Importância das Substâncias Húmicas para a Agricultura Ademar Virgolino da Silva Filho1 e Mônica Ishikawa Virgolino da Silva2 INTRODUÇÃO O solo em sua magnitude é um sistema vivo, em contínua evolução. Nele vivem milhares de organismos e animais intimamente dependentes da matéria orgânica, que lhe fornece energia e nutrientes para sua sobrevivência. A natureza predominante da população microorgânica, seu número, as espécies e o grau de atividade dos microorganismos, são conseqüências da qualidade e quantidade de materiais que retroalimenta a matéria orgânica que serve de alimento; e das condições físicas (textura, aeração e umidade) e químicas (quantidade de sais nutrientes, pH e elementos tóxicos) encontradas no solo. Gerenciar adequadamente o ambiente em que vivemos e simultaneamente mantê-lo produtivo para gerações futuras, é um desafio que depende da nossa compreensão da dinâmica da matéria orgânica do solo e do papel que esta desempenha sobre a possibilidade de aproveitamento dos recursos naturais, através da ciclagem do carbono, dos nutrientes e da energia, presentes nos ecossistemas agrícolas. Neste trabalho, procuramos enfocar as interações das substâncias orgânicas no solo, os efeitos decorrentes dessas interações sobre a estrutura, distribuição de agregados, capacidade de retenção de íons, umidade, poder tampão e, principalmente, procurar conceituar melhor às substâncias húmicas e seus efeitos diretos na produção agrícola. É importante salientar que a origem e a qualidade da matéria-prima que origina as substâncias húmicas são de fundamentais importâncias na relação final entre os ácidos orgânicos e os componentes minerais, químicos e biológicos do solo, promovendo melhores e mais estáveis interações, com influências diretas na produção e qualidade das produções agrícolas. CONCEITO E EVOLUÇÃO DA MATÉRIA ORGÂNICA DO SOLO No conceito clássico, os solos são formados por quatro componentes importantes, que se combinam e interagem entre si, que são: os componentes minerais, orgânicos, líquidos e gasosos. Existe um consenso na literatura que indica a composição média ideal do solo sendo: 9 45% compostos minerais 9 5% compostos orgânicos 9 25% solução do solo (líquido) 9 25% gases Na maioria dos solos, mesmos os chamados “solos minerais” as partículas minerais estão associadas de alguma maneira a matéria orgânica ou húmus, Malavolta (1980). A matéria orgânica do solo apresenta-se como um complexo sistema de substâncias carbônicas, cuja dinâmica é mantida pela contínua renovação de resíduos orgânicos de diversas naturezas e por uma constante transformação, sob ação de fatores edáficos, climáticos, biológicos, químicos e físicos, que por definição, são processos de estabilização do húmus em função de aspectos quantitativos e qualitativos detectados no ecosistema. ETAPAS DA DECOMPOSIÇÃO DA MATÉRIA ORGÂNICA DO SOLO O ataque inicial aos materiais recentemente incorporados é realizado pelos componentes da mesofauna do solo como as oligoquetas, térmitas, formigas, entre outros. Paralelamente, ocorrem transformações conduzidas por enzimas extracelulares produzidas por microorganismos ou exsudados radiculares. 1 Engenheiro-agrônomo , M.Sc. em Fitotecnia, consultor da empresa CODA S.A. ² Engenheira-agrônoma, consultora da empresa CODA S.A. A fase inicial da biodegradação microbiana é caracterizada pela perda rápida dos compostos orgânicos prontamente decomponíveis (açúcares, proteínas, amido, celulose, etc), sendo as bactérias especialmente ativas nesta fase de decomposição. Na fase seguinte, produtos orgânicos intermediários e protoplasma microbiano recentemente formado, são biodegradados por uma grande variedade de microorganismos, com a produção de nova biomassa e liberação de CO2. O estágio final é caracterizado pela decomposição gradual de compostos mais resistentes, exercida pela atividade de actinomicetos e fungos. Desde o ponto de vista da evolução da matéria orgânica do solo, existem conceitualmente dois processos, a degradação ou mineralização, e a humificação. No processo de mineralização, os microorganismos envolvidos consomem de 70 a 80% do material orgânico envolvido, transformando-os em CO2 e H2O, restando de 20 a 30% de compostos fenólicos e compostos lignificados parcialmente transformados que darão origem às substâncias húmicas. A matéria orgânica do solo pode ser dividida em dois grupos fundamentais. O primeiro está formado por compostos bem definidos quimicamente, geralmente incolores e que são exclusivos do solo. A maioria destas substâncias são compostos simples, de baixo peso molecular, utilizado geralmente pelos microorganismos como substrato, portanto de existência transitória. Entre estes compostos se encontram proteínas e aminoácidos, carboidratos simples e complexos, resinas, ligninas, álcool, auxinas, aldeídos e ácidos aromáticos e alifáticos. Estes compostos constituem aproximadamente, de 10 a 15% da reserva total do carbono orgânico nos solos minerais. O segundo é representado pelas substâncias húmicas propriamente ditas, constituindo de 85 a 90 % da reserva total do carbono orgânico, Kononova (1982). Estas substâncias são amplamente distribuídas sobre a Terra, encontrando-se no solo ou nas águas. Originam-se da degradação química e biológica de resíduos orgânicos e da atividade sintética da biota do solo, demonstrado no Esquema 1. Os produtos então formados associam-se em estruturas complexas mais estáveis, de coloração escura, elevado peso molecular, separadas com base em características de solubilidade. Classificam-se em: • Humina- fração insolúvel em meio alcalino ou em meio ácido diluído. Possui reduzida capacidade de reação. • Ácidos Húmicos- fração escura solúvel em meio alcalino, precipitando-se em forma de produto escuro e amorfo em meio ácido. Quimicamente são muito complexos, formados por polímeros compostos aromáticos e alifáticos com elevado peso molecular, e grande capacidade de troca catiônica. Combina-se com elementos metálicos formando humatos, que podem precipitar (humatos de cálcio, magnésio, etc.) ou permanecer em dispersão coloidal (humatos de sódio, potássio, amônio, etc.). • Ácido Fúlvico - fração colorida que se mantém solúvel em meio alcalino ou em meio ácido diluído. Quimicamente são constituídos, sobretudo, por polissacarídeos, aminoácidos, compostos fenólicos, etc. Apresentam um alto conteúdo de grupos carboxílicos e seu peso molecular é relativamente baixo. Combinam-se com óxidos de Fe, Al, argilas e outros compostos orgânicos. Possuem propriedades redutoras e formam complexos estáveis com Fe, Cu, Ca e Mg. • Ácidos Hymatomelânicos- fração dos ácidos húmicos solúveis em álcool. Máteria Orgânica Fresca (Ligninas, compostos solúveis, celulose) Mineralização Primária (Moléculas simples) NO3 , NH 4 , CO 2 , SO 4 , Po 4 Estágio Intermediário (Compostos parcialmente transformados, Não solúveis) Substância Húmicas (solúveis) Mineralização secundária NO3 , NH 4 , CO 2 , SO4 , Po 4 Esquema 1. Estágios simplificados da decomposição da Matéria Orgânica do Solo. Estruturalmente, as três frações húmicas são similares, mas diferem em peso molecular e conteúdo de grupos funcionais. Nesse contexto, observou-se que os ácidos fúlvicos possuem o menor peso molecular, menos carbono e nitrogênio e tem o mais alto conteúdo de grupos funcionais possuidores de oxigênio (CO2H, OH, C=O) por unidade de peso que as outras duas frações húmicas. A estrutura química e propriedades da fração humina parecem ser similares àquelas dos ácidos húmicos. A insolubilidade da humina pode ser proveniente dela ter sido firmemente adsorvida ou ligada a constituintes inorgânicos do solo. A resistência à degradação microbiana dos materiais húmicos parece também ser em grande parte devido à formação de complexos metálicos e/ou argilo-orgânicos estáveis, Schnitzer (1978). Entre as substâncias húmicas, os ácidos húmicos e fúlvicos são os mais estudados. A composição média de uma unidade básica para o ácido húmico e fúlvico, em termos de fórmulas químicas médias, é respectivamente, a seguinte: C187 H186 O89 N9 S2 e C135 H182 O95 N5 S2 adaptado de Schnitzer & Khan, 1978, citado por Santos & Camargo (1999). Dinâmica Ácidos fúlvicos Ácidos húmicos Tendência da grandeza 500 a 2.000 unidades Peso molecular 42,8 - 50,6% Conteúdo de Carbono 3,8 - 5,3% Conteúdo de Hidrogênio 20.000 a 100.000 unidades 54,4 - 54,9% 4,8 - 5,6% 4,1 - 5,5% 2,0 - 3,3% Conteúdo de Nitrogênio 1,3 - 3,6% Conteúdo de Enxofre 0,6 - 0,8% Conteúdo de Oxigênioe 34,1 - 35,2% 39,7 - 47,8% -1 1.120 - 1.400 cmolc kg Grupos ácidos -1 500 - 670 cmolc kg Grau de polimerização Alta Bio degradabilidade Baixa Esquema 2. Caracterização dos ácidos húmicos e fúlvicos A relação C/N dos ácidos húmicos e fúlvicos é superior em 50% à média observada na matéria orgânica do solo, indicando seu menor grau de degradação, conferindo-lhe maior estabilidade no ambiente. É possível observar que os ácidos húmicos possuem maior conteúdo de C e menor de O, e consequentemente, uma massa maior que os ácidos fúlvicos. Com o grau de polimerização relativamente maior dos ácidos húmicos, é possível constatar um estágio mais avançado de humificação. Entretanto, os ácidos fúlvicos contém mais agrupamentos – COOH por unidade de massa em relação aos ácidos húmicos (Esquema 2 ) e, juntamente com a soma dos grupamentos fenólicos, caracterizam maior acidez total, apresentando maior Capacidade de Troca Catiônica (CTC) que os ácidos húmicos. Mesmo quando comparado com uma argila silicatada 2:1, que contém em média 200 cmolcKg-1, as substâncias húmicas superam na capacidade tampão do solo. PROPRIEDADES COLOIDAIS DAS SUBSTÂNCIAS HÚMICAS As substâncias húmicas do solo possuem tamanho que permite incluí-las na faixa dos colóides, ou seja, maior que 250 µm, exibindo características próprias, destacando-se sua elevada superfície, a qual lhe confere alta reatividade. Esta característica faz com que a fração orgânica do solo, mesmo em baixos conteúdos, seja responsável por elevada porcentagem da CTC e CTA do mesmo. A formação das sustâncias húmicas, apesar de já serem muito estudadas, com vários modelos sugeridos, graças principalmente ao uso da técnica de espectroscopia de ressonância magnética nuclear, definiu-se essas substâncias, como sendo compostos bi ou tridimensionais, formados por estruturas aromáticas, com porções de cadeias alifáticas estáveis, unidas por pontes de hidrogênio, contendo grupos carboxílicos, carbonilas, fenílicos, alcoólicos, hidroquinonas, entre outras. Nos modelos recentemente propostos, tem-se observado que a estrutura das substâncias húmicas contém espaços vazios (Esquema 3 e 4) de diferentes tamanhos, onde poderiam alojar-se outros compostos orgânicos hidrofílicos ou hidrofóbicos, como carboidratos e matérias proteináceas, lipídeos, agrotóxicos e outros poluentes. Poderiam também estar presentes elementos inorgânicos como argilas e óxidos-hidróxido Schulter & Schnitzer, (1997). Esquema 3. Estrutura hipotética dos ácidos fúlvicos (Schnitzer, 1978) Esquema 4 . Estrutura bidimensional proposta para os ácidos húmicos (Schulten e Schnitzer, 1993, citados por Trinca, 1999). Diferente dos minerais de argilas, a matéria orgânica do solo não possui valor fixo de CTC. Isso ocorre não somente porque a acidez das substâncias húmicas varia diferentemente dos minerais de argila 2:1, mas também porque a CTC da Matéria Orgânica do solo aumenta com a elevação do pH, em função da ionização de grupos acídicos, principalmente COOH , Veloso et al.,(1982). A CTC de diversos materiais do solo 3-5 30-40 200 80-150 400-670 1.120 – 1.400 Caulinita Ilita Muscovita Montmorilonita Ácido Húmico Ácido Fúlvico * argila silicatada 2:1 cmolc Kg-1 cmolc Kg-1 cmolc Kg-1 cmolc Kg-1 cmolc Kg-1 cmolc Kg-1 * Em dois Latossolos do Cerrado Brasileiro, com predominância de caulinita e gibsita (óxido de Al +++) na sua mineralogia, Mendonça & Rowell (1996) observaram a contribuição das substâncias húmicas na CTC dos solos (Tabela 1). Tabela 1. Análises de dois Latossolos do Cerrado Brasileiro. Horiz. Prof. cm Argila Silte Areia CO SH ------------- g kg –1 ------------------------ CTC AH AF Acidez total cmolc kg –1 de solo 0,94 0,43 0,27 5,86 3,27 2,2 12,98 11,7 10,9 0,86 0,62 0,58 3,38 1,83 1,58 2,95 2,81 2,13 Latossolo Vermelho Amarelo A1 A3 B3 0-17 17-33 33-51 720 790 820 A1 A3 B3 0-18 18-38 38-51 130 130 160 210 150 140 70 25,6 11,5 60 21,1 8,9 40 16,7 7,1 Latossolo Vermelho Escuro 30 840 9,9 4,5 20 850 7,9 3 30 810 5,9 2,4 Fonte: Mendonça & Rowell (1996) PRINCIPAIS FUNÇÕES DAS SUBSTÂNCIAS HÚMICAS NO SOLO DENSIDADE APARENTE A matéria orgânica reduz a densidade aparente do solo. Conceitua-se densidade aparente como sendo a relação existente entre a massa de uma amostra de solo seco a 110º C e o seu volume global (aparente) ocupado pela soma das partículas e poros. Os solos agricultáveis, de forma geral, possuem densidade aparente entre 1,2 e 1,7 g/cm³. O uso inadequado de práticas agrícolas pode promover degradação e compactação dos solos tornando-os pouco produtivos. Existem relatos na literatura que densidade acima de 1,7 g/cm³ já inibe a emergência de sementes e dificulta a penetração de raízes, e acima de 2,0 g/cm³ já não possui boa infiltração e distribuição de água. Em média a densidade aparente de um composto orgânico varia de 0,2 a 0,4 g/cm³, justificando, em parte, sua influência direta nesta característica. Por outro lado, a grande estabilidade dos complexos argilo-húmicos (huminas) e por sua característica, de floculação das partículas dos solos, aumenta sua porosidade e consequentemente diminui a densidade aparente dos solos. AGREGAÇÃO É definido como sendo o resultado da união das partículas primárias: areia, silte e argila, e outros componentes do solo, como a Matéria Orgânica e os Carbonato de Cálcio e Magnésio, originando massas distintas com agregados estáveis Kiehl, (1985). Os agregados são arranjados de formas definidas, que interagem e interferem diretamente nos movimentos internos da água, ar, calor e crescimento de raízes, constituindo o que se conceitua como estrutura do solo. Práticas como cultivos adensados, cobertura morta, rotação com adubos verdes, compostos orgânicos e roço das ervas nativas, tendem a aumentar a agregação do solo. As substâncias húmicas e os minerais de argila, são dois agentes cimentantes que mais contribuem para a agregação do solo. Há uma interação entre os colóides orgânicos e inorgânicos do solo, formando complexos estáveis que favorecem sua estruturação. As substâncias húmicas, mostram-se mais eficientes que as argilas na formação de agregados com areia. A adição de húmus coloidal à areia de quartzo provocou 71 e 94% de agregação nos sistemas húmus, cálcico e hidrogênio saturados, contra 28,5 e 33,5%, respectivamente, nos sistemas argilo cálcico e hidrogênio saturados, Mortensen & Himes, 1964, citados por Kiehl, (1985). Esta característica pode estar relacionada à ação que os os microorganismos da fauna terrestre proporcionam na degradação das matérias orgânicas. A ação dos micélios dos fungos e actnomicetos ou as substâncias viscosas produzidas pelas bactérias, funcionam como elementos aglutinantes das partículas. Dos produtos resultantes da síntese microbiana, os polissacarídeos são os mais importantes agentes cimentantes; dos produtos da decomposição da Matéria Orgânica, componentes do húmus, os mais ativos são os materiais coloidais contendo poliuronídeos, proteínas e substâncias do tipo lignina. Dos representantes da fauna terrestre que se nutrem de resíduos vegetais (formigas, larvas, nematóides, protozoários, etc.), as minhocas são os mais importantes no tocante à agregação das partículas minerais que irão auxiliar na digestão dos vegetais, originando dejetos formados por agregados argilo-húmicos, ricos em minerais, CTC e resistentes à degradação pela ação da água. Os agregados proporcionam ao solo determinada porosidade, a qual, dependendo do seu tamanho, realiza funções específicas. Assim, existe uma indicação na literatura que os poros de 50µm são os responsáveis por grande parte do armazenamento de água e nutrientes para as plantas. Os poros que vão de 50 a 500µm, denominados de transmissão, são importantes para o movimento da água, trocas gasosas do solo e para o crescimento das raízes. Já os poros maiores que 500µm são considerados fissuras. Uma porcentagem alta de fissuras é um indicador de um solo desagregado, como também um solo com um índice alto de poros menores que 50 µm é indicador de um solo compactado, com baixa condutividade hidráulica. COR A cor escura da maioria dos solos agrícolas é devido a estrutura das substâncias húmicas tridimensionais, ricos em grupos funcionais aromáticos e alifáticos conjugados que absorvem melhor os raios infravermelhos, favorecendo a elevação da temperatura do solo, como influência na germinação, crescimento e atividade microbiana. CAPACIDADE DE INTERCÂMBIO IÔNICO As substâncias húmicas incrementam a CTC e a CTA, protegendo e disponibilizando os cátions e ânions para às plantas. A Capacidade de Troca de Cátions nada mais é, que a capacidade química do solo em reagir com os minerais (nutrientes) catiônicos (H+, K+, NH4+, Ca++, Mg++, Zn++, Mn++, Fe++, Cu++ e Al+++ ) fixandoos, e mantendo–os disponíveis para às plantas, protegendo-os de perdas por lixiviação ou por reações fortes de fixação, que os indisponibilizam. A CTC total do solo é constituída pelas cargas permanentes, associadas às substituições isomórficas no interior das argilas (Si4+ por Al³+ e Al³+ por Ca++) e pelas cargas variáveis, ou dependente de pH, associadas aos grupos expostos das argilas e sexióxidos de Fe+++ e Al+++ (SiOH —> SiO- + H+ e Al OH —> Al O- + H+) e os grupos funcionais das substâncias húmicas, tais como carboxílicos (COOH+ —>COO- + H+) e fenólicos (C6 H4OH+ —>C6 H4 O- + H+). A CTC dependente de pH, constitui-se no mais importante componente de cargas negativas dos solos tropicais, cuja magnitude aumenta com o teor de matéria orgânica. Considerando apenas a CTC variável ou dependente de pH, as contribuições da argila e matéria orgânica representam em média 10 e 90%, respectivamente Pavan et al. (1985). As substâncias húmicas, têm destacada capacidade para ligar-se, e reter os ânions (NO3-, SO4²-, Cl- , OH-, PO4²-, CO³-) por possuir grupos amino, amido, ligações peptídicas, polipeptídicos e outros nitrogenados. Estes ânions, ligados diretamente ou através de metais no caso dos fosfatos, são facilmente assimilados pelas plantas. Esta propriedade de intercâmbio iônico das substâncias húmicas do solo, quando bem manejada, otimiza a eficiência dos fertilizantes e reduz a sua ação contaminante. Esta característica define a ação tampão das substâncias húmicas nos solos. CAPACIDADE DE RETER UMIDADE As substâncias húmicas têm imensa capacidade de reter água no solo, mediante a formação de agregados. Pela propriedade coloidal das substâncias húmicas, a agregação das moléculas pelas ligações covalentes com o hidrogênio, formando estruturas esponjosas, com grandes espaços vazios, consegue reter grandes quantidades de água no solo, liberando-a lentamente para a planta, controlando sua água capilar. Kiehl (1985), cita que a matéria orgânica fresca, tem capacidade de retenção de água em torno de 80% do seu peso, a medida que vai sendo humificada, essa capacidade se eleva para cifras médias de 160%; a matéria orgânica bem humificada, rica em colóides, como as turfas e os solos orgânicos, podem ter de 300 a 400% de capacidade de retenção, enquanto que as substâncias húmicas puras podem alcançar de 600 a 800% de capacidade de reter água, ou seja, de 6 a 8 vezes o seu peso. SOLUBILIDADE A solubilidade das substâncias húmicas além de dependerem do pH do meio, dependem da associação com materiais minerais, como argila, silte e areia, como também, com sais solúveis, formando estruturas bi ou tridimensionais insolúveis evitando a perda de nutrientes por lixiviação em solos arenosos. Esta é uma das características da estabilidade dessas substâncias no solo. COMPLEXAÇÃO E QUELATIZAÇÃO Estas substâncias podem formar complexos ou quelatos relativamente estáveis com cátions polivalentes como Zn²+, Cu²+, Mn²+ e Fe²+, etc, aumentando sua disponibilidade para as plantas. MINERALIZAÇÃO A degradação das substâncias húmicas no solo promove a liberação de compostos como CO2 , H2O, NO3-, PO4-2, SO4-2, etc., sendo uma importante fonte destes nutrientes para a biofauna do solo. Para as plantas, o efeito seria mais indireto porque normalmente estas substâncias não são significativamente ricas em nutrientes. BIOLOGIA DO SOLO A matéria orgânica atua diretamente na biologia do solo, constituindo uma fonte de energia e de nutrientes para os organismos que participam de seu ciclo biológico, mantendo o solo em estado de constante dinamismo, exercendo um importante papel na fertilidade e na produtividade dos mesmos. Indiretamente, a Matéria Orgânica atua na biologia do solo pelos seus efeitos nas propriedades físicas e químicas, favorecendo a vida vegetal, justificando-se como melhorador ou condicionador de solo. Experimentos demonstram que as substâncias húmicas estimulam a alimentação mineral das plantas, o desenvolvimento radicular, diversos processos metabólicos, a atividade respiratória, o crescimento celular, tem ação fitohormonal (ação sobre as auxinas), formação da fotossíntese e síntese da clorofila (humatos e ferro facilmente translocável via xilema), conteúdo e distribuição de açúcares e sobre a maturação de frutas e legumes (produção de matéria seca). Apesar da Lei de Nutrição Mineral das Plantas demonstrar que estas vivem exclusivamente de sais minerais, está sendo provado que as raízes podem absorver e metabolizar várias substâncias orgânicas, fisiologicamente ativas, como as substâncias húmicas, ácidos fenólicos, carboxílicos e aminoácidos Kiehl, (1985). Fernandez, 1968, citado por Kiehl, (1985), observou que pequena quantidade de colóides húmicos adicionado às soluções nutritivas, aceleraram consideravelmente a adsorção do K+ e do PO42- na superfície dos pelos absorventes de plantas submetidas previamente a carências. A absorção de nutrientes minerais foi acelerada pela substância húmica, principalmente para o nitrogênio, fósforo, potássio e enxofre, Blanchet, (1957). ÁCIDOS HÚMICOS: ESSENCIAL PARA O ÓTIMO CRESCIMENTO DAS PLANTAS A ação dos ácidos orgânicos, principalmente húmicos, chamou a atenção da comunidade agronômica de todo mundo, a partir de meados dos anos 40, quando Dr. Leonard, de Dakota do Norte, observou as excelentes características agronômicas para o solo e plantas, de minérios de lignitos altamente oxidados, ricos em ácidos húmicos e fúlvicos, que posteriormente passou a ser conhecido como Leornadita. Várias universidades e serviços de extensão, começaram a experimentar o uso da Leonardita fundamentando melhoria de solo e fertilidade. Em particular, a Estação Experimental de Carolina do Sul demonstrou melhorias de rendimento com a Leonardita, baseado principalmente em produtos com ácidos húmicos de formação no Novo México. Desde àquelas experiências, em meados de 1960, os pesquisadores no mundo todo, vêm trabalhando com estas substâncias húmicas. Um número crescente de experiências de campo vem demonstrando os benefícios do uso dos ácidos húmicos na agricultura intensiva. Os resultados induzem a concluir que estes ácidos aumentam a absorção de nutrientes, melhoram a estrutura do solo, com efeitos diretos na produção, produtividade e qualidade de diversos cultivos. Pesquisas têm demonstrado que um dos grandes feitos dos ácidos húmicos para os cultivos, é a disponibilização do fósforo adsorvido na fração argila, ou complexado com íons, como cálcio, formando o precipitado fosfato cálcico, indisponíveis para a maioria dos vegetais. Há duas razões para isto, primeiro os ácidos húmicos complexam (sequestram) o cálcio solúvel e protege os fosfatos da interação cálcio-fosfato, segundo pela ação dos grupos funcionais amina, na adsorção do ânion fosfato, deixando-o disponível para absorção pelas plantas. Vaughan & Malcolm (1985), conduziram experiências com trigo em solução nutritiva, usando água destilada e a solução proposta por Hoagland. Os resultados apresentados (Figura 1), não só demonstram que os ácidos húmicos melhoram a solução nutritiva, como aumentaram o sistema radicular, brotos e biomassa em água destilada. Figura 1. Sladky (1985) demonstrou que as substâncias húmicas, separadas em ácidos húmicos e fúlvicos, influenciaram no aumento e na velocidade das taxas de germinação e de crescimento precoce de mudas de tomate, cultivadas em solução nutritiva, e que os ácidos fúlvicos foram mais estimulantes que a fração húmica, como na taxa de respiração e na densidade de clorafila das plantas, até mesmo por suas características estruturais. Figuras 2 e 3. Figura 2. Figura 3. Os teores de ácidos húmicos e fúlvicos ideais para os cultivos ainda é um tema pouco estudado. Contudo, alguns trabalhos indicam que as culturas respondem à ação dessas substâncias até determinado nível. Para a maioria das culturas, a maior resposta das plantas para os ácidos húmicos e fúlvicos, ocorre entre 10 a 300 ppm na solução do solo. Dixit & Kishore (1967) relataram que a resposta do pepino tem níveis ótimos a 100 ppm. Chen & Aviad (1990), demonstraram a influência dos ácidos húmicos no comprimento de brotos e raízes no cultivo de melão em solução nutritiva, chegando a conclusão que houve um efeito interativo entre os ácidos húmicos e nutrientes da solução e que o nível ótimo da concentração dessas substâncias foi de 37 ppm, como demonstram na Figura 4. Figura 4. Trabalho testando diversas fontes de substâncias húmicas em comparação ao tratamento convencional, foi realizado, na região do Vale do São Francisco, durante as safras de 2000 e 2001 (1° e 2 ° semestres) na propriedade do Sr. Manoel Elizeu Alves, localizada no Núcleo 1 do Perímetro Irrigado Senador Nilo Coelho, em Petrolina – PE, avaliando os seus efeitos na produtividade, qualidade da produção e melhorias no solo. Foram avaliados 4 fontes de substâncias húmicas ou matérias orgânicas em comparação ao programa convencional de fertilização do produtor, em uvas de cor, varidade benitaka. O trabalho foi conduzido pelo produtor, que foi escolhido por ser agrônomo e ser reconhecidamente um técnico que tradicionalmente produz uvas de qualidade, com o apoio de uma estagiária. Foram ao todo, 5 tratamentos com 4 repetições, em blocos casualizados, distribuídos na linha de plantio. Com 10 plantas por parcela, considerando 6 plantas como a área útil avaliada, durante 4 safras seguidas. Os resultados do trabalho estão apresentados nas Figuras 5, 6 e 7 a seguir: Produtividade em Kg/Planta por poda TRATAMENTOS 1ª PODA T1 18.00 T2 16.00 T3 17.00 T4 11.00 T5 12.00 2ª PODA 23.10 24.00 22.30 13.30 18.00 3ª PODA 42.50 31.75 27.00 24.00 31.68 4ª PODA 21.00 16.70 15.50 15.20 18.00 Acompanhamento de Produtividade (Kg/planta) por Poda 45,00 40,00 35,00 30,00 1ª PODA 25,00 2ª PODA 20,00 3ª PODA 15,00 4ª PODA 10,00 5,00 0,00 T1 T2 T3 T4 T5 Figura 5. Peso médio dos cachos, em gramas TRATAMENTOS 1ª PODA 2ª PODA 3ª PODA 4ª PODA T1 310 460 500 500 T2 270 440 429 440 T3 270 380 450 430 T4 180 260 408 390 T5 200 330 396 450 Peso médio de cachos em grama 500 400 1ª poda 2ª poda 3ª poda 4ª poda 300 200 100 0 T1 Figura 6. T2 T3 T4 T5 Número de cachos/planta TRATAMENTOS 1ª PODA 2ª PODA 3ª PODA 4ª PODA T1 58 50 85 42 T2 60 54 74 38 T3 62 58 60 36 T4 60 52 75 39 T5 60 55 80 40 Nº de Cachos por planta 90 80 70 60 1ª poda 2ª poda 3ª poda 4ª poda 50 40 30 20 10 0 T1 T2 T3 T4 T5 Figura 7. Todos os trabalhos consistiram em: Tratamento 1: CODAHUMUS 20 na dose de 28 litros por hectare, distribuídos por 14 semanas na linha de plantio da uva, na faixa molhada, sempre durante o período de irrigação, mais a adubação convencional do produtor. Tratamentos 2, 3 e 4: produtos comerciais encontrados no mercado local, com matéria orgânica, substâncias húmicas e/ou aminoácidos, nas doses recomendadas por seus fabricantes. Tratamento 5: Adubação convencional do produtor Fundação (por planta): 9 0,5 kg da fórmula 06.24.12 9 1,0 kg de calcário 9 1,0 kg de cinza 9 20 litros de esterco de caprino curtido Cobertura (por planta/ciclo): 9 250 gramas de Nitrato de cálcio 9 300 gramas de Sulfato de magnésio 9 200 gramas de Cloreto de potássio 9 25 gramas de Sulfato de zinco 9 20 gramas de Bórax 9 25 gramas de Sulfato de manganês 9 20 gramas de Sulfato de ferro Adubação utilizada na 1ª safra, sendo que na 2ª safra e nas subsequentes, suprimiu-se o calcário de fundação, ajustou-se as doses dos demais nutrientes, e depois disso, padronizou-se a adubação convencional para todos os tratamentos. O esterco e a cinza foram aplicados uma vez por ano, na adubação de fundação em cova. Em outra propriedade, a Fazenda DAN, localizada no PA II, Perímetro de Irrigação Senador Nilo Coelho, Petrolina – PE, iniciou a utilização do ácido húmico da empresa CODA S.A. – CODAHUMUS 20, na primeira safra de 1999, nas áreas de uva Itália e Benitaka. Devido a uma decisão de carácter financeiro dos administradores da fazenda, decidiram não realizarem as adubações com estercos ou compostos orgânicos, optando por fazer apenas aplicações do produto comercial – CODAHUMUS 20 – na dose de 40 litros/hectare/ciclo (4 meses); 2,5 litros/hectare/semana, desde a semana anterior a poda, por 16 semanas consecutivas. Os solos da fazenda DAN, confirmados através de análise física, possuem 95% de Areia, 3% de Silte e 2% de Argila, com CTC média original de 1,3 a 1,9 cmolc kg-1 , isto em sua implantação no ano de 1990. Os resultados das principais áreas que receberam o tratamento com CODAHUMUS 20, estão na Tabela 2. Tabela 2. Evolução da CTC em cmolc kg-1 , no solo da Fazenda DAN, tratado com CODAHUMUS 20. Área 1999 2000 2001 2002 1F 1H 1G 2C 6C 3,82 3,02 2,77 3,21 4,14 4,34 3,63 4,94 4,65 5,78 4,99 5,40 4,42 5,50 5,98 6,29 5,84 4,46 5,44 5,75 As doses do CODAHUMUS 20 nas áreas 1G, 2C e 6C, a partir de 2001 foram reduzidas para 20 litros por hectare ciclo, em função do fluxo financeiro da fazenda. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os possíveis benefícios propiciados pela suplementação com produtos a base de substâncias húmicas, principalmente os ácidos húmicos são inúmeros. Sentimos que a comunidade agrícola deve investir para o aumento das pesquisas nesta área, no sentido de formar conhecimentos técnico-científico que embasem os resultados práticos já existentes, expliquem melhor seus efeitos fitohormonal, metabolismo enzimático no vegetal e na rizosfera, disponibilidade de nutrientes, levando a melhores respostas de qualidade e sanidade vegetal. Desse modo, teremos respostas a questionamentos que diariamente nos deparamos a respeito da ação dos ácidos húmicos na disponibilidade e absorção de nutrientes; no equilíbrio hormonal das plantas; no metabolismo enzimático dos vegetais; sua ação quelatizante e a sua habilidade de minimizar a toxicidade e salinidade dos fertilizantes nos solos tropicais. Ao conduzir este trabalho, observamos que os projetos de pesquisas estão aumentando consideravelmente em toda a comunidade científica mundial, dando sustentabilidade ao nosso propósito, que é o da eficiência e eficácia na produção agrícola. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BLANCHET, R. Influência dos colóides húmicos sobre diferentes fases de absorção dos elementos minerais pelas plantas. C.P. Acad. Scl. n.°19 In: Revista de la potassa, seção 3, sept., 1957. CHEN, Y & AVIAD, T. Efeitos de substâncias húmicas no crescimento de plantas. In: P. MacCarthy, E.E. Clapp, R.L. Malcolm e P.R. 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