29
anos
ISSN 1518-1839
n. 118 v. 30
abr./mai./jun. 2014
Para compartilhar reflexões, projetos e atividades de sala de aula
Pipa
Brincadeira para soltar a
imaginação e fazer arte
Motivação
Estratégias que despertam
o interesse dos alunos
Vovós na escola
Afeto e aprendizagens na
educação infantil
Das inscrições
rupestres ao @
Crianças pesquisam
a história da escrita
FUNDAMENTAL E MÉDIO
Das inscrições
rupestres ao @
Pesquisando o caminho que a humanidade percorreu até os dias
atuais, alunos aprendem sobre a história da escrita
Fotos: Arquivo da escola
Maria Fernanda Gomes Rezende *
50
Revista do Professor v. 30 · n. 118 · abr./mai./jun. 2014
DAS INSCRIÇÕES RUPESTRES AO @
N
Na Pré-história, aproximadamente 3.500 a.C, o
O filme mostra o quanto era diferente o uso dos
homem se comunicava por meio de inscrições,
objetos na Pré-história. As crianças perceberam, por
pinturas e desenhos feitos nas paredes dos
exemplo, que não havia telefone e, para se comunicar
abrigos e cavernas onde vivia. Esse tipo de represen-
a distância, as pessoas sopravam o chifre de algum
tação permitia a troca de mensagens entre as pessoas
animal para emitir um som.
para a transmissão de ideias, desejos e necessidades.
As inscrições rupestres, porém, não configuravam um
Arte rupestre
tipo de escrita, pois não havia à época uma organização
Com uma linguagem simples e adequada à faixa etá-
nem uma padronização dessas representações gráficas.
ria das crianças, 5 e 6 anos, expliquei a elas que, hoje,
A Pré-história corresponde, assim, ao período que an-
as gravuras rupestres são estudadas com a finalidade
tecede a invenção da escrita, a qual, através do tempo,
de conhecer a história da humanidade. No laboratório
adaptou-se a diferentes suportes, passando da pedra à
de informática, fizemos algumas pesquisas na internet
tela do computador.
sobre as inscrições, pinturas e desenhos presentes em
Em 2013, desenvolvemos na Escola Bilboquê, em
Belo Horizonte, MG, o projeto “Das inscrições rupestres
superfícies rochosas, nas paredes e nos tetos dos abrigos e cavernas, chamados de arte rupestre.
ao @” para conhecer a história da escrita e entender
Consultamos também o material da Fundação Mu-
como as pinturas e os desenhos nas cavernas se trans-
seu do Homem Americano, que fica em São Raimundo
formaram em sinais que deram origem às diferentes gra-
Nonato, PI. A Fundação dispõe de um rico acervo de
fias. O trabalho foi realizado com os alunos do 1º ano do
pesquisas sobre material arqueológico, paleontológico,
ensino fundamental, que estão na fase de alfabetização,
zoológico e botânico da Serra da Capivara, um impor-
com o objetivo de mostrar a eles o caminho que preci-
tante sítio arqueológico brasileiro declarado Patrimônio
sam percorrer para aprender a ler e a escrever, assim
Cultural da Humanidade pela Unesco.
como a humanidade precisou fazer até chegar à escrita
alfabética atual.
Depois, em sala de aula, apresentei às crianças várias imagens com desenhos e pinturas rupestres. Jun-
Mostrei à turma que aprender a ler e a escrever é
tos, tentamos imaginar o que os homens das cavernas
como um jogo: é preciso conhecer as combinações, as
pensavam e sentiam ao desenhar aquelas figuras. En-
regras, ter força de vontade e estudar bastante. Apren-
tão, pedi que cada aluno escolhesse uma imagem para
dendo o “jogo” da escrita, é possível ler e escrever his-
ser recriada de acordo com sua imaginação.
tórias diversas, fazer pesquisas e reportagens, escrever
Entreguei para cada criança uma folha de papel
poemas, cartas e bilhetes, compreender textos de bulas
kraft e uma caixa de giz de cera com 12 cores. Con-
e de manuais de uso, e muitas outras coisas.
cluída a atividade, cada criança deveria amassar bem o
seu desenho e depois desamassar o papel, dando um
Uma família pré-histórica
aspecto “rupestre”. Ao perceberem o resultado, todos
O projeto começou com uma aula-passeio, quando
se encantaram com a própria obra.
fomos ao cinema assistir ao filme Os Croods (de Chris
Sanders e Kirk De Micco, Fox Filmes, 2013, 1h38min),
uma comédia sobre a Pré-história que mostra a aventura
Escrita
• Cuneiforme
da primeira família que habitou a Terra. Depois que a caverna desse clã é destruída, seus integrantes partem em
Foi na antiga Mesopotâmia, berço da civilização
busca de uma nova casa. Juntos, eles enfrentam gran-
humana, localizada na região do Oriente Médio, que
des e divertidos desafios.
a escrita foi criada e elaborada. Os homens usavam
Revista do Professor v. 30 · n. 118 · abr./mai./jun. 2014
51
FUNDAMENTAL E MÉDIO
um pequeno bastão de madeira ou ferro para talhar os
• Pedra
símbolos. Como era difícil fazer linhas curvas no barro,
passou-se a utilizar a argila e um estilete de ponta trian-
Em outra aula, as crianças aprenderam que, na An-
gular chamado de cunha. Cada conjunto de símbolos
tiguidade, o povo egípcio, no Norte da África, criou um
talhados significava uma palavra.
tipo de escrita gravada na pedra. Escrever na pedra é
Assim que souberam disso, as crianças ficaram in-
um processo trabalhoso, mas que resiste ao tempo. As
teressadas em ver como era esse processo de talhar
figuras egípcias eram gravadas nas paredes de tem-
símbolos. Mostrei a elas imagens desse tipo de registro
plos e em outros monumentos e são chamadas de pic-
no livro Aventura da escrita – história do desenho que
togramas e de hieróglifos (ou hieroglifos). Cada figura
virou letra (ZATZ, 2002).
da escrita representava uma palavra.
Desafiei as crianças a talharem desenhos na argila
“O que eu gostaria de guardar para sempre no meu
para reproduzir os registros. Para isso, entreguei a elas
coração?” – perguntei à turma. Fizemos uma roda e, ao
um pouco de argila e palitos de churrasco. Colocamos
centro, disponibilizei uma caixa cheia de pedras bran-
uma bacia com água sobre a mesa para que, num
cas (iguais às que decoram os vasos no jardim externo
primeiro momento, as crianças pudessem modelar a
da escola). Usando canetas, os alunos registraram pa-
argila até se formar uma placa. Depois, elas deveriam
lavras que lhes são valiosas, como nomes dos familia-
observar no livro a imagem de uma placa com regis-
res, dos melhores amigos, nome da escola etc.
tros rupestres e fazer a reprodução de acordo com sua
percepção. Em seguida, elas fizeram suas inscrições.
• Papiro
Após a secagem da placa com os escritos, as crianças
passaram um pouco de cola líquida na superfície para
Os egípcios passaram a usar o papiro, que per-
selar a argila.
mitiu o registro dos hieróglifos. O papiro é uma plan-
Escrita cuneiforme
Escrita na pedra
52
Revista do Professor v. 30 · n. 118 · abr./mai./jun. 2014
DAS INSCRIÇÕES RUPESTRES AO @
ta de folhas longas e fibrosas semelhantes às da
de faixa de atadura, como as usadas nos curativos,
cana-de-açúcar.
uma folha de papel 60kg e um tubo de cola branca.
No Egito Antigo, o papiro era encontrado nas mar-
Instruí as crianças a usar bastante cola sobre a faixa
gens do rio Nilo e de outros rios da África e foi muito
até que ela ficasse completamente fixa sobre o papel.
utilizado para vários propósitos, como na fabricação
Após a secagem, as crianças puderam desenhar so-
do “papel”, de cestos e redes e, ainda, para alimentar
bre a superfície usando giz de cera.
o gado. O papiro, agrupado em feixes, era empregado
também na construção de pequenas embarcações.
• Pergaminho
O papel do papiro era feito a partir de uma parte do
caule, cortado em tiras finas que eram molhadas, so-
O pergaminho era feito com pele de animal – geral-
brepostas e cruzadas para depois serem prensadas.
mente de cabra, carneiro, cordeiro ou ovelha – prepa-
A folha obtida era alisada e colada ao lado de outras
rada para servir de suporte de escrita. O nome lembra
folhas para formar uma fita longa, que depois seria
o da cidade grega de Pérgamo, onde se acredita que
enrolada. A escrita era registrada nessa folha.
essa técnica tenha se originado, durante a Antiguidade.
Vários rolos de papiro, contando as vidas dos
faraós, foram encontrados pelos arqueólogos nas
• Papel
pirâmides do Egito. Os escribas egípcios escreviam
textos e registravam as contas do império nesses “pa-
Por meio de estudos sobre registros escritos há
milhares de anos, ficamos sabendo como era a vida e
péis”.
Os alunos ficaram surpresos ao saber um pouco
a organização social dos povos que viveram muito an-
desse processo. Então, convidei a turma a confeccio-
tes de nós. Pesquisando em livros e na internet, apren-
nar algo semelhante. Cada criança recebeu um rolo
demos que o papel, tal como o conhecemos hoje,
Desenho no “papiro”
Rolos de “pergaminho”
Revista do Professor v. 30 · n. 118 · abr./mai./jun. 2014
53
FUNDAMENTAL E MÉDIO
teve origem na China. Através da mistura e trituração
de cascas de árvores e retalhos de tecidos formava-se uma pasta. Esta era depositada em peneiras
planas para secar, obtendo-se assim a folha de
papel.
Alfabeto
A humanidade precisou de muitos séculos para
substituir os pictogramas (símbolos) e os hieróglifos
por letras. Expliquei às crianças que damos o nome
de alfabeto ao conjunto de letras. Apresentei a elas
algumas letras do alfabeto fenício, grego e do latino.
Com isso, elas perceberam as semelhanças com as
Jogo para formar palavras
letras do nosso alfabeto atual.
A escrita está em permanente processo de evo-
Jogo do tablet na caixinha
lução. Ela reflete e acompanha a maneira como as
Como o objetivo do projeto é contribuir para o pro-
sociedades vivem, seus hábitos e peculiaridades, as
cesso de alfabetização das crianças, elaborei um jogo
tecnologias que desenvolvem etc. Tudo isso mostra
para desenvolver a leitura e a escrita de palavras relacio-
como a escrita é um processo inventado e reinven-
nadas com o conteúdo trabalhado.
tado pela humanidade sempre.
Utilizamos uma caixa de linha de costura que foi pin-
Para enriquecer o projeto, reservamos uma aula
tada de preto. Recortamos a imagem de um teclado
para conversarmos sobre os meios de comunica-
de computador e colamos na parte de cima da caixa,
ção. Expliquei aos alunos que o acesso aos com-
conforme mostra a foto. As crianças fizeram desenhos
putadores torna mais fácil a produção da escrita em
rupestres e colaram ao lado da imagem do teclado para
letra de forma, por meio da digitação. Além disso, o
ilustrar a caixinha. Cada uma tinha sua caixa e, dentro
acesso à internet tem incrementado o processo de
dela, foram colocadas dezenas de sílabas com encon-
comunicação em todo o mundo.
tros vocálicos e consonantais, como “pe” (de pedreira),
Os alunos aprenderam que, atualmente, as cartas, muito comuns há algumas décadas, vêm sendo
“ver” (de caverna), “tres” (de rupestres), “nei” (de cuneiforme) etc., além de terminações em “r”, “l”, “s”, “m”, “t”.
substituídas pelo e-mail, uma forma de correio ele-
Fiz uma caixa maior para ficar comigo. Nela, coloquei
trônico, via internet, que ganhou impulso nos anos
recortes de várias palavras relacionadas ao projeto. A di-
de 1990. Contei a eles que os e-mails usam o @,
nâmica do jogo se dava assim: eu retirava da minha caixa
que dá nome ao nosso projeto. Atualmente, há ou-
uma palavra – “cuneiforme”, por exemplo. Depois, os alu-
tras opções de trocas de mensagens via internet,
nos deveriam abrir suas caixinhas e tirar de lá as sílabas
como chats. Há ainda mensagens instantâneas via
para formar corretamente a palavra.
celular, como SMS, e diversos aplicativos, como
o WhatsApp.
Em seguida, deveriam identificar o número de sílabas da palavra, batendo palmas e pronunciando
Propus aos alunos que cada um escrevesse uma
pausadamente cada uma. No final, contava-se quan-
carta para o seu melhor amigo. Posteriormente,
tas palavras foram formadas corretamente. Quem
as cartas foram postadas nos Correios. Dias depois,
construísse o maior número de palavras corretas ganharia
a turma vibrou ao receber suas correspondências.
o jogo.
54
Revista do Professor v. 30 · n. 118 · abr./mai./jun. 2014
DAS INSCRIÇÕES RUPESTRES AO @
Atividade em casa
Em sala, fotografamos as crianças com roupas da
Enviei uma atividade para ser feita em casa pelos
idade da pedra. Depois, imprimimos as fotografias para
alunos com a ajuda dos familiares. Pedi que fizessem
confeccionar cartazes com as fotos e os desenhos ru-
uma maquete, retratando a família como moradora de
pestres feitos por elas. Em outro ambiente, dispusemos
uma caverna. Os pais foram orientados para usar su-
as pedras com registros das crianças e também a argila
catas para confeccionar a maquete com criatividade.
em que talharam símbolos.
Especifiquei o tamanho da caverna e expliquei que esta
Organizamos um painel sobre os pergaminhos e os
deveria ter utensílios e elementos da Pré-história. Para
papiros. Abaixo do painel, distribuímos vasos de cerâmi-
isso, sugeri que fizessem, com as crianças, uma pes-
ca com rolos simulando esses suportes de escrita. As
quisa breve na internet sobre esse período. E combinei
maquetes produzidas pelas crianças juntamente com
com as crianças que elas iriam contar aos pais o que
seus pais ganharam lugar de destaque na exposição.
haviam apredido sobre isso na escola para ajudá-los na
confecção da maquete.
Referências
Exposição
A Bilboquê tem o propósito de organizar uma mostra
ou exposição de todos os projetos institucionais realizados na escola. Essa é uma forma de valorizar as pesquisas e o trabalho desenvolvidos pelas turmas.
No caso do projeto “Das inscrições rupestres
ROCHA, Ruth; ROTH, Otávio. O livro da escrita. São Paulo: Melhoramentos, 1993.
ZATZ, Lia. Aventura da escrita – história do desenho que
virou letra. São Paulo: Moderna, 2000.
MANDEL, Ladislas. O poder da escrita. São Paulo: Editora Rosari, 2011.
ao @”, organizamos a exposição na quadra da escola para mostrar à comunidade escolar o processo de
evolução da escrita através dos trabalhos produzidos
pelos alunos. Para isso, organizamos ambientes para
representar esse processo.
* Maria Fernanda Gomes Rezende é pós-graduada em Alfabetização
e professora do 1º ano do ensino fundamental da Escola Bilboquê,
Unidade Gutierrez, Belo Horizonte, MG.
[email protected]
Exposição na quadra da escola
Revista do Professor v. 30 · n. 118 · abr./mai./jun. 2014
55
Download

Das inscrições rupestres ao @