ALTERAÇÕES NO PADRÃO DE CONSUMO DE ALIMENTOS NO BRASIL APÓS O PLANO REAL Joselis Moreira da Silva Nilson Maciel de Paula Resumo: O padrão de consumo sofre alterações ao longo do tempo devido às alterações que ocorrem tanto na esfera da oferta quanto na esfera da demanda. No Brasil, observou-se uma rápida aceleração desse processo a partir da década de 1990, com destaque para as mudanças nos hábitos alimentares dos brasileiros a partir da implantação do plano Real. O presente trabalho se propõe a elencar as principais mudanças, e suas respectivas causas, nos hábitos alimentares do consumidor brasileiro, em particular, após o plano econômico de 1994, além de verificar se estamos caminhando para uma homogeneização do padrão de consumo no Brasil. 1. Introdução O padrão de consumo brasileiro vem sofrendo transformações ao longo do tempo, porém, é a partir da década de 1990 que essas mudanças, que partem do consumidor e as ocorrem na esfera da oferta, tornam-se mais significativas. O consumidor brasileiro, através de mudanças sócio-econômicas pelas quais tem passado, busca atualmente maior praticidade, comodidade, rapidez, inocuidade e qualidade. Entre essas mudanças destaca-se, principalmente, o aumento do poder aquisitivo que levou a uma diversificação da cesta de consumo, enquanto que a maior urbanização e acesso à informação propiciaram ao brasileiro defender seus direitos como consumidor e exigir maior qualidade dos produtos. A estabilidade do crescimento populacional gerou núcleos familiares cada vez menores, sem disponibilidade de tempo para preparo de alimentos de forma tradicional; a mulher passou a dividir-se entre trabalho fora de casa e as tarefas domésticas, necessitando de alimentos práticos, saudáveis e de rápido preparo; e os adolescentes e crianças estão entrando cada vez mais cedo no mundo do consumo, devido à falta de tempo dos pais. Entretanto, com a implantação do Plano Real em 1994, houve uma rápida aceleração dessas alterações estruturais nos hábitos alimentares dos brasileiros. A queda abrupta da inflação e a estabilidade de preços proporcionaram um aumento do poder aquisitivo, favorecendo o planejamento do consumo familiar intertemporal e possibilitando uma recomposição nas cestas de consumo. Um amplo contingente de consumidores foi incorporado ao mercado, ao mesmo tempo que, alguns segmentos da população elevaram seu padrão de consumo, migrando para alimentos mais sofisticados. Assim, há o surgimento de um consumidor mais exigente e atuante, reduzindo o abismo que nos separa dos países mais desenvolvidos. O presente trabalho se propõe a elencar as principais mudanças, e suas respectivas causas, nos hábitos alimentares do consumidor brasileiro, em particular, após o plano econômico de 1994, além de verificar se estamos caminhando para uma homogeneização do padrão de consumo no Brasil. 2. Mudanças Sócio-econômicas Durante a Década de 1990 A partir de dados do IBGE, IBOPE e Target, pôde-se notar as mudanças sociais pelas quais o Brasil passou durante a década de 1990. Esses dados revelaram que o crescimento populacional brasileiro esteve estabilizado em cerca de 2 milhões de nascimentos ao ano desde 1990, o que significa que a taxa de crescimento populacional veio caindo desde então (NEVES, 2003a). QUADRO 1: Crescimento Populacional Brasileiro (em milhões) Anos Cresc. Pop. 1980 1990 1995 1996 1997 1998 1999 2005* 119 145 156 158 160 162 164 175 Fonte: NEVES, 2003a (IBOPE/NPD) *estimativa Como conseqüência da menor taxa de crescimento populacional, a proporção de idosos tem aumentado a uma taxa de crescimento 31% maior que as outras faixas etárias, como demonstrado na tabela abaixo: TABELA 1: Crescimento Populacional por Faixa Etária no Brasil Faixa Etária 1995 2005* Crescimento (%) 10 a 24 anos 47,8 49,8 4% 25 a 64 anos 66,3 83,2 25% Mais de 65 anos 7,7 10,1 31% Fonte: NEVES, 2003a (PNDA/IBGE/IPEA) *estimativa Esse aumento da população idosa gerou uma maior preocupação com a saúde e, principalmente, com a alimentação, uma vez que eleva o número de pessoas que precisam fazer dietas balanceadas, manter controle permanente das taxas de colesterol e do nível de açúcar no sangue (NEVES, 2003b). Outra conseqüência direta observada é que os núcleos familiares tornaram-se cada vez menores, o que pôde ser notado com a queda na taxa de fecundidade de 4,3 para 2,6 filhos por mulher em idade fértil, acarretando numa redução do tempo para preparo de alimentos de forma tradicional (NEVES, 2003a). A distribuição de renda entre 1990 e 1997 sofreu poucas mudanças. Ocorreu um decréscimo da população com renda superior a US$7050, de 3,2% para 2,7% da população, enquanto que a classe de renda que mais cresceu foi justamente as que recebem entre US$2820 e US$7075 e a que detém menos que US$1420 (NEVES, 2003b). As desigualdades sociais permaneceram altas, fato que pode ser notado ao segmentar-se a população, com base no critério de segmentação de mercados “renda”. São as classes A, B, C e D/E. As mudanças no comportamento do consumidor brasileiro são ditadas nos segmentos que se comportam de maneira semelhante a dos consumidores de países industrializados, segmentos A e B, que representam 23% da população brasileira (NEVES, 2003a). A mulher brasileira passou a dividir-se entre trabalho fora de casa e as tarefas domésticas, necessitando de alimentos práticos, saudáveis e de rápido preparo para a sua família, alimentos que surgiram em décadas de 1980 e 1990. Dentre estes, destacam-se os congelados, picados, enlatados, embalados e instantâneos (MAIA, 2003; KRÜCKEN-PEREIRA, 2003). Segundo dados do IBGE, em 1996, mais de 23 milhões de mulheres estavam no mercado de trabalho, contra 2,5 milhões nos anos 50 e, pouco antes da passagem para o século XXI, mais de 40% do total da mão-de-obra brasileira era feminina. No quesito escolaridade, 28% das mulheres possuíam mais de 11 anos de estudo, contra apenas 19% dos homens. Com relação à população ocupada, mais de 30% das mulheres tinham pelo menos o segundo grau completo, em oposição a 21,2% dos homens (MAIA, 2003; CYRILLO, 2003). O resultado decorrente é uma consumidora independente, com maior consciência de seus direitos, formadora de opinião e administrando, com mãos de ferro, o orçamento doméstico. Com a crescente importância da mulher na economia do lar brasileiro, surgiram também com maiores exigências os homens solteiros, separados, divorciados e viúvos demandando uma maior praticidade na cozinha, pela menor intimidade com as panelas. Segundo pesquisa do IBGE, os solteiros somavam já em 1995 cerca de 2,5 milhões de pessoas, sendo 1,7% da população brasileira com padrão muito acima da média (IBGE, 2003; MAIA, 2003). Juntamente com estes homens, aumentaram o número de estudantes morando sozinhos, e de profissionais que moram temporariamente em outras cidades, todos demandando alimentos em quantidades e embalagens menores que as ingeridas por uma família, os chamados alimentos individualizados (CYRILLO, 2003). No final dos anos 90, uma geração de consumidores atingiu seu ápice, a denominada Geração Y (Y da expressão young). Jovens apresentando um perfil intrigante, que gostam de ser estimulados e possuem necessidades crescentes de consumo (CYRILLO, 2003). Segundo estudos realizados pela ACI Pesquisa e Estudos de Mercado, juntamente com Gouvêa de Souza M & D, em 1995 haviam cerca de 13 milhões de jovens entre 20 e 24 anos, o que representava 8,5% da população brasileira. Já em 1999, este valor passou para 15,7 milhões de pessoas ou 10,4% da população (SUPERMIX, 2000). Estes adolescentes, apesar de pequena renda própria (R$ 30 bilhões) influenciavam diretamente 20% dos gastos familiares totais em 1999, o que corresponde a R$ 94 bilhões num gasto familiar de R$ 470 bilhões anuais. Como os pais passaram a ser pressionados pelo tempo, os jovens começaram a comprar para suas famílias e para si próprios. Por entrarem no mundo do consumo cada vez mais cedo, ao chegar na adolescência já possuíam prática e alto poder seletivo (CYRILLO, 2003). 3. Estabilidade Econômica no Brasil A mudança de perfil do consumidor pós-Real, plano implantado pelo governo brasileiro em julho de 1994, pode ser vista de modo visível. Alguns indicadores médios mostram isso: as pessoas que mais acumularam ganhos de rendimento com o real foram as que trabalham por conta própria, com aumento de 41% acima da inflação do período, e aquelas sem carteira assinada com 33%, enquanto que as pessoas com carteira assinada foram as menos favorecidas, com ganhos apenas de 17% (LAVINAS, 1998 p.13). No período de janeiro de 1991 a junho de 1994, verificou-se uma acentuada perda do poder aquisitivo da renda domiciliar dos quatro primeiros décimos de distribuição no Brasil segundo o levantamento da PME. Entretanto, com o início do Plano Real até fins de 1997, houve uma recuperação do poder de compra, principalmente dos 40% mais pobres (LAVINAS, 1998 p.14, 15). A queda da inflação e a estabilização dos preços, a partir do segundo semestre de 1994, além de aumentar o poder aquisitivo da população, estimulou novos investimentos produtivos nas lavouras e nas fabricas, impulsionando significativamente todos os segmentos do agribusiness brasileiro, responsável por cerca de 35% do PIB nacional (JUNQUEIRA, 1995 p. 4). Estes estímulos permitiram a recuperação da produção e das vendas de insumos, máquinas, implementos agrícolas e caminhões em níveis acima dos registrados no início dos anos de 1990. Assim, o Plano Real confirmou as expectativas iniciais de que a estabilização da moeda traria como conseqüência uma expansão sobre o consumo alimentar no Brasil, com influência positiva também sobre a produção de gêneros alimentícios “in natura” e industrializados. Essa demanda aquecida por alimentos foi satisfatoriamente atendida tanto pela redução da ociosidade industrial quanto pelo aumento das importações, sem acarretar qualquer tipo de crise de abastecimento interno (LAVINAS, 2003; CYRILLO, 2003; JUNQUEIRA, 2003). Segundo dados da Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação – ABIA, o crescimento médio da produção física setorial entre o segundo semestre de 1993 e o segundo semestre de 1994 foi da ordem de 5,5%, concentrados principalmente no desempenho das vendas. As contribuições mais expressivas advém dos seguintes segmentos: chocolates, balas e confeitos, 35,1%; sorvetes e enlatados, 15%; produtos dietéticos, 10%; laticínios, 11% e bebidas lácteas refrigeradas, principalmente iogurtes, 30% (JUNQUEIRA, 1995; LAVINAS, 2003). Como conseqüência direta da sua expansão produtiva, as agroindústrias alimentares brasileiras chegaram a ocupar 81% da sua capacidade instalada em 1994, um dos maiores índices já atingidos desde o final dos anos 1980. Paralelamente a esse aumento da oferta interna de gêneros alimentícios, as importações aumentaram em volumes cada vez maiores, resultando num dispêndio médio nacional de US$ 80 milhões mensais com estes itens nesse mesmo ano (JUNQUEIRA, 1995). Outra importante constatação evidenciada após a implantação do Plano Real é a de que os brasileiros passaram não apenas a consumir mais, mas também optaram pela aquisição de produtos mais elaborados e de melhor qualidade. Um vasto contingente de consumidores, os de baixa renda, foi incorporado ao mercado de alimentos, enquanto alguns segmentos da população elevaram seu padrão de consumo, migrando para alimentos mais sofisticados (CYRILLO, 2003; LAVINAS, 2003). De uma maneira geral, os produtos básicos passaram a ser substituídos por produtos mais nobres, como perecíveis e alimentos protéicos de origem animal. As vendas de produtos como café, cereais, açúcar e sal tiveram uma queda real, em 1994, de 6%, enquanto foram observados índices de aumento significativo nas vendas de biscoitos, chocolates, sucos, pães, carnes, conservas e derivados lácteos (JUNQUEIRA, 1995 p. 8). “Pesquisas realizadas pela NIELSEN SERVIÇOS DE MARKETING, em todo o país, revelaram que para o bimestre outubro/novembro de 1994, as vendas físicas nos supermercados cresceram 30% em relação às verificadas no mesmo período de dois anos atrás. A análise particularizada por tipos de produtos mostrou um crescimento expressivo no comércio de perecíveis, com destaque para os iogurtes, leite flavorizado e carnes congeladas. Em outubro/novembro de 1994 as vendas de produtos perecíveis situaram-se 21,6% acima das do período agosto/setembro; 13,6% acima do período de dezembro de 1993/janeiro de 1994 e 47% acima do patamar de dois anos atrás” (JUNQUEIRA, 1995 p. 8). A estabilização dos preços permitiu ao consumidor brasileiro recuperar a noção do valor do produto que adquire, uma vez que favorece a sua memorização e a comparação permanente entre itens, marcas, lojas e equipamentos. Isso também favoreceu o planejamento do consumo familiar intertemporal e possibilitou uma recomposição nas cestas de consumo. O brasileiro pôde optar por parcelar mais suas compras, sem a necessidade de realizar estoques ou aquisições para períodos mensais ou quinzenais de consumo (CYRILLO, 2003). Houve uma evolução progressiva dos produtos que compõem a cesta de consumo, evidenciando uma maior diversificação de bens. Essa cesta passou a incorporar um aumento de demanda por bens duráveis e de valor mais elevado, segundo a PNAD/1996, como o telefone, refrigerador, freezer e televisão (MENSAGEM, 1998). Contudo, ao final do primeiro semestre de 1995, a situação do aquecimento econômico, que tantos benefícios trouxe ao segmento agro-alimentar como um todo, começou a alertar sobre possíveis novas crises. Um descontrole entre demanda e oferta interna de bens de consumo sinalizou uma retomada da inflação e da recessão econômica, embora os primeiros alvos de contenção de consumo a serem atingidos foram os bens duráveis, o setor alimentício permaneceu alerta a novas políticas de controle econômico, como restrições ao crédito e juros altos (JUNQUEIRA, 1995 p. 5). De 1994 a 1997, o consumo total de alimentos apresentou um aumento de 20%, com especial destaque para as taxas de crescimento dos dois primeiros anos. Em 1996 e 1997, o consumo de alimentos cresceu cerca de 4% e 3%, respectivamente (MENSAGEM, 1998). A série temporal abaixo, na qual são cruzados os valores do salário mínimo e preços da cesta básica em 15 capitais brasileiras, durante o período de janeiro a abril de 1998, evidencia que até 1994 esse indicador do poder de compra do salário mínimo oscilou excessivamente em razão da inflação e dos reajustes salariais resultante da correção monetária. Essa variação foi da ordem de 40% a 140%. Porém, a partir do segundo semestre de 1994, verificou-se uma tendência à queda da razão, que perdura até o final de 1997 (LAVINAS, 2003). Fonte: LAVINAS, 2003 p.4 “O Gráfico 1 também indica aumento da dispersão do preço da cesta básica do Decreto-Lei 399/38 entre as capitais estudadas no período pós-estabilização. Para confirmar a existência de um comportamento de preços distintos entre as capitais, como sugere o referido gráfico, calculamos o coeficiente de variação (curva rosa no Gráfico 2)” (LAVINAS, 2003 p.4). Fonte: LAVINAS, 2003 p.5 “De fato, a estabilização parece ter favorecido uma fase de convergência de preços mais longa que as precedentes (março de 1994 a meados de 1996), mas propicia também um aumento mais agudo da dispersão no período mais recente, desde março de 1997. Ainda assim, trata-se de uma variação relativamente pequena, pois embora tenha praticamente dobrado no último ano, situa-se em torno de 1%. Como mostra a curva azul, no mesmo Gráfico 2, o índice 0,7 relativo à média mensal nacional da razão do preço da cesta básica/salário mínimo é dos mais favoráveis nos últimos oito anos. O pior desempenho desse índice remonta ao período imediatamente subseqüente à implantação do Real, provavelmente decorrente do efeito inflacionário de impacto que se seguiu com a mudança da moeda. Entre junho de 1994 e maio de 1995, a aquisição de uma cesta básica do Decreto-Lei 399/98 consome mais que a totalidade de um salário mínimo. Esse quadro modifica-se substantivamente na data em que o governo promove um primeiro reajuste importante do salário mínimo (da ordem de 50%)” (LAVINAS, 2003 p.4, 5). A rápida recuperação do salário mínimo verificada a partir de maio de 1995, passando de R$ 70,00 para R$ 100,00, foi decorrente do aumento do real salário, uma vez que os preços das cestas básicas coletados pelo Dieese não sofreram praticamente nenhuma variação. Novos aumentos foram observados em maio de 1996 e maio de 1997 devido a um aumento real do salário, porém, a partir de setembro de 1997 houve uma inversão desse comportamento. De setembro de 1997 a abril de 1998, a retração dessa tendência é caracterizada pela perda do acréscimo do poder aquisitivo ganho outrora, ou seja, queda da renda individual e aumento do preço da cesta básica (LAVINAS, 2003 p. 12,15,18). “Uma constatação interessante diz, portanto, respeito à dinâmica inversa observada no comportamento dos preços regionais da cesta básica: o incremento, na média nacional, do poder de compra do salário esconde uma realidade regional bastante diferenciada, com melhora em algumas capitais e deterioração em outras” (LAVINAS, 2003 p.5). Assim, o próximo gráfico (Gráfico 3) tenta captar o comportamento dos desvios em relação à média, com intuito de identificar quais as capitais explicariam a tendência a dispersão registrada, evidenciando aquelas onde estaria ocorrendo uma degradação do poder aquisitivo da população. Fonte: LAVINAS, 2003 p.6 “Chama a atenção o bom desempenho das capitais periféricas, a saber: Fortaleza (melhor razão, 10% abaixo da média, e melhor atuação no período, pois registra o maior ganho pós-estabilização), João Pessoa, Recife, Salvador, Goiânia, Belém, Natal e Vitória. Todas elas apresentam desvio abaixo da média no último ano e a maioria ao longo do período de estabilização. Com desvio positivo, mantém-se São Paulo — a pior relação, 12% acima da média — que, juntamente com Curitiba, explica boa parte do aumento da dispersão da razão entre capitais brasileiras. Em seguida, temos Porto Alegre, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília e Florianópolis. Assim, nas capitais das regiões mais ricas e desenvolvidas, a evolução da razão preço da cesta básica/salário mínimo foi relativamente mais desfavorável.” (LAVINAS, 2003 p. 5, 6). Uma constatação interessante é que nos períodos de alta inflação houve uma convergência, enquanto na fase de estabilização ocorreu uma dispersão. “Isso estaria confirmando a hipótese de que em épocas fortemente inflacionárias os agentes econômicos tendem a aplicar índices de reajuste quase idênticos, sem considerar a realidade da economia local, promovendo, assim, indiretamente maior homogeneidade no comportamento regional dos preços. Ao contrário, com a estabilização, a sincronização dos preços relativos perde importância e prevalecem os fatores estruturais na sua composição, mais próximos dos custos reais, o que leva a uma maior diferenciação inter-regional. Em outras palavras, os custos da cesta básica seriam mais altos nas áreas mais desenvolvidas que nas áreas periféricas; seu preço, por isso, é mais elevado nessas regiões.” (LAVINAS, 2003 p. 6) A partir de 1999, quando houve a desvalorização cambial e o aumento das tarifas públicas, o consumo foi diretamente afetado pelas restrições de crédito, em particular o consumo daqueles bens de maior valor unitário, cuja demanda depende de maior financiamento. Um exemplo clássico é o caso de eletrodomésticos e automóveis, que com o aumento dos juros passaram a apresentar um desempenho negativo. Entretanto, o setor de alimentos e bebidas tem uma menor dependência de crédito e continuaram a definir uma trajetória ascendente, porém em menor ritmo (MENSAGEM, 1999). 4. Mudanças nos Hábitos Alimentares Empolgada com o repentino ganho de poder aquisitivo, grande parte da população começou a comprar produtos mais elaborados, que antes dificilmente entravam na cesta básica. Um amplo contingente de consumidores foi incorporado ao mercado de consumo, principalmente nas classes mais pobres da população brasileira. A euforia desses novos consumidores foi tanta que dois produtos, o frango e o iogurte, tornaram-se símbolos desse período (BETING, 2003; CYRILLO, 2003). O consumo de iogurte teve um crescimento vertiginoso, cresceu 87,2% entre 1994 a 1996, segundo dados do governo (BETING, 2003). O aumento da quantidade consumida per capita registrado no grupo de aves e ovos é decorrente de um maior consumo de carne de aves, tendo em vista que houve um barateamento dos preços deste item, provável razão para que o aumento no seu consumo tenha sido superior ao consumo de carne bovina (PÓLIS, 2003). Entretanto, a Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE revelou que em 1996 o brasileiro comia 28% mais biscoitos, mas 16,6% menos arroz e 15,6% menos feijão que em 1987 (BETING, 2001; IBGE, 2003). O grupo “leite e derivados” apresentou uma redução do consumo per capita e da participação percentual das despesas familiares com alimentação, porém com uma significativa alteração na sua composição. Enquanto o consumo e o gasto com leite fluido diminuiu, o subgrupo de queijos e requeijão registrou uma elevação em seu consumo em praticamente todos os estratos de renda, sendo a única exceção a faixa entre 10 e 20 salários mínimos (PÓLIS, 2003). As frutas apresentaram uma situação curiosa de decréscimo do consumo per capita de frutas tropicais e, simultaneamente, uma elevação no consumo de frutas de clima temperado. Em termos absolutos, a quantidade consumida das primeiras é significativamente superior à das últimas, porém esse aumento observado pode ser explicado pela redução de preços de algumas frutas temperadas. Entretanto, também podemos observar neste segmento as disparidades na condição alimentar da população devido a restrições de renda. Nos estratos superiores o consumo médio de frutas tropicais chegou a ser quase o dobro da observada nos estratos inferiores de renda (PÓLIS, 2003). A situação observada no grupo de legumes e verduras é similar ao caso das frutas. O consumo de hortaliças registrou um decréscimo significativo no consumo per capita e na participação nas despesas familiares em todos os estratos, além de apresentar uma diferenciação no patamar de consumo entre os estratos superiores e inferiores de renda (PÓLIS, 2003). O mercado de comidas congeladas foi o que mais cresceu no mundo de 1993 a 1998, em cerca de 25%. De acordo com números da Perdigão, em 97 o crescimento da linha total de congelados e resfriados ficou em 190%, comparado a 94. Esse índice sobe 253% quando comparado com o ano de 93, segundo Nielsen. O mercado de legumes e vegetais foi o que mais evoluiu no segmento de congelados entre 1995 e 1997. As vendas de 97 foram 272% maiores que as de 95 segundo dados da Perdigão. A categoria já representava em 98, 7% do volume total de congelados no país (TROCCOLI, 1996 p.15; PÓLIS, 2003; SUPERMIX, 1997). O setor de alimentos pré-prontos também cresceu demasiadamente em fins da década considerada, devido ao aumento na demanda de refeições prontas por parte dos consumidores. A área de congelados, deste modo, passou a apresentar variedade e qualidade de produtos, com liderança nas vendas de lasanha, em 98 (BETING, 2003; KRÜCKEN-PEREIRA, 2003). O mercado de salgadinhos em 95 e 96 chegou a crescer a uma taxa acima de 30%, devido a uma invasão das grandes empresas no mercado de salgadinhos congelados, entre coxinhas de frango, croquetes de carne, bolinhas de presunto e queijo, e de bacalhau, ideais para festas e complementos de pratos. A polenta préfrita era, ao lado da coxinha, o carro-chefe dos negócios da Friogel, em fins de 98 (TROCCOLI, 1996; SUPERMIX, 1998; KRÜCKEN-PEREIRA, 2003). No setor de massas, uma das categorias que mais cresceram foi a de massas instantâneas, em nome da praticidade e rapidez no preparo da refeição. Segundo números do Instituto ACNielsen, a massa instantânea saiu de uma produção de 24,5 mil toneladas em 1995 para 48 mil toneladas em 1999, um aumento de 100% no volume (SUPERMIX, 1999). Já o consumo de sopas prontas, segundo Nielsen, aumentou 171% entre 94 e 97. Em 1997, a produção nacional atingiu mais de 137 milhões de litros, garantindo um faturamento ao setor de US$137,3 milhões. Para suprir esta demanda, só a Knorr lançou em 1998, 21 novos produtos. O investimento no desenvolvimento de novas sopas e caldos ultrapassou US$ 8 milhões na empresa em 98 (SUPERMIX, 1999; KRÜCKEN-PEREIRA, 2003). O segmento diet e light registrou só em 1995, um crescimento de 15% em relação a 1994 (na época, só o setor de informática crescia nesse mesmo ritmo), segundo estimativas de vários supermercadistas. Também em 95, dentre uma linha de 40 itens dietéticos, os adoçantes e também o Diet Shake, eram os recordistas em vendas. Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos Dietéticos (ABIAD), o mercado para diet e light cresceu 200% entre 1995 e 2000, superando de longe a indústria de alimentos convencionais, que evoluiu numa taxa de 5% ao ano. A cada ano, essa indústria lança 200 produtos no mercado (SUPERMIX, 2000; KRÜCKEN-PEREIRA, 2003). Um mercado promissor tanto para os agricultores quanto para os supermercados é o segmento dos alimentos orgânicos. No Brasil esses segmento está em crescimento acelerado. Foram US$10 milhões em 1999, sendo metade da produção voltada para o mercado externo. Em 2000, já eram registrados cerca de 20 novos agricultores orgânicos por mês, sendo que quem produz este tipo de alimento também passou a conseguir preços melhores. O mercado de soja orgânica na Europa em 2000 diferenciava em até 100% o preço do produto em comparação à soja tradicional (SUPERMIX, 2001). 5. Considerações Finais As evidências apresentadas neste trabalho corroboram a hipótese de que a partir da implantação do Plano Real houve uma rápida aceleração nas alterações do padrão de consumo brasileiro, devido, em grande parte, ao aumento da renda real per capita. O conjunto de transformações sócio-econômicas e mudanças nas preferências do consumidor verificadas no período levaram os brasileiros, em geral, a se preocuparem mais com a saúde, qualidade de vida e segurança alimentar. Portanto, houve um aumento significativo na demanda por alimentos, bem como uma melhoria do consumo de alimentos em termos qualitativos. Os dados analisados sugerem que, apesar das diferenças regionais e culturais, os consumidores brasileiros, de uma forma geral, têm hábitos alimentares muito semelhantes entre si. Entre 1994 e 1997, quando o impacto da estabilização econômica é ainda manifesto pela economia, verificou-se uma melhora significativa nos índices de poder aquisitivo e uma certa homogeneização do padrão de consumo brasileiro. Entretanto, a partir de setembro de 1997, observamos uma contratendência. O poder aquisitivo reduz-se rapidamente nas principais capitais do país, sendo que a população de baixa renda é a classe mais prejudicada. Nesse momento, há novamente uma forte tendência a dispersão do padrão de consumo brasileiro. A expectativa inicial de alguns pesquisadores de que haveria uma tendência de que o padrão de consumo brasileiro se aproximasse do padrão observado nos países mais desenvolvidos, devido ao entusiasmo com os benefícios atingidos com o Plano Real. Essa possível homogeneização do consumo de alimentos seria factível devido à globalização, que disponibiliza uma maior quantidade de produtos importados e de melhor qualidade. Porém, estes efeitos benéficos deixaram de atuar com a mesma eficácia observada na primeira fase da estabilização. As transformações que vêm ocorrendo no setor de alimentos no Brasil, devido à conduta da política econômica, têm provocado uma redução dos preços relativos dentro de um contexto de incremento da competição. Outra evidência constatada é que os gastos alimentares continuam representando uma parcela significativa no orçamento dos consumidores, indicando o baixo nível de desenvolvimento do país. 6. Referencia bibliográfica BETING, J. Feijão ou requeijão? São Paulo, 06 fev. 2001. Disponível em: <http://www.uol.com.br/aprendiz/n_colunas/j_beting/id061000.htm> Acesso em: 06 fev. 2003. CYRILLO, D.C; SAES, M. S. M; BRAGA, M. B. Tendências do consumo de alimentos e o Plano Real: uma avaliação para a grande São Paulo. IPEA. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/pub/ppp/PPP16/PARTE5.doc> Acesso em: 12 fev. 2003. IBGE. Dados do censo de 2000 mostram um Brasil mudado. 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