DJ BRANCO – Agitador cultural
Integrante do CMA HIPHOP - Comunicação, Militância e Atitude. Produtor e apresentador
do programa Evolução Hip Hop, Rádio Educadora FM 107.5. Membro do Colegiado
Setorial de Música e da coordenação executiva do Conselho de Desenvolvimento da
Comunidade Negra da Bahia - CDCN. Colaborador do Portal e da Revista Rap Nacional.
1. Quem é DJ Branco?
DJ Branco é um militante do movimento social na Bahia. Eu comecei meu trabalho em 2001, a
partir de rádios comunitárias, lá na rádio Comunitária Avançar, no Bairro da Paz, fazendo um
programa de hip-hop e daí tive contato com pessoas do movimento social e comecei a
participar de eventos de discussão política e passei a entender como é que funcionam as
políticas públicas do estado, a partir daí, ingressei de vez no movimento social. Desenvolvi este
programa na rádio comunitária durante quatro anos. E antes de conhecer o movimento eu já
fazia programa de rap sem saber que era hip-hop e nisto passei a ter contato com o pessoal e
a participar de reuniões do movimento na Bahia.
2. Em que contexto o hip-hop se tornou um grande projeto para você?
Em 2003 pedimos espaço para fazer um programa de rap na rádio comunitária Avançar, mas
disseram não, pois a rádio não tocava esse estilo de música, porque era uma música que
falava de drogas, violência, falava mal do governo. Argumentamos que a rádio comunitária
tinha que abrir espaço para todos os estilos musicais, sem discriminar gosto, gênero, cultura,
nem religião, pois é o que a legislação das rádios comunitárias assegura. De tanto insistir,
conseguimos meia hora de programa. O programa ia ao ar das 14h às 14h30 aos sábados,
mas com o sucesso do programa, no final de semana seguinte já tínhamos uma hora ao invés
de meia hora apenas e, em seis meses, conseguimos duas horas de programa, e me deram
outro espaço para um programa de reggae. Hoje nós temos o Evolução Hip-Hop, na Rádio
Educadora FM. Contudo, não dá para fazer um programa apenas com a base musical do hiphop, o hip-hop é um movimento sócio-político-cultural que tem uma base ideológica
contestadora e que reivindica melhores condições para a população da periferia. Comecei a
participar de outras organizações como a Abraço (Associação Brasileira de Rádios
Comunitárias), a participar dos debates sobre o direito à comunicação, aí então conseguimos
realizar um encontro chamado RAPensando as Rádios Comunitárias, para que mais rádios
tivessem mais programas, já que o hip-hop é um movimento vasto, não é uma tribo, não
dialoga somente entre si. A gente fez o seminário em parceria com a SEMUR (Secretaria
Municipal da Reparação – Salvador), e o Instituto de Mídia Étnica, nos engajamos no projeto
social de direito humano à comunicação. Outra coisa muito legal é que no Bairro da Paz havia
pessoas dos centros comunitários que davam noções de cidadania, formação em direitos
humanos, gênero, e nisto veio o movimento negro unificado com Hamilton Borges, Lindinalva
de Paula, no qual tratavam de cidadania, direitos humanos e da questão racial. Em 2004
criamos uma associação no bairro através de incentivo das organizações que trabalhavam
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conosco. Reunimos todos os grupos culturais do Bairro da Paz, como os grupos de música,
teatro, artes plásticas para discutir a cultura no bairro, criamos a Agrupaz. Desenvolvemos
vários trabalhos durante esta caminhada, fizemos uma parceria com o Centro de Estudos AfroOrientais da UFBA, desenvolvemos um trabalho chamado Mobilizadores Culturais pela
Promoção da Igualdade Racial no Bairro da Paz, com oficinas de fotografia, comunicação,
produção de vídeo, equidade, acessibilidade. A ideia era fazer um projeto de formação política
para a juventude do Bairro. Eu já era ligado na época a uma organização de hip-hop (Rede
Aiyê Hip-Hop) em que pensávamos o movimento no âmbito estadual. Na época chamamos a
Polícia Militar da Bahia e a prefeitura de Salvador para conversar sobre a perseguição aos
grafiteiros. O resultado foi o projeto Salvador Grafita iniciado em 2005 e que se manteve até
2011. Começou com 50 jovens que foram contratados para grafitar pela cidade de Salvador.
Esta foi uma grande contribuição do movimento em Salvador. Ajudei sempre a organizar os
eventos baianos de Hip-Hop, o primeiro e o segundo aconteceram em 2003, em Itapetinga, e o
terceiro em 2004, em Vitória da Conquista, que foi o encontro estadual para discutir a
organização do movimento na Bahia. Os encontros são importantes para o movimento, pois
são espaços para discussão e elaboração de políticas públicas para garantir o
desenvolvimento desta comunidade.
3. Como ocorreu a parceria com a Rádio Educadora (107.5) e a criação do programa
Evolução Hip-Hop, qual a sua importância para a cena hip-hop da Bahia?
Produzo e apresento o Evolução Hip-Hop, que é um programa em parceria com a Rádio
Educadora FM, proposta pelo movimento social, pois em 2007 a Educadora fez um encontro
com a produção musical baiana para ouvir produtores culturais e artistas independentes sobre
o conteúdo da rádio, para ouvir sugestões do que poderia melhorar na sua grade e atender a
essa diversidade. Aproveitando a oportunidade, apresentei o projeto do programa, e a resposta
do IRDEB é que eles fariam um balanço depois daquele encontro, para definir o que ia entrar
de novo na Rádio Educadora, agregando mais conteúdo na rádio. Nisto a rádio criou a Faixa
Negra, aos sábados, uma programação toda voltada para a música negra, das 16h às 20h, e o
Evolução Hip-Hop entrou também. O Evolução Hip-Hop é parceiro mesmo, não temos vínculos
trabalhistas, com nosso conteúdo, com nossa produção, com o IRDEB oferecendo o aparato
técnico. Para mim é um espaço importante para o movimento hip-hop e para o movimento
negro, pois é a única rádio de grande veiculação que tem programa de hip-hop, espaço de
promoção e valorização de um movimento que é criminalizado e que nunca teve nem espaço,
nem voz, nem vez. Nosso programa dialoga com a sociedade, pois não é voltado apenas para
jovens ligados ao movimento, é voltado para a sociedade baiana. Já levamos lá secretários
para falar sobre diversos temas, como saúde, direito das mulheres e etc. E o que o hip-hop tem
a ver com isso? Tudo a ver, pois é um movimento social, não apenas de música. Temos bons
resultados, grande audiência mesmo sendo uma hora apenas por semana. O Evolução, além
de um programa, é um projeto, vai além do programa, tendo como exemplo a parceria que
fizemos com o Vivadança e o Teatro Vila Velha, através da qual conseguimos levar cultura de
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rua para o teatro. Já fizemos edições do programa do palco Vila, do Pelourinho, em Feira de
Santana, Ilhéus, para justamente levar o programa para perto do ouvinte, para que a gente
possa dialogar e nisso vejo que o nosso programa é diferente.
4. Você acredita que existe preconceito em relação ao movimento hip-hop?
Existe e sempre vai existir, a sociedade hoje só se interessa pelo que rende, pelo que gera
economia. A partir do momento que uma música de rap fala sobre os problemas sociais da
cidade de Salvador, mas mostra indicativos de como melhorar, somos tidos como rebeldes e,
por isso, existem algumas reticências em alguns espaços. O mercado é capitalista, só se
interessa pelo que vende e, por isso, não tem atenção pelo movimento hip-hop, pois ele faz
pensar e eles não querem algo que faça pensar. Não fazemos arte pela arte, não acreditamos
nisso, queremos arte engajada, como um instrumento de transformação social. O único espaço
que valoriza o hip-hop, que abriu suas portas é o Teatro Vila Velha, a partir do núcleo Vila
Dança, no Vivadança, que é um projeto internacional. Não fazemos apenas a dança que é o
break. Fazemos a batalha de break, oficinas de break, oficinas de grafite, shows de rap, mesas
de discussão, sempre procurando capacitar mais os jovens para a vida, e este é um dos
poucos espaços que respeita e contribui para o nosso movimento. Algumas produtoras fazem
alguns eventos, com grandes nomes do movimento, mas é só oba-oba, a mídia trata o hip-hop
uma hora bem, outra mal, às vezes só trata como música, reduzindo o que é o movimento e
querendo relacioná-lo à criminalidade. Existem músicas assim, mas como em todo estilo
existem músicas que prestam e músicas que não prestam. Muitas vezes a mídia quer só
causar polêmica para atrair audiência, que é o produto dela, sem se preocupar com os
resultados. Não propaga a educação, os direitos humanos, se preocupa só com o capital, com
a audiência para venda de espaço publicitário. Do outro lado, como a mídia é contraditória, ela
diz que o hip hop é um movimento de conscientização, de resgate, que muda a vida de jovens.
Para o hip-hop a mídia não é o quarto poder, e sim o primeiro poder, por isso discutimos
comunicação nos nossos projetos e grupos.
5. Há diferença de vozes entre o hip-hop baiano, carioca, paulista, pernambucano?
Na realidade não há diferenças de vozes, e sim diferenças de identidade. O baiano nunca vai
ser igual ao paulista, pois são vivências distintas, são culturas diferentes. O hip-hop tem essa
mágica de se adaptar onde ele está, de se adequar à realidade de cada região. Um exemplo é
o rapper Rapadura, hoje ele tá no VMB da MTV, dos melhores videoclipes, que foi gravado
parte em Canudos, interior da Bahia, com cenas também em Salvador. O Rapadura tem uma
pegada diferente, que mistura maracatu, congado e baião com rap. Em São Paulo a coisa é
mais tradicional e é onde o hip-hop é mais forte, pois chegou lá primeiro e já há um movimento
bem forte. Tem uma identidade, do bumbo, da caixa. No Nordeste é diferente, misturamos com
percussão, instrumentos do candomblé, falamos sobre questões raciais, trazemos elementos
baianos, nordestinos, falamos sobre a questão da mulher. O hip-hop tem sua identidade em
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cada região, claro, sem deixar de trabalhar pelos mesmos objetivos, mas cada um trabalhando
na sua realidade.
6. Como você vê a cena na Bahia. Como funciona? Quais são as dificuldades
enfrentadas pelos produtores e artistas desse movimento?
O hip-hop aqui está pela sua própria conta. Não existe um diálogo direto com o governo para a
valorização e difusão. Tem o projeto de um polo de formação que é a Casa do Hip Hop, que
não aconteceu até hoje, está engavetado. O único espaço mesmo é o Evolução Hip Hop.
Sobre o patrocínio também não há, procuramos e ninguém quer dar patrocínio. Nossos jovens
não conseguem se inscrever nos editais, pois são muito técnicos, são muito burocráticos,
provavelmente até quem é acadêmico deve ter dificuldades. Muitos projetos de hip-hop
passam pelos editais, mas poucos são aprovados, no carnaval só quatro grupos de rap
tocaram. Se for para valorizar a diversidade, deve haver apoio e as pessoas devem acreditar
na cultura hip-hop como um movimento que produz cultura neste estado, que movimenta este
estado.
7. Quais são os espaços culturais em que eventos ligados a esta cena acontecem?
O hip-hop acontece em eventos tradicionais, eventos criados e geridos pelos jovens para
movimentar a cultura dentro da comunidade. “Hip Hop na Onça” (Sussuarana); “Boca do Rap”
(Boca do Rio); “Mais Um”; “Rap no Pelô”; “Sarau bem Black”, que traz literatura, arte, poesia,
gerido pelo Blacktude; o “HIP HOP Movimento”, que a gente faz no Vila Velha, com pessoas de
todo o estado, que funciona como um encontro estadual. O pessoal do Bairro do Paz, de
Pernambués, onde o pessoal faz oficinas de breake, grafite e etc.
8. O que é o CMA HIP HOP – Comunicação, Atitude e Militância?
O CMA surge em 2005, mas qual o porquê de eu ter criado o CMA? O mesmo problema que
as organizações sociais têm, o hip-hop tem, que é a comunicação. Fazemos muitas coisas
boas, mas isso não é mostrado para a sociedade, trabalhamos para que as ações saiam do
bairro para todo o estado, para todo o país. O CMA surge para divulgar as ações positivas do
hip-hop, já que a mídia criminaliza o movimento, para potencializar esta divulgação através de
assessoria de comunicação, de cobertura dos eventos. Hoje nós temos um mailing, um boletim
eletrônico, o CMA HIP HOP Informa, em que tratamos de utilidade pública, mas 80% do que a
gente divulga é sobre movimento negro e sobre o movimento hip-hop. O CMA é responsável
pela Revista Rap Nacional na Bahia, que é o único veículo impresso no Brasil sobre o rap.
Temos um blog também, que é um ótimo veículo de divulgação. A gente na verdade não
trabalha só com comunicação, trabalhamos com produção cultural também. Nós produzimos
muitos eventos aqui em Salvador, a maioria dos eventos de hip-hop em Salvador tem a nossa
participação, ou na produção ou na divulgação. O CMA é a organização mais ativa no diálogo
com o poder público para dizer que o hip-hop precisa de um diálogo maior, de incentivo maior.
Dialogamos com as prefeituras, para que em suas atividades culturais, em suas agendas
culturais, insiram o hip-hop, como fizemos recentemente na cidade de Irará. Procuramos
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incentivar o movimento com essas articulações, até mesmo fora da Bahia, tendo como
exemplo a nossa participação na Semana Municipal do Hip-Hop em Aracaju. Em Camaçari,
destaco a parceria com a Cidade do Saber. Sobre o retorno financeiro, dizemos para quem
começa a cantar rap para estudar, fazer um curso técnico, trabalhar, para não se iludir, pois
não é garantido que o rap pague suas contas. Enfim, nosso papel é comunicação, produção e
articulação política.
9. O que você entende como cultura?
Cultura para mim é a nossa forma de ser, nossa forma de conviver, como a gente se comporta
hoje dentro da sociedade. Isso às vezes diz o que é cultura pra gente, o que a gente quer.
Cultura pra mim, falando de cultura como arte, por estarmos num estado que tem os maiores
índices de violência do Brasil na periferia, é uma válvula de escape para a juventude que está
nas áreas de risco, nas áreas de vulnerabilidade, ela é uma ferramenta de transformação. Se
você souber usar a cultura vai conseguir mudar muita coisa com a sua arte, com o seu
trabalho, informar e passar conhecimento. Às vezes a arte é vista apenas como uma forma de
lazer e entretenimento, mas não podemos esquecer que a cultura agrega as pessoas, mobiliza,
então temos que usar isso como um modo de transformação social dentro da nossa sociedade.
A gente não faz uma roda de break, não faz um grafite por fazer. A música rap tem conteúdo
político engajado, é cultura. Conversamos certa vez, em 2010, com o ex-ministro da cultura
Juca Ferreira e ele dizia para mim que o hip-hop hoje no Brasil é a mais nova forma de
organização popular da juventude dentro da periferia, são linguagens próximas, reúne
elementos que dialogam com estes jovens, que os convidam para pensar sobre si, sobre a
sociedade, as relações familiares e sociais. A PL-3/2011 reconhece o movimento hip-hop como
cultura popular, e isto indica para as três esferas públicas que invistam em políticas de fomento
ao movimento hip-hop, mas ainda está engavetada. O hip-hop entra para ocupar o tempo
ocioso nas escolas públicas, para tirar aquela coisa do ensino formal que não incentiva. A rua é
mais atrativa do que a sala de aula. A gente quer que a escola seja mais atrativa do que a rua.
10. Como você avalia as políticas culturais na Bahia?
Avalio que as políticas culturais na Bahia precisam sair do papel, pois o governo fez algumas
coisas boas, os diálogos setoriais, com o pessoal da música, o pessoal do teatro, o pessoal da
dança, para discutir as políticas e como elas seriam implementadas, mas elas não saem do
papel. É falta de vontade política? As coisas precisam sair do papel. A gente precisa entender
a cultura da Bahia como uma cultura diversificada, que tem especificidades. Não dá para pagar
milhões para artistas de axé e dar R$50 mil para um bloco afro sair no carnaval. Que igualdade
é essa? Elas estão sendo implementadas aos poucos, são migalhas ainda, é preciso repensar
isto, já que as empresas só patrocinam os artistas consagrados. Mesmo que você consiga
aprovar pela Lei Rouanet, não consegue captar. Os patrocinadores dizem: “Quem é?”; “Que
grupo é esse?” Dizem isto, pois não estão na mídia. Os grandes investimentos, tanto
governamentais como privados, são para quem está na mídia, é uma cultura para turista ver.
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11. O que você pensa sobre os editais e as leis de incentivo como mecanismos de
financiamento da cultura?
Os editais são instrumentos importantes, pois eles colocam todos no mesmo patamar. Se você
trabalha com cultura dentro das comunidades, ou num grande evento, de uma grande
produtora, para pegar esse dinheiro tem que disputar em pé de igualdade, porém, o problema é
que os vencedores sempre são os mesmos, são as mesmas pessoas que são beneficiadas,
que já possuem grande poder aquisitivo, que não precisariam do incentivo público. O que é
vendido hoje como cultura da Bahia? Axé, pagode, baiana de acarajé e o capoeirista. Acho que
os editais são uma forma democrática de distribuição de renda para cultura, mas só que quem
ganha os editais são sempre os mesmos. Creio que o motivo é que aquela pessoa que tem
um projeto de um bairro periférico não consegue escrever bem o projeto, não consegue se
inscrever com condições num edital, não sabe escrever projetos para um edital. Precisamos
rever os critérios de aprovação dos projetos.
12. O que você pensa em relação à gratuidade do acesso aos produtos culturais? E em
relação ao valor dos ingressos e produtos em Salvador? E quanto à política da meiaentrada?
A meia-entrada é justa, mas na real, ela não é aplicada na Bahia. Em casas de show em
Salvador e outros grandes espaços a meia-entrada não funciona. Só funciona de verdade nos
teatros. Tem lá na bilheteria: Ingresso R$50,00; Meia R$25,00, mas na prática qualquer um
pode comprar por R$25,00 sem apresentar carteirinha. Acho os eventos em geral muito caros,
são eventos para gringo ver, pois a maioria da população não tem dinheiro nem para
transporte, mesmo para um show gratuito, e em geral os preços são muito altos. O governo da
Bahia apoia grandes eventos em que a entrada é R$80,00. A maior parte do nosso povo não
tem como ter acesso a eventos assim. Quando fazem uma grande festa, qual o motivo de só
colocarem os artistas com cachê alto, já consagrados? Qual o motivo de não colocarem quem
faz cultura na base? O que é cultura na Bahia? Sobre a gratuidade, creio que falta mais apoio
nesta política. O único espaço que temos que faz eventos abertos ao público é o Pelourinho,
nas Praças Pedro Arcanjo, Tereza Batista e Quincas Berro D’água. O orçamento para esses
eventos são orçamentos pequenos, o orçamento da cultura em si é muito pequeno, e a própria
Secretaria de Turismo poderia movimentar mais o Pelourinho, nem falo da Secretaria de
Cultura. Deixa muito a desejar o que deveria ser o Pelourinho hoje, por falta de incentivo, já
que o Pelourinho é vendido como algo belíssimo e nós sabemos que não é.
13. Qual a sua avaliação sobre a gestão cultural na Bahia? O que mudou a partir do
governo Jaques Wagner?
O diálogo com o governo Wagner mudou. Tornou-se mais aberto com a produção cultural
baiana. Acho que ainda é preciso melhorar a maneira de saber aplicar o orçamento da cultura,
para fortalecer. Uma coisa ótima que a SECULT está fazendo é a valorização da cultura do
sertão, das cidades interior da Bahia, o que foi um avanço. Mas o recurso é o mínimo do
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mínimo, não dá para fazer, precisa melhorar isso, saber como captar, para que a iniciativa
privada invista na cultura popular, nas culturas identitárias, na cultura negra da Bahia.
14. Como você percebe a questão da profissionalização na área cultural? Quais as
principais necessidades do mercado baiano hoje?
Acho que o mercado cultural na Bahia, dependendo do conceito de mercado, não tem muitas
pessoas que fazem parte do circuito. Quem comanda o circuito cultural na Bahia é a elite, que
tem uma produtora grande que sozinha faz três ou cinco festivais na Bahia, que pega dinheiro
do governo do estado e dinheiro da iniciativa privada. Não existe renovação dos quadros e a
questão da profissionalização não existe também. Por exemplo, tem um cara que trabalha na
produção cultural de um festival de teatro. Você vai para um festival de música ou cinema e é o
mesmo cara, não há renovação, existe um monopólio de quem produz hoje na Bahia. Existem
profissionais, mas há o monopólio. São quatro ou cinco famílias que comandam o mercado de
produção cultural aqui. Temos profissionais capacitados, o pessoal está estudando, se
capacitando, mas não consegue entrar no mercado, pois o mercado cultural da Bahia é o
mercado do tio, da tia, dos amigos. Quem controla é quem tem dinheiro. O governo deveria dar
mais atenção a estas questões, pois quem dá voto, quem elege é a base, a elite vota na direita.
Quem mantém o governo Wagner é a base, quem está nas comunidades, no interior. Quem
controla a cultura na Bahia não vota nele. Os editais foram um bom veículo para tentar barrar
este tipo de monopólio, mas os mesmos que recebiam benefícios antes continuavam
ganhando. Uma grande produtora não precisaria do dinheiro governamental para realizar seus
projetos, mas, por exemplo, a produtora “Luz Vermelha” cria uma empresa menor chamada
“Luz Azul” para captar os recursos para produzir algo que ela já tinha recursos para produzir e
ainda produzem uma cultura que é uma cultura alienada hoje no estado da Bahia. Não se
renova. Até quando Bel Marques vai ficar na avenida cantando “Quero Chiclete”? Não tem
letra. “Ah, mas o povo gosta”, que povo é esse que gosta? Quem é que está no carnaval? A
população baiana está trabalhando, ganhando o pão de cada dia. Eu não gosto de carnaval, só
vou para o carnaval quando tenho que trabalhar. É complicado.
*Entrevista realizada por Eduardo Mafra e Marlon Sousa, dia 04 de maio de 2012, no
Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra (CDCN) – Pelourinho, em Salvador.
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