fls. 1 PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Primeira Câmara Criminal 5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 Salvador/BA ACÓRDÃO Órgão : Primeira Câmara Criminal Ação Penal - Procedimento Ordinário n.º 0316803-53.2012.8.05.0000 Autor : 'Ministério Público Proc. Geral : Rômulo de Andrade Moreira Promotor : Carlos Artur dos Santos Pires Réu : Joao Almeida Mascarenhas Filho, Prefeito do Município de Itaberaba Advogado : Bruno Gustavo Freitas Adry (OAB: 119919/RJ) Réu : Julio da Purificação Cerqueira Ré : Gilma Almeida Mascarenhas Maia Ré : Silvia Maria Barbosa Sampaio Advogado : Karlyle Wendel Fontes Castelhano (OAB: 30234/BA) Advogado : Janjorio Vasconcelos Simoes Pinho (OAB: 16651/BA) Relator(a) Assunto : Joao Bosco de Oliveira Seixas : Falsidade ideológica AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA FALSIDADE IDEOLÓGICA – INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM DOCUMENTO PÚBLICO – PRELIMINARES: A) INÉPCIA DA DENÚNCIA - REJEIÇÃO - PEÇA DE ACUSAÇÃO QUE ATENDE AOS REQUISITOS DO ART. 41, DO CPP E DESCREVE, COM TODAS AS CIRCUNSTÂNCIAS, OS FATOS ILÍCITOS IMPUTADOS AOS RÉUS – IMPOSSÍVEL, ASSIM, FALAR-SE EM AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSERCUÇÃO PENAL - B) NULIDADE DA RELAÇÃO PROCESSUAL NOTIFICAÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE DEFESA PRELIMINAR QUE NÃO SE FEZ ACOMPANHAR DE DOCUMENTOS INDISPENSÁVEIS REJEIÇÃO MERA IRREGULARIDADE QUE NÃO CAUSOU EFETIVO PREJUÍZO AOS ACUSADOS – C) ILICITUDE DAS PROVAS QUE EMBASARAM A AÇÃO PENAL – INEXISTÊNCIA – INDÍCIOS COLHIDOS NO BOJO DE INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO INSTAURADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO D) VIOLAÇÃO DO CONTRADITÓRIO – NÃO ACOLHIMENTO – PROCEDIMENTO INQUISITIVO MÉRITO: CONJUNTO PROBATÓRIO APONTA PARA A EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS – Apô 0316803-53.2012 lrv fls. 2 PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Primeira Câmara Criminal 5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 Salvador/BA DENÚNCIA RECEBIDA, SEM O AFASTAMENTO DO CARGO. 1. Preliminar de inépcia da denúncia. Rejeição. 2. Não há que se falar em violação ao quanto disposto no art. 41, do CPP, quando a vestibular acusatória descreve, com todas as circunstâncias, os fatos imputados aos acusados, como ocorre na hipótese dos autos. 3. Da leitura dos autos, não se identifica qualquer afronta aos princípios do contraditório e da ampla defesa, uma vez que os denunciados, nas peças de defesa apresentadas, foram capazes de combater o mérito da acusação, a indicar que a peça de incoação se mostra clara e compreensível. 4. Impossível, destarte, o acolhimento da tese de ausência de justa causa para a persecução penal, pois não se identifica qualquer afronta ao quanto disposto no art. 41, do CPP. 5. Preliminar de Nulidade - Notificação para apresentação de Defesa Preliminar desacompanhada dos documentos indispensáveis. Rejeição. 6. Vigora no Processo Penal o princípio “pas de nullité sans grief”, a indicar que nenhuma nulidade será declarada ou reconhecida se não houver efetiva demonstração de prejuízo para a parte. 7. Na hipótese dos autos, verifica-se que os acusados apresentaram defesa preliminar e, todos, sem exceção, enfrentaram o mérito da acusação, em sua inteireza, a indicar que o fato de a notificação ter sido encaminhada sem cópia dos documentos que instruíram a denúncia não causou qualquer prejuízo para as partes. 8. Registre-se, por oportuno, que, na conformidade do quanto disposto no Regimento Interno do Tribunal de Justiça da Bahia, os documentos obrigatórios a serem encaminhados com a notificação são o despacho do Relator e denúncia. Os demais documentos podem ser encaminhados ou não, caso o Relator assim o decida. 9. Por fim, cumpre esclarecer que às partes foi concedido o prazo comum de 15 dias para responder à ação, durante o qual poderiam fazer carga dos autos para xerocopiar os documentos que entendessem indispensáveis ao manejo da ampla defesa. 10. Ilicitude das provas que embasaram a ação penal - Inexiste qualquer irregularidade decorrente do aproveitamento de prova colhida no curso de inquérito civil público instaurado pelo Ministério Público (art. 129, inc. III, CF). Preliminar rejeitada. 11. Quanto a preliminar levantada pela denunciada Sílvia Barbosa Sampaio consistente na violação do contraditório quando da investigação promovida pelo Ministério Público, esta, de igual modo, não merece amparo. Isto porque se trata de um procedimento administrativo investigatório, de caráter inquisitivo. Precedentes do STJ. 12. Mérito: Denúncia apresentada em face do Prefeito da cidade de Itaberaba/Ba, mais três corréus para apuração de falsidade ideológica, em face da inserção de informações falsas em documentos públicos. 13. Fundada suspeita da lavratura de três escrituras públicas, sem Apô 0316803-53.2012 lrv fls. 3 PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Primeira Câmara Criminal 5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 Salvador/BA que os respectivos negócios jurídicos fossem condizentes com a realidade fática: a primeira lavrada em agosto de 2011, simulava uma compra e venda realizada entre a Prefeitura Municipal de Itaberaba/Ba e a Patrimonial Jam Sociedade Civil Ltda, representada pela sócia Gilma Almeida Mascarenhas Maia; as outras duas, tratavam de escrituras de construção lavradas em maio e junho do ano de 2011, e foram assinadas pelo denunciado João Almeida Mascarenhas Filho e Julio da Purificação Cerqueira, sem que os referidos imóveis tivessem sido construídos por meio do sistema de empreitada. Indícios da participação da denunciada Silvia Maria Barbosa Sampaio, na qualidade de tabeliã de notas. 14. Existência de indícios suficientes de autoria e prova da materialidade. 15. Parecer Ministerial pelo recebimento da denúncia. PRELIMINARES REJEITADAS. DENÚNCIA RECEBIDA PARA DETERMINAR A INSTAURAÇÃO DA AÇÃO PENAL, SEM O AFASTAMENTO DO CARGO. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Ação Penal Originária nº 0316803-53.2012.805.0000, da Comarca de Itaberaba/Ba, proposta pelo Ministério Público em face dos Réus João Almeida Mascarenhas Filho, Prefeito do Município de Itaberaba/Ba, Júlio da Purificação Cerqueira, Gilma Almeida Mascarenhas Maia e Silvia Maria Barbosa Sampaio. Acordam os Desembargadores integrantes das Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, à unanimidade, em rejeitar as preliminares suscitadas pelos denunciados. No mérito, acordam em receber a denúncia oferecida, sem o afastamento do denunciado João Almeida Mascarenhas Filho do cargo de Prefeito. RELATÓRIO Trata-se de Denúncia oferecida pelo Ministério Público Estadual contra João Almeida Mascarenhas Filho, Prefeito do Município de Itaberaba/Ba, Júlio da Purificação Cerqueira, Gilma Almeida Mascarenhas Maia e Silvia Maria Barbosa Sampaio, imputando-lhes a prática do crime tipificado no art. 299, c/c art. 29 e 70, d Código Penal. Funda-se a denúncia em provas colhidas nos autos do Inquérito civil, oriundo da 4ª Promotoria de Justiça de Itaberaba/Ba, no curso do qual se apurou a possível prática, nas datas de 17/08/2011, 10/05/2011 e 09/06/2011, de condutas lesivas ao erário Municipal, consistentes na falsificação de documentos públicos (escrituras públicas), em afronta ao quanto disposto no art. 299 do CP. Narra a prefacial, que o Prefeito do Município de Itaberaba/Ba firmou três escrituras públicas, cujo negócio jurídico indicado jamais teria existido, sendo tal fato do conhecimento dos demais denunciados - Gilma Almeida Apô 0316803-53.2012 lrv fls. 4 PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Primeira Câmara Criminal 5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 Salvador/BA Marcarenhas, Silvia Maria Barbosa Sampaio e Julio da Purificação Cerqueira. A exordial acusatória veio instruída com documentos de fls. 10/1059. Notificados, os réus apresentaram defesa. Sílvia Maria Barbosa Sampaio (fls. 454/473) arguiu, em sede de preliminar, a falta de justa causa para a ação penal investigação feita pelo Ministério Público; violação do contraditório, quando da investigação promovida pelo MP; cerceamento de defesa; teoria da imputação objetiva e intervenção mínima- rejeição da denúncia por ausência de justo motivo e de dolo. Júlio da Purificação Cerqueira (fls. 476), sustentou, preliminarmente o descumprimento do art. 4º, §1º da Lei 8038/90, postulando a expedição de nova notificação instruída com todos os documentos, sob pena de nulidade. No mérito, pede a rejeição da denúncia, em virtude da não configuração de dolo específico enquanto elemento informador da conduta, bem como ausência de prejuízo ao erário. João Almeida Mascarenhas Filho (fl. 525), por sua vez, arguiu, em sede preliminar, a inépcia da denúncia, sob o fundamento de que a peça de incoação não individualiza as condutas imputadas ao acusado, além de não demonstrar a existência de dolo. No mérito, rebate a possibilidade de afastamento do cargo e a imposição de decreto prisional. Gilma Almeida Mascarenhas (fl. 487), por fim, em sede preliminar, requer a nulidade da notificação para apresentação de defesa preliminar, ao argumento de que esta não se fez acompanhar dos documentos indispensáveis ao manejo da sua ampla defesa, nos termos do quanto disposto no art. 4°, §1°, da lei 8038/90. No mérito, requer o não recebimento da denúncia, em virtude da ausência de prejuízo ao erário público. Os autos foram encaminhados à Douta Procuradoria de Justiça, que exarou parecer de fls. 550/556, da lavra do Dr. Rômulo de Andrade Moreira, Procurador-Geral de Justiça Adjunto, e do Dr. Carlos Artur dos Santos Pires, Promotor de Justiça Convocado, opinando pelo recebimento da denúncia e pela conveniência de se afastar o denunciado João Almeida Mascarenhas Filho do Cargo de Prefeito. É o relatório. VOTO Cumpre verificar que os denunciados, em suas peças de defesa, suscitaram algumas questões preliminares que devem ser analisadas antes do enfrentamento do mérito deduzido na exordial acusatória. I - Preliminar de Inépcia da Denúncia: afronta aos requisitos do art. 41 do CPP. Os denunciados apontam para a existência de vício a macular a denúncia, ao argumento de que a referida peça seria inepta e, portanto, faltaria justa causa para a persecução penal. A contrário do quanto alegado nas defesas preliminares, Apô 0316803-53.2012 lrv fls. 5 PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Primeira Câmara Criminal 5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 Salvador/BA verifica-se que todos os requisitos postos no art. 41 do CPP se encontram presentes na exordial acusatória, bem como inexistente qualquer afronta aos Princípios da Ampla Defesa e Contraditório, não indicando a alegada ausência de justa causa para o processamento do feito. A conduta delitiva encontra-se devidamente delineada na denúncia, inexistindo qualquer afronta aos princípios da ampla defesa e contraditório, vez que a peça de incoação descreve, com todas as suas circunstâncias, os fatos imputados aos réus, em conformidade ao quanto disposto na lei penal adjetiva, como pode ser observado no trecho abaixo transcrito: “(...) Dessume-se dos autos do Inquérito Civil anexo (n° 699.0.38112/2012), oriundo da 4ª Promotoria de Justiça de Itaberaba, que o primeiro denunciado, representando o Município de Itaberaba firmou três escrituras públicas, cujo respectivo negócio jurídico indicado não retratava a realidade fática, melhor dizendo, jamais havia ocorrido. Nesse sentido, foi lavrada em 17 de agosto de 2011, a escritura pública de compra e venda documentada no “livro de escrituras diversas”, nº 40, fls. 34, do cartório do 2º ofício de Itaberaba -, entre a Prefeitura Municipal de Itaberaba, e a Patrimonial Jam Sociedade Civil S/C Ltda, representada pela sócia Gilma Almeida Mascarenhas Maia, conforme consta no Inquérito Civil anexo. Consta do referido documento que a Patrimonial Jam Socierdade Civil S/C Ltda vendeu ao Município de Itaberaba pelo valor de R$ 5.500,00 uma área de terra situada na Praça Flávio Silvany, nº 191, Centro Itaberaba-Ba. Verifica-se, todavia, que não existiu o negócio de compra e venda, nem o pagamento da quantia supracitada. Frise-se que os denunciados João Almeida Mascarenhas Filho, Gilma Almeida Mascarenhas Maia e Silvia Maria Barbosa Sampaio possuíam pleno conhecimento acerca da inocorrência de alienação do imóvel indicado no documento público. Insta salientar que a pessoa jurídica Patrimonial Jam Sociedade Civil S/C Ltda, tem o denunciado João Filho, Prefeito do Município de Itaberaba, como um dos seus sócios, de modo que a negociação simulada agrava sobremaneira a violação aos princípios norteadores do ato jurídico lícito e da moralidade administrativa. Também de forma inautêntica, no dia 10 de maio de 2011, foi lavrada escritura pública de construção desta feita constante no livro de escrituras diversas, nº 09, fls. V51 a V52, do cartório do 2º ofício de Itaberaba na qual assinaram o denunciado João Almeida Mascarenhas Filho, representando o Município de Itaberaba e o denunciado Julio Purificação Cerqueira. Na mencionada escritura de construção, consta que o Município efetuou, na ocasião da assinatura do documento, o pagamento de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) ao denunciado Júlio da Purificação Cerqueira. (...) Entretanto, o imóvel, indicado no documento público não foi construído por meio do sistema de empreitada, levada a efeito pelo denunciado Júlio da Purificação Cerqueira. Adite-se que não houve o pagamento de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) e que os denunciados Julio da Purificação Cerqueira, João Almeida Mascarenhas Filho e Silvia Maria Barbosa Sampaio sabiam que o teor da escritura pública era Apô 0316803-53.2012 lrv fls. 6 PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Primeira Câmara Criminal 5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 Salvador/BA falso. Ora, o próprio Município de Itaberaba reconheceu, em ação anulatória proposta, que “não houve pagamento pelo imóvel, não houve solicitação, através de projeto de lei para E. Câmara Municipal desta cidade, de autorização legislativa para a suposta compra, não há e não houve empenho, ou qualquer outra forma de disponibilização de numerário para pagamento do imóvel e muito menos, não houve pagamento da quantia constante da escritura de construção e empreiteiro”. Noutro giro, ressalte-se ainda, que foi firmada em 09 de junho de 2011, a segunda escritura de construção constante no livro de escritura diversas, nº 09, do cartório do 2º ofício de Itaberaba/Ba entre o denunciado Júlio da Purificação Cerqueira e o Município de Itaberaba/Ba, representado pelo denunciado João Almeida Mascarenhas Filho, conforme documento anexo. Neste último documento consta que o denunciado Júlio da Purificação Cerqueira recebeu do Município de Itaberaba/Ba, representado pelo denunciado João Almeida Mascarenhas Filho, o montante de R$ 43.076,21 concernente a empreitada da construção do prédio, destinado a Secretaria de Obras, situado na Rua Rubens Ribeiro, 191. Gize-se que segundo esta escritura, a construção do imóvel, por meio do sistema de empreitada, teria ocorrido no período compreendido entre 15 de janeiro de 1961 a 15 de janeiro de 1962. Contudo, o denunciado Julio da Purificação Cerqueira, ao ser ouvido na Promotoria de Justiça, reconheceu que, nos anos de 1961 e 1962, sequer trabalhava em obras. (...) Em síntese, os denunciados inseriram declarações falsas nos documentos públicos acima identificados, inclusive pavimentando a tentativa do burgomestre itaberabense, João Almeida Mascarernhas Filho, de venda dos mencioandos imóveis, com base nos atos notariais dolosamente fraudados. Ante o exposto, os denunciados estão incursos nas sanções do art. 299, c/c art. 29 e 70, do Código Penal (...)” fls. 02/09. Por oportuno, Eugênio Pacelli ensina que “por inépcia da peça acusatória se deve entender justamente a não satisfação das exigências legais apontadas no art. 41, do CPP. Inepta é a acusação que diminui o exercício da ampla defesa, seja pela insuficiência na descrição dos fatos, seja pela ausência precisa de seus autores”. (Oliveira, Eugênio Pacelli de. “Curso de Processo Penal”. 11a edição, Editora Lumen Iuris, Rio de Janeiro: 2009) Afasta-se a alegação de inépcia da denúncia, ainda, pela observância de que os denunciados, nas peças de defesa apresentadas, foram capazes de combater o mérito da acusação, a indicar que a vestibular acusatória se mostra clara e compreensível. É de ver, também, que o órgão ministerial não está obrigado a pormenorizar o envolvimento de cada réu quando se trata de crimes de autoria coletiva, como já decidiram os Tribunais Superiores, bastando que se faça uma descrição fática que abranja as circunstâncias da prática delitiva, sem tolher, assim, o direito de defesa. Ante o exposto, rejeito a presente preliminar. Apô 0316803-53.2012 lrv fls. 7 PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Primeira Câmara Criminal 5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 Salvador/BA II - Preliminar de Nulidade da notificação para apresentação de defesa preliminar: afronta ao quanto disposto no art. 4, §1°, da lei 8038/90. Os Réus Sílvia Maria Barbosa Sampaio, Júlio da Purificação Cerqueira e Gilma Almeida Mascarenhas arguíram a citada preliminar alegando que, ao serem notificados para oferecerem resposta no prazo legal, não se respeitou o quanto preceituado no art. 4, §1°, da lei 8038/90, pois a cópia da denúncia não se fez acompanhar dos documentos nela citados. Sobre a matéria, colhe-se substancioso trecho do Parecer Ministerial de fls. 550/554: “Ademais, a preliminar de descumprimento do art. 4º, §1º da lei 8.038/90, não encontra guarida na legislação aplicável à espécie, tendo em vista que a indicação dos documentos que devem instruir a notificação representa um poder discricionário do relator, consoante redação do mencionado dispositivo legal. Portanto, inexiste qualquer vício passível de nulidade, posto que a denúncia acompanhou as notificações, além do que os causídicos podem extrair cópias e fazer apontamentos dos autos, na forma do Estatuto da OAB ”. Ademais, verifica-se que os réus, através dos seus Defensores, apresentaram respostas arguindo preliminares e adentraram no mérito. Daí se constata que não houve prejuízo para as partes que justifique a declaração de nulidade, à mingua do fator surpresa para os acusados, haja vista a desenvoltura com que enfrentaram o meritum causae. Por outro lado, poderiam os nobres causídicos, caso houvesse alguma dificuldade para apresentarem as Defesas, requererem carga dos autos, como o fez o patrono do Réu João Almeida Mascarenhas Filho (fls. 449), para extração das cópias dos documentos necessários. Não o fizeram, todavia. Portanto, constatada a ausência de prejuízo para as partes, rejeito a presente preliminar. III - Preliminar de ilicitude das provas que embasaram a Ação Penal: investigação levada a cabo pelo órgão ministerial. Os Denunciados argumentam que o órgão ministerial teria usurpado competência exclusiva da Polícia Judiciária ao realizar procedimento investigativo próprio. Inicialmente, cumpre esclarecer que eventual nulidade do inquérito policial ou de qualquer outro procedimento investigativo não possui o condão de contaminar a ação penal que lhe segue. Isso porque a deflagração de ação penal pelo Ministério Público não se encontra vinculada à prévia existência de qualquer procedimento administrativo. O Parquet, ao contrário do quanto afirmado pela Defesa, pode oferecer denúncia desde que possua elementos fáticos suficientes para a formação da sua opinio delicti. Apô 0316803-53.2012 lrv fls. 8 PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Primeira Câmara Criminal 5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 Salvador/BA Diga-se, ainda, que os indícios que embasam a vestibular acusatória foram colhidos no bojo de inquérito civil público instaurado pelo Ministério Público, no uso de sua atribuição constitucional exclusiva (art. 129, inc. III, CF), contra o gestor do Município de Itaberaba/Ba, que desencadeou a propositura de ação civil pública por ato de improbidade administrativa. Inexiste, assim, qualquer irregularidade decorrente do aproveitamento de prova colhida no curso de inquérito civil público. Destarte, deve ser também rejeitada esta preliminar. IV - Preliminar de violação ao contraditório Quanto a preliminar levantada pela denunciada Sílvia Barbosa Sampaio consistente na violação do contraditório quando da investigação promovida pelo Ministério Público, esta, de igual modo, não merece ser acolhida. Isto porque se trata de um procedimento administrativo investigatório, de caráter inquisitivo. Cumpre ressaltar que o STJ já firmou posição no sentido de que “a característica de inquisitividade faz do inquérito civil procedimento não punitivo e, por isso mesmo, não está ele jungido aos princípios constitucionais do processo”. . Sobre o tema, Antonio Augusto Mello de Camargo Ferraz afirma ser o inquérito civil um procedimento administrativo de natureza inquisitiva, tendente a recolher elementos de prova que dêem margem ao ajuizamento da ação civil pública. Entendimento, que é, inclusive, compartilhado por Nelson Nery Jr., Rodrigues Fiorillo e Rosa Nery. Em agasalho a este posicionamento, julgado adiante transcrito, verbis: “PROCESSO CIVIL AÇÃO CIVIL DE REPARAÇÃO DE DANOS INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO. NATUREZA INQUISITIVA. VALOR PROBATÓRIO. 1. O inquérito civil público é procedimento informativo, destinado a formar a opinio actio do Ministério Público. Constitui meio destinado a colher provas e outros elementos de convicção, tendo natureza inquisitiva. 2. "As provas colhidas no inquérito têm valor probatório relativo, porque colhidas sem a observância do contraditório (...)” (Recurso Especial n. 476.660-MG, relatora Ministra Eliana Calmon, DJ de 4.8.2003) - Resp 644994 MG 2003/0215491-0; Rel. Min João Otávio de Noronha; T2; DJ 21.03.2005, p. 336) No mérito, verifica-se que a denúncia deve ser recebida, porque presentes indícios suficientes acerca da autoria e materialidade delitivas, a apontar para a plausibilidade da acusação deduzida pelo Parquet. A exordial acusatória imputa aos denunciados a prática do delito descrito no art. 299 do CP, configurador do crime de falsidade ideológica, por supostamente haverem inserido declarações falsas em documentos públicos. O tipo descrito no art.299 busca punir àqueles que introduzem Apô 0316803-53.2012 lrv fls. 9 PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Primeira Câmara Criminal 5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 Salvador/BA em documento público algo que não corresponde a realidade, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre algum fato. Como ensina Silvio do Amaral “não há rasura, emenda, acréscimo ou subtração de letra ou algarismo. Há apenas uma mentira reduzida a escrito, através de documento que, sob o aspecto material é de todo verdadeiro, isto é, realmente escrito por quem seu teor indica” (Falsidade documental, p. 53). Na hipótese dos autos, as provas colhidas no curso da fase préprocessual indicam, em análise prefacial,que o Município de Itaberaba/Ba, representado pelo primeiro denunciado, firmou três escrituras públicas, sem que os respectivos negócios jurídicos fossem condizentes com a realidade fática. A primeira escritura, lavrada em agosto de 2011, tratava de uma suposta compra e venda realizada entre a Prefeitura Municipal de Itaberaba/Ba e a Patrimonial Jam Sociedade Civil Ltda, representada pela sócia Gilma Almeida Mascarenhas Maia. Denota-se, ainda, que em maio e junho do ano de 2011, foram lavradas duas escrituras de construção, assinadas pelo denunciado João Almeida Mascarenhas Filho e Julio da Purificação Cerqueira, sem que os referidos imóveis tivessem sido construídos por meio do sistema de empreitada. A participação dos denunciados nos fatos narrados na denúncia, em um primeiro súbito de vista, se mostra inequívoca, uma vez que as escrituras foram efetivamente lavradas de forma a não retratar a realidade dos fatos, havendo ainda fortes indícios acerca da participação da denunciada Silvia Maria Barbosa Sampaio, na qualidade de tabeliã de notas. Os documentos constantes dos autos, em especial os de fls. 16/17 (doc 01), bem como o decreto nº 200 - fl. 24/25(Doc. 03) trazem indícios de que o imóvel objeto da escritura pública já pertencia ao patrimônio público, tendo, inclusive, sido desafetado para fins de alienação, a indicar a falsidade do negócio jurídico realizado entre a Prefeitura e a empresa denominada JAM Sociedade Civil S/C LTDA, cujos sócios eram, dentre outros, o próprio prefeito Municipal de Itaberaba/BA João Almeida Mascarenhas Filho e Gilma Almeida Mascarenhas Maia. Outrossim, o denunciado Júlio da Purificação, malgrado soubesse que os imóveis indicados nas escrituras públicas de construção (fls. 30 e 32/33) não foram construídos por meio do sistema de empreitada, assinou as referidas escrituras como empreiteiro juntamente com o denunciado João Almeida Mascarenhas, representante do Município de Itaberaba/Ba. Vale salientar que ao ser ouvido na Promotoria de Justiça, o próprio denunciado, Júlio da Purificação Cerqueira reconheceu que, na oportunidade em que as escrituras foram lavradas, sequer trabalhava em obras: “(...) que não trabalhou na construção do prédio situado na praça Flávio Silvany, 191; que portanto não participou da construção do referido imóvel ocorrida no período de janeiro de 1977 e abril de 1977; que não recebeu R$ 60.000,00 do Município de Itaberaba/Ba, referente a construção do prédio para comércio situado na Praça Flávio Silvany, 191; que também não recebeu a quantia de R$ 43.000,21 referente a construção do Prédio destinado a Secretaria de Obras, situado na Rua Rubens Ribeiro, 191; que não participou da referida construção (...)” fls. 28/29. Registre-se, ademais, a ausência de comprovação do pagamento Apô 0316803-53.2012 lrv fls. 10 PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Primeira Câmara Criminal 5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 Salvador/BA do montante de R$ 103.000,000 a Júlio da Purificação pela suposta construção dos imóveis, bem como da transferência da quantia de R$ 5.500,00 a pessoa jurídica Patrimonial Jam Sociedade Civil s/c LTDA, valores apontados nas respectivas escrituras como efetivamente pagos. A inautenticidade das escrituras, portanto, segundo indicam, em cognição sumária, as provas coligidas neste primeiro momento, era do conhecimento de todos os denunciados, bem como da denunciada Sílvia Maria Barbosa Sampaio, tabeliã de Notas responsável pela sua lavratura. Resta configurada, em tese, a conduta prevista no art. 299 do CP, uma vez que o referido dispositivo legal estabelece como crime o ato de inserir ou fazer inserir declaração falsa, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. Sobre o tema, Magalhães Noronha leciona que “é mister que a declaração falsa constitua elemento substancial do ato de documento. Uma simples mentira, mera irregularidade, simples preterição de formalidade etc, não constituirão” (Noronha, E.M, Direito Penal, v. IV, pág 161). Vale salientar, ainda, que o fato dos denunciados não terem, a princípio, auferido lucro, não descaracteriza a falsidade ideológica. Nesse sentido, julgado adiante transcrito: “(...) Para a caracterização do crime de falsidade ideológica, basta a potencialidade de evento danoso, sendo, portanto, irrelevante a inocorrência de efetivo prejuízo (TJMG, Processo 1.0079.03077641/001); Rel Hyparco Imnesi, Dj 21.06.2007). De mais a mais, nesta fase processual, não há que se perquirir, a menos quando haja evidência flagrante, sobre a ausência cabal de dolo ou culpa na conduta do agente, o que se verificará apenas no decorrer da instrução processual, resguardando-se o contraditório e a ampla defesa. Assim, tendo em vista que, diante do conjunto probatório carreado aos autos, a acusação se mostra plausível quanto à possível existência de falsidade ideológica, aponta-se para a pertinência da acusação quanto ao delito descrito no art.299 do Código Penal Por fim, não há nos autos prova da efetiva necessidade do afastamento cautelar do gestor público João Almeida Mascarenhas Filho do cargo, haja vista que não restou demonstrado estar ele causando qualquer óbice as investigações criminais. Conforme lição do Ministro Sepúlveda Pertence (cit. na RTJ 149/436), o afastamento do prefeito do cargo só é possível quando devidamente justificado, sob pena de violação ao princípio constitucional da inocência presumida, segundo o qual o acusado não deve sofrer efeito de condenação definitiva, bem como em razão do fato do mandato político republicano ser limitado no tempo e improrrogável, de forma que a privação do seu exercício é irrestituível. Pelo exposto, rejeitadas as preliminares, voto pelo recebimento da denúncia apresentada contra João Almeida Mascarenhas Filho, Júlio da Purificação, Gilma Almeida Mascarenhas Maia e Sílvia Maria Barbosa Sampaio, acusando-os da prática do delito previsto no art. 299 do Código, sem o afastamento Apô 0316803-53.2012 lrv fls. 11 PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Primeira Câmara Criminal 5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 Salvador/BA do primeiro denunciado do cargo de Prefeito. É o voto. Salvador, Sala das Sessões, ___________________ ____________________________________ Presidente _____________________________________ Relator João Bosco de Oliveira Seixas _________________________________Proc. de Justiça Apô 0316803-53.2012 lrv