Análise dos Recalques das Fundações do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da UFRJ Lays Cristina Barcelos de Souza Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, Brasil [email protected] Leonardo De Bona Becker Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, Brasil [email protected] Francisco de Rezende Lopes Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, Brasil [email protected] Fernando Artur Brasil Danziger Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, Brasil [email protected] RESUMO: O monitoramento de recalques das fundações do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho mostrou que recalques adicionais significativos aconteceram durante a execução do reforço realizado por estacas raiz e tipo Mega. O trabalho apresenta uma análise dos recalques medidos ao longo do reforço, com ênfase à compreensão dos recalques que ocorreram durante o processo de reforço com estacas tipo Mega. A tendência geral de comportamento observada na cravação das estacas tipo Mega foi a seguinte: durante a cravação dos primeiros segmentos ocorreram recalques nos pilares, apesar da redução de carga nas sapatas, e a partir do quarto segmento ocorreram levantamentos durante a cravação. Estes recalques podem ser explicados pela hipótese de que existem dois fatores contrários interferindo no recalque da sapata. Se por um lado, o alívio de carga isoladamente provoca uma tendência de levantamento da sapata, por outro lado é necessário considerar que as estacas estão sendo cravadas através do solo que sustenta as sapatas. O deslocamento das estacas tende a deformar este solo, inclusive causando sua plastificação. Estas deformações do solo subjacente provocam recalques nas sapatas. PALAVRAS-CHAVE: Fundações, Recalques, Estacas tipo Mega. 1 INTRODUÇÃO Após a inauguração do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, apenas uma parte do prédio (denominada de Ala Norte) foi ocupada. Devido à falta de manutenção, após pouco mais de três décadas da inauguração, dois pilares da área não utilizada (especificadamente no bloco AIII) romperam. Esse fato motivou uma série de discussões acerca da melhor medida a ser tomada em relação àquela área, tendo-se decidido pela implosão. Um esquema mostrando a área comprometida, que atingia até parte do bloco AIII, é apresentado na figura 1. Figura 1: Planta esquemática do Hospital (área demolida com hachura) As fundações da área remanescente do bloco AIII, constituídas por sapatas asssentes em solo residual, apresentaram recalques significativos significativ depois da implosão e precisaram ser reforçadas. Apresenta-se, se, na figura 2, um esquema com os pilares remanescentes do bloco AIII, já que parte do bloco foi demolida (a implosão não foi feita na junta entre os blocos). observadoss recalques significativos durante sua execução. A UFRJ nomeou uma comissão de professores especialistas em fundações para atuar no problema, tendo sido feita uma tentativa de reduzir os acréscimos de recalques, e a solução original foi modificada. UtilizaramUtili se oito estacas raiz de 310 mm, cada estaca com carga de trabalho de 750 kN. Além disso, nessas estacas utilizou-se se ar comprimido, ao invés de água. Dois pilares (P323 e P305) foram reforçados dessa forma, mas não se observou diminuição da velocidade dos recalques. A alternativa de reforço foi então alterada para estacas tipo Mega. 2.2 Figura 2: Pilares remanescentes do bloco loco AIII Foram utilizados dois tipos de estaca como reforço: estacas Raiz e estacas tipo Mega. 2 METODOLOGIA As fundações originais do prédio são sapatas octogonais de lados variando entre 1,14 m, 1,40 m e 1,48 m, assentes a 1,00 m ou 1,2 m de profundidade, em solo residual areno-argiloso. areno Após ser considerado necessário o reforço das fundações, uma empresa foi contratada pela UFRJ, a qual optou pelo reforço em estacas tipo raiz. Foi instalado um sistema de monitoramento dos recalques, tendo-se tendo verificado um aumento significativo da velocidade de dos recalques. Decidiu-se, Decidiu então, a substituição das estacas tipo raiz por estacas mega metálicas. 2.1 staca tipo Mega Execução da estaca O projeto para o reforço em estacas tipo Mega consiste no emprego de duas estacas por pilar, perfis WP-200-53, 53, com uma carga de cravação de 900 kN cada uma e carga de incorporação de 600 kN. Para execução do reforço, eram inicialmente executados dois furos na sapata existente de diâmetro de 12 polegadas adas (30,4 cm), usando o equipamento de execução da estaca raiz com coroa diamantada. Além disso, era construído no pilar um console contra o qual o macaco hidráulico iria reagir. O console foi projetado para suportar uma carga de trabalho de 1.000 kN. Um esquema do projeto de reforço é apresentado na figura 3. Execução da estaca raiz Inicialmente, o reforço – projetado e executado pela empresa contratada pela UFRJ – consistia em seis estacas tipo raiz paraa cada pilar, sendo cada estaca com diâmetro nominal de 410 mm, comprimento de 16 m e carga de trabalho de 1.000 kN. O bloco de coroamento das estacas envolvia a sapata existente. Dois pilares (P332 e P314) foram reforçados dessa forma, mas foram Figura 3:: Projeto do Reforço com Estaca tipo Mega – vista superior O processo executivo consistia na cravação estática dos perfis metálicos através dos furos na sapata. Os dois perfis eram cravados ao mesmo tempo para evitar momento no pilar. O primeiro elemento cravado tinha 3,0 m de comprimento (altura livre acrescida da altura da sapata, aproximadamente), enquanto os demais tinham 1,5 m (altura livre aproximada). Como o curso do macaco era de apenas 17 cm, era necessário interromper a cravação no momento que o curso atingisse seu máximo, recolher o pistão do macaco, colocar apoios entre o macaco e o perfil metálico e retomar a cravação. Cada elemento era soldado no elemento inferior com auxílio de talas. Os perfis eram submetidos a uma carga de até 900 kN para a cravação. Quando não era mais observada a movimentação do pistão, a carga de 900 kN era mantida por cerca de 15 minutos para confirmar a ausência de movimento. Então, iniciava-se a fase de encunhamento. Sobre o perfil, era posicionada uma viga metálica e, sobre a viga, as cunhas e o macaco. O encunhamento era feito com uma carga de 600 kN (fator de segurança de 1,5 em relação à carga de cravação), colocando-se as cunhas sob pressão. Então, o macaco era retirado e as cunhas soldadas uma nas outras e no perfil. Por fim, os furos eram grauteados para recomposição da sapata e consolidação da estaca tipo Mega. 2.3 Tabela 1: Cargas nos Pilares, valores obtidos por JC FILIZOLA ENGENHARIA (2012) Pilar Carga (kN) 306 5.612 315 6.660 324 6.779 Os recalques foram medidos através de nivelamento topográfico de alta precisão. Foi instalado um pino metálico por pilar em todos os pilares do bloco AIII no nível do subsolo. A referência de nível utilizada foi um benchmark instalado a 14,2 m de profundidade. As estações foram cuidadosamente posicionadas, de modo a favorecer as leituras diretas e visadas curtas. Foram realizadas leituras diárias de recalques nos pilares durante a execução do reforço. Além das leituras diárias, foram feitas, em três pilares (P306, P315 e P324), leituras adicionais no início e no final da cravação de cada segmento de estaca tipo Mega de 1,5 m. As medidas foram realizadas em situações de carga máxima aplicada nos macacos (anteriormente à etapa de solda) e logo após a retirada do macaco para realizar-se a solda. Também foram anotados os valores dessa carga máxima no macaco. Com a estimativa de carga na sapata, já apresentada na tabela 1, pode-se estimar a carga na sapata em cada estágio, pela subtração de duas vezes a carga obtida no macaco hidráulico (de vez que as duas estacas são cravadas simultaneamente). Carga e Recalque De vez que não se conseguiu obter as cargas do projeto original, as cargas atuantes nos pilares foram estimadas a partir de uma modelagem espacial no programa ROBOT, considerando-se peso próprio, carga de revestimento de 1,50 kN/m2, carga de alvenaria distribuída de 1,00 kN/m2 e carga variável de 3,00 kN/m2, que foi reduzida a partir do 4º piso abaixo da cobertura conforme a norma NBR 6120/80, obtendo-se uma carga média por andar de 2 kN / m². Esses valores, mostrados na tabela 1, serviram como referência para as variações de carga durante o processo de reforço. 3 RESULTADOS 3.1 Recalques durante o reforço com estaca raiz A tabela 2 apresenta os recalques observados em cada etapa da execução da estaca raiz. A primeira coluna corresponde aos recalques ocorridos antes da execução do reforço, a segunda coluna corresponde ao recalque ocorrido durante a execução das estacas raiz, a terceira coluna corresponde ao recalque observado durante a execução do bloco de coroamento, a quarta coluna corresponde ao recalque observado nos cinco meses seguintes à execução do reforço e a última coluna corresponde ao recalque total observado (soma das colunas anteriores). Não foi medido o recalque do pilar P332 antes do reforço e durante a execução das estacas raiz. Tabela 2: Resumo dos Recalques nos pilares P332, P314, P323 e P305 Recalques (mm) Total 5 Pilar Antes Estacas Bloco meses depois P332 3 9 12 P314 0 5 2,5 6,5 14 P323 4 3 3 4 14 P305 7,6 4,3 2,6 3 17,5 Observa-se que os pilares apresentaram recalques significativos (de 3 a 5 mm) durante a execução das estacas. Esses recalques podem ser devidos à descompressão do solo causada pela execução das estacas raiz. Em todos os pilares, houve incrementos de recalques significativos durante a execução do bloco de coroamento. O período de tempo entre a finalização das estacas e a concretagem do bloco varia muito de pilar para pilar. Durante esse tempo, as estacas ainda não estariam sob carga, já que ainda não teriam sido incorporadas à estrutura. Então, o tempo seria o fator preponderante para determinar o recalque nessa fase, já que as fundações ainda não estariam reforçadas. Além disso, observaram-se incrementos de recalques mesmo depois do pilar estar reforçado, chegando a cerca de 1,5 cm de recalque. Esse efeito ocorre devido à necessidade da estaca raiz deslocar-se para mobilizar sua resistência. O primeiro ciclo começa com a carga de 6779 kN e recalque nulo (referência). À medida que as estacas são cravadas, a carga na sapata diminui até 5841 kN. Percebe-se que, apesar do descarregamento da sapata, mediu-se um recalque no pilar de 0,4 mm. Ainda neste primeiro ciclo, ao aliviar a carga no macaco (devolvendo toda a carga para a sapata), observa-se que houve um levantamento da fundação de 0,1 mm. De modo semelhante, o gráfico mostra que, a despeito da redução de carga na sapata, nas primeiras três operações de cravação ocorreram recalques. Entretanto, a partir do quarto ciclo, os alívios de carga estão associados a levantamentos da fundação. Da mesma forma, nos dois primeiros ciclos de recarregamento da sapata (associados ao alívio de carga no macaco), foram observados levantamentos. A partir do terceiro ciclo de recarregamento da sapata, a tendência se inverte, observando-se recalques. 3.2 Recalques durante o reforço com estaca tipo Mega Ao executar o reforço com estacas tipo Mega, observou-se que ocorreram recalques durante a cravação destas. Porém, depois de incorporada a carga, não foram detectadas movimentações no pilar. Para se entender melhor o processo, nos pilares P324, P315 e P306 foram medidos os recalques durante a cravação das estacas tipo Mega. A Figura 4 apresenta as curvas carga na sapata vs. recalque no pilar P324. O gráfico apresenta sete ciclos de redução e acréscimo de carga. Figura 4: Gráfico de Carga na Sapata x Recalque do P324 A Figura 5 apresenta as curvas carga na sapata vs. recalque no pilar P315. O gráfico apresenta cinco ciclos de redução e acréscimo de carga. A cravação nessa estaca foi feita em três dias. No primeiro dia, a cravação foi interrompida logo depois de executada a segunda solda. Nas duas primeiras operações de cravação, percebe-se que, a despeito da redução de carga na sapata, ocorreram recalques. Além disso, observa-se que, durante esses dois primeiros ciclos, o recarregamento da sapata (associado ao alívio de carga no macaco) causou recuperação total dos recalques sofridos (levantamentos). Então, depois da segunda operação de alívio de carga do macaco, a operação foi interrompida (em torno das 20 h) e retornada no dia seguinte (em torno das 09 h). A leitura do dia seguinte, ainda sem carga no macaco, acusou um recalque de 0,7 mm. A partir da terceira operação de cravação (realizada no segundo dia de cravação), os alívios de carga na sapata foram associados a levantamentos da fundação. E a partir da terceira operação de recarregamento da sapata (ou seja, alívio de carga no macaco), observaram-se recalques. Nesse caso, a tendência foi invertida no terceiro ciclo de carregamento. O último ciclo de carregamento e descarregamento (ciclo 5) foi executado no terceiro dia. Porém, a leitura (sem carga no macaco) não apresentou alterações entre o segundo dia e o terceiro dia. A Figura 6 apresenta as curvas carga na sapata vs. recalque no pilar P306. O gráfico apresenta seis ciclos de redução e acréscimo de carga. A cravação nessa estaca foi feita em dois dias. No primeiro dia, a cravação foi interrompida logo depois de executada a quarta solda. Nas duas primeiras operações de cravação, percebe-se que, a despeito da redução de carga na sapata, ocorreram recalques. A partir da terceira operação de cravação, os alívios de carga na sapata foram associados a levantamentos. Nesse caso, a tendência foi invertida no terceiro ciclo de carregamento. Figura 5: Gráfico de Carga na Sapata x Recalque no P315 Observa-se que o recarregamento da sapata (associado ao alívio de carga no macaco) está associado a recalques em todos os ciclos. Porém, nos dois primeiros ciclos, esses recalques são bem menores (0,1 mm) que os recalques a partir da terceira etapa de recarregamento (0,7 mm). Depois da quarta operação de alívio de carga do macaco, a operação foi interrompida (em torno das 22 h) e retomada no dia seguinte (em torno das 11 h). A leitura do dia seguinte, ainda sem carga no macaco, acusou um recalque de 0,4 mm. O quinto e sexto ciclos apresentaram a mesma tendência observada a partir do terceiro ciclo: alívios de carga na sapata associados a levantamentos e recarregamentos associados a recalques. Figura 7: Esquema idealizado da cravação das estacas tipo Mega do HUCFF Figura 6: Gráfico de Carga na Sapata x Recalque no P306 A tendência geral de comportamento observada na cravação foi a seguinte: - Durante a cravação dos primeiros segmentos ocorreram recalques nos pilares, apesar da redução de carga nas sapatas. - A partir de determinado segmento (terceiro ou quarto) ocorreram levantamentos durante a cravação. Este comportamento pode ser explicado pela hipótese de que existem dois fatores contrários interferindo no recalque da sapata. Isoladamente, o alívio de carga provoca uma tendência de levantamento da sapata. Entretanto, é preciso considerar que as estacas estão sendo cravadas através do solo que sustenta as sapatas. Esta cravação tende a provocar recalques neste solo, devido ao acréscimo de tensões geradas pelas estacas, inclusive localmente causando sua plastificação. Um esquema idealizado deste fator é mostrado na figura 7. À medida que a cravação avança, o solo vizinho do fuste das estacas plastifica-se e a interface solo-estaca é rompida. A cada ciclo as deformações mais superficiais do solo adjacente à estaca, associadas à cravação, tornam-se menores que no ciclo anterior, reduzindo significativamente o efeito deste processo nos recalques da sapata. Após alguns ciclos, o efeito predominante durante o descarregamento da sapata passa a ser a descompressão do solo, ocasionando levantamentos. Já quando se retira os macacos, para permitir a solda de novos segmentos de estaca tipo Mega, todo o carregamento é devolvido à sapata. Este recarregamento provoca um recalque adicional nas sapatas. Entretanto, durante o início do processo (primeiro e segundo ciclos), observaram-se pequenos levantamentos em duas sapatas (P324 e P315). No caso do P315, ela recupera o recalque sofrido, voltando para o seu ponto inicial (nos dois primeiros ciclos). Este fenômeno pode ser ocasionado pela recuperação da parcela elástica das deformações sofridas pelo solo adjacente ao fuste das estacas tipo Mega, durante a cravação das mesmas, conforme já explicado. À medida que a cravação avança para maiores profundidades, este efeito é sobrepujado pelas deformações associadas ao recarregamento das sapatas, ocasionando recalques. Além disso, observa-se que os recalques durante a execução das estacas tipo Mega são milimétricos, oscilando entre 0,5 e 2,0 mm. Estes recalques foram inferiores aos que foram observados na execução da estaca raiz, centimétricos. 4 CONCLUSÕES De acordo com os recalques medidos, pôde-se observar que as sapatas reforçadas com estacas raiz apresentaram recalques consideráveis durante a execução das mesmas, indicando que o próprio reforço induziu alguns recalques durante a sua execução. Presume-se que a causa destes recalques foi o desconfinamento causado pela escavação das estacas. Além disso, os recalques medidos após a execução do reforço indicam a necessidade da estaca raiz recalcar para absorver carga. Por outro lado, os recalques observados durante a cravação das estacas tipo Mega puderam ser explicados pela hipótese de que existem dois fatores contrários interferindo no comportamento da sapata. O primeiro fator deve-se à ciclagem de carga na sapata: durante a cravação, alivia-se carga na sapata, tendendo a provocar levantamentos e, ao interromper a cravação, devolve-se o carregamento original à sapata, tendendo a provocar recalques. O segundo fator seriam as deformações geradas pela cravação das estacas no solo sob as sapatas, tendendo a provocar recalques durante a cravação. Observou-se que, no início do processo, o segundo fator é preponderante, ocorrendo, durante a cravação, recalques nos pilares apesar do alívio de carga nas sapatas. A partir do terceiro ou quarto ciclo de carga e descarga, o primeiro fator passa a preponderar, observandose levantamentos durante a cravação dos perfis (redução da carga nas sapatas) e recalques quando se devolve a carga as sapatas. Ao final do processo de reforço com estacas tipo Mega, observaram-se recalques nas sapatas da ordem de 0,5 a 2 mm, menores que os observados nas sapatas reforçadas com estacas raiz. REFERÊNCIAS JC FILIZOLA ENGENHARIA. Relatório do Estudo de Estabilidade do HUCFF. Rio de Janeiro, 2012.