Pró-Reitoria de Graduação
Curso de Letras
Trabalho de Conclusão de Curso
CONCEITOS ESQUEMÁTICOS APLICADOS
À PREPOSIÇÃO SOB
Autor: Karen Cristina Costa Oliveira
Orientador: MSc Rosângela de Nazareth Sousa Costa
Brasília
2013
0
KAREN CRISTINA COSTA OLIVEIRA
CONCEITOS ESQUEMÁTICOS APLICADOS À PREPOSIÇÃO SOB
Monografia apresentada ao curso de
graduação em Letras da Universidade
Católica de Brasília, como requisito
parcial para obtenção do Título de
Licenciado em Português e Licenciaturas
em Língua Portuguesa e Inglês e
Literaturas em Língua Inglesa.
Orientador: MSc Rosângela de Nazareth
Sousa Costa
Brasília
2013
1
Monografia
de
autoria
de
Karen
Cristina
Costa
Oliveira,
intitulada
“CONCEITOS ESQUEMÁTICOS APLICADOS À PREPOSIÇÃO SOB”, apresentada
como requisito parcial para obtenção do grau de Licenciado em Letras da
Universidade Católica de Brasília, em 20 de Junho de 2013, defendida pela banca
examinadora abaixo assinada.
_______________________________________________________________
Profª. MSc Rosângela de Nazareth Sousa Costa
Orientadora
Letras – UCB
_______________________________________________________________
Profª. Mestre Deise Ferrarini
Letras - UCB
_______________________________________________________________
Prof. Doutor Maurício Lemos Izolan
Letras - UCB
Brasília
2013
2
Dedico este trabalho, primeiramente, a
Deus, pois sem Ele eu nada seria e de
nada seria capaz. Em seguida, à minha
família, meu apoio incondicional e infinito,
em especial à minha amada mãe, a
pessoa mais importante do mundo para
mim e a quem eu amo de uma forma
inexplicável. Dedico também aos meus
amigos, tanto os de longa data quanto os
que conheci ao longo do curso e que me
acompanharam nesta árdua trajetória. A
todos vocês o meu muito obrigada, que é
praticamente
insignificante
perto
da
imensa gratidão que sinto por cada um de
vocês!
3
Agradeço a todos os professores que passaram pela minha vida e me
marcaram de alguma forma, desde os da Educação Infantil aos da Graduação, em
especial à Professora Rosângela, que me orientou – embora eu acredite que a
construção mais apropriada seja “que iluminou meu caminho” – durante a produção
deste trabalho, e à Professora Georgina, que me contagiou com a paixão pela
profissão e me fez ter certeza de que escolhi o caminho certo.
4
“Sob a fumaça dos teus olhos, meu
coração subiu aos céus.”
Professora Rosângela
5
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo analisar o uso da preposição sob em
construções em que os conceitos esquemáticos de verticalidade, gramaticalização e
metáfora conceitual se fazem presentes. Ao passar por esses processos, a
preposição começa a ser utilizada em novos contextos que fogem ao seu sentido
sancionador, embora os esquemas resultantes estejam sempre relacionados ao
literal.
Palavras-chave: gramaticalização, metáfora conceitual, preposição sob.
6
ABSTRACT
The goal of this academic work is analyzing the use of the preposition sob in
constructions where the schematic concepts of “verticalidade”, grammaticalization
and concept metaphors are presented. Passing for this process, the preposition
starting to be used in new contexts, with a different meaning, but the resulting
schemes have always a relation with their original denotation.
Keywords: grammaticalization; conceptual metaphor; preposition sob.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ………..………………………………………………………………….. 9
A PREPOSIÇÃO “SOB”......................................................................................... 11
1.1 – Preposições latinas ........................................................................... 11
1.2 – Preposições no Português Contemporâneo ................................... 12
2. CONCEITOS ESQUEMÁTICOS ......................................................................... 14
2.1 – Categorias Cognitivas ....................................................................... 15
2.2 – Verticalidade ....................................................................................... 17
2.3 – Metáforas Conceituais ...................................................................... 18
2.3.1 – O início ............................................................................................ 18
2.3.2 – A visão de Johnson e Lakoff ........................................................ 20
2.4 – Gramaticalização .............................................................................. 22
2.4.1 – A Gramaticalização no Português Contemporâneo ................... 23
2.4.2 – A Gramaticalização segundo Hopper .......................................... 27
3. OS CONCEITOS APLICADOS À PREPOSIÇÃO “SOB” ................................ 30
3. 1 Esquema + sob ................................................................................... 30
3.2 – Verticalidade + sob ........................................................................... 31
3.3 – Metáfora conceitual + sob ............................................................... 33
3.4 – Gramaticalização + sob .................................................................... 34
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 36
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 38
8
Introdução
De acordo com o Censo de 20101, a população brasileira ultrapassou o
número de 190 milhões. Ou seja, quase 200 milhões de pessoas utilizam a Língua
Portuguesa para se comunicar diariamente. Segundo a linguística, a língua é um
organismo vivo que está em constante mutação. Saussure (2006, p. 24) afirma que
“a língua é um sistema de signos que exprimem ideias”. Considerando-se essa
definição, é possível imaginar quantas novas palavras podem surgir por dia em uma
língua utilizada por tantos falantes.
Além do surgimento de novas palavras, há também a possibilidade de se criar
um significado novo para uma palavra já existente ou modificar apenas sua classe
gramatical. É o caso da palavra “chegar”, que originalmente representa uma ação,
portanto faz parte da classe dos verbos. No entanto, esta palavra pode ser usada,
no Português Contemporâneo e coloquial, com sentido de adjetivo – desde que seja
conjugada em um determinado tempo verbal – e modificar um nome. Por exemplo,
na sentença “Ela usou uma roupa muito cheguei”, a palavra cheguei qualifica o
substantivo roupa e ainda é intensificada pelo advérbio muito. Portanto, nesse
sentido, ela é classificada como adjetivo e apresenta um significado completamente
diferente do seu original.
Esse é apenas um exemplo do tipo de sentenças que podem ser produzidas a
partir dos conceitos esquemáticos, que serão explicados nos capítulos
subsequentes para se observar o neologismo semântico com o uso da preposição
sob. Este tema foi escolhido porque é interessante observar como algumas
construções podem fugir às regras da Gramática Normativa e algumas palavras, a
partir do momento em que são inseridas em um determinado contexto, são capazes
de adicionar uma ideia completamente nova a uma determinada expressão e
modificar totalmente o sentido do enunciado.
1
Dados disponíveis em
Acessado em 29/05/2013.
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/default.shtm.
9
Esta pesquisa será, portanto, focada nos conceitos esquemáticos, via
pragmática, que, quando aplicados a construções com a preposição sob, produzem
um significado diferente daquele que a palavra apresenta literalmente, como
acontece com expressões como “sob análise” e “sob o túnel”, por exemplo. O
principal objetivo será descobrir quais expressões advêm de cada conceito
esquemático. Além deste, este trabalho também tem por objetivo analisar o
Português Contemporâneo e observar se o uso destas construções é recorrente
somente em contextos coloquiais ou também são utilizados em textos formais.
Esta pesquisa tem como referencial teórico a teoria cognitivista funcionalista
de Moura Neves (1997), Lakoff e Johnson (2002) e Oliveira (2007). Além desses,
foram utilizados, também, Basilio (2003), Bechara (2009), Rocha (1998), Castilho
(2003), Cunha e Cintra (2008), Cegalla (2008), dentre outros.
O trabalho está dividido em três capítulos. O primeiro abordará a preposição
sob desde sua origem até sua função, segundo a Gramática Tradicional.
No
segundo, será feito um estudo dos conceitos esquemáticos relevantes à pesquisa.
Por fim, no terceiro e último capítulo, será feita uma análise das construções
formadas pela preposição sob a partir da influência dos conceitos apresentados no
capítulo anterior.
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1. A Preposição “sob”
Atualmente, as palavras da língua portuguesa são divididas, de acordo com a
Gramática Normativa, em dez classes gramaticais. Cada um desses grupos
desempenha uma determinada função quando aplicado em uma sentença. Dentre
essas dez classes gramaticais, está a das preposições. Uma primeira característica
dessa classe está implícita no próprio nome do grupo (pré+posição), ou seja, na
língua portuguesa, uma preposição sempre vem antes do sintagma nominal a que
se relaciona.
1.1 – Preposições latinas
No latim clássico, que Coutinho (1976, p. 29) definiu como o latim escrito
elegantemente, de acordo com as regras da gramática, e que era utilizado na
literatura, as palavras já eram divididas em classes de acordo com as funções que
desempenhavam dentro de uma sentença. Entre essas classes, estava a que reunia
todos os nomes da língua. Nesse grupo, entravam os nomes que agiam como
sujeitos, como adjuntos, como advérbios etc. Para se diferenciar cada uma dessas
categorias dentro do grupo dos nomes, elas foram divididas em casos. Furlan define
caso como:
[...] uma categoria gramatical que, mediante desinências nominais (uma
para o singular e outra para o plural), exprime, de modo preciso e conciso,
aquela função sintática que um nome ou um sintagma nominal está
exercendo na cadeia da frase. (FURLAN, 2006, p. 44/45).
A desinência de cada caso indicava qual era o papel daquelas palavras
dentro da sentença. A classe dos nomes era dividida nos seguintes casos, de
acordo com sua função: nominativo (sujeito ou predicativo do sujeito), genitivo
(adjunto adnominal), acusativo
(objeto direto), dativo
(objeto indireto ou
11
complemento nominal), ablativo (adjunto adverbial) e vocativo (como vocativo
mesmo).
Para demonstrar qual dessas funções estava desempenhando, a palavra
passava pela declinação.
O latim, como para expressar as categorias verbais, conjuga os verbos,
assim também, para exprimir as categorias nominais, em especial a função
sintática que os nomes [...] e pronomes exercem na frase, declina-os por
seis casos. (FURLAN, 2006, p. 45.)
Portanto, cada declinação referia-se a um caso. Coutinho afirma que, após o
surgimento do latim vulgar, essas cinco declinações existentes no latim clássico
reduziram-se a apenas três.
É que os nomes da quinta e da quarta, aliás pouco numerosos, passaram
respectivamente aqueles à primeira, em sua maioria, e à terceira
declinação; estes, à segunda, pela semelhança que havia entre as suas
desinências casuais. (COUTINHO, 1976, p. 225/226).
As preposições surgiram, a princípio, com a finalidade de enfatizar um sentido
de subordinação ao verbo já expresso pela desinência do complemento – casos
ablativo e acusativo. No entanto, após essas mudanças, começaram a surgir alguns
conflitos, pois certas palavras podiam ser utilizadas tanto em uma declinação quanto
em outra, o que prejudicava a compreensão de algumas sentenças. Para resolver o
problema, as preposições começaram a ser utilizadas para completar o sentido
expresso pelas declinações, e, depois de algum certo tempo, seu uso passou a ser
obrigatório. Uma frase que antes seria perfeitamente compreendida apenas pela
presença da declinação passou a exigir o uso desta partícula, pois sem ela, seu
sentido não ficaria claro.
1.2 – Preposições no Português Contemporâneo
De acordo com Celso Cunha (2008, p. 542), as preposições são “palavras
invariáveis que relacionam dois termos de uma oração, de tal modo que o sentido do
primeiro (antecedente) é explicado ou completado pelo segundo (consequente)”. Já
12
Domingos Paschoal Cegalla (2008, p. 250) afirma que “a preposição vincula um
termo dependente a um termo principal ou subordinante, estabelecendo entre
ambos relações de posse, modo, lugar, causa, fim etc.”.
É possível inferir das definições dadas pelos dois autores que as preposições
são termos invariáveis que têm, basicamente, a função de ligar uma palavra – ou
oração – a outra. Esses elementos, por sua vez, estabelecem entre si uma relação
de significância, em que um possui uma maior importância que o outro.
Em outras palavras, as preposições não têm função sintática, apenas valor
semântico. Bechara afirma que uma preposição nunca aparece sozinha. “Não
exerce nenhum outro papel que não seja ser índice da função gramatical do termo
que ela introduz.” (BECHARA, 2009, p. 296).
Uma das palavras que fazem parte desse grupo é a preposição sob (do Latim
>sub). Em uma primeira e resumida explicação, essa partícula traz a ideia de que
um elemento está abaixo de outro. Portanto, em geral, quando usada em sentido
literal, essa preposição produz o efeito de que um ELEMENTO A está em posição
inferior a um ELEMENTO B. Observe o esquema:
O GATO
está
↓
Elemento A
SOB
A MESA
↓
↓
Preposição
Elemento B
Nesse caso, a preposição informa que o elemento A (o gato) está embaixo
do elemento B (a mesa).
Como dito anteriormente, esse é o sentido prévio dado à palavra apresentado
pela Gramática Tradicional, mas que funciona apenas quando relacionado a um uso
espacial. Mas a Linguística Cognitiva mostra que, quando aplicada ao Português
Contemporâneo em diferentes contextos, essa mesma preposição pode apresentar
novos significados – como em sob o nome, sob sigilo, sob fumaça – conforme
será mostrado nos capítulos seguintes.
Para explicar essas ocorrências, Oliveira (2007) trabalha com a noção de
esquemas. O próximo capítulo mostrará a importância desse termo para a análise
das construções já citadas.
13
2. Conceitos Esquemáticos
Oliveira (2007, p. 227) afirma que o sentido de esquema, segundo a
Linguística Cognitiva, está relacionado ao termo conceito. Um esquema seria,
portanto, o resultado de uma consideração acerca de determinada experiência em
relação a um fenômeno. Cada situação recorrente poderá produzir esquemas. Ou
seja, as pessoas possuem esquemas relacionados a objetos, lugares, ações e tudo
aquilo que lhes proporciona, de alguma forma, um conhecimento novo.
“Em outras palavras, esses padrões contêm informações sobre toda sorte de
fenômenos que experimentamos, objetos que percebemos, ações que praticamos e
até concepções que elaboramos.” (Oliveira, 2007, p. 227).
Mark Johnson (1987, apud OLIVEIRA, 2007, p. 227) “propõe que a cognição
começa com nossa experiência corpórea, pré e não-linguística, com o ambiente,
quando são formados esquemas imagéticos”. Esses esquemas imagéticos estão,
então, ligados a um sentido espacial, a uma ideia do que é concreto, real. As
concepções que produzem tais esquemas partem do contato, principalmente
sensorial, da pessoa com o ambiente.
Ou seja, ao ter contato sensorial (através da visão ou da audição, por
exemplo) com algum elemento externo – seja um objeto, uma pessoa, ou ainda a
percepção do próprio corpo no espaço –, o conhecimento, a concepção, que resulta
dessa experiência, é chamado de esquema imagético.
Silva apresenta um ótimo exemplo desse tipo de esquema:
Por exemplo, a ideia que temos do 'equilíbrio' é algo que apreendemos, não
pela compreensão de um conjunto de regras, mas com o nosso próprio
corpo, através de experiências corporais várias de equilíbrio e de
desequilíbrio e da manutenção dos nossos sistemas e funções corporais em
estados de equilíbrio. (SILVA, 1997, p. 16)
Em outras palavras, um indivíduo não compreenderá com facilidade o que é
equilíbrio apenas lendo ou ouvindo sua definição. Ainda que ele busque um
significado em algum dicionário – como o Priberam, que apresenta para o verbete a
seguinte definição: “1. Estado de um corpo que se mantém, ainda que solicitado ou
14
impelido por forças opostas.” –, a compreensão do que realmente é equilíbrio vem
da sensação de sentir o peso do corpo equilibrado no espaço.
Embora a concepção inicial de equilíbrio esteja ligada a um sentido espacial,
o esquema imagético deste termo permite que ele seja metaforicamente aplicado em
outros contextos “para a compreensão de vários domínios abstractos (por exemplo,
estados psicológicos [...]).” (SILVA, 1997, p. 16).
Oliveira, que também aborda este tema, afirma ainda que “essas experiências
se organizam como gestalts, todos unificados com partes – ou entidades –
relacionadas entre si.” (OLIVEIRA, 2007, p. 227/228). Portanto, os esquemas
organizam todo o conhecimento de mundo, ou conhecimento enciclopédico, como a
autora denomina, que cada pessoa adquire. Isso facilita o processo de retomada
quando é necessário que uma informação seja recuperada.
Para isso, o cérebro humano utiliza o que é conhecido como categorias
cognitivas.
2.1 – Categorias Cognitivas
Para entender o que são categorias cognitivas, é importante pensar antes
que o ser humano organiza, automaticamente, todas as informações que recebe em
categorias associativas. Estudos da área da Neurociência mostram que o cérebro
humano processa todas as informações que chegam até ele e as armazena,
agrupando-as por semelhança, fazendo sempre uma associação entre a informação
nova e algo já armazenado. A palavra cognição, desse modo, pode ser entendida
como o processo de aquisição de um novo conhecimento.
As categorias cognitivas relacionadas à linguagem dividem-se, por sua vez,
em:
- Categoria Morfológica: Separação das palavras de acordo com sua classe
gramatical. Ou seja, palavras que desempenham uma mesma função são agrupadas
15
em um mesmo grupo. Por exemplo, todas as palavras que nomeiam algo – seja um
objeto, uma pessoa ou um lugar – entram para o grupo dos substantivos.
Basílio fala que a distribuição das palavras em grupos de acordo com suas
funções pode não distinguir corretamente uma classe das outras. Segundo ela, a
classe dos substantivos possui as mesmas categorias da classe dos adjetivos. O
que as diferencia é somente o fato de que “o gênero e o número dos adjetivos
depende do gênero e do número de substantivos a que se refiram, enquanto no
caso dos substantivos o gênero e o número são imanentes” (BASÍLIO, 2003, p. 52)
- Categoria Semântica: Nesta, as palavras são separadas de acordo com seu
valor semântico. Basílio (2003, p. 50) afirma que essa divisão está diretamente
relacionada à categoria morfológica:
Dizemos que as classes de palavras são definidas pelo critério semântico
quando estabelecemos tipos de significado como base para a atribuição de
palavras e classes. A maior parte das definições de substantivo que
encontramos nas gramáticas é de base semântica. Em geral, o substantivo
é definido como a palavra com que designamos os seres. Pela sua própria
natureza, o substantivo é definido com relativa facilidade pelo critério
semântico. (BASÍLIO, 2003, p. 50).
Por outro lado, a autora afirma que, apesar de ser importante para a classificação
morfológica das palavras, o critério semântico não é suficiente, pois existem noções
que podem ser expressas por palavras de classes diferentes. É o caso de algumas
qualidades que podem ser expressas por adjetivos e também por substantivos. Ao
se dizer que “A Maria é inteligente” e que “A Maria tem muita inteligência”, em
ambos os casos se está caracterizando Maria, estamos adicionando-lhe o mesmo
predicativo.
- Categoria Sintática: Assim como na categoria gramatical, as palavras também
são assimiladas de acordo com a função que desempenham. No entanto, nesse
caso, a função observada é a da palavra dentro de uma oração. Por exemplo, nessa
linha de raciocínio, todas as palavras que indicam circunstâncias que modificam o
verbo da sentença, seja em relação a tempo, a lugar, a modo etc., estarão
agrupadas como adjuntos adverbiais.
Basílio (2003, p. 53) traz o exemplo dos substantivos que, sintaticamente, podem
exercer as funções de núcleo do sujeito, objeto e agente da passiva. Quando eles
são utilizados como núcleo do sujeito, podem ser caracterizados por estarem “frente
16
a determinantes, como artigos, demonstrativos e possessivos, ou modificadores,
como adjetivos e sintagmas preposicionados” (p. 53).
Ao se analisar o substantivo casa como exemplo, é possível perceber que,
quando na posição de núcleo do sujeito, ele pode ser determinado por um artigo (a
casa) ou por um pronome possessivo (nossa casa), ou modificado por um adjetivo
(casa bonita). Já o termo grande não funciona como núcleo do sujeito, já que não é
um substantivo, ou seja, não pode ser intensificado por artigos ou pronomes (*o
grande, *nosso grande) e nem modificado por um adjetivo (*grande bonito).
2.2 – Verticalidade
Dentro dos esquemas imagéticos, Oliveira também mostra a importância do
esquema de verticalidade. “Além de sermos geneticamente dotados da capacidade
de esquematização, também podemos assumir diferentes pontos de vista e
orientações em relação a uma cena espacial.” (OLIVEIRA, 2007, p. 228). Ou seja,
ao se observar algo espacial, o esquema formado sobre aquilo pode ser afetado
pelo modo como foi observado.
A autora afirma que é possível ser observador externo ou observador
interno da cena. Quando a observação é externa, a pessoa visualiza as relações
entre os elementos sem interferir. Já quando ela incorpora a cena – e passa a ser
observadora interna –, sua observação poderá ser afetada por algum dos
elementos, o que modificará sua concepção sobre o restante.
Como exemplo, ela cita uma pilha de livros, na qual, ao se observar de frente,
é possível enxergar o título de todas as obras. Mas quando o observador se levanta
e analisa o monte por cima, graças ao primeiro livro, não consegue ter acesso visual
ao restante.
Uma
forma
de
compreender
como
esse
esquema
se
manifesta
linguisticamente é analisando a palavra cadeira e o que ela significa. Uma cadeira
17
pode ser feita de madeira, de metal, de palha, enfim, de diferentes tipos de
materiais. Da mesma forma, ela pode ter quatro pernas retangulares ou apenas uma
perna circular, por exemplo. Independente das características que cada cadeira
possui, todas elas são designadas pelo mesmo termo, o mesmo nome: cadeira. O
que define e agrupa todas as cadeiras é a sua função. Uma cadeira é definida pelo
Minidicionário da Língua Portuguesa, de Silveira Bueno, como “assento com
espaldar e, às vezes, braços.“.
Logo, nesse caso, a verticalidade está relacionada ao que a palavra
representa. A concepção do falante muda de acordo com o tipo de cadeira que ele
vê ou imagina, mas isso não altera a informação principal: que cadeira é um objeto
utilizado para se sentar.
Esse conceito será necessário nesta pesquisa ao se observar produções
como “sob a fumaça”.
2.3 – Metáforas Conceituais
Oliveira (2007) mostra que é necessário compreender o sentido de metáfora
conceitual para se entender o uso da preposição em algumas construções. Para
isso, serão apresentados, a seguir, alguns estudos sobre o assunto.
2.3.1 – O início
Na apresentação da versão traduzida para a Língua Portuguesa da obra
“Metáforas da Vida Cotidiana” (Metaphors we live by), de Lakoff e Johnson (2002),
os tradutores afirmam que:
18
Na tradição retórica, a metáfora era (e é ainda) considerada um fenômeno
de linguagem apenas, ou seja, um ornamento linguístico, sem nenhum valor
cognitivo. Era considerada um desvio da linguagem usual e própria de
linguagens especiais, como a poética e a persuasiva. Além disso, o uso da
metáfora era indesejável no discurso científico [...]. Nessa visão, portanto, a
ciência se fazia com a razão e o literal, enquanto a poesia se fazia com a
imaginação e a metáfora. (LAKOFF; JOHNSON, 2002, p. 11)
Nesse primeiro momento, então, a metáfora era considerada apenas um
recurso de linguagem próprio da poesia e não devia ser utilizada para outros fins,
pois a vertente que dominava o período era o objetivismo, que defendia que era
“possível o acesso a verdades absolutas e incondicionais sobre o mundo objetivo”
(LAKOFF; JOHNSON, 2002, p. 11). Em outras palavras, o mundo era compreendido
como ele realmente é. Defendia-se, então, que qualquer tipo de linguagem figurada
devia ser evitada no campo da objetividade, pois não oferecia segurança suficiente
para se formar uma concepção.
No entanto, ainda no século XVIII, contrapondo-se ao que pregava o
objetivismo, o filósofo Giambattista Vico já começara a ver a metáfora como uma
“figura de pensamento”. Para ele, todas as figuras de linguagem – em destaque, a
metáfora –, embora fossem um tipo de linguagem figurada, eram “operações
cognitivas” importantes para se formar a concepção do que é real. (LAKOFF;
JOHNSON, 2002, p. 12).
A partir dos estudos dele, no século seguinte, vários filósofos começaram a
estudar a metáfora aplicada no campo da cognição. No entanto, somente na década
de 1970 o assunto começou a receber credibilidade e iniciou-se uma reformulação
de alguns conceitos – ligados à subjetividade da noção de mundo –, dentre eles, a
metáfora. A partir disso, os conceitos pressupostos pelo objetivismo passaram a ser
questionados.
Construiu-se, então, um novo paradigma: o de que o conhecimento do
mundo, do que é real, dá-se por meio da percepção (e, consequentemente, também
por meio da linguagem e da memória). Essa nova vertente recebeu o nome de
construtivismo. De acordo com ela, a metáfora deixava de ser apenas uma figura
de retórica (considerada inútil para um uso racional) e passava a ser uma “operação
cognitiva fundamental” (LAKOFF; JOHNSON, 2002, p. 13), a metáfora conceitual,
tornando-se, a partir daí, objeto de vários estudos.
19
2.3.2 – A visão de Johnson e Lakoff
Jonnson e Lakoff, seguindo os princípios que começaram a se desenvolver na
década de 1970, afirmam que “os conceitos que governam nosso pensamento não
são meras questões do intelecto. Eles governam também a nossa atividade
cotidiana até nos detalhes mais triviais.” (JOHNSON; LAKOFF, 2002, p. 45). Ou
seja, ambos acreditavam no que defendia o construtivismo: que a forma de se
compreender o mundo é apenas um sistema conceitual metafórico que leva todos a
um resultado de experiências do contato com o que é o mundo de fato.
Mas isso ocorre sem que ninguém perceba. Sem ser notada, a metáfora
conceitual está presente até mesmo em pequenas ações que são praticadas
diariamente – por exemplo, ao se expressar uma opinião acerca de um filme, em
uma conversa informal com um colega. Uma das formas de se perceber como as
metáforas conceituais se manifestam é justamente essa: a partir da linguagem.
Para exemplificar, Jonhson e Lakoff (2002, p. 46) trazem a expressão
“discussão é guerra”, que pode ser usada e interpretada facilmente. Ao se falar
sobre esse enunciado, possivelmente aparecerão definições ligadas a uma guerra
literal, pois em uma discussão há vários aspectos relacionados a uma batalha. As
pessoas que discutem são como adversários e lutam para vencer o duelo.
Portanto, é comum o uso de expressões como as apresentadas pelos autores
(JOHNSON; LAKOFF, 2002, p. 46-47):
1. “Ele atacou todos os pontos fracos da minha argumentação.”
2. “Jamais ganhei uma discussão com ele.”
3. “Destruí sua argumentação.”
4. “Ele derrubou todos os meus argumentos.”
Os verbos utilizados em todos os exemplos sugerem um sentido literal de
guerra. E não é necessária uma análise profunda para se chegar a construções
como essas. Elas são corriqueiras e até naturais no discurso da sociedade atual. A
20
concepção de discussão como guerra já é um esquema comum. Ou seja, a
expressão “discussão é guerra” é uma metáfora conceitual.
A essência da metáfora é compreender e experienciar uma coisa em termos
de outra. As discussões não são subespécies de guerra. Discussões e
guerras são completamente diferentes – discurso verbal e conflito armado –
[...]. Mas DISCUSSÃO é parcialmente estruturada, compreendida, realizada
e tratada em termos de GUERRA. O conceito é metaforicamente
estruturado, a atividade é metaforicamente estruturada e, em consequência,
a linguagem é metaforicamente estruturada. (LAKOFF; JOHNSON, 2002, p.
47-48)
Com isso é possível compreender que metáfora vai além de um uso de meras
palavras. Ela está relacionada aos processos de pensamento, ao sistema conceitual
de cada pessoa, por isso o termo conceito metafórico.
Para explicar a sistematicidade desses conceitos metafóricos, Jonhson e
Lakoff utilizam mais uma expressão conhecida: “tempo é dinheiro”. Ao se refletir
sobre como e com qual finalidade as pessoas utilizam seu tempo atualmente, é
muito fácil entender o que essa metáfora quer dizer. Praticamente todos os tipos de
trabalhos são pagos pelo tempo dispensado àquilo, seja o salário que um operário
recebe para trabalhar 44 horas por semana, ou o valor que um professor particular
cobra por duas horas de aula.
Mas além dessa relação de valor pago por tempo de serviço prestado, as
pessoas passaram a conceber tempo realmente como dinheiro, como se algumas
horas ou dias pudessem ser utilizados como moeda, como objeto de negociação.
“Logo, compreendemos e experenciamos o tempo como algo que pode ser gasto,
desperdiçado, orçado, bem ou mal investido, poupado ou liquidado.” (JOHNSON;
LAKOFF, 2002, p. 51). E é a partir dessa concepção que é comum a produção de
sentenças como:
1. “Aquele pneu furado me custou uma hora.”
2. “Tenho investido muito tempo nela”.
3. “Eu perdi muito tempo quando fiquei doente.”
Tempo como algo de valor que pode ser aplicado como dinheiro é um
conceito metafórico capaz de explicitar uma experiência cotidiana que seria
complicada de se fazer por meio de outra construção, uma mais literal.
Os conceitos metafóricos TEMPO É DINHEIRO, TEMPO É UM RECURSO
e TEMPO É UM BEM VALIOSO formam um único sistema baseado em
21
subcategorização, uma vez que, na nossa sociedade, o dinheiro é um
recurso limitado, e recursos limitados são bens valiosos. (JOHNSON;
LAKOFF, 2002 p. 52).
Essa subcategorização permite a abertura de um leque de novas
possibilidades a partir da metáfora “tempo é dinheiro”. Entendendo “dinheiro” como
um recurso valioso e limitado e “tempo” como “dinheiro”, infere-se que tempo é um
recurso valioso e limitado. Portanto, é possível se criar com o termo “tempo”
construções que se referem diretamente a dinheiro – como “gastar muito tempo” –,
e ainda ligadas a valor – “dediquei todo meu tempo a ele” – e a recurso limitado –
“eu não tenho tempo para perder com isso”. Criou-se, portanto, um novo sistema
de expressões metafóricas relacionadas ao conceito metafórico de tempo como
dinheiro.
E é a partir dessa concepção que são produzidas expressões como “sob
sigilo”.
2.4 – Gramaticalização
Segundo Bernd Heine (1991, apud MOURA NEVES, 1997, p. 113), os
Processos de Gramaticalização tiveram início no século X, na China. O autor
definiu tal fato como “a evolução em que unidades linguísticas perdem em
complexidade semântica” (FORTUNATO, s.d., p. 1394). A partir daí, esses
processos passaram pela França, pela Inglaterra, pela Alemanha e pelos Estados
Unidos. Apenas no século XX, Meillet (1948, apud MOURA NEVES, 1997, p.113)
criou o termo gramaticalização.
Nesses primeiros estudos, a gramaticalização era definida como “a atribuição de
um caráter gramatical a uma palavra anteriormente autônoma”. Moura Neves (1997,
p. 113), afirma que as palavras que passam por um processo de gramaticalização
geram uma forma gramatical que surge como uma continuação (continnum) de sua
fonte, ou seja, há um sentido novo que não deixa de estar relacionado ao sentido da
palavra da qual esta nova forma se originou.
22
2.4.1 – A Gramaticalização no Português Contemporâneo
Castilho (2003 apud FORTUNATO, s.d., p. 1396) afirma que a forma como a
língua se modifica não segue uma direção uniforme – diferente do que acontece em
sua estrutura, tanto escrita quanto falada, que sempre se manifesta linearmente.
Essas
mudanças
interdependentes”,
linguísticas
como
define
ocorrem
em
o
Ainda
autor.
diferentes
de
acordo
“multissistemas
com ele,
o
desenvolvimento de uma língua se daria, portanto, a partir dos quatro processos
seguintes.

Lexicalização: Palavras que são criadas a partir das categorias cognitivas
e de seus traços semânticos.
Isso pode ser facilmente percebido em termos como guarda-roupa. Cada
uma das palavras ainda traz o seu sentido original (guarda expressando a ideia de
armazenamento e roupa indicando peças de vestuário), mas a junção das duas, o
que forma um novo substantivo, produz um significado diferente daquele produzido
por cada uma individualmente. Guarda-roupa passa a ser, então, um objeto que é
utilizado para guardar roupas.

Semanticização: Criação de um novo sentido a uma determinada palavra.
É o caso da palavra fora, que Spaziani (s.d., p. 7) traz no exemplo: “[...] você
já morou em outros lugares?[...] FORA o Aterro onde você nasceu”. Originalmente, a
palavra fora é classificada como advérbio, pois exprime uma ideia de lugar (parte
exterior, contrário de dentro), mas no exemplo dado por Spaziani, o sentido muda
completamente. O fora não está indicando o lado de fora do aterro. Nessa sentença,
ele está agindo como preposição, indicando que o interlocutor deseja saber sobre as
moradias da pessoa questionada, exceto o Aterro. Ou seja, o Aterro está dentro da
lista.

Discursivização: Relação entre tudo o que está envolvido com o
discurso, além da sentença em si: o locutor, o interlocutor, o assunto, entre outros
aspectos fundamentais.
23
A exemplo disso, Basilio (2003, p. 86-87) mostra que há alguns adjetivos
(como
mineiro)
aos
quais
é
possível
acrescentar
sufixos
(como
–ice),
transformando-os, assim, em substantivos (no caso, mineirice). Em determinadas
situações, essas construções podem ser utilizadas com função pejorativa,
modificando, assim, seu resultado semântico original.

Gramaticalização: Esta, por sua vez, divide-se, ainda, em três
“subprocessos”:
- Morfologização: Mudança na estrutura da palavra, tanto em seu radical, quanto
em seus afixos
Veja-se como exemplo que a palavra imberbe, referente àquele que não tem
barba, passou por esse processo. Ao se acrescentar o prefixo in- para se criar o
termo negativo, ao invés de nascer a expressão *imbarba, como seria esperado, o
que surgiu foi o termo imberbe. O uso de um prefixo modificou o radical da palavra.
- Sintaticização: Mudança sintagmática e sentencial na palavra.
O termo feliz sofre mudanças significativas ao ser alterado por afixos. Ao se
utilizar o prefixo in-, o novo esquema terá um resultado totalmente contrário ao do
original: infeliz é aquele que não está feliz. Entrementes, também é possível utilizar
o sufixo –mente, o que vai modificar a classe gramatical da palavra. Embora a ideia
central do adjetivo continue, o advérbio resultante, felizmente, só poderá ser
utilizado em contextos diferentes. Ainda é possível acrescentar a este último o
prefixo in- e produzir, também, o sentido oposto: infelizmente.
- Fonologização: Mudança fonética na palavra.
O termo embora advém da antiga expressão em boa hora. Além de passar pelo
processo de morfologização, no qual suas palavras foram agregadas, e de
sintaticização, pois recebeu um novo sentido, ele também foi fonologizado, pois ao
se juntar as três palavras em uma só, os sons da vogal a em boa e da sílaba ho em
hora se perderam.
De acordo com essa divisão de Castilho, para que uma palavra esteja
completamente gramaticalizada é necessário que seu som, sua formação e seu
sentido sejam alterados. É possível perceber isso na palavra colaborar. Coutinho
(1976, p. 176-177) mostra que muitos prefixos de palavras que usamos atualmente
24
foram antes uma preposição ou um advérbio. No caso do verbo colaborar, o prefixo
co- veio de uma preposição latina (cum), que, depois de agregada à palavra labore
(trabalhar) e após passar por todo o processo de gramaticalização, perdeu
totalmente seu sentido original e passou a ser apenas uma parte do verbo.
Contudo, embora o falante não perceba que há uma preposição na palavra
gramaticalizada, algumas vezes, por deslize, ele pode produzir o som da partícula.
Irreal, por exemplo, é a junção da palavra real com a preposição latina in, e não é
muito difícil encontrar um falante que produza, sem perceber, a forma agramatical
*inreal.
Heine (2003, apud SPAZIANI, s.d., p. 2) também estuda os processos de
gramaticalização. Segundo ele, a gramaticalização deve ser dividida em outros
quatro estágios:
- Dessemantização: O conteúdo semântico da palavra é prejudicado;
Do latim villa (aldeia) surgiu a expressão vilão, que a princípio significava
camponês. Contudo, atualmente o termo tem um sentido negativo e refere-se ao
homem que é mau, perverso.
- Extensão: A palavra começa a ser utilizada em novos contextos;
Como exemplo, há o verbo embarcar, que, inicialmente, referia-se apenas a
entrar em um barco. No entanto, com o desenvolvimento da língua, atualmente o
termo é utilizado em relação a qualquer tipo de condução, como embarcar no avião,
por exemplo.
Da mesma forma, o termo judiar surgiu em uma época em que os judeus
sofriam um grande preconceito. O verbo era utilizado, então, com o sentido de
maltratar judeus. Contudo, hoje em dia a palavra tem um sentido mais amplo e é
utilizada para se referir a qualquer tipo de maltrato. É possível judiar de uma criança,
de um idoso ou de um animal, por exemplo.
- Decategorização: Perda de características próprias da palavra original, como
seus afixos;
No
substantivo
guarda-noturno,
por
exemplo,
o
processo
de
gramaticalização alterou totalmente o sentido da palavra guarda. Originalmente,
essa palavra só possuía o sentido de armazenar, o que foi, de certa forma, mantido
25
no caso do substantivo guarda-roupa, como já citado. Já em guarda-noturno, a
primeira palavra adquiriu um novo significado após ser justaposta à segunda,
referindo-se, assim, a um homem que trabalha como vigilante à noite, que protege
algo ou algum lugar. Neste caso, há ainda a possibilidade de utilizar apenas a
palavra guarda e mesmo assim se compreender que a referência é ao homem.
- Erosão: Prejuízo à fonética da palavra.
Em pernilongo, um dos maiores prejuízos sofridos pela palavra foi em
relação à fonética. Ao se aglutinar as palavras perna e longo, houve uma mudança
na primeira. A última vogal foi trocada, ou seja, a letra a foi retirada da palavra e em
seu lugar entrou a letra i, formando, assim, o novo substantivo: pernilongo. É clara a
mudança fonética que essa troca produz.
De acordo com o que foi apresentado por ambos os autores, a
gramaticalização é a inserção de uma palavra já existente em um contexto
absolutamente novo que agrega a ela ou à sentença em geral um significado
diferente do seu original. Ambos os autores concordam, embora apresentem
nomenclaturas diferentes para cada processo, que essa mudança modifica fonética
e morfologicamente a palavra que foi gramaticalizada.
Tanto Castilho quanto Heine relacionam o processo de gramaticalização ao
conceito de unidirecionalidade. Calazans (2007), baseado nos estudos de Castilho,
afirma que:
A gramaticalização é unidirecional, desenvolvendo-se apenas da esquerda
para a direita. Também B. Heine, U. Claudi, F. Hünnemeyer e outros
reconhecem o princípio da unidirecionalidade, mantendo seu ponto de vista
de que as estruturas menos gramaticais podem tornar-se mais gramaticais,
nunca ao contrário, uma vez que a desgramaticalização e a
regramaticalização acontecem em número insignificante. (CALAZANS,
2007, p. 30).
Este conceito, que é apontado por vários estudiosos da área, mostra que o
desenvolvimento do processo de gramaticalização tende a seguir somente uma
direção. Sobre esse termo, Mendes afirma o seguinte:
b
Gonçalves et al (2007 ) traz também a definição de Hopper & Traugott
(1993, p.95); para tanto, estes se baseiam nos contextos discursivos que
favorecem a gramaticalização e esclarecem que a transição de [lexical] >
[gramatical] se dá de forma direta. Deste modo o percurso “[item lexical
usado em contextos linguísticos específicos] > [sintaxe] > [morfologia]”
mostra como os itens lexicais se gramaticalizam, ou seja, a partir de funções
discursivas para depois se estabelecerem sintaticamente e comporem um
morfema. O que se firma então – indicando, portanto, a sua
26
unidirecionalidade - é que se há, por exemplo, ‘uma relação entre dois
estágios A e B, tal que A ocorre antes de B’, o oposto não sucede.
(MENDES, 2011, p. 5).
Em outras palavras, a gramaticalização segue uma ordem, uma espécie de
roteiro. Para que uma palavra seja gramaticalizada, a primeira mudança ocorre em
seu significado, somente depois ela será alterada sintática e morfologicamente.
2.4.2 – A Gramaticalização segundo Hopper
A partir de agora, a pesquisa será embasada nos estudos de Hopper (apud
MOURA NEVES, 1997). Para o autor, é fundamental pensar nos princípios do
Processo de Gramaticalização, afinal, seria impreciso analisar apenas as palavras já
gramaticalizadas sem atentar-se às etapas anteriores. É o que Moura Neves afirma
a seguir:
O autor tenta isolar e descrever esses “princípios” com um propósito
utilitário, o de identificar instâncias potenciais de gramaticalização anteriores
ao estágio no qual as formas podem, inequivocadamente, ser consideradas
como parte da gramática da língua. (MOURA NEVES, 1997, p.123).
Hopper enfatiza a importância desses princípios no desenvolvimento gradual
da gramaticalização, pois assim é possível pensar que um termo está “‘mais’ ou
‘menos’ gramaticalizado” e não “‘dentro’ ou ‘fora’ da gramática” (MOURA NEVES,
1997, p. 123). Hopper afirma que esses princípios de gramaticalização são cinco:
1) Estratificação: Referente à possibilidade de termos com funções
semelhantes – termos esses que se originaram de uma mesma palavra –
coexistirem sem prejuízo. Em alguns casos, um pode ser mais utilizado que o outro,
mas isso não afetará o sentido do segundo.
Do latim integru, surgiram os termos inteiro e íntegro. Cada um tem seu
sentido próprio, mas ambos estão no mesmo campo semântico.
2) Divergência: Esta, de certa forma faz parte da estratificação, afinal, referese também à coexistência entre dois ou mais termos. No entanto, nesse caso, a
relação de coexistência ocorre entre o termo gramaticalizado e o que o originou. Ou
27
seja, é possível que a palavra original, a partir da qual surgiu a forma
gramaticalizada, continue com seu sentido inalterado e seja usada no mesmo meio
que o item gramaticalizado, esse, por sua vez, com o sentido novo.
Do verbo velar, que se originou da forma latina vigilare, surgiu o termo
gramaticalizado vigiar. Embora os verbos possuam praticamente o mesmo sentido,
cada um é utilizado em um contexto diferente. Ambos remetem à ideia de guardar –
mantida da forma latina, que significava guardar com véu –, no entanto, enquanto
vigiar dá a ideia de guardar ou observar algo em movimento, o verbo velar, do qual
vigiar se originou, refere-se a algo mais parado, mais sereno. As duas formas são
utilizadas sem causar prejuízo uma a outra.
3) Especialização: De acordo com este princípio, a gramaticalização pode, em
alguns casos, reduzir as possibilidades de uso de determinado termo, tornando-o
restrito. Enquanto o item lexical original pode ser usado de diversas formas, o
gramaticalizado pode ter adquirido um novo significado que lhe permite ser usado
em apenas um contexto.
O termo excitar possuía, originalmente, o sentido de irritar (ex = para fora,
citar = aflorar). O verbo era utilizado para exprimir qualquer tipo de sentimento que
estivesse aflorado. Contudo, no Português Contemporâneo, a palavra se
especializou na área sexual e passou a ser utilizada apenas nesse contexto.
4) Descategorização: A gramaticalização é capaz de causar à palavra um
prejuízo em relação aos marcadores morfológicos e aos aspectos sintáticos
relacionados às categorias plenas nome e verbo, passando, assim, a apresentar
atributos mais relacionados às categorias secundárias, como adjetivo, particípio,
preposição etc.
Isso acontece no exemplo citado na introdução desta pesquisa: o uso do
verbo cheguei como adjetivo, com sentido de chamativo.
5) Persistência: Aquilo que Meillet (1912/1948, p. 131, apud MOURA NEVES
1997, p. 113) denomina continnum, Hopper trata aqui como persistência. É
exatamente a relação de continuidade existente entre o termo gramaticalizado e a
sua fonte. Embora o processo de gramaticalização cause à palavra uma mudança
semântica, seu novo sentido estará relacionado ao sentido de sua palavra de
origem.
28
Esse processo pode ser observado em todos os exemplos citados acima. Há
uma relação de sentido entre integru e inteiro/íntegro, vigilare e vigiar/velar, o
sentido original de excitar e como ele é utilizado atualmente e a relação entre
chegar e chamar atenção no caso do termo cheguei. Em todos esses exemplos,
alguma informação da forma original foi mantida no esquema resultante do processo
de gramaticalização.
Hopper (1991, p. 21, apud MOURA NEVES, 1997, p. 126) afirma que esses
processos definidos por ele apenas complementam o que Lehmann caracterizou
como gramaticalização:
- Paradigmatização: as formas tendem a organizar-se em paradigmas;
- Obrigatorização: as formas tendem a tornar-se obrigatórias;
- Condensação: as formas tendem a tornar-se mais curtas;
- Aglutinação/Coalescência: as formas adjacentes tendem a aglutinar-se;
- Fixação: ordens linearmente livres tendem a tornar-se fixas. (LEHMANN,
1985, apud MOURA NEVES, 1997, p 126)
O termo fidalgo, por exemplo, passou por todos esses processos. Originário
da expressão filho de algo, significava filho de alguém importante. Com o tempo,
passou a ser mais curto (condensação), pois as três palavras uniram-se em apenas
uma (aglutinação) e o novo termo passou a ser utilizado no lugar da antiga
expressão, tornando-se, assim, fixo (fixação e obrigatorização), no entanto, com um
sentido oposto, pejorativo.
Para Hopper, esses estágios estão relacionados apenas a casos mais
avançados de gramaticalização.
29
3. Os conceitos aplicados à preposição “sob”
Após a apresentação dos conceitos de esquema, gramaticalização,
verticalidade e metáforas conceituais, será apresentada, a seguir, a forma como
essas teorias se manifestam nas construções com a preposição “sob”.
3. 1 Esquema + sob
Como foi dito no capítulo 2, um esquema é o conceito formado a partir da
experiência de um ser com algum fenômeno. Em outras palavras, esquema é a
forma como o fenômeno é interpretado, é a concepção que a pessoa formará a partir
daquele contato.
Esta concepção será, portanto, utilizada na análise de todas as combinações,
pois, ao se aplicar cada conceito à preposição estudada, um novo sentido será
construído, ou seja, um novo esquema.
A preposição sob, enquanto produz um efeito espacial e indica a posição de
algo em um determinado espaço, está em seu sentido sancionador, que pode ser
entendido como o sentido principal da palavra, uma base para todos os possíveis
usos posteriores. Oliveira afirma que:
[...] um sentido sancionador deve, muito provavelmente, ser o de uso
confirmado mais antigo. Em outras palavras, os esquemas espaciais
básicos advêm da simples experiência de estar no mundo e, portanto, é
totalmente razoável que sentidos espaciais modernos sejam remanescentes
desses mesmos esquemas. (OLIVEIRA, 2007, p. 236).
Portanto, o sentido sancionador da preposição sob pode ser em posição
inferior a, pois esse é o uso mais recorrente da partícula. Essa forma produz o
mesmo efeito semântico inclusive em sua variação sub, que pode, ainda, aparecer
em composições com outras classes gramaticais, como submarino e sublinhar,
expressando, em ambos os casos, uma ideia referente a algo abaixo – o submarino
30
foi criado para ser utilizado embaixo da água, e a linha que sublinha o texto fica
abaixo das palavras.
No entanto, em determinados casos, como foi brevemente citado nos
capítulos anteriores, a preposição sob apresenta uma ideia diferente, um sentido
não-espacial, Contudo, possivelmente, os esquemas que surgirem desta preposição
ainda estarão relacionados a esse sentido base. Observe as sentenças a seguir:
(1) Sua gravidez estava sob sigilo até aquele momento.
(2) A mãe deixou a criança sob os cuidados do pai.
Em (1), a preposição não está funcionando para indicar que a gravidez estava
no espaço abaixo do sigilo, mas, ao se interpretar a sentença e analisá-la, é fácil
perceber a relação de sob, neste caso, com o seu sentido sancionador. A gravidez
foi mantida em segredo, escondida abaixo de algo de forma que não ficasse
exposta, metaforicamente falando.
O mesmo acontece em (2). Quando a preposição é utilizada em seu sentido
sancionador, o fato de um elemento A estar abaixo de um elemento B implica que o
elemento B está protegendo o elemento A. Da mesma forma, a construção sob os
cuidados indica que o elemento A (a criança) está sendo protegido pelo elemento B
(o pai).
Em cada um desses casos, o uso da preposição produziu um novo esquema.
Os conceitos de gramaticalização, verticalidade e metáfora conceitual, após serem
aplicados a construções junto com a preposição sob, são os responsáveis pelas
novas construções, como será mostrado a seguir.
3.2 – Verticalidade + sob
Conforme o capítulo 2.2, o conceito de verticalidade mostra que o ponto de
vista do observador influencia sua percepção e afeta o esquema resultante. É
possível afirmar, portanto, que a verticalidade está ligada a uma experiência espacial
31
e, consequentemente, é um dos processos esquemáticos que mais se aproxima do
sentido sancionador.
Observe:
(3) Os corpos estavam sob os escombros.
(4) É perigoso dirigir em estradas sob fumaça.
(5) O treino aconteceu sob os olhares da torcida adversária.
No sentido sancionador, é possível encontrar sentenças como em (3). Uma
imagem mental produzida a partir dessa oração, provavelmente, mostrará
escombros cobrindo totalmente – ou quase totalmente – os corpos. Numa visão de
cima para baixo, os corpos não podem ser vistos, pois estão cobertos pelos
destroços, exatamente como a pilha de livros utilizada como exemplo no capítulo
anterior.
A partir dessa concepção de cobertura, são comuns construções como em
(4). Nesse caso, a cena imaginada, certamente, mostrará uma estrada com fumaça
em todas as direções. A preposição, portanto, indica um espaço, mas não
exatamente o inferior. O uso da preposição nessa construção não significa que a
fumaça vem apenas por cima. Um carro que passar pela estrada será totalmente
encoberto pela fumaça: por baixo, por cima, por trás e pela frente, e mesmo assim
ele estará sob a fumaça.
Apesar de em (4) a preposição mostrar que a estrada está coberta por
fumaça, assim como em (3) sugere que os corpos estavam cobertos por escombros,
em (4) a cena não depende especialmente do ponto de localização do observador.
Independente de sua posição, ele, provavelmente, verá a estrada coberta por
fumaça. Se ele for um observador interno e estiver dentro do carro citado no
parágrafo anterior, ele verá a fumaça em todos os lados. Por outro lado, se ele
estiver observando a estrada de um ponto distante, onde não seja atingido pela
fumaça, ele será um observador externo, mas continuará a ver o outro espaço
coberto pela fumaça.
Semelhante ao exemplo da cadeira citado previamente (c/c 2.2) – que é
cadeira apenas por causa da sua função, não por sua forma ou demais
características –, a concepção do observador da estrada será apenas um pouco
32
diferente de acordo com sua localização em relação ao ponto onde a fumaça está,
mas ele continuará a ver que a estrada está sob a fumaça.
Em (5) há outro exemplo da verticalidade aplicada à preposição. Ao se afirmar
que os jogadores treinaram sob os olhares da torcida, compreende-se que a
torcida estava observando – externamente – o jogo, provavelmente das
arquibancadas. Se, no entanto, um desses torcedores fosse retirado do local do
treino, seu campo de visão seria alterado e, caso ele não pudesse mais assistir à
partida, não poderia, também, ser considerado um observador.
3.3 – Metáfora conceitual + sob
Ainda observando a sentença (3) do tópico anterior, também é possível inferir
uma ideia de ocultação. Como os corpos estão completamente cobertos pelos
escombros, não é possível vê-los porque eles estão ocultos.
A partir desse raciocínio, observe o exemplo a seguir:
(6) Mantenha a informação sob sigilo.
Na construção (6), a preposição também indica a ocultação de um elemento.
No entanto, enquanto em (3) o que foi ocultado era físico, concreto, em (6) o que
deve ser ocultado é abstrato: a informação.
Segundo o capítulo 2.3, a metáfora conceitual é a interpretação das
experiências que resultam em esquemas com um sentido em termos de outro.
Dessa forma, a preposição sob, quando combinada com sigilo, passa por esse
processo metafórico. Porém, enquanto no sentido sancionador o termo sob, quando
usado para expressar ocultação, indica que algo concreto foi oculto por algum outro
elemento também concreto, quando o esquema é metafórico é possível produzir
sentidos como em (6), em que a ocultação é simbólica, pois o item oculto é abstrato,
portanto, não é possível escondê-lo com algo físico.
33
Mas de uma maneira geral, a ideia proposta pela preposição é exatamente a
mesma. Ao se dizer que o elemento A – os corpos, em (3), e a informação, em (6) –
está sob o elemento B – os escombros, em (3), e sigilo, em (6) –, o esquema
resultante é o elemento B escondido pelo elemento A. A metáfora conceitual apenas
permite que uma significação ligada ao concreto possa ser utilizada no campo
abstrato.
No entanto, a metáfora conceitual também pode ser utilizada em esquemas
concretos. Veja:
(7) O trem ainda está sob o túnel.
(8) A professora o observou com os olhos verdes escondidos sob os óculos
redondos.
Em (7), embora o trem esteja realmente embaixo do túnel, o real sentido que
a preposição oferece é que ele está passando pelo túnel, ele está atravessando o
túnel. Seria possível, ainda, dizer que o trem está dentro do túnel. O uso da
metáfora conceitual, neste caso, modifica o sentido sancionador, mas ainda se
refere a um elemento físico – o trem –, e consegue agregar um sentido novo à
sentença. Em outras palavras, é o uso do sob em termos de através.
Exatamente como acontece em (8). Os olhos da professora estão escondidos
atrás dos óculos, contudo, o uso da preposição sob permite o mesmo sentido,
independente do seu sentido sancionador.
3.4 – Gramaticalização + sob
De acordo com tudo o que foi visto no capítulo 2.4, é possível explicar a
gramaticalização, de uma forma bem reduzida, como a transformação de uma
palavra já existente em um novo item lexical. É possível, contudo, que um único
termo possa gerar mais de uma forma gramaticalizada e, ainda, coexistir com as
novas formas sem prejuízo semântico a nenhuma delas (c/c 2.4.2).
34
Logo, como o objetivo da gramaticalização é modificar um termo, é possível
identificá-la em construções como:
(9) O candidato, sob a inscrição 20.314, recorreu à banca.
(10) Portanto, ficam acordados, de um lado, o contratante Flávio Albuquerque,
e de outro, a contratada Associação Farmacêutica Souza, sob o nome “Farmácias
Souza”.
Nesses casos, a gramaticalização não ocorre na preposição em si, mas é a
presença dela que permite que outro termo seja gramaticalizado, isto é, as palavras
não passam por todos os processos apontados por Castilho e Heine, mas o
resultado da alteração semântica consequente é suficiente para se afirmar que a
sentença foi gramaticalizada.
Em (9), o sob exerce uma grande influência no termo inscrição. É fácil
entender, que nesta sentença, a palavra inscrição não é apenas uma matrícula,
como é definida pelo dicionário de Silveira Bueno. A partir do momento em que ela é
utilizada com a preposição, formando a construção sob a inscrição, ela passa a ser
utilizada para representar o candidato, independente de seu nome ou qualquer outra
característica. É apenas o número de inscrição que define quem é o candidato
naquele contexto.
O mesmo acontece em (10). Ao se dizer que um elemento A está sob o
nome B, fica claro que é esse nome que representa o elemento anterior. Todas as
empresas existentes têm um nome que as representa juridicamente, mas, muitas
vezes, esse nome é diferente do utilizado pela empresa para se promover
comercialmente. O termo nome, portanto, perde suas características originais e
passa a ser utilizado como um novo esquema. Ele não é apenas, como define
Silveira Bueno, uma “palavra que designa pessoa, coisa ou animal“, ele representa,
diante de tudo e de todos, inclusive da lei, uma empresa e tudo que a ela está
ligado.
Em todos os processos citados neste capítulo, é facilmente perceptível a
importância da preposição. É exatamente a sua função de conectar os termos com
uma relação de subordinação que produz os sentidos analisados.
35
Considerações Finais
É sabido, portanto, após todos os dados analisados ao longo desta pesquisa,
que as preposições são termos invariáveis e que não têm valor sintático, mas são
elementos muito importantes nas sentenças das quais fazem parte. Como foi
abordado nos capítulos anteriores, a preposição nunca aparece sozinha, pois ela
precisa de termos acompanhantes para desempenhar sua função. É a relação entre
esses elementos que dá significado à partícula.
Embora ela não desempenhe um papel sintático valorizado, seu valor
semântico é indiscutível. É a preposição que indica a relação de subordinação, como
foi visto, e que explicita qual é o termo determinado e qual é o determinante. Essa
relação seria prejudicada – ou poderia, ainda, deixar de existir – na ausência da
partícula prepositiva.
No entanto, como pôde ser observado na análise dos dados expostos no
capítulo três, o valor semântico da preposição vai muito além de relacionar um
sintagma subordinado ao seu subordinante. Os exemplos citados com a preposição
sob deixaram claro que é a presença do termo na sentença que produz todos os
efeitos semânticos possíveis. Se ele fosse substituído por qualquer outra palavra da
mesma classe gramatical, o sentido do enunciado mudaria completamente. Da
mesma forma, se ele fosse simplesmente retirado da construção, o resultado
semântico seria alterado ou até mesmo perdido.
Embora o sentido sancionador – o conceito literal e mais utilizado pelos
falantes – da palavra seja abaixo de, o uso da preposição sob em sentenças com
sentido abstrato também é possível. Construções como sob análise, sob a
inscrição, sob sigilo e sob fumaça, por exemplo, são absolutamente aceitáveis em
textos escritos e orais do Português Contemporâneo.
E o mais interessante é que, apesar de se pensar que nesses casos a
preposição está sendo utilizada com um sentido totalmente diferente, após uma
breve análise, é possível enxergar a relação existente entre os novos esquemas e o
seu sentido sancionador.
36
Outro ponto abordado nos capítulos anteriores desta pesquisa foi a
importância das metáforas conceituais, especialmente em construções com a
preposição em destaque. Como foi apresentado, as metáforas conceituais estão
presentes em diversas manifestações da língua. A partir da noção de que metáfora é
uma representação simbólica de uma ideia centrada ou extraída de um objeto, é
possível inferir que muitas produções linguísticas são originadas a partir deste
processo.
Nas construções com a preposição sob, o uso da metáfora permite que o
sentido sancionador da partícula seja utilizado para produzir esquemas no campo
abstrato da língua. Embora a ideia de que um item esteja embaixo de outro seja
inicialmente concreta, como foi exemplificado no capítulo 3.3 pela construção sob
sigilo, a mesma ideia pode ser utilizada com sentido abstrato, sem afetar ou
prejudicar o resultado comunicativo.
A Língua Portuguesa, assim como todas as outras línguas do mundo, é
fascinante pela possibilidade que dá a seus falantes de inovar o processo da
linguagem e da comunicação. Os dados estudados nesta pesquisa mostram
exatamente isso. As diferentes construções possíveis com uma única palavra são só
um dos inúmeros exemplos do que o ser humano pode fazer com essa habilidade
incrível que lhe foi dada e que lhe diferencia dos outros animais.
37
Referências Bibliográficas
BASILIO, Margarida. Teoria lexical. 7ª ed. São Paulo: Ática, 2003.
BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática da Portuguesa. 37ª ed. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2009.
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Karen Cristina Costa Oliveira - Universidade Católica de Brasília