Uma TV Comum a serviço do público
Profa. Regina Mota – Labmídia - UFMG1
No início dos anos 1990, a menção à televisão pública era algo quase incompreensível.
A Rádio e Televisão de serviço público da BBC (British Broadcast Corporation) de
Londres era o mais aclamado modelo de televisão, que alternava a exploração privada
mas não parecia ter reflexos possíveis na realidade do Brasil. Na década de 1980,
durante o processo constituinte, o tema ganhou espaço até constituir-se na lei máxima,
no único parágrafo em toda a constituição, em que o sistema público se distingue dos
sistemas estatal e do privado2. A matéria deveria ter sido regulamentada o que ocorreu
parcialmente com a criação da EBC – Empresa Brasileira de Comunicação3, em 2008,
ou seja, 20 anos depois.
A TV Cultura, da Fundação Padre Anchieta, era o que mais se assemelhava ao modelo
da BBC já que sua figura jurídica (Fundação de Direito Privado) garantia a existência
de um conselho de curadores com autonomia para eleger o seu presidente o que, dentro
de uma tradição de televisões estatais, era e é altamente vantajoso. A verdadeira
independência de qualquer emissora é a econômica, e o estado provedor retira o seu
apoio quando lhe convém como aconteceu nas inúmeras crises vividas pela emissora, a
despeito da independência do seu conselho curador.
Portanto, um aspecto político e pragmático da televisão pública no Brasil diz respeito a
quem manda e a quem paga a conta, porque isso delimita o grau de autonomia, bem
como o direcionamento do seu serviço público para o bem comum.
No Direito Administrativo Brasileiro (MOTA, 1993), está caracterizado como de
utilidade pública os serviços que atendem prioritariamente aos interesses públicos.
1
Professora e pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Comunicação Social da FAFICH/UFMG.
Esse artigo faz parte da pesquisa “Novos Formatos para mídias digitais e mídias móveis”, financiada pelo
CNPq e FAPEMIG e foi apresentado em conferência proferida na inauguração da TVUFG, em 26 de
novembro de 2009, na Universidade Federal de Goiás.
2
Art. 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o
serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos
sistemas privado, público e estatal. (grifo meu) BRASIL, 1988.
3
A Empresa Brasileira de Comunicações foi criada para suprir uma lacuna no sistema brasileiro de
radiodifusão com o objetivo de implantar e gerir os canais públicos, aqueles que, por sua independência
editorial, distinguem-se dos canais estatais ou governamentais pela lei 11652, em 07/04/2008.
Difícil mesmo é saber quais são esses interesses que não poderiam facilmente ser
aferidos numa pesquisa de opinião.
Dada a complexidade do problema e a falta de uma cultura pública compartilhada,
talvez seja preciso repensar o conceito de público no contexto atual da televisão
brasileira, já que na prática da auto-referida televisão pública no país, não há evidencias
que possam indicar claramente o significado da palavra.
Segundo o jornalista Washington Novaes (1988:93-94), a comunicação pública poderia
se inspirar em:
...alguns pressupostos nos quais se baseia a maior parte das culturas
indígenas. O primeiro é a propriedade coletiva da terra – ninguém é
dono, especificamente, de um pedaço. O segundo é a questão do poder
– o chefe não tem poder; ele representa a tradição, a cultura, a
experiência daquele povo, mas não tem poder, não pode dar ordens;
ele é respeitado exatamente pela sua experiência, pelo seu
conhecimento e vivência daquela cultura. O terceiro é a igualdade nas
oportunidades de acesso à informação ... que é aberta e livre, o que um
sabe todos podem saber.
A sua visão do problema sugere que o modelo comunal indígena, ao contrário de ser
primitivo, é mais avançado do que o da tão propalada e pouco questionada democracia
grega - uma sociedade escravocrata e patriarcal, que reservava a atuação na esfera
pública apenas aos homens livres.
A questão do bem comum, que fundamentava a esfera pública grega, no entando, pode
ser pensada à luz dos valores ancestrais da sociedade matriarcal Tupi, da qual somos
herdeiros, e em que todas as coisas, incluindo o poder e o conhecimento, pertenciam a
todos os membros da tribo, sem qualquer escala hierárquica, de mando, assujeitamento
ou de propriedade. É bom lembrar, que para os nossos índios, era impensável colocar
outros indivíduos a seu serviço, para que uns poucos pudessem exercer privilégios.
“Uma democracia Greco-tupi”, como reivindicava o cineasta Glauber Rocha (MOTA,
2001), reivindica na TV o espaço de excelência e de visibilidade. A excelência diz
respeito ao que tem relevância para o bem comum e a visibilidade contém o sentido
embutido de justiça. Segundo Norberto Bobbio, quem contribuiu definitivamente para
esclarecer o nexo entre opinião pública e caráter público foi Kant - o ponto de partida do
discurso sobre a necessidade da visibilidade do poder. "Kant considera "conceito
transcendental do direito público" o seguinte princípio: “Todas as ações relativas ao
direito de outros homens, cuja máxima não é suscetível de se tornar pública, são
injustas.” (BOBBIO,1984:90)
Dentro do campo da televisão pública brasileira, os canais dos poderes legislativo e
judiciário, para o bem e para o mal, cumprem essa função na medida em que permitem
ao cidadão acompanhar as ações que terão impacto na vida da sociedade. Mesmo que
sejam muitas vezes utilizadas como palanque ou para publicidade, as emissões têm a
potencialidade de prestar contas à sociedade, que pode assistir a como se constitui o
poder do estado.
Traduzindo o comum
Se a permanência e promoção do bem comum é a razão de ser do público pode se
depreender dele pelo menos 3 aspectos: comum é o que nos é próprio, apropriado e
apropriável.
Próprio é o que podemos compartilhar: a nossa visão de mundo, os nossos valores e o
nosso conhecimento. O cuidado com o acervo cultural e a acumulação simbólica, papel
que desempenha e resguarda o cacique do tribo.
Apropriado, é o que é relevante, com que nos identificamos, que permite o crescimento
e se transforma em alimento para garantir a mudança, o movimento e a transformação
contínua da vida. O diálogo com a tradição, nesse caso, no lugar de promover um
anacronismo permite que a memória seja atualizada. O que se adequa à realidade na
televisão se concretiza na presença dos problemas locais e regionais, nas marcas da
diferença materializada na diversidade de pessoas, de visões e de idéias nascidas da
experiência da lida cotidiana nas cidades e no campo; na pluralidade de expressões
culturais e artísticas, que não podem ser limitadas ao que a mídia reconhece e legitima.
Apropriável conota o sentido de patrimônio de que posso me servir porque pertence a
todos e é de responsabilidade de todos. É tudo aquilo que eu posso ter acesso, coproduzir, sugerindo pautas e programas, criticando e atuando a partir de instrumentos de
participação na televisão, como conselhos, comitês de telespectadores, ouvidorias etc.
Não há justificativa plausível para a inexistência desses instrumentos nas televisões,
incluindo as estatais, educativas e públicas. A grande maioria das emissoras que se
dizem públicas não opera os seus dispositivos descentralizadores, que acabam existindo
apenas para prestações de contas, sem função propositiva, avaliativa e muito menos
deliberativa.
Todos essas dimensões de comum colaboram para produzir uma identidade e a relação
de patrimônio que realiza a dimensão pública, no seu senso de ao mesmo tempo
pertencer e ser constituída por todos.
Por isso, no lugar de uma TV Pública, ou de uma cópia de algum modelo europeu,
podemos pensar numa TV Comum, que não apenas conote os sentidos aqui atribuídos,
mas que possa reverter o paradigma do verticalismo comunicacional característico do
sistema de radiodifusão no Brasil.
O modelo que ainda predomina em todas as emissoras, públicas ou não, é o de uma
comunicação de fonte única para os telespectadores, mesmo considerando o diferencial
de qualidade da programação ofertada hoje pelo chamado “campo público”. Em volta
de uma mesa ou de uma fogueira, a televisão assume a posição anti-hierárquica que ao
mesmo tempo separa e conecta a diversidade dos pontos de vista e garante ainda a
diferença do lugar do qual cada um olha, entende e expressa o mundo comum.
Na horizontal, a televisão pode alternar o ponto de vista único editorial por várias
perspectivas, resultado de múltiplas visões que vão assegurar o seu caráter comum.
Efetivamente, nenhuma das nossas ditas televisões públicas, culturais ou educativas
conseguiu transpor para a sua prática, refletida na programação, gestão e na relação com
o público, formas operacionais de incluir interesses como a possibilidade de
descentralizar a deliberação e os processos de produção.
Nos dados fornecidos pela ABEPEC4 em 2004, apenas a Fundação Padre Anchieta,
mantenedora da TV Cultura de São Paulo, a TVE do Rio de Janeiro e a Fundação
4
Associação Brasileira de Emissoras públicas, educativas e culturais. http://www.abepec.com.br/ Cultural Piratini, mantenedora da TVE de Porto Alegre, contava com conselho de
curadores efetivo e atuante como parte da sua gestão. Apesar de na ocasião, 42% das
educativas terem conselhos criados em lei. Apenas 15% tinham alguma experiência com
ouvidorias, mas não havia mecanismo de retorno aos telespectadores. Outras formas de
participação dos cidadãos, como emails e telefonemas, eram registrados e computados
mas não tinham destinação interna que pudesse retroalimentar os processos de produção
ou sugerir mudanças.
Gêneros do comum
Washington Novaes relata uma experiência no Diário da Manhã, vivida por ele em
Goiânia, na década de 80, em que o dono do jornal permitiu a criação de um conselho
de leitores integrado por 50 pessoas, todas convidadas e escolhidas pelo Conselho
Editorial. Eram representantes de partidos políticos, entidades da sociedade civil, de
sindicatos patronais e operários. Novaes classifica a experiência como extraordinária,
“porque mostrou, principalmente, que a sociedade pensa que um jornal deve ser
bastante diferente daquilo que nós, jornalistas, pensamos” (NOVAES, 1988) A
circulação do jornal quintuplicou e a experiência durou um ano e meio, apesar de bemsucedida. Esse parece ser um caso isolado no cenário da imprensa brasileira, pouco
preocupada com uma possível parceria com o público de cidadãos.
Em 2004, realizamos uma enquete com 20 entrevistados5, perguntando a eles o que
seria o interesse público na televisão brasileira do ponto de vista de sua área de atuação.
Os resultados sugeriram conceitos gerais que poderiam servir de princípios para uma
5
A enquete contou com a colaboração da bolsista de iniciação científica Renata Antunes. No período de setembro a novembro de 2002, foram feitas 15 entrevistas individuais com os seguintes profissionais: Carlos Ranulfo Melo e Vera Alice Cardoso, cientistas políticos e professores do Depto. de Ciências Políticas da UFMG; Elton Antunes, professor do Depto. de Comunicação Social da UFMG; Joaquim Antônio César Mota, coordenador e professor-­‐adjunto de Pediatria Clínica no HC/UFMG; Antônio Emílio de Araújo, professor do Depto. de Engenharia da UFMG e membro da Copeve; Geraldo Caldeira, psicanalista especializado em Psicologia Médica; Maria de Lourdes Gouveia, professora de Filosofia da PUC-­‐MG; Alfredo Gontijo, professor do Depto. CTIT/UFMG; José Ricardo de Oliveira, especialista em Clínica Médica e Bioética da PUC-­‐Minas e coordenador de residência médica do Hospital SEMPER; Ricardo Fenati, professor do Depto. de Filosofia da UFMG; Paulo Marguti, professor do Depto. de Filosofia da UFMG e coordenador do Grupo de Pesquisas sobre o Pensamento Filosófico no Brasil; Regina Helena Alves, professora de História da UFMG; Menelick de Carvalho, professor de Direito Constitucional da UFMG; Carlos Roberto Jamil Cury, filósofo; Nelson Vaz, professor do Departamento de Imunologia da UFMG. pauta pública e temas que pela sua importância poderiam ser privilegiados. O
surpreendente na análise desse levantamento é que os não especialistas têm opinião
formada sobre a necessidade da excelência e da visibilidade traduzida em temas e
conceitos que deveriam orientar a sua pauta e apontam para um reconhecimento da
potência latente da televisão, contemplada nos mais diversos aspectos da existência
humana, do enriquecimento do imaginário ao acesso do que se pode definir como
qualidade de vida. A primeira descoberta da pesquisa é que há muito mais interesse e
expectativa com relação à televisão do que imaginam os seus profissionais, especialistas
e teóricos e críticos.
A pesquisa mostrou também que não há dúvida de que um conceito de interesse público
numa sociedade complexa como a brasileira é algo de difícil tradução quando se trata do
bem comum. Uma primeira diferenciação é que interesse público e o interesse do
público podem não coincidir ou se chocar. Por isso, no lugar de prevalecer uma visão
normativa e delimitadora do que são esses interesses, valeria mais investir nas inúmeras
questões e em idéias que podem ser concretizadas na linguagem, nos conceitos e na
ampliação das formas de acesso a mídia eletrônica.
Para o filósofo Ricardo Fenatti, as preferências coletivas só se tornarão visíveis se
pudermos viver a experiência do público, compreendido como lugar de encontro. As
pessoas estão sequiosas por essa experiência porque há uma perda da dimensão pública
da existência, impossibilitando-as de conviver na cidade. O ser humano precisaria criar
novas formas para interpretar a sua existência, pois existe um enorme abismo entre as
necessidades simbólicas e os recursos simbólicos disponíveis para expressá-las.
A TV pública tem potencial para funcionar como uma tradutora
cultural, um instrumento que seria capaz de beber nos mananciais
mais ricos da cultura e distribuir esses bens culturais. Podemos
discutir na televisão assuntos que sirvam de estímulo para que as
pessoas conversem consigo mesmas”, argumenta.
Essa idéia é corroborada pelo músico e médico João Gabriel Marques, para quem a
televisão pública pode oferecer meios para que os telespectadores pensem, reflitam e
desenvolvam sua sensibilidade. Para ele, a qualidade de vida está intimamente
relacionada ao desenvolvimento da sensibilidade artística, porque a arte permite ampliar
o repertório de experiências e conhecimentos humanos. Em suas pesquisas e atividade
clínica, Marques observa que mais de 50% dos problemas de saúde estão relacionados
ao modo de vida das pessoas. Por isso, ele acredita que tudo o que for feito para
melhorar a qualidade de vida terá impacto direto na saúde das pessoas.
Segundo Marques, “nós vivemos uma realidade televisiva que é o avesso radical de
tudo isso. As imagens grotescas produzidas pela TV são excrementos da consciência, o
que só pode contribuir para a sua degeneração.” A arte, na opinião do também
professor, é um desafio porque faz pensar, “mas é preciso liberar e não dominar a
sensibilidade do telespectador, sujeitando-o às banalidades dos melodramas, programas
de auditório e exploração da vida privada”.
O instrumento para ampliar essa sensibilidade seria a produção de memória, na visão da
filósofa Maria de Lourdes Gouveia. A cidade deveria ser privilegiada no sentido de
preservar suas memórias no espaço público. Gouveia defende a necessidade de se
construir um olhar penetrante, que procure o invisível do visível para produzir um
diálogo reflexivo:
O que vejo como possível é fundamentar o arbítrio no diálogo reflexivo e
significativo, articulado às demandas públicas. Isso me lembra uma querela entre
Lênin e Rosa de Luxemburgo. Lênin propunha ações em nome dos operários e
Rosa perguntava: o que você sabe deles? Todo serviço público é transversalmente
situado nesta questão: você nunca pode ter certeza de que uma demanda é real ou
de qual é o público que estamos tratando.
Assumir esse limite é também tarefa de uma pauta pública na qual fique explícito não
apenas o que se sabe como também aquilo que não se sabe. É por isso que o cientista
Carlos Ranulfo de Melo acredita que essa pauta deve estar a serviço do aprimoramento
da democracia. Para ele, a televisão poderia desenvolver abordagens e estratégias que
permitissem ao telespectador se colocar no lugar do cidadão.
Se você pensa em democracia, em ter uma vida democrática, alguns valores são
importantes: prezar a igualdade e a liberdade e, principalmente, prezar o outro, a
afirmação do outro. E o outro não é o meu parente ou vizinho; o outro é aquele que
eu não conheço e que, do ponto de vista do Direito, é igual a mim. Isso é crucial
para o desenvolvimento da democracia,
lembra Melo. Como espaço privilegiado de formação de opinião, a tevê poderia ter a
missão de promover uma cultura cívica, hoje inexistente no país. Segundo o professor,
não há um fundamento empírico que justifique o grau de desconfiança generalizada do
brasileiro em relação a tudo e a todos, a não ser em razão dos constantes escândalos
veiculados e promovidos pela mídia. Diante de tão freqüentes denúncias, fica difícil
reconhecer qualquer esforço construtivo dessa cultura, que deveria gradualmente ocupar
o lugar da corrupção, do abuso de poder ou das constantes evidências de apropriação
privada do Estado.
Para o filósofo Carlos Roberto Jamil Cury, a TV Pública envolve a dialética entre
Estado e sociedade, sendo esta última reconhecida como sujeito e não como mero
recipiente. O mesmo considera Menelick de Carvalho, especialista em Direito
Constitucional, acrescentando que a televisão pública pode ser um canal para que as
pessoas se sintam co-autoras das normas que regem a própria vida e possam formar uma
opinião pública sobre seus direitos.
No nosso processo histórico – ele afirma – continuamos com práticas
autoritárias. O Congresso não legisla porque as pessoas não votam
pensando nisso; elas querem o asfalto da rua onde moram e uma
botina nova. A TV é um espaço da democracia, um espaço onde se faz
a discussão sobre as diferenças. A agenda desta TV deve ser formada
com a participação da sociedade e da cidadania, com uma pauta que
mobilize efetivamente as pessoas.
Pensamento brasileiro
O filósofo e professor Paulo Marguti propõe para a pauta pública um desafio que possa
trazer à tona as potencialidades do pensamento filosófico no Brasil, hoje pouco
estudado e valorizado. Coordenador de um grupo de estudos sobre o tema, Margutti
vem estudando como o brasileiro se vê.
Existe um preconceito no país de que o brasileiro não tem cabeça filosófica,
portanto não merece ser estudado. A história intelectual do Brasil é desinteressante
por esse motivo. Para reverter essa tendência, as pessoas devem ser estimuladas a
estudar os acontecimentos, as manifestações intelectuais e os diversos pensamentos
desenvolvidos no país. Isso pode promover uma transformação nas pessoas, pois
permite que elas descubram algo de interessante ao olhar para dentro de si mesmas,
ao olhar para a cultura brasileira.
Na visão de Margutti, o brasileiro tem uma atitude perante a vida que o leva a acreditar
mais na ação que no sistema. Isso se daria em três domínios completamente originais,
que estão à margem da filosofia tradicional e que nós ignoramos.
O brasileiro é cético porque vive numa sociedade na qual não acredita. Ele não faz
filosofia porque pensa não ser capaz, quando na verdade ele não faz porque é
cético. A nossa situação cultural faz com aceitemos fazer as coisas de um jeito,
embora tenhamos complexo por fazê-las assim. Não gostamos do nosso jeito de
fazer e por isso não observamos. Mas, se começarmos a olhar, descobriremos que
há coisas interessantes no nosso jeito brasileiro. E a TV pública é um espaço para
essas descobertas.
Ricardo Fenatti sugere ainda que se dê um novo tratamento aos temas para buscar uma
proximidade. Segundo ele, entre a TV e o público deve ser evitado o distanciamento,
pois ele é o contrário da razão pública. Esse ideal deve ser discutido com a sociedade e
deve ter uma dimensão avaliativa, de construção e de utopia.
É um ideal que projetamos e ao qual temos que nos ajustar. Devemos
nos perguntar o que diz respeito ao público como um todo. Ao discutir
Machado de Assis, por exemplo, é preciso dizer o que existe nele e
que está presente em todos nós e como a compreensão de sua obra
pode ajudar a compreender a nós mesmos.
Interesse Público – a série
O resultado da pesquisa foi a criação de uma série para TV intitulada Interesse Público
cujas pautas foram elaboradas a partir da seleção de algumas entrevistas. Inicialmente, o
projeto era parte de colaboração na Editoria de Qualidade da Rede Minas, que investia
na qualificação de um Jornalismo Público e seria desenvolvido por uma equipe mista de
profissionais e estudantes. A idéia era criar um laboratório de matérias especiais na
emissora, na busca de novas metodologias de produção jornalística, reformulação da
pauta e equipe, mais próximas do documentário. Isso acabou não ocorrendo pela
resistência da direção de jornalismo da emissora, o que limitou a realização apenas à
universidade e ao Laboratório de Mídia Eletrônica – Labmídia da UFMG.
O processo de produção contou inicialmente com seminários para estudo dos temas a
partir dos quais foram elaborados roteiros, pesquisa de imagens, locações e escolha de
personagens que pudessem não apenas dizer o que estava na pauta, mas trazer o
desconhecido tanto para a equipe como para os telespectadores.
Foram realizadas 5 matérias especiais sobre os temas da confiabilidade, saúde pública,
espaço público, poder legislativo e comunicação pública. Além da especialização no
tema, em cada uma houve a tentativa de se experimentar formatos e tratamento de
linguagem com outras referências estéticas que pudessem apontar caminhos para as
narrativas televisuais, no campo do telejornalismo.
Os vídeos, com duração de cinco minutos, podem ser visualizadas e criticados no
youtube, no link:
Referências bibliográficas
BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia. Uma defesa das regras do jogo. Rio de
janeiro, Paz e Terra, 1984.
BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988.
MOTA, Regina. Televisão Pública. A democracia no ar. Dissertação de mestrado,
FAE/UFMG, 1992.
______________ . A Épica Eletrônica de Glauber – um estudo sobre cinema e tv. Belo
Horizonte, Editora UFMG, 2001.
NOVAES, Washington. Ética e Informação. in: ALMEIDA, Cândido et alli. TV ao
Vivo. São Paulo, Brasiliense, 1988.
RINCÓN, Omar (org.) Televisão Pública. Do consumidor ao cidadão. São Paulo, FES,
2002.
Download

Uma TV Comum a serviço do público Profa. Regina Mota