Apelação Cível n. 2010.075969-2, de São Lourenço do Oeste Relator: Des. Subst. Paulo Ricardo Bruschi APELAÇÃO CÍVEL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. MANOBRA DA VÍTIMA SEM A DILIGÊNCIA NECESSÁRIA. INVASÃO DE VIA PREFERENCIAL. CULPA EXCLUSIVA EVIDENCIADA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2010.075969-2, da comarca de São Lourenço do Oeste (Vara Única), em que são apelantes e apelados Edite Lurdes Fedrigo Machado e outros e HDI Seguros S/A e outro: A Câmara Especial Regional de Chapecó decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais. Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos, Srs. Des. José Volpato de Souza - Presidente e Des. Subst. Eduardo Mattos Gallo Junior, revisor. Chapecó, 12 de novembro de 2012. Paulo Ricardo Bruschi RELATOR RELATÓRIO Edite Lurdes Fedrigo Machado, Tais Machado, Ruthi Machado, Edina Maria Machado e Jheylly Machado, qualificadas nos autos, inconformadas com a decisão proferida, interpuseram Recurso de Apelação (fls. 339-341), objetivando a reforma da respeitável sentença prolatada pelo MM. Juiz da Vara Única, da comarca de São Lourenço do Oeste, na ação indenizatória por perdas e danos materiais e morais, por elas ajuizada, a qual julgou improcedentes os pedidos formulados na exordial e, por conseqüência, condenou-as ao pagamento das custas e honorários advocatícios. Na inicial (fls. 02-09), as autoras postularam indenização por danos morais e materiais (gastos com hospital, traslados, funeral e perda total do veículo fusca), mais o pagamento de pensão mensal e vitalícia de dois salários mínimos, pela perda do ex-marido e patriarca. Justificaram o pedido fundamentando-o no argumento de que a vítima teve seu veículo colidido pelo ônibus da empresa ré, que vinha em alta velocidade, no sentido Pato Branco/Vitorino, cujo sinistro culminou não só na morte do Sr. Waldemar, como também na de duas caroneiras que o acompanhavam. Mencionaram igualmente que o motorista dirigia de forma imprudente, pois tinha toda a sua pista à direita para passar e desviar do veículo do ex-marido e pai das autoras. Regularmente citada, veio a empresa ré aos autos e, contestando o feito (fls.34-57), em preliminar, denunciou à lide a seguradora HDI Seguros S/A. No mérito, asseverou que o acidente ocorreu por culpa exclusiva da vítima, a qual saiu de uma via secundária com os faróis apagados, adentrando na via principal repentinamente e interceptando a trajetória do ônibus. Na réplica (fls. 77-78), as autoras rebateram as assertivas da ré e repisaram os argumentos da exordial. Deferida a intervenção do terceiro na lide (fl. 80), HDI Seguros, esta confirmou a tese de que o acidente decorreu por culpa exclusiva da vítima (fls. 84-110). Frustrada a tentativa de conciliação, seguiu-se a audiência de instrução e julgamento, onde foram ouvidas as partes e as testemunhas arroladas, apresentando os contendores suas razões finais. Julgando o feito, o digno magistrado a quo prestou a jurisdição, julgando improcedentes os pedidos formulados na exordial, sob o fundamento de que o sinistro ocorreu por culpa exclusiva da vítima. A denunciação da lide, por sua vez, foi julgada extinta (fls. 323-336). Irresignadas com a prestação jurisdicional efetuada, as autoras tempestivamente apresentaram recurso a este Colegiado. Em sua apelação (fls. 339-341), reafirmaram os argumentos da exordial, pugnando pela condenação da empresa ré. Contra-arrazoado o recurso (fls. 345-350 e 351-373), os apelados aplaudiram os fundamentos da sentença. Contados e preparados tempestivamente, ascenderam os autos a esta Gabinete Des. Subst. Paulo Ricardo Bruschi Corte. Este o Relatório. VOTO Objetivam as autoras, em sede de apelação, a reforma da sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados na inicial, resolvendo o mérito do processo, na forma do art. 269, I, do CPC, extinta, sem solução de mérito, a denunciação da lide, ante a perda do seu objeto. Fundamentam a reforma do decisum no argumento de que a culpa pelo sinistro foi do preposto da empresa ré, cuja culpa, segundo alegam, restou demonstrada no croqui, o qual evidencia "que o fusca da vítima foi colhido em uma faixa de segurança intermediária na pista, onde o ônibus jamais poderia ter invadido" (fl. 340). Afirmam, ainda, inexistirem provas de que o fusca estivesse com os faróis apagados, ou que o condutor estivesse embriagado, razão pela qual o recurso merece provimento. Razão, entretanto, não lhes assiste. Em situações como a em apreço, sabe-se que a responsabilidade atribuída ao motorista da empresa de ônibus não é a objetiva (art. 37, § 6º, da Constituição Republicana), vez que não decorrente da prestação de um serviço público, mas sim decorrente da culpa aquiliana, como bem asseverou o digno magistrado a quo. Ou seja, não foi decorrente da boa ou má prestação do serviço, mas sim decorrente de um acidente de trânsito. Na hipótese em voga, colhe-se que o acidente ocorreu no dia 18.09.2005, por volta das 2 horas, na Rodovia PRT 158, KM 532 + 150m, no Município de Pato Branco, momento em que havia neblina e a via estava sem iluminação (fls. 19-20). Alegam as apelantes que o veículo da vítima foi abalroado pelo ônibus da empresa ré sobre a faixa de segurança intermediária existente no trecho. Primeiramente, como bem salientou o digno prolator do decisum guerreado, a aludida faixa jamais pode ser tida como de segurança. Aliás, asseverou que "... importa ressaltar que a sinalização horizontal indicada na fotografia de fl. 23 não constitui de forma alguma 'faixa de segurança ou local onde os veículos provindos do acostamento possam parar e aguardar a passagem de outros', tal qual tentam fazer crer as autoras. Com efeito, tal sinalização se destina a indicar o término da terceira faixa que existe na extensão que precede aquele ponto. O trânsito e parada de veículos é ali indevido e, quando muito, a área pode ser utilizada para escape de veículos que estejam transitando sobre a via". (fl. 329). Aduza-se, ainda, que a conclusão a que chegou foi a de que "... os autos não encerram nenhuma prova de que o veículo Fusca estava parado sobre aquele ponto aguardando a passagem de outro suposto veículo. O levantamento efetuado pelos agentes estatais não indica essa circunstância e nenhuma das testemunhas inquiridas a corrobora. Gabinete Des. Subst. Paulo Ricardo Bruschi Ao contrário, as provas coligidas indicam que a colisão somente ocorreu sobre a faixa que divide as pistas em razão de que o condutor do ônibus, no afã de evitar a colisão com o Fusca que adentrou de inopino na via, o (sic) desviou o coletivo à esquerda, conforme relato dele próprio ". (idem). Assim, inexiste prova dando conta de que o veículo da vítima estaria parado na mencionada faixa de rolamento no momento da colisão e, ainda que ali estivesse, como bem salientado na sentença, estaria em local indevido, haja vista referida faixa não se destinar a parada de veículos. Alie-se, igualmente, que, se realmente olhou para os dois lados e não viu ninguém, como asseverado na exordial, ainda que o digno magistrado, na sentença, tenha mencionado ser difícil a dedução da fonte, já que tanto a vítima, como as acompanhantes faleceram no local, e a testemunha que teria presenciado nada soube informar, realmente pouco crível a afirmação, porquanto, tivesse efetivamente olhado para os lados, não teria que parar no centro da pista para dar passagem a veículo provindo de Vitorino em direção a Pato Branco. Da mesma forma, teria visto a aproximação do coletivo, a menos que este proviesse numa velocidade extraordinária, eis que os metros que percorreu, após supostamente olhar para os lados, conforme afirmado, observando a foto do local, foi mínimo até o local do ponto de impatco e que, se não fosse uma estrondosa velocidade, teria divisado o referido veículo. Na realidade, o que se observa é que o condutor do veículo da empresa de ônibus transitava pela via preferencial, quando foi interceptado pelo veículo do Sr. Waldemar, que adentrou na pista para se direcionar à cidade de Pato Branco sem a observância das normas regulares de trânsito, adentrando inopinadamente na pista de rolamento do veículo da ré apelada. Tal constatação pode ser evidenciada pela análise do croqui constante à fl. 22 e pela foto juntada à fl. 23. O primeiro esclarece que o veículo 1 (ônibus) transitava na pista preferencial (sentido Pato Branco/Vitorino) quando, ao que tudo indica, foi interceptado pelo veículo 2 (vítima), que adentrou na pista com o intuito de se direcionar à cidade de Pato Branco (vale destacar que o ponto de impacto no veículo da vítima foi a parte dianteira do motorista). A segunda, demonstra que o veículo da vítima saiu da marginal, realizando, efetivamente, esse trajeto. Não fosse apenas isso, conforme destacado pelo ilustre magistrado a quo, restou "incontroverso nos autos que o veículo Fusca proveio de uma área marginal à rodovia, já que seu condutor participava de um evento que se realizava numa casa de diversões ali existente" (fl. 328). Corroborando esse entendimento, há, inclusive, o depoimento da testemunha Jucemir de Oliveira Chalito, a qual afirmou: "Que estava presente no ônibus na data dos fatos; que o ônibus vinha no sentido de Pato Branco-Vitorini-Renascença; que o ônibus estava na velocidade que normalmente costuma empregar na estrada; que não tinha visão do velocímetro do ônibus para saber em que velocidade exatamente estava; que estava em uma das poltronas da metade do ônibus, sendo que estava no momento da colisão sentado precisamente na poltrona que fica do lado da janela; que a cortina de seu assento estava aberta; que o ônibus ia em sua própria mão de direção; que pode ver quando Gabinete Des. Subst. Paulo Ricardo Bruschi o veículo fusca atravessou a pista de rolamento e não deu tempo para o motorista frear já que estava muito perto; que para tentar desviar do veículo fusca o motorista do ônibus arremeteu este para a esquerda em direção ao meio da pista, mas mesmo assim não conseguiu desviar; que não se lembra se no local havia acostamento porque quase não passa por lá; que o motorista do fusca faleceu no local no momento do impacto; [...] Que o fusca estava entrando na pista em que ia o ônibus, sendo que não estava parado no meio da pista; que viu um vulto branco pela cortina da frente do ônibus, sendo que este vulto era o veículo fusca; que o local do impacto, pelo que deu para perceber, foi no meio da pista em que ia o ônibus, sendo que o ônibus foi arrastando o fusca após o impacto;" (fl. 215). Há ainda o depoimento firmado pelo amigo da vítima, Sr. Rosalino Lima Ioris, que afirmou estar com ela minutos antes do acidente: "[...] na noite dos fatos o depoente encontrou-se com Waldemar no Clube do Cownboy, por volta da meia noite, onde ocorria um baile; como se conheciam, ficara, enturmados, dançando e tomando cervejas; por volta das 02 horas, Waldemar convidou o depoente para irem para outro baile, no CTG de Pato-Branco-PR; sairam do salão, sendo que o depoente viu que Waldemar foi abordado por duas mulheres, que logo depois adentraram no Fusca de propriedade do mesmo; o depoente foi para o próprio veículo, e quando estava se aproximando da rodovia, ouviu o barulho da colisão; não viu onde ocorreu o ponto de impacto, mas sabe que o Fusca, após ser colhido pelo ônibus, parou na pista da direita, ao lado inverso de onde saiu; não percebeu se Waldemar ligou os faróis do Fusca; deduz que o ônibus estava em alta velocidade, pela violência do impacto; o depoente e Waldemar ingeriram duas latas de cerveja cada um naquela noite;" (fl. 197). Há que se destacar, também, que, de acordo com o condutor do ônibus, este estava "saindo de Pato Branco em direção a Vitorino na proximidade do Trevo da Cattani em frente ao Clube Cauboi onde saiu o fusca com luz apagada em minha direção segurei e tentei tirar mas não foi possível evitar a batida, estava chovendo com neblina" (sic). Referida versão, diga-se, foi mantida pelo preposto da empresa ré em todas os momentos em que veio ao feito. Vê-se, portanto, que a culpa pelo acidente foi exclusiva da vítima, eis que, vindo de via secundária, interceptou a frente do veículo da empresa ré, que estava na preferencial. Sobre o tema, colhe-se da obra de Arnaldo Rizzardo: "Quem provém de via secundária, deve munir-se dos maiores cuidados antes de ingressar na via preferencial. (...) Determina o art. 34 do diploma em vigor: 'O condutor que queira executar uma manobra deverá certificar-se de que pode executá-la sem perigo para os demais usuários da via que o seguem, precedem ou vão cruzar com ele, considerando sua posição, sua direção e sua velocidade'." (A reparação nos acidentes de trânsito ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, pág. 323). A propósito, é pacífico o entendimento jurisprudencial: "AÇÃO INDENIZATÓRIA. ACIDENTE DE TRÂNSITO. INVASÃO DE PISTA CONTRÁRIA. BOLETIM DE OCORRÊNCIA (B.O.) E CROQUIS QUE CONFIRMAM A TESE DO MUNICÍPIO DEMANDANTE. PRESUNÇÃO JURIS TANTUM DO "B.O." NÃO ELIDIDA. CIRCUNSTÂNCIA PREPONDERANTE SOBRE EVENTUAL EXCESSO DE VELOCIDADE. CULPA EXCLUSIVA DO RÉU POSITIVADA. Gabinete Des. Subst. Paulo Ricardo Bruschi INDENIZAÇÃO DEVIDA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. Das provas juntadas aos autos, especialmente o boletim de ocorrência - e o croquis dele constante - lavrado por autoridade policial, além das fotografias, colhe-se que foi o veículo de propriedade do réu quem deu causa ao abalroamento, ao invadir a pista contrária, por onde trafegava o veículo do Município autor. Como o boletim de ocorrência goza de presunção de veracidade juris tantum, e não restou infirmado por prova em contrário, tem-se que imerece reproche a sentença condenatória do réu, até porque a "conversão inoportuna, realizada por aquele que sem a necessária cautela cruza a via e intercepta a trajetória de veículo que por ela trafegava, revela-se como causa preponderante no acidente e se sobrepõe até mesmo a eventual excesso de velocidade do outro condutor" (Apelação Cível n. 2009.038373-6, de São José do Cedro, rel. Des. Fernando Carioni, j. em 6.11.09)". (Apelação Cível n. 2009.051831-5, de São Lourenço do Oeste, Rel. De. João Henrique Blasi, j. 02/06/2011). Ainda: "RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. COLISÃO EM CRUZAMENTO. INGRESSO EM VIA PREFERENCIAL SEM OS CUIDADOS NECESSÁRIOS. IMPRUDÊNCIA. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. Evidenciada a culpa do motociclista que adentrou em via preferencial sem as devidas cautelas, dando ensejo à colisão e aos conseqüentes danos suportados pela viatura policial, inevitavelmente estará obrigado a suportar os prejuízos que sua atuação acarretou." (Apelação Cível n. 2008.051635-6, Rela. Desa. Sônia Maria Schmitz, j. 01/06/2010). Em vista disso, resta cristalino que faltou observância das cautelas necessárias à realização da manobra por parte da vítima, a qual, repito, adentrou na via preferencial originando a colisão com o veículo conduzido pelo preposto da empresa ré. Por fim, cabe ressaltar que o fato de inexistirem provas acerca da embriaguez da vítima ou de os faróis do fusca estarem apagados em nada altera o deslinde da quaestio, uma vez que foi a vítima quem deu azo à ocorrência do sinistro. Ante o exposto, vota-se no sentido de conhecer do recurso, por tempestivo, porém, negar-lhe provimento, mantendo-se íntegra a sentença de Primeiro Grau. É como voto. Gabinete Des. Subst. Paulo Ricardo Bruschi