Revista da FAE Terceiro setor, qualidade ética e riqueza das organizações Piero Muraro* José Edmilson de Souza Lima** Resumo O presente artigo torna visíveis as potencialidades do Terceiro Setor no que diz respeito à solução objetiva dos problemas sociais e à geração de riqueza para as nações como um todo. Além do que, revisa preliminarmente o conceito de Terceiro Setor, descreve sua expansão, acentuando sua importância no combate aos desequilíbrios sociais e, finalmente, explicita a necessidade de que a qualidade ética dos gestores é fundamental para garantir o sucesso das organizações. Conclui que a riqueza de uma organização está associada à qualidade ética de seus gestores. Palavras-chave: terceiro setor; qualidade ética; auto-interesse. Abstract The current article shows potentialities of the Third Sector in relation to an objective solution of social problems and generating wealth to nations as a whole. Besides revising first the concept of the Third Sector, it describes its expansion and emphasises its importance on the fight against social imbalances. Finally, it shows the explicit need of ethical quality in managers to be essential to ensure success of organizations. It is conclusive that the wealth of an organization, generally speaking and particularly in the Third Sector, is related to the ethical quality of managers. Key-words: third sector; ethical quality; self-interest. Rev. FAE, Curitiba, v.6, n.1, p.79-88, jan./abr. 2003 * Acadêmico do Curso de Administração da FAE Business School. Bolsista do Programa de Apoio à Iniciação Científica (PAIC) da FAE Business School. E-mail: <[email protected]> ** Doutorando em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Mestre em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina ( UFSC). Professor da FAE Business School. E-mail: <[email protected]> |79 Introdução Pode-se afirmar que a década de 1990 é o período da expansão e consolidação do terceiro setor em diversos países do mundo. Para alguns estudiosos destas áreas do conhecimento, o suporte da “economia solidária” é o terceiro setor. Sem ele, o problema do “desemprego estrutural”, que apavora todos os países, desde os mais ricos aos menos ricos, tende a se agravar de maneira cada vez mais dramática. Nesse sentido, a expansão do terceiro setor estimula a produção de estudos e pesquisas que ajudem a compreender este novo fenômeno sociocultural, que emerge como possibilidade de distribuição de renda para muitos profissionais excluídos dos outros setores da economia. O Instituto Ethos, por exemplo, promove todos os anos concursos, junto às instituições de ensino superior, envolvendo temas direta e indiretamente associados ao terceiro setor. Em certa medida, intervém positivamente no processo de consolidação do terceiro setor. Sintonizado com tais tendências históricas, o presente artigo, originário de um projeto de Iniciação Científica, propõe-se a tornar visível para os interessados, de maneira clara e objetiva, a inegável importância da qualidade ética dos gestores nas organizações sem fins lucrativos.1 Para tanto, recorre a estratégias metodológicas que articulam dados secundários com dados primários coletados por meio de entrevistas semiestruturadas, junto a profissionais que atuam na gestão de instituições do terceiro setor. O artigo está estruturado em cinco seções, além das considerações finais. Na primeira, são apresentados os elementos que delimitam o conceito de terceiro setor. Na segunda, são elencadas as principais categorias que ajudam a 80 | construir uma tipologia própria para o terceiro setor. A terceira seção trata de explicitar a importância do terceiro setor no combate aos problemas sociais no Brasil. A quarta seção demonstra a influência positiva do terceiro setor no que se refere à redução do desemprego. A quinta seção, de maneira similar à seção anterior, demonstra a relação entre qualidade ética dos gestores do terceiro setor e a construção de riquezas. Por último, nas considerações finais, tomando como referência a qualidade ética dos gestores, são evidenciadas as potencialidades do terceiro setor. 1 O terceiro setor Em todos os espaços regionais existentes no mundo, seres humanos estão buscando ampliar seus horizontes e participar ativamente das decisões que regem seu modo de viver. Um terceiro setor toma dimensão global e convida homens e mulheres a participarem de sua expansão, rumo a uma revolução diferente do fenômeno “lucro”, distinto do poder único e exclusivo centrado no governo, mais em busca da primeira Revolução Social. Define-se terceiro setor, segundo Aquino Alves, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas, citado por Melo Neto e Froes (2001, p.9), como o espaço institucional que abriga ações de caráter privado, associativo e voluntarista voltadas para a geração de bens de consumo coletivo, sem que haja qualquer tipo de apropriação particular de excedentes econômicos gerados nesse processo. Este artigo resulta de pesquisa realizada no âmbito do Programa de Apoio à Iniciação Científica – PAIC 2002, desenvolvido pelo Núcleo de Iniciação Científica da FAE. 1 Revista da Para Ruth Cardoso, citada por Melo Neto (2001, p.8) o terceiro setor é uma nova esfera pública, não necessariamente governamental, constituída de iniciativas privadas em benefício do interesse comum, compreendendo um conjunto de ações particulares com o foco no bem-estar público. De acordo com Merege, citado por Srour (1998, p.239), o terceiro setor é um conjunto de organizações não governamentais, caracterizadas pelo aspecto de não possuir fins lucrativos e que a partir de âmbito privado buscam resultados públicos, com propósitos de trazer respostas aos problemas sociais como saúde, educação, direitos civis, proteção ao meio ambiente etc. Suas receitas podem ser geradas em atividades operacionais, mas resultam, sobretudo, de doações do setor privado ou do setor governamental. Devido a essas particularidades (figura 1), as organizações do terceiro setor são caracterizadas a partir de duas negações: “não governamental” ou “sem fins lucrativos” FAE certa forma irada com a política local, vivenciando personagens como Guevara, Fidel, Keneddy, convivendo com a crise no setor público, corrupção, má gestão, crescimento das necessidades socioeconômicas, graves problemas sociais de miséria, violência, desemprego, preconceito e com maior apoio da mídia e das empresas do âmbito privado, se organizasse em grupos para defender seus direitos em busca de justiça e liberdade. No Brasil, o terceiro setor foi no passado mais conhecido por ações voltadas à caridade e ligado a religiosos. Apenas igrejas, orfanatos, escolas religiosas e hospitais eram vistos como organizações importantes sem fins lucrativos. Na década de 1970, o país vivenciou mudanças que deram início a constantes movimentos sociais, buscando soluções para problemas localizados como falta de água, falta de terra, aumento de preços, dentre outros. Ao longo da década de 1980, a repressão militar ocorrida no final da década anterior, ainda com manchas do que representou para o modo de viver da população FINS SETOR brasileira, caracterizou um período de lutas pelos direitos civis, seja ela pelas “Diretas Já” ou pelos Privados Privados Mercado movimentos organizados pelos sindicatos. Na Públicos Públicos Estado década de 1990, a força da expressão “sem fins AGENTES Para = Privados Público TerceiroSetor Públicos Privado Corrupção FIGURA1- DEFININDOOSSETORESDAECONOMIA FONTE: FERNANDES(1994, p.21) lucrativos”, unida a um período de fracasso governamental nas ações sociais, deu início a uma inegável expansão do terceiro setor, compondo ONGs, fundações, associações, clubes recreativos 1.1 Expansão do terceiro setor Os primeiros diretores de Organizações NãoGovernamentais (ONGs) na América Latina possuem hoje entre 40 e 60 anos. As diferentes formas de exclusão social, associadas à incapacidade dos governos em promover ações significativas fizeram com que esta população, de Rev. FAE, Curitiba, v.6, n.1, p.81-88, jan./abr. 2003 e esportivos, institutos etc. De acordo com o quadro 1, em termos comparativos, a movimentação do PIB anual do terceiro setor – US$ 1,1 trilhão – equipara-se a países tais como Reino Unido e Itália e ultrapassa o de países como Brasil, Rússia, Espanha e Canadá. Em termos quantitativos, significa que o terceiro setor caracteriza-se como um excelente negócio. |81 QUADRO1- PIBDOTERCEIROSETOREMRELAÇÃOAOSP IBDOS sociedade PAÍSES-1995 PAÍS PIB(US$trilhões) Eua 7,2 Japão 5,1 civil detentora de liberdade de expressão e luta, caminhando em direção ao crescimento e a uma certa independência na conquista dos objetivos traçados. Organizações filantrópicas, beneficentes e de caridade: são organizações voltadas à França 1,5 filantropia: (assistencialismo no auxílio a pobres, ReinoUnido 1,1 desvalidos, desfavorecidos, miseráveis, excluídos Itália 1,1 Terce ro i setor 1,1 e enfermos). É composta por abrigos, orfanatos, Brasil 0,7 centro para indigentes, organizações voltadas à Rússia 0,7 distribuição de alimentos, vestuário, hospitais, Espanha 0,6 Canadá 0,5 creches, serviços sociais na área de saúde e educação, como colégios religiosos e universiFONTE: UniversidadeJohnsKopkins NOTA: Extraídode: CARIDE, Daniel. Maistrabalhoembenefíc iopúblic o. que caracteriza estas organizações são dades. O GazetaMerca ntil ,S ãoPaulo, 27, nov. 1998, p.4. a boa vontade, solidariedade, espírito fraterno e serviço à comunidade. Estas são as organizações mais freqüentes do terceiro setor e apresentam um alto índice de confiabilidade. Além da 2 Principais categorias confiança depositada em religiosos, estas do terceiro setor organizações abrem suas portas à população, convidando-a ao trabalho muitas vezes gratuito, mais ativo (voluntariado). Sabe-se que boa parte O terceiro setor subdivide-se em várias da população não gosta de apenas doar sem ver, categorias: prefere estar junto, e a filantropia proporciona Associação: representa organizações que isto a seus colaboradores. exercem atividades comuns ou defendem Organizações não governamentais: são interesses comuns ou mútuos. É uma organização voltada aos interesses dos próprios participantes, organizações que, na década de 1970, tiveram compreendendo uma grande variedade de crescimentos representativos, gerando grandes objetivos e atividades recreativas, esportivas, correntes de colaboradores e fãs dos trabalhos culturais, artísticas, comunitárias e profissionais. desenvolvidos. Cerca de 68% delas surgiram O número de associações vem crescendo no Brasil naquele contexto. A rigor, a ONG difere das devido a problemas localizados existentes nos organizações filantrópicas por não exercer estados, nas cidades e principalmente nos bairros. nenhum tipo de caridade, chegando até a se Problemas em escolas, nas ruas, no combate à posicionar contra esta atitude. A ONG luta pelo violência, na busca pela recreação e na direito e pela igualdade de todos. É uma organização de grupos profissionais deram organização comprometida com a sociedade origem a novas e numerosas esferas de caráter civil, com movimentos sociais e com a público, unindo forças e transformando seus transformação social. Diferenciam-se das colaboradores em ferramentas indispensáveis para Associações por estarem voltadas a “terceiros”, a construção em equipe de um modelo de não buscando os seus objetivos comuns. Sua 82 | China 2,8 Alemanha 2,2 Revista da idéia é contrária à construção de autonomia. Outro detalhe importante: a ONG leva “ao pé da letra” o conceito sem fins lucrativos. Para que não haja dúvidas entre possíveis fraudes, os diretores não podem sequer receber remuneração por meio de salário. Quando uma ONG desaparece, seus bens devem ser doados para uma outra organização do mesmo gênero. Outra característica das ONGs é sua alienação em relação ao Estado e ao mercado, que conseqüentemente dá a estas organizações uma maneira distinta de se administrar, dando ênfase a movimentos sociais emergentes, como o preconceito, direitos humanos, ecologia, educação, saúde etc. Fundações privadas: tornaram-se cada vez mais importantes no contexto social. Vários nomes famosos deram origem a estas, como Ayrton Senna, Getúlio Vargas, Roberto Marinho e Leonardo da Vinci. Várias empresas também fundaram as suas, trazendo a parceria entre o segundo setor e o terceiro setor. É uma categoria de conotação essencialmente jurídica. A criação de uma fundação se dá, segundo o Código Civil, pelo instituidor, que através de uma escritura ou testamento, destina bens livres, especificando o fim a ser alcançado. Trabalham também com vários fins: educação, saúde, qualidade de vida, etc. 3 A importância do terceiro setor no combate aos problemas sociais no Brasil Uma das principais razões para o surgimento e principalmente para a expansão do terceiro setor no Brasil são os graves problemas sociais enfrentados pelo país. A América do Sul já herda há tempos este problema e o Brasil, por sua Rev. FAE, Curitiba, v.6, n.1, p.83-88, jan./abr. 2003 FAE extensão e pela falta de comprometimento do setor governamental, talvez um problema mais administrativo que territorial, segue esta linha. Segundo o jornal Folha de S. Paulo (caderno especial Solidariedade, de 19.12.1997), citado por Melo Neto (2001), 40% das crianças de 0 a 14 anos vivem com renda per capita de até meio salário mínimo; ou seja, 20 milhões de crianças; os 20% mais ricos concentram 63,3% da renda nacional e os 50% mais pobres acumulam 11,6% da renda do país; 33,1% dos adolescentes estão fora da escola; 5,1% das habitações brasileiras estão localizadas em favelas e similares; 150 mil pessoas estão presas no país, não contabilizando as que se encontram em delegacias. Outros dados importantes para serem analisados dizem respeito à violência no Brasil: 63% das agressões físicas sofridas pelas mulheres ocorrem dentro de casa, sendo que apenas um terço é denunciada. O Brasil sustenta o índice de 48,6 óbitos por mil habitantes. Conforme levantamento feito pelo Conselho Regional de Medicina e pela Associação Paulista de Medicina no primeiro semestre de 1998, o total de crimes no Estado de São Paulo foi de 767 mil. No Rio de Janeiro, em 1997, foram assassinadas 7.794 pessoas e 40.111 automóveis foram roubados, acumulando uma média diária de 109 carros furtados e 284 agências bancárias assaltadas ( MELO NETO, 2001). Outro grave problema enfrentado pelo Brasil é o preconceito. Segundo pesquisa realizada pelo DIEESE (2002b), no ano de 1998, a diferença entre a taxa de homens negros e homens não negros desempregados chegou a 51,4% na cidade de São Paulo e 57,9% em Salvador. A taxa de desemprego na cidade de Recife, segundo levantamento realizado em 2000, para homens de cor negra é de 19,4%, enquanto para os não negros é de 15,7%. No mesmo levantamento realizado pelo DIEESE, na cidade de Belém, no biênio de 1995/ 96, 44% das crianças que executam o trabalho infantil o fazem nas ruas. |83 Baseado nestes e em outros problemas sociais, vários órgãos do terceiro setor surgem como ferramentas a serem usadas pela população para alterar este quadro. A Fundação Abrinq é um exemplo de combate a estes problemas. É um órgão feito Com vários problemas sociais, mas com uma população que respeita seu país e busca a cada dia transformá-lo, não há dúvidas de que a tendência é a ampliação das organizações do terceiro setor, da sua profissionalização e da sua parceria com o Estado em benefício das crianças No início da década de 1990, o então eleito presidente norte-americano George Bush, em seu discurso de posse, fez uma declaração sobre a importância do voluntariado, destacando a ambição do seu governo, indicando que seria muito melhor a comunidade agir em benefício dela, com para combater os empresários que utilizam a auxílio do governo, do que este agir, sem conhecer mão-de-obra os reais problemas ali instalados. infantil. As empresas se comprometem publicamente a não contratar menores de 14 anos e ganham um selo, intitulado “amigo da criança”. Várias empresas nacionais, bem como multinacionais aderiram a este programa. Essas organizações estão se expandindo. A força está no veículo poderoso que pode transformar o Brasil num novo país neste novo século em que se vive, o coração. Várias empresas do segundo setor deixaram para trás a mentalidade precária do lucro como fonte de acumulação de riqueza e se transformaram em amigas da população brasileira. São muitas as fundações privadas, fundadas por pequenas, médias e grandes empresas. Além do que, vale ressaltar o crescimento de várias ordens religiosas nas últimas décadas do século XX. São grupos de auxílio a indigentes, viciados em droga, alcoólatras. Grupos de auxílio à família, ao jovem, ao idoso. São ações em benefício do bairro, da comunidade. Nota-se freqüentemente a união das referidas instituições religiosas com políticos, buscando aquilo que deseja: a parceria do terceiro setor com o primeiro setor. 84 | No Brasil existem hoje mais de 250.000 organizações do terceiro setor (MELO NETO e FROES, 2001). São aproximadamente 1,2 milhão de voluntários trabalhando principalmente em cultura, recreação e assistência social. O terceiro setor precisa desta parceria com o governo, precisa ampliar sua parceria com o segundo setor e precisa também buscar sua profissionalização, não como ganho de mercado ou de lucro, mas como a capacidade de uma organização em colocar em prática seus objetivos e justificar por meio de bons resultados sua existência. Com vários problemas sociais, mas com uma população que respeita seu país e busca a cada dia transformá-lo, não há dúvidas de que a tendência é a ampliação das organizações do terceiro setor, da sua profissionalização e da sua parceria com o Estado. Em Curitiba, a Fundação de Ação Social (FAS ), órgão da prefeitura da cidade, formou mais de 35.000 alunos em diversos cursos em 2002, entre eles, informática, manicure, hotelaria (inglês e espanhol), marcenaria e costura industrial, proporcionado emprego e conhecimento à população. Ela segue um exemplo de que pode dar certo, de que grandes frutos serão colhidos em função do crescimento intelectual e social do Brasil. Revista da 4 Desemprego X Terceiro Setor Os problemas econômicos enfrentados pelo Brasil nos últimos anos como a crise de 1999 e a desvalorização do real frente ao dólar, serviram para abalar a estrutura criada pelo governo FHC em busca do crescimento econômico e da geração de empregos. Serviram também para fortalecer a importância e o crescimento das organizações do terceiro setor. A expansão deste, quando caracterizada por Rifkin (1995), provém do aumento do desemprego tecnológico decorrente da chamada Terceira Revolução Industrial, que está deixando milhões de pessoas desempregadas. A nação transcreve sua política na competitividade resultante da industrialização, que amarga sérias conseqüências de redução de empregos e aumento das diferenças sociais, acarretando o grave problema de má distribuição de renda. Para combater o fim dos empregos, Rifkin (1995), assim como outros estudiosos, aponta o crescimento do terceiro setor e seu poder em prover satisfatórios índices de emprego à população. Simplesmente porque o terceiro setor é gerido por pessoas e sua substituição por máquinas levará muitos e muitos anos. Se as parcerias entre empresas e organizações do terceiro setor seguirem com a mesma intensidade que terminaram o século XX e se for consolidada a parceria entre Estado e terceiro setor, teremos neste uma fuga ao desemprego, uma fuga a um caos que o homem poderá estar disponibilizando com a seqüência do avanço de suas invenções, como o Clone Humano e o Robô. No Japão, milhares de organizações sem fins lucrativos são patrocinadas pelo setor público atingindo cerca de 80 a 90%. Em torno de 23.000 organizações de caridade operam naquele país atuando em ciência, arte, religião, dentre outros. Mais 12.000 organizações atuam Rev. FAE, Curitiba, v.6, n.1, p.85-88, jan./abr. 2003 FAE para o bem-estar social, como creches diurnas, auxílio a idosos, serviços de saúde e proteção à mulher, provando que a parceria do primeiro setor com o terceiro setor poderá proporcionar grande salto de qualidade de vida à população mundial. Vale ressaltar também que uma grande parte deste sucesso japonês concentra-se na ajuda mútua da comunidade, que atinge cerca de 90% dos lares japoneses. Se o terceiro setor pretende transformar-se em força eficaz, capaz de gerar uma nova era, o governo terá de apoiar esta transição, investindo nele, para que gere emprego ao homem, e não às máquinas. Quanto ao homem, terá de se dedicar cada dia mais à ampliação e à profissionalização. Conforme RIFKIN (1995), no século XXI o mercado e o setor público desempenharão um papel reduzido na vida cotidiana dos seres humanos em todo o mundo, não irão de forma alguma sumir, mas entrarão em declínio comparável à força de crescimento das organizações do terceiro setor. Portanto, são necessárias capacitação e força de vontade das partes citadas, para que este conjunto possa agir em benefício da população em geral. 5 Qualidade ética para a contrução de riqueza O terceiro setor, não diferente de qualquer organização, possui problemas. A dificuldade é facilmente visualizada na busca por novos e permanentes parceiros, no uso de metodologias eficientes, no acompanhamento e avaliações das ações praticadas pela organização no combate aos problemas sociais, entre outros. Entretanto, dois problemas surgem com maior gravidade: A identificação dos problemas sociais realmente prioritários e o combate ao auto-interesse. |85 O comportamento ético e organizacional A ética luta contra dois fatores visivelmente baseia-se em alguns pontos prioritários: na aplicados em certas organizações: a falta de aplicação dos princípios éticos a todos os comprometimento com as prioridades relacionamentos que a organização mantém anunciadas e o auto-interesse (interno e externo) e na formação da consciência ética – social dos colaboradores perante seus Conforme Sá (2000), a ética analisa a parceiros e seu público alvo. vontade e o desempenho virtuoso de ser em face O terceiro setor é muito influente. Despertar de suas intenções e atuações, quer relativos à a desconfiança das pessoas é um fator que não própria pessoa, quer em face da comunidade em pode ocorrer nestas organizações. O terceiro setor que se insere. A ética encara a virtude como deve agir pensando em seu público, tendo como prática do bem e esta como promotora da missão primordial a administração de sua imagem. felicidade dos seres. As organizações do terceiro A ética entra para servir como suporte a esta setor existem justamente para isso, para ajudar missão. Segundo dados da Folha de S. Paulo o ser humano na busca constante da felicidade, (quadro 2), as organizações do terceiro setor combatendo a pobreza e a desigualdade. Neste apresentam grandes índices de confiabilidade contexto, de acordo com as formulações de entre a população brasileira. Esta pesquisa mostra Giannetti (1993), a ética pode ser vista como fator de produção. Na verdade, a qualidade ética ainda a decadência do setor governamental. é de vital importância para a riqueza de uma nação. Entenda-se como nação um conjunto de QUADRO -2 AOPINIÃODOSBRASILEIROSSOBREASINSTITUIÇÕES pessoas que, unidas, formam um determinado MUITA/ ALGUMA POUCA/ NENHUMA grupo, seja um sistema organizacional, uma vila, INSTITUIÇÕES CONFIANÇA CO NFIANÇA um estado. Dessa maneira, a riqueza de uma (%) (%) nação pode ser entendida como o bem-estar de ) InstituiçõesRelig(1 io sas 65 33 toda uma sociedade, e sua conquista parte, (1) ONG s 61 34 (2) fundamentalmente, da ética aplicada à ForçasArmadas 59 37 (3) organização. Imprensa/ Mídia 57 40 (2) SistemaPúblicoEduca cional 56 43 (1) Sindicato s 53 43 A ética luta contra dois fatores visivelmente aplicados em certas organizações: a falta de (3) GrandesEmpresasBra sileiras 53 44 (2) comprometimento com as prioridades anunciadas NaçõesUnid as 49 45 (3) Multinacion ais 47 48 e o auto-interesse. É muito fácil entendermos por (2) Justiç a 45 53 que estes problemas poderão acarretar a ) OM(2 C 44 47 destruição da imagem consolidada neste início (2) SistemaPúblicodeS aúde 44 55 (2) do século XXI sobre o terceiro setor. Algumas BancoMund ial 41 52 ) Políc(2 ia 40 59 organizações vivem de doações, de parceiros, de (2) Govern o 38 61 voluntários. Imagine que em determinada (2) Congres so 32 65 organização faça-se uso da situação do pobre para (2) FM I 31 62 coletar fundos, para que estes possam tomar café, FONTE: CARIELO, Rafael. Saibaemquemosbrasileirosmaisdesconfiam. almoçar e jantar. Alguns meses depois, esta FolhadeS. Pa ,u 1lo 1nov. 2002 organização compra um veículo novo, aparelhos (1) TerceiroSetor. eletrônicos novos e faz uma reforma na parte (2) PrimeiroSetor. (3) SegundoSetor. externa. Quanto ao pobre, ninguém sabe, 86 | Revista da ninguém viu. Atitudes como estas podem imediatamente denegrir a imagem das organizações e o terceiro setor pode falir da mesma maneira que uma empresa privada morre pela falta de administração coerente. Num outro ponto falamos de auto-interesse. O gestor que está à frente de uma organização deve pensar de início que a organização não é sua e de nada adiantará decisões centradas apenas em seu interesse. Imagine certa organização abrindo um processo eleitoral para definir seu presidente: aquele que lá está não quer sair e usa algumas malandragens devido sua influência para permanecer no cargo, como bonificações aos eleitores e garantia de cargo a outros. Mas até que ponto sua permanência irá ajudar na organização? Conforme Giannetti (1993, p.53), [...] seria enganoso, é certo, imaginar que a ética pode de forma alguma substituir o interesse de cada indivíduo em melhorar de vida. O que se pretende não é negar a força e a importância do auto-interesse. O desafio é entender melhor as diversas formas que ele assume e a conseqüência disso para o funcionamento do mercado e da riqueza das nações. Nenhuma nação poderá enriquecer enquanto prevalecerem o oportunismo e o egoísmo. A riqueza está no conjunto. O crescimento do terceiro setor é uma nova esfera, uma nova força a ser administrada pelos gestores. Eles são o futuro da expansão e da credibilidade destas organizações. O poder da imagem e da mídia, a luta por recursos escassos, a satisfação dos usuários, a procura de novos parceiros, a mobilização do voluntariado, as doações, as construções, a expansão, o gestor está na frente e tem uma clara missão: administrar usando as principais ferramentas da administração, não esquecendo que a ética é a educação da vontade, é o controle consciente dos possíveis abusos provocados ou conduzidos pelo auto-interesse. Administrar o terceiro setor é entender que ali existe, acima do lucro, acima da receita, acima Rev. FAE, Curitiba, v.6, n.1, p.87-88, jan./abr. 2003 FAE do auto-interesse, o povo. Este povo que é responsável pela explosão de voluntariado neste novo século, pela administração de empresas do âmbito privado que estão fundando suas organizações do terceiro setor, pelo atual governo brasileiro, que promete o combate à fome e uma mobilização contra às desigualdades sociais. Este povo que está no século de uma possível e desejada Revolução Social. Considerações finais As potencialidades do terceiro setor são inegáveis para todos os níveis de experiência associativa. Sua expansão revela, dentre outros aspectos, os limites de governos cada vez menos capazes de resolver os problemas fundamentais e básicos da maioria da população. Sem o terceiro setor estaríamos menos otimistas diante de um problema que aflige não apenas os países menos ricos, mas também os países centrais do capitalismo, o desemprego. Com o terceiro setor, muitas famílias garantem não só a sobrevivência, mas, sobretudo, possibilidades de emancipação em termos de cidadania. É evidente que o terceiro setor não pode ser apreendido como a panacéia, a solução final para todos os problemas humanos. Se aceitarmos a crença de que o terceiro setor resolve tudo, estaremos retirando a responsabilidade dos governos e da sociedade mais ampla de apresentar respostas aos anseios das populações. As potencialidades do terceiro setor estão diretamente associadas à qualidade ética de seus gestores. Significa que não podemos criar expectativas de nos tornarmos uma grande e rica nação, se mantivermos à frente das nossas instituições pessoas de caráter comprometedor. Como afirmou Oded Grajew, à frente do Instituto Ethos, “o futuro está em nossas mãos. Enquanto não formos socialmente responsáveis, não vamos enriquecer”. |87 Referências CARIDE, Daniel. Mais trabalho em benefício público. Gazeta Mercantil, São Paulo, 27 nov. 1998. 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