CHIANCA DE GARCIA O MAIS BONITO MILAGRE • DO PADRE JOSÉ DE ANCHIETA PEÇA EM UM ATO SERVIÇO NACIONAL DE TEATRO MINISTÉRIO EA EDUCAÇÃO E CULTURA RIO DE JANEIRO — R/69 «11 V «b J. t.í.jÊU3Í-è:^imjÂA o MAIS BONITO MILAGRE DO PADRE JOSÉ DE ANCHIETA CHIANCA DE GARCIA O Mais Bonito Milagre do Padre José de Anchieta PEÇA EM UM ATO / -a h^ / ^ V^ RIO DE JANEIRO 1969 Escrita para as comemorações do quarto centenário do TEATRO BRASILEIRO. FUNDAÇÃO DO TEATRO NO BRASIL SEGUNDO O ESCRITOR J. GALANTE DE SOUZA "O Padre Serafim Leite coloca a representação do "AUTO DE PREGAÇÃO UNIVERSAL" entre 1567 e 1570 (êste AUTO é considerado cronologicamente como o primeiro que se escreveu no Brasil). O Auto foi mandado compor pelo Padre Manuel da Nóbrega e representou-se pela primeira vez em Piratininga. Escreveu-o, como se sabe, o Padre José de Anchieta." o CENÁRIO Está montado em dois planos sendo o pri meiro na superfície do palco. Representa no seu conjunto um ambiente, por assim dizer bíblico, na paisagem brasileira do século XVI. Rochas, mon tanhas, plantas. Ao fundo do 2^ plano o esboço de uma pequena igreja. Tudo sugerido, mas nada definido. OS TRAJES Os personagens, também à maneira bíblica, devem vestir com grande simplicidade. Excetuase, talvez, a figura do Capitão que, pode usar um traje rico, decorativo, e chapéu emplumado. PERSONAGENS: Gil Brás Antônio Qualquer O Capitão Briolanja O Padre José de Anchieta O Padre Vicente Ana Canarana Serafim do Paço Dois acompanhantes do Capitão — índios ^ Curio sos,. etc. PERSONAGENS DO AUTO: Santa Úrsula O Anjo O Diabo A FIGURA DA Vila de Vitória São Maurício O companheiro de SÃO Maurício São Vidal Anjos — Demônios — Grupos de Oferendas dos, etc., etc., etc. 8 — íL Solda AÇAO Gil Brás — {Falando "segundo plano", para personagens aparentemente invisíveis, enquanto sete ou oito vul tos, sentados ou acocorados, no "primeiro plano", se man têm imóveis. De pé: O Capitão com seus dois acompanhan tes. E mais Briolanja, O Padre Vicente e Antônio Qual quer). — Eh gentes, acomodai-vos, que o nosso Santo Padre José de Anchieta depressa vai chegar para fazer de todos vós as figuras que amanhã hão de contar ao povo, como o Homem, neste nosso mundo, tem de lutar para vencer todos os malefícios do Demo. . . Antônio Qualquer — Dentro em pouco vem a noite. Já está tardando, o Padre. . . O Capitão — Por certo ficou à beira das ondas no gosto, ao que se diz, de escrever versos à Virgem Maria na areia da praia. Briolanja — Não conheceis. Senhor. . . O Capitão {Sem escutá-la) Parece que êle tem mais de poeta que de Padre. . . Briolanja — Não conheceis. Senhor, o nosso santo José de Anchieta. Segundo creio vos vi ontem desembar cando da nau que chegou de Lisboa. . . Capitão •— {Irônico) Sim, sou o Capitão Geraldo Be nefício. A fama de José de Anchieta já chegou à corte. . . — 9 - Gil Brás — (Que descendo do "2^ plano", tem escuta do o diálogo) Não sei o que quereis dizer por fama, senhor Capitão, mas o que vos asseguro é que José de Anchieta é um verdadeiro Santo. . . Capitão — Um santo lá para o seu gentio, eu sei. Mas o certo é que para os índios o remédio é autoridade, e não piedade. Não gosto do'vosso Padre Anchieta, que nem sequer nasceu em Portugal. . . Antônio .— Mas foi educado em Coimbra. . . BrioijANJA — Permiti que vos diga, senhor Capitão, mas se quereis falar do nosso Padre José de Anchieta tirai primeiro o vosso chapéu. . . Capitão — Vejo que estais fugindo da boa doutrina. De volta eu o direi a Sua Majesi-ade. . . Briolanja — A que chamais de boa doutrina, senhor Capitão? Capitão — Precisamos é de braços para cavar a terra, para velejar em nossas naus, para aprender a lutar com as nossas armas, para britar a pedra, e para construir as nossas casas. O que se torna necessário é que os indígenas apren dam a nossa língua, e não se faça como insiste o vosso Padre Anchieta — que anda a perder tempo aprendendo a dêles. .. Briolanja — Aprende, sim, Capitão, porque quer ouvir as queixas que fazem do mau tratamento que sofrem dos colonos. O que êle defende, e pratica, é em nome da justiça e de Nosso Senhor Jesus Cristo. Quantas vêzes os índios não salvaram a vida do nosso Padre Anchieta? De ciladas, de ataques, de perseguições. Pois ainda agora não o arrancaram do fundo das ondas quando o barco, que o trazia da Bahia, foi a pique numa noite de temporal, — que tôda a marujada se pôs a salvo entregando o Padre à fúria das ondas? Pois fique sabendo, foram os índios que se jo garam ao mar e o trouxeram para terra são e salvo. . . — 10 — Antônio — {Inquieto) Já var anoitecendo, Hntão êsse padre chega ou não, gentes? (Ao fundo figuras que se entrevêem no "2? plano" vão acendendo pequenas fogueiras). Capitão ~ O que vejo, para comêço da missão que me foi confiada, é que o vosso padre gosta de se fazer es perar. Vê-lo-ei mais tarde. . . (Sai com arrogância. Anoitece. Ardem aqui e ali as pe quenas fogueiras. Escuta-se um cântico que vem do fundo indefinido do "2^ plano"). CÔRO AO LONGE — Oh, mansíssimo cordeiro, Oh, menino de Belém, Oh, Jesus, todo meu bem, — Meu amor! Vozes (Alegres) Aí vem o Padre! Ai vem o nosso Padre José de Anchieta. (Lusco-fusco. Entra, então o Padre José de Anchieta. Simples, humilde, descalço, envolto na sua sotaina esfarra pada. Seguem-no sete jovens índios. Seminus. Surpresos, mas confiantes). O Padre — Perdoai irmãos, se tardei^ Mas tive de sal var estes pobres índios que estavam sendo carregados à fôrça em um navio de piratas. Discuti, briguei, e só não foi tudo em vão porque Nosso Senhor Jesus Cristo me inspi rou. iSaltei com êles para uma canoa e fugimos. Ainda dis pararam seus arcabuzes, mas escapamos. E viemos à deriva rio abaixo, (Ao Padre Vicente) Irmão, leve-os. Deixe-os descansar. Amanhã quero que assistam a esta nossa repre sentação em louvor de Santa Ürsula, nesta Capitania de Vitória. {Caminhando para o "2^ plano") Meus filhos, va mos, não está faltando ninguém? Gil Brás — Está, sim. Reverendo Padre, aconteceu uma desgraça. . . ^ 11 - o Padre •— Que Foi? Por acaso sumiu de nôvo o Diabo? O Diabo .— {Surgindo numa pirueta) Não, meu Padre, o Diabo está aqui às suas ordens. {Ri) Se faltei ontem foi porque minha mulher deu à luz a um par de gêmeos. . . Gil Brás — Estão todos. Reverendo, menos Ana Canarana... O Padre — Vão chamá-la. Gil Brás — Já vos disse, Padre. Aconteceu uma des graça . . . {Escuta-se um dramático choro feminino. Entra Ana Canarana). O Padre .— {Que olha na direção de onde vem o choro) Ana, minha filha, que sucedeu. . . Ana .— {Contendo as lágrimas) Dispensai-me, Padre, da missão que me confiastes. Não posso querer em Deus, porque Deus acaba de me abandonar. . . ü Padre {Afetu^-so) Não blasfemes, minha filha. Ana — .{Limpando o rosto com um lenço) Sabeis, meu Reverendo Padre, que cheguei de Portugal para casar com meu noivo Joaquim do Paço. Por vós fomos ungidos, no altar, como marido e mulher. Casamos, ainda não há um mês, lembrai-vos? Pois ontem, à noitinha, vieram uns spldados e levaram-no para ir combater os franceses. . . (So luça ). O Padre .— {Serenamente) Foi servir esta terra, Ana, e servir o Brasil é estar a serviço de Deus, compreendes? Ana — {Num grito) Não, Padre, não quero, não posso {Chora) Como posso ficar ali {Aponta o "2^ plano") fin gindo sentimentos que não tenho? Como fingir que amo a Deus, c; .cindo Deus acaba de roubar a razão da minha vidq? {Num gesto) Dentro de mim, agora. Padre, só há o desespêro. — 12 — o Padre .— Estais caindo em pecado, minha filha. Isso é muito grave. Pensa na maior verdade dos Evangelhos: acima de tudo, está Deus. E lutar por Êle, sofrer por Êle, só pode ser, para nós, razão de felicidade. Serafim está debaixo de uma bandeira que é de Cristo. As tuas lágrimas, por isso, não devem ser de desespero, como dissestes, mas de orgulho. Tem orgulho por êle e continua cheia de fé, aqui, conosco, servindo também a Deus. Êle é o nosso maior amor. E é também o nosso apostolado, entendes? Sossega. Tem coragem. Reza. Espera a tua vez entre os companheiros. E quando soar a tua hora, ergue bem alto o hino a Jesus Cristo, nosso Senhor e nosso Rei. Vai... (Musica suave. Pequena pausa. Ana, convencida, (desa parece lentamente pelo "2° plano". O Padre de costas para o público, ajoelha. Erguesse depois. Tôda a cena é agora iluminada por um luar recortado na ramaria das árvores). Começa no "2^ plano" a representação do "AUTO DE SANTA ÜRSULA". (Entra em cena um grupo de Anjos que antecede Santa Ürsula. Esta avança recoberta por um vasto manto de tons suaves. Mas, logo após, o "2° plano" é invadido por tumul tuosa turma de Demônios que lutam contra os Anjos, e os vencem levando-os envoltos em redes de pesca. Aflita, Santa Úrsula esconde o rosto entre as mãos. De nôvo aparecem os Diabos disparando setas com seus arcos flexíveis. Surge o Diabo, imponente. Num gesto largo, dirige-se a Santa. Ürsula). O Diabo Temos embargos, donzela A serdes deste lugar Não me queirais agravar, Que com a espada e rodela - 13 ^ j -/ y Vos hei de fazer voltar! ' ) Se lá na batalha do Mar Me pisastes. Que as onze mil ajuntastes, Que fizestes em Deus crer, : Não há de agora assim ser. Se então em mim triunfastes, Hoje vos hei de vencer. Não tentais contradição Em tôda a Capitania. . . Antes ela, sem porfia. Debaixo da minha mão, Se rendeu sem alegria! Cuido que errastes a via E o sol tomastes mal. Tornai-vos a Portugal, Que não tendes sol, nem dia, Se não a noite infernal. . . .— de pecados. Em que os homens castigados Aborrecem sempre a luz. Se lhes falardes da cruz — Dar-se-ão por agastados! (Logo surge um grupo de soldados com a bandeira de Portugal e que se coloca em defesa de Santa Úrsula que deve -estar no ponto mais alto do"2^ plano". Depois dirigindo-se ao Diabo aparece o Anjo com luzidia espada nas mãos), O Anjo — Ó peçonhento Dragão, E pai de tôda a mentira, Que procuras perdição Com mui furiosa ira, Contra a humana geração. 14 — Mas nesta povoaçâo Não tens mando nem poder, Pois todos pretendem ser — De todo o seu coração: Inimigos de Lucifer! O Diabo {Sarcástico) Oh que valentes soldados! Agora me quero rir (Ri no ritmo do verso) Mal me podem resistir Os que fracos com os pecados Não fazem O Anjo senão cair! Se caiem, logo se levantam, E outros ficam de pé. Os que, com armas da Fé, Te resistem e te espantam Porque Deus com êles é! (Isto, até aqui, é acompanhado, em baixo, no "R plano" com gestos de braços, mãos, dedos, pelo Padre Anchieta, co mandando a interpretação dos seus atores improvisados. Mas agora não resiste e interrompe a representação). O Padre •— Perdão, meus filhos. Mas falta vigor, fal ta convicção, falta fé. Não mais vos lembrais de como eu ensinei? Escutai: para entenderdes certo o que escrevi, a li ção está nestas palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo: — "Permanecei em mim e eu permanecei em vós". Compreendeis? Recomeça, meu filho, naquele verso que diz assim: — "Oh que valentes soldados". (O Diabo repete o texto, mais valorizado, mas quando o Anjo vai prosseguir é o próprio Padre quem, ocupando o lugar do Anjo, diz agora o texto com novo e mais vivo [ulgor. — 15 - o Padre — Se caem logo se levantam, E outros ficam de pé. Os que, com armas de fé. Te resistem e te espantam Porque Deus com êles é! E com excessivo amor Lhes manda já como esposas Onze mil virgens formosas Cujo contínuo favor Dará palmas gloriosas! E para dar maior pena A tua soberba ousada .— Ela será derrubada Por esta mulher pequena! (E num gesto de fervor aponta Santa Erigida no seu altar. Ai o Diabo começa aos gritos, fazendo artes mágicas, como jogar fogo pela hôca. Dá urros. Saltos. Rebola-se no chão. Sons infernais. Enquanto isto o Padre desce ao "2° plano" e volta a comandar os seus artistas. O Diabo, de re pente, passa a um tom de humildade e humilhação). O Diabo — (Contrito) '— Oh que cruel estocada Me tirastes Quando a mulher nomeastes! Essa mulher me matou, E dando comigo aos trastes A cabeça me quebrou! (Finge chorar) Ai de mim, desventurado! O Anjo — Acolhe-te, Satanás, Oh traidor, aqui serás De pés e mãos amarrado, — 16 — Pois que perturbas a paz Dêste povo sossegado. O Diabo {Rogando-se no chão, suplicante) Ó Anjo, deixai-me ir já Que tremo desta Senhora! O Anjo — Contanto que vás agora E nunca mais tornes cá! O Diabo — {Humilíssimo) Assim eu vim em má hora. .. (Vai para sair mas volta ao proscênio do "2- plano", e, com toda a maldade fala): Mas deixai-os descansar Com esta minha promessa: Pois voltarei bem depressa, Pra vossas casas cercar E quebrar-vos as cabeças.,. (Música. Sai o Diabo fazendo caretas. O Anjo fica em baixo, á esquerda da Santa. Começa o desfile das profis sões: alfaiates, sapateiros, carapinas, pedreiros e demais ar tesãos da Vila de Vitória, trazendo oferendas à Santa Ürsula. Depositam-nas aos pés do trono, ajoelham e formam, depois, em semicirculo no "2° plano". Surge a figura de Vila de Vitória. Enquanto isso o Padre Vicente vem falar ao ouvido de José de Anchieta. O Padre — Então, contamos com ela? Vicente — Ai a tem. Padre José! (E aponta para o segundo plano). (E lá está Ana Canarana vestindo o seu festivo traje de Vila de Vitória. Música solene. Ê nesta altura que surge de nóvo em cena, o Capitão, seguido por seus dois acompa— ,17 — nhantes, Embora de presença ostensiva limita-se a assistir ao que vai acontecer no palco), Ana — {No seu papel de Vila de Vitória) — Mais rica me vejo agora, Que nunca dantes me vi, Pois que ter-vos mereci. Virgem mártir, por Senhora. O Senhor onipotente. Me fez grande benefício, Dando-me aquela excelente Legião de esforçada gente Do grande mártir Maurício Neste dia Se dobra minha alegria Com vossa vinda. Senhora, E pois, a Capitania Hoje tem maior valia. Mais rica me vejo agora! Como perpétua memória De vossa mui santa vida E de morte esclarecida Com que alcançastes vitória. Morrendo sem ser vencida. . . Serei mais favorecida Pois vindes morar em mim, Porque tendo vós aqui Fico mais enriquecida, Que nunca dantes me vi. Da Senhora de Vitória, Vitória sou, nomeada, E, pois, se de vós amada. De Onze Mil Virgens na glória, Espero ser coroada, — 18 — E por vós ser levantada Mais do que nunca eu subi! Para que subindo assi Não seja mais derrubada, Pois que ter-vos mereci. Meus filhos ficam honrados Em vos terem por princesa, Porque de sua baixeza Por vós serão levantados A ver a divina altezaj Temos tudo, Pois que tendo a vós, teremos A Deus, que convosco mora, E logo desde esta hora Todos vos reconhecemos. Virgem mártir, por Senhora! {Acontece, porém, que Ana Canarana começa a repre sentar com grande vigor, mas, pouco a pouco, vai perdendo o ânimo, de forma que os últimos versos saem quase ininteli gíveis. Por fim começa a chorar e cai no chão debulhada em lágrimas) . O Padre — {Gritando e correndo para ela) Ana, Ana, minha filha... Ana — {No chão, agora com o Padre de joelhos, a seu lado) Não posso. Padre, não posso! O Padre .— {Erguendo-a) Ana, preciso de ti. Das tuas forças, da tua coragem. Só te posso lembrar uma coisa: Nos so Senhor Jesus Cristo também carregou, sem desfalecer, a sua Cruz. Foi Êle quem nos ensinou, Ana. Imita-o. E se o fizerdes com Fé, Deus há de saber recompensar-te. Ana ^ {Depois de um silêncio) Olhai-me bem nos olhos. Padre, e iluminai-me com a força de vossa certeza. . . (Olham-se. Depois o Padre leva-a, até ela desaparecer na penumbra. . , Música vibrante. Está entrando no "2° pla— 19 — no" um breve cortejo de evocação religiosa. São Maurício, com um Companheiro. E mais São Vidal, com soldados e ho mens de armas. Enquanto isso. . .) Capitão — {Dirigindo-se a Antônio) Que aconteceu? Por que chora aquela mulher? Antônio •— Porque não sabe senão chorar por lhe terem levado o marido para a guerra. .. (Então o Capitão, altivo, impertinente dirige-se ao Padre). Capitão — Padre, não haverá nesta vossa teimosia pelo teatro algo de um pecado de vaidade insatisfeito? O teatro, creio eu, nada tem a ver com a nossa Santa Religião. Não esqueçais. Padre, .— o teatro, até hoje não tem ido além, afi nal, de um terrível fogo babilônico. . . O Padre — {Sempre na sua simplicidade) Eu criei êste teatro. Senhor, para edificação das gentes. Não sei se outros se têm servido das mesmas armas para acender aquilo a que chamais de fogo babilônico. O teatro, para mim, é um jeito que eu tenho de me dirigir aos corações. Com êste meu tea tro, Senhor, esforço-me por conseguir que os índios esqueçam as festas bárbaras da sua tradição, •— e dêle me sirvo, tam bém, para que todos aquêles que aqui nos chegam, — car regados de brocados e plumas, .— compreendam que deve mos cumprir com humildade o nosso dever de discípulos de Jesus Cristo. .. (O Padre afasta-se. O Capitão ainda quer replicar, mas orgulhosamente dá meia volta, decidido a retirar-se. Briolanja sai-lhe ao caminho). Briolanja .— Ficai Senhor, para vosso melhor conheci mento. E se algum dias voltardes a Portugal, lá podereis dar a notícia de que o nosso Padre Anchieta não só tem procura do conduzir os da nossa raça no caminho de Deus e da hu mildade, como tem querido dar aos índios o direito de serem livres. . . — 20 — (o Capitão afasta-a com um gesto, e vai embora. Só rea parece, porém, depois que se escuta o grito de Serafim do Paço. Mas já recomeçara a música solene. Volta ação no "segundo plano"). Companheiros de São Maurício — Tôda esta Capitania, Virgem mártir gloriosa, Está cheia de alegria, Pois recebe neste dia Sua mãe tão piedosa. Nós somos seus padroeiros Com a nossa legião De tebanos cavalheiros. Soldados e companheiros De Maurício Capitão Êle espera aqui por vós E tem prestes a pousada Para, com vossa morada, Serdes como somos nós Dêste lugar advogada! Santa Úrsula — Para isso sou mandada, E, com vossa companhia. Daremos mui grossa armada, Com que seja bem guardada A nossa Capitania. Muitos há, se bem olhais, Que contra vícios mortais Andam em perpétua guerra. E guardando, com cuidado, A lei do seu criador. Mostram bem seu fino amor, Que tem no peito encerrado — O Jesus, meu Salvador! ^ 21 — I"' (Surge agora, de nôvo, no "2^ plano", Ana Canarana. Fica em cena ladeado pelos dois Santos. No alto. Santa Úrsula, estende sobre ela a sua mão protetora). Ana .— {De nôvo na figura de Vila de Vitória) Entrai ad altare Dei, Virgem mártir mui formosa, Pois que sois tão digna esposa De Jesus que é Sumo Rei. Naquele lugar estreito Cabereis bem com Jesus Pois Êle, com sua cruz, Vos coube dentro do peito, Ó Virgem do meu respeito! Entrai ad altare Dei, Virgem márti mui formosa, Porque sois tão digna esposa De Jesus que é Sumo Rei. De baixo do Sacramento Em forma de pão de trigo. Vos espera, como amigo, Com grande contentamento. Ali tendes vosso assento. Entrai ad altare Dei, Virgem mártir mui formosa Porque sois tão digna esposa De Jesus que é Sumo Rei, (Êstes versos devem ser declamados pela intérprete com emoção e profundo lirismo. Depois um breve silêncio de pura religiosidade). O Padre •—• {Cortando o silêncio) Ana Canarana, es tou adivinhando que Deus está contigo, ^ 22 ^ (Nôvo silêncio. Então escuta-se, vibrante de alegria, uma voz masculina). A Voz .— Ana, meu bem, onde estás, Ana do meu coração? (Surpresa e espanto geral. E surge, juhiloso. Serafim do Paço. Éle e Ana, olham-se. Correm um para o outro. Abra çam-se. Beijam-se. Assim ficam estáticos. O palco escurece. O Padre, de frente para o público, cai de joelhos. Ergue os olhos e os braços para o céu. Luz apenas sobre éle. Escuta-se, bem alto, um coro geral em lenta recitação). CÔRO ^ Defendei com vossa mão Vossos filhos e soldados Que idos são ao Sertão, Pois vão com boa intenção A buscar gente perdida Que possa ser convertida A Jesus, de coração, E ganhar eterna vida. Procurai-nos a saúde Com que a Deus servir possamos E no coração tenhamos O puro amor da Virtude, E sem pecado vivamos. Das novidades sejamos Providos sem carestia, E vossa Capitania, Livre do que receiamos — Vos honre com alegria! (E assim se conserva a cena, imóvel, até o último verso, quando então a cortina vai fechando lenta, lentamente. . .) FIM Agosto de 1969 - 23 - >í • '**' m • • r: f;:- r fS»' K- • •" i. .' ^ ;'Í f^(; r:-.- jf" ^•1 <it s 1 'i-)• \ssí-U^' •• •'í \ • i? r :•(, .i)*-A, • -iüe VI'. * ^.A :,..