UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS – FHS CURSO DE PSICOLOGIA Adriele Lima de Oliveira Irislaine dos Santos Rosa Feliciano Simone Gomes Faúla OFICINA DE HIP-HOP E RELAÇÕES INTERPESSOAIS ENTRE USUÁRIOS DO PROGRAMA FICA VIVO! Governador Valadares 2010 ADRIELE LIMA DE OLIVEIRA IRISLAINE DOS SANTOS ROSA FELICIANO SIMONE GOMES FAÚLA OFICINA DE HIP-HOP E RELAÇÕES INTERPESSOAIS ENTRE USUÁRIOS DO PROGRAMA FICA VIVO! Trabalho de Conclusão de curso para obtenção do grau de Bacharel em Psicologia, apresentado à Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Vale do Rio Doce. Orientador(a): Bicalho Governador Valadares 2010 Ms. Adelice Jaqueline ADRIELE LIMA DE OLIVEIRA IRISLAINE DOS SANTOS ROSA FELICIANO SIMONE GOMES FAÚLA OFICINA DE HIP-HOP E RELAÇÕES INTERPESSOAIS ENTRE USUÁRIOS DO PROGRAMA FICA VIVO! Trabalho de Conclusão de curso para obtenção do grau de Bacharel em Psicologia apresentado à Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Vale do Rio Doce. Governador Valadares, ___ de ____________ de _____ Banca Examinadora: __________________________________________ Profa. Ms. Adelice Jaqueline Bicalho – Orientador Universidade Vale do Rio Doce - UNIVALE __________________________________________ Prof. Omar de Azevedo Ferreira - Convidado Universidade Vale do Rio Doce - UNIVALE __________________________________________ Profa. Valéria Chequer de Miranda Trindade - Convidado Universidade Vale do Rio Doce - UNIVALE “Eu vou dizer porque o mundo é assim. Poderia ser melhor, mas ele é tão ruim. Tempos difíceis, está difícil viver. Procuramos um motivo vivo, mas ninguém sabe dizer. Milhões de pessoas boas morrem de fome. E o culpado, condenado disto é o próprio homem. Tanto dinheiro desperdiçado. E não pensam no sofrimento de um menor abandonado. O mundo está cheio, cheio de miséria. Menores carentes se tornam delinquentes. E ninguém nada faz pelo futuro dessa gente. A saída é essa vida bandida que levam. Roubando, matando, morrendo. Enquanto homens de poder fingem não ver. Não querem saber. Faz o que bem entender. E assim... aumenta a violência. Não somos nós os culpados dessa consequência?” Tempos Difíceis – Racionais Mc’s RESUMO A presente pesquisa visou identificar quais contribuições a oficina de hip-hop, com o breaking, tipo de dança de hip-hop, traz para a formação de habilidades sociais positivas entre usuários do Programa Fica Vivo! do bairro Turmalina de Governador Valadares, visto que é um programa que trabalha com a prevenção da criminalidade e busca favorecer a participação dos jovens e adolescentes em novas formas de grupos. O trabalho é relevante, pois jovens e adolescentes que estão expostos a ambientes e situações de violência geralmente adotam uma maneira própria de comunicação, de estabelecimento de vínculos, de troca de experiências, e, podem encontrar em grupos, uma forma de identificação que contribuirá não só na formação da identidade, como também no enfrentamento de problemas e conflitos. Trata-se de um estudo descritivo e analítico do tipo survey, no qual foram utilizadas referências bibliográficas específicas e cuja coleta de dados se deu através de análise documental e aplicação de questionário semi-estruturado composto por 10 questões. O público alvo foi um grupo de 18 pessoas do sexo masculino com idade entre 12 e 24 anos que participam da oficina de hip-hop do Programa Fica Vivo! do bairro Turmalina de Governador Valadares, Minas Gerais. Concluiu-se que a oficina de hip-hop, com o breaking, contribui na formação de habilidades sociais positivas entre os usuários, pois auxiliou na melhora de comportamentos, na ampliação de relações sociais, na comunicação, na ampliação de repertório social, além de ter contribuído positivamente no processo de identificação, na promoção à saúde e qualidade de vida e na melhoria de relacionamentos interpessoais dos usuários. Palavras-chave: Programa Fica Vivo!. Oficina de Hip-hop. Relação Interpessoal. ABSTRACT This research aimed to identify contributions to hip-hop workshop, with the breaking, kind of hip-hop dance, brings to the formation of positive interpersonal skills among users of the Programa Fica Vivo! Turmalina neighborhood of Governador Valadares, since it is a program that works with crime prevention and try to advance the participation of youth and adolescents in new forms of groups. The work is important, since young people and teenagers who are exposed to environments and situations of violence generally adopt a proper way of communication, establishing linkages, exchange of experiences, and can be found in groups, a form of identification that will not only in the formation of identity, but also in coping with problems and conflicts. This is a descriptive and analytical survey of the type in which specific references were used and which data collection was through documentary analysis and application of semi-structured questionnaire comprising 10 questions. The audience was a group of 18 males aged between 12 and 24 years participating in the workshop of hip-hop Programa Fica Vivo! Turmalina neighborhood of Governador Valadares, Minas Gerais. It was concluded that the workshop's hip-hop, with the breaking, contributes to the formation of positive interpersonal skills among users, for help in improving behaviors, the expansion of social relationships, communication, expansion of social skills, and have contributed positively in the process of identifying, promoting health and quality of life and improving interpersonal relationships of users. Keywords: Programa Fica Vivo!. Hip-hop workshop. Interpersonal Relationship. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Gráfico 1 – Comportamentos dos usuários antes de entrar na oficina de hip-hop ........... 47 Gráfico 2 - Comportamentos dos usuários depois de entrar na oficina de hip-hop.......... 47 Gráfico 3 – Interesse pela dança antes de entrar na oficina de hip-hop ........................... 49 Gráfico 4 – Interesse pela dança depois de entrar na oficina de hip-hop ......................... 49 Gráfico 5 – Relacionamento Interpessoal dos usuários antes de entrar na oficina de hiphop. ................................................................................................................................. 51 Gráfico 6 – Relacionamento Interpessoal dos usuários depois de entrar na oficina de hiphop ................................................................................................................................. 51 Gráfico 7 – Aspectos que mudaram após a entrada na oficina de hip-hop ...................... 52 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 8 2. HISTÓRIA DO HIP-HOP ......................................................................................... 11 2.1. HIP-HOP NO BRASIL ............................................................................................ 16 2.2. BREAKING E SUA RELAÇÃO COM O HIP-HOP ............................................... 20 3. SOBRE ADOLESCÊNCIA E JUVENTUDE .......................................................... 26 3.1. A ADOLESCÊNCIA ................................................................................................ 28 3.2. A JUVENTUDE ............................................................... ........................................ 32 3.3. RELAÇÕES INTERPESSOAIS E FILIAÇÃO GRUPAL NA ADOLESCÊNCIA E JUVENTUDE .................................................................................................................. 34 4. PROGRAMA FICA VIVO! ....................................................................................... 38 4.1. OFICINA DE HIP-HOP DO PROGRAMA FICA VIVO! ....................................... 42 5. SOBRE A PESQUISA ................................................................................................ 45 5.1. O MÉTODO .............................................................................................................. 45 5.2. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS ................................................................ 46 5.2.1. Análise dos gráficos referentes às categorias II e III......................................... 47 5.2.2. Análise dos gráficos referentes às categorias V e VI ......................................... 49 5.2.3. Análise dos gráficos referentes às categorias VIII, IX e X................................ 51 6. CONCLUSÃO ............................................................................................................ 54 REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 57 APÊNDICES .................................................................................................................. 63 8 1. INTRODUÇÃO Em meio ao alto índice de criminalidade, violência, pobreza e tráfico de drogas nas cidades, muitos programas são criados a fim de dar assistência a pessoas que vivem em desvantagem e exclusão social, como o Programa Fica Vivo!, cujas ações têm o objetivo de intervir na realidade social antes que o crime aconteça, diminuindo os índices de homicídios e melhorando a qualidade de vida da população. Jovens e adolescentes que estão expostos a ambientes e situações de violência, onde o índice de criminalidade é grande, geralmente adotam uma maneira própria de comunicação, de estabelecimento de vínculos, de troca de experiências, e, podem encontrar em grupos, uma forma de identificação que contribuirá não só na formação da identidade, como também no enfrentamento de problemas e conflitos. Assim, o trabalho partiu de um interesse especial pela dança executada na oficina de hip-hop do Programa Fica Vivo! do bairro Turmalina de Governador Valadares e pelos usuários que a frequentam, levantando o seguinte problema: “Que contribuições a oficina de hip-hop, com o breaking, traz para a formação de habilidades sociais positivas entre usuários do Programa Fica Vivo! do bairro Turmalina?” Mais do que um estilo musical, o hip-hop é um movimento social e cultural que surgiu nas ruas das periferias e que, através de seus elementos – rap, dança, DJ e o grafitti – se configurou em um novo estilo de vida para os jovens de sua comunidade, na medida em que contribuiu para que as pessoas se afastassem da negatividade que contaminava as ruas, como: violência entre gangues, tráfico e consumo de drogas, complexos de inferioridade e conflitos entre negros e latinos (LEAL, 2007). O elemento dança que compõe a cultura hip-hop é representado por vários estilos de dança que tem seus próprios movimentos e suas histórias e, entre eles, está o breaking (a dança executada na oficina de hip-hop do Programa Fica Vivo!) cujos passos receberam influência de danças afro-americanas, do funk e das artes marciais (WILSON, 2008). 9 Sabe-se que a adolescência é uma fase de transformação e de estruturação da identidade corporal, social, sexual e afetiva, e a juventude, um momento onde o indivíduo busca marcar sua presença no mundo (CASSE, s.d. apud DOTTI, 1973). Dessa forma, o breaking pode possibilitar a jovens e adolescentes – principalmente para aqueles que vivem em desvantagem social – um espaço para expressar emoções, sentimentos, ideias e vontades, permitindo o surgimento do auto-conhecimento, auto-expressão e autonomia (ALBUQUERQUE et al., 2008), além de proporcionar a reflexão de questões de sua comunidade e do mundo (REGO, 2008). Historicamente a cultura hip-hop rompeu limites geográficos deixando de ser apenas uma cultura desenvolvida por afro-americanos e latinos nos guetos urbanos norte-americanos para se tornar uma cultura de contestação mundial (TOOP, 2000 apud RIBEIRO, 2006). Em cada país, esse movimento adquiriu uma linguagem própria, de acordo com a realidade e a cultura existente, respeitando todos os grupos étnicos e todas as raças. É um movimento que engloba cultura, arte, lazer, informação e política. Segundo Andrade (1999), no Brasil o hip-hop se tornou porta voz das periferias brasileiras, surgindo em locais de reunião dos integrantes do movimento que passam, cotidianamente, a exercer funções de integração social, de novos laços de sociabilidade nas áreas periféricas das cidades. Atualmente, ainda existe certa resistência por parte da sociedade com relação à prática do hip-hop tanto devido a conceitos errôneos quanto pelo desconhecimento do que representa o hip-hop na vida daqueles que o seguem e que atividades realmente realizam, como, por exemplo, o breaking exercido na oficina de hip-hop do Programa Fica Vivo!. Deste modo, este trabalho tem como objetivo geral identificar quais contribuições a oficina de hip-hop, com o breaking, traz para a formação de habilidades sociais positivas entre usuários que a frequentam no Programa Fica Vivo! do bairro Turmalina de Governador Valadares. Especificamente, pretende-se realizar um breve histórico do movimento hip-hop e suas contribuições; abordar o tema adolescência e juventude e as relações interpessoais nessas fases; explicar o surgimento do Programa Fica Vivo! e o funcionamento da oficina de hip- 10 hop, assim como seus objetivos; e por fim, analisar os relacionamentos interpessoais dos usuários antes de entrarem na oficina de hip-hop e após a entrada, de forma a identificar as possíveis contribuições da mesma na formação de habilidades sociais positivas. Para isso, essa pesquisa partiu de um estudo descritivo e analítico do tipo survey, no qual foram utilizadas referências bibliográficas específicas e instrumento para coletar dados de um grupo de 18 pessoas do sexo masculino com idade entre 12 e 24 anos que participam da oficina de hip-hop do Programa Fica Vivo! do bairro Turmalina de Governador Valadares. Como instrumento para coleta de dados, utilizou-se a análise documental e um questionário semi-estruturado composto por 10 questões cujo objetivo é identificar as possíveis contribuições da oficina de hip-hop na formação de habilidades sociais positivas entre os usuários. A estrutura do texto compõe-se de quatro capítulos: o primeiro capítulo descreve a história e o surgimento do hip-hop, enquanto movimento social e cultural, em seu país de origem e no Brasil, além de falar sobre o breaking e suas contribuições; o segundo é dedicado a abordar o tema adolescência e juventude e as relações interpessoais nestas fases; já o terceiro capítulo é composto pela descrição do Programa Fica Vivo! e da oficina de hip-hop; e, finalmente, o quarto capítulo apresenta a metodologia da pesquisa e seus resultados, além de uma discussão acerca da análise dos dados articulada ao tema proposto. Apresenta-se ainda algumas considerações finais sobre a temática, abrindo espaço para que interessados sobre a mesma, além de obter maiores informações, possam se dedicar a novas pesquisas na área. 11 2. HISTÓRIA DO HIP-HOP Mais do que um estilo musical, o hip-hop é um movimento cultural que teve o início na década de 70 nos Estados Unidos, como uma forma de reagir aos conflitos sociais e à violência sofrida pelas classes menos favorecidas da sociedade urbana. É comum as pessoas pensarem que o hip-hop se restringe a cordões de ouro, roupas de marcas, carros sofisticados ou a músicas cujas rimas chamam as mulheres de putas (LEAL, 2007). O que se mostra hoje nos videoclipes da maioria dos artistas internacionais está longe de definir o hip-hop. Este, é porta voz das periferias, é uma cultura das ruas, é um movimento de reivindicação através das letras questionadoras e agressivas, do ritmo forte e intenso e das imagens grafitadas pelos muros das cidades. Ainda segundo o autor, O hip-hop tinha, claramente, propostas de inclusão social jovens e revitalizadoras, porque estavam baseadas em novas linguagens e objetos de expressão no âmbito da arte. O movimento estava desprovido das barreiras que, hoje em dia, o enquadram em um estereótipo cada vez mais aceitável para a cultura consumista branca americana (LEAL, 2007, p. 14-15). O hip-hop é composto por quatro elementos: DJ, que atua nos pick–ups, acompanhando a fala/canto dos MCs1; break, representada pela dança; grafite, expressão plástica representado por desenhos, mensagens ou apelidos; e rap, o canto falado ao som de pick-ups ou mesmo de ritmos feitos com a boca e o corpo. Mesmo que os representantes dos quatro principais elementos da cultura hip-hop tenham se esforçado para que a popularidade de todos fosse igual, posteriormente, foi o rap que acabou se destacando e assumindo responsabilidade como porta-voz do movimento, tanto do lado político-ideológico quanto do sócio-cultural. 1 O MC, que significa Mestre de Cerimônia, originou-se na Jamaica e apenas mais tarde o DJ Kool Herc introduziu a ideia no Bronx, Nova York. Até então, a função era assumida duplamente: DJ-MC. O MC nada tem a ver com o rapper; sua origem jamaicana precede o surgimento do rap no Bronx. Além disso, o MC cria versos de pronto, enquanto o rapper os elabora antes no papel. Nada impede um MC ser um rapper ou vice-versa, mas cada elemento possui seu valor distinto. (LEAL, 2007) 12 O nome hip-hop era usado em rimas pelos jovens da periferia e significava algo como “balançar o corpo”. Enquanto conceito, o hip-hop surgiu em 1968, mas enquanto movimento social e cultural se efetivou apenas nos anos 70, em Bronx – uma das regiões mais violentas e deterioradas de Nova York – se configurando em um novo estilo de vida para os jovens de sua comunidade (LEAL, 2007). Historicamente, o Bronx é um bairro cujas construções urbanas mal planejadas fizeram com que ele fosse desvalorizado nos anos 60. O bairro, constituído por afro-americanos mais pobres e pessoas de diversos lugares (como jamaicanos, italianos, chineses, coreanos, japoneses, latinos, porto riquenhos) que iam para os Estados Unidos em busca de vida melhor, apresentava uma pobreza crescente que fez com que os problemas relacionados ao crime, drogas e desemprego aumentassem. Dessa forma, o movimento hip-hop está associado às necessidades de auto-afirmação das diferentes etnias que compunham as periferias de Nova Iorque (ROSE, 1997 apud GUSTSACK, 2008). Além disso, o hip-hop era uma nova forma de reivindicação de melhoria da população jovem afro-americana, aliado à procura em desenvolver uma nova forma de se fazer música. Conforme Ribeiro (2006), o DJ jamaicano, Kool Herc, é considerado um dos criadores da cultura hip-hop, pois contribuiu para o seu nascimento, crescimento e desenvolvimento. Ao tocar com instrumentais fortes e marcantes, Herc ficou popular no sul de Bronx devido ao seu som diferenciado dos DJs locais daquela época. O referido autor esclarece, ainda, que em meio às seleções musicais preparadas para as festas, Herc desenvolvia “colagens musicais” com os trechos instrumentais das canções escolhidas, e ao mesmo tempo improvisava uma saudação às pessoas presentes nas festas, isto é, ele riscava seus discos para criar novos efeitos sonoros, novos sons, através da utilização de dois toca discos ao mesmo tempo, repetindo assim a “batida” da música por tempo indeterminado, inserindo neste processo de “colagem musical” um tipo de canto falado, ritmado, característico da Jamaica. Sem ter essa intenção, Herc criou as bases do que, posteriormente, seria chamado de MC (Máster Control – Controlador Mestre/Mestre de Cerimônia) na cultura hip-hop, que é a figura do cantador e o elo de ligação entre a música e a platéia. Além disso, ao produzir um ritmo sonoro repetitivo e percussivo baseado em colagens musicais e aliado a um canto falado ritmado, havia tornado realidade a música imaginada por Afrika Bambaataa para ser a “porta voz” de um novo meio 13 de representação política reivindicatória e libertaria da jovem população negra dos guetos norteamericanos. Ele havia dado origem ao segundo elemento do hip hop, a rap music [...] (RIBEIRO, 2006, p. 4). Leal (2007) ressalta que neste contexto também surgiram os break boys ou b-boys, como o DJ Herc chamou os rapazes que gostavam de dançar durante o break de suas músicas. Break, nesse sentido, significa “quebra” e se caracteriza na música como um momento onde os ritmos de percussão são mais agressivos e pesados. As técnicas de discotecagem do DJ Herc foram aprimoradas pelo DJ Grandmaster Flash que também criou a primeira bateria eletrônica do hip-hop, a beat box, e dessa forma, consolidou o papel do dj como membro fundamental para a produção da chamada música rap. Assim, Bambaataa, Herc e Grandmaster, são considerados os criadores do movimento hip hop, pois são personagens fundamentais no nascimento e consolidação deste enquanto movimento social e cultural efetivo (RIBEIRO, 2006). Esse autor ainda relembra que Afrika Bambaata, por sua vez, teve um papel importante no surgimento da cultura hip-hop. Ele é considerado um dos criadores desta cultura por ter reunido os quatro elementos (DJ, rap, dança e grafitti) e proposto a base para a cultura hip-hop através da fundação, em 1973, da Universal Zulu Nation, uma organização não governamental que reúne DJs, dançarinos, MCs e grafiteiros. Ex-líder de uma gangue do lado sul de Bronx, Bambaata fundou Zulu Nation em um período onde havia muita violência entre gangues, negros e latinos. Com base nos conflitos crescentes entre os jovens, a ideia da entidade era transformar o comportamento dos integrantes de gangues de rua de forma positiva, gerando assim, uma conscientização social. “Com o lema “Paz, Amor, União e Diversão”, a entidade oferece atividades envolvendo dança, música e artes plásticas, e também promove palestras (...) sobre temas como matemática, ciências, economia e prevenção de doenças, entre outros” (LEAL, 2007, p. 25). Através da organização das pessoas na rua, dos grupos de dança, dos rappers e dos grafiteiros, tentavam transformar a afiliação às gangues em algo positivo... criaram uma cultura. 14 O hip-hop foi criado para que as pessoas se afastassem da negatividade que contaminava as ruas, como: violência entre gangues, tráfico e consumo de drogas, complexos de inferioridade, conflitos entre negros e latinos (LEAL, 2007). Dessa forma, a Universal Zulu Nation tem um papel fundamental na resolução de conflitos e apoio à paz, ao amor, à união e diversão. O dia 12 de novembro, além de marcar o aniversário da Zulu Nation, passa a significar também – com um ano de diferença – o aniversário do hip-hop enquanto movimento cultural, idealizado pelos DJs Kool Herc, Grandmaster Flash e Afrika Bambaataa. O hip-hop torna-se a filosofia do gueto e contribui para nortear os membros da Zulu Nation, garantindo a manutenção de valores construtivos e positivos (LEAL, 2007, 26). Em 1974, diante da dificuldade de discotecar e animar o público ao mesmo tempo, os DJs começam a contratar MCs – garotos que freqüentavam as festas e tinham facilidade de entreter o público com gírias locais e frases. Essa iniciativa partiu do DJ Kool Herc ao contratar La Rock e Kent para animarem os bailes. Coke La Rock criou frases do hip-hop que são repetidas até hoje e é considerado o primeiro MC-Rapper do hip-hop (LEAL, 2007). Em 1975, Bambaata, começou a divulgar o hip-hop através de festas pelo bairro com o nome de “Hip-hop Beeny Bop”. Essas festas eram gravadas, o que, consequentemente, contribuiu para que o som do hip-hop se espalhasse (LEAL, 2007). “O movimento hip-hop foi consolidando-se por todo o país, e [...] surgiam cada vez mais adeptos desta nova cultura urbana, seja através do grafite, break ou rap. O hip-hop foi ampliando sua importância para a juventude negra/afro-latina dos centros urbanos” (RIBEIRO, 2006, p. 5). Leal (2007) em seu livro “Acorda Hip-Hop” esclarece que no documentário Walk this way 2 sobre a história do grupo Run DMC, Grandmaster Flash comenta: O hip-hop surgiu no Bronx. Nos primeiros anos houve muita experimentação e muita coisa era feita ao ar livre, em festas de rua. As pessoas da vizinhança se reuniam nos parques e tocávamos de graça para gente de todas as idades, desde criancinhas até avós e avôs (p. 27). 2 Esse documentário foi ao ar na série Impacto no canal GNT em setembro de 2006. 15 O referido autor ainda completa que, em entrevista ao programa Yo! MTV Raps, da MTV Brasil, Afrika Bambaata fala sobre a organização territorial estabelecida pelos DJs para os eventos: Todo mundo tinha o seu território. Kool Herc tocou no lado oeste do Bronx, onde o hip-hop começou, e depois foi pro sul do Bronx, e a Zulu Nation [que também funcionava como Equipe de Som] para o sudeste do Bronx. Depois, passou pra zona norte do Bronx e chegou ao Harlem, Brooklyn, Queens, Connecticut, Nova Jersey e todos os EUA. E agora o hip-hop é uma comunidade mundial. Temos hiphop brasileiro, francês, inglês, antilhano, africano e japonês (LEAL, 2007, p. 2728). Leal (2007) ressalta que na década de 70, era comum entrar nas festas da Zulu Nation e deparar-se com as animações feitas pelos MCs. Foi o MC Busy Bee que instaurou uma nova maneira de usar as rimas através de “batalhas”, isto é, de desafios em formas de rimas lançados por um MC a outro, onde vencia aquele que fosse mais longe em confrontar o adversário dentro do espaço de tempo estipulado. Essa ideia tornava o público mais fiel às festas. Em 1976, o quinteto The Furious Five cria uma linha de versos completos e rimados surgindo, assim, a primeira letra de rap. Em 1978, influenciado pelo canto falado, pela linguagem própria dos guetos nova-iorquinos e pelas críticas politizadas de personalidades, nasce o rap. Como conseqüência do processo de consolidação do movimento hip-hop, em outubro de 1979, a Sugar Hill Band, grava a primeira musica de rap, a “Rapper’s Delight” contribuindo para que o rap fosse “percebido não apenas como mais um elemento do hip-hop, mas como algo genial na música do gueto feita por e para jovens negros sem oportunidades” (LEAL, 2007, p. 35). Ribeiro (2006) revela que devido a isso, o ano de 1979 é apontado como o nascimento oficial do hip-hop enquanto movimento social e cultural, mesmo que desde 1974 o hip-hop já desenvolvesse atividades com seus elementos de maneira sistemática nos guetos novaiorquinos. Leal (2007) acrescenta que o movimento hip-hop com a colaboração ativa de homens como Kool Herc, Afrika Bambaataa e Grandmaster Flash, cresceu, fortaleceu, amadureceu, 16 venceu obstáculos e conquistou o mundo. A cultura hip-hop rompeu limites geográficos deixando de ser apenas uma cultura desenvolvida por afro-americanos e latinos nos guetos urbanos norte-americanos para se tornar uma cultura de contestação mundial (TOOP, 2000 apud RIBEIRO, 2006). Em cada país, esse movimento adquiriu uma linguagem própria, de acordo com a realidade e a cultura existente, respeitando todos os grupos étnicos e todas as raças. É um movimento que engloba cultura, arte, lazer, informação e política e que hoje está envolvido nas indústrias de moda, música e cinema como um gerador de empregos em potencial. Desde os anos 80 até hoje, o rap vem se tornando uma indústria à parte dos outros elementos do hip-hop. Devido a isso, a Universal Zulu Nation adicionou mais um elemento ao hip-hop: o “conhecimento”. A ausência do “conhecimento” na cultura hip-hop faz com que muitos dos jovens cometam o erro de achar que atividades como fumar maconha, consumir bebidas fortes, vestir uma marca famosa estampada no peito como forma de ostentação, portar armas, ou freqüentar boates de strip-tease são atitudes hip-hop. “O movimento tem sido retratado negativamente por muitos rappers. Negatividade esta instigada e promovida pela indústria fonográfica e outras corporações que exploram a cultura hip-hop à custa da juventude e da moralidade” (LEAL, 2007, p.140). É através do conhecimento que a pessoa envolvida com o hip-hop vai se preocupar com os problemas sociais do seu bairro e com o governo. Dessa forma, as pessoas podem reconhecer que a cultura hip-hop pode salvar vidas e fazer com que pessoas de diferentes etnias e nacionalidades se unam. 2.1. HIP-HOP NO BRASIL O movimento hip-hop no Brasil surgiu entre o final dos anos 70 e o início dos anos 80, no momento da eclosão dos “novos movimentos sociais” que passavam a incorporar questões como a de gênero e raça no processo de constituição de um novo modelo de sociedade, mais pluralista, democrática, participativa e cidadã e criando novas formas, novas práticas de exercício político reivindicatório (RIBEIRO, 2006). 17 “O movimento hip-hop começou sua história no Brasil de maneira discreta e quase imperceptível para muitos, sendo encarado muito mais como uma moda passageira, do que com seriedade” (RIBEIRO, 2006, p. 11). O hip-hop no Brasil se caracteriza pelo momento final dos “bailes blacks” das décadas de 60 e 70, onde as equipes de dança dos bailes passaram a dançar com um ritmo diferente, com passos que viam em reportagens na televisão ou em matérias que saíam nas revistas importadas. Em 1983, esse novo estilo de dança chegou às ruas de São Paulo sendo batizada pela mídia como break dance, considerada a primeira manifestação do hip-hop no Brasil. Leal (2007) acrescenta que o programa de auditório do apresentador Silvio Santos, exibido na TVS, promoveu concursos para divulgar a “nova onda”. Fochi (2007) revela, ainda, que no Brasil os dançarinos de breaking tinham como objetivo a diversão e a busca da auto-estima. O dançarino Nelson Triunfo é considerado o pioneiro da cultura hip-hop no Brasil e São Paulo, o berço do hip-hop, pois dos encontros na Rua 24 de maio e na Estação São Bento do Metrô saíram muitos artistas reconhecidos. A Estação São Bento do Metrô, inclusive, foi um dos locais de maiores encontros de dançarinos de hip-hop onde além de dançar, eles trocavam opiniões sobre breaking e a cultura hip-hop (LEAL, 2007). Segundo Ribeiro (2006) aos poucos começaram a surgir, pela cidade de São Paulo, os primeiros grafites ligados ao hip-hop, além de se começar a ouvir na cidade um jeito diferente de cantar. Surge no país a música rap e movimento hip-hop se torna realidade no Brasil. Os primeiros anos do movimento são difíceis, pois seus adeptos são perseguidos pela polícia, ou são desacreditados e ridicularizados nos próprios “bailes blacks”. Esta situação começa a melhorar quando em 1983, Michael Jackson através de seus clipes, em especial das musicas “Thriller”, “Billie Jean” e “Beat It” e da abertura da novela das 20:00h da rede Globo de Televisão “Partido Alto” composta por dançarinos de break, acabam por revelar a “break dance” como uma forma de dança moderna, uma forma de arte “respeitável” (RIBEIRO, 2006, p. 11). Em 1986, a gravadora Kaskatas Records lançou a primeira coletânea de rap nacional com o título de A ousadia do rap que resultou de um concurso para selecionar os melhores grupos de rap (LEAL, 2007). Em 1988 é lançado a coletânea Hip Hop cultura de rua pela gravadora Eldorado revelando nomes do rap nacional como a dupla Thaíde & DJ e a 18 coletânea Som das ruas pela Chic Show que revelou nomes como o Sampa Crew (RIBEIRO, 2006). Como uma forma de demonstrar que também faziam parte da cidade, o hip-hop passou a atuar nas áreas centrais onde os jovens pudessem ser ouvidos e notados por meio da divulgação, através do hip-hop, da precariedade social a que estavam relegados e da denúncia dos processos de discriminação racial e violência policial que eram submetidos (RIBEIRO, 2006). O movimento hip-hop se espalhou pelo Brasil rapidamente destacando nesse processo de expansão as cidades de São Paulo, Santo André, São Bernardo do Campo, Campinas, Brasília, Porto Alegre, Recife e Belo Horizonte. Com a intenção de formar representantes do hip-hop em todo o Brasil para desenvolver ações políticas, sociais e culturais junto às comunidades, o produtor da Racionais MC’s, Milton Salles, tomou a iniciativa de fundar o Movimento Hip-Hop Organizado (MH2O), uma das maiores organizações de hip-hop do Brasil e que tinha como ideia principal, “fazer do MH2O um movimento político através da música” (FOCHI, 2007, p. 63). Ainda nesse ano de 1989, é fundada a Força Ativa com ideias semelhantes às do MH2O e com atuação na Zona Leste de São Paulo (LEAL, 2007). O hip-hop se tornou porta voz das periferias brasileiras (ANDRADE, 1999), “surgindo nas periferias, locais de reunião dos integrantes do movimento que passam cotidianamente a exercer funções de integração social, de novos laços de sociabilidade nas áreas periféricas das cidades” (RIBEIRO, 2006, p. 13). Por ocorrer em um período caracterizado pelo refluxo dos movimentos sociais urbanos, o hip-hop aumentou sua visibilidade e sua ação políticareinvindicatória nas áreas urbanas das médias e grandes cidades. Em 1990, o hip-hop já estava consolidado enquanto movimento social e cultural, mas foi com o lançamento do álbum Sobrevivendo no Inferno do grupo de rap paulistano Racionais, que o hip-hop passou a ser interpretado pelos setores formais da sociedade como um movimento social e cultural que mesmo de origem norte-americana, foi adaptado e transformado de acordo com as necessidades e demandas das populações periféricas do Brasil (RIBEIRO, 2006). De acordo com Kehl (2000) apud Ribeiro (2006), o impacto causado pelo 19 álbum dos Racionais MC’s foi enorme no cotidiano das periferias brasileiras, estimulando o processo de auto-estima e de auto valorização racial/social/cultural. O movimento hip-hop nacional passou a evidenciar uma postura mais agressiva, principalmente na música rap que se tornou cada vez mais “pesada”, com uma linguagem de gírias típicas da população jovem das periferias. Essas gírias tinham a função de agir como elemento de identificação e de congregação social em meio aos outros grupos sociais onde cada qual tinha sua linguagem específica, o que possibilitava um processo de relações e de identificação social dos sujeitos (RIBEIRO, 2006). De acordo com Leal (2007), o ano de 1994 foi marcado por uma manifestação e um incidente em São Paulo: aproximadamente 30 mil pessoas se concentraram no evento 300 Anos de Zumbi, apoiado pelo programa Yo! MTV Raps da MTV Brasil onde uma ação nãopremeditada da polícia, durante o show dos Racionais, causou revolta no público no instante em que a música Homem na estrada, do cd Raio-X do Brasil, lançado em 1993 pela gravadora Zimbabwe, é executada. O trecho da letra teria desencadeado a confusão entre a platéia e a polícia e o resultado: a interrupção do show, a depredação de diversas viaturas, várias pessoas detidas e outras feridas em choque com a polícia. Mano Brown, líder da banda Racionais declara: Enquanto os outros grupos atacavam com palavras, o Racionais só cantou e agrediu muito mais cantando do que falando! Mexeu com o brio da massa! Acho que foi a primeira vez que, pro grande público, a história do hip-hop mostrou alguma força, um poder de multidão. [...] Uma instituição como a Polícia Militar de São Paulo, respeitada, ter medo de uma letra de rap, como é que pode? [...] Nós descobrimos que eles têm medo, que o sistema tem medo de uma palavra bem falada pras pessoas certas, no momento certo! Então, se um preto consciente causa medo, imagina cinco mil ao mesmo tempo? [...] Causa distúrbio, pode ter gente ferida! [...] A integridade física dos bacanas tá acima de tudo (LEAL, 2007, p. 184-185). Nesse mesmo ano, o ativista religioso, Padre Xavier, responsável pelo Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente Mônica Paião Trevisan (CEDECA), funda a CEDECA Rap para atender os jovens pobres da região, utilizando oficinas de hip-hop, cursos profissionalizantes e trabalhos de recuperação a dependentes químicos (LEAL, 2007). 20 Através do hip-hop os jovens da periferia, especialmente os afros-descendentes, passaram a buscar seus direitos como cidadãos. A inserção do hip-hop no processo político significou uma nova etapa do movimento uma vez que suas reivindicações começaram a ser atendidas e reconhecidas pelo poder público local, passando o movimento a utilizar os canais de participação política locais, com o intuito de expor suas reivindicações de para toda cidade e utilizar os espaços institucionais (RIBEIRO, 2006). O hip-hop, então, ao assumir uma postura política acaba se inserindo como “veículo de construção de identidades, trazendo a formação da consciência da violência praticada contra a população negra em toda a história do Brasil – consciência da discriminação racial e social” (TELLA, 1999, p. 61). Com essa postura política, o hip-hop enfatiza ainda mais as ideias de Bambaataa para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Sabe-se que, atualmente, a mídia, programas de TV, rádio, jornais, lojas de discos e de roupas, eventos, bailes, grifes de roupa, selos, gravadoras, revistas e sites ajudam o hip-hop a se firmar no mercado, entretanto, podem passar um conceito errôneo do que é o hip-hop e seu verdadeiro significado. Dessa forma, abordar a história do hip-hop não só em seu país de origem como também no Brasil é imprescindível para compreender a importância da dança e da música hip-hop na vida de crianças e adolescentes que vivem em periferias, pois permite partir das ideias do movimento hip-hop de promover a paz, bons relacionamentos, diminuição da violência e tráficos de drogas, para poder identificar na oficina de hip-hop do Programa Fica Vivo! do bairro Turmalina de Governador Valadares, os possíveis resultados positivos que esta exerce nos usuários que a frequentam. 2.2. BREAKING E SUA RELAÇÃO COM O HIP-HOP O breaking é uma dança que surgiu no Bronx, em Nova York – Estados Unidos, na década de 70 e é uma forma de expressão corporal que faz parte da cultura hip-hop cujos passos receberam influência de danças afro-americanas que incluem o movimento orientado à terra e à improvisação, do funk e das artes marciais (WILSON, 2008). Os garotos que dançam 21 o breaking são chamados de b-boys e as garotas de b-girls. A crew, por sua vez, é o nome dado a grupos da dança breaking composto por b-boys e b-girls. É importante ressaltar que a mídia chama, erradamente, o breaking de breakdance por achar que as danças e movimentos do hip-hop são a mesma coisa. Entretanto, dentro do hiphop há vários estilos de dança que tem seus próprios movimentos e suas histórias e, portanto, o breaking não é a única dança do movimento hip-hop, mas ganha destaque aqui por ser a dança executada na oficina de hip-hop do Programa Fica Vivo! do bairro Turmalina de Governador Valadares. No início, a maioria dos negros achava que o breaking era uma moda passageira e foram os porto-riquenhos que mantiveram a chama dessa dança acesa introduzindo em sua coreografia, os movimentos acrobáticos (LEAL, 2007). O breaking ganhou maior exposição em 1979 quando os conceitos de hip-hop já estavam formados e o rap não tinha muita aceitação na mídia. Dessa forma, o breaking, era a única forma de arte livre e tinha apelo visual necessário para chamar a atenção das massas. Os movimentos dos b-boys conquistaram fãs, trazendo o grafite e o rap para completar o cenário. Além disso, filmes como “Breakdance” e “Beat Street” chamaram a atenção das pessoas fazendo com o que o nome hip-hop se espalhasse. Com a popularização do Break, firmava-se a figura do B-Boy; surgia o interesse sobre as técnicas utilizadas pelos Djs e rappers. No princípio, a motivação do Break era defender, palmo a palmo, nas ruas, o espaço para a emancipação da cultura Hip Hop. Com o tempo, as lendárias batalhas ou "rachas" evoluíram para um estágio de desenvolvimento de conceitos diversos, que iam desde a compreensão dos difíceis passos da dança, até programas de recuperação de jovens viciados ou que viviam nas ruas (BREAK, s.d., par. 5). Wilson (2008) revela que o breaking utiliza quatro movimentos fundamentais: toprock, quando o b-boy dança em pé; foot work, basicamente é todo dançado no chão; freezes, pose onde o b-boy para instantaneamente; e power moves que são os passos mais difíceis por incluir movimentos acrobáticos. Além disso, essa dança utiliza movimentos que incluem giros com apoio de cabeça, giros sobre as mãos e sobre as costas e até lutas, como a capoeira, que exigem elasticidade do corpo e um bom preparo físico dos b-boys e b-girls. 22 Entre altos e baixos, o breaking conseguiu se espalhar para Nova Iorque e todo o mundo. Tanto o hip-hop quanto o breaking são considerados estilos de vida, pois “a maneira de se vestir, de falar, gesticular e de seus participantes se autodenominarem são características marcantes desta cultura” (LEAL, 2007, p. 63). As roupas, de preferência folgadas, usadas pelos b-boys são consideradas mais confortáveis na realização dos movimentos assim como os tênis mais velhos. Ao navegar nas comunidades de hip-hop do Orkut3 (orkut.com) é possível perceber que atualmente, os seguidores da dança breaking reclamam que o foco da dança está sendo perdido, pois muitos b-boys querem fama e ignoram o verdadeiro sentido da dança. Quando surgiu, o hip-hop tinha um significado forte pelo contexto em que viviam. Muitos b-boys dessa geração começam a dançar breaking pela fama e pelo dinheiro e não pelo o que o hiphop representa. Com isso, o respeito e os propósitos da cultura hip-hop – como paz, amor e união – são perdidos. Os seguidores que são fiéis ao verdadeiro sentido do hip-hop se recusam, inclusive, a ir em shows de músicos que utilizam o rap para fazer apologia às drogas e à violência. Além disso, como foi ressaltado anteriormente, devido a falta de informação e conceitos errados, ainda existe uma imagem “errada” do que é realmente o hip-hop. Muitos jovens e adolescentes que praticam o breaking estão inseridos em um meio social marcado pela falta de recursos, pela exclusão social, pela criminalidade e pela violência. A cultura hip-hop e, especificamente, o breaking pode se configurar em uma nova maneira dos jovens e adolescentes conquistarem espaços, ampliarem suas relações sociais e ultrapassarem barreiras, permitindo que eles passem a dançar não só nos espaços da periferia, como também nos centros urbanos de lazer. Em muitas cidades, as danças do movimento hiphop não são praticadas apenas nas ruas das periferias, mas são oferecidas em academias e palcos teatrais da cidade, permitindo que a cultura hip-hop saia do espaço público e anônimo das ruas para toda a cidade (REGO, 2008). Além disso, existem muitas competições de breaking que permitem que b-boys conheçam outras cidades, outros países, outras culturas. É assim que o breaking vem invadindo novos territórios, transpondo barreiras nacionais e conquistando jovens de outras classes sócio-econômicas, ensinando-os a produzir novas formas de existência na vida e na dança (ALVES & DIAS, 2004). 3 Site de relacionamentos na internet. 23 Muitos adultos consideram os movimentos e gestos que compõem as danças de rua, agressivos, entretanto, a violência faz parte do universo de muitos jovens e adolescentes e pode ser “canalizada” através da dança. Nestas danças e no contexto em que vivem [...] a violência é um tema presente e, ao dançar, é possível simular lutas, fazer gestos considerados obscenos ou indecentes, criar nas coreografias grupos que se enfrentam etc. Tudo isso pode ser realizado sob a forma de representação dançada [...], trata da “ritualização” da violência e não da violência em si mesma. Não é incomum grupos de dança colecionarem exemplos de adolescentes que saíram da marginalidade por encontrarem novos sentidos pessoais na prática da dança de rua (REGO, 2008, p. 43). As aulas de breaking oferecidas em oficinas de hip-hop permitem trabalhar não só os movimentos do corpo, mas a resistência e a flexibilidade corporal capacitando o corpo na conquista de novas posturas. Nessas aulas é preciso aprender as coreografias, permitindo que a disciplina e a responsabilidade sejam incorporadas no dia a dia dos jovens e adolescentes reforçando o que Liano apud Nanni (1995) ressalta que a dança contribui no desenvolvimento de funções intelectuais como: atenção, memória, raciocínio, curiosidade, criatividade, observação e poder de crítica. Não só as competições de dança separam a dança pertencente ao movimento hip-hop de outras formas de dança, mas também os movimentos de improvisação, conhecidos como Freestyle (WILSON, 2008), que estimulam a espontaneidade e a criatividade permitindo que os dançarinos tenham um espaço para trabalhar a sua individualidade e o seu estilo pessoal. Além de ser um momento lúdico, a criatividade e a livre expressão permitem que os jovens e adolescentes criem e se expressem livremente, liberando suas emoções na comunicação consigo mesmos e com os demais. Dessa forma, o breaking, assim como as outras danças, é uma forma de comunicação, de autoconhecimento e de expressão corporal que permite ao indivíduo manifestar sensações, sentimentos e pensamentos com o seu corpo (STOKOE e HARF, 1987 apud SILVEIRA, 2009). Por ser uma linguagem simbólica, a dança utiliza, através do movimento, do espaço e do tempo, todas as faculdades cognitivas, afetivas e físicas do ser humano (ROBINSON apud BERTONI, 1992) e pode, inclusive, produzir efeitos terapêuticos, pois, como atividade física, proporciona habilidades que favorecem na promoção da saúde, da auto-estima, melhoria nos relacionamentos interpessoais (FUX, 1983), além de redução de stress, ansiedade e sedentarismo. 24 Rocha (2002) apud Ely (2009) revela que a dança pode desenvolver valores físicos por trabalhar o ritmo, a resistência, o equilíbrio, a flexibilidade e a agilidade; valores mentais ao desenvolver a atenção, a memória, o raciocínio e a imaginação; valores sociais por trabalhar o indivíduo e suas relações interpessoais; valores morais ao trabalhar a cooperação, a disciplina, a autoconfiança e a perseverança; valores recreativos; valores terapêuticos por desenvolver a autoconfiança e proporcionar a sociabilidade; e por fim, valores culturais por ser transmitida através de culturas regionais, nacionais e internacionais. Sabe-se que a dança, assim como outras diversas atividades terapêuticas, possibilita a manifestação da subjetividade em um nível não-verbal e permite que o indivíduo se expresse livremente através dos movimentos de seu corpo (ALBUQUERQUE et al., 2008). Diante disso, podemos pensar no adolescente que passa por um período de transformação e de estruturação da identidade corporal, social, sexual e afetiva, e que pode encontrar na dança, um espaço para expressar emoções, ideias e vontades, possibilitando o surgimento do autoconhecimento, auto-expressão e autonomia. Para os adolescentes, que biológica e psicologicamente estão passando por um período de transformação, quando a dualidade de sentimentos faz com que vivam em constante batalha interna, na busca incessante de significação da vida, a dança pode ser uma atividade muito indicada (ALBUQUERQUE et al., 2008, p. 491). Sabe-se também que na tentativa de encontrarem o seu lugar e construírem uma identidade pessoal, jovens e adolescentes buscam formas de identificação em grupo. Pertencer a um grupo pode favorecer a auto-estima e é nesse contexto, que Scandiucci (2006) apud Rego (2008) considera a cultura hip-hop como possibilidade de expressão e construção da identidade, seja através da música, da dança ou do grafitti. Participar de um grupo com gostos comuns, especialmente a dança breaking, pode trazer sentimentos de aceitação, de cooperação, de reconhecimento e de partilha, na medida em que os indivíduos dividem com o grupo, os passos criados. Dessa forma, o movimento hip-hop é “um espaço de referência para os adolescentes, onde estes desenvolvem um sentido de comunidade que fundamenta um sentido de identidade radicalizado na experiência social, cultural e étnica” (MAGRO, 2002, p. 69) 25 Em meio a tanta violência e precariedade social, o breaking e o hip-hop podem, através de atitudes, linguagens e vestimentas próprias, integrar questões como desemprego, violência, drogas, exclusão social e etc., (MAGRO, 2003), gerando o sentimento de luta e unidade a jovens e adolescentes que vivem em desvantagem social. Além disso, podem proporcionar a esses indivíduos, a reflexão de questões de sua comunidade e do mundo, elaborando uma reflexão crítica sobre suas experiências, valores e posições (REGO, 2008). Abordar a dança e sua importância na vida e na formação de habilidades sociais positivas entre jovens e adolescentes é imprescindível uma vez que o breaking representa auto-expressão, encontro com o outro e consigo mesmo, e praticá-lo exige uma rotina de treinamento, que praticamente obriga a deixar vícios, a dormir bem e alimentar-se melhor, portanto, seu exercício pode possibilitar benefícios que favorecem a promoção à saúde e à qualidade de vida, que vai desde manter hábitos saudáveis a melhoria de relações interpessoais. Dessa forma, torna-se necessário a abordagem do próximo capítulo sobre a adolescência e a juventude e as relações interpessoais que ocorrem nessas fases. 26 3. SOBRE ADOLESCÊNCIA E JUVENTUDE A adolescência tem sido discutida durante muito tempo através de estudos e pesquisas, entretanto, o que se percebe é que o termo adolescência muitas vezes é confundido com o termo juventude ou até mesmo usado como sinônimo. A partir disso, pretende-se esclarecer a respeito desses termos, para a melhor compreensão sobre os mesmos. De acordo com Outeiral (2008), a palavra adolescência tem dupla origem etimológica. Ela vem do latim ad (a, para) e olescer (crescer), onde o indivíduo está apto a crescer. Ela também se deriva de adolescer, origem da palavra adoecer. Segundo Airés (1986), apud Ávila (2005), O conceito de adolescência não aparece antes do final do século XVIII e não se difunde antes do século XX. Por muito tempo, as crianças eram introduzidas no mundo do trabalho a partir dos sete anos; poucas estudavam ou permaneciam muito tempo no sistema educativo, onde também não estavam separadas por níveis diferenciados de idade. Como a adolescência não era considerada um período particular de desenvolvimento, não existia, ainda, uma cultura adolescente. Em conseqüência da complexidade das sociedades modernas industrializadas foi-se criando um espaço intermediário entre a infância e a idade adulta, entre a maturidade bio-fisiológica e a maturidade psicossocial, sendo resultado dos padrões de mudança da nossa sociedade (p. 3). Magro (2002) também faz referência ao assunto anterior ao descrever que a adolescência começou a ser reconhecida a partir da era industrial, onde as crianças eram colocadas na escola com o intuito de serem qualificadas para o trabalho, pois este era um dos principais projetos da modernidade para se produzir o progresso. Como conseqüência dessa nova forma de escolarização, onde crianças e adolescentes tinham o direito e o dever de ficar na escola, surge então a separação da vida adulta e dos seres em formação. Dotti (1973) apresenta a adolescência como sendo uma etapa entre a fase da infância e a idade adulta, sendo aproximadamente nas idades entre 12 a 20 anos, num processo de desenvolvimento físico, psíquico e sócio-cultural. Para este autor o termo certo a ser utilizado 27 na definição de adolescência não seria desenvolvimento, mas sim peculiaridade, pois é essa peculiaridade que diferencia o processo de desenvolvimento da infância e da adolescência. De acordo com Bee (1997), Faz mais sentido pensarmos a adolescência como o período que se situa, psicológica e culturalmente, entre a meninice e a vida adulta, ao invés de uma faixa etária específica, cujas mudanças físicas e emocionais dessa transição adquirem uma reputação de ser cheia e trata-se de um período em que a criança se modifica física, mental e emocionalmente, tornando-se um adulto (p. 318). Osório (1987) destaca a adolescência como sendo uma etapa de transformações peculiares à espécie humana, culminando nela todo o processo de desenvolvimento biopsicossocial do indivíduo. Destaca, ainda, que a adolescência é compreendida pelo estudo de seus aspectos biológicos, psicológicos, sociais e culturais, formando um conjunto que concede harmonia ao fenômeno adolescência. A mudança da infância para a vida adulta também está ligada a fatores sociais e culturais do indivíduo, por isso pode-se dizer que “a adolescência gera diferentes peculiaridades conforme o ambiente social, econômico e cultural em que o adolescente se desenvolve” (OUTEIRAL, 2008, p. 3). Mesmo com as diferenças culturais todas as crianças devem passar por essa transição para que possam atingir a idade adulta. Alguns autores diferenciam adolescência e juventude, além de esclarecerem sobre o que seria esse período pelo qual o indivíduo passa no decorrer de sua vida. A distinção entre juventude e adolescência está relacionada aos sentidos atribuídos a cada um dos termos, onde adolescência teria um sentido etário e juventude um sentido geracional. Essa juventude remete ao coletivo, um segmento populacional de uma sociedade e já a adolescência está mais voltada ao plano individual, demarcado cronologicamente. A adolescência tem, muitas vezes, um caráter negativo, associada à irresponsabilidade, dependência, impulsividade e dificuldades emocionais e, a juventude, por sua vez, está ligada a responsabilidade, independência e criatividade. Entretanto, um jovem não precisa, 28 necessariamente, se vê como adolescente ou pouco responsável por ter menos de vinte anos (VILELA & DORETO, 2006) Conforme Dotti, “existe na juventude características bio-psico-emocionais que são próprias do jovem de todos os tempos e peculiaridades que variam segundo a época e as condições históricas e ambientais que envolvem a juventude” (1973, p. 446). De acordo com Corti e Souza (2005) apud Salles e Vale (s.d.), o conceito de juventude teve diferentes significados nos diversos períodos históricos e em determinadas sociedades, entretanto, em nenhum momento essa fase da vida obedeceu a critérios rigorosamente biológicos. Desde a Antiguidade até o início da Idade Moderna, o segmento definido como juventude era representado pelas classes sociais mais favorecidas. A juventude não representa uma categoria social homogênea, pois existem fatores que causam diferenciação no interior desse segmento como a classe social, a condição étnica e de gênero, a orientação religiosa e a situação familiar. Ainda de acordo com esses autores, a Organização Mundial de Saúde (OMS) entende a juventude como uma categoria sociológica que inclui indivíduos de 15 a 24 anos. Esta fase seria representada pelo vínculo entre indivíduos de uma mesma geração formando, assim, um segmento social específico. A juventude tem suas próprias características assim como as outras fases da vida humana, mas também o modo de ser do jovem tem seus fatores particulares que estão relacionados com o ambiente em que este ele está inserido, o período ou época dessa fase, além de outros fatores no âmbito social. 3.1. A ADOLESCÊNCIA No início da vida do adolescente, uma das primeiras mudanças a ocorrer está relacionada com o corpo. As transformações corporais constituem uma das questões primordiais da adolescência de forma geral. As mudanças biológicas, que passam todos os 29 adolescentes, estão ligadas a uma das primeiras fases da adolescência chamada de “puberdade”. Osório (1989) faz referência à puberdade da seguinte maneira: Como a própria etimologia do termo sugere, inicia-se com o crescimento dos pêlos, particularmente em certas regiões do corpo, tais como as axilas e região pubiana, tanto nos meninos quanto nas meninas, como resultado da ação hormonal desencadeia o processo puberal; estas e outras modificações corporais que então ocorrem dão-se principalmente a partir do desenvolvimento gônadas, ou seja, dos testículos nos meninos e dos ovários nas meninas (p. 11). Esse autor ainda ressalta que nem sempre o início da adolescência coincide com o da puberdade, pois tanto pode precedê-la como sucedê-la. Também Bee (1997) descreve que muitas vezes o corpo da criança ainda nem se desenvolveu no sentido biológico e ela já apresenta características da adolescência. Para Vitiello, et al. (1988) “a puberdade é um componente biológico da adolescência, caracterizando-se pela emissão do sêmen, nos rapazes ou pela primeira menstruação, nas garotas” (p. 2). Já Castilho e Filho (2000) ressaltam que a puberdade é um dos aspectos da adolescência e se constitui em um processo maturacional, hormonal e de crescimento que depende de determinantes biológicos. Muitas mudanças acontecem durante a puberdade, levando ao surgimento dos caracteres sexuais secundários, desenvolvimento das gônadas, alterações no aparelho cárdiocirculatório, na massa magra e distribuição de gordura (mudanças na composição corporal) e a um rápido crescimento dos ossos, quando se atinge a estatura final (WHEELER, s.d. apud CASTILHO E FILHO, 2000). Adolescência e puberdade têm relações estreitas e em algumas vezes foram mencionadas com os mesmos significados. No entanto, nas últimas décadas a adolescência vem sendo considerada como o momento crucial do desenvolvimento do indivíduo, isto é, aquele que marca não só a aquisição da imagem corporal definitiva como também a estruturação final da personalidade. Para Minelli (s.d) e Ballone (2003) apud Melo (s.d), 30 As alterações hormonais despertam a sensibilidade sexual e provocam períodos de intensa energia física, entusiasmo, inquietação, rebeldia, oposição, irritabilidade e alguns estados de depressão. O adolescente passa assim por uma comoção emocional que ressoa em seu comportamento e provoca situações difíceis tanto para ele como para sua família. Mas todos esses estados emocionais são saudáveis e necessários para que estes jovens exprimam suas próprias personalidades e formem seu caráter definitivo [...]. É nessa fase, a adolescência, que o indivíduo adquire também a capacidade de pensar o abstrato e dedica sua faculdade ao questionamento do mundo que o rodeia. O intelecto apresenta-se aqui mais eficaz, rápido e permite elaborações mais complexas, ocorre um aumento da concentração, seleção de informações, maior capacidade de retenção e evocação, a linguagem se torna mais completa e complexa. Isso tudo faz com que o adolescente sinta que “pode tudo” tornando-se mais independente e contra os valores até então tidos como corretos (p. 4 - 5). Na adolescência o indivíduo passa por várias transformações e se vê obrigado a habituar-se em um novo corpo. As mudanças acontecem não só no sentido corporal, mas também na estruturação da sua personalidade. Seu corpo infantil vai se transformando em adulto, porém sua mente ainda permanece infantil. Essas transformações podem causar muita ansiedade na vida do adolescente e devido a isso, ele busca refúgio em seu mundo interior, com fantasiais e sonhos. Nessa fase, o adolescente não se percebe nem como adulto e nem como criança e é nesse momento que ele entra em confronto com várias questões relacionadas ao seu desenvolvimento. Esse conflito a ser solucionado pelo adolescente é a chamada crise de identidade, que se instaura no momento em que ele busca encontrar suas próprias respostas e motivações para a vida, procurando compreender quem é e o que quer (BENUTE & GALLETA, 2002). É uma fase de transição onde ocorrem muitos questionamentos, atitudes reivindicatórias, de conduta e flutuação de humor (IMONIANA, 2006). De acordo com Outeiral (2008), Na adolescência inicial, a identidade se estrutura como uma “colcha de retalhos”, na qual cada retalho é um “pedaço” de alguém, tornando difícil saber com “quem” estamos conversando no momento... Posteriormente ocorre um “amálgama” em que várias experiências de identificação se “fundem”. Este é um processo lento e difícil, tanto para o adolescente como para os adultos que convive com ele (p. 67). Ainda de acordo com este autor “a organização da identidade é um processo que, como os demais acontecimentos da adolescência, se dá com “turbulências”, com “idas-evindas”, provocando perplexidade e confusão em adultos” (p. 69) 31 Cavalcanti (1988) ressalta que o adolescente busca fixar o seu próprio espaço dentro de si mesmo e dentro da sociedade e, assim, “se processa o fenômeno da simultaneidade entre a autodescoberta e o conhecimento do mundo exterior, enquanto realidade distinta do próprio eu” (p. 18). As mudanças biopsicossociais da adolescência geram conflitos, crises e muitas dúvidas não só para os adolescentes, mas também para seus pais, pois essa fase traz mudanças na dinâmica familiar, na relação dos pais e principalmente do filho que nunca será mais o mesmo. “Os pais passam neste momento um processo de separação do filho” (SELENE, s.d. apud MELO s.d., p.5) A família, como um todo, “adolesce” quando ocorre a adolescência dos filhos: os pais reativam seus elementos adolescentes e poderão portar-se, muitas vezes, como tal. Além deles, os irmãos mais novos do adolescente também poderão querer “adolescer”. Além disso, o período da adolescência é muito difícil para os pais, pois geralmente os filhos irão questionar sua autoridade ou achá-los “caretas” por não poderem fazer aquilo que querem ou por achar o comportamento dos pais ultrapassado. Por isso é esse essencial que os pais possam aceitar esta fase de oposição da adolescência e tolerar quando eles são promovidos “aos piores pais do mundo”, pois eles são os principais modelos para a construção da identidade do filho e quanto mais positiva for esta identificação, mais o adolescente estará apto a enfrentar as dificuldades (OUTEIRAL, 2008). Outro fator muito importante na formação da identidade do adolescente é o grupo de amigos. Molpeceres e Zacarés (1999) apud Ferreira, et al. (2003) consideram o grupo de pares constituído na adolescência como um "laboratório social" onde as relações igualitárias e recíprocas permitem que ocorra a exploração de diversos tipos de comportamentos, favorecendo o desenvolvimento do adolescente. De acordo com Verzignasse e Térzis (2008) na adolescência, os grupos passam a ter uma importância grande, pois eles funcionam como espelhos onde o adolescente vê refletido nos outros, suas próprias dificuldades. Assim é possível no grupo e pelo próprio grupo 32 trabalhar suas dúvidas, testar novos papéis, elaborar seus lutos, sentir-se seguro e ir formar sua identidade adulta. Segundo Minelli (s.d.) apud Melo (s.d.), Pertencer a um grupo é extremamente importante para o adolescente, pois permite que junto a pessoas da mesma idade se sinta à vontade, definindo sua própria identidade, desenvolvendo suas habilidades de interação social, adquirindo o amadurecimento suficiente para integrar-se ao mundo dos adultos e libertar-se da família, pois o grupo o apóia a ir contra os controles da família. Isso tudo acontece por que no grupo o adolescente pode ao mesmo tempo ver as características comuns a todos os membros do grupo e também reconhecer as diferenças nos outros e em si próprio (p. 5). Em relação ao término da adolescência, Osório (1989) ressalta que assim como seu início, o fim dessa fase obedece a alguns critérios de natureza sócio-cultural, tais como: 1) estabelecimento de uma identidade sexual e possibilidade de estabelecer relações afetivas estáveis; 2) capacidade de assumir compromissos profissionais e manter-se (“independência econômica); 3) aquisição se um sistema de valores pessoais (“moral própria”); 4) relação de reciprocidade com geração precedente (sobretudo com os pais). 3.2. A JUVENTUDE A juventude é marcada por inúmeras transformações e vem assumindo hoje um sentido bem diferente do que se compreendia há algumas décadas atrás. Os jovens pertencem a um mundo cujo valor maior e mais fundamental é o da liberdade (SZAPIRO E RESENDE, 2010). A respeito deste assunto, tais autores ressaltam que hoje a juventude tem características peculiares associadas a pós-modernidade sendo que para os jovens o mais importante é o presente, pois o futuro vai sendo formado dia após dia, sem grandes planos ou metas a longo prazo. O objetivo maior é um estado de prazer, pois são indivíduos livres e autônomos. 33 Corti e Souza (2005) apud Salles e Vale (s.d), também descrevem que juventude não apresenta uma categoria social homogênea, pois sempre existirão fatores que diferenciam o interior desse grupo, tais como: gênero, etnia, classe social, situação familiar e orientação religiosa. Consequentemente todos esses fatores estão relacionados a não homogeneidade dos jovens. “Ao lado do seu vigor físico, há nos moços de todos os tempos uma generosa disponibilidade espiritual para imperiosos movimentos idealísticos, cujos coloridos podem variar, conforme as condições históricas ou regionais” (CASSE, s.d. apud DOTTI, 1973, p. 446). O autor ainda ressalta que esse jovem atual tem consciência de seu poder e força na sociedade, por isso quer marcar sua presença no mundo, construir uma história e desvendar os segredos dos grupos dominantes. Para Camarano et al. (2004), Jovens, em qualquer sociedade, representam o novo, consistindo em si próprios a principal fonte das transformações. Se, por um lado, a entrada em um mundo adulto construído por gerações mais velhas e experientes é vista como desvantagem, essa também pode ser entendida como vantagem, uma vez que engendra mudanças que permitirão novas acomodações da malha social. Enquanto uma parcela de jovens opta pela violência e marginalização, outra busca soluções inovadoras e positivas. No mundo das informações são eles os principais atores e fomentadores das inovações. Por exemplo, os jovens de hoje experimentam uma escolaridade mais elevada, cresceram em meio ao desenvolvimento da microeletrônica, da informatização e puderam se adaptar às mudanças delas decorrentes. As novas tecnologias, ao mesmo tempo em que os excluem do mercado de trabalho, abremlhes novas portas com a democratização e a globalização do conhecimento, não apenas formal e institucional (par. 4). Segundo Consuelo (2000) apud Salles e Vale (s.d.) é importante ressaltar que o que se entendia por movimentos juvenis eram as atividades exercidas pelos jovens das classes média e alta. Este cenário começou a mudar a partir dos anos 80 e 90, quando o hip-hop e o funk começaram a ganhar espaço na mídia e na indústria fonográfica. Sposito (2005) apud Dayrell (2007) falam que para os jovens, a escola e o trabalho são projetos que poderão sofrer ênfases diversas, de acordo com o momento da vida e as condições sociais que lhes permitam viver a condição juvenil. Nesse sentido, o trabalho aparece como uma mediação efetiva e simbólica na experimentação da condição juvenil, 34 podendo-se afirmar que “o trabalho também faz a juventude”, mesmo considerando a diversidade existente de situações e posturas por parte dos jovens em relação ao trabalho. 3.3. RELAÇÕES INTERPESSOAIS E FILIAÇÃO GRUPAL NA ADOLESCÊNCIA E JUVENTUDE As relações interpessoais sempre fizeram parte da vida do ser humano. Muitas pessoas convivem em grupo, seja no trabalho, em casa, na escola, entre outros. O grupo de iguais é muito importante para a formação do sujeito e muitas vezes essa filiação grupal pode influenciar ou até alterar e modificar o comportamento das pessoas. De acordo com Turner e Giles (1981) apud Del Prette (1990) a filiação e a participação em grupos são características universais da vida em sociedade. O indivíduo se filia a diferentes grupos sociais e esse "pertencimento" a grupos influencia grande parte das relações a serem desenvolvidas. Ainda segundo esses autores, “quanto mais próxima for uma relação social do extremo interpessoal, maior tendência à variabilidade comportamental em relação aos membros de outros grupos, e quanto maior a proximidade ao extremo intergrupal haverá uma tendência a uma maior uniformidade comportamental” (par. 18). Além disso, as relações interpessoais e o clima de grupo influenciam-se reciprocamente, caracterizado por um ambiente agradável e estimulante, desagradável e averso ou neutro e monótono, isto é, cada modalidade traz satisfação ou insatisfações pessoais e grupais. A filiação a diferentes grupos sociais é a base para o desenvolvimento da identidade social do indivíduo e esta se relaciona com o conceito que a pessoa tem sobre si mesma. O indivíduo adquire a consciência de pertencer a um grupo e tende a diferenciá-lo dos demais, maximizando os seus aspectos positivos e classificando os outros segmentos sociais em termos valorativos. Quando a filiação a um grupo contribui de forma negativa para a sua identidade social pode, então, ocorrer tentativas de abandonar o grupo e o indivíduo procurar melhorar o próprio status grupal em relação a outras categorias sociais. 35 Moscovici (1997) fala que “o processo de interação humana é complexo e ocorre permanentemente entre pessoas, sob forma de comportamento manifesto e não-manifesto, verbais e não-verbais, pensamentos, sentimentos, reações mentais e/ou físicos-corporais” (p. 33). As relações interpessoais são muito importantes para o desenvolvimento do adolescente, visto que ele está em um processo de construção de sua identidade e os grupos são, muitas vezes, uma das formas de identificação. O adolescente é tomado por dúvidas e questionamentos onde sente que tudo está errado, aumentando ainda mais sua angústia e insegurança. Por outro lado, tudo isso pode fazê-lo perceber a necessidade de reconstruir seu mundo, buscando assim, um modelo, alguém que ele possa imitar. “É com base no modelo que o adolescente vai tentar reconstruir o seu mundo de valores, que irá influir no seu comportamento social” (NÉRICI, 1969, p. 104) Dessa forma, o grupo de pares é fundamental na construção da identidade e autonomia dos jovens, pois é um espaço que possibilita diálogo acerca dos seus problemas pessoais, profissionais e escolares. Além disso, é no grupo que eles formam suas opiniões e atitudes e tem a oportunidade de desenvolver novas relações positivas. O grupo também promove o desenvolvimento pessoal, a definição de um projeto de vida e de uma identidade social adulta, além de ser um ponto crucial em seu amadurecimento e possibilitar o desenvolvimento de competências interpessoais, cooperação, empatia, solução de conflitos, entre outros (HARTUP, 1989, 1992; BERNARD, 2002; SIPE, 2002, apud MATOS, 2008) Muitas vezes o convívio e a identificação com o grupo giram em torno de gostos e interesses em comum, como é o caso da música e da dança, uma das atividades mais preferidas dos adolescentes e jovens e que podem ser fatores tanto positivos quanto negativos na relação grupal. O hip-hop, movimento destacado na pesquisa, pode, por exemplo, contribuir nas relações interpessoais dos jovens e adolescentes de todas as culturas. É o que Magro (2002) ressalta: 36 Portanto, pode-se considerar [...] [os grupos] do movimento hip-hop como organizações caracterizadas pelo comprometimento com a educação não-formal, pois têm explicitamente o objetivo de reunir adolescentes da periferia para uma ação coletiva voltada para uma conscientização política e de exercício da cidadania, para aprendizagem de conteúdos que não são abordados com profundidade na escola formal (como, por exemplo, o da questão racial e origem étnica do povo brasileiro) e para a produção artística e cultural. [...] o conhecimento é gerado por meio das vivências dos seus integrantes, e são as experiências destes em trabalho coletivo que geram o aprendizado. Por essa razão, o tempo de aprendizagem não é previamente fixado e se respeita as diferenças existentes para a reelaboração dos conteúdos. Esse aprendizado acontece no âmbito da comunicação oral e é carregado de representações e tradições culturais, bem como de emoções, pensamentos e desejos (p. 70). Na juventude, as relações interpessoais também têm um papel importante. Os grupos formados por alguns jovens têm muitas vezes, um sentido reivindicatório e de promoção da autonomia. De acordo com Moreno (2005) os movimentos juvenis e de filiação grupal já aconteciam desde a década de 60 onde os jovens universitários estavam envolvidos em questões relacionadas à política e à nação. Para esses jovens as ruas são espaços de reivindicação, criatividade onde eles têm a possibilidade de conviver com as diferenças individuais e buscar sua autonomia. Esses movimentos não são somente culturas de resistência, mas também uma forma desse jovem buscar sua existência, seu lugar, que muitas vezes não é reconhecido socialmente. Participar de movimentos juvenis, se interagir e estar em grupo são importantes tanto para o adolescente quanto para o jovem. Além disso, participar de movimentos sociais, independentemente da idade, possibilita uma formação educativa. Sobre os movimentos sociais, Gohn (1999) apud Moreno (2005) afirmam que: [...] todos os processos que envolvem a aprendizagem de novas informações referentes a novos hábitos, valores, atitudes e comportamentos. Este conjunto, após sistematizado, codificado e assimilado pelos indivíduos e grupos sociais, constituem elementos fundamentais para a geração de novas mentalidades e novas práticas sociais, fundamentais para a formação dos indivíduos enquanto cidadãos (par. 49) Considerando as relações interpessoais entre adolescentes e jovens, alguns movimentos, como é o caso do hip-hop, pode contribuir nessa interação além de promover aprendizagem social. Sobre o assunto, esse autor ainda descreve que o movimento hip-hop é formador de uma educação tanto formal quanto informal, pois suas canções, a arte, a dança e o convívio dos membros produzem, de maneira informal, experiências educativas que 37 possibilitam a formação de um novo ser no mundo, ao contrário de oficinas, reuniões e debates que buscam produzir intencionalmente a educação aos participantes desse movimento. Para a realização dessa pesquisa, considerou-se muito importante esclarecer sobre o desenvolvimento de adolescentes e jovens visto que são eles o público alvo em questão. Todo esse processo de amadurecimento, mudança e crescimento pessoal, é de extrema importância para que se possa entender o comportamento e a maneira com que jovens e adolescentes se relacionam e interagem em grupo. Percebe-se que as relações interpessoais dos grupos influenciam e podem ter um fator tanto positivo quanto negativo em suas relações. Dessa forma, entender mais sobre o jovem e adolescente, conhecer melhor seu mundo e o modo como eles se relacionam são essenciais para compreender seus interesses pessoais e grupais e, em especial, o interesse pelo movimento hip-hop, buscando assim compreender quais as contribuições a oficina de hip-hop, com o breaking, traz para a formação das habilidades e relações interpessoais desses jovens e adolescentes. Assim, torna-se necessário o conhecimento da oficina em questão e para isso, o próximo capítulo se dedica a descrever o surgimento do Programa Fica Vivo! e da oficina de hip-hop, assim como seus objetivos e suas ações. 38 4. PROGRAMA FICA VIVO! A partir de 1995, os índices de homicídios começaram a subir em Belo Horizonte (LEITE, 2003). Diante desses dados, o Centro de Estudo de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP) da Universidade Federal de Minas Gerais, na cidade de Belo Horizonte, percebeu a necessidade de se fazer um estudo que identificasse onde os homicídios ocorriam e quais as suas principais causas. De acordo com Beato (2003) apud Superintendência de Prevenção à Criminalidade – SPEC (2009), mais que uma explosão da criminalidade, os dados de homicídios apontavam para uma implosão já que as pesquisas demonstraram que a maior porcentagem dos assassinatos ocorria no interior de regiões específicas, onde vítimas e agressores viviam no mesmo espaço. Muitos homicídios eram resultantes de conflitos entre jovens que moravam em regiões próximas e que acabaram se tornando rivais. Uma rivalidade inscrita na formação de gangues, na delimitação de territórios e em pontos de encontro e desencontro, que se tornaram o cenário de trocas de tiros e de mortes (SIMÕES, 2009, p. 6) Tal estudo desenvolvido pelo CRISP identificou as áreas com maior concentração de homicídios em Belo Horizonte e mostrou como a ocorrência de homicídios segue um padrão definido, abrindo espaço para debates sobre o tema. Um dos fatos que impulsionou as discussões foi a ocorrência de uma chacina na Vila Leonina, localizada no Morro das Pedras, em 2002, onde cinco pessoas foram assassinadas. Tal fato mobilizou os órgãos públicos e instituições não governamentais em torno de um projeto que visava o controle de homicídios (LEITE, 2003). Dessa forma, a implantação do Programa de Controle de Homicídios, em 2002, resultou da interação entre representantes da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, do CRISP e da Polícia Militar de Minas Gerais cujo objetivo era a redução dos homicídios. O programa foi implantado como piloto no Morro das Pedras, localizado na região Oeste de Belo Horizonte onde as taxas de homicídios estavam entre as maiores da capital. O Programa de Controle de homicídios teve seu nome, posteriormente, alterado para Fica Vivo!. O pedido de mudança foi feito por moradores do Morro das Pedras que não gostavam do nome original, pois associava uma imagem negativa à comunidade. Leite (2003) salienta que 39 há divergências quanto a quem criou o Programa Fica Vivo!, pois este surgiu da interação entre pessoas e instituições, que percebiam a gravidade da violência e dos homicídios. Após seis meses de implantação do Fica Vivo!, o número de homicídios do Morro das Pedras (região piloto) em Belo Horizonte reduziu em 47%. Devido a este resultado, adquirido em tão pouco tempo, o programa chamou a atenção do Governo de Minas Gerais que resolveu adotá-lo como política pública para diversas regiões do Estado. De acordo com a SPEC (2009), A demonstração da viabilidade do projeto e os resultados alcançados possibilitaram a sua institucionalização. Mais que um projeto que considerava as gangues o problema central, o “Programa de Controle de Homicídios” concretizou a instauração de uma política de segurança pública em Minas Gerais, e foi institucionalizado pelo Decreto Lei 43334/03. Desde então, faz parte da Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS), através da Superintendência de Prevenção à Criminalidade (SPEC), criada em 2002 pela Lei Delegada 56, Resolução 5210 (p. 7). Ainda segundo essa autora, tal Decreto 43334/03 tem o objetivo de reduzir as incidências de homicídios doloso mediante ações de prevenção e repressão nas áreas de risco da Região Metropolitana de Belo Horizonte e em outros municípios de Minas Gerais onde os indicadores de criminalidade são altos. Para sua execução, conta “[...] com a ação integrada dos executivos federal, estadual e municipal, do Poder Judiciário, do Ministério Público Estadual, [...] de organizações não governamentais de atendimento e assistência social e da sociedade em geral” (MINAS GERAIS, 2003 apud SPEC, 2009, p. 8) Leite (2003) também ressalta que, O programa foi estruturado como um grupo de trabalho que implementaria intervenções definidas conjuntamente. Este grupo seria formado por vários parceiros, como instituições públicas e privadas, organizações não governamentais e a própria comunidade, que se relacionariam de forma horizontal. Os representantes das instituições parceiras fariam o papel de interlocutores entre sua instituição e o programa, o mesmo acontecendo entre os representantes da comunidade (p. 58-59). 40 Inicialmente, as práticas do programa foram voltadas para a divulgação do mesmo e expansão do conhecimento do local no qual estava sendo inserido. Além de estimularem a participação da comunidade, iniciaram ações de intervenção estratégica com a finalidade de garantir segurança para a comunidade e dificultar o comércio de drogas. O funcionamento do Programa teve início com uma série de atividades voltadas para a comunicação, visando informar os moradores sobre as ações do Programa e suas características, sinalizar aos criminosos que os homicídios não seriam mais tolerados como forma de resolução de conflito e estimular a participação da comunidade. Isso ocorreu por meio da fixação de cartazes, distribuição de folhetos, palestras nas escolas, reuniões na comunidade e vinhetas na TV (SILVEIRA et al., 2010, p. 498-499). Atualmente, o Programa Fica Vivo! está presente em 12 municípios de Minas Gerais, inclusive em Governador Valadares. Neste município, o programa foi implementado em 2005 no bairro Centro, em 2006 no bairro Turmalina e em 2008 no bairro Planalto. Em Governador Valadares, os instrumentos de ação do Programa Fica Vivo! são: Atendimento Psicossocial, realizados pelos técnicos do programa e destinados aos jovens que estão ligados à criminalidade local e sofrem interferência da mesma; Projetos locais, voltados para jovens locais com intuito de inseri-los e promover a circulação dos mesmos em espaços diversos da cidade; Multiplicadores, são os jovens que se destacam em determinada oficina pela habilidade de transmitir o ofício desenvolvido na mesma (SPEC, 2009). Além disso, o programa oferece oficinas de esporte, cultura, lazer, comunicação e inclusão produtiva como principal instrumento de aproximação de seu público alvo. A escolha e a implantação dessas oficinas nas comunidades se encontra orientada por um diagnóstico inicial das informações sobre violência e criminalidade local, bem como pelo levantamento de possíveis instituições parceiras e pelas demandas dos jovens. As ações do Programa Fica Vivo! têm como objetivo intervir na realidade social antes que o crime aconteça, diminuindo os índices de homicídios e melhorando a qualidade de vida da população. O programa oferece oficinas de esporte, lazer, cultura, comunicação e inclusão produtiva como estratégias de aproximação e atendimento dos jovens articuladas às características das áreas atendidas, tais como: aspectos da criminalidade, culturais, sociais, históricos e geográficos. 41 As oficinas são implantadas em diferentes locais das áreas de abrangência do programa tendo como objetivos específicos: prevenir à criminalidade; promover e/ou facilitar a circulação dos jovens; potencializar o acesso aos serviços e espaços públicos; garantir aos jovens o acesso ao esporte, lazer, cultura e formação profissional; permitir o conhecimento, valorização e apropriação de elementos culturais; possibilitar a vivência do direito de ir e vir na cidade; favorecer a inserção e a participação dos jovens em novas formas de grupos; trabalhar temas relacionados a cidadania e direitos humanos; possibilitar a criação de espaços de discussão e resolução de rivalidades e conflitos. As atividades do Fica Vivo! são baseadas em dois eixos de atuação: intervenção estratégica e proteção social. O grupo de intervenção estratégica reúne os órgãos de defesa social (Polícias Civil, Militar e Federal) e ainda o Poder Judiciário, o Ministério Público, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e as prefeituras municipais. Esse eixo tem como responsabilidade o planejamento e a coordenação de uma repressão qualificada e eficiente. A proteção social é baseada na formação de redes comunitárias que garantam soluções locais para a prevenção à criminalidade a partir da participação dos jovens. Essa ação é desenvolvida nas comunidades pelos núcleos de referência, que são espaços localizados nas comunidades para o atendimento aos jovens, a constituição de uma rede local de parceiros, a promoção de ações comunitárias e o desenvolvimento das oficinas. Em Governador Valadares, a equipe de atuação profissional no programa é composta de: gestor, técnicos sociais, sendo um da área de psicologia e outro de serviço social, ambos com um estagiário, oficineiros e técnico da FUNDEP (Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa). Os gestores são responsáveis pela articulação da rede social local, e os núcleos das diversas cidades em que acontece o programa; o técnico social e o técnico da área de psicologia, juntamente a seus estagiários, estabelecem contato com os jovens que são atendidos no programa e também realizam atendimento psicossocial a estes jovens; os oficineiros coordenam as oficinas e realizam o contato com os jovens e, através da execução das oficinas, mantêm contato direto com os mesmos e informam aos técnicos e estagiários como está se dando o trabalho dentro das oficinas através de reuniões e relatórios mensais; os técnicos da FUNDEP realizam monitoramento das oficinas e principalmente dos oficineiros, com relação ao lanche, horário de chegada e saída dos oficineiros, bem como freqüência dos jovens nas oficinas. 42 O Programa Fica Vivo! é uma ação da Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS) implementada através da Superintendência de Prevenção à Criminalidade (SPEC) voltado para jovens de 12 a 24 anos em situação de risco social e residentes nas áreas com maior índice de criminalidade do Estado. Em todo o Estado de Minas Gerais, o Programa Fica Vivo! atende mais de 18 mil jovens em mais de 607 oficinas de esporte, cultura, inclusão produtiva e comunicação. 4.1. OFICINA DE HIP-HOP DO PROGRAMA FICA VIVO! No interior de Minas Gerais há cinco cidades onde o Programa Fica Vivo! está implantado. São elas: Ipatinga, Montes Claros, Uberaba, Uberlândia e Governador Valadares. Nesta última, o programa está implantado desde 2006, com vinte e cinco oficinas nos bairros Turmalina e Planalto. A oficina de hip-hop foi criada em 2008 por intermédio de dois jovens do bairro que fizeram um levantamento para saber quem se interessava pela implantação desse tipo de oficina. Dessa forma, foi encaminhado ao programa um projeto escrito por um jovem que trabalhava com grupos de dança e apresentado aos demais membros da equipe no dia 12 de dezembro em uma reunião (assunto descrito na ATA de Nº14 do programa presente no Núcleo de prevenção à criminalidade). Com a implantação da oficina, o jovem se tornou no oficineiro do programa. A oficina de hip-hop faz parte do Programa Fica Vivo! do bairro Turmalina e ocorre duas vezes na semana por cerca de duas horas em um espaço público cedido pelo CEASA – Centrais de Abastecimento de Minas Gerais – no bairro Turmalina. Nela é ensinado o breaking através do som do hip-hop. Como na maioria das médias e grandes cidades brasileiras, a criminalidade também é um grave problema em Governador Valadares. Além disso, inúmeras crises no país comprometem cada vez mais as condições de vida de pessoas que vivem em condições desfavoráveis como favelas e periferias (ALBUQUERQUE et. al., 2008). Muitos usuários não 43 só da oficina de hip-hop, como do Programa Fica Vivo! estão inseridos em um meio de desvantagem social, pobreza, tráfico de drogas, violência e exclusão social. Dessa forma, a inclusão de programas que possuem ações voltadas para jovens e adolescentes nessas situações são essenciais, pois, como Peixoto et al. (2007) destaca, as ações de caráter social contribuem de forma preventiva no controle de criminalidade. As oficinas do Programa Fica Vivo! atuam como instrumentos de aproximação e atendimento aos jovens articulados às características das áreas atendidas pelo programa. Através delas é possível trabalhar a prevenção da criminalidade; promover e facilitar a circulação dos jovens; potencializar o acesso aos serviços públicos; favorecer a inserção e a participação dos jovens em novas formas de grupos; e possibilitar a criação de espaços de discussão e resolução de rivalidades e conflitos. As oficinas são, não só local de proteção social, mas também estratégias de aproximação de jovens e adolescentes da comunidade além de desenvolverem atividades que possibilitam, inclusive, o aumento da auto-estima dos usuários. Dessa forma, como foi dito nos capítulos anteriores, além da violência – que faz parte do universo de muitos usuários do Programa Fica Vivo! – poder ser “canalizada” através da dança breaking, participar de um grupo de pessoas que possuem o interesse por essa dança pode trazer sentimentos de aceitação, de cooperação, de reconhecimento e de partilha, o que favorece no aumento da auto-estima e na melhoria de relacionamentos entre os usuários entre si e com a comunidade. Assim, a oficina de hip-hop se configura em um espaço onde os usuários se relacionam através de um interesse em comum, o hip-hop e o breaking, que possibilita uma melhor interação e comunicação entre o grupo da comunidade que, consequentemente, contribui nos aspectos relacionados aos objetivos do programa, isto é, na redução de homicídios. Segundo Pereira (2002), O sucesso de todo empreendimento grupal se expressa no caminhar, cada dia na busca de ser sempre mais, um grupo independente, produto, transformador e criativo. Nesse sentido o grupo se enriquece com tenacidade, espírito de determinação, muito trabalho e inúmeras realizações assumidas com responsabilidade e reflexão. O grupo sujeito não conjuga o verbo “pedir”, mas “conquistar”, “adquirir espaço” (p. 296). 44 As oficinas do Programa Fica Vivo!, inclusive a de hip-hop, são desenvolvidas em locais públicos das comunidades, chamadas por instituições parceiras, como creches, escolas, praças, nos bairros onde estão inseridos os Núcleos de Prevenção à Criminalidade. Assim, ressalta-se a importância da realização de políticas públicas e a implantação de programas voltados para jovens e adolescentes, pois são alternativas que possibilitam, não só tirá-los da criminalidade, mas também dar-lhes outras oportunidades e atribuir novos sentidos às suas experiências, possibilitando o crescimento pessoal e social (ALBUQUERQUE et. al., 2008). Além disso, a implantação de políticas sociais permite o resgate do valor humano, a busca de igualdade e a garantia dos direitos de cidadão, além de serem meios que proporcionam melhoria da qualidade de vida de jovens e adolescentes, favorecendo o enfrentamento de situações desfavoráveis. Dessa forma, falar sobre o Programa Fica Vivo! e a oficina de hip-hop tornou-se essencial para poder compreender seus objetivos e que tipo de ações utilizam, de forma a poder chegar à análise e discussão dos dados da pesquisa que são apresentados no capítulo seguinte. Este se dedica também à descrição do método utilizado e à apresentação dos resultados. 45 5. SOBRE A PESQUISA A presente pesquisa objetiva observar, identificar, descrever e analisar não só as características dos usuários do Programa Fica Vivo! do bairro Turmalina de Governador Valadares, como também as possíveis contribuições que a oficina de hip-hop, com a dança breaking, pode trazer na formação de habilidades sociais positivas entre os usuários através da análise dos relacionamentos interpessoais destes antes de entrarem na oficina e após a entrada na mesma. 5.1. O MÉTODO Trata-se de um estudo descritivo e analítico do tipo survey, no qual foram utilizadas referências bibliográficas específicas e coleta de dados de um grupo de 18 pessoas do sexo masculino, com idade entre 12 e 24 anos que participam da oficina de hip-hop do Programa Fica Vivo! do bairro Turmalina de Governador Valadares, Minas Gerais. Segundo Barros (1986), o estudo descritivo é aquele onde o pesquisador observa, registra, analisa e correlaciona fatos ou fenômenos sem manipulá-los. Gil (2002), ainda completa que o estudo descritivo tem a finalidade de descrever as características de determinada população estudada ou, ainda, estabelecer possíveis relações entre variáveis. Já o analítico se caracteriza como um estudo que busca esclarecer uma dada associação entre uma exposição particular e um efeito específico (PEREIRA, 1995). O método Survey é uma abordagem do fenômeno investigado que envolve a realização de uma pesquisa de campo onde a obtenção dos dados é feita através da aplicação de, normalmente, um questionário (LIMA, 2004). Como instrumento para coleta de dados, utilizou-se a análise documental de dados do Programa Fica Vivo! e um questionário semi-estruturado, contendo 10 questões abertas e fechadas, voltado para os usuários que frequentam a oficina de hip-hop a fim de identificar os 46 relacionamentos interpessoais dos usuários antes de entrarem na oficina e após a entrada na mesma, de forma a analisar as possíveis contribuições do breaking na formação de habilidades sociais positivas entre os jovens. Cervo e Bervian (2002) esclarecem que o questionário contém questões relacionadas ao problema principal, sendo a forma mais utilizada para obtenção de dados por permitir mensurar com exatidão o que se deseja saber. Os dados foram coletados de acordo com a ética de pesquisa envolvendo seres humanos. Dessa forma, antes da aplicação do questionário, foi recolhida a assinatura dos participantes, através do Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE), para o consentimento dos mesmos, do uso dos dados para pesquisa. Tal coleta ocorreu no espaço cedido pelo Programa Fica Vivo! situado na Rua Coqueiral, número: 176; Turmalina, CEP: 35052-890, Telefone: 3272-9838. 5.2. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS Para identificar e analisar as contribuições da oficina de hip-hop, com o breaking, na formação de habilidades sociais positivas entre os usuários do sexo masculino que frequentam a oficina, as respostas do questionário foram agrupadas em 10 categorias: I) Tempo de participação na oficina; II) Comportamentos do usuário antes de entrar na oficina; III) Comportamentos do usuário depois de entrar na oficina; IV) Interesse e presença de dança no contexto familiar; V) Interesse pela dança antes de entrar na oficina; VI) Interesse pela dança após entrar na oficina; VII) Conhecimento do hip-hop antes de entrar na oficina; VIII) Relacionamento interpessoal antes de entrar na oficina; IX) Relacionamento interpessoal após a entrada na oficina; X) Aspectos interpessoais que mudaram com a participação na oficina. 47 Como já foi dito, o presente estudo tem o objetivo de identificar os relacionamentos interpessoais dos usuários da oficina de hip-hop do Programa Fica Vivo! do bairro Turmalina de Governador Valadares antes de entrarem na oficina e após a entrada na mesma, de forma a analisar as possíveis contribuições da oficina hip-hop através do breaking na formação de habilidades sociais positivas. Dessa forma, para uma melhor discussão dos resultados desta pesquisa, utilizou-se os dados das categorias que mais atendem aos objetivos do trabalho, que são as categorias: II, III, V, VI, VIII, IX e X. Tais resultados serão apresentados através de gráficos demonstrativos, sendo que a discussão dos mesmos será realizada após cada gráfico ou após os gráficos possíveis de análise em conjunto, como a que se segue: 5.2.1. Análise dos gráficos referentes às categorias II e III Gráfico 1 - Comportamentos dos usuários antes de entrarem na oficina de hip-hop, categoria II Gráfico 2 - Comportamentos dos usuários depois de entrarem na oficina de hip-hop, categoria III 48 Os resultados do Gráfico 1 e do Gráfico 2 demonstram uma mudança significativa nos comportamentos dos usuários após entrarem na oficina de hip-hop. Antes de entrarem na oficina, os comportamentos mais emitidos pelos usuários eram tímido (60%) e indisciplinado (20%) enquanto os comportamentos mais emitidos após a entrada na oficina são responsável (28%), calmo (24%) e alegre e disciplinado (16%). Araújo (s.d.) revela que em dadas circunstâncias e fases da vida, o comportamento tímido é mais frequente, como na adolescência, por exemplo, e que nem todas as pessoas precisam ser, necessariamente, extrovertidas. Entretanto, a timidez pode ser um fator preocupante se estiver envolvida com dificuldades de relacionamentos, pois pode contribuir para que o indivíduo fuja de contatos sociais podendo gerar insegurança, baixa auto-estima, ansiedade e até mesmo, depressão. Pode-se dizer que jovens e adolescentes tímidos podem manter relações insuficientes e apresentar déficits de relações interpessoais que, consequentemente, irão prejudicar não só na formação de relações sociais adequadas e satisfatórias como no desenvolvimento cognitivo, podendo gerar problemas afetivos e comportamentais. A timidez pode ser superada através do contato interpessoal, o que nos chama a atenção para o fato do comportamento tímido não ter sido citado pelos usuários ao se referirem aos comportamentos emitidos após entrarem na oficina de hip-hop. Em relação à indisciplina, Vagula (2007) salienta que este conceito, apesar de envolver inúmeras interpretações, é geralmente remetido a alguém que possui um comportamento desviante em relação a uma norma enquanto a irresponsabilidade é usada pelo senso comum para caracterizar indivíduos que não cumprem seus deveres e não se responsabilizam pelos seus atos. Sendo assim, os resultados dos gráficos 1 e 2 comprovam a fala de Strazzacappa (2001) apud Rego (2008), isto é, que as aulas de breaking permite que a disciplina e a responsabilidade sejam compreendidas, aprendidas e incorporadas no dia-a-dia dos jovens e adolescentes. Além disso, como foi dito nos capítulos anteriores, a dança é um momento lúdico que pode produzir efeitos terapêuticos que auxiliam na redução de stress, agitação, ansiedade e promovem a criatividade, a livre expressão e o aumento da autoestima. Gonçalves & Murta (2008) faz uma colocação importante ao dizer que comportamentos como retraimento, ansiedade, agressão, indisciplina e agitação podem se configurar em um repertório social empobrecido, dificultando no repertório social de 49 comportamentos adequados. Assim, os comportamentos emitidos pelos usuários antes de entrarem se opõem aos emitidos após a entrada na oficina, pois responsabilidade, calma e disciplina são comportamentos que favorecem na formação de habilidades sociais positivas lembrando que as interações sociais satisfatórias requerem um repertório adequado de habilidades sociais, isto é, de diferentes classes de comportamentos sociais para lidar de maneira adequada com as demandas das situações interpessoais (DEL PRETTE & DEL PRETTE, 2001; 2003; 2005 apud MOLINA & DEL PRETTE, 2006). 5.2.2. Análise dos gráficos referentes às categorias V e VI Gráfico 3 – Interesse pela dança antes de entrar na oficina de hip-hop, categoria V Gráfico 4 – Interesse pela dança depois de entrar na oficina de hip-hop, categoria VI 50 O Gráfico 3 mostra que 33% dos usuários classifica o interesse pela dança antes de entrar na oficina de hip-hop por muito, 28% por um pouco, 22% por às vezes e 17% por nada. Por outro lado, o Gráfico 4 demonstra um aumento do interesse dos usuários após a entrada na oficina de hip-hop, pois 88% classificaram esse interesse por muito. Tais resultados demonstram alto interesse, por parte dos usuários, pela dança após a entrada na oficina de hiphop e isso é positivo na formação de habilidades sociais positivas, pois a dança é um recurso terapêutico que contribui na expressão de sentimentos, pensamentos e emoções, possibilita a circulação de afetos e concretizações de vontades e desejos, além de ser um espaço de acolhimento, de produção de vínculos e ampliação de relações sociais (LIBERMAN, 1998 apud ROSA, 2006). Além disso, a dança é de grande ajuda para adolescentes que estão em um período de transformação, pois, como atividade física, ela pode proporcionar efeitos terapêuticos que vão desde a redução da ansiedade e stress à melhoria de relações interpessoais (FUX, 1983). Outro fator positivo desse resultado está no fato do breaking estimular a improvisação, a criatividade e a espontaneidade (WILSON, 2008) gerando o sentimento de valorização e reconhecimento de jovens e adolescentes que convivem com sentimentos de exclusão social. Dessa forma, o interesse pela dança pode abrir espaço para que esses indivíduos construam seus próprios estilos pessoais através não só de sua individualidade, mas também da troca de experiências com outros dançarinos, o que, consequentemente, favorece na ampliação de relações sociais e no aumento da autoestima. Além do mais, muitos dos usuários do Programa Fica Vivo! vivem em uma cultura de periferia que impõe que as áreas divididas pelo tráfego não se misturem e, dessa forma, o interesse pela dança é um fator que também contribui na relação dos usuários que vivem em áreas diferentes do bairro Turmalina. 51 5.2.3. Análise dos gráficos referentes às categorias VIII, IX e X Gráfico 5 – Relacionamento Interpessoal dos usuários antes de entrar na oficina de hip-hop, categoria VIII Gráfico 6 – Relacionamento Interpessoal dos usuários depois de entrar na oficina de hip-hop, categoria IX 52 Gráfico 7 – Aspectos que mudaram após a entrada na oficina de hip-hop, categoria X A análise dos gráficos 5, 6 e 7 será feita em conjunto: como os gráficos das categorias VIII e IX demonstram, os relacionamentos interpessoais mais relatados dos usuários antes da entrada na oficina de hip-hop foram tímido com 26%, amigo com 18% e agressivo com 15% enquanto os mais após a entrada na oficina de hip-hop foram amigo com 40%, companheiro com 20% e carinhoso e extrovertido com 16%. Assim como os resultados dos gráficos 1 e 2, esses resultados demonstram uma melhora significativa nos relacionamentos interpessoais dos usuários após entrarem na oficina de hip-hop uma vez que o contato interpessoal permitiu a superação da timidez e o surgimento da amizade e do companheirismo que podem favorecer a construção de habilidades sociais positivas uma vez que Caballo (2006) revela que habilidades sociais ou interpessoais é adquirida através de um conjunto de comportamentos emitidos em um contexto interpessoal que expressam sentimentos, atitudes, desejos, opiniões ou direitos de modo adequado à situação, respeitando esses comportamentos nos demais. Além disso, o breaking, por ser uma dança, pode proporcionar o aumento da autoestima, autocontrole e autoconhecimento (ARAÚJO, 1997 apud MARCELINO & KNIJNIK, 2006), que são habilidades sociais que o indivíduo emprega para lidar consigo mesmo e que, consequentemente, irá refletir na sua relação com os outros. De acordo com Pasqualotto e Ribas (2008), a auto-estima é a somatória de autoconfiança, de auto-respeito e de 53 autoconhecimento e dessa forma, quando o indivíduo está bem consigo mesmo, estará melhor com os outros e então, poderá manter relações respeitosas. Na medida em que reconhece valor em si mesmo, o indivíduo pode passar, ao meio que o cerca, mais respeito, carinho, atenção, pois reconhecerá que o outro também tem valor. O Gráfico 7, por sua vez, é essencial para completar essa discussão ao demonstrar que os aspectos que mais mudaram na vida dos usuários após a participação na oficina foram relacionamento com os amigos com 43%, relacionamento na comunidade 17% e relacionamento familiar e escolar com 15%. Na medida em que comportamentos como agressividade, indisciplina e agitação – emitidos antes da entrada na oficina – podem dificultar esses relacionamentos por contribuírem em habilidades inadequadas, comportamentos como responsabilidade, calma e amizade podem fortalecer esses relacionamentos por contribuírem em habilidades sociais adequadas e positivas. Então, através dos resultados pode-se perceber que a oficina de hip-hop é um espaço que possibilita a comunicação, a identificação, a troca de experiências e a ampliação de relações sociais e dessa forma, pode contribuir na formação de habilidades sociais positivas, pois estas são também aprendidas e treinadas nos contextos sociais e relacionamentos interpessoais. 54 6. CONCLUSÃO Conclui-se que a oficina de hip-hop, com o breaking, contribui em muito na formação de habilidades sociais positivas entre os usuários do Programa Fica Vivo! do bairro Turmalina de Governador Valadares, pois auxiliou na melhora de comportamentos, na ampliação de relações sociais, na comunicação, na ampliação de repertório social, além de contribuir positivamente no processo de identificação. É importante lembrar que os jovens e adolescentes da oficina de hip-hop, convivem em uma cultura de periferia que impõe que as áreas divididas pelo tráfego não se misturem. Então, muitos desses usuários não se conheciam e não se relacionavam antes de entrarem na oficina de hip-hop, por não poderem se relacionar com pessoas de outras áreas. Dessa forma, a partir dos resultados da pesquisa, pode-se concluir que a oficina de hiphop fortalece os objetivos do Programa Fica Vivo!, pois contribuiu na melhora dos relacionamentos de jovens e adolescentes que convivem em áreas diferentes localizadas no mesmo bairro. Além do mais, o convívio grupal para jovens e adolescentes permite o desenvolvimento de interação social através da compreensão das diferenças e das particularidades de cada um, o que poderá refletir positivamente na construção da identidade. Além disso, o hip-hop é um movimento cultural que através do rap, da dança, do DJ e do grafitti, possibilita integração social e re-socialização de jovens e adolescentes das periferias do país (RIBEIRO, 2006) e dessa forma, integrá-lo a programas, como o Fica Vivo!, que trabalham com usuários que vivem em um meio de desvantagem social, criminalidade, tráfico de drogas, pobreza e violência, pode ser altamente produtivo, favorecendo a promoção à saúde e à qualidade de vida, e a melhoria nas relações interpessoais. As falas dos usuários demonstraram que a comunidade hip-hop segue fielmente aos seus objetivos como diminuir a violência e o tráfico e uso de drogas, entretanto, muitos aderem ao hip-hop, mas não seguem seus objetivos, como é o caso de músicos que utilizam o 55 rap para fazerem apologia ao crime e às drogas e as brigas que acontecem nas batalhas de dança. Apesar disso, o contato direto com esses jovens e adolescentes permitiu que surgisse um novo olhar em relação à prática do hip-hop de forma a quebrar pré-conceitos e chegar à realidade de meninos que, com passos ensaiados e improvisados, nos envolvem e nos conquistam. Os relatos demonstraram que muitos usuários aprendem e desenvolvem a dança breaking na oficina, mas esta não se limita a esse espaço, pois muitos participam de crews – grupos de dança breaking – disputam campeonatos e utilizam, inclusive, a dança breaking como trabalho. Em relação aos campeonatos de breaking, estes ocorrem tanto na região como em outras possibilitando que b-boys de regiões diferentes possam se relacionar entre si, aprender um com o outro e trocar experiências e conhecimentos. Os resultados da pesquisa, mesmo com a limitação ética para publicação, podem colaborar para que se diminua a resistência por parte da sociedade em relação à prática do hip-hop, pois os conceitos errôneos são quebrados a partir do conhecimento do hip-hop, de seus elementos e daqueles que o seguem. Além disso, os resultados podem fornecer um retorno positivo tanto para o Programa Fica Vivo! de forma a fortalecer a oficina de hip-hop e seus objetivos, quanto para a comunidade, onde muitos não conhecem e não valorizam a dança praticada por esses jovens e adolescentes. É importante ressaltar também que através da observação, pudemos perceber a existência do sentimento de troca e partilha gerado no grupo onde os usuários buscavam compartilhar uns com os outros os passos que sabiam fazer. Além disso, percebemos que nesses momentos, não ocorria “gozação” ou “zombação” daqueles que não conseguiam fazer os passos corretamente. Conhecer esse grupo nos impressionou positivamente, pois não víamos brigas e discussões, pelo contrário, víamos, sobretudo, o respeito diante das limitações de cada um. Conclui-se, portanto, que a pesquisa conseguiu atingir seus objetivos e responder a problemática sobre as contribuições da oficina de hip-hop, com o breaking, para a formação de habilidades sociais positivas entre usuários da oficina de hip-hop do Programa Fica Vivo! 56 do bairro Turmalina de Governador Valadares. Além disso, foi possível comprovar as hipóteses levantadas inicialmente de forma a concluir que: a dança possibilita maior interação entre os usuários da oficina de hip-hop; a oficina traz contribuições sociais positivas para os usuários no contexto em que estão inseridos; a prática do hip-hop é relevante para a transformação de relacionamento interpessoal entre jovens; a oficina de hip-hop contribui no processo de identificação e construção da identidade dos adolescentes e jovens que a frequentam. A realização de políticas públicas e a implantação de programas que oferecem oficinas voltadas para jovens e adolescentes são de extrema importância uma vez que estes estão em uma fase de formação de identidade e tendem a buscar referenciais e identificações que fortalecem a mesma. Dessa forma, a pesquisa abriu espaços para que interessados sobre a mesma, além de obter maiores informações, possam se dedicar a novas investigações na área. 57 REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE, Lia Barroso de; et al. Arte como re-significação de vida para adolescentes: expressões na dança. Cogitare Enfermagem, 2008. Disponível em: < http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/cogitare/article/download/13107/8865> Acesso em: 5 ago. 2010 ALVES, F. S. & DIAS, R. A dança break: corpos e sentidos em movimento no hip-hop. Motriz, Rio Claro, jan./abr. 2004, vol. 10, n° 1, p. 01-07. ANDRADE, Elaine Nunes de. Rap e Educação. Rap é Educação. São Paulo: Selo Negro Edições, 1999. ARAÚJO, Antônio Carlos Alves de. A Timidez. 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Todos os dados aqui respondidos serão mantidos em sigilo. Obrigada! Nome: ________________________________________________________________ Idade: _________________________________________________________________ 1) Há quanto tempo participa da oficina de Hip-Hop do Programa Fica Vivo!? ______________________________________________________________________ 2) Como você era antes de entrar na oficina de Hip-Hop? a. ( ) bravo b. ( ) tímido c. ( ) agressivo d. ( ) alegre e. ( ) indisciplinado f. ( ) outro: ____________________________ 3) Como você se percebe depois de ter entrado na oficina de Hip-Hop? a. ( ) calmo b. ( ) extrovertido c. ( ) responsável d. ( ) comunicativo e. ( ) alegre f. ( ) disciplinado g. ( ) outro: _______________________ 4) Na sua família existe alguém que: a. gosta de música? ( ) sim ( ) não. Se sim, quem? __________________________________________ b. dança? ( ) sim ( ) não. Se sim, quem? __________________________________________ c. toca algum instrumento? ( ) sim ( ) não. Se sim, quem? __________________. Qual instrumento? ______________________________________________________________________ 5) Você gostava de dançar antes de entrar na oficina de Hip-Hop: a. ( ) nada b. ( ) um pouco c. ( ) às vezes d. ( ) muito 6) E agora que participa da oficina de Hip-Hop, você gosta de dançar: a. ( ) nada b. ( ) um pouco c. ( ) às vezes d. ( ) muito 7) Antes de entrar na oficina de Hip-Hop, você conhecia o Hip-Hop? a. ( ) sim b.( ) não 65 8) Antes de entrar na oficina de Hip-Hop, como você define seu relacionamento interpessoal com o grupo? a. ( ) agressivo b. ( ) tímido c. ( ) agitado d. ( ) bravo e. ( ) amigo f. ( ) companheiro g. ( ) carinhoso h. ( ) extrovertido i. ( ) outro: ________________________ 9) Agora que você participa da oficina de Hip-Hop, como você define seu relacionamento interpessoal com o grupo? a. ( ) agressivo b. ( ) tímido c. ( ) agitado d. ( ) bravo e. ( ) amigo f. ( ) companheiro g. ( ) carinhoso h. ( ) extrovertido i. ( ) outro: ________________________ 10) O que mais mudou na sua vida ao participar da oficina? a. ( b. ( c. ( d. ( e. ( f. ( ) relacionamento com a família ) relacionamento com os amigos ) relacionamento na escola ) relacionamento na comunidade ) meus comportamentos. Quais: ________________________________________ ) eu mesmo. Como: __________________________________________________ 66 APÊNDICE B - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO 1 – Identificação do Responsável pela execução da pesquisa: Título: “Oficina de Hip-Hop e Relações Interpessoais entre Usuários do Programa Fica Vivo!” Pesquisador Responsável: Profª. Adelice Jaqueline Bicalho Alunos (as): Adriele Lima de Oliveira/ Irislaine dos Santos Rosa Feliciano/ Simone Gomes Faúla Contato com pesquisador responsável Endereço: Rua 12, n° 787 Ilha Telefone: (33) 3271-9034 2 – Informações ao participante ou responsável: 1) Você está sendo convidado (a) a participar de uma pesquisa intitulada “Oficina de HipHop e Relações Interpessoais entre Usuários do Programa Fica Vivo!”, na área de Psicologia. 2) A pesquisa terá como objetivo(s): identificar as contribuições da oficina de hip-hop, com o breaking, na formação de habilidades sociais positivas entre usuários do Programa Fica Vivo! Antes de aceitar participar da pesquisa, leia atentamente as explicações que informam sobre o procedimento: As pessoas que aceitarem participar voluntariamente da pesquisa, inicialmente assinarão esse Termo de Consentimento e Livre Esclarecimento e passarão pela avaliação de um questionário contendo 10 questões semi-estruturadas referente às contribuições da oficina de hip-hop nas relações interpessoais entre usuários do Programa Fica Vivo! do bairro Turmalina de Governador Valadares. 3) Durante sua participação, você poderá recusar responder a qualquer pergunta que por ventura lhe causar algum constrangimento. 4) Você poderá se recusar a participar da pesquisa ou poderá abandonar o procedimento em qualquer momento, sem nenhuma penalização ou prejuízo. 5) A sua participação na pesquisa será como voluntário, não recebendo nenhum privilégio, seja ele de caráter financeiro ou de qualquer natureza. Entretanto, lhe serão garantidos todos os cuidados necessários a sua participação de acordo com seus direitos individuais e respeito ao seu bem-estar físico e psicológico. 6) A sua participação no estudo pode trazer em alguns momentos certo desconforto por trabalhar com seus conteúdos psico-emocionais mais íntimos. 67 7) Prevêem-se como benefícios da realização dessa pesquisa, o conhecimento das contribuições da oficina de hip-hop nas relações interpessoais entre os jovens e adolescentes que a frequentam, visando maior efetividade do trabalho e consequentemente melhoria na qualidade de vida dos usuários do Programa Fica Vivo! 8) Serão garantidos o sigilo e privacidade aos participantes, assegurando-lhes o direito de omissão de sua identificação ou de dados que possam comprometê-lo. Na apresentação dos resultados não serão citados os nomes dos participantes. 9) Os resultados obtidos com a pesquisa serão apresentados como Trabalho de Conclusão de Curso como requisito “de bacharel em Psicologia” da Univale - Universidade Vale do Rio Doce, Governador Valadares ou publicações científicas. - Confirmo ter sido informado e esclarecido sobre o conteúdo deste termo. Governador Valadares, _____ de ____________________ de ____________. Nome do participante: ________________________________________________ Assinatura do participante: ____________________________________________ Assinatura do pesquisador responsável: __________________________________