2a bibliotecárias da Ala Infantil, e como arquivista Edna Maria Moreira de Jesus. Houve campanha de doação de livros. Srª. Maria da Purificação informou também que “alguns livros foram doados pela professora Edna [...] Não me lembro mais assim, não.” Muitas daquelas doações foram identificadas, usando um carimbo com o nome da Biblioteca nos livros recebidos, informando quem fez a oferta e quando, e isso propiciou a esta pesquisa identificar referências pertencentes a essa biblioteca, bem como saber que muitas ofertas vieram igualmente de outros professores, de cecremanos e de livrarias, e que naquela ocasião 72 uma das maiores ofertas foi feita de fato pela Professora Edna Laureana de Oliveira, conforme informou a Srª. Maria da Purificação. Além das perdas de exemplares, não houve acesso total a todos os livros ainda existentes, por estes estarem compremetidos pela ação do tempo. Muitos estavam sob efeito da humidade, cupins, traças e por isso nem sempre foi possível identificar todas as informações para referência bibliográfica completa. Apesar disso, foi possível perceber uma variedade de opções de temas entre escritores e escritoras: religiosos, literários, didáticos, entre outros. No entanto, alguns livros acusaram, por meio dos seus títulos, o destino específico aos públicos infantil e feminino. Por exemplo: Coleção Didática Infantil, Biblioteca Infantil de Ouro, Coleção Romântica, Coleção Rosa e Biblioteca das Moças. Títulos como Casar é bom, Antologia bíblica feminina do novo testamento, Mãe exemplar, Meninos travessos, a Turminha dos valentões parecem simbolizar o que esperar das mulheres e dos meninos. Revistas Nosso amiguinho, Tiquinho, Pinguinho, Cirandinha, além de Tico-tico muito referendada em Lajolo & Zilbermam (1999) por meio de autores famosos que o enalteceram em suas lembranças, como Carlos Drummond de Andrade. Dentre as referências destinadas especificamente ao público feminino, um bom exemplo foi a coleção Biblioteca das Moças, bastante disseminada no Brasil no início do século XX, composta por romances leves e escritos sob medida para formar as meninas dentro do “bom” comportamento cristão. Apesar dessas estratificações, houve nos livros da referida biblioteca presença de mulheres na qualidade de escritoras, a exemplo de Elisabeth Leseur, Helena Velasco, Alice Tisdale Hobart, Laura Lopes, Maria Jacinta, Edna Ferber, além de tradutoras, como Maria Luisa de Souza Alves, Marina Guaspari e Raquel de Queiroz também como tradutora. A biblioteca em questão começou a ser desenvolvida no final da década de 1960. Na década anterior, o livro didático começa a ganhar fôlego no Brasil, por isso a existência de muitos exemplares didáticos. Esses livros, autores e tradutores supracitados não compõem a totalidade das referências da Biblioteca, apenas ilustram um recorte feito. A título de informação há uma tabela com mais referências bibliográficas no apêndice (separadas por registro de doações). É importante lembrar: trata-se de uma biblioteca desativada, tendo funcionado no mínimo nos primeiros anos do Centro Cultural e na década de 1970. Além disso, muitos livros ou capas fotografadas para transcrição nesta pesquisa encontravam-se estragados por causa da umidade e de cupins, 73 por isso, as referências em anexo não estão sempre completas e não compõem a totalidade do acervo. (apêndice N, pág. 145) A Srª. Vanda recordou-se de características sobre a infraestrutura da biblioteca Professora Edna Laureana de Oliveira, e a Srª. Terezinha, do seu espaço físico: A biblioteca funcionava em um armário ou estante. Não era, assim, um salão. Era tudo pequeno e funcionava aí no Centro mesmo [casa da mãe-Sra. Hilda Ramos da Silva, dona da primeira casa do bairro, espaço autorizado por ela para uso do CECREMAM]. Até hoje tem a estante, [...] tinha uma estante de ferro... Toda vida o CECREMAM foi aí, depois a única coisa que construiu foi a igreja [Templo-Escola Santa Rita de Cássia]. A biblioteca ficava na casa de mamãe, não tinha outra casa, não aumentou nada, ficou do mesmo jeito. (Vanda) (grifo meu) Lembro da biblioteca, não tinha sede. A biblioteca era ali mesmo no quarto [apontou para a direção da casa da Sra. Hilda]. Tinha um quarto ali do lado, ali na casa de dona Maninha [apelido da Sra. Hilda], na sala tinha um quarto, o muro [da casa de Maria da Purificação] ficou em cima [do espaço onde havia o quarto] do quarto[...].(Terezinha) (grifo meu) A biblioteca foi localizada numa “casa” do bairro, casa da Sra. Hilda – mãe das Sras. Vanda e M. da Purificação, funcionando “ali mesmo no quarto” “em um armário ou estante”. O quarto em questão, também possuidor de uma história, foi construído pelo professor Antônio, para si mesmo e usado como dormitório pessoal e local de estudo, para não sofrer interferências dos pais que não queriam que ele perdesse noites com estudo, pois isso poderia interferir em noites mal dormidas e em seus dias de trabalho. Iluminava o quarto com “fifó” e fechava com tecido todas as arestas da porta, para que a luz não passasse e fosse descoberto em sua tarefa noturna. Há no apêndice foto da casa, mas o referido quarto não mais existe e seu terrreno passou a pertencer à Sra. Maria da Purificação, posteriormente passou a fazer parte da composição de sua casa. (apêndice P, pág. 159) Casa, quarto, estante, a descrição demonstrou uma gradação que cada vez mais reduzia o espaço. “Era tudo pequeno”. Tudo reportou a um lugar simples, humilde e familiar, no entanto, a despeito das características físicas e da infraestrutura da biblioteca que comprovam suas carências, a Srª. Iristelma lembrou que “a gente tinha muita reunião ao ar livre. Quando o sol estava quente, a reunião era ao ar livre, não fazia na casa, não. Bacana, né?”. Certificam-se oportunidades de outras práticas leitoras no que tange a outros espaços e posturas físicas do leitor, uma vez que as reuniões ocorriam no mesmo espaço onde funcionava a biblioteca, e 74 estar ao ar livre com o livro significaria estar em meio a flores, embaixo ou em cima do cajaeiro e/ou embaixo de mastros com bandeiras, aproveitando as sombras e possíveis brisas entre outras possibilidades de interação com o ambiente e outras pessoas. Em outra passagem, esta mesma narradora/leitora complementa o perfil da Biblioteca Professora Edna Laureana de Oliveira, considerando a importância dessa biblioteca naquele tempo e lugar, ou seja, principalmente, final da década de 1960 e década de 1970 nos Eucaliptos. A única biblioteca que eu lembro foi montada aqui, depois foi a Municipal mesmo que eu cheguei a usar, só, só. Mas era muito bom pra gente aqui, foi muito bom, ajudou muito. A socialização, o relacionamento e a convivência com outras pessoas... (Iristelma) Não havia, portanto, política pública eficiente para todas as classes sociais em favor da leitura e do acesso a livros. A declaração da Srª. Iristelma e outros depoimentos das Sras. Vanda, Maria da Purificação, Judite e Terezinha inferem isso. Iristelma teve a oportunidade de com 4 anos de idade encontrar e usufruir a biblioteca do CECREMAM. Significou ter tido a possibilidade de iniciar suas experiências leitoras ainda a partir de leituras de imagens, conforme ela narrou, assim como outras crianças do lugar. Siginificou também a possibilidade de ampliar e desenvolver essas mesmas experiências mais do que as Sras. Vanda, Maria da Purificação, Judite e Terezinha cujo processo restou-lhes o acervo didático de escolas ainda muitíssimo precárias também em se tratando de seus recursos bibliográficos. Assim sendo, a comunidade dos Eucaliptos configurou mais um espaço de oportunidade superior à que as narradoras/leitoras mais velhas encontraram disponíveis em suas infâncias e adolescências. Ainda não havia Faculdades nem Universidade – espaços onde há bibliotecas abertas ao público leitor em geral − no município de Feira de Santana. A Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS foi a primeira instituição de nível superior da cidade, fundada oficialmente em 31 de maio de 1976. Anteriormente era Faculdade de Educação, em 1968, e em 1970, Fundação Universidade de Feira de Santana – FUFS. Em atas, do Livro de Atas da Ala Adulta, houve registro de conselhos para que seus assosciados conseguissem tempo para leitura. Em atas, do Livro de Atas da Ala Infantil, houve determinação de horários para leitura, confirmando e garantindo o uso da biblioteca pelas crianças. A Srª. Iristelma falou da socialização, também das suas primeiras leituras antes 75 de aprender a ler e a escrever, antes de entrar na escola, que aconteceram nessa biblioteca por meio de livros infantis com gravuras e ilustrações que ela gostava de ler antes de aprender as letras. Também ratificou em nome do coletivo, provavelmente a Ala Infantil, que “era muito bom pra gente aqui, foi muito bom, ajudou muito” (grifo meu). Organizar um espaço de leitura demonstrou a preocupação com a formação leitora, garantindo um lugar e um tempo para que ela ocorresse ou, ao menos, exprimisse tal tentativa, mas a tentativa nem sempre configurou-se em garantia de leitura da forma como fora ou é idealizada. Vale considerar a relação traçada por Eco (2010) entre o bibliófilo e sua biblioteca particular. Tal relação cabe aqui, embora a biblioteca em questão não tenha sido de caráter particular. Ele acredita que uma biblioteca não é apenas um lugar para livros serem “juntados ou somar”, mas “é também um lugar que os lê por nós” (ECO, 2010, 47). Exemplifica com o remorso possível de ser sentido perante livros à mão e jamais lidos, porém o ato de tocá-los várias vezes para mudar de lugar, organizar, desempoeirar, empurrar para pegar outros livros, enfim resultaria na “leitura pelo tato”. Isso, ao contrário, não retiraria outras possibilidades como a leitura casual de algumas páginas e leitura de características gráficas como “cores, consistência do papel”, bem como da leitura de livros que mencionam aqueles não lidos que seriam também leituras, ainda que indiretas. Por tudo isso a biblioteca é um “organismo vivo” e não configura apenas o lugar da memória de leitura de seu proprietário, fundador ou idealizador porque isso seria insuficiente e nem sempre representaria a realidade de fato. Configuraria, sim, o lugar da memória universal. Cada livro carrega consigo inúmeras leituras e essa conjectura foi necessária a sua existência e para muitos seria mais importante estar acessível a isso, “examinar com olhos amorosos” do que propriamente ler. Essas idéia e sentimento confluem com Belo, uma vez que “não é por serem possuídos ou comprados que os livros são necessariamente lidos” (BELO, 2002, p. 91). Criar ou estar em algum espaço de leitura não significa por si só que ela aconteça de forma direta. Belo faz essa provocação ao comentar a respeito de pesquisas sobre circulação e recepção de textos no passado. Possuí-los também representa status de várias ordens: financeiro, intelectual, estético, bem como caráter que atende a demenadas sociais e pessoais, por exemplo, herança 76 familiar recebida ou a ser deixada, sublimação por algum dia não ter tido condições de possuílos. Enfim, infindas possibilidades. No entanto, a despeito de tudo isso, a Srª. Nance não lembrou da biblioteca, e acredita não têla visitado, por ter talvez sido um período em que ela não tenha frequentado muito as atividades cecremanas, afinal dependia sempre do marido para sair. E embora a Sra. Iristelma e as demais crianças da Ala Infantil frequentassem a biblioteca com alguma regularidade, visto que havia tarefas para elas em que fez-se necessário seu uso, parte das narradoras/leitoras contemporâneas e adultas daquele período, como as Sras. Judite e Maria da Purificação, disseram não tê-la frequentado com assiduidade. Lembro, lembro, agora eu não participava pra pegar nada lá pra ler. [...]Participava mais de atividades, agora se pra entrar pra participar em pegar livro, biblioteca, essas coisas, eu não participava muito. Eu gostava mais de frequentar o que tinha, as festas, brincadeiras. Eh!, eu gostava mais dessas coisas. (Judite) Muito difícil eu utilizar, né falar a verdade.[...] Porque com filho pequeno, dona de casa, eu quase não tinha tempo para sentar para ler livros nem nada. Três filhos pequenos pra criar e tudo. Então não tinha lá esses tempos todo disponível, aí começou o relaxamento, né. (Silêncio) (Maria da Purificação) As justificativas foram não ter tido tempo para ler, principalmente por causas das atividades como dona de casa e mãe, embora participassem de atividades promovidas pelo CECREMAM, especialmente a Srª. Judite que na época ainda não havia se vinculado como sócia e declarou que preferia “as atividades” do que parar para ir à biblioteca. Nesses dois casos, a leitura foi vista como algo que rouba tempo dos seus deveres e preferências. A Srª. Vanda informou que a participação dela e do “pessoal” na biblioteca era “ difícil, só às vezes quando tinha reunião, aí vinha o pessoal, aparecia uma ou outra pessoa assim. Não era um negócio constante, não”. No entanto, nessa declaração, apesar da dificuldade posta, tem-se a demonstração da regularidade de acesso à biblioteca a partir e em associação às reuniões do grupo. Apesar da frequência irregular desse grupo de narradoras/leitoras à biblioteca em questão, Srª. Terezinha disse que “a gente pegava livro e tudo para ler [...]”, ratificando a informação de Srª. Maria da Purificação, anteriormente posta, sobre a viabilidade de empréstimos de livros para qualquer um que desejasse. A despeito dessas declarações, não foi encontrado registro no 77 acervo do CECREMAM informando sobre quem pegou quais referências para ler e quando. Apenas foi sabido que havia tal possibilidade. Igualmente foi sabido que as crianças do CECREMAM não tiveram acesso livre, como já fora mencionado, a quaisquer livros que desejassem, embora também não tenha ficado o registro de tais referências bibliográficas. No entanto, esses dois aspectos em si revelam bastante sobre o uso da biblioteca. Nessa perspectiva coibitiva, Anne Chartier e Jean Hébrard (1995) abordam a censura advinda de professores, padres e bibliotecários, colocando-se como tutores da leitura, mesmo em pleno século XX, contrariando a ascensão de processos democráticos e da liberdade de expressão. Essa atitude específica em relação às crianças pareceu como forma de resguardar, no então presente, a criança, e protegê-la em nome do futuro da sociedade, sendo estes os motivos para determinadas leituras serem coibidas ou, ao contrário, estimuladas, sob a inspiração advinda da ideia de infância que ganha forma na modernidade. Zilberman (2003) aborda sobre o surgimento da família estruturada de forma unicelular, privativa e vinculada a relações afetivas como um processo iniciado no final da Idade Média e sendo um acontecimento do Século das Luzes. Naquele período não havia distinção entre crianças e adultos. “Na sociedade antiga, não havia ‘infância’: nenhum espaço separado do ‘mundo adulto’ ” (RICHTER apud, ZILBERMAN, 2003, p.36). Zilbermam traz Dieter Richter (1977) para descrever um cenário em que crianças eram testemunhas de todos os processos e encaminhamentos sociais, como nascimento, doença, morte, guerras, execuções, tradições culturais. Não eram defendidas ou protegidas em nenhum desses aspectos, ao contrário, foram desprovidas e privadas de quaisquer privilégios e cuidados. Esse quadro foi se modificando até que, no século XVII, surgem as primeiras reflexões pedagógicas voltadas para as crianças, segundo a autora, escritas pelos protestantes franceses e ingleses. No século XVIII, a infância sedimenta-se como alvo de reflexões e observações. Isso também foi uma forma de preservá-la para a conservação da família burguesa, imperativa enquanto reduto nuclear, ou como conservação do sistema econômico que a teria, quando adulta, como mão de obra. No entanto, aos poucos foi-se considerando as especificidades da criança e concebendo-se a infância, separando-a de assuntos sexuais e da morte. Consequentemente foi-se configurando gradativamente a proteção também sobre o que seria lido nessa fase da vida. 78 Essa análise informa que a formação moral para leitura infantil tornou-se uma constante, portanto não foi preocupação apenas do CECREMAM. Por exemplo, os textos escritos pelos irmãos Grimm que, atentos também a isso, modificaram histórias das quais tomaram conhecimento pela tradição oral, usando-as como meios para ensinar algo ou atenuar ou não revelar desvios de caráter de alguns personagens julgados impróprios à criança por sua analogia com pais reais, por exemplo: Eles não podiam aceitar a expulsão de Hansel e Gretel de seu lar por ambos os progenitores. Ocorreu assim a invenção de um pai compreensivo e, na quarta edição de seus contos que data de 1840, a mãe virou madrasta. Tais alterações fizeram com que nenhum dos progenitores naturais figurasse como maldoso na história. (LYONS, Martyn, 1998, p. 102) A proteção funcionava como bom argumento para crianças e mulheres serem protegidas e censuradas em suas leituras. Enquanto isso, adultos eram aconselhados a ler, a exemplo do ano de 1966, na Ala Adulta, por ocasião da votação para decidir o nome da referida biblioteca, na qual consta “observação no que diz respeito à leitura, dizendo que todos nós precisamos ler; se não for costume de muitos, por vários motivos, mas que se faça sempre que haja tempo”. Ratificava o ensino dessa conduta um quadro emoldurado, presente no acervo pessoal do fundador do Centro Cultural, e que fora exposto em atividades cecremanas com a imagem de uma face, cuja boca, nariz e olhos estão sob uma tarja semelhante à marca d’água, acompanhada da frase: “Quem não lê mal fala, mal ouve, mal vê” , considerando a leitura como algo supremo. (apêndice O, pág. 158) Seja como for, independente de ações repressoras à leitura e seus motivos vinculados à centralização do poder margeando a liberdade ou como proteção à infância, é inegável que uma biblioteca oportuniza práticas leitoras, ainda que revestidas de limitações censoras, de um pequeno acervo e da existência de modelos e conceitos preconcebidos do que deve ser lido, de como ler e cuidar do livro. Perante esse panorama, foram criadas Horas de Leitura, segundo Atas da Ala Infantil de 1967, e houve orientação para um rodízio de trabalho composto pelas crianças da Ala Infantil “para melhorar a lista do movimento da biblioteca Profa. Edna Laureana de Oliveira”, determinando os grupos responsáveis nos turnos matutino e vespertino, segundo Ata da Ala Infantil, de 21/04/1967, lavrada por Ana Célia Lobo Ramos. 79 A Ala Infantil começou oficialmente suas reuniões em 23.03.67 com encontros quinzenais. Iniciou, como a Ala Adulta, com processo eleitoral e habituou-se a escritura, leitura e assinaturas das suas atas. A Ala Infantil também fez leituras do livro Civilidade, em rodízio, pelos cecremanos mirins. Na Ala Infantil havia orientação para sempre estarem com papel e lápis nas reuniões. Havia distribuições de cadernos e boletins O Eco que não foram descritos nas atas, folhetos diversos, poemas, estampas religiosas além de terem sido programadas noites literárias a partir do mês de abril - mês seguinte ao início das reuniões com esta ala cujo primeiro poeta homenageado foi Castro Alves. Na sequência foi usado o pretexto de no mês seguinte, abril de 1967, ser aniversário da titular da biblioteca, para serem propostas e planejadas as Horas de Leitura, diariamente, das 9 às 11h. Foi nessa ocasião que as crianças bibliotecárias e arquivista foram orientadas a exigirem dos bibliotecários da Ala Adulta a relação dos livros que as crianças poderiam ler. Houve também registro da existência de comentário sobre a peça Pluft, o Fantasminha, com leitura, discussão e escolha dos personagens dessa peça teatral de Maria Clara Machado, escolha dos personagens também para “Jesus Perdido” − versos que foram ao palco, homenagem a Tiradentes com declamação da poesia “Libertas Quae Sera Tamem”, entre outras atividades similares descritas em atas do Livro de Atas da Ala Infantil, mas sem descrição detalhada nem transcrições dos textos literários. Ir à biblioteca significava também realizar essas leituras e estudá-las para a apresentação, além da indicação de fazerem outras leituras à parte dos compromissos firmados, uma vez que fora solicitado para as bibliotecárias e a arquivista a relação de nomes de livros e de leitores que constituíam as Horas de Leitura e a determinação dos grupos que ficariam responsáveis pelos turnos da manhã e também da tarde, além de explicitação sobre o compromisso com as Horas de Leitura, a fim de melhorar a lista do movimento da biblioteca, numa espécie de registro que infelizmente não foi encontrado no acervo do CECREMAM. Foi esse, então, o contexto das atividades iniciais da Ala Infantil. Adultos tiveram liberdade na leitura, na presença na biblioteca, em ler ou não ler, usá-la ou não, enquanto às crianças, além da censura, lhes foram determinados momentos para frequentá-la, na tentativa de garantir ao menos a essse grupo o hábito do ato de ler. De uma forma ou de outra, foi um espaço que promoveu a leitura a vários suportes. Guardadas as devidas especificidades citadas anteriormente, e ainda que sob o julgamento de cristalizações 80 normativas, na comunidade dos Eucaliptos houve ações que demonstraram intenções claras em socializar e ampliar conhecimento e o desejo de auxiliar em mudanças individuais e coletivas a partir de atuações locais que propiciavam e estimulavam o ato de ler, embora o grupo pequeno, a comunidade socialmente pobre, a biblioteca que funcionava no quarto de uma pequena e humilde casa. 81 CAPÍTULO III LEITURAS NAS VEREDAS DE PRÁTICAS CONFRONTADAS: CONSERVAR E RENOVAR Neste capítulo aparecem novas veredas, alguns rompimentos nos modos e temas de leitura, bem como visões acerca da leitura, apesar de decorrer em intensidades e formas diferentes, influenciados também pela idade de quem narra. Um bom exemplo disso é quando algumas se escandalizaram e afastaram-se mais do que outras, quando, em suas lembranças, estiveram diante de “literatura mais picante”, enquanto outras a procuravam. Logo, este capítulo aborda tais rompimentos em contraposição a aspectos conservadores, no que se refere a práticas culturais e representações de leitura vivenciadas pelas narradoras/leitoras. Depois de uma fase na vida, marcada prioritariamente pela obediência na infância no que tange à leitura, apareceram transgressões, às vezes de forma tímida, outras vezes não, apontando, prioritariamente, para diferenças entre as gerações às quais as narradoras/leitoras pertenciam. Foi assim no decorrer de suas vidas, no processo narrativo em geral, e por isso foi assim na organização desses dois últimos capítulos. Vale salientar que as ampliações de leitura e dos modos como acontecem e das interações sociais, portanto também narrativas, alargam aos poucos e gradativamente as possibilidades de rompimentos em práticas de leitura. As narrativas fazem parte do legado cultural dos povos, das famílias, de quaisquer grupos sociais que nos ensinam quem somos. Crescemos em meio a elas. Construímo-nos e reconstruímo-nos; aprendemos, reaprendemos, apreendemos, desaprendemos por meio de narrativas, por isso é difícil precisar quando nossa narrativa pessoal começou e quando terminará. Elas são nosso recurso comunicativo mais importante, compõem nosso processo de formação e estão em toda parte e nas formas mais simples às vezes podem passar despercebidas, como, por exemplo, quando Sra. Mercês contou que [...] Na casa em que eu nasci minha mãe disse que todos os partos foram normais e alguns até de cócoras. [...] E eles contaram, quer dizer meus irmãos que já eram grandes, contaram isso que a família de meu pai morava vizinho, próximo, né? E 82 ficavam na roça e tal, era próximo. [...] e eu ainda estava muito pequena e tem ainda Iracema que é também minha irmã, que conta muito das amigas que ela tinha da escola... (Mercês) (grifo meu) Iniciaram e continuaram suas narrativas contando suas histórias também em rememoração a histórias de outrem, como pais, avós e irmãos, com falas de memórias do que não viveram ou do que foi dito por outro, por ser outro tempo, outro lugar, ou muito pequena. Foram, sob esse aspecto, portanto, memórias do que não viveram ou vivenciaram, pois podem “se tornar um discurso produzido em segundo grau, com fontes secundárias que não vêm da experiência de quem exerce essa memória, mas da escuta da voz (ou da visão das imagens) dos que nela estão implicados” (SARLO, 2007, p.92). Foram exemplos de lembranças de outrem reapropriados pelas narradoras como pertencentes a si, inserindo-as em suas narrativas, como rememoração de histórias de outras pessoas ou como suas próprias, dada a identificação das imagens e/ou das fontes que as traduzem. Para que a nossa memória se aproveite da memória dos outros, não basta que estes nos apresentem seus testemunhos: também é preciso que ela não tenha deixado de concordar com as memórias deles e que existam muitos pontos de contato entre uma e outras para que a lembrança que nos fazem recordar venha a ser reconstruída sobre uma base comum. [...] É preciso que esta reconstrução funcione a partir de dados ou de noções comuns que estejam em nosso espírito e também no dos outros, porque elas estão sempre passando destes para aquele e vice-versa, o que será possível somente se tiverem feito parte e continuarem fazendo parte de uma mesma sociedade, de um mesmo grupo. (HALBWACHS, 2006, p. 39) Fizeram-se presentes memórias de outrem, memórias de um tempo anterior a elas ou anterior as possibilidades de suas lembranças, quando muito pequenas, configurando um tempo vivido, mas impossível de ser lembrado e apropriado por si mesmas. “Muitas lembranças, que relatamos como nossas, mergulham num passado anterior ao nosso nascimento e nos foram contadas tantas vezes que as incorporamos em nosso cabedal” (BOSI, 2009, p. 425). Nesse caso nem sempre ficará explícita tal apropriação, portanto, tornando-se difícil a identificação. Começamos a existir antes de existirmos devido à amplitude das narrativas. A história de cada um pode ser marcada pelo nascimento, mas também, anteriormente a esse marco. “Ultrapassase o tempo presente, e o homem mergulha no seu passado ancestral. Nessa dinâmica, memórias individuais e memórias coletivas encontram-se, fundem-se e se constituem como possíveis fontes para a produção do conhecimento histórico” (DELGADO, 2006, p.41). A 83 história de nossa concepção, de nossa família, de nosso povo, da humanidade fazem parte da existência individual de cada um e vice-versa. As histórias que vivemos, testemunhamos, ouvimos, intuímos, inferimos fazem parte de nós. Elas, muitas vezes, imbricadas na memória coletiva, mesmo não vividas pelo indivíduo, impõem-se como próprias, pessoais, inserindo-se na memória individual, e ambas sempre pertencentes às experiências humanas. Estudos de Halbwachs, Sarlo, Bosi, e Delgado estão em consonância entre si ao considerarem as infindas possibilidades de lembranças anteriores a existência de alguém ou aos grupos sociais a que pertença. Embora possivelmente em gradações e aspectos diferenciados, podem ser encorporadas pelo indivíduo como sendo suas próprias e consciente ou inconscientemente quando tal adoção acontece é manifestada pela linguagem. A linguagem propicia o resgate da narrativa, expressando-a por meio, seja oral, seja escrito, sem significar com isso que ela se manifeste apenas pela voz e pelas letras, pois a experiência também é manifestada por outros meios como o corpo. Nessa perspectiva a linguagem corporal também (re)constrói o passado, expressado por emoções às vezes reveladas. Sarlo (2007) contribui para o entendimento sobre as experiências que, ao serem narradas tomam, além da voz, o corpo como expressão para retomada do passado, muitas vezes carregadas de emoção ou da emoção contida ou, ainda, da tentativa de contê-las. As diversas formas de linguagem dão vida e forma às experiências narradas e, a cada vez que a narrativa é produzida, atualiza-se, fundando, assim, uma temporalidade que antes seria apenas pertencente ao momento real da experiência. As narradoras em alguns momentos reviveram o passado, comunicando-o também pelo choro, a exemplo das Sras. Vanda e Mercês. Elas, respectivamente, contaram a respeito de problemas de saúde ocorridos com seu filho mais jovem e sobre a morte de sua mãe ainda em tenra idade. Expressões corporais fizeram-se presentes como manifestação também de linguagem, relacionadas a sentimentos suscitados nas lembranças das memórias: pelo olhar perdido, a exemplo de Srª. Vanda, quando declarou arrependimento de não ter estudado mais; pelo riso e pausas silenciosas presentes em inúmeros momentos nas narrativas de todas elas, dando vazão a emoções. 84 O silêncio, o choro e o riso, manifestações de tristezas e alegrias, arrependimentos, frustrações e os mais diversos sentimentos também tiveram o que dizer. Fizeram-se presentes nas narrativas, ao retomar o passado com a emoção que é conferida dentro da historicidade do sujeito e do que lhe reporta o fato, a cena, pessoas, circunstâncias circunscritas no ato de rememorar, conferindo-lhes emoções distintas no tipo, na forma e na intensidade. Somam-se aos sentimentos mencionados acima outras declarações também cobertas por emoções, mas que, ao contrário das anteriores, implicam explicitamente juízo de valor na compreensão de si a exemplo da Sra. Judite, quando, ao final do nosso encontro, declarou: “Se você tivesse procurado um intelectual, uma pessoa que fala, que lê e escreve... que lê, escreve e é bom nas palavras...” (Judite). Ou ainda “o negócio é só a memória de gravar essas coisas antigas”. Antes das gravações começarem, expuseram preocupações sobre suas mémorias, questionaram a importância sobre o que teriam a contar, como “dizer o quê?”. São opiniões que, além de esboçarem dúvida sobre a importância do que se tem a dizer, quase afirmam que não há o que dizer. Isso demonstra, ao menos, um quê de baixa autoestima perante uma pesquisa. Saber-se ignorante sobre algo pode ser tomado como ato de consciência. No entanto há outras pressuposições possíveis nessas falas: não valorização da própria voz, história, pensamentos; reação fruto de preconceitos, ideias implícitas ou explícitas na sociedade em geral, que interferem negativamente na representação pessoal. Apesar, por parte de algumas, da transferência de intelectualidade para outrem, retirando-a de si e, apesar da incerteza do ter ou não ter o que falar e do conseguir suscitar a memória, não houve impedimento para declarações de felicidade no ato de voltar ao passado, para dividir suas vidas em meio a revelações caras a elas. A linguagem compondo a constante dinâmica de trocas e interferências subjetivas em torno das narrativas e seu percurso vivido mostraram a experiência contínua do compartilhar o processo metodológico, bem como as rememorações de cunho pessoal e coletivo. E em meio a tudo isso histórias de leitura foram apresentadas com conservações e transgressões. 85 As leituras invadem todos os espaços por meio das mais diversas linguagens, seja oral ou gráfica, seja iconográfica ou pictórica, como as narrativas, estão em toda parte porque o mundo é lido e expresso constantemente, a cada dia, em pequenos olhares e expressões. 3.1 Outros tempos, outros modos, outras leituras As mesmas instituições que “protegem”, “aprisionam”, a exemplo da família, da escola e entidades. Embora algumas narradoras/leitoras resistissem e preferissem a proteção da redoma onde se sentissem confortáveis, às vezes, nessas mesmas instituições eram encontrados estímulos para transgressões leitoras. Tais estímulos também poderiam ser encontrados fora, a exemplo de grupos de amigas que trocavam Sabrina e liam individualmente, conforme relato da Srª. Iristelma. Igualmente isso remete a uma prática possível, entre outros motivos por ter o livro uma anatomia que permite ser carregado consigo. “De um lado, a longa história da leitura mostra com firmeza que as mutações na ordem das práticas são geralmente mais lentas do que as revoluções das técnicas e sempre em defasagem em relação a elas” (CHARTIER, 2002, p. 112). Contudo, o surgimento da imprensa e todo seu avanço tornaram maior a acessibilidade da leitura para a humanidade e alterou práticas leitoras que, associadas a outros fatores, tornaram a leitura cada vez mais uma experiência individual, solitária e silenciosa com o papel impresso, sobretudo com a materialidade do livro. Guardadas as devidas proporções, a família, a escola e o CECREMAM também não foram exatamente os mesmos depois de décadas inteiras, e as práticas leitoras nas vidas das narradoras/leitoras também não o foram. Ao longo das décadas algo ficou, mas algo também mudou, em processo contínuo, ainda que às vezes tênue. Da leitura oral ou auditiva para a leitura silenciosa. Da escrita a lápis, a fim de que o livro didático fosse reaproveitado por outra pessoa da família ou pela proibição de escrever no livro de leitura pelo ultrarrespeito a esta materialidade impressa, conforme lembrou a Srª. Terezinha: “não podia riscar o livro de jeito nenhum, ela [a professora] ainda dizia: no dia em que eu vir uma letra aqui, eu vou dar castigo, viu? Você vai ficar de joelho! Ela não deixava a gente fazer um riscozinho no livro, não!”, para o ato de escrever no livro 86 anotações livres nos espaços que desejasse como faziam Sras. Iristelma e Mercês, além de darse a possibilidade de cortá-lo, bem como a revistas e jornais como fazia Srª. Nance. Ainda há outras mudanças. Da prática da leitura intensiva de cunhos didático e religioso, para leituras extensivas de temas diversos. Da obrigatoriedade de ler para fins de conhecimento, a fim de que fosse cumprido algum dever ou tarefa, para a leitura do entretenimento, como as Sras. Judite, Maria da Purificação, Maria Mercês, Nance e Iristelma também fizeram, dando-se a liberdade de interromper a leitura se quisessem, escolhendo livros pelas capas e ilustrações como faziam respectivamente Sras. Iristelma e Purificação. Das leituras na escola, na biblioteca da comunidade, em casa, para estudar a lição escolar, para o estudo do catecismo também na igreja ou para o preparo dessas aulas, como as Sra. Iristelma e Mercês, que foram catequistas no Templo-Escola Santa Rita de Cássia nos Eucaliptos, para leituras embaixo de árvore, como mencionaram as Sras. Judite e Iristelma, ou na cama, às vezes para fins escolares outras pela fruição do prazer. Foram “desvios” dos mais “inocentes” e todavia significaram grandes mudanças de paradigma para quem viveu um processo de formação mais engessado que livre e inicialmente não os havia cogitado. Srª. Nance recortava revistas trazidas toda semana pelo marido, como O Cruzeiro e Manchete. Segundo ela, “naquele tempo traziam reportagens maravilhosas sobre vários lugares, então aquilo me interessava demais”. Também as embalagens de sabonete Gessy e Leve traziam estampas de artistas de Hollywood e mais uma vez eram providenciadas por seu marido, que saía pedindo aos amigos para que ela pudesse fazer seus classificadores, álbuns e cadernos – todos como entretenimento. Ela declarou: “até hoje eu gosto! A todo tempo em que eu estou lendo, eu estou escrevendo, passando a limpo as coisas que eu gosto. Eu viajo e onde eu vir qualquer coisa bonita, eu já ando com caneta e papel na bolsa. Eu copio pra botar em meus cadernos”. Segundo ela, os temas eram vários: os papas e a igreja, o Brasil, sobre informações, como prédios mais altos e de maior ponte, fauna e flora, misses e artistas do cinema. Ela, entre risos, lembrou que o marido, embora muito ciumento, não via problemas nesse hobby. Ao contrário, estimulava e não ciumava dos artistas, “já que eles nunca iam vir aqui me ver ”, disse ela. Dessa forma, essa mania, conforme ela mesma chamou, de fazer cadernos, organizar albuns e classificadores, ocupava suas horas vagas. “Nas horas vagas é a coisa com a qual eu mais 87 gosto de ocupar o meu tempo” ao ponto de ter tido em casa um guarda-roupa apenas para guardar tais coisas. Afora revistas e outros materiais, ela também recortava livros para seus classificadores - um deles sobre o CECREMAM, que levou para nosso encontro. Dentre os vários arquivos que ela havia guardado e organizado sobre o CECREMAM, estava um livreto do Centro Cultural, escrito pelo professor Antônio, seu fundador, chamado Flores-Trovas a Maria, do qual ela cortou e colou as trovas, anexando-as a outras gravuras por ela selecionadas e também coladas no mesmo caderno. Ela rompeu, com a conservação de uma materialidade bastante valorizada – o livro. Tomou posse e assim decidiu o destino, renovando o impresso em outra configuração, de acordo com seu prazer, desejo e com a utilidade que vislumbrou. Chartier (2003) retoma à lembrança o livro impresso enquanto legado do manuscrito. Aquele tal qual é concebido assemelha-se a este por sua organização em cadernos, pelo formato. A Srª. Nance, sob a perspectiva desse avanço, ou seja, do manuscrito para o impresso, fez o caminho de volta, retornando ao caderno. Além disso, organizava álbuns e classificadores, sempre com a presença de manuscritos seus em associação com o impresso presente no que fora selecionado, recortado e colado ou perfurado e arquivado. Assim configurando um pequeno gesto de grande ruptura em pequenas revoluções. Gesto que, em dado momento, contribuiu com o Centro Cultural quando este promoveu nos Eucaliptos um curso sobre hábitos culturais no Natal e, entre outros elementos, houve a culinária, cujo tema fora abordado pela Srª. Nance que, ao final, entregou para cada participante, como lembrança, duas cadernetas pequenas em espiral, contendo receitas práticas para almoço e sobremesa, copiadas a mão por ela em cada cadernetinha que fora entregue a cada um dos participantes. A Srª. Nance não restringiu suas leituras, conforme suas práticas ilustraram. Ainda assim, a leitura religiosa cristã católica apareceu com frequência na ilustração de seus temas, gostos das narradoras/leitoras, mesmo quando agregados a outros assuntos. Para Fischer (2006, p.285), os textos religiosos constituíram-se em grande transformação na leitura cultural e foram “a principal fonte de leitura da maioria das pessoas no Ocidente até final do século XIX quando, em virtude da introdução do ensino geral, a literatura secular começou a predominar”. 88 Apesar das narradoras/leitoras terem nascido num novo século com mais possibilidades de ofertas para leitura, a Bíblia e, também, outros livros de orações e folhetos católicos apareceram com majoritária frequência . Mas isso não impediu a combinação com livros didáticos no início da vida escolar e, posteriormente, com livros de piadas, revistas em quadrinho, romances e revistas de moda, entre outros. Toda essa combinação fora lida intensivamente e/ou extensivamente a depender dos interesses e das práticas de cada uma mediante cada leitura desejada. A leitura intensiva consistia na leitura de um mesmo texto inúmeras vezes. Foi uma prática muito vinculada à escassez de livros e quaisquer outros materiais impressos e à fase da leitura oral feita por um ledor para um grupo geralmente não escolarizado. A leitura extensiva consistia na diversidade de leitura a vários textos e livros, portanto é uma prática predominante após maior desenvolvimento, domínio e acesso a materiais impressos. No entanto é possível ainda encontrar pessoas cujo caráter intensivo de leitura permanece, por exemplo, no sentido de habituar-se ou desejar ler sempre um mesmo livro ou tema seja por opção ou por falta dela. Eis alguns exemplos de caráter mais intensivo: Ganhei de presente do Dindinho o Mundo da criança, uma coleção com quinze volumes [...] A coleção não é só de história, tem uma parte que é de Ciências que me ajudou muito na escola e tal, tem uma parte que é de e Geografia e tudo mais, mas eu lembro os três primeiros, os volumes eram só de história eu lia e relia muito, aí fui embora; gosto muito de leitura.[...] Eu lembro que ele me deu e eu nunca esqueci esse livro, depois Dindinho me deu alguns livros “Esta juventude magnífica e os temores nem sempre maravilhosos” de Padre Zezinho. Eu tenho esse livro. Ele me ajudou muito, nessa idade louca, né? Meio louca. Muito bom esse livro, li várias vezes. (Iristelma) (grifo meu) Tem um livro aí de padre Léo, As coisas do alto, eu já li e reli. Ele fala das coisas do alto, que a gente não deve se apegar a nada, até mesmo família, porque um dia você perde e você vai sentir uma grande depressão. [...] Eu gosto de ler e reler Quando eu gosto do livro, eu leio, mas eu não vou decorar o livro todo que nem a Bíblia, aí depois, quando eu não estou fazendo nada eu torno a ler. Volto lendo tudo de novo, vou me lembrando... Ah! eu me lembro disso! Eu gosto. (Judite) (grifo meu) Eu dizia que eu iria me formar e queria fazer geografia porque era uma coisa que eu sempre admirei. Foi tanto que eu comprei uma coleção de geografia pra ler. Imagina como é gostar de geografia desse jeito e é uma coisa que você tem que ter outras para está atualizada, não adianta. Eu tinha uma coleção com seis livros e eu sempre lia, eu gostava. (Nance) (grifo meu) 89 As narradoras/leitoras Iristelma, Judite e Nance e as demais narradoras/leitoras assumem essa mesma postura quando se referem a temas religiosos, incluindo-se a Bíblia e outros livros e folhetos, como novenas e orações. A narradora/leitora Vanda destacou: Orações ao Santíssimo é o um livro, é muito bacana, depois eu pego assim, leio. [...] Às vezes eu pego uma oração de Nossa Senhora do Desterro e leio pra mim, eu gosto. Eu tenho Nossa Senhora do Desterro em casa. Tonho [irmão mais velho, fundador do Centro Cultural] já me deu o livro, já me deu imagenzinhas, tenho folheto, tenho o livro de Nossa Senhora do Desterro que ele me deu. Nossa Senhora da Cabeça também. Eu sempre tinha dor de cabeça e depois que eu conheci Nossa Senhora da Cabeça, todos os dias antes de dormir eu me apego a ela, e todo dia antes de levantar eu rezo um Pai Nosso e uma Ave Maria. No caso ainda da narradora/leitora Terezinha, por ser costureira ainda na ativa, estivera costumeiramente lendo e relendo suas revistas de moda e de figurino, embora no início de sua fala ela não tenha reconhecido essa leitura, e por isso a “esqueceu” e afirmou não ler por falta de vontade, quando, por sua vez, lê bastantes revistas em sua área de atuação: “eu nunca tive vontade de ficar assim lendo, não. Preferia bordar, costurar. [...] Meu tema preferido para ler sempre foi ligado à costura”. A leitura extensiva também fez parte de suas práticas de leitura, especialmente pelas leituras das narradoras/leitoras Maria da Purificação, Nance, Iristelma e Mercês que extrapolaram o escolar, o religioso e o profissional, rememorando vários exemplos de leitura. A seguir um cenário de suas leituras: Srª. Maria da Purificação lembrou que na juventude rendeu-se aquela febre de negocio das revistas Capricho, Sétimo céu, Sonho essas coisas de revista de romances,” Também lia revista Época e outras, mas apenas o qaue lhe chamasse atenção, algumas reportagens, “mas não era fanática nesse negocio de pegar e ler toda a revista. É alguma coisa que me chamava atenção, alguma reportagem, mas não era de me aprofundar a ter tudo não”. Queixou-se não lembrar com precisão sobre suas leituras. “Já li antigamente cada final de romance de uma revista era um diferente do outro, tanto tempo que aí não me lembro”, porém em meio ao esquecimento lembrou-se do livro A noiva do ano e embora não lembrasse do enredo, sabia ter gostado e disse “É tipo um romancizinho”. Mostrou um livro que estava lendo e outros dois na fila da cabeceira. O primeiro A cabana: “estou no início ainda no início do primeiro capítulo e pelo início já estou começando a gostar, não sei se vou até o final gostando”. O 90 segundo e o terceiro foram selecionados por seus títulos e gravuras. Foram eles: O anjo de quatro patas de Walcyr Carrasco e Um gato entre livros. Srª. Nance lia sobre Geografia porque era seu tema preferido. Queria formar-se nessa área. Comprou depois de casada uma coleção sobre Geografia e a coleção Barsa. Gostava das revistas “O Cruzeiro” e “Manchete”. Leu poemas de José de Anchieta sobre a Virgem Maria. Gostava de poesias, provérbios e materiais do CECREMAM e trabalhos de Antônio R. da Silva. Gostava de temas românticos. “Então um livro bom eu gosto, uma vez eu li um O Sentido da Vida eu nunca esqueci eu não lembro mais o conteúdo do livro, eu gostei muito do livro”. Ela leu outros livros a exemplo de Flores-Trovas a Maria e Pórtico Poético, Presente do mar de Hebert Salvador de Lima, Contemplação e vida de Ana Paula S. Coutinho. Ela mostrou materiais seus em que havia copiado poemas e letras de músicas de autores e intérpretes diversos que gostava de ler a exemplo de Cecília Meireles, Epitáfio de Titãs, Você é Linda de Caetano Veloso, Ricardo Azevedo, Guilherme de Almeida, Elza Beatriz, dentre outros, além de alguns poemas seus. Também versos de canções e poemas religiosos como Nossa Senhora de Roberto e Erasmo Carlos. “Tem até canção de Milton Nascimento “Maria é um dom’’, as igrejas às vezes cantam Maria Maria pensando na igreja. [...] Um romance bom vale a pena.( risos )”. Srª. Iristelma afirmou: “[...]Ganhei de presente de Dindinho [Antônio] o “Mundo da criança” uma coleção com quinze volumes [...]” Segundo ela, a coleção não era apenas de estória, mas lembrava de uma parte de Ciências e outra de Geografia que a auxiliavam na escola. Leu contos de fadas e gostou de ler figuras. Depois de adolescente passou para os livros de Sabrina e outros desse gênero. “Eu lembro que ele me deu eu nunca esqueci esse livro, depois Dindinho me deu alguns livros: Essa juventude magnífica e os temores nem sempre maravilhosos de Padre Zezinho. Confessou tê-la ajudado “nessa idade louca”. Leu ainda Pequeno Príncipe, Poliana menina, Poliana mulher. Também livros de Monteiro Lobato e “gostava muito.” Aí depois passei para Paulo Coelho (risos), O Alquimista, As Valquírias eu tenho alguns deles [...] muita ficção, mistério, magia”. Gostou. Ela leu também Antônio Cury, O futuro da humanidade. “Pense em um livro bom, muito bom!” Mentes perigosas e outros de psicologia. Gostou de livros de Zíbia, embora fizesse ressalva de serem de cunho espírita. “ Li Ningúem é de ninguém e muitos livros assim [...] Feliz ano velho. “Já me deram algum evangélico eu leio também”. O poder da palavra, a 91 Bíblia, em especial Salmos..“Eu sempre tenho um bordado começado ou um livro começado”. Outras referências dadas por ela foram A Cabana, Eclipse e Lua Nova. Estes dois despertados pelo interesse em saber o que os jovens estavam lendo, bem como mais antigos como A Moreninha, Cinco minutos, A Viuvinha, Ateneu. Ela informou gostar também de Paulo Coelho e Sidney Sheldon. Srª. Mercês lia a revista O cruzeiro e Sétimo Céu e começou a ler romances literários por causa de sua professora Lurdinha de Língua Portuguesa e Literatura no ensino médio. Leu A moreninha, Vidas Secas, O feijão e o sonho, O guarani, Escrava Isaura, Olhai os lírios dos campo que ela afirmou querer ler de novo, Escaravelho do diabo e quase todos da série Vagalumes, A pata da gazela que ela não esquece do fetiche pelos pés na época em que as mulheres só usavam vestido longo e os homens nunca os viam porque elas sentavam com os pés recolhidos para não mostrarem. Vidas Secas, Éramos Seis também leu, entre outros. [...] Leu Eça de Queiroz, José de Alencar, Graciliano Ramos. Sra. Mercês lembrou com carinho do livro didático da época e que acredita ter sido da Ática, pois lá havia o poema Marília de Dirceu que ela recitou na escola e fazia encenações por meio dele. Ela ainda lembrou de uma parte deste poema. Lembrou de Navio Negreiro de Castro Alves. “Depois eu li Cora Carolina também”. Leu ainda, independente do currículo escolar, Cristiane F, drogada e prostituida. “Na época eu achei tão forte e de certa forma foi [...]” Ela leu de Jorge Amado Quincas berros d água e Capitães de Areia que informou não ter lido todo. “[...] e fora outros outros livros assim como minha amiga que levou algum tempo sendo espírita, então ela também trazia livros que eram diferentes, né?“ Um exemplo lido por ela foi Nosso lar sobre o qual desejou assistir ao filme de mesmo nome. Citou duas leituras de Paulo Coelho: O Alquimista e o outro sobre o qual esqueceu o nome. “Já li dois livros dele e não gostei dele ele tem uma linha diferente, não é bem da minha, é interessante...” Ela descreveu um pouco o que há de diferente em sua literatura e ela não gostou: ”Eu não sei se é a linguagem dele, mas é a maneira como ele escreve, pelo menos acho que O Alquimista é assim tipo vai e volta. Ele relata um fato, vai e volta e outro... Mas eu li e gostei do relato em si. É a maneira como ele coloca. Eu não sei como fazer essa diferença de explicar.” Ela leu também O crime do Padre Amaro de Eça de Queiroz e sobre ele fez algunas comentários contagiantes e bem humorados sobre ele. Ela fez menção dele ter sido 92 mencionado na telenovela Gabriela por meio da personagem que ela acredita ter sido Malvina. Ela não lembra se a personagem leu ou não, mas houve burburinhos em torno desse livro. Segundo ela, esse livro foi censurado na sociedade na época em que ela era estudante secundária. Lembra de sua curiosidade em lê-lo e de te-lo procurado e não encontrado na biblioteca da escola. Foi encontrá-lo depois dele esquecido em sua memória, em Rondônia, por acaso, na casa de irmã e sobrinhas, em 2006 ou 2007. “Quando eu pego o livro, sentei e estou olhando O Crime do Padre Amaro! eu digo: Eu vou olhar, agora é a hora! Aí vi que realmente era história de um pe. que engravidou uma menina e na época foi uma história muito interessante”. Foram experiências demonstrativas de práticas extensivas de leitura. A extensividade leitora também é apontada na diversidade de temas e modalidades da Srª. Judite, pois gostava de revista em quadrinho, livros de piada, romances e livros religiosos, entre outros. Também pela seletividade feita pela narradora/leitora Maria da Purificação: “Já fiz assinatura de Época e de outras revistas, mas eu só lia assim o que mais me chamasse atenção, algumas reportagens..., mas não era fanática nesse negócio de pegar e ler toda a revista” ou ainda quando selecionava suas leituras pelas capas dos livros. A depender das escolhas individuais, as combinações foram várias, intercalando com hábitos intensivos e extensivos de leitura e escolhas a partir de tema, autoria ou capa, ora em nome do conhecimento – motivo bastante citado –, ora para a distração. Gosto muito de ler à noite antes de dormir, quando o livro é meu, gosto de ler marcando com o marcador, mas como eu leio muito livro emprestado... Mas só os meus eu gosto de ler marcando [...]Também escrevo no próprio livro quando é uma coisa que marca mesmo. Eu gosto de passar assim, às vezes, na agenda eu coloco algum verso, alguma coisa que me chamou atenção. Eu gosto, é ruim, né?, mas eu sempre estudei assim. Quando não é seu, é ruim; mas quando é seu, acho que pode, é bom, né? (risos) Pode ser que estrague o livro, alguma coisa assim. Eu acho bom. Ah, quando eu acho uma palavra difícil, eu coloco em baixo para depois procurar o significado. Se você leu e não entendeu, não adiantou, perdeu tempo, você tem que entender. Quando não entende, volta. Mas tem livro que é chato, né? Você começa e não consegue terminar. Ah, tem uns assim. (Iristelma) (grifo meu) O direito de riscar o próprio livro apareceu como transgressão, algo que foi inconveniente, mas que traduzia o modo preferido de sua leitura. Assim, “é ruim”, mas “é bom”; “acho que pode”. Houve dúvida, mas ela fazia. Conservações e mudanças em conflito ou a tendência à 93 predominância de uma prática sobre outra mais ou menos confortável e desejada para si surgem no depoimento da Srª. Iristelma. Uma das atitudes da Srª. Iristelma é reiterada pela Srª. Mercês – grifar a palavra para ir ao dicionário, justificado por ela “porque eu gosto de escrever e, às vezes, a gente vai escrever uma frase e coloca uma palavra que não combina com o sentido que a gente quer dar àquilo.’’ Quanto maior o hábito da leitura, mais interferências são passíveis de fazer vir nos livros, salvo aquelas pessoas que os sacralizam e acham tal atitude errada, no entanto as Senhoras Iristelma e Mercês apresentaram-se mais tranquilas quanto a esse respeito. Apesar da dúvida sentida pela primeira, a outra confirma essa premissa: “Então eu grifava muito e agora eu grifo menos, porque também estou lendo menos” (Mercês). Podemos entendê-las à luz do que diz Chartier quando diz que: (...) o leitor não pode insinuar sua escrita a não ser em espaço em branco do livro. O objeto impresso lhe impõe sua forma, sua estrutura, seu espaço e não supõe de maneira alguma sua participação. Se o leitor pretende, mesmo assim, marcar sua presença no objeto, só pode fazê-lo ocupando (...) quase clandestinamente, os lugares do livro deixados de lado pela escrita: a contracapa da encadernação, folhas deixadas em branco, margens do texto etc. (CHARTIER, 2003, p. 41 e 42). Srª. Iristelma transgredia e ampliava esse gesto, inserindo em suas práticas leitoras a leitura na cama para o seu deleite e, supostamente, numa leitura silenciosa, certamente não para atender a objetivos escolares do conhecimento, mas para atender a sua total liberdade, o mesmo quanto a Srª. Mercês. “O fato de a maioria dos países desenvolvidos terem reconhecido o princípio da leitura livre como uma verdade irrefutável revela-se, até o momento, como mais um dos recentes ‘triunfos silenciosos’ da história” (FISCHER, 2006, p.284, 285). Esse reconhecimento resulta em muito da comunicação, informação e conhecimento ser veiculado pela leitura. Em folhetos e livros, em bibliotecas, escolas, livrarias, mas também em casas, televisão, salões de beleza, consultórios, enfim toda parte, tornando inevitável a leitura. Porque até mesmo um programa que parece não ser bom, uma informação que não vai ser boa, é bom separar, né? [..] pra gente ficar olhando, lendo e se informando... Em alguma coisa que tem pra ler eu estou lendo, eu estou querendo ver. E mais: nunca deixar de ah!, ouvir por ouvir... li, rasguei, joguei fora e passou!? Não, eu guardo. Eu não perco nenhum [papel] até aqueles que eles dão no dentista, e não sei o que eu li. Se não vai me servir mais, dobro e não vou jogar fora na rua pra sujar, né? Coisa de 94 cidadão: boto na bolsa e quando chegar em casa, se for pra dispensar, se não for guarda mais... não é? Mercês Não significa, porém, que cada pessoa e que todas as narradoras/leitoras desta pesquisa lessem sobre todos os temas que lhes chegassem em mãos, sem passar por um crivo pessoal que estivesse atrelado a suas escolhas e gostos, e também referendadas pelo processo de formação leitora que tiveram e do quanto gostariam, precisavam e desejavam romper com ele. Sob esse prisma, observou-se, nas narradoras/leitoras, experiências e reações distintas sobre a proibição ou não de livros e suas reações ao depararem-se com livros cujos conteúdos não fossem consensualmente aceitos, a exemplo de romances não católicos e de romances mais sensuais. Para algumas, a censura leitora direta não existiu porque não havia acesso suficiente a livros que justificassem tal atitude, pois tinham apenas livros escolares. A narradora/leitora Vanda lembrou que o único material para ler era “a lição”, e que “não tinha nada de biblioteca” e complementou a narradora/leitora Maria da Purificação: “na adolescência, a gente não tinha acesso a livro que fosse impróprio, não”. A despeito de todas as reflexões possíveis, pela falta de acesso ao livro, havia a segurança sobre o que elas liam, por isso não havia motivos para serem vigiadas ou censuradas em suas leituras. A exceção de livros didáticos, havia livros do irmão mais velho. Porém, segundo a Srª. Vanda, não havia “aquela curiosidade de ficar assim querendo ver as coisas, não” e por isso nem sabia quais eram. Houve a necessidade por parte das narradoras/leitoras Mercês, Nance e Iristelma justificarem suas escolhas por leitura quando romances espíritas foram exemplificados. “Minha amiga levou algum tempo sendo espírita, então ela também trazia livros que eram diferentes. [...], tem algumas coisas que eu li. É pra gente também entender a maneira de outro escrever” (Mercês). “Outro dia eu peguei um livro espírita que por sinal não é o meu lado. Por sinal eu gostei, não ficou falando dos espíritas, tratou de uma história bonita de amor, aí eu achei até bonita” (Nance). “Gosto dos livros de Zíbia. Eu perguntei a Dindinho [padrinho católico fundador do CECREMAM], mas ele disse que é espírita. [...] Eu gosto dos livros de Zíbia, eu adoro, eu ainda não achei livro dela ruim. Não tem a ver com a minha religião, né?” (Iristelma). 95 Foi imprescindível a todas que os citaram explicar os motivos de terem realizado essas leituras. “Entender a maneira de outro escrever” foi para a Srª. Mercês justificativa plausível, dada sua condição de escritora. O exemplar lido pela Srª. Nance “tratou de uma história bonita de amor” que era um de seus temas favoritos. E no caso da Srª. Iristelma, que relatou ter comentado sua leitura com outro católico, em seu caso “Dindinho”, que por sua vez, pareceu indicar recusa ou cautela. Elas também reafirmaram seu catolicismo, mesmo quando as declarações vieram com a afirmação de terem gostado do enredo, do estilo ou da questão: “e se de repente for verdade?” (Iristelma). São comportamentos quase confessionais, e o fato de serem católicas as influenciou nessas atitudes, independente de suas gerações. No entanto, outras experiências surgem. Em destaque seguem transcrições mais longas, no entanto pertinentes das narrarrativas das narradoras/leitoras Judite, Nance e Terezinha: Uma vez uma criatura me deu o livro de coisas indecentes. Eu comecei a ler e vi que não era coisa boa e que ela só me deu pra ler por maldade mesmo. [...] Eram palavras de homem e mulher, aquelas coisas assim de sexo. Eu não entendia nada, nada. Eu tinha uns 14 anos e já tava quase paquerando, mas eu não quis ler. Assustei [...] Eu guardei esse livro em baixo do colchão e fiquei com medo, quase que não dormia de noite, pensando que se alguém pegasse e no outro dia falasse com meu pai e com minha mãe... era muito medo mesmo! [...] Olha, no outro dia eu entreguei e fiquei livre! [...] Quando eu sabia que uma coisa não podia, eu não fazia porque eu tinha medo de fazer e alguém contar. O medo impedia, eu não sei se era medo ou se era respeito, eu não sabia o que era. (Judite) (grifo meu) Uma vez me foi ofertado um livro de Jorge Amado: Dona Flor e seus Dois Maridos. Eu comecei a ler e desisti. Aquilo não é tipo de leitura, eu não gosto. Embora quando eu comentei que não gostei, as pessoas: ah!, se você ler todo, você vai gostar. Eu disse que não é o tipo de leitura que vai me agradar, aí dei pra outra pessoa e nem sei. As pornografias, as coisas dele, eu não gostei. (Nance) (grifo meu) Havia proibição, porque nem todo livro a gente pega pra ler. Porque às vezes tinha um livro que não era pra gente ler e a gente não podia pegar. [...]. Continuou a proibição, sim, mesmo depois de moça. Às vezes tinha um livro lá guardado na casa de minha vó e eu era muito miúda, então eu ia pegar pra ver. Depois eu ouvia: deixe esse livro lá, não pegue nesse livro não! (risos). Então não era coisa boa, se ela proibia! Isso não acontecia sempre. Era só curiosidade, ficava curiosa naquela hora, mas depois passava. Naquele tempo as crianças e até adolescentes não eram como hoje em dia. Se uma vó reclamasse, a gente obedecia igual a mãe. [...] Não tinha questionamentos. Tinha leitura proibida, mas não sei quais eram, não conseguia nem ver a capa! (Terezinha) (grifo meu) Julgar o teor das leituras como “coisa indecente”, “pornográfica” e como algo que “não era coisa boa” fez parte de um processo de construção a posteriori em relação a quando tais fatos sucederam. Foram expressões usadas em 2010 sobre experiências vividas por elas em tenra 96 idade, e que não seriam elencadas no tempo real ao fato, porque o julgamento que essas expressões reproduziram foram frutos de um aprendizado ao longo da vida, sob várias interferências. Quer dizer que, apesar da intuição ou saber daquelas leituras terem algo de pecaminoso, serem um erro, e do medo em torno do ato de ler tais coisas, outras expressões surgiriam. E até mesmo opiniões poderiam ser outras, se a inquirição a respeito se desse no momento real e/ou em outros contextos de interlocução. Afora isso, também os sentimentos causados sob aquelas leituras e sob a curiosidade perante elas foram, no momento das entrevistas narrativas, construções da memória em meio a valores e referências contemporâneos e desenvolvidos ao longo do tempo, e não estagnados numa data. As narradoras/leitoras Judite, Nance e Terezinha haviam falado sobre o pouco acesso a livros em que viveram, no entanto tiveram a oportunidade de ler livros não escolares e não religiosos e, a depender do tema, não o fizeram. Srª. Judite recusou-se, por medo de alguma punição, por ser “indecente” e por julgar “maldade” de quem lhe emprestou, induzindo-a a ler narrativas sobre sexo. Sra. Nance recusou a leitura de Jorge Amado, por ser “pornográfico”. Srª. Terezinha foi proibida de ler um livro ignorado por ela, pois não soube qual foi, e não teve acesso sequer à capa, apenas teve o alerta e a advertência da avó, ao suspeitar do risco de leitura, mas a censura foi aceita como obediência à curiosidade “engolida”. A falta de curiosidade, muitas vezes atrelada à obediência aos mais velhos, e o respeito, atrelado ao medo, levaram-nas à autocensura, reprimindo a si próprias e a suas leituras. Foi o que aconteceu com essas três, que preferiram atender a uma demanda de censura à leitura de romances. Imaginava-se que elas [mulheres] eram governadas pela imaginação e inclinadas ao prazer e, como não tinham ocupações sólidas, nada as afastaria das desordens do corpo, que são as piores. Muitas caricaturas associavam infidelidade e leitura[...] Mulheres leitoras eram um perigo (ABREU, 2006, p.102 e 103). O perigo estivera muito associado à leitura de romances que haviam conquistado o público feminino. Temiam que as mulheres se desvirtuassem e esquecessem sua função no lar como filha e esposa. 97 Convém não esquecer que a emergência da família burguesa [Brasil, séc. XIX], ao reforçar no imaginário a importância no amor familiar e do cuidado com maridos e com filhos, redefine o papel feminino e ao mesmo tempo reserva para a mulher novas e absorventes atividades no interior do espaço doméstico. Percebe-se o endosso desse papel por parte dos meios médicos, educativos e da imprensa na formulação de uma série de propostas que visavam ‘‘educar’’ a mulher para o papel de guardiã do lar e da família[...]. (D’INCAO, Maria, 2008, p.230) Os papéis da mulher como supervisora da casa e responsável e guardiã do bem-estar da família e da educação dos filhos foram valorizados e estimulados para que ela se comportasse atendendo a esses anseios e fosse educada visando a sair-se bem diante desses objetivos. Nessa intenção, o ócio feminino foi condenado porque ela precisava se ocupar de tarefas domésticas ou estar em formação para isso, mesmo quando estivesse fora de casa, a exemplo da escola. Saber fazer as atividades domésticas e casar era o objetivo da família para a jovem mulher da casa, ainda que não fosse sempre um consenso exatamente, como no caso da Srª. Nance. Ao final, era o comum a sobrevir: Eu aprendi a bordar logo, desde cedo, no convento [...] Eu, quando em casa, quando não estava estudando, eu estava fazendo os trabalhos domésticos, costurando, bordando... Ela [a madrasta depois que Sra. Nance voltou a morar com o pai] só me maltratava, às vezes, com palavras, com coisa que eu não ia me formar, que eu não ia casar, que eu ia viver como empregada dela... aquelas coisas [...] Eu sei que eu não pude estudar, me tiraram da escola normal [naquela época acontecia logo após a admissão] e eu só vivia como empregada mesmo e meu pai não percebia [...]. Ela não foi o tipo de madastra que convenceu não, só teve uma bondade que até hoje eu falo: me ensinou a fazer as coisas. Me ensinou o que é a vida, por isso hoje eu sou uma pessoa que estou aceitando tudo e tudo está bom. Isso eu agradeço a ela. [...] Eu fiquei moça, aí ele [o pai] disse logo isso, casa agora até com doze anos! (Nance) Por tudo isso, a leitura era vigiada e os romances – novidade em gênero – eram condenados e vistos como perda de tempo e corruptores do gosto e dos valores morais em voga. Por exemplo, ao descrever cenas de crime e sedução, independente de serem praticados por mulheres que as tivessem lido, sua leitura poderia incitar o desejo e oferecer novas visões a comportamentos considerados indecorosos e deploráveis. Leituras que ensinassem valores morais e religiosos eram indicados a todos, pela família, Igreja, escola, especialmente às mulheres, para as quais eram acrescentadas leituras outras que as preparassem para uma respeitosa e atenciosa vida no lar, dentro das perspectivas e expectativas masculinas. No entanto houve quem lesse livremente, por conta própria, o que quisesse na adolescência, a exemplo do romance Sabrina. Contudo a Srª. Mercês inicialmente não lê, mas quando cresce 98 mais um pouco e faz essa leitura sem que seu pai a proíba, tem dúvida a respeito da consciência dele sobre o teor desse romance. Já a Srª. Iristelma foi probida por sua mãe, todavia não abriu mão de ler e, para isso, lia escondido em sua cama: Irá [irmã mais velha] comprava também aqueles romances Sabrina e não sei o quê. Eu não lia, não, porque era uma leitura muito forte. Eu li Sabrina [depois]. [...] Meu pai não brigava assim, acho que ele nem ligava.[...] Eu acho que ele nem via o que a gente estava lendo, mas não era uma coisa assim de censura. Graças a Deus nunca peguei algum livro que [alguém] dissesse: olhe, isso não pode; olhe, isso não deve. [...] (Mercês) Depois de adolescente, já passei para os livros de Sabrina, esses livros assim. Mainha não gostava da gente ler, não, mas eu lia. Conseguia emprestado. Trocava com as colegas na escola, a gente trocava muito. Eu e aqueles romances! [suspiro e riso] [...] Relaxava, coisas de amor! Minha mãe me achava criança pequena para isso. [...]. Eu tinha doze, treze anos. É livro bom, a gente começava a ler e não queria mais parar. Lia, guardava em baixo do travesseiro, depois folheava, bom demais! Ela [mãe] não gostava muito não [...]. Tem um livro que eu tenho vontade de ler, mas eu ainda não achei para ler - A carne. Acho que é A Carne. Foi proibido esse livro. Eu ainda vou ler, acho que era esse título do livro. Acho que é um livro mais forte, foi proibido quando eu era jovem, só ouvia o tititi das colegas, mas eu nunca conseguia ler esse livro! Vou procurar e ainda vou conseguir ler. Está na minha lista de livros pra ler. (Iristelma) O rompimento instituído nas leituras de Sabrina, feitas pelas narradoras/leitoras Iristelma e Mercês, simbolizou outros cortes conquistados por essas narradoras/leitoras mais novas impostas à mulher. “A leitura não é apenas uma operação intelectual abstrata : ela é uso do corpo, inscrição dentro de um espaço, relação consigo mesma ou com os outros” (CAVALLO & CHARTIER, 2002, p. 08). Assim, é interessante observar algumas diferenças possíveis de serem inferidas por meio dos relatos entre gerações, especialmente contrapondo experiências dentre as vivenciadas pelas Sras. Judite e Iristelma. Contudo, antes de dar prosseguimento a esse comentário, é importante salientar o uso da palavra geração. A entidade CECREMAM poderia identificar uma única geração dentre seus 44 anos, ou assim ser entendida ao ser considerada, por exemplo, que todos os seus participantes, associados ou não, foram contemporâneos entre si. Portanto, retrataria e (re)significaria experiências de um grupo específico, incluindo-se aí as narradoras/leitoras dessa pesquisa, Não obstante, desejando retirar a substancialidade que a expressão geração exprime, nessa dissertação, ela é colocada para tão somente apontar distinções entre as narradoras/leitoras observáveis internamente em suas diferenças etárias. 99 Sob essa conjectura, foi percebido que a Srª. Judite, com 14 anos de idade, em 1954, guardou o livro embaixo do colchão para escondê-lo por medo, e quase não dormia à noite. Por sua vez, a Srª. Iristelma, com 12/13 anos de idade, em 1974/75, guardou-o embaixo do travesseiro, portanto mais facilmente à mão para lê-lo, “folheá-lo”, e o medo fora, nesse caso, substituído por relaxamento e pelo desejo de “não parar” a leitura. Soma-se a isso o desejo de Iristelma em satisfazer uma leitura não realizada, censurada na adolescência e que, por isso, foi inesquecível. As narradoras/leitoras Maria da Purificação, Vanda e Judite disseram não lembrar terem sido tolhidas de fazerem alguma leitura, embora tenham associado isso à falta de livros, justificando a não censura ou proibição em ler porque os livros dispostos eram os escolares, e também porque “naquela época” a obediência era maior, a curiosidade era contida e carregavam isso consigo. Apesar disso, as duas últimas relataram diferenças entre a permissividade entre homens e mulheres. Vale lembrar que algumas das narradoras/leitoras, especialmente as mais velhas, viveram muitas experiências de tolhimento à mulher, que fizeram eco com as reflexões aqui postas sobre a leitura feminina de romances em relação ao seu entorno social referente às distinções de gênero. Sobre isso, Srª. Judite declarou: “existia mais coisas proibidas para as meninas do que para os meninos” [...] “Pra gente sair, tinha que ir com as velhas. Ele [o pai] não gostava que a gente dançasse e a gente não dançava” e também mais para crianças do que para adultos: “Ele não gostava que os meninos jogassem bola, pra não se misturar com outros colegas”. Ela lembrou ainda que ajudava irmãos a saírem de casa escondidos dos pais: “Os meninos pulavam a janela e eu ficava de vigia, deixava as janelas fechadas e uma outra aberta. Quando os meninos chegavam, saltavam a janela, entravam e meu pai não via”. A mulher apresenta-se conivente e colaboradora do sistema masculino. Vanda lembrou: “a gente nem podia assobiar, senão era moleque macho. Os meninos podiam assobiar, já que eram homens” e declarou que o pai era muito rígido: “naquela época, sair de casa, só se fosse casada”, no entanto segundo ela mesma, ela e o marido entenderam a saída de sua filha solteira, quando lhes informou sobre a decisão de sair de casa, ilustrando mudanças e entendimentos trazidos com o tempo. 100 Todo esse mundo em que estiveram inseridas, mesmo não se dirigindo especificamente à leitura, moldaram e direcionaram, em alguma medida, seus gostos, concepções, modos e temas de leitura. Consequentemente, a autocensura leitora acompanha e coexiste com outras escolhas na vida, dentro do mesmo parâmetro preconcebido. As narradoras/leitoras Mercês e Iristelma foram exemplos de pertencimento a outra geração. Portanto o tempo contemporâneo à adolescência delas se encarregou de somar àqueles outros discursos novas possiblidades que essas duas captaram, e com os quais se identificaram, ao ponto de comportarem-se diferentemente de suas “mães”, pois já não cabiam o mesmo rigor e obediência. Como resultado fizeram leituras sem absterem-se ou punirem-se perante outro credo ou comportamentos. 3.2 Mesmas leitoras, novas representações O valor da leitura foi indiscutível entre as narradoras/leitoras, sempre associando-o à importância do conhecimento e o colocando como motivo para a realização de leituras. Elas consideraram sua importância algo incondicional e de suma relevância ao desenvolvimento intelectual e pessoal, conforme defende a narradora/leitora Iristelma: “A leitura em si, eu acho que é um universo assim diferente, que acrescenta. A leitura sempre vai lhe acrescentar mais e mais aprendizado”. Observa-se um discurso edificante à leitura, embora simples e sem aprofundar no tema. O conhecimento como motivo para leitura evidenciado por elas indicou a visão socializada da leitura para o conservadorismo, que, por sua vez, esteve muito atuante no viés pedagógico das instituições aqui contempladas e destacadas. No entanto nem o conservadorismo, especialmente aceito e adotado em geral pelas mais velhas, característico em tantas ações nas vidas das narradoras/leitoras que compartilhavam de instituições e da comunidade, nem o entendimento coletivo da leitura atrelada ao conhecimento significaram unidade sem distinções nas concepções, representações e práticas experenciadas por e entre elas. Em contrapartida, outras tantas leituras foram citadas pelas narradoras/leitoras com tranquilidade, sem o frisson ocasionado pela rememoração do medo ou do desejo perante 101 determinadas leituras. Foi o caso quando falaram de leituras para o entretenimento e a fruição, como especificamente revistas em quadrinho, piadas, romances românticos, entre outros, bem como quando trataram da leitura para o conhecimento em geral ou aprendizagens pessoais. A leitura concebida e associada em prol do conhecimento e do crescimento pessoal pode levar mais facilmente a classificações estigmatizadas e maniqueístas sobre ela e/ou sobre os leitores. Também por isso nem todas se sentiram à vontade para realizar leituras em suas vidas ou em fases dela sobre quaisquer temas indiscriminadamente, por exemplo, ‘leituras picantes’. Essa resistência é reforçada historicamente pelas instituições Igreja, família e outras, que procuravam classificar o conteúdo das leituras, indicando e distinguindo entre “boas” e “más”: [...] os poderes, fossem eles civis ou eclesiásticos, senhoriais ou coloniais, monárquicos ou republicanos, revolucionários ou contra-revolucionários, paroquiais ou familiares, sempre tiveram consciência de que a relação do leitor com o texto tinha qualquer coisa de incontrolável e sempre defenderam a idéia de que existem boas e más leituras, boas e más interpretações dos textos, dos livros, das imagens, dos discursos, do teatro, dos filmes. (BELO, 2002, p. 55 e 56) Sob essa opinião, apontavam resquícios cristalizados a partir da sua formação, como os informados pelas Sras. Nance e Judite. A narradora/leitora Nance associou boa leitura às boas escolhas: “Leitura é você ler alguma coisa importante. Ler um livro bom” que para ela, por exemplo, não seriam “pornografias de Jorge Amado”, mas “lindas histórias de amor”. A narradora/leitora Judite classificou o modo de expor oralmente a leitura e pensou no domínio do código escrito e na leitura ideal enquanto aquela que não faltassem “os erres e esses”, a sílaba, o ponto, que não “engula a pontução”, e completou: “você não sabe onde está vírgula, não sabe nada”. A opinião da Srª. Nance reproduziu seu gosto pessoal que, por sua vez, fez eco com o que fora construído historicamente, ajustando a leitura a um molde normativo preconcebido. No entanto, a narradora/leitora Iristelma afirmou que não há leituras ruins, pois as leituras acontecem de acordo com o gosto de cada leitor. Todavia também alertou para a necessidade das pessoas fazerem escolhas que lhes acrescentassem algo “que lhe trouxesse ensinamentos para o seu dia a dia e melhora como pessoa”, porque “aprende-se com a experiência do outro ou com aquela leitura”. A narradora/leitora Vanda refletiu nesse aspecto mais sobre o leitor do 102 que sobre a leitura, associou a necessidade de ser inteligente para ser bom leitor e disse: “quando ouço a palavra leitores acho que é uma pessoa inteligente, muito inteligente que sabe se expressar bem. O leitor, eu acho que é isso.” Observa-se acima falas contaminadas pela ideia do livro e leitura sacralizados, ainda assim não há nesta pesquisa o julgamento de haver opiniões e entendimentos errados ou indevidos, acertados ou equivocados em nenhuma das narradoras/leitoras, em nenhum momento, pois “não há obras boas e ruins em definitivo. O que há são escolhas e poder daqueles que o fazem. Literatura não é apenas uma questão de gosto: é uma questão política” (ABREU, 2006, p.12). Classificar as obras como boas ou más e também leitores e interpretações, que, por extensão, não devem ser tratados nessa visão simplista e reducionista, acarreta a censura e implica em representações e concepções mais engessadas a respeito disso. São escolhas de posicionamento e classificação a partir dos próprios critérios que passam por vertentes também subjetivas e sujeitas à construção histórico-cultural. Apesar da ecleticidade leitora referente a opiniões e interesses entre elas, as narradoras/leitoras Vanda e Terezinha, no início do encontro para a entrevista narrativa, acusaram-se no interior do “discurso da ausência da leitura” (ABREU, 2001) ao temerem o que dizer e julgarem-se equivocadamente como não leitoras: Srª. Vanda, por afirmar não ler, e Srª. Terezinha, ao assumir ler as revistas de moda e, a princípio, não reconhecer nesse ato leituras. Essa reação converge com reações de outras mulheres entrevistadas por Anne-Marie Thiesse na França e por Lyons e Taksa em Sidney (LYONS, 1998): “Elas renegavam sua própria competência cultural”. Segundo Lyons, elas aceitavam as opiniões que defendiam que as mulheres eram “intelectualmente inferiores e de pouca leitura” ao ponto de qualificarem suas leituras de ficção como “ ‘lixo’ ou ‘baboseira’ ”. Apesar da insegurança demonstrada no início de suas narrativas, no decorrer do processo foram sentindo-se mais à vontade e reconhecendo suas leituras enquanto leituras de fato e de direito, especialmente na ordem do religioso e, no caso da Srª. Terezinha, também em relação ao seu trabalho como costureira, mostrando, ao longo das narrativas, superação em relação a imagens leitoras preconcebidas. Apesar dessa superação, faz sentido tentar entender os motivos dessa reação inicial. 103 Las lecturas poco legítimas, las que no son literárias, las que están al servicio de otras actividades, las lecturas cortas o discontinuas y/o documentales y/o informativas son totalmente omitidas por los encuestados si no se toma la preocupación de redactar preguntas que apunten a este fin. Lo que hace que estas prácticas sean imperceptibles y no recordables como “verdaderas prácticas de lectura” es lo que las transforma en no declarables en las encuestas. (LAHIRE, 2004, p. 171) Uma das explicações, portanto, para essa insegurança estaria na própria entrevista narrativa para fins acadêmicos que, para elas, poderia resultar no confronto e na perpetuação de alguns tabus. Ou seja, se por um lado essa situação pode levar a “respostas” supostamente desejadas pelo entrevistador aos olhos do entrevistado, por outro lado pode-se levar à minimização dos seus atos leitores por vergonha, nervosismo ou medo de ser flagrado em uma “mentira”. Na internalização dessa visão, que pode ser inconsciente, torna-se “mais garantido” dizer-se não leitor. Além disso, foi naturalmente necessário tempo para adaptar-se aos recursos audiovisuais presentes – gravador e filmadora. Iniciar o processo narrativo estimulando as memorizações da época da escola e não encerrar, obviamente, a entrevista narrativa mediante a primeira negação leitora oportunizaram, no decorrer do encontro, a confiabilidade necessária para expressarem-se e, assim, propiciaram uma melhor consideração sobre as práticas de leitura das narradoras/leitoras, revelando as descobertas das leituras didáticas, em vista da garantia de que haviam feito tais leituras, pois previamente se sabia que todas estudaram as séries iniciais. Outra explicação, contudo, à demonstração desse sentimento pode ser seu entendimento como fruto de um discurso que atravessa gerações no Brasil, colocando como base o cenário europeu sob a ótica de viajantes seus para o Brasil a partir de relatos/denúncias sobre brasileiros, como Luccock, no início do século XIX, influenciando opiniões de escritores e intelectuais que sedimentam a ideia da ausência da leitura no Brasil, conforme exemplifica Abreu (2001). É um discurso que ainda vinga, constrange e afeta a forma de ver-se enquanto leitor. Ele está presente também na escola, na mídia, na boca do povo e, consequentemente, requer um investimento maior também de ordem pessoal para derrubar esse mito, pois atinge negativamente nas representações das leituras em geral e de si mesmo. “A leitura mítica nos cega para as práticas de leituras cotidianas” (ABREU, 2001, p.152). O obstáculo em romper 104 com esse mito mais a obrigatoriedade enquanto dona de casa e mulher, de cumprir determinadas funções e tarefas que muito lhes exigiam, dificultaram verem-se ou serem vistas como alguém em que basta a “admissão” e, consequentemente, comprometeu, em dado momento, a visão de si enquanto leitoras. Assim, não poderiam suas revistas de costura serem vistas como leituras.16 No entanto o desenvolvimento da leitura, depende do quanto cada um se debruça para esse fim, embora também “condicionado aos processos sociais, produzindo sentidos e se inserindo em uma dinâmica social na qual o leitor tem um lugar e uma referência de si, do outro e do mundo que o circunda” (CORDEIRO, 2008, p.197). Assim os encaminhamentos adotados por cada uma em relação à leitura em suas vidas e a percepção e a representação que reproduziram de si e da leitura diziam respeito aos investimentos feitos e sentidos, que foram oriundos do confronto entre diversos olhares e concepções sociais e individuais. Portanto, também foram atitudes condicionadas aos processos sociais experimentados, sentidos e reagidos por cada sujeito: rompimentos gradativos às concepções aprendidas, aceitas e acomodadas internamente; (não) investir-se, investir-se menos do que sua capacidade. “Las prácticas de lectura o de escritura, al igual que otros comportamientos sociales, no pueden seperarse del contexto en el que se desarrollan” (POULAIN, 2004, p.45). As atitudes das narradoras/leitoras quando desprovidas de preconceito também se aplicam aqui, quando se tratou da assiduidade leitora a temas diversos, independente de sua quantidade, bem como quando assumiram a postura de escritoras como as Sras. Nance e Mercês. As narradoras/leitoras Iristelma, Nance, Mercês, Judite e Maria da Purificação foram assíduas em um leque maior de leituras diferentes, enquanto as narradoras/leitoras Vanda e Terezinha foram assíduas dentro de um recorte temático. No entanto, elas têm um quadro comum de leitura: livros didáticos, livros religiosos católicos, os livros e materialidades afins do CECREMAM. 16 “Teste de admissão” foi um exame em que estudantes que estavam no final do “primário”, equivalente ao Ensino Fundamental I, eram submetidos e se aprovados estariam aptos a cursar o “ginásio”, equivalente ao Ensino Fundamental II. Todas as narradoras/leitoras foram contemporâneas desse recurso. 105 Aqui do CECREMAM mesmo eu já li muitos livros religiosos, são mais religiosos e revistas que seu Antônio traz, revista que eu recebo. Eu já li muitos livros. Agora, para eu lhe dizer os texto, eu não lembro assim pra lhe dar. Teve também um de poesia que até como Mercês e o padre que agora é faleceu a poucos dias, padre Antonio Elias[referência a Pórtico Poético]. Tem livro de Santa Rita de poesias [referência a Santa Rita na Lira dos Poetas] e aquele livro outro Conselhos de Santa Rita. (Judite) Eu lembro do [livro] de Tonho[irmão mais velho,fundador do CECREMAM], acho que tinha Mercês livro com ambos é Pórtico Poético]. Acho que teve mais alguém que lançou livro, eu só não estou lembrada quem. (Vanda) ...Ah, sim!, Flores-Trovas a Maria..[...] E aqui foi uma coletânea que o CECREMAM organizou com alguns autores[ela mostra ambos, o segundo é Pórtico Poético]. (Nance) Foram citados do Centro Cultural materiais impressos diversos. Dentre eles o livro Pórtico Poético recebeu destaque, talvez por agregar valores em torno do seu contexto de produção. Quer dizer, ter cunho mais profissional, inclusive se for usado como parâmetro o fato de haver ficha catalográfica, ser livro de poemas, haver poemas de cecremanos, ou ainda por ter sido o último livro lançado pelo Centro Cultural, embora há cerca de 15 anos. O lançamento aconteceu em meio a um evento que chamava mais atenção, como o caso dos Encontros de Poetas. De Civilidade para Pórtico Poético também houve transformações evidentes. Enquanto o primeiro teve um caráter estritamente formador de comportamento e não foi produto do CECREMAM, o segundo foi um livro de poemas organizado pelo Centro Cultural em que houve a presença de estilos diferenciados, cujos autores não faziam parte do que seria considerado canônico na literatura. Segundo Srª. Mercês: Foram convidadas pessoas que gostam de poesia, que gostam de Literatura, que tivessem alguma coisa pra dizer, que tivessem alguma coisa pra mostrar, aquele sentimento... aquelas coisas. Reuniu algumas pessoas que ele [professor Antônio] conhecia e outros que a gente também conhecia, então foi uma forma de idealizar, de integrar outra maneira do outro escrever e do outro fazer. Os autores dessa coletânea de poemas foram de idades, escolaridades, profissões e naturalidades diferentes. Entre eles, a cecremana entrevistada Maria Mercês que, em sua narrativa, descreveu assim a poesia: “a poesia está no dia a dia, a poesia está em tudo, 106 entendeu? Mesmo que seja meio forte ou meio revoltada, você está ali expressando um sentimento e eu acho que poesia é isso. Você dá àquela visão um sentimento (risos).” 17 Srª. Maria Mercês contou sobre aspectos do processo de divulgação e financiamento desse livro: [...] diante da dificuldade que se é pra publicar um livro, houve uma campanha que nós fizemos aqui também com o professor [fundador CECREMAM] e os que participaram [do livro]. [...] Foi dividido pra gente ir pagando a impressão, a digitação e essas coisas todas, porque mesmo a Universidade [UEFS] ajudando, tem outras coisas. [...] Assim foi feito um folhetozinho [...]pra ajudar no custo da publicação do livro. [...] Os folhetos eram pequenos, margeados com bordas vermelhas. As pessoas recebiam um grupinho daqueles folhetinhos e de cada um autor [...] cada um [poeta do livro] teve o seu em quantidades iguais pra distribuir, cada um tinha de se virar, entendeu? [...]em função da publicação do livro. [...] Éh! de centavinho, em centavinho, um ajudava mais, outro ajudava menos, mas a união, sabe, né?, faz crescer. [...] Dessa forma também foi uma maneira de divulgar boca a boca, pois ao distribuir os folhetos ou ao pedir colaboração para esse folheto, a gente ia falando: tal dia vai ter o lançamento e eu aviso a vocês. [...] Então isso ajudou a divulgar mais, porque a gente não teve, assim, um apoio da imprensa ou de um outro jornal pra divulgar ou uma emissora de rádio, não teve. Eu acho até que seria mais interessante e mais forte, mas isso não deixou que acontecesse, mas ajudaria, vamos dizer assim, né? [...] embora o boca a boca ainda seja arte mais fácil e mais barata [risos]. Assim, o livro foi produzido pelo CECREMAM de forma autônoma, independente em quase todas as etapas e, posteriormente, contou com o auxílio da gráfica da UEFS para a reprodução do material já pronto. Sua capa foi uma foto, sugerida pelo seu fundador, do portal de entrada no interior da prefeitura de Feira de Santana, escolhido por causa da sua beleza arquitetônica. Sobre isso, disse ainda a narradora/leitora, e também escritora, Mercês: O nome Pórtico Poético foi sugerido pelo seu Antônio [fundador do CECREMAM] que falou sobre Pórtico, então seria uma entrada para os novos poetas, digamos assim, na maneira de mostrar o seu trabalho [...]. Ele lembrou que o pórtico da prefeitura não 17 Autores da coletânea Pórtico Poético: A Sra. Maria Conceição Drumonnd Alves e o Sr. Nilton Geraldo Vieira, ambos de Minas Gerais. Os Senhores Antônio Elias dos Santos, já falecido, que era padre da Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro no bairro do Tomba, em Feira de Santana; Ilário de Azevedo, também falecido, e professor Antônio Ramos da Silva, fundador do CECREMAM, ambos da Academia de Letras de Feira de Santana. Os jovens Bruno Fabrício de Almeida da Silva, de Salvador, que na época era estudante de Letras da Universidade Federal da Bahia – UFBA; Flávio Antônio Alves de Lima, de Salvador, apresentado por seu amigo Geovane Satorno, que auxiliou em organizações do CECREMAM, comemorativas ao Bicentenário de Nascimento de Maria Quitéria – época em que o referido livro fora idealizado. Hosanah Costa Araújo, comerciante da extinta livraria Mirim em Feira de Santana. 107 é visto pelas pessoas porque nem todo mundo entra na prefeitura. [...] usando o “pórtico” da Prefeitura e “poético” em relação aos que estavam fazendo parte dele. Foi sugerido e todo mundo aceitou, né? O livro Pórtico Poético foi completamente repassado, sendo por venda ou oferta, e cerca de 10 livros foram entregues para cada um dos seus autores. A comunidade em questão e os cecremanos tiveram acesso ao livro, tenha sido pela compra, pelo empréstimo ou pela audição de muitos dos poemas ali presentes, ocorrida quando do seu lançamento. Dessa forma, houve o “consumo cultural” do que foi fabricado no próprio grupo, contrariando as “perspectivas que consideram os consumos culturais como forma de “produção” que, certamente, não fabrica objetos” (CHARTIER, 2007, p. 31). A narradora/leitora/escritora Mercês não apenas participou de Pórtico Poético, mas também do livro Poetas Feirenses. Uma coletânea, tendo sido, segundo ela própria informou, “uma ação conjunta da Rádio Nordeste FM, acho que a Rádio Subaé e o Jornal Feira Hoje” na década de 1990. As narradoras/leitoras Iristelma e Nance também não devem ser preteridas dessa terceira categoria, quer dizer, escritoras, embora sem livros lançados. A primeira, com o hábito de ler escrevendo em agendas, no interior do livro lido, inserindo suas opiniões, dúvidas ou reescrevendo o que mais tenha chamado sua atenção. A segunda, também produtora textual de poemas e mensagens diversas em prosa, ao organizar seus cadernos, álbuns e classificadores. Srª. Nance falou, entre sorrisos, sobre o desejo de escrever um livro sobre sua vida. Ela possuia a prática de escrever poemas e mensagens sobre e para seus filhos, netos, noras, amigos, demais parentes, situações do seu cotidiano, às vezes, atendendo o pedido de alguém para que escrevesse algo em casamento ou aniversário, por exemplo. Logo, é possível inferir, com base nas falas ao longo deste capítulo, que a escola cumpriu papel importante na inserção delas na leitura. Foi o local principal do processo de alfabetização e do contato com os livros, embora basicamente didáticos, pois nas famílias da maioria delas o livro foi um bem escasso. “Em nossa cultura, quanto mais abrangente a concepção de mundo e de vida, mais intensamente se lê, numa espiral quase sem fim, que pode e deve começar na escola, mas não pode (nem costuma) encerrar-se nela” (LAJOLO, Marisa, 2000, p.7). Do mesmo modo as entrevistadas não liam apenas na escola e na ausência dela não puseram fim a essa prática, apesar de terem tido os sonhos de ampliação dos estudos ceifados pela vida. As relações interpessoais e pessoais versus instituicionais foram 108 importantes no desenvolvimento e no avanço que elas tiveram, na inserção e prosseguimento da leitura, independente se no viés intensivo ou extensivo, aqui apresentadas sobretudo em categorias familiares, profissionais e comunitárias em torno do CECREMAM, da família e da escola. Independente das características formadoras e formais presentes nessas instâncias e ainda que tenha havido declarações ou expressões minimizadoras desse efeito e por, em dado momento, algumas não terem se considerado com segurança como leituras e suas leituras como leituras, elas tiveram um ponto de partida. As práticas de leitura envolveram aspectos sociais e históricos do indivíduo e, por isso, igreja, família, escola, associações, a exemplo do CECREMAM, exerceram influência, embora tais práticas superassem o espaço, a dominação e a determinação dessas instituições e tivesse sido impossível a essas instituições controlar totalmente as escolhas e os modos de leitura de cada indivíduo dentro do arcabouço sacrossanto. Portanto, a tutela, a vigilância e a guarda ou determinados encaminhamentos e diretrizes para a leitura dessas naturezas não asseguram total controle do(a) leitor(a), porque, além destas e de outras instituições, houve pessoas, como as colegas da escola, para estimular e trocar Sabrina ou, a exemplo de Srª. Judite, que segundo ela própria, descendentes suas leram livros que ela recusou por seu teor. Dessa maneira, ao longo da vida de cada uma, direta e indiretamente pessoas exerceram influências dentro de perspectivas e expectativas, sobretudo pessoais, ocorridas nas escolhas de leitura. Por meio do acesso às opções existentes, das necessidades, imposições e transgressões, as escolhas foram feitas, bem como reflexões foram acontecendo sobre instituições e pessoas influenciáveis até dado momento. As instituições, as entidades, as pessoas, as práticas e os modos em um período da vida não estão fadados ipsis litteris a serem os da vida inteira ou da mesma forma a vida inteira, e os leitores, mesmo pertencentes ao mesmo grupo, mesma “geração”, são leitores diferentes, compondo histórias diferentes. Para tudo isso ser alcançado nesta pesquisa, foi importante e necessário ouvir suas histórias e perceber que, embora sejam do mesmo gênero e compartilhem ou tenham compartilhado do mesmo Centro Cultural, tenham em geral a mesma profissão e pertençam à mesma comunidade ou com ela se relacione, também, mesmo quando revelam características 109 escolares e nível de escolaridade próximos, há distinções entre gerações, e no interior de cada geração as diferenças continuam. Nem sempre as diferenças apareceram, contudo cada leitora e cada leitura são únicas. 110 CONSIDERAÇÕES FINAIS Basear este trabalho de pesquisa em pressupostos da História Cultural e da Sociologia da Leitura demonstrou ser mais um estudo sobre a leitura. Possibilitou reconhecer representações e a diversidade que constituíram a vida de sete mulheres pertencentes ao Centro Cultural Récreo-Educativo Monsenhor Amílcar Marques, além de valer-se das reflexões sobre a leitura e suas práticas, no que concerne aos espaços e redes de socialização em que elas aconteceram, segundo vivências dessas sete mulheres que teceram narrativamente suas leituras. Portanto foi uma pesquisa importante para o fortalecimento dos estudos sobre a leitura e histórias de leitura, especialmente por ter contemplado leitoras populares comuns, costureiras em sua maioria e algumas também bordadeiras, tornando visivéis leitoras à margem dos dados oficiais. Leitoras que censuravam a si mesmas, leitoras que transgrediam a censura de outrem. Também estudos sobre narrativas cooperaram para o melhor entendimento sobre o dito e o não dito, memória e temporalidade, o revelado e o silenciado, enfim, subjetividades humanas, sobre o objeto de pesquisa e pesquisadora juntos no tempo presente, especificando o tratamento dado aos sujeitos da pesquisa na metodologia escolhida. Vale ressaltar ainda que as subjetividades que marcaram a construção desse estudo intercalaram vozes desdobradas em processos narrativos e pessoais diretamente implicados na pesquisa, marcados por atos de escolha. Escolhas por um tema de pesquisa, por sujeitos e, por outro lado, a escolha das entrevistadas do que seria contado especificamente sobre o tema e do como seria narrado que, por sua vez, geraram novas escolhas subjetivas para o viés das análises feitas. O ato de escolha implica em rupturas presentes no processo de (re)construção dentro do arcabouço que perpassou na dinâmica da ordem do pessoal, coexistindo em ambos os lados da pesquisa, ou seja, pesquisadora e entrevistadas, a partir de uma demanda de expectativas natural de existir. Sujeito e experiência também (re)apareceram dentro de uma nova visão da narrativa – na relação entre as narradoras e as suas realidades narradas, especialmente suas realidades leitoras. Ao contarem sobre fatos de suas vidas, lembrando seus pais, irmãos, escola, infância 111 e juventude, casamento, retomaram as dificuldades vividas, geralmente de ordem socioeconômica, especialmente na infância e juventude, bem como outras, de caráter mais pessoal, que dificultaram a continuação dos estudos e intrinsicamente relacionaram-se a suas formações leitoras. Esta pesquisa referendou histórias de leitura, escutando e apresentando formas das entrevistadas narrarem a si mesmas, seu lugar social enquanto filhas, irmãs, vizinhas, donas de casa, religiosas, cecremanas, esposas, mães, mulheres e representações dessa rede de relações. Nas representações que construíram, apesar das aproximações marcantes, houve diversidades entre elas, principalmente observáveis pelas faixas etárias distintas, que, associadas a outros fatores sociais, econômicos e culturais, fizeram com que algumas delas nem sempre tivessem se percebido como leitoras, enquanto outras, por sua vez, se reconhecessem para além de leitoras, escritoras. Temas, gostos, necessidades e hábitos conferiram a elas possibilidades de inúmeras práticas de leitura, dando-lhes o direito de desistir, de reler, de dormir, de desejar ou não a leitura. Leitoras ouvintes, leitoras orais, leitoras silenciosas, leitoras escritoras, escritoras ocasionais ou frequentes. Duvidar-se como leitora, aceitar-se como leitora, ver-se como leitora. Antes filhas e alunas envoltas em uma gama de dificuldades, que em determinados momentos e circunstâncias as podaram, limitaram e frustraram. Depois, mães e profissionais em casa e/ou fora. Conservação e rompimentos a partir do que liam e como liam e por que liam apontaram possibilidades de convivência, afinidades, equalizações e distinções entre o conservador e o moderno em suas práticas leitoras, em suas vidas, em seu legado. Percebeu-se em gradações diferentes que, assim como as práticas e intenções de leitura, o leitor, ou especificamente, as leitoras mudaram ao longo de suas vidas, a despeito do caráter rígido característico em seu processo formador enquanto leitoras. Enfim, houve avanços em suas caminhadas como leitoras que foram: a) Seja no ato da leitura, na diversidade de temas e de autores que agregaram a outras leituras, de livros didáticos a não didáticos, de leituras religiosas a não religiosas, de textos não literários a literários; b) seja no entendimento de si enquanto leitoras, independente de uma intelectualidade idealizada e imposta em uma composição de imagem de leitor, embora duas tenham demonstrado insegurança quanto a isso no início de suas narrativas; c) seja no fato de transgredir a materialidade livro, riscando-o ou 112 cortando-o d) seja por habituar-se a escrever mensagens e/ou poemas quando inicialmente eram copistas. Nas histórias de leitura, os livros e os impressos em geral ganharam visibilidade nas narrativas, mas eles não falaram por si sós. Todo o aparato em torno falou também: a) a materialidade e o suporte, a apresentação do livro; b) as condições internas e externas ao ato de ler, fossem aspectos cognitivos e emocionais, fossem aspectos sociais, culturais; c) e ainda locais (igreja, escola, família; cama, sofá, cadeira, em baixo de árvore) e motivos (conhecimento, entretenimento ou outros) que as levaram à leitura. Da mesma forma, a visibilidade comumente posta no conhecimento como finalidade principal da leitura concordou com as narradoras/leitoras, pois o conhecimento foi motivo destacado por elas para a leitura, no entanto ele não se apresentou como única finalidade possível e válida. Entretenimento e prazer também apareceram. Em meio a motivações para a leitura, elas foram apresentando-se em ressonância com modos e lugares, afinal Sabrina, por exemplo, não fora lida nos bancos escolares em voz alta na presença da professora. Houve desdobramentos para além desse Centro Cultural, no que diz respeito a aspectos formativos e a práticas leitoras. Mesma sociedade, mesma comunidade e instituições e agremiações implicadas em suas vidas, enfim, grupos sociais com valores e ensinamentos homogeinizantes enredados no conservadorismo e na leitura atrelada ao conhecimento não impediram distinções. Houve diversidades em meio a ambientes cujas vozes foram uníssonas. Assim, embora elas conservassem valores, conceitos e imagens idealizadas e aprendidas sobre a leitura, sacralizando-a especialmente na escola e no CECREMAM, ao mesmo tempo algumas conseguiram superar outros valores e imagens sobre a leitura. Por outro lado, o Centro Cultural, conservador, dessacralizava a leitura, ao sugerir que elas acontecessem e que podiam ocorrer ao ar livre, embaixo de árvores, em outras materialidades afora o livro, como em canecas e camisas, entre outros. Esse tipo de dessacralização da leitura não é inaugural ao Centro, já ocorria no século XIX. No entanto, independente disso, ele contribuiu para o ingresso e o hábito da leitura, representando o acesso a um capital simbólico representativo em uma cultura livresca. 113 Por tudo isso, o leitor que somos está em frequente (re)construção ao longo dos séculos e no decorrer de cada biografia. Dessa forma essa pesquisa apresentou-se como superação e aprendizagem, e assim o trajeto se preencheu. O trajeto da leitura, da narrativa, da pessoalidade, da vida transforma-se e modifica-se a cada contexto e temporalidade, porque plurais são os textos que lemos e nos leem, que narramos e nos narram, que construímos e nos constroem. Plurais são nossas andanças, plurais somos nós. Tamanha pluralidade corrobora para que o olhar posto aqui não desse conta de todas as possibilidades que essa pesquisa, com seus elementos e fontes − tema, agremiação e seu acervo, mulheres, narrativas − perspectiva de uma suscitaram. Afinal ela foi o recorte de um todo, sob a pesquisadora em dado momento, demanda, circunstância, amadurecimento e propensa a um assunto e a uma abordagem. As lacunas, porém, foram bem vindas porque propõem e inspiram novos estudos e traduzem a esperança de despertar interesses em novos pesquisadores. Além da leitura como abordagem temática, a exemplo desta pesquisa, o Centro Cultural e seu acervo propiciariam outras possibilidades de estudo, por exemplo, em história institucional, comunitária e religiosa; liderança comunitária; literatura e produção literária por meio das publicações cecremanas; recepção; imagens gráficas, fotos, ilustrações e heráldica; linguagens e semiótica; (auto)biografia em novas intercorrências com outros ou mesmos sujeitos envolvidos e classificáveis em outras distintas ou iguais categorias. O convite para novas andanças na tessitura do que há de vir está feito. 114 FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Fontes: Entrevistas narrativas com 7 mulheres. Gravação disponível em cd com a pesquisadora. Feira de Santana-BA, dezembro de 2010 (fontes orais). Livro de Ata da Ala adulta do Centro Cultural Récreo-Educativo Monsenhor Amílcar Marques. Arquivo do CECREMAM, Feira de Santana-BA, 1966. 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Acervo do CECREMAM, Feira de Santana, 1985 e 2001. 115 Livro Pórtico Poético do Centro Cultural Récreo-Educativo Monsenhor Amílcar Marques. Arquivo do CECREMAM, Feira de Santana, 1996. Livreto Mini Coletânea de Hinos e Canções Cívicas para as comemorações dos 500 anos do descobrimento do Brasil do Centro Cultural Récreo-Educativo Monsenhor Amílcar Marques. Acervo do CECREMAM, Feira de Santana, 2000. Esculturas, canecas, camisas, chaveiros, marcadores de páginas do Centro Cultural RécreoEducativo Monsenhor Amílcar Marques. Arquivo do CECREMAM, Feira de Santana, 1973 – 2008. 2. Referências: ABREU, Márcia. Diferença e desigualdade: preconceitos em leitura. in MARINHO, Marildes (org.). Ler é navegar: espaços e percursos da leitura. Campinas, S.P. : Mercado de Letras: ALB, 2001. ABREU, Márcia. Diferentes formas de ler in______ PERUZZO, Cicília M.K.; ALMEIDA, Fernando Ferreira (Org.). A mídia impressa, o livro e as novas tecnologias. 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São Paulo: Global, 2003. 120 ANEXO A APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA DA UNEB PARA REALIZAÇÃO DA PESQUISA EM CAMPO (REFERÊNCIA NA PÁG. 17) OBS.: O TÍTULO DA PESQUISA FOI MODIFICADO, MAS ISSO FOI PREVISTO NO PROJETO ENTREGUE AO COMITÊ, BEM COMO NO DOCUMENTO ENTREGUE ÀS ENTREVISTADAS. 121 ANEXO B MODELOS ESCANEADOS DAS CARTEIRAS DE SÓCIO-FUNDADOR (ACERVO DO CECREMAM) (REFERÊNCIA NA PÁG. 32) FRENTE VERSO 122 ANEXO C BANDEIRA DO CECREMAM: TRANSCRIÇÃO DE ATA COM DESCRIÇÃO HERÁLDICA E FOTOS TIRADAS DO ACERVO DO CECREMAM (REFERÊNCIA NA PÁG. 34) Fragmento retirado do livro de Atas da Ala Adulta do CECREMAM, segundo Ata lavrada por Maria da Purificação Ramos da Silva, referente à reunião de 27 de março de 1966 quando a bandeira do CECREMAM foi aprovada posterior a explicação de sua heráldica: “[...] As cores verde, amarelo, azul, branco e vermelho homenageam ao Brasil e ao estado da Bahia com as mesmas significações que tem nas bandeiras do país e do estado em apreço. O amarelo, além da supracitada significação, simboliza também o ouro da boa vontade e do esforço apreendidos pelo homenageado – Monsenhor Amilcar Marques – pela causa do Bem e ainda o ouro da boa vontade, do esforço e da dedicação que também serão apreendidos por todos os componentes do Centro, pela mesma nobre causa do Bem comum. As três árvores é uma homenagem a flora brasileira através dos Eucaliptos pelo seu alto valor nas indústrias madeireira, medicinal e perfumista do País, e ainda homenagem ao Bairro dos Eucaliptos, onde o Centro está situado. A disposição das árvores em sentido ascendente simboliza o sadio ideal dos cecremanos em constante ascensão em busca da perfeição. O círculo branco simboliza o círculo da paz, harmonia e compreensão que deve envolver o Centro nas pessoas e nas atividades de seus componentes. A esfera azul é o Centro por excelência apresentando os símbolos de seus objetivos: A Cultura simbolizada no livro aberto, a Recreação simbolizada na tocha acesa, as duas estrelas que separam a sigla da data de fundação no círculo branco representam os olhos de cada cecremano que deve estar sempre alerta para o mal, a fim de o combater, e para o bem, a fim de o defender.[...] As faixas multicores em suas linhas retas horizontais simbolizam a retidão do caráter de cada cecremano em todos os seus empreendimentos e na igualdade de suas dimensões, a igualdade de condições dos cecremanos perante direitos e deveres do Centro”. Fotos da Bandeira com brasão em destaque, sendo que na segunda o brasão apresenta-se com detalhes alusivos ao aniversario de 30 anos do CECREMAM: 123 ANEXO D HINO DO CECREMAM, HINO À BANDEIRA DO CECREMAM e CANÇÃO DOS CECREMANOS (REFERÊNCIAS NAS PÁG. 39 e 40) OBS.: PÁGINAS ESCANEADAS DO LIVRETO: LEMBRANÇAS DAS COMEMORAÇÕES DO XI ANIVERSÁRIO DO CECREMAM, FEIRA DE SANTANA, 06/03/1977. 124 APÊNDICE A AS NARRADORAS LEITORAS (REFERÊNCIA NA PÁG. 13) Nance da Costa Nogueira Terezinha Lobo Ramos Vanda da Silva Dias Maria da Purificação Silva de Andrade (in memorian) Iristelma da Silva Ribeiro Oliveira Judite Porto de Souza Maria Mercês Batista dos Santos PS : Todas fotos dos apêndices foram tiradas pela própria pesquisadora. 125 APÊNDICE B LIVROS DE ATAS (REFERÊNCIA NA PÁG. 13) Livro de Atas da Ala Adulta Livro de Atas da Ala Infantil 126 APÊNDICE C FOTOS PAU BRASIL (REFERÊNCIA NA PÁG. 16) 127 APÊNDICE D LOCAL DA REUNIÃO COLETIVA COM CECREMANAS E O FUNDADOR DO CECREMAM – SOB COPAS (REFERÊNCIA NA PÁG. 16) .. 128 APÊNDICE E TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (REFERÊNCIA NA PÁG. 17) TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Eu, Anaíris Feirense de Castro Ramos, venho por meio deste apresentar a pesquisa que ora realizo e solicitar consentimento para que eu possa fazer a entrevista narrativa. Após a leitura deste texto, quem consentir com a própria participação na qualidade de entrevistado deverá ao final assinar e datar, confirmando seu aceite. Estou realizando a pesquisa Formação leitora: práticas narrativas em memória nível – Mestrado na Linha Leitura, Literatura e Identidades do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens – PPGEL da Universidade do Estado da Bahia – UNEB sob orientação do professor Dr. Paulo Santos Silva. O título Formação leitora: práticas narrativas em memória poderá sofrer alteração, caso ocorra informarei. Justifica-se por tratar de práticas de leitura de um determinado grupo, em determinado local e época apresentadas em narrativas orais por meio de entrevistas narrativas, embora também sejam consideradas outras narrativas, ou melhor, outras fontes, tais como atas, registros de sócios, produções variadas do grupo. Trata especificamente de histórias de leitura de pessoas pertencentes ao Centro Cultural Récreo-Educativo Monsenhor Amílcar Marques – CECREMAM, da comunidade dos Eucaliptos, na cidade de Feira de Santana – Bahia. Esse estudo pretende discutir práticas de leitura; elucidar sobre valores da leitura para o indivíduo e por conseguinte para o grupo; refletir como se concebe os modos e motivos de leitura desenvolvidas ou não nesse Centro Cultural; refletir se e como as representações cristalizadas socialmente da imagem leitora aparecem nas narrativas, considerando a subjetividade presente nesse método que entre outros elementos é alicerçado na memória; analisar as concepções apresentadas, levantando questões pertinentes a leitura. As entrevistas narrativas serão gravadas e/ou filmadas para que eu possa transcrevê-las com fidelidade. As gravações e as filmagens ficarão sob minha guarda em minha residência à Rua São Francisco de Paula, 5 , bairro Lapinha, na cidade de Salvador- Bahia. 129 Eu me comprometo em seguir a Resolução número 196 de 10 de outubro de 1996 do Conselho Nacional de Saúde segundo a orientação do Comitê de Ética em Pesquisa Científica da Universidade do Estado da Bahia. Isso significa que está garantido o direito de esclarecimentos antes e durante esta pesquisa a todos que delas participarem; que as pessoas convidadas para fazerem parte desta pesquisa farão de maneira voluntária sem nenhum ônus ou pagamento por sua colaboração e com total liberdade de expressão para falar e opinar sobre o que ou quem quiserem, bem como desistir de participar desta pesquisa em qualquer momento que desejar sem sofrer nenhum prejuízo ou penalização por tais atitudes. É garantido também aos participantes o sigilo quanto aos dados confidenciais envolvidos na pesquisa, assegurando assim a privacidade e o anonimato de cada um. Qualquer mudança que ocorra na metodologia diretamente ligada aos sujeitos da pesquisa será devidamente informado e solicitada aprovação do Comitê de Ética e da pessoa entrevistada. Tudo será feito para que não ocorra desconforto durante as entrevistas narrativas. Elas acontecerão em local e horário de acordo com a disponibilidade dos(as) entrevistados(as). No término da pesquisa os participantes terão acesso ao seu produto final e o Centro Cultural Récreo-Educativo Monsenhor Amílcar Marques receberá uma cópia. Ao final espero que este trabalho seja útil e some a outros existentes, contribuindo com a discussão acadêmica. Desde já agradeço! Atenciosamente, ___________________________ Anaíris Feirense de Castro Ramos Feira de Santana, ___ / ___ / ___. Eu, _______________________________________________, aceito participar desta pesquisa, consentindo ser entrevistada. _______________________________________________ Feira de Santana, __ / __ / ___ 130 APENDICE F QUADRO INFORMATIVO PARA INÍCIO E FIM DE CADA FILMAGEM PARA DEMARCAR ESPAÇOS NA GRAVAÇÃO EVITANDO EVENTUAIS DIFICULDADES DE IDENTIFICAÇÃO DAS ENTREVISTADAS (REFERÊNCIA NA PÁG. 17) PESQUISA: Formação leitora: práticas narrativas em memória Obs.: título possivelmente provisório INSTITUIÇÃO RESPONSÁVEL: Centro Cultural Récreo-Educativo Monsenhor Amilcar Marques – CECREMAM LOCAL: Comunidade dos Eucaliptos, cidade de Feira de Santana – Bahia PESQUISADORA/ENTREVISTADORA: Anaíris Feirense de Castro Ramos ORIENTAÇÃO: Professor Dr. Paulo Santos Silva MOTIVO PESQUISA: Mestrado na Linha Leitura, Literatura e Identidades do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens – PPGEL da Universidade do Estado da Bahia – UNEB APRECIAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA DA UNEB: Pesquisa Aprovada. Processo número – 0603100242121 ENTREVISTA: ENTREVISTADA: ___________________________________________________________ LOCAL: _____________________________ INÍCIO: ____:____ TÉRMINO: ____:____ OBSERVAÇÕES: ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ DATA: ____/____/____ DURAÇÃO PREVISTA: Hora(s) DURAÇÃO REALIZADA: Hora(s) 131 APÊNDICE G FOTO DO TEMPLO-ESCOLA SANTA RITA DE CÁSSIA (REFERÊNCIA NA PÁG. 30) Rua Senador Quintino, Eucaliptos Localizado quase em frente a casa da Sra. Hilda e do Sr. Leôncio. Ver último apêndice. 132 APÊNDICE H TABELA COM NOMES DOS SÓCIO-FUNDADORES DO CECREMAM DIVIDIDOS NAS ALAS ADULTA E INFANTIL (REFERÊNCIA NA PÁG. 32) DATA ESPECÍFICA DO INGRESSO DE CADA UM, NÚMERO E SÉRIE DA CARTEIRA DE SÓCIO FORAM AQUI DISPENSADAS. DEMAIS INFORMAÇÕES SÃO IDÊNTICAS AO REGISTRO DE SÓCIO-FUNDADORES ALA ADULTA Nome Nascimento Naturalidade Profissão Estado Civil Antônio Ramos da Silva 20.11.28 Feira de Santana Professor Casado Antônio Fernandes Pereira 23.06.33 Santo Estevão Público Federal Solteiro Antônio de Jesus Coelho 13.03.41 Feira de Santana Pintor Casado Ana Maria Lobo Queiroz 21.03.51 Feira de Santana Doméstica Solteira Antônio Raimundo Santana 27.08.35 Feira de Santana Bancário Casado Alda Marques de Oliveira 01.03.05 Cachoeira Professora Solteira Armando Antonio dos Santos 03.11.06 Madre de Deus Escriturário Solteiro Camilo de Potenza Picena 17.09.33 Potenza;Picena; Itália Sacerdote Solteiro Carlito Ribeiro de Oliveira 14.09.45 São Gonçalo dos Campos Estufador Solteiro Carlos Alberto Barbosa 20.09.46 Feira de Santana Estufador Solteiro Catarina Ribeiro de Oliveira 30.04.28 São Gonçalo dos Campos Dona de casa Casada Clodoaldo Oliveira Ribeiro 10.01.38 Feira de Santana Sapateiro Casado Eduardo Gomes Nogueira 13.10.18 Sto.Amaro da Purificação Comerciante Casado Geraldo Fernandes de 19.12.28 Conceição da Feira Gráfico Solteiro Gregório Francisco Lima 12.03.16 Anguera Comerciante Casado Grinaldo Lima e Silva 09.01.43 Anguera Mecânico Solteiro (nome Queiroz, ata5) Almeida 133 Helena dos Reis Coelho 01.12.45 São Gonçalo dos Campos Doméstica Casada Hilda Ramos da Silva 07.05.07 Feira de Santana Doméstica Viúva Ivete Ramos da Silva 10.01.49 Feira de Santana Estudante Solteira Jonas Silva de Lima 09.12.48 Anguera Estudante Solteiro José Nilton Pereira Dias 16.03.42 São Gonçalo dos Campos Motorista Casado José Santos Cardoso 19.04.41 Conceição do Almeida ... Técnico Solteiro 25.09.48 São Gonçalo dos Campos Mecânico Solteiro José Joaquim Santana 12.11.46 Feira de Santana Estudante Solteiro Leôncio Gonçalves da Silva 12.10.38 Anguera Mecânico Casado Maria da Purificação Ramos 29.01.46 Feira de Santana Datilógrafa Solteira 19.01.39 Feira de Santana Doméstica Casada Maria Cardoso dos Santos 10.08.49 Elísio Medrado Comerciante Solteira Maria Dalva de Oliveira 18.04.47 Muritiba Operária Solteira Maria de Lourdes Lima Silva 18.01.44 Anguera Doméstica Casada Maria Lúcia de Jesus 14.11.49 Irará Operária Solteira Milton Valdomiro de Oliveira 14.12.36 Feira de Santana Militar ;Polícia Casado Moysés Barreto dos Santos 06.10.28 Lustosa; Santo Amaro Professor Solteiro Nance da Costa Nogueira 23.07.30 Sto.Amaro da Purificação Doméstica Casada (nome Cardoso, ata 5) José Carlos Ribeiro de Oliveira da Silva Maria Lúcia da Silva Conceição ERRATA: Salvador Nelson Nascimento 31.01.46 Feira de Santana Mecânico Solteiro Sérgio Alberto Borges 21.01.57 Ipirá Estudante Solteiro Sílvia Santos Almeida 04.08.50 Feira de Santana Estudante Solteira Telma da Silva Ribeiro 10.09.44 Feira de Santana Doméstica Casada Tereza Lourdes Castro Ramos 31.10.35 Sto. Amaro da Purificação Costureira Casada Sílvia Santos Sampaio(no reg) (pode ser a mesma pessoa!) da Silva Profissional Teresinha Lobo Ramos 09.04.34 Feira de Santana Costureira Casada Vanda da Silva Dias 02.02.41 Feira de Santana Doméstica Casada Vitélio Suzart Carneiro 14.07.33 ============= ============ Solteiro 134 ALA INFANTIL Nome Nascimento Naturalidade Ana Célia Lobo Ramos 30.05.57 Feira de Santana Ana Maria Gonçalves da Silva 01.02.56 Feira de Santana Ana Maria Santos Sampaio 30.09.55 Feira de Santana Antônio Ribeiro de Oliveira 30.03.54 São Gonçalo dos Campos Antonieta de Jesus Carvalho 07.06.55 Feira de Santana Antônio Leilson de Castro Ramos 08.04.60 São Francisco do Conde Auremita Santos Pereira 30.01.54 Feira de Santana Ana Marta Santos Sampaio 30.09.55 Feira de Santana Ana Maria J. Almeida 22.09.54 Coração de Maria Dinalva Rodrigues Lima 18.09.54 Feira de Santana Edna Maria Moreira de Jesus 15.01.57 Feira de Santana Elias Ribeiro de Oliveira 25.07.52 São Gonçalo dos Campos Iristelma da Silva Ribeiro 05.06.62 Feira de Santana José Carlos Ferreira 02.10.54 Feira de Santana José Cardoso dos Santos 04.10.55 Feira de Santana Maria Eliete Santos Pereira 04.10.52 Feira de Santana Maria Lúcia Conceição da Cruz (no reg. Sócios Maria 14.12.55 Muritiba Nilton Lobo de Almeida 10.06.55 Feira de Santana Nilvan José da Silva Dias 07.02.62 Feira de Santana Railda Moreira de Jesus 22.06.55 Feira de Santana Rita Maria da Silva Conceição 24.05.59 Feira de Santana Tarcísio Lobo Ramos 10.02.59 Feira de Santana (no reg. sócios Ana Maria, nas atas Ana Marta) Lucia C. da Silva, nas atas Cruz no lugar de Silva) 135 APÊNDICE I PARTE DAS PROMOÇÕES CULTURAIS DE CUNHO CÍVICO, RELIGIOSO, EDUCATIVO E RECREATIVO DO CECREMAM DURANTE SEUS 45 ANOS (REFERÊNCIA NA PÁG. 32) Excursões para Alagoinhas, Itapuã, Santo Amaro para cidade de Itapicuru com passeio, almoço e palestra sobre a história, a geografia do município Antônio Conselheiro, na década de 1960 para Salvador, em 1990 Atividades recreativas bingos, leilões dançantes tarde de folguedos, em 1966, com grupo de capoeira e o conjunto The Naisys dirigido por Frank Caribé São João Festejos juninos e quadrilhas juninas nas décadas de 1960 e 1970. Em 1966 recebeu o nome de Arraiá do Siri-Buxudo e em outras ocasiões Arraiá do Funga-Funga. Concursos Nós e a Lua, 1969 Trovas, ao longo do tempo Frases, ao longo do tempo Campanhas Vale a pena divulgar Terço contra a violência Arrecadação produtos para pessoas que sofrem em período de seca 136 Idealização Marco do centenário de emancipação de Feira de Santana, erigido em e/ou 1973 construção de monumentos e museus Marco comemorativo em homenagem ao Monsenhor Amílcar Marques Marco comemorativo do centenário de nascimento de Leôncio Ramos Gomes, em 1988 Museu Mariano para exposição permanente de imagens de invocação de Maria, nos anos 2000, ambos no bairro dos Eucaliptos - Feira de Santana Exposições classificadas Exposição Mariana comemorativa dos 70 anos das Aparições de Nossa como cívicas, religiosas, Senhora em Fátima – Portugal e do Ano Mariano em 22/09 a histórico-comemorativas 02/10/1987 Inúmeras outras exposições marianas a exemplo da VII Exposição Mariana do CECREMAM inserida na programação preparatória do 30° aniversario do Centro Cultural em 06 a 13 da maio de 1995 Exposição Fragmentos Feirenses como item da programação preparatória das Bodas de Pérola a 06/03/96 e homenagem à Feira de Santana pelos seus 122° aniversário a 16/03/95, de 10 a 26 de junho de 1995 Produção de flâmulas, como divulgadores e/ou fontes de recursos e/ou souveniers dos eventos camisas, canecas, lenços, promovidos folhetos e materiais afins Palestras e cursos Curso Castro Alves, 1971, 1997 Curso canto à Bahia, 1973 Curso Cidadania e Civismo em algumas edições e cidades Curso básico de língua e cultura espanhola, 1991 Curso Deus e você em encontro ecológico, 1999, entre outros Plantações de árvores pau brasil e palmeira, entre outros, em programações diversas entre outros 137 Sessões comemorativas Sessão Comemorativa do 5° aniversário da Biblioteca Professora Edna e palestras Laureana de Oliveira do CCREMAM em 17/07/1971 Sessão solene de abertura do curso Castro Alves em 20/11/1971 Palestra do vice-cônsul da Espanha – Sr. Plácido Cerrada – Pascoal Bailão - honra da Espanha e glória da Igreja, dentro da programação da Semana da Hispanidade e IV Centenário de morte de Pascoal Bailão. Início década 1990. comemoração do 28° aniversário do CECREMAM - Celebração de Missa e palestra do Senhor Manoel Evangelista dos Santos (“Manuca”), 06/03/1994 Sessão comemorativa da morte de Castro Alves, com palestra do Professor e Poeta Franklin Maxado: O CECREMAM e os imortais, em 6 de junho de 1995 Sessão Especial para recepção ao Prof. Pierre Lenhardt e audição de sua palestra sob o tema Judaísmo e Cristianismo em 10 de novembro de 1995 tarde de oração e conscientização cristã, como parte das comemorações dos 30 anos de fundação do CECREMAM, em 6 de janeiro de 1996 primeiro dia da programação especial comemorativa do 30° aniversário do CECREMAM com palestra do Dr. Fernando Pinto de Queiroz: CECREMAM - Oásis do civismo, em 1° de março de 1996 encontros comemorativos do IV centenário da Morte de José de Anchieta entre 1996 e 1997 41° aniversário do CECREMAM: paraliturgia e exposição de livros cecremanos em 4 de março 2007 Tais informações foram encontradas em atas, livro de presença de eventos promovidos pelo Centro Cultural, folhetos, livretos, canecas, camisas, certificados e outras fontes. Nem sempre as informações estão registradas por completo e ele não desenvolvia atividades com a mesma freqüência entre a primeira década e a última. Ainda assim o que fora encontrado oferece um quadro representativo desse Centro Cultural. 138 APÊNDICE J ALGUMAS PROMOÇÕES LEITORAS DO CECREMAM (REFERÊNCIA DILUÍDA EM VÁRIAS PÁGINAS) orientação a seus membros para leitura em família e para que Leitura na ala adulta: procurassem tempo para ler, respectivamente em registro nas atas de 08.05.66 e 26.06.66 - mesmo dia em que se tratou da formação da biblioteca e iniciou assinatura de Jornal Local - Folha do Norte comemoração do Dia do Livro em 22.11.66 com incentivo a ofertas de livros para biblioteca e na mesma época compra das revistas Conhecer e Tecnirama e recebimento de ofertas de 27 fascículos de A Bíblia mais bela do mundo distribuição de boletins o “Eco” e cadernos, 1967 Leitura na ala infantil: Obs.: distribuição de cadernos, canetas, lápis, pastas, folhetos, estampas religiosas, orações, poemas... foi uma prática sempre constante programação de Noites literárias a partir do mês de abril cujo primeiro poeta homenageado foi Castro Alves comentário sobre a peca Pluft, o Fantasminha escolha entre os membros de cada ala para serem bibliotecários na biblioteca Edna Oliveira, bem como arquivistas e secretários orientação para horas de leituras também a partir do mês de abril - mês de aniversário da titular da biblioteca, de 9 às 11, diariamente orientação para as bibliotecárias e arquivista para que exigissem dos bibliotecários da ala adulta a relação dos livros que elas e as outras crianças poderiam ler e solicitação da relação de nomes de livros e de leitores que constituíram as Horas de Leitura orientação para melhorar a lista do movimento da biblioteca e determinação dos grupos que ficaram responsáveis pelos turnos da manhã e da tarde no segundo semestre, decidiu-se que as “leituras de formação” por meio do livro Civilidade seriam feitas pelos cecremanos mirins, um de cada vez, em cada reunião, estabelecendo um rodízio Semanas de cultura: Semana de Cultura Portuguesa, 1982 I Semana de Cultura em Redenção, 1983, entre outras 139 Fundação de bibliotecas Biblioteca Prof. Edna Laureana de Oliveira, FSA, 1966 Biblioteca Sra. Lindomar Lima dos Santos, em Nova Redenção - Bahia, 1983 Recitais de poesias e em homenagem a Maria – Mãe de Jesus em homenagem a Bandeira do Brasil canções populares em festas juninas em encontros de poetas entre outros eventos Encenação peças para o 2 de Julho, Páscoa e dia da Bandeira, 1966 de peça Pluft, o Fantasminha de Maria Clara Machado e “Jesus Perdido” - infantis versos que foram encenados, em 1967. Não há informação da autoria. em 14 de março de 1987, 1995, 1997, 1999 e 2003. Encontro de poetas Lançamento de livros e Livrete de Nossa Senhora – comemorativa dos 60 anos de aparição de livretos Nossa Senhora de Fátima, Gráfica Record, 1977 pequenos geralmente de produção XIV aniversário do CECREMAM. Hinos, gráfica ENGRAF, 1980 independente, simples e Coletânea poética Santa Rita na Lira dos Poetas, Bahia Artes Gráfica, com tiragem pequena 1981 geralmente em Feira de Mimo Literário à Maria Quitéria comemorativo do bi-centenário do Santana cujos temas nascimento, datilografado e fotocopiado, 1992 versavam sobre eventos Coletânea de versos Pórtico Poético, composição e impressão Núcleo promovidos pelo Centro, de Editoração Gráfica da UEFS, 1996 hinos cívico-religiosos e Flores – Trovas a Maria, digitado e impresso em Candeias, 1998 poemas – a exemplo. Mini Coletânea de hinos e canções cívicas, digitado e impresso, 2000 OBS.: As impressões desses livros, ou melhor, a forma de produção, divulgação e distribuição – os dois últimos, principalmente nos eventos que os originavam - mostraram-se a margem do mercado editorial e ao mesmo tempo livre deste. Foi lentamente beneficiado pelo avanço tecnológico, gradualmente usava-se máquina de escrever, mimeógrafo, clichês, fotocópias, computador nas formas mais recentes de produção. 140 APÊNDICE K FOTOS DE ALGUNS EXEMPLARES DE PRODUTOS LANÇADOS PELO CECREMAM (REFERÊNCIA NAS PÁG. 43 a 46) 1. FLÂMULAS ENTRE OUTROS (REFERÊNCIA NA PÁG. 43) 141 2. CAMISAS (REFERÊNCIA NAS PÁG. 43 E 44) 3. ESCULTURAS E OUTROS OBJETOS REFERENTES A MARIA QUITÉRIA (REFERÊNCIA NA PÁG. 45) 142 4. CANECAS (REFERÊNCIA NA PÁG. 45 E 46) 5. LENCINHOS (REFERÊNCIA NA PÁG. 46) 143 APÊNDICE L FOTOS DE LIVROS LANÇADOS PELO CECREMAM (REFERÊNCIA NA PÁG. 46) 144 APÊNDICE M FOTOS DOS MONUMENTOS (REFERÊNCIA NA PÁG. 48) FOTOS DO MONUMENTO DEDICADO A FEIRA DE SANTANA No Jardim da residência do prof. Antônio Ramos da Silva – fundador do CECREMAM FOTOS DO MONUMENTO DEDICADO AO SR. LEÔNCIO RAMOS GOMES Em frente à residência do titular – Ver apêndice P FOTOS DO MONUMENTO DEDICADO AO MONS. AMÍLCAR MARQUES E DO MOLDE DA SUA ESCULTURA Em frente à Igreja Matriz de Feira de Santana 145 APÊNDICE N LIVROS DA BIBLIOTECA – REGISTRO POR AMOSTRAGEM A TÍTULO DE INFORMAÇÃO, A TABELA FOI ORGANIZADA POR SEUS DOADORES) (REFERÊNCIA NA PÁG. 32 ENTRE OUTRAS NO DECORRER DA DISSERTAÇÃO) Muitos livros ou capas fotografadas para transcrição nesta pesquisa encontravam-se estragados por causa da umidade e de cupins. Por isso, e também por falta de nitidez fotográfica, as referências não foram sempre completas. Houve referências bibliográficas sem identificação de quem as doou seja pela falta de registro seja pelo estrago da página onde o carimbo se encontrava ou do seu não preenchimento. Vale ressaltar que dentre os livros acessíveis nem todos foram carimbados, embora o carimbo tenha sido um dos critérios adotados para o registro preferencial de referências bibliográficas nesta tabela. Professora Edna Laureana de Oliveira TÍTULO AUTOR CIDADE/EDITORA/ANO A vida espiritual (pequenos Elisabeth Leseur Rio de Janeiro: 1925 James Ramsey Ullman Trad. Editora do Brasil S.A tratados de vida interior) A terra branca de Oliveira Ribeiro Neto A casa Maldita (As sete Earl Derr Biggers Coleção Os maiores êxitos da chaves) tela da editora Vecchi A crônica dos Foryste volume 2 A filha do diretor do circo Baroneza Ferdinande von Petrópolis: Vozes, 1927 Brackel Trad. livre por Isocrates A turminha dos valentões Pio Ottoni Junior Vozes, série Bando Valente (literatura juvenil) vol. 1, 1942 O pão dos pobres Henrique Perez Escrich 146 A flor oculta Pearl Sydenstricker Buck Coleção Catavento (prêmio Nobel) Bertha d`Allemanha Traduzido do francês por Bahia: Tip. São Francisco, Maria Luisa de Souza Alves Bahia Alice Tisdale Hobart Trad. de Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti, Marina Guaspari 1946 Cartas sobre sofrimento Caem as penas do pavão Coração de Amacis Livraria Francisco Alves Cartilha avícola brasileira São Paulo: Edição de Chácaras e Quintais, 1953 Ciências físicas e naturais Rio de Janeiro: Editora Francisco Alves, 1948 Duas irmãs . Geografia da Bahia Laura R. Lopes Geografia do mundo Atual José Olympio, 1944 Em 6 volumes: América do Norte e América Central, América do Sul, Europa, África, Ásia, Oceania e regiões populares. História de Cristo Giovanni Papini, Cia Editora Nacional, 1929 Trad. Pe. Lindolpho Esteves Iracema José de Alencar Irene Jonh Galsworthy José Olympio, 1946 Trad. de Raquel de Queiroz Luiz de Camões - romance Antônio de Campos Junior histórico Nossa primeira história (com 5 Lisboa: Tipografia Empresa do Século, 1901 Assis Cintra gravuras) Companhia Melhoramentos, 1922 O coração nas mãos Perez Escrich Os tiques na criança Serge Lebovici Rio Janeiro: Andes Ltda. O segredo de Luzette M. Delly Coleção Romântica, Progresso Editora O duelo Roger Pla Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre: Editora Brasileira, 1951 O moinho do pó -”Deus te Ricardo Bacchelli, Trad. de N. São Paulo e Rio de Janeiro: salve” Lacerda Editora Mérito, 1951 O sol é minha ruína Marguerite Steen José Olympio 147 Padre Dehon P. Rinaldo Guimarães da Silva Fortaleza: Vice postulação da casa do Pe. Dehon Prisioneiros do Destino Xavier de Montépin São Paulo: Editora Companhia Pérolas Esparsas - seleta de São Paulo: Casa Publicadora contos mariais Brasileira Santa Mônica... Teresa Neumann – a Frei Pedro Sinzig, Butzon e Kevelaer- Rhenania, Editores da estigmatizada de Konnersreuth Bercker Santa Sé Apostólica Um mártir de nossos dias Pe. Miguel Pró de Karlheinz Riedel, Paulinas Vida de Santa Inês Helena Velasco Livraria Católica, 1933 Vida de Margarida Sinclair Coleção A mulher do realejo O maneta Julgado pela filha O assassino mesma autoria para coleção: toda São Paulo: Empresa Editora Brasileira, 1942 Xavier Montepin Arruinado O oráculo A armadilha São Paulo: Companhia Editora Coleção Biblioteca das Moças Nacional, 1955-1956 Magali M. Delly O passado M. Delly Orieta M. Delly Alma em flor M. Delly Lady Shesbury M. Delly A casa dos rouxinois M. Delly Corações inimigos M. Delly O grande momento Elinor Glyn Seis dias de amor Elinor Glyn A eterna Eva May Christie Jardim do desejo May Christie Coração Ardente Sarah Elisabeth Rodger Dúvidas de um coração Jane Abott O querido inimigo Jean Webster Felicidade inesperada Concordia Merrel Merrel (apenas encontrada a A vendedora de romance Janifer Ames capa) A passageira vol2 Guy de Chantepleure 148 Beijo ao luar Guy de Chantepleure A sarracena Germaine Acremant Casar é bom Germaine Acremant As solteronas dos chapéus Germaine Acremant verdes Coleção Jabuti São Paulo: Saraiva, 1953-1967 Helena Machado de Assis Memórias póstumas de Brás Machado de Assis Cubas O Sertanejo vol 1 e 2 José de Alencar Diva José de Alencar Til José de Alencar A dama das Camélias Alexandre Dimas Filho Othon, o arqueiro Alexandre Dimas A tulipa negra Alexandre Dimas Amor de perdição Camilo Castelo Branco Majubira J.B. de Melo e Souza Serões da província vol 1e2 Júlio Diniz As pupilas do Senhor Reitor Júlio Diniz Lucrécia Borges Silveira Bueno Beleza negra Anna Sewell Quo Vadis? Vol1 Henryk Sienkiewicz Recordações da casa dos Dostoieviski mortos São Paulo: Edição Saraiva Coleção Rosa – uma coleção para as moças do Brasil O solar dos Schillings Eugênia Marliu Primaveras perdidas Kathleen Harris Revelação Alice Lent Covert Equívoco sentimental Margaretta Brucker A Rainha do Rádio Isa Silveira Leal Arco sem flecha Cyntia Millburn O amor pode esperar Watkins E. Wright A filha do mestre-escola Eugênia Marliu Rosas e espinhos Bette Allan Romance no circo Peggy Dern Flor da neve Myonne 149 Família da professora Edna Laureana de Oliveira TÍTULO/COLEÇÃO AUTOR CIDADE/EDITORA/ANO Jânio - A face cruel David Nasser. Livros de bolso Professoras Edna Laureana de Oliveira e Ester A. de Freitas TÍTULO AUTOR Lisboa: Edição Romano Torres, Coleção Azul A biblioteca CIDADE/EDITORA/ANO ideal 1950 – 1955 das famílias Romance de uma noite Max du Veuzit Os herdeiros do tio Milex Max du Veuzit Filha do Príncipe Max du Veuzit Amor é sempre amor Magali Milagre de Amor Magali O amor tomou parte na viagem Magali Professora Ester A. de Freitas TÍTULO AUTOR CIDADE/EDITORA/ANO Ariadna Henry Grévillle 1925 Trad. de Eugênio Libonatti Uma história e depois outras Rafael Gris Coleção Didática Infantil - série a criança e o livro p/ o 4. Grau Jornada romântica João Grave Porto: Livraria Chardron de Lello e Irmão, 1913 Primeiras noções de gramática Maria Lígia L. Magalhães e portuguesa Olga Pereira Mettig Editora do Brasil, 1959 150 Doadores diversos. Registrados ao lado de cada referência. TÍTULO Coleção AUTOR Os CIDADE/EDITORA/ANO São Paulo: Edições Paulinas, grandes 1957-1964 romances do cristianismo A Ferro e fogo 10 e 20 vol. Henryk Sienkiewicz por Sindicato dos Motoristas Quo Vadis? Henryk Sienkiewicz por Eurico Nelson de Andrade Octávio Ennio por Antônio Ramos da Silva A árvore da vida Louis de Wohl por Valdir Guimarães do Espírito Santo Átila Louis de Wohl por Antônio Ramos da Silva Coração inquieto Louis de Wohl por Antônio Ramos da Silva A lança Louis de Wohl por Antônio Ramos da Silva O mensageiro do rei Louis de Wohl por Antônio Ramos da Silva A rede dourada Louis de Wohl por Antônio Ramos da Silva O cavaleiro do amor Louis de Wohl por Antônio Leilson de Castro Ramos Assim declinou o sol Louis de Wohl por Tereza Lourdes Castro Ramos da Silva A libertação do gigante Louis de Wohl por Joana da Silva Cruz O mártir do Gólgota Henrique Perez Escrich por Àdla de Castro Neves da Silva Papai Falot Raoul de Navery por José Augusto de França Os noivos Alexandre Manzoni por Alda Marques de Oliveira Sem famíla Hector Malllot por Édilo Simões da Silva Bem – Hur Lewis Wallace por Antônio Gabriel de Araújo Perseguidores e mártires Tito Casini por Brasílio Santana Os últimos dias de Pompéia Edward Bulwer por Brasílio Santana Ricardo - coração de leão Walter Scott por José Luiz de Oliveira Fabíola Cardeal Wiseman por Enlina de Aquino Oliveira A cabana de pai Tomás H. Beecher Stowe por Sérgio D Maior de Aragão A consciência do Rei Marguerete Bartschmid Sem registro de doador 151 O último cruzado Louis de Wohl Por vários: Antônio de Souza Cruz Adilson dos Santos Antônio Carvalho da Silva Roque Soares da Silva Creuza Batista Lima Adolfo Dimas Santos Isaías de Jesus Zenildes França Argolo Antônio R. Santana – sócio-fundador do Centro Cultural TÍTULO AUTOR CIDADE/EDITORA/ANO O tronco do Ipê José de Alencar São Paulo: Indústria Gráfica Bentivegna Editora, 1959 O gaúcho José de Alencar Antônio Ramos da Silva - fundador do Centro Cultural TÍTULO AUTOR CIDADE/EDITORA/ANO M. Delly Edições Paulinas A humilde Santa Bernadete A fada das flores A grande aventura de Luís e Edições Paulinas Eduardo História da Salvação Pe. José de Anchieta História do Povo Brasileiro. Volumes: o império, o escravismo e o unitarismo político História do Povo Brasileiro. Volumes: A república, as oligarquias estaduais Lagos dos Indos Sérgio Antônio Raupp Edições Paulinas Mãe exemplar P. Claudio Mascarello Edições Paulinas O comboio de Veneza Georges Simenon Livraria Bertrand Uma canção russa Eliana Rio de Janeiro: Minerva Ltda. História do povo brasileiro vol Jânio Quadros e Afonso Arinos São Paulo: Quadros editores 1-6 de Melo Franco culturais s.a, 1967 152 Edições Paulinas Coleção Cartas do meu moinho Alphonse Daudet Contos extraordinários ? Hello Tempos difíceis Charles Dickens O Doutor Jekvll... Robert Stenvenson Em má companhia Vladimir Korolenko A floresta dos enforcados L. Rebreanu Justiça ? Lucas Caranguale A felicidade é simples Pierre L’Ermite Antônio Augusto de Almeida TÍTULO AUTOR CIDADE/EDITORA/ANO Mickey Trovador e Pedrinho e Walt Disney Editora Brasil-América TÍTULO AUTOR CIDADE/EDITORA/ANO O escândalo dos Kostkas Afonso de S. Cruz Coleção em busca do ideal TÍTULO AUTOR CIDADE/EDITORA/ANO História das Américas para Antônio José Borges Hermida Editora do Brasil Irmão Mario Mariano F.T.D., o Lobo Aureliana Santana Antônio Pinheiro Monteiro segunda série ginasial Física para a primeira série colegial Alves, Livraria Francisco Coleção de livros Editora do Brasil, didáticos Química para primeira série Irmãos Maristas F.T.D., Coleção Didática, 1958 153 Dr. Carlos Augusto Monteiro TÍTULO AUTOR CIDADE/EDITORA/ANO História Geral Alcindo Muniz de Souza Companhia Editora Nacional, 3. série ginasial, 4. série História da América Alcindo Muniz de Souza Companhia Editora Nacional, segunda série ginasial História Antiga e Medieval Haddock Lobo Edições Melhoramentos, 3. série do curso ginasial Horizontes do Poder Atômico Introdução à pré- história G. Wendt editora Glyn Daniel Zahar editores No reino da boneca encantada Na terra dos demônios vermelhos O fio da barba do anão mágico Hilda Ramos da Silva – sócia honorária, mãe e avó de alguns dos participantes do Centro Cultural TÍTULO AUTOR CIDADE/EDITORA/ANO Conflito Maria Jacinta Edições Meridiano, coleção Tucano Senhores do Sonho - Ficção científica Pedro Daltro TÍTULO AUTOR CIDADE/EDITORA/ANO A cabeça do papa Macedo Miranda Rio de Janeiro: Edições GRD 1962 Livraria São Paulo TÍTULO AUTOR Luz do céu – curso de religião CIDADE/EDITORA/ANO Editora Salesiana para o ginásio O pequeno lorde F. H. Burnett, Primavera Distribuidora de livros Salvador TÍTULO AUTOR CIDADE/EDITORA/ANO A roupa nova do imperador e Coleção muitos outros contos Biblioteca Infantil de Ouro Largada para o Infinito - A história do cabo canaveral William Roy Shelton de Andersen da Brasil-Portugal: Edt. Fundo de Cultura, 1964 154 Livraria e papelaria LIP TÍTULO AUTOR CIDADE/EDITORA/ANO Barquinho Amarelo Ieda Dias da Silva Ed. Vigília, pré-livro Ciências para crianças Terezinha Nardelli Cambraia Ed. Vigília, livro 4. e 2. Meninos Travessos Maria Yvonne Atalécio de Ed. Vigília e MEC, 1973, Araújo volumes para pré-livro, primeiro livro de leitura e leitura intermediaria Pipoca - o cabritinho travesso leituras intermediárias DESC – Prof. Remy de Souza e Antônio Ramos Departamento de Educação Superior e da Cultura TÍTULO AUTOR CIDADE/EDITORA/ANO Salvador Coleção Baiana – Bahia: Editora Itapuã, 1969, 1970 Linguagem médica popular no Prof. Fernando São Paulo Brasil vol. 1 e 2 Souza A Bahia no século XVIII Presença por DESC – prof. Remy de francesa no Luís dos Santos Vilhena por Antônio Ramos da Silva Kátia M. de Queiros Mattoso por DESC movimento democrático baiano de 1798 Mestre de capoeira e de muitas por DESC artes Presença Francesa Povoamento da por DESC – prof. Remy de cidade do Thales de Azevedo Salvador Feira de Santana Rollie Poppino Capoeira Angola W. Rego A Bahia no século XVIII vol 1, 2e3 Souza 155 DESC\SESC Dep. de Educação Superior e de Cultura da Sec. de Educação e Cultura do Estado da Bahia TÍTULO AUTOR CIDADE/EDITORA/ANO Páginas escolhidas Mons. Ápio Silva DESC\SEC, 1971 AUTOR CIDADE/EDITORA/ANO Rainer Maria Rilke Buenos Aires: Dintel, 1957 homenagem ao 60. aniversário de sacerdócio Doadores desconhecidos TÍTULO Los cuadernos de Malte Lauridos Brigge A vingança dos peixes Edições Melhoramento, Coleção Primavera Aventuras de uma andorinha A guerra acabará se você Editora do Brasil D. Paulo Evaristo Arns quiser Ed. Paulinas subsídios e reflexões para o início da década de 1970-1980, consagrada ao desarmamento Antologia bíblica feminina do Pe. Santo Armelin Paulinas Edna Ferber e , introdução de Coleção Adonias Filho contemporâneos Paulo Setubal São novo testamento Cimarron Confiteor escritores Paulo: Livraria Carlos Pereira Destinos Humberto Campos Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre: W.M. Jackson Inc editores Felicidade inesperada Concordia Merrel, São Paulo: CIA Editora Trad. de Jerônimo Monteiro Nacional, Biblioteca das Moças Grito da terra (caatinga) Ciro de Carvalho Leite Lux História da Salvação Mons. Negromonte Rio de Janeiro: Editora Rumo 1961 Inocência Juventude Visconde de Taunay Gloriosa (Santos Pedro Mota Lima Rio de Janeiro: Editorial Andes Prof. Gualandi Paulinas Dumont) Mãe Assunta – mãe de Santa 156 Maria Goretti Manual das almas interiores Pe. Grou Petrópolis: Vozes, 1929 O Rosário na eloquência de Salvador: Edição da Oficina de Vieira Rosário Os enforcados Fernando Ramos Vidas secas Graciliano Ramos Record\Martins Inúmeros exemplares Revistas para crianças Pinguinho Tico-Tico Cirandinha Tiquinho A Bíblia Editora Brasil A nova música Gráfica Record Editora E ainda: TÍTULO AUTOR A bela adormecida no bosque CIDADE/EDITORA/ANO Contos divertidos da livraria Agir, 1964 Aventuras de Pinocchio Idem Branca de Neve Idem Aladin Idem Robson Crusoé Idem Ali Babá e os 40 Ladrões Idem Pedacinho de Gente Idem Branca de Neve e Rosa Idem Vermelha Chapeuzinho Vermelho Idem O pequeno polegar Idem O gato de Botas Idem Sindbad Idem História de um quebra-nozes Idem Guilherme Tell Idem Os três porquinhos Idem O pássaro azul Idem Os cabritinhos e o lobo Idem As aventuras de Pintarroxo Idem Os três ursos Idem 157 Totó - o cachorro de Botas Idem A pastora e o Limpa -chaminés Idem O rouxinol Idem Meu amigo lobo Idem Alice no país dos animais Idem O pequeno polegar na corte do Idem Rei Artur Gata borralheira Idem Meu amigo lobo Idem Os músicos improvisados Idem A quem me lê, para mostrar que é educado, não me deixe cair, não me suje, não me rasgue. O Livro 158 APÊNDICE 0 FOTO DO QUADRO LEITURA (REFERÊNCIA NA PÁG. 78) Inscrição no quadro: Contribuição Cultural da Editora Civilização Brasileira Rua Sete de Setembro, 97 – Rio de Janeiro 159 APÊNDICE P FOTO DA RESIDÊNCIA DO CASAL HILDA RAMOS DA SILVA E LEÔNCIO RAMOS GOMES (REFERÊNCIA NA PÁG. 73 E TAMBÉM NA 21) Local onde aconteceram reuniões do CECREMAM. Há inscrição do nome na frente da casa colocada nos primeiros anos da agremiação e ao lado da porta colocada quando das comemorações das suas Bodas de Prata. Outros destaques: Parte de uma das árvores de Eucaliptos. Uma das poucas ainda existentes no bairro. Ela está visível ao fundo da casa em cima da copa de uma mangueira; Busto do Sr. Leôncio Ramos Gomes - homenagem do CECREMAM quando do seu centenário de nascimento (in memorian), em 25/03/1988; Marco que ficava à frente da casa para marcar o km 142, provavelmente nas décadas entre 1930 e 1950; Base para hasteamento das Bandeiras ao fundo do referido busto construído pelo CECREMAM; Em cima da porta faixa nas cores de Feira de Santana também presentes na bandeira do CECREMAM. Observações: A cajazeira sobre a qual as entrevistadas mencionam ainda existe, mas não é avistada nessa foto porque está localizada ao lado do muro direito do leitor. O espaço em frente é o local onde aconteciam várias atividades recreativas, religiosas e cívicas. Não havia muro nem casas laterais, por isso o espaço era mais amplo. A biblioteca Professora Edna Laureana de Oliveira funcionava num cômodo da casa não mais existente localizado ao lado da janela esquerda do leitor. Agora há um muro e parte da casa da Sra. Maria da Purificação – uma das entrevistadas. Alguns anos depois a morte de Sra. Hilda Ramos da Silva a casa passou a guardar as esculturas das exposições marianas que o CECREMAM organizava. Acervo de Antônio Ramos da Silva, por isso a inscrição “Mini Museu Mariano” em cima da porta. 160 E aprendi que se depende sempre de tanta, muita, muita, diferente gente. gente. Toda pessoa sempre é as marcas das lições diárias de outras tantas pessoas. Gonzaguinha Muito obrigada!