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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Primeira Câmara Criminal
5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 Salvador/BA
ACÓRDÃO
Órgão
: Primeira Câmara Criminal
Ação Penal - Procedimento Ordinário n.º 0316803-53.2012.8.05.0000
Autor
: 'Ministério Público
Proc. Geral
: Rômulo de Andrade Moreira
Promotor
: Carlos Artur dos Santos Pires
Réu
: Joao Almeida Mascarenhas Filho, Prefeito do Município de
Itaberaba
Advogado
: Bruno Gustavo Freitas Adry (OAB: 119919/RJ)
Réu
: Julio da Purificação Cerqueira
Ré
: Gilma Almeida Mascarenhas Maia
Ré
: Silvia Maria Barbosa Sampaio
Advogado
: Karlyle Wendel Fontes Castelhano (OAB: 30234/BA)
Advogado
: Janjorio Vasconcelos Simoes Pinho (OAB: 16651/BA)
Relator(a)
Assunto
: Joao Bosco de Oliveira Seixas
: Falsidade ideológica
AÇÃO
PENAL
ORIGINÁRIA
FALSIDADE
IDEOLÓGICA – INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM
DOCUMENTO PÚBLICO – PRELIMINARES: A)
INÉPCIA DA DENÚNCIA - REJEIÇÃO - PEÇA DE
ACUSAÇÃO QUE ATENDE AOS REQUISITOS DO ART.
41, DO CPP E DESCREVE, COM TODAS AS
CIRCUNSTÂNCIAS, OS FATOS ILÍCITOS IMPUTADOS
AOS RÉUS – IMPOSSÍVEL, ASSIM, FALAR-SE EM
AUSÊNCIA
DE
JUSTA
CAUSA
PARA
A
PERSERCUÇÃO PENAL - B) NULIDADE DA RELAÇÃO
PROCESSUAL
NOTIFICAÇÃO
PARA
APRESENTAÇÃO DE DEFESA PRELIMINAR QUE
NÃO SE FEZ ACOMPANHAR DE DOCUMENTOS
INDISPENSÁVEIS
REJEIÇÃO
MERA
IRREGULARIDADE QUE NÃO CAUSOU EFETIVO
PREJUÍZO AOS ACUSADOS – C) ILICITUDE DAS
PROVAS QUE EMBASARAM A AÇÃO PENAL –
INEXISTÊNCIA – INDÍCIOS COLHIDOS NO BOJO DE
INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO INSTAURADO PELO
MINISTÉRIO
PÚBLICO
D)
VIOLAÇÃO
DO
CONTRADITÓRIO – NÃO ACOLHIMENTO –
PROCEDIMENTO INQUISITIVO MÉRITO:
CONJUNTO PROBATÓRIO APONTA PARA A
EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS SUFICIENTES DE
AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS –
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DENÚNCIA RECEBIDA, SEM O AFASTAMENTO DO
CARGO.
1. Preliminar de inépcia da denúncia. Rejeição.
2. Não há que se falar em violação ao quanto disposto no art. 41, do
CPP, quando a vestibular acusatória descreve, com todas as
circunstâncias, os fatos imputados aos acusados, como ocorre na
hipótese dos autos.
3. Da leitura dos autos, não se identifica qualquer afronta aos
princípios do contraditório e da ampla defesa, uma vez que os
denunciados, nas peças de defesa apresentadas, foram capazes de
combater o mérito da acusação, a indicar que a peça de incoação se
mostra clara e compreensível.
4. Impossível, destarte, o acolhimento da tese de ausência de justa
causa para a persecução penal, pois não se identifica qualquer
afronta ao quanto disposto no art. 41, do CPP.
5. Preliminar de Nulidade - Notificação para apresentação de
Defesa Preliminar desacompanhada dos documentos indispensáveis.
Rejeição.
6. Vigora no Processo Penal o princípio “pas de nullité sans grief”,
a indicar que nenhuma nulidade será declarada ou reconhecida se
não houver efetiva demonstração de prejuízo para a parte.
7. Na hipótese dos autos, verifica-se que os acusados apresentaram
defesa preliminar e, todos, sem exceção, enfrentaram o mérito da
acusação, em sua inteireza, a indicar que o fato de a notificação ter
sido encaminhada sem cópia dos documentos que instruíram a
denúncia não causou qualquer prejuízo para as partes.
8. Registre-se, por oportuno, que, na conformidade do quanto
disposto no Regimento Interno do Tribunal de Justiça da Bahia, os
documentos obrigatórios a serem encaminhados com a notificação
são o despacho do Relator e denúncia. Os demais documentos
podem ser encaminhados ou não, caso o Relator assim o decida.
9. Por fim, cumpre esclarecer que às partes foi concedido o prazo
comum de 15 dias para responder à ação, durante o qual poderiam
fazer carga dos autos para xerocopiar os documentos que
entendessem indispensáveis ao manejo da ampla defesa.
10. Ilicitude das provas que embasaram a ação penal - Inexiste
qualquer irregularidade decorrente do aproveitamento de prova
colhida no curso de inquérito civil público instaurado pelo
Ministério Público (art. 129, inc. III, CF). Preliminar rejeitada.
11. Quanto a preliminar levantada pela denunciada Sílvia Barbosa
Sampaio consistente na violação do contraditório quando da
investigação promovida pelo Ministério Público, esta, de igual
modo, não merece amparo. Isto porque se trata de um procedimento
administrativo investigatório, de caráter inquisitivo. Precedentes do
STJ.
12. Mérito: Denúncia apresentada em face do Prefeito da cidade de
Itaberaba/Ba, mais três corréus para apuração de falsidade
ideológica, em face da inserção de informações falsas em
documentos públicos.
13. Fundada suspeita da lavratura de três escrituras públicas, sem
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que os respectivos negócios jurídicos fossem condizentes com a
realidade fática: a primeira lavrada em agosto de 2011, simulava
uma compra e venda realizada entre a Prefeitura Municipal de
Itaberaba/Ba e a Patrimonial Jam Sociedade Civil Ltda,
representada pela sócia Gilma Almeida Mascarenhas Maia; as
outras duas, tratavam de escrituras de construção lavradas em maio
e junho do ano de 2011, e foram assinadas pelo denunciado João
Almeida Mascarenhas Filho e Julio da Purificação Cerqueira, sem
que os referidos imóveis tivessem sido construídos por meio do
sistema de empreitada. Indícios da participação da denunciada
Silvia Maria Barbosa Sampaio, na qualidade de tabeliã de notas.
14. Existência de indícios suficientes de autoria e prova da
materialidade.
15. Parecer Ministerial pelo recebimento da denúncia.
PRELIMINARES
REJEITADAS.
DENÚNCIA
RECEBIDA PARA DETERMINAR A INSTAURAÇÃO
DA AÇÃO PENAL, SEM O AFASTAMENTO DO
CARGO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Ação Penal
Originária nº 0316803-53.2012.805.0000, da Comarca de Itaberaba/Ba, proposta
pelo Ministério Público em face dos Réus João Almeida Mascarenhas Filho,
Prefeito do Município de Itaberaba/Ba, Júlio da Purificação Cerqueira, Gilma
Almeida Mascarenhas Maia e Silvia Maria Barbosa Sampaio.
Acordam os Desembargadores integrantes das Primeira Câmara
Criminal do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, à unanimidade, em rejeitar as
preliminares suscitadas pelos denunciados. No mérito, acordam em receber a
denúncia oferecida, sem o afastamento do denunciado João Almeida Mascarenhas
Filho do cargo de Prefeito.
RELATÓRIO
Trata-se de Denúncia oferecida pelo Ministério Público
Estadual contra João Almeida Mascarenhas Filho, Prefeito do Município de
Itaberaba/Ba, Júlio da Purificação Cerqueira, Gilma Almeida Mascarenhas Maia e
Silvia Maria Barbosa Sampaio, imputando-lhes a prática do crime tipificado no art.
299, c/c art. 29 e 70, d Código Penal.
Funda-se a denúncia em provas colhidas nos autos do Inquérito
civil, oriundo da 4ª Promotoria de Justiça de Itaberaba/Ba, no curso do qual se
apurou a possível prática, nas datas de 17/08/2011, 10/05/2011 e 09/06/2011, de
condutas lesivas ao erário Municipal, consistentes na falsificação de documentos
públicos (escrituras públicas), em afronta ao quanto disposto no art. 299 do CP.
Narra a prefacial, que o Prefeito do Município de Itaberaba/Ba
firmou três escrituras públicas, cujo negócio jurídico indicado jamais teria existido,
sendo tal fato do conhecimento dos demais denunciados - Gilma Almeida
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Marcarenhas, Silvia Maria Barbosa Sampaio e Julio da Purificação Cerqueira.
A exordial acusatória veio instruída com documentos de fls.
10/1059.
Notificados, os réus apresentaram defesa.
Sílvia Maria Barbosa Sampaio (fls. 454/473) arguiu, em sede
de preliminar, a falta de justa causa para a ação penal investigação feita pelo
Ministério Público; violação do contraditório, quando da investigação promovida
pelo MP; cerceamento de defesa; teoria da imputação objetiva e intervenção
mínima- rejeição da denúncia por ausência de justo motivo e de dolo.
Júlio da Purificação Cerqueira (fls. 476), sustentou,
preliminarmente o descumprimento do art. 4º, §1º da Lei 8038/90, postulando a
expedição de nova notificação instruída com todos os documentos, sob pena de
nulidade. No mérito, pede a rejeição da denúncia, em virtude da não configuração
de dolo específico enquanto elemento informador da conduta, bem como ausência
de prejuízo ao erário.
João Almeida Mascarenhas Filho (fl. 525), por sua vez,
arguiu, em sede preliminar, a inépcia da denúncia, sob o fundamento de que a peça
de incoação não individualiza as condutas imputadas ao acusado, além de não
demonstrar a existência de dolo. No mérito, rebate a possibilidade de afastamento do
cargo e a imposição de decreto prisional.
Gilma Almeida Mascarenhas (fl. 487), por fim, em sede
preliminar, requer a nulidade da notificação para apresentação de defesa preliminar,
ao argumento de que esta não se fez acompanhar dos documentos indispensáveis ao
manejo da sua ampla defesa, nos termos do quanto disposto no art. 4°, §1°, da lei
8038/90. No mérito, requer o não recebimento da denúncia, em virtude da ausência
de prejuízo ao erário público.
Os autos foram encaminhados à Douta Procuradoria de Justiça,
que exarou parecer de fls. 550/556, da lavra do Dr. Rômulo de Andrade Moreira,
Procurador-Geral de Justiça Adjunto, e do Dr. Carlos Artur dos Santos Pires,
Promotor de Justiça Convocado, opinando pelo recebimento da denúncia e pela
conveniência de se afastar o denunciado João Almeida Mascarenhas Filho do Cargo
de Prefeito.
É o relatório.
VOTO
Cumpre verificar que os denunciados, em suas peças de defesa,
suscitaram algumas questões preliminares que devem ser analisadas antes do
enfrentamento do mérito deduzido na exordial acusatória.
I - Preliminar de Inépcia da Denúncia: afronta aos requisitos do art. 41 do
CPP.
Os denunciados apontam para a existência de vício a macular a
denúncia, ao argumento de que a referida peça seria inepta e, portanto, faltaria justa
causa para a persecução penal.
A contrário do quanto alegado nas defesas preliminares,
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verifica-se que todos os requisitos postos no art. 41 do CPP se encontram presentes
na exordial acusatória, bem como inexistente qualquer afronta aos Princípios da
Ampla Defesa e Contraditório, não indicando a alegada ausência de justa causa para
o processamento do feito.
A conduta delitiva encontra-se devidamente delineada na
denúncia, inexistindo qualquer afronta aos princípios da ampla defesa e
contraditório, vez que a peça de incoação descreve, com todas as suas
circunstâncias, os fatos imputados aos réus, em conformidade ao quanto disposto na
lei penal adjetiva, como pode ser observado no trecho abaixo transcrito:
“(...) Dessume-se dos autos do Inquérito Civil anexo (n°
699.0.38112/2012), oriundo da 4ª Promotoria de Justiça de Itaberaba,
que o primeiro denunciado, representando o Município de Itaberaba
firmou três escrituras públicas, cujo respectivo negócio jurídico
indicado não retratava a realidade fática, melhor dizendo, jamais
havia ocorrido. Nesse sentido, foi lavrada em 17 de agosto de 2011, a
escritura pública de compra e venda documentada no “livro de
escrituras diversas”, nº 40, fls. 34, do cartório do 2º ofício de
Itaberaba -, entre a Prefeitura Municipal de Itaberaba, e a Patrimonial
Jam Sociedade Civil S/C Ltda, representada pela sócia Gilma
Almeida Mascarenhas Maia, conforme consta no Inquérito Civil
anexo. Consta do referido documento que a Patrimonial Jam
Socierdade Civil S/C Ltda vendeu ao Município de Itaberaba pelo
valor de R$ 5.500,00 uma área de terra situada na Praça Flávio
Silvany, nº 191, Centro Itaberaba-Ba. Verifica-se, todavia, que não
existiu o negócio de compra e venda, nem o pagamento da quantia
supracitada. Frise-se que os denunciados João Almeida Mascarenhas
Filho, Gilma Almeida Mascarenhas Maia e Silvia Maria Barbosa
Sampaio possuíam pleno conhecimento acerca da inocorrência de
alienação do imóvel indicado no documento público. Insta salientar
que a pessoa jurídica Patrimonial Jam Sociedade Civil S/C Ltda, tem
o denunciado João Filho, Prefeito do Município de Itaberaba, como
um dos seus sócios, de modo que a negociação simulada agrava
sobremaneira a violação aos princípios norteadores do ato jurídico
lícito e da moralidade administrativa. Também de forma inautêntica,
no dia 10 de maio de 2011, foi lavrada escritura pública de
construção desta feita constante no livro de escrituras diversas, nº
09, fls. V51 a V52, do cartório do 2º ofício de Itaberaba na qual
assinaram o denunciado João Almeida Mascarenhas Filho,
representando o Município de Itaberaba e o denunciado Julio
Purificação Cerqueira. Na mencionada escritura de construção,
consta que o Município efetuou, na ocasião da assinatura do
documento, o pagamento de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) ao
denunciado Júlio da Purificação Cerqueira. (...) Entretanto, o imóvel,
indicado no documento público não foi construído por meio do
sistema de empreitada, levada a efeito pelo denunciado Júlio da
Purificação Cerqueira. Adite-se que não houve o pagamento de R$
60.000,00 (sessenta mil reais) e que os denunciados Julio da
Purificação Cerqueira, João Almeida Mascarenhas Filho e Silvia
Maria Barbosa Sampaio sabiam que o teor da escritura pública era
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falso. Ora, o próprio Município de Itaberaba reconheceu, em ação
anulatória proposta, que “não houve pagamento pelo imóvel, não
houve solicitação, através de projeto de lei para E. Câmara
Municipal desta cidade, de autorização legislativa para a suposta
compra, não há e não houve empenho, ou qualquer outra forma de
disponibilização de numerário para pagamento do imóvel e muito
menos, não houve pagamento da quantia constante da escritura de
construção e empreiteiro”. Noutro giro, ressalte-se ainda, que foi
firmada em 09 de junho de 2011, a segunda escritura de construção
constante no livro de escritura diversas, nº 09, do cartório do 2º
ofício de Itaberaba/Ba entre o denunciado Júlio da Purificação
Cerqueira e o Município de Itaberaba/Ba, representado pelo
denunciado João Almeida Mascarenhas Filho, conforme documento
anexo. Neste último documento consta que o denunciado Júlio da
Purificação Cerqueira recebeu do Município de Itaberaba/Ba,
representado pelo denunciado João Almeida Mascarenhas Filho, o
montante de R$ 43.076,21 concernente a empreitada da construção
do prédio, destinado a Secretaria de Obras, situado na Rua Rubens
Ribeiro, 191. Gize-se que segundo esta escritura, a construção do
imóvel, por meio do sistema de empreitada, teria ocorrido no período
compreendido entre 15 de janeiro de 1961 a 15 de janeiro de 1962.
Contudo, o denunciado Julio da Purificação Cerqueira, ao ser ouvido
na Promotoria de Justiça, reconheceu que, nos anos de 1961 e 1962,
sequer trabalhava em obras. (...) Em síntese, os denunciados
inseriram declarações falsas nos documentos públicos acima
identificados, inclusive pavimentando a tentativa do burgomestre
itaberabense, João Almeida Mascarernhas Filho, de venda dos
mencioandos imóveis, com base nos atos notariais dolosamente
fraudados. Ante o exposto, os denunciados estão incursos nas
sanções do art. 299, c/c art. 29 e 70, do Código Penal (...)” fls.
02/09.
Por oportuno, Eugênio Pacelli ensina que “por inépcia da peça
acusatória se deve entender justamente a não satisfação das exigências legais
apontadas no art. 41, do CPP. Inepta é a acusação que diminui o exercício da ampla
defesa, seja pela insuficiência na descrição dos fatos, seja pela ausência precisa de
seus autores”. (Oliveira, Eugênio Pacelli de. “Curso de Processo Penal”. 11a edição,
Editora Lumen Iuris, Rio de Janeiro: 2009)
Afasta-se a alegação de inépcia da denúncia, ainda, pela
observância de que os denunciados, nas peças de defesa apresentadas, foram capazes
de combater o mérito da acusação, a indicar que a vestibular acusatória se mostra
clara e compreensível.
É de ver, também, que o órgão ministerial não está obrigado a
pormenorizar o envolvimento de cada réu quando se trata de crimes de autoria
coletiva, como já decidiram os Tribunais Superiores, bastando que se faça uma
descrição fática que abranja as circunstâncias da prática delitiva, sem tolher, assim, o
direito de defesa.
Ante o exposto, rejeito a presente preliminar.
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II - Preliminar de Nulidade da notificação para apresentação de defesa
preliminar: afronta ao quanto disposto no art. 4, §1°, da lei 8038/90.
Os Réus Sílvia Maria Barbosa Sampaio, Júlio da Purificação
Cerqueira e Gilma Almeida Mascarenhas arguíram a citada preliminar alegando
que, ao serem notificados para oferecerem resposta no prazo legal, não se respeitou
o quanto preceituado no art. 4, §1°, da lei 8038/90, pois a cópia da denúncia não se
fez acompanhar dos documentos nela citados.
Sobre a matéria, colhe-se substancioso trecho do Parecer
Ministerial de fls. 550/554:
“Ademais, a preliminar de descumprimento do art. 4º, §1º da lei
8.038/90, não encontra guarida na legislação aplicável à
espécie, tendo em vista que a indicação dos documentos que
devem instruir a notificação representa um poder discricionário
do relator, consoante redação do mencionado dispositivo legal.
Portanto, inexiste qualquer vício passível de nulidade, posto
que a denúncia acompanhou as notificações, além do que os
causídicos podem extrair cópias e fazer apontamentos dos
autos, na forma do Estatuto da OAB ”.
Ademais, verifica-se que os réus, através dos seus Defensores,
apresentaram respostas arguindo preliminares e adentraram no mérito. Daí se
constata que não houve prejuízo para as partes que justifique a declaração de
nulidade, à mingua do fator surpresa para os acusados, haja vista a desenvoltura com
que enfrentaram o meritum causae.
Por outro lado, poderiam os nobres causídicos, caso houvesse
alguma dificuldade para apresentarem as Defesas, requererem carga dos autos, como
o fez o patrono do Réu João Almeida Mascarenhas Filho (fls. 449), para extração
das cópias dos documentos necessários. Não o fizeram, todavia.
Portanto, constatada a ausência de prejuízo para as partes,
rejeito a presente preliminar.
III - Preliminar de ilicitude das provas que embasaram a Ação Penal:
investigação levada a cabo pelo órgão ministerial.
Os Denunciados argumentam que o órgão ministerial teria
usurpado competência exclusiva da Polícia Judiciária ao realizar procedimento
investigativo próprio.
Inicialmente, cumpre esclarecer que eventual nulidade do
inquérito policial ou de qualquer outro procedimento investigativo não possui o
condão de contaminar a ação penal que lhe segue. Isso porque a deflagração de ação
penal pelo Ministério Público não se encontra vinculada à prévia existência de
qualquer procedimento administrativo. O Parquet, ao contrário do quanto afirmado
pela Defesa, pode oferecer denúncia desde que possua elementos fáticos suficientes
para a formação da sua opinio delicti.
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Diga-se, ainda, que os indícios que embasam a vestibular
acusatória foram colhidos no bojo de inquérito civil público instaurado pelo
Ministério Público, no uso de sua atribuição constitucional exclusiva (art. 129, inc.
III, CF), contra o gestor do Município de Itaberaba/Ba, que desencadeou a
propositura de ação civil pública por ato de improbidade administrativa. Inexiste,
assim, qualquer irregularidade decorrente do aproveitamento de prova colhida no
curso de inquérito civil público.
Destarte, deve ser também rejeitada esta preliminar.
IV - Preliminar de violação ao contraditório
Quanto a preliminar levantada pela denunciada Sílvia Barbosa
Sampaio consistente na violação do contraditório quando da investigação promovida
pelo Ministério Público, esta, de igual modo, não merece ser acolhida. Isto porque se
trata de um procedimento administrativo investigatório, de caráter inquisitivo.
Cumpre ressaltar que o STJ já firmou posição no sentido de
que “a característica de inquisitividade faz do inquérito civil procedimento não
punitivo e, por isso mesmo, não está ele jungido aos princípios constitucionais do
processo”. . Sobre o tema, Antonio Augusto Mello de Camargo Ferraz afirma ser o
inquérito civil um procedimento administrativo de natureza inquisitiva, tendente a
recolher elementos de prova que dêem margem ao ajuizamento da ação civil pública.
Entendimento, que é, inclusive, compartilhado por Nelson Nery Jr., Rodrigues
Fiorillo e Rosa Nery. Em agasalho a este posicionamento, julgado adiante transcrito,
verbis:
“PROCESSO CIVIL AÇÃO CIVIL DE REPARAÇÃO DE
DANOS
INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO. NATUREZA
INQUISITIVA. VALOR PROBATÓRIO. 1. O inquérito civil
público é procedimento informativo, destinado a formar a
opinio actio do Ministério Público. Constitui meio destinado a
colher provas e outros elementos de convicção, tendo natureza
inquisitiva. 2. "As provas colhidas no inquérito têm valor
probatório relativo, porque colhidas sem a observância do
contraditório (...)” (Recurso Especial n. 476.660-MG, relatora
Ministra Eliana Calmon, DJ de 4.8.2003) - Resp 644994 MG
2003/0215491-0; Rel. Min João Otávio de Noronha; T2; DJ
21.03.2005, p. 336)
No mérito, verifica-se que a denúncia deve ser recebida, porque
presentes indícios suficientes acerca da autoria e materialidade delitivas, a apontar
para a plausibilidade da acusação deduzida pelo Parquet.
A exordial acusatória imputa aos denunciados a prática do
delito descrito no art. 299 do CP, configurador do crime de falsidade ideológica, por
supostamente haverem inserido declarações falsas em documentos públicos.
O tipo descrito no art.299 busca punir àqueles que introduzem
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em documento público algo que não corresponde a realidade, com o fim de
prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre algum fato. Como
ensina Silvio do Amaral “não há rasura, emenda, acréscimo ou subtração de letra
ou algarismo. Há apenas uma mentira reduzida a escrito, através de documento
que, sob o aspecto material é de todo verdadeiro, isto é, realmente escrito por
quem seu teor indica” (Falsidade documental, p. 53).
Na hipótese dos autos, as provas colhidas no curso da fase préprocessual indicam, em análise prefacial,que o Município de Itaberaba/Ba,
representado pelo primeiro denunciado, firmou três escrituras públicas, sem que os
respectivos negócios jurídicos fossem condizentes com a realidade fática. A
primeira escritura, lavrada em agosto de 2011, tratava de uma suposta compra e
venda realizada entre a Prefeitura Municipal de Itaberaba/Ba e a Patrimonial Jam
Sociedade Civil Ltda, representada pela sócia Gilma Almeida Mascarenhas Maia.
Denota-se, ainda, que em maio e junho do ano de 2011, foram lavradas duas
escrituras de construção, assinadas pelo denunciado João Almeida Mascarenhas
Filho e Julio da Purificação Cerqueira, sem que os referidos imóveis tivessem sido
construídos por meio do sistema de empreitada.
A participação dos denunciados nos fatos narrados na denúncia,
em um primeiro súbito de vista, se mostra inequívoca, uma vez que as escrituras
foram efetivamente lavradas de forma a não retratar a realidade dos fatos, havendo
ainda fortes indícios acerca da participação da denunciada Silvia Maria Barbosa
Sampaio, na qualidade de tabeliã de notas.
Os documentos constantes dos autos, em especial os de fls.
16/17 (doc 01), bem como o decreto nº 200 - fl. 24/25(Doc. 03) trazem indícios de
que o imóvel objeto da escritura pública já pertencia ao patrimônio público, tendo,
inclusive, sido desafetado para fins de alienação, a indicar a falsidade do negócio
jurídico realizado entre a Prefeitura e a empresa denominada JAM Sociedade Civil
S/C LTDA, cujos sócios eram, dentre outros, o próprio prefeito Municipal de
Itaberaba/BA João Almeida Mascarenhas Filho e Gilma Almeida Mascarenhas
Maia.
Outrossim, o denunciado Júlio da Purificação, malgrado
soubesse que os imóveis indicados nas escrituras públicas de construção (fls. 30 e
32/33) não foram construídos por meio do sistema de empreitada, assinou as
referidas escrituras como empreiteiro juntamente com o denunciado João Almeida
Mascarenhas, representante do Município de Itaberaba/Ba. Vale salientar que ao ser
ouvido na Promotoria de Justiça, o próprio denunciado, Júlio da Purificação
Cerqueira reconheceu que, na oportunidade em que as escrituras foram lavradas,
sequer trabalhava em obras: “(...) que não trabalhou na construção do prédio
situado na praça Flávio Silvany, 191; que portanto não participou da construção do
referido imóvel ocorrida no período de janeiro de 1977 e abril de 1977; que não
recebeu R$ 60.000,00 do Município de Itaberaba/Ba, referente a construção do
prédio para comércio situado na Praça Flávio Silvany, 191; que também não
recebeu a quantia de R$ 43.000,21 referente a construção do Prédio destinado a
Secretaria de Obras, situado na Rua Rubens Ribeiro, 191; que não participou da
referida construção (...)” fls. 28/29.
Registre-se, ademais, a ausência de comprovação do pagamento
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do montante de R$ 103.000,000 a Júlio da Purificação pela suposta construção dos
imóveis, bem como da transferência da quantia de R$ 5.500,00 a pessoa jurídica
Patrimonial Jam Sociedade Civil s/c LTDA, valores apontados nas respectivas
escrituras como efetivamente pagos.
A inautenticidade das escrituras, portanto, segundo indicam, em
cognição sumária, as provas coligidas neste primeiro momento, era do conhecimento
de todos os denunciados, bem como da denunciada Sílvia Maria Barbosa Sampaio,
tabeliã de Notas responsável pela sua lavratura.
Resta configurada, em tese, a conduta prevista no art. 299 do
CP, uma vez que o referido dispositivo legal estabelece como crime o ato de inserir
ou fazer inserir declaração falsa, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou
alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.
Sobre o tema, Magalhães Noronha leciona que “é mister que a
declaração falsa constitua elemento substancial do ato de documento. Uma simples
mentira, mera irregularidade, simples preterição de formalidade etc, não
constituirão” (Noronha, E.M, Direito Penal, v. IV, pág 161).
Vale salientar, ainda, que o fato dos denunciados não terem, a
princípio, auferido lucro, não descaracteriza a falsidade ideológica. Nesse sentido,
julgado adiante transcrito:
“(...) Para a caracterização do crime de falsidade ideológica,
basta a potencialidade de evento danoso, sendo, portanto,
irrelevante a inocorrência de efetivo prejuízo (TJMG, Processo
1.0079.03077641/001); Rel Hyparco Imnesi, Dj 21.06.2007).
De mais a mais, nesta fase processual, não há que se perquirir, a
menos quando haja evidência flagrante, sobre a ausência cabal de dolo ou culpa na
conduta do agente, o que se verificará apenas no decorrer da instrução processual,
resguardando-se o contraditório e a ampla defesa.
Assim, tendo em vista que, diante do conjunto probatório
carreado aos autos, a acusação se mostra plausível quanto à possível existência de
falsidade ideológica, aponta-se para a pertinência da acusação quanto ao delito
descrito no art.299 do Código Penal
Por fim, não há nos autos prova da efetiva necessidade do
afastamento cautelar do gestor público João Almeida Mascarenhas Filho do cargo,
haja vista que não restou demonstrado estar ele causando qualquer óbice as
investigações criminais. Conforme lição do Ministro Sepúlveda Pertence (cit. na
RTJ 149/436), o afastamento do prefeito do cargo só é possível quando devidamente
justificado, sob pena de violação ao princípio constitucional da inocência presumida,
segundo o qual o acusado não deve sofrer efeito de condenação definitiva, bem
como em razão do fato do mandato político republicano ser limitado no tempo e
improrrogável, de forma que a privação do seu exercício é irrestituível.
Pelo exposto, rejeitadas as preliminares, voto pelo recebimento
da denúncia apresentada contra João Almeida Mascarenhas Filho, Júlio da
Purificação, Gilma Almeida Mascarenhas Maia e Sílvia Maria Barbosa Sampaio,
acusando-os da prática do delito previsto no art. 299 do Código, sem o afastamento
Apô 0316803-53.2012
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fls. 11
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Primeira Câmara Criminal
5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 Salvador/BA
do primeiro denunciado do cargo de Prefeito.
É o voto.
Salvador, Sala das Sessões, ___________________
____________________________________ Presidente
_____________________________________ Relator
João Bosco de Oliveira Seixas
_________________________________Proc. de Justiça
Apô 0316803-53.2012
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