INFLUÊNCIA SAZONAL DO LANÇAMENTO DO EFLUENTE TRATADO PELA ESTAÇÃO DE TRATAMENTO DE EFLUENTES DO “DAIA” NA COMPOSIÇÃO DA ENTOMOFAUNA AQUÁTICA DO CÓRREGO ABRAÃO, ANÁPOLIS-GO. Juliana Simião Ferreira1,3; Adriana Rosa Carvalho 2,3 1 Bolsista PIBIC/UEG Pesquisadora-Orientadora 3 Curso de Ciências Biológicas da Unidade Universitária de Ciências Exatas e Tecnológicas, UEG. 2 RESUMO: A entomofauna aquática é utilizada para confirmar impactos em ambientes aquáticos, já que a interação destes fatores bióticos com uma análise limnológica (abiótica) proporciona diagnóstico mais preciso sobre a saúde do sistema lótico. Assim, este trabalho objetiva verificar a influência do lançamento do efluente tratado pela ETE do Distrito Agroindustrial de Anápolis, na composição da entomofauna aquática bentônica do Córrego Abraão. Para isso, foram determinados um ponto à montante do lançamento do efluente e dois pontos à jusante da entrada do lançamento do efluente. Nestes pontos, coletou-se a entomofauna aquática por Súber com malha de 0,225mm uma área de 1m2 por ponto e os fatores abióticos por amostradores digitais. Após separação em campo, os insetos foram triados, fixados em formol 5% e identificados no laboratório. O Córrego Abraão apresentou pH entre ligeiramente ácido na estação seca e neutro na época chuvosa. Os menores valores da concentração de nitrogênio e fósforo foram observados no ponto à montante do lançamento do efluente, o que influenciou intensamente na estrutura da comunidade dos insetos aquáticos, de modo que à montante do efluente foram identificados organismos sensíveis à poluição orgânica e à jusante apenas indivíduos resistentes. Palavras-chave: entomofauna aquática, efluente industrial e diversidade. Introdução A escassez de reservas de água de boa qualidade é decorrente do aumento progressivo da agricultura, mineração e industrialização que causam a poluição de corpos aquáticos e afetam a saúde humana e das comunidades aquáticas (Kleine & Trivinho-Strixino, 2005). Recentemente, estudos com a entomofauna aquática são realizados com o intuito de confirmar estes impactos (Goulart & Callisto, 2005), já que a interação destes fatores bióticos com uma análise limnológica (abiótica) proporciona diagnóstico mais preciso sobre a qualidade do sistema lótico (Brigante et al. 2003). A inserção de substâncias tóxicas ou mesmo elementos essenciais em concentrações elevadas em ambientes aquáticos pode ocasionar a perda na diversidade biológica e a contaminação de diferentes níveis tróficos da cadeia alimentar (Carvalho,1993). Assim, este trabalho tem por objetivo verificar a influência do lançamento do efluente tratado pela Estação de Tratamento de Efluentes do DAIA (Distrito Agroindustrial de Anápolis), na composição da entomofauna aquática bentônica do Córrego Abraão. Material e Métodos Área de estudo O trabalho foi realizado no Córrego Abraão, situado no Distrito Agroindustrial de AnápolisDAIA, localizado entre os paralelos 16º20' e 16º30' S e os meridianos 48º50' e 49°00'W. O Córrego Abraão, está localizado em uma área de aproximadamente 29 ha., em uma altitude variando em torno de 1020m a 1130m. A bacia hidrográfica Abraão/Curado possui uma área de 5,48Km2 , com fator de forma de 0,8, densidade de drenagem de 0,94 e declividade média de 8%. Metodologia Foram realizadas coletas sazonais (época seca e época chuvosa) em três pontos ao longo do Córrego Abraão, o 1° estabelecido 500m à montante do lançamento dos despejos provenientes da ETE (Estação de Tratamento de Esgotos) do DAIA; o 2° ponto de coleta fica a 200 metros à jusante do despejo da ETE e o terceiro a 400 metros abaixo do local de descarga. Nestes mesmos pontos foram realizadas as coletas da água para determinação das variáveis físico-químicas: pH, temperatura do ar e da água (com amostradores digitais portáteis), oxigênio dissolvido, nitrogênio total e fósforo (determinados em laboratório). As coletas de entomofauna aquática foram realizadas em 10 subamostras aleatórias com um amostrador tipo Súrber, de malha 0,225 mm, totalizando uma área de 1m2 por ponto, nos diferentes substratos presentes no local da amostragem. Após a triagem de campo, o material foi fixado em frascos de 250 mL com formol a 5%. Após identificação as amostras foram preservadas em álcool 70% (Oliveira & Froelich, 1997). Resultados e Discussão Fatores Abióticos Os ambientes lóticos são caracterizados e avaliados através de fatores físico-químicos e fisiográficos, cujas variações influenciam na dinâmica de comunidades aquáticas (Silveira, 2003; Cardoso, 2004). Alguns parâmetros do Córrego Abraão a serem correlacionadas com a composição da entomofauna aquática foram mensurados e estão dispostos na Tabela 1. Os valores de temperatura da água variaram pouco nas duas amostragens, o que corrobora a afirmação de Bispo & Oliveira (1998) que a temperatura da água em córregos de zonas tropicais, normalmente apresenta pequenas flutuações. 2 Em relação às médias dos valores de pH, pôde-se observar que variaram de levemente ácido na época chuvosa a neutro na estação seca (Tabela 1), assim como resultados verificados por Silveira (2003) em estudo na bacia do Rio Meia Ponte. Tabela 1: Valores dos parâmetros limnológicos e fisiográficos do Córrego Abraão coletados nos períodos de chuva e estiagem de 2004 e 2005, respectivamente. Parâmetros Pto 1 Pto 2 2004 Pto 3 Média D.P Pto 1 Pto 2 2005 Pto 3 Média D.P Oxigênio Dissolv. (mg/L) Nitrogênio Total (mg/L) Fósforo (mg/L) pH Temperatura água (°C) Temperatura ar (°C) Vazão (m3 /s) Profund.média (m) Largura (m) Velocidade (m/s) 7,6 0,5 1,04 5,8 28,2 24,8 0,07 0,13 1,07 0,48 6,8 2,2 3,7 6,37 23,4 24,4 0,08 0,13 1,20 0,5 6,7 1,6 3,8 6,20 24,8 23,6 0,20 0,17 1,17 1,0 7,03 1,43 2,87 6,12 25,47 24,27 0,12 0,14 1,15 0,66 0,49 0,86 1,57 0,29 0,61 2,47 0,07 0,02 0,07 0,29 7,5 0,75 1,44 6,36 21,1 25,00 0,21 0,19 2,25 0,49 6,40 2,36 2,70 7,33 22,90 23,80 0,26 0,18 2,29 0,64 6,40 2,48 3,60 7,65 22,8 24,4 1,69 2,42 1,49 0,47 6,70 1,83 2,58 7,11 22,27 24,40 2,16 0,93 2,01 0,54 0,07 0,97 1,08 0,66 0,6 1,01 0,84 0,75 0,45 0,09 No que se refere à concentração de nitrogênio total e fósforo, foi notório um aumento com o lançamento do efluente tratado pela Estação de Tratamento de Efluentes do DAIA, em virtude da grande quantidade de matéria orgânica (Nascimento-de-Jesus, 2005). Assim como em Bigante et al. (2003a) em estudos do Rio Mogi-Guaçu, foi observado um aumento da concentração destes nutrientes na estação seca, que pode ser explicado pela diluição, característica da época chuvosa, além de outros fatores como sedimentação. Em relação à variação dos valores de vazão no Córrego Abraão, foi possível observar que os maiores valores ocorreram em junho de 2005. Esta variação pode ser em decorrência de chuvas ocasionais em junho de 2005. Alterações espaciais também foram notadas, de modo que os pontos à jusante do lançamento do efluente apresentaram maior vazão, devido ao maior volume de água lançado no efluente liberado no córrego (Nascimento-de-Jesus, 2005). Desta forma é notória que a caracterização limnológica de ecossistemas lóticos é influenciada por diversos fatores como a geologia, a precipitação pluviométrica e principalmente a emissão de efluentes domésticos e/ou industriais (Silveira, 2003) Fatores Bióticos Foram verificados organismos das ordens Díptera, Trichoptera, Ephemeroptera, Coleoptera, Odonata e Megaloptera (Tabela 2). A família dominante nas duas estações (seca e chuvosa) foi Chironomidae (Díptera) que possui distribuição ampla podendo ser encontrada em vários substratos, além de possuir grupos resistentes a distúrbios na água (Roque et al., 2004) e por isso são encontrados tanto em águas límpidas quanto contaminadas (Callisto et al., 2001). 3 As famílias que apresentaram correlação (Coeficiente de Correlação de Pearson) com as variáveis ambientais foram Simuiidae com temperatura da água (r=0,77); Hydriptilidae com oxigênio dissolvido (r=0,76), nitrogênio total (r= -0,74) e fósforo (r= -0,75) e Gyrinidae correlacionou com pH (r= 0,90). Tabela 2: Composição [abundância (n), e riqueza de espécies, (S) exceto os indivíduos não identificados] da entomofauna aquática no Córrego Abraão nas épocas chuvosa de 2004 e seca de 2005. Pto 1 Pto 2 Pto 3 Total Pto 1 24 243 0 0 0 5 1250 12 1 13 0 64 1791 0 0 0 0 0 3065 255 1 13 0 69 439 13 21 32 24 0 Tricoptera Época Seca Hydropsychidae Hydroptilidae Odontoceridae 1 1 1 0 0 0 0 0 0 1 1 1 Coleóptera Época Chuvosa Gyrin idae Elmidae 1 0 0 0 0 0 Baetidae Odonata Corydalidae Não Identificados Riqueza (S) 0 1 0 8 7 0 2 0 24 4 285 1651 Famílias Díptera Chironomidae Simuliidae Ceratopogonidae Pupa de Diptera Tabanidae Díptera NI Ephem. Odonata Megalop. Total (N) Pto 3 Total 1250 169 3 362 0 66 7607 155 2 484 0 46 20173 337 26 878 24 112 7 3 0 3 0 0 1 0 0 11 3 0 1 0 1 2 18 0 15 0 34 2 0 0 0 63 1 0 3 0 95 12 166 46 1 0 11 6 0 0 1 6 6 0 0 2 5 178 46 1 3 22 1854 3505 758 12755 8319 21827 Pto 2 Das ordens Ephemeroptera, Plecoptera e Trichoptera (EPT), consideradas sensíveis a alterações ambientais, foram coletados 195 indivíduos, dos quais 192 são da ordem Ephemeroptera e 3 de Trichoptera. Da ordem Plecoptera não foi coletado nenhum indivíduo, devido à alta vulnerabilidade da ordem à poluição orgânica (Bispo et al., 2002). Indivíduos das ordens Odonata e Megaloptera, embora sejam considerados de elevada tolerância à poluição ambiental (Goulart & Callisto, 2003), não apresentaram grande abundância. Da ordem Coleoptera foram coletados indivíduos das famílias Gyrinidae e Elmidae. A distribuição temporal da entomofauna registrada no Córrego Abraão foi semelhante à encontrada em outros trabalhos da região do Cerrado, nos quais a menor abundância é verificada na época chuvosa, devido à desestabilização do sistema ocorrida pelo aumento da vazão, aumentando a deriva (drift) dos orga nismos (Bispo & Oliveira, 2001). Os valores do índice de diversidade nos dois períodos foram baixos (Tabela 3) comparado com o trabalho de Oliveira (1997) em córrego do cerrado no sudeste Brasileiro. Estes baixos valores 4 podem ser em decorrência da carência de uma identificação em níveis taxonômicos mais detalhados. No entanto, em relação a informações sobre a comunidade, categorias taxonômicas superiores como família seguem, praticamente, os mesmos padrões ecológicos que espécies (Bispo et al., 2001). Tabela 3: Valores dos índices de diversidade de Shannon-Wiener (H’), Eqüitabilidade (J) e H´máximo da entomofauna aquática do Córrego Abraão. Época Pontos Pto 1 Chuvosa Pto 2 Pto 3 Pto 1 Seca Pto 2 Pto 3 Trecho Trecho Índice de Diverdidade H’ 0,27 0,03 1,40 0,11 0,59 0,10 0,15 0,17 H’ máximo Eqüitabilidade J 0,85 0,32 0,85 0,05 0,30 0 1,04 0,18 1,08 0,57 0,95 0,13 0,85 0,19 0,18 0,30 A equitabilidade foi maior no ponto à montante (na época chuvosa e na seca) devido à maior homogeneidade da abundância, ocorrida em virtude da ausência do lançamento do efluente neste ponto. Nos outros pontos houve dominância de algumas famílias resistentes, o que diminui sensivelmente a equitabilidade. O lançamento do efluente industrial no córrego influencia na distribuição espacial da entomofauna aquática, acarretando em diferença na composição das espécies nos pontos amostrados, devido à alteração das características limnológicas e fisiográficas no córrego, que causa segundo Odum (1983) a desestabilização do ambiente com conseqüente alteração na fauna aquática, o que auxiliou para diminuição da riqueza de espécies nos dois últimos pontos (após o lançamento). Essa diminuição do número de famílias é decorrente do efluente oriundo a ETE, que diminui a concentração de oxigênio, em virtude da grande quantidade de matéria orgânica, e consequentemente reduz o número de famílias que suportam esta redução no nível de oxigênio na água (Roque et al. 2003). Consideraçõe Finais O Córrego Abraão apresentou pH entre ligeiramente ácido na estação seca e neutro na época chuvosa e valores moderados de oxigênio dissolvido. Os menores valores de oxigênio dissolvido foram observados em época chuvosa. Os valores de temperatura e concentração de oxigênio dissolvido foram homogêneos entre os pontos amostrados. Dos 25.332 indivíduos coletados 98,5% foram Chironomidae, o restante corresponde a organismos das famílias Simullidae, Ceratopogonidae, Tabanidae (Diptera); Hydropsychidae e Hydroptilidae (Trichoptera); Baetidae (Ephemeroptera); Gyrinidae e Elmidae (Coleoptera) e Corydalidae (Megaloptera.). 5 Os menores valores da concentração de nutrientes (nitrogênio e fósforo) na água foram observados no ponto a montante do lançamento do efluente, em decorrência do grande aporte de matéria orgânica. Este fator influenciou intensamente na composição da comunidade dos insetos aquáticos, de modo que à montante do efluente foram identificados organismos sensíveis à poluição orgânica e à jusante apenas indivíduos resistentes. Referências Bibliográficas Bispo, P. C., Froehlich,C. G., Oliveira, L. G.2002. Stonefly ( Plecoptera) fauna of streams in a moutainous área of Central Brazil: abiotc factors and nymph densty. Revta Bras Zool., 19.325334p. Bispo, P.C.; Oliveira, L.G., Gesci, V.L. Silva, M. M. 2001. A pluviosidade como fator de alterações da entomofauna bentônica (Plecóptera, Ephemeroptera e Trichoptera) em um córrego do Planalto Central do Brasil. Acta Limnológica Bras., 13(2): 1-9p. Brigante, J.; Espíndola, E. L. G.; Povineli, J.; Nogueira, A. M. 2003a. Caracterização física, quiímica e biológica da água do Rio Mogi-Guaçu. In: Brigante, J.; Espíndola, E. L. G.(ed.) Limnologia Fluvial-Estudo no Rio Mogi-Guaçu. Ed. RiMa.255p. Brigante, J.; Espíndola, E. L. 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