MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DA AMAZÔNIA (UFRA) INSTITUTO DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS (ICA) Translocação de Solutos Orgânicos no Floema das Plantas Prof. Dr. ROBERTO CEZAR LOBO DA COSTA Belém – Pará 2012 INTRODUÇÃO Os primeiros autores consideravam que os vegetais obtinham seus nutrientes diretamente do solo Desde o século XVII, já se tinha evidências experimentais de que o floema transporta substâncias importantes para o crescimento das plantas. Uma dessas evidências foi apontada pelo biólogo italiano Marcelo Malpighi, o qual chamou atenção para o intumescimento resultante do anelamento de troncos e galhos. Em 1679, Malpighi demonstrou que a seiva bruta originária do solo era modificada nas folhas através da ação da luz solar, sendo convertida em seiva elaborada que alimentava outras partes da planta. Anelamento ou Cintamento (Anel de Malpighi) Figura 1: Anel de Malpighi. O intumescimento da região logo acima do anel evidencia que substâncias são transportadas pelo floema. Se o anelamento for realizado no caule principal, a falta de suprimentos provocará a morte das raízes e posteriormente do vegetal como um todo. O floema é, portanto, a ponte que permite a passagem de suprimentos da parte aérea (produtos da fotossíntese) para as raízes. Esses suprimentos permitem que as raízes continuem exportando água e sais minerais para a parte aérea. Extraído de www.cpa.unicamp.br/sbfv Ainda no século XVIII consideravam-se que as correntes de seiva ascendente e descendente moviam-se no xilema. Em 1837, Hartig descobriu os tubos crivados no floema secundário de espécies arbóreas, considerando que os mesmos eram os canais de movimento da seiva elaborada. 23 anos depois, Hartig observou a ocorrência de exsudação de seiva que este estava relacionado com a corrente descendente originária das folhas, verificando que ele continha até 33 % de açúcar. Somente em 1930 as idéias de Hartig receberam o devido reconhecimento como resultado de novos experimentos envolvendo anelamento, enxertia, sombreamento da folhagem e remoção das folhas. Estudou-se mais detalhadamente com o advento da microscopia eletrônica e com a utilização de corantes fluorescentes e radioisótopos como: 14C, 13C, 13P, 35S, dentre outros usados como traçadores radioativos. A aplicação simultânea de 13C na folha e de 32P no sistema radicular demonstrou que o anelamento do floema não interfere com o movimento de substâncias no xilema. O movimento descendente do 13C assimilado é impedido pelo anelamento, enquanto o transporte ascendente do 32P não. Em 1945 Rabideau e Burr acondicionaram folhas de feijoeiro, realizando fotossíntese no interior de uma câmara de vidro com a introdução de 13CO2, e com o bloqueamento do floema comprovou a translocação dos fotoassimilados contendo 13 C pelo floema. A sacarose marcada com 14C não só tem confirmado o movimento destas substâncias no floema, como também têm demonstrado de forma conclusiva que os açúcares são transportados nos tubos crivados. Figura acima: translocação de solutos orgânicos em uma folha de fava (Vicia faba) com a utilização de corantes fluorescentes vermelho (que cora as membranas) e verde (que cora proteínas-P). Figura abaixo: experiência realizada com a utilização do isótopo radioativo carbono – 14 (14C), através da incorporação de 14CO2 em folhas de beterraba (Beta vulgaris) produção de fotoassimilados marcados com 14C e rotas de translocação dos assimilados das fontes para os drenos. (extraído Taiz & Zeiger, 2005) Experiência de Rabideau e Burr (1945) CÂMARA DE VIDRO 13CO 2 D D Fonte D D D Utilização do carbono – 13, do gás carbônico (13CO2), Rabideau e Burr comprovaram a translocação de assimilados no floema. OS AFÍDEOS Pequenos insetos sugadores que parasitam os canais de translocação da seiva orgânica – comprovação do floema como condutor de assimilados orgânicos. Introdução de estruturas bucais (estiletes) no caule ou nas folhas, até que a ponta perfure um tubo crivado. A pressão de turgor força a seiva pelo trato digestivo que sai na extremidade posterior como gotículas de uma solução açucarada. OS PESQUISADORES Durante a alimentação os afídeos são anestesiados e separados dos seus estiletes, a exsudação da seiva do tubo crivado sai continuamente. Análises do exsudato coletado com uma micropipeta revelou que a seiva do tubo contém de 10 a 25% de matéria seca, sendo 90% dela açúcar (principalmente sacarose) e menos de 1% de aminoácidos e outras substâncias contendo nitrogênio. Esse método biológico estabelece a localização das células funcionais do floema e permite obter amostras da seiva orgânica sem nenhum tipo de contaminação. Utilização dos Afídeos na translocação orgânica O afídeo Longistigma caryae alimentando-se no caule da Tília (Tilia americana). Gotículas de secreção açucarada vista saindo do afídeo. Esta solução é altamente rica em sacarose, que por sua vez será consumida por formigas. Estas conseguem capturar alguns afídeos e mantê-los presos no formigueiro numa relação de sinfilia denominada esclavagismo. Extraído de Raven, P.H; Evert, R.F & Eichhorn, S.E – Biologia Vegetal, 2001. Esclavagismo Formigas Solução Açucarada rica em sacarose Objetivos Conhecer os aspectos anatômicos e fisiológicos do floema através da análise ultraestrutural dos elementos de tubo crivado e células companheiras. Determinar os mecanismos orgânicos no floema de transporte de solutos Identificar as substâncias transportadas no floema das fontes para os respectivos drenos Relacionar a translocação no floema com a produtividade vegetal Contribuir para o acervo material das disciplinas anatomia, morfologia, fisiologia vegetal e bioquímica voltadas para o ensino da graduação e pós-graduação. Características do Floema CONCEITO: Tecido de condução transporte e distribuição de nutrientes Áreas de síntese ou órgãos de reserva Áreas de consumo ou armazenamento FOLHAS NOVAS FLORES FRUTOS SEMENTES Características do Floema Constituição: Conjunto de células vivas especializadas: - elementos crivados - células companheiras - células do parênquima vascular - fibras, esclereídes e células lactíferas Origem: A partir da diferenciação das células do câmbio vascular em direção ao exterior, dispondo-a na parte mais externa da área vascular - origem primária (protofloema) - origem secundária (floema). Características do Floema Origem celular: Uma célula meristemática no câmbio vascular divide-se longitudinalmente, sendo que uma das células-filhas se diferencia em um elemento crivado e a outra célula-filha se diferencia em uma ou mais células companheiras. Tubos crivados (TCs): células vivas que contém mitocôndrias, plastídeos e retículo endoplasmático liso. Contudo perdem seu núcleo e tonoplasto durante o desenvolvimento. Cada TC tem uma ou mais células companheiras (CC). Na maturidade, essas células irmãs permanecem interligadas por plasmodesmas. Componentes presentes nos TCs: São a calose e a proteína P (encontradas em dicotiledôneas e muitas monocotiledôneas, mas está ausente em gimnospermas). Células Companheiras: São fonte de ATP e de diversas substâncias para os TCs. A proteína P é constituída de 2 subunidades: PP1 e PP2. A PP1 é um filamento do floema e PP2 é uma lectina do floema. As 2 subunidades protéicas são sintetizadas nas CC. Uma das funções da proteína P é selar os poros dos TCs que são danificados. Os TCs estão sob continua pressão e as proteínas P são importantes para que o conteúdo transportado no floema não extravase. A calose é um β-1,3 glucano, que também serve para selar os TCs, sendo, contudo uma solução a longo prazo. A calose é sintetizada no TC em resposta a um dano, início de dormência ou alta temperatura. Quando o TC se recupera, a calose desaparece. A calose sintetase é a enzima que produz calose, localiza-se na parede celular e reage com anilina azul. Figura 7: Acima, maturação de um tubo crivado. Abaixo, 2 elementos de tubos crivados maduros Alocação de Assimilados Conceito: é a regulação da divisão do carbono fixado entre as várias vias metabólicas. Ela compreende o armazenamento, a utilização e o transporte do carbono fixado. Destinos metabólicos do carbono fixado: a utilização na respiração, síntese de reservas e síntese de materiais estruturais (parede celular,lignificação, etc.) O processo de alocação pode ocorrer tanto na fonte como no dreno. - Fontes: após a fotossíntese, sob a forma de amido nos cloroplastos e sacarose nos vacúolos (noite) A regulação entre a síntese de amido ou de sacarose é um processo regulado de modo competitivo nos vegetais. A sacarose é sintetizada no citosol, a triose fosfato destinada para isso deve vir do cloroplasto. Ao mesmo tempo, a síntese de ATP no cloroplasto requer um suprimento de fosfato vindo do citosol. O translocador de fosfato é o responsável pela troca entre o fosfato (ou fosfato inorgânico Pi) vindo da síntese da sacarose no citoplasma para a síntese de ATP nos cloroplastos e a triose fosfato vinda do cloroplasto para a síntese de sacarose. As enzimas chaves na biossíntese de sacarose no citoplasma são a sacarose fosfato sintase (SPS) e a frutose -1,6- bifosfatase. No cloroplasto, a enzima chave para na síntese do amido é a ADP-glicose pirofosfatase A ADP-glicose pirofosfatase é inibida por fósforo inorgânico (P.i). Se o nível de P.i é alto no citossol, ele será trocado por triose fosfato para a síntese de sacarose e a síntese de amido será inibia Figura : A síntese de sacarose libera fosfato (Pi) no citoplasma e o Pi é trocado com a triose fosfato pelo translocador de fosfato (TPi) favorecendo a contínua síntese de sacarose. A luz também afeta a alocação de assimilados, sendo que ela promove a desfosforilação da enzima SPS, tornando-a ativa Nodificado e Taiz $ Zeiger; e www.cpa.unicamp.br/sbfv. Partição de Assimilados Conceito: processo de redistribuição de nutrientes (inorgânicos e orgânicos) entre as várias partes da planta através do floema, sendo importante para que todos os órgãos sejam supridos. A força motriz que transporta os solutos inorgânicos é a transpiração,porém os nutrientes provenientes do solo tendem a se acumular nos órgãos que transpiram mais, como as folhas maduras, em detrimento dos que transpiram menos , como os brotos novos e frutos. Para corrigir isso, os vegetais redistribuem os nutrientes de um órgão para outro através do floema. O gráfico ao lado fornece um exemplo de distribuição de nutrientes (partição de assimilados) móveis e imóveis no floema entre as folhas e os frutos de tomateiro. Note que os elementos móveis no floema (nitrogênio, fósforo e potássio) tendem a se acumular nos frutos, mas os que não se movem (Cálcio) ficam retidos nas folhas. Nutrientes como Ca=2, SO4- e Fe ficam em baixas concentrações. Elaborado a partir de dados apresentado por Adams, 1986 apud castro, Kluge & Peres, 2005). www.cpa.unicamp.br/sbfv. A partição de nutrientes feita através do floema segue um critério relativamente simples: ela é feita no sentido da fonte para o dreno, sendo que os drenos mais fortes recebem mais nutrientes. Fonte: qualquer órgão exportador de nutrientes,tipicamente folhas maduras expandidas, que são capazes de produzir fotossintatos em excesso para as necessidades. Os órgãos de reserva exportadores também são fontes Em plantas bianuais, no primeiro ano o órgão de reserva funciona como dreno e no segundo como fonte. Muitas raízes tuberosas são resultados da seleção de plantas bianuais que passaram a ser drenos permanentes (beterraba e cenoura) Drenos: órgãos não fotossintéticos do vegetais e que portanto não produzem fotossintatos em quantidades suficientes para sua próprias necessidades de crescimento ou de reserva. Exemplo de Drenos: tecidos vegetativos em crescimento (ápices caulinares e radiculares), tecidos de armazenamento quanto estão importando assimilados (raízes e caules) e unidades de reprodução e dispersão (frutos e sementes). Fatores que definem a força do Dreno são: Proximidade: Normalmente as fontes translocam nutrientes para os drenos que estão mais próximos dela. Como critério geral, as folhas da porção superior das plantas costumam translocar nutrientes para o folhas novas e caules em crescimento, as folhas da porção basal exportam para o sistema radicular. Desenvolvimento: Durante a fase vegetativa ao maiores drenos são os ápices radiculares e ápices caulinares.Na fase reprodutiva os frutos se tornam dominantes. Conexão vascular: fontes translocam assimilados preferencialmente para drenos com os quais elas têm conexão vascular direta. Pode-se levar em conta alguns desses critérios para o manejo correto de culturas a fim de se aumentar a força dos drenos desejáveis e conseqüentemente a produtividade. Figura: Modelo esquemático fonte – dreno: folhas mais velhas e outras folhas são fontes para o desenvolvimento de flores e frutos Mecanismos de Transporte no Floema Fluxo de Massa ou Pressão Fluxo Eletrosmótico Corrente Protoplasmática Proteínas Contrácteis H2 O H2 O H2O H2 O H2 O H2 O Carregamento do Floema Envolve o movimento dos produtos dos cloroplastos nas células do mesófilo para as células do tubo crivado (TC) Existem dois tipos principais de carregamento: simplástico (através de plasmodesmas) e o apoplástico (os açúcares presentes no espaço intercelular e na parede celular devem ser transportados ativamente para atravessarem a membrana citoplasmática e entrarem no complexo TC – CC. A via apoplástica ocorre em plantas que possuem CC comuns ou células de transferência nas nervuras terminais. Essas espécies transportam quase que exclusivamente sacarose (famílias: Solanaceae (batata, tomateiro), Fabaceaea (feijão, ervilha), Chenopodiaceae (beterraba), Asteraceae, etc.. A via simplástica ocorre em plantas que possuem CC intermediárias. Essas espécies transportam 20 a 80% de seus açúcares na forma de rafinose e/ou estaquiose, além de sacarose. (famílias: Cucurbitaceae (abobrinha, melão), Labiatae (Coleus blumei) e Convolvulaceae Carregamento do Floema por via Simplástica GLICOSE SACAROSE FRUTOSE GALACTOSE RAFINOSE Carregamento do Floema por via Apoplástica Apoplasto Citoplasma Descarregamento do Floema Descarregamento do Floema Descarregamento do Floema APOPLASTO Descarregamento do Floema APOPLASTO CITOPLASMA Substâncias Transportadas A concentração de sacarose transportada varia entre 0,3 a 0,9 M. Além da sacarose, o floema transloca outros açúcares não redutores (pois são menos reativos), tais como: rafinose (sacarose + galactose), estaquiose (sacarose + 2 galactoses) e verbascose (sacarose + 3 galactoses). Açúcares cujos grupos aldeído e cetonas foram reduzidos a álcool (manitol, sorbitol) também são translocados O nitrogênio ocorre no floema na forma de aminoácidos (glutamato e aspartato) e aminas (glutamina, asparagina), mas nunca na forma de nitrato. Proteínas essenciais para o funcionamento celular (tiorredoxina, quinases, ubiquitina, chaperonas) também são translocadas. O floema também transporta substâncias sinalizadoras, sendo importante na comunicação entre as várias partes das plantas. Entre as substâncias sinalizadoras transportadas no floema, estão os hormônios vegetais do tipo auxina, giberelina, citocinina e ácido abscísico. Outro importante sinal transportado pelo floema é o RNA mensageiro (mRNA). A água é a substância mais abundante transportada no floema. Os solutos translocados, sobretudo carboidratos, estão dissolvidos em água. Apesar do floema não transportar nitrato, ele transporta muitos nutrientes minerais, tais como: Mg2+,PO43-, Cl- e K+. , o floema também transporta outras macromoléculas como peptídeos (ex. sistemina) e partículas virais Velocidades de Transporte Em geral, as velocidades medidas por várias técnicas são, em média, da ordem de 10 a 100 cm h-1, com obtenções ocasionais de 300 cm h-1, em plântulas jovens. As velocidades de transporte no floema são bastante altas, muito além da taxa de difusão em grandes distâncias. Portanto, qualquer mecanismo proposto para translocação no floema deve levar em conta essas altas velocidades. PLANTAS VELOCIDADE(cm. H-¹) Metasequóia 48 - 60 Batata 20 - 80 Beterraba 50 - 135 Feijoeiro 107 Cucúrbita sp. 250 – 300 Trigo 100 Cana-de-açúcar 240 - 350 Poda e Partição de Assimilados A poda é uma técnica de manipulação de fontes e drenos utilizada por horticultores com a finalidade de modificar a partição de assimilados. Tem como objetivo deslocar os fotoassimilados para os drenos de interesse e conseqüentemente aumentar a produtividade. É comum eliminar - se os ramos ladrões em fruteiras perenes e brotações laterais em culturas anuais de tomateiro. A poda é útil para quebrar a dominância apical em plantas ornamentais e frutíferas para incrementar o florescimento e a melhor produção dos frutos. Figura 22 : Prática do anelamento na produção de uva (videiras). Nessa cultura, faz-se o anelamento dos ramos que contém racemos ainda em flor para provoca a retenção dos assimilados. Com isto, ocorre um aumento na quantidade de assimilados nesse ramo que é translocado para o dreno de interesse. (é o caso dos frutos) conseqüentemente ocorre a melhoria na produção e na qualidade das uvas produzidas naquele cacho. Extraído de www.cpa.unicamp.br/sbfv Elementos de tubos crivados maduros unidos, formando um tubo crivado. Com destaque para as placas crivadas e as áreas laterais crivadas. Extraído de Taiz & Zeiger, 2004; Raven; Evert & Eichorn, Biologia vegetal, 2001. Secção transversal de caules de árvores revelando o crescimento primário e secundário. O floema e o xilema primários são formados diretamente através da diferenciação do meristema apical. Porém o floema e xilema secundários são formados pelo câmbio, o qual diferencia ao mesmo tempo células de floema para fora (centrifugamente) e células de xilema para dentro (centrípetamente). Extraído de Raven, P.H; Evert, R.F & Eichhorn, S.E – Biologia Vegetal, 2001 e www.cpa.unicamp.br/sbfv.