A FAMÍLIA E A CRIANÇA SURDA
Josefina Martins Carvalho Psicóloga - Psicanalista DERDIC/PUC/SP *
O bebê, assim que nasce e ao longo dos primeiros meses de sua vida, não é
ainda capaz de fazer ligações entre as emoções que vive e o seu significado.
Ele está na total dependência da mãe para ser compreendido e atendido em
suas necessidades básicas.
A mãe elabora em sua mente adulta um significado simbólico daquilo que o bebê
necessita. Em seguida ela transmite a ele pelo olhar, na voz, na maneira como o
segura, amamenta, "algo" que permite ao bebê adquirir também um significado
simbólico das emoções que ele experimenta.
Assim, nos momentos em que o bebê vive um desconforto, uma tensão, é a mãe
que decodifica a origem e lhe oferece o alívio necessário para restabelecer o
equilíbrio
A repetição constante dessas vivências com significado é que possibilita o
desenvolvimento da capacidade de pensar daí a importância da relação mãe-bebê.
Pois o conhecimento real e verdadeiro vem da experiência com o outro.
O bebê abandonado ao seu próprio entendimento, a sós, certamente criará
significados estranhos para suas vivências.
Muitos pais só conseguem confirmar a surdez dos filhos, quando eles estão por volta
de um ano a dois anos de vida.
Isto implica uma distância maior na possibilidade da mãe transmitir um significado
simbólico as experiências do bebê. Por exemplo, quando o bebê chora, a voz da
mãe não chega ao seu bebê para tranqüilizá-lo, acalmá-lo e marcar a sua presença,
ele precisa ver a mãe para saber que ela está perto.
Com a repetição dessas experiências o bebê pode desenvolver sentimentos de
insegurança, abandono, o que implica mais tarde em uma auto-estima rebaixada.
Sabe-se ainda que com a descoberta da surdez do filho a grande maioria das mães
diminui o uso da voz, para se comunicar com os seus bebês. Outras mães também
diminuem suas falas diretas com o filho, ou até não se utilizam mais da palavra.
Todos caem no silêncio.
As atitudes maternas de acentuado desalento ou de super proteção, são esperadas
e compreensíveis, mas não são incentivadoras do desenvolvimento da criança.
É de grande importância que a surdez seja diagnosticada o mais cedo possível, o
atendimento precoce inclui o trabalho com a criança e com os pais.
No trabalho de estimulação precoce, o primeiro aspecto a ser lembrado, é que a
criança surda, em seus primeiros meses de vida é um bebê com necessidades
peculiares, pois a ausência da audição vai interferir na aquisição da linguagem, na
maneira de conhecer o mundo, para o resto da sua vida.
Portanto, destaca-se, a necessidade de um diagnóstico precoce da audição (exame
audiométrico ), ou seja, que o médico avalie se este bebê apresenta surdez ou não,
principalmente se existe suspeitas como nascimento de alto risco, casos de surdez
hereditária, casamento entre membros da mesma família, (consangüinidade),
gravidez acompanhada de rubéola, meningite após o nascimento.
A partir do diagnóstico de surdez, para que o bebê possa ser protetizado, ou seja,
usar um aparelho de amplificação sonora individual (A.A.S.I.), não basta fazer a
indicação do melhor aparelho. Também é importante que a família seja ouvida: 1)
nas suas angústias, por ter um filho diferente do esperado. 2) nas suas esperanças,
de ter o filho ouvinte a partir da utilização do aparelho de amplificação sonora
individual.
A família deve ser incluída no trabalho de estimulação precoce do seu filho. O
estímulo familiar desta criança associado ao trabalho educacional precoce permitirá
que haja desenvolvimento, e que este bebê tenha condições de adquirir uma
comunicação que melhor o situe na sociedade mais tarde.
O aparelho de surdez ( A.A.S.I. ), tem criado nos pais uma grande expectativa como
se pudesse realizar um milagre. Acreditam que, com o aparelho de surdez seu filho
deixa de ser surdo e se transformará em ouvinte. Quando eles não têm a
oportunidade de falar sobre essas expectativas, os sentimentos de decepção e
frustração, em relação ao filho trazem prejuízos maiores ao seu desenvolvimento
emocional, cognitivo e social.
A criança surda pode passar a não querer usar o aparelho porque percebe o
sofrimento que esta diferença causa em seus pais.
Para que a criança surda use o aparelho de amplificação sonora individual é
importante ouvir esses pais, entender junto com eles o que representa este
aparelho, o quanto ele é imprescindível para seu filho, pois ele amplifica os sons do
ambiente possibilitando que a criança "perceba" os sons, mas isto não irá modificar
sua condição de pessoa surda na sociedade.
No trabalho com os pais não é suficiente orientá-los sobre como estimular a audição
dos filhos. Os pais precisam ser ouvidos em suas preocupações e orientados para
poderem escutar os sons que seu filho começa emitir, e saber que este som
transmite significado, ou seja, constitui linguagem. Atitude semelhante de uma mãe
com um filho ouvinte, quando o bebê emite "pá" a mãe dá sentido completando a
palavra "papai" ou "papa", "você quer comer", etc.
A partir dos 2 a 3 anos, a criança busca conhecer o mundo, se torna cada vez mais
consciente de si como pessoa no convívio com outras crianças e adultos.
A criança surda também busca este conhecimento, a partir do uso de sinais
espontâneos, expressões faciais, que precisam ser valorizadas e significadas pelos
pais e professores como formas de comunicação.
Com o início da escolaridade em creches e instituições de educação infantil comum,
ou especial, a criança começa a partilhar com outros das brincadeiras, das
conversas, da atenção em relação a professora.
Neste período de socialização, a criança surda precisa ser exposta a uma linguagem
compreensível para ela, assim poderá expressar seus desejos, suas necessidades,
utilizando e/ou sons.
O desafio do trabalho precoce com a criança surda está em criar situações de
comunicação, que favoreça a expressão e interação contínua da criança com as
pessoas, utilizando-se do olhar, dos gestos, dos sinais, da linguagem oral, etc.
Ao professor cabe saber que a linguagem se adquire naturalmente por meio da
interação e que a fala é uma das manifestações da linguagem, assim como os
sinais, a escrita são formas de estabelecer a comunicação e possibilitar a
representação do pensamento.
A partir da intervenção precoce com os pais e com a criança, podemos diminuir as
dificuldades dos pais em aceitar seu filho diferente, e ajudá-los a ter uma visão mais
realista e positiva das verdadeiras possibilidades de desenvolvimento de seu filho
surdo.
Referência Bibliográfica
BOWLER, Gardner. "El nino disminuido". Buenos Aires. Ed. Médica Panamericana
S/A., 1976.
CARVALHO, Josefina M. "Grupo de pais: espaço possível para falar o filho surdo".
Revista da APG, da PUC/ SP. Ano VII, N*13, 79-86, 1998.
NUNEZ, Blanca. "Aspectos emocionales del nino discapacitado auditivo". Revista de
Fonoaudiologia. 25,2 : 25-37, 1979.
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