Arte
Tambores do Benin
Estudo analisa a
música ritualística dos
grupos fon e iorubá
da África Ocidental
Lauro Lisboa Garcia
88 | outubro DE 2013
O
grupo étnico fon do sul do Benin, África
Ocidental, cultiva certo estilo de música
ritualística que poucos pesquisadores se
dedicaram a estudar. Em 1984, quando era estudante na Alemanha, o professor Marcos Branda
Lacerda, do Departamento de Música da Escola
de Comunicações e Artes da Universidade de São
Paulo (ECA/USP), decidiu viajar por três meses
ao país africano para se debruçar sobre essa cultura, seguindo parcialmente o roteiro apresentado
nos livros do fotógrafo, etnólogo e antropólogo
francês Pierre Verger, que passou grande parte
de sua vida em Salvador. Uma revisão crítica de
seu longo trabalho será em breve publicada no
livro Música instrumental no Benin – Repertório
fon e música batá”, pela Edusp.
Lacerda se concentrou em estudar também
a música da população iorubá do Benin, principalmente os nagôs, conhecidos no Brasil. “Viajei
por várias cidades e separei um conjunto pouco
estudado na época, que era o batá. Tive a oportunidade de entrar em contato com muitos grupos
fotos arquivo pessoal
Grupo de músicos
do Benin e seus
tambores: livro
sobre o tema será
lançado em breve
musicais”, conta. “Embora muito citada, a música
batá era praticamente desconhecida na literatura musicológica. O próprio Verger se referia aos
batás por causa do vínculo com a entidade religiosa Xangô. “Além do grupo fon, escolhi para o
estudo os grupos batá de duas cidades”, explica.
O pesquisador diz que há publicações bastante
significativas no Brasil sobre pesquisas etnográficas e questões antropológicas afro-brasileiras,
além dos trabalhos de Verger, como os estudos
de Reginaldo Prandi. Porém, no aspecto etnomusicológico, seu estudo parece não ter precedentes. Na pesquisa de campo, Lacerda interagiu
com músicos e parte do material gravado por ele
deve acompanhar o livro. “O repertório iorubá
que gravei lá já é conhecido. Publiquei há algum
tempo um CD pelo Smithsonian Institution, que
é muito cultivado pelo pessoal da área. Da população fon foi publicada pela Funarte alguma
coisa, mas se esgotou rapidamente.”
Segundo o professor, há uma série de elementos rítmicos que se aprofundam mais no repertório fon. “Era um repertório apenas indiretamente estudado por pesquisadores, sobretudo
americanos e ganeses, que trabalharam sobre a
tradição do grupo ewe. O grupo fon se aproxima mais culturalmente e também tecnicamente
desse repertório. Há um aprofundamento de
certos elementos rítmicos, com características que diferem muito das da música ocidental. É uma música muito peculiar pelo aspecto
teórico”, diz. Já o grupo batá se salienta pela
densidade sonora, bastante original mesmo no
âmbito dos estilos conhecidos de música percussiva africana.
Esses estilos são ligados aos cultos religiosos,
mas a mesma música fon também está presente
em celebrações de caráter institucional e solene.
Seria o que os músicos tocariam “caso o presidente do país os visitasse”.
Trata-se de uma música extremamente vinculada às ocasiões em que é originalmente executada, embora alguns elementos se projetem de
forma diluída na música africana que é conhecida
no mundo. “Os estilos populares buscam antes2
um enxugamento dessas texturas; esses repertórios não devem ser mantidos de maneira alguma
dentro do mesmo espectro estilístico.”
Lacerda trabalhou apenas com a percussão (há
no livro quatro fotos para dar uma ideia de como
são os tambores e da maneira como são tocados),
embora os grupos étnicos pratiquem música para
outros tipos de instrumento e para a voz. “A voz
é muito importante, mas, por razões estratégicas,
dediquei-me às partes musicais conduzidas apenas pelos instrumentos.” O trabalho é dedicado
também a questões de ordem teórica e a uma
breve apreciação de como a música destes grupos
teria influenciado a cultura brasileira, sobretudo
na música ritualística dos cultos afro-brasileiros,
como o candomblé e outras manifestações similares no Maranhão e no Pará.
Branda optou por restringir sua pesquisa praticamente apenas ao mundo musical africano. Para
ele, querer escutar o africano para fazer a ponte
imediata com o brasileiro comportaria “um risco intelectual”. “O que se passou na música não
é o mesmo que se passou com as religiões afro-brasileiras e, no momento, um paralelo excessivamente detalhado seria um pouco forçado”,
explica. “O universo brasileiro é múltipo, de uma
complexidade conceitual muito forte e não há
possibilidade de uma ponte direta – pelo menos
não com a parte ocidental da África”, conclui. n
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